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CADERNO DE

CENTENÁRIO DA MORTE DE LUIZA PEREIRA DE MAGALHÃES

SÉRGIO GINI
EXPEDIENTE SUMÁRIO

5 APRESENTAÇÃO

7 PREFÁCIO

IGREJA PRESBITERIANA INDEPENDENTE


DO BRASIL
ORIGEM
MINISTÉRIO DA COMUNICAÇÃO

Ministro: Rev. Eugênio Anunciação


1 TRAGÉDIA FAMILIAR
Conselho Editorial: Rev. André Tadeu de 13 Dona Luizinha
Oliveira (relator), Rev. Ézio Martins de Lima,
Fernando Hessel
16 Origem e tragédia familiar
Autoria: Rev. Sérgio Gini

Editor e Revisor: Rev. Gerson Correia de 19 Uma família da nobreza


Lacerda

Jornalista responsável: Sheila de Amorim 22 Os Bernardi d’Allinges


Souza - Reg. MT 31751
e os Boquis
Editoração eletrônica: Seivadartes

E-mail: estandarte@ipib.org
25 O feudo Mestral-d’Allinges em Saubraz
Rua da Consolação, 2121 . CEP 01301-100
São Paulo-SP; Fone: (011) 3105-7773

1ª edição, São Paulo, 2021 FAMÍLIA


2 IMIGRAÇÃO
29 Ascendência por linha materna de

dona Luizinha

31 A família paterna de dona Luizinha

34 A miséria na Suíça e a imigração


36 Os suíços no Brasil

39 A família Lauper no Brasil


APRESENTAÇÃO

T
CASAMENTO empos atrás, recebi uma informação do
MINISTÉRIO Rev. Sérgio Gini que muito me alegrou.
3 CAUSAS SOCIAIS
A Comissão de História e Museu havia
preparado um calendário para a realização
43 Dona Luizinha em São Paulo de lives ao longo do ano de 2021. Para o mês
de agosto, a previsão era de uma live sobre D.
51 O ministério pastoral Luiza Pereira de Magalhães, esposa do Rev.
55 Campanha da Princesa Eduardo Carlos Pereira. Eu estava preocupa-
do com essa questão. Será que conseguiría-
61 A 1ª Igreja Presbiteriana de mos reunir material para uma live inteira so-
bre essa ilustre mulher?
São Paulo
Foi em tais circunstâncias que o Rev. Gini me
66 Atuação na sociedade paulistana
informou que estava preparando um texto
sobre a D. Luiza, fazendo pesquisas a respei-
to dela. Era a solução para o problema que a
O ESTANDARTE
Comissão de História e Museu estava enfren-
FILHOS E NETOS tando.
4 DOENÇA E MORTE
É, pois, com muita satisfação que O Estan-
69 A atuação em O Estandarte darte entrega o fruto do labor do Rev. Gini
para a IPIB. Ele vem preencher uma lacuna
74 Os netos e, também, honrar a memória de uma ilustre
77 O ocaso esposa de pastor.

Preenche uma lacuna porque esse é o primei-


ro texto sobre a vida de D. Luiza. Honra a sua
memória porque ela foi essencial para o de-
senvolvimento do ministério do Rev. Eduardo.
5 caderno de o estandarte
Na verdade, as esposas de pastores são vítimas de uma tre-
menda injustiça. Muitas vezes, elas são anônimas. Não têm
nomes. São conhecidas como “esposas” de pastores, e nada
mais.

No entanto, são elas as heroínas de ministérios de ilustres PREFÁCIO


pastores.

O Estandarte manifesta sua mais profunda gratidão ao Rev.

N
Sérgio Gini. Desejamos que o seu trabalho inspire e dê alen- ão é comum recordar o centenário da
to às esposas de pastores que padecem as agruras de seus morte de alguém. Até mesmo os chama-
maridos. Desejamos, também, que este trabalho estimule o dos grandes heróis da pátria, depois de
aparecimento de outros semelhantes sobre outras notáveis um tempo, acabam esquecidos e somente
mulheres de nossa história. são lembrados em livros escolares ou em
publicações muito especializadas. Outros se
Este Caderno é publicado com o número 12. Com isso, preten- tornam nomes de ruas e avenidas, de praças
demos dar continuidade a uma atividade desenvolvida por O ou qualquer outro logradouro público, na
Estandarte por ocasião da celebração do centenário de orga- maioria das vezes sem qualquer relação de
nização da IPIB. Naquela época, 11 cadernos vieram a lume. proximidade com a cidade ou o bairro.
São cadernos que servem para resgatar a história da nossa
igreja, muitas vezes ignorada e desprezada. Com a espantosa velocidade da informação e
o desenvolvimento da tecnologia nestes tem-
Dessa maneira, continuamos a afirmar a importância da his- pos hipermodernos, onde tudo está acelera-
tória. Com ela, temos condições de resgatar o passado que do em sua última potência, retroceder 100
fecunda o presente e inspira o futuro. anos no tempo, convenhamos, não atrai mui-
ta gente. Este campo acaba ficando restrito
aos historiadores e outros pesquisadores das
Rev. Gerson Correia de Lacerda ciências humanas.

Editor de O Estandarte Todavia, quase ironicamente, esta mesma


tecnologia tem se tornado uma aliada pode-
rosa na tarefa de vasculhar o passado. Do-
cumentos guardados há séculos e que antes
só poderiam ser folheados nos empoeirados
arquivos daquela cidadezinha mais distante,
hoje estão disponíveis em formato digital para
qualquer pesquisador. Jornais antigos podem

6 caderno de o estandarte 7 caderno de o estandarte


ser consultados na íntegra no formato online, assim como cer- Senhor porque a IPIB mantém a Comissão de História e Mu-
tidões, documentos do registro civil, atas, entre outros. seu, tão importante para o resgate de nossa história e para a
preservação de nossa identidade.
A preservação do acervo online do nosso centenário jornal
O Estandarte é uma dádiva para os historiadores. O primeiro Nosso desejo é que a leitura da história de vida de dona Luíza
jornal evangélico do Brasil, a Imprensa Evangélica, também Pereira de Magalhães, decorridos 100 anos de sua morte, seja
tem grande parte do seu acervo digitalizada e disponível para uma inspiração para todos nós. Nesses tempos tão acelera-
pesquisas online a partir da Biblioteca Nacional. dos em que vivemos, é muito importante conhecer o passado
para iluminar o nosso presente e nos apontar os caminhos do
Foram todas essas ferramentas tecnológicas que tornaram
futuro.
possível aprofundar as pesquisas sobre a vida da esposa do
Rev. Eduardo Carlos Pereira, o principal líder dos primeiros
anos da Igreja Presbiteriana Independente do Brasil (IPIB).
Boa leitura!
Dona Luíza Pereira de Magalhães é uma personagem muito
presente nos primeiros anos da história da nossa igreja nacio- Rev. Sérgio Gini
nal. Sua atividade ministerial sempre esteve muito além de ser Mestre em História e Doutor em Ciências Sociais.
a esposa do Rev. Eduardo. Pastor titular da IPI Alvorada de Maringá,
presidente do Presbitério de Maringá e do
Nosso interesse pela sua história foi despertado quando ini- Sínodo Vale do Rio Paraná.
ciávamos algumas pesquisas sobre o protestantismo como Professor de História da Igreja do curso de Teologia (EAD) da
instrumento de ascensão social familiar nos últimos 30 anos Faculdade de Teologia de São Paulo da IPIB (FATIPI).
Contato: sergiogini@gmail.com
do século 19 e no início do século 20 no Brasil.

Por coincidência, encontramos alguns documentos até então


inéditos, que traziam um pouco de luz sobre a vida de dona
Luíza, especialmente de sua família. Nascida na Suíça no iní-
cio da segunda metade do século 19, as informações familia-
res eram quase que totalmente desconhecidas, a não ser por
um ou outro artigo publicado em O Estandarte.

Começamos a nos aprofundar nas pesquisas e, em pouco


tempo, vimos que dispúnhamos de um material que deveria
ser compartilhado com toda a IPIB.

Louvamos a Deus pela disposição de O Estandarte em trazer


aos irmãos presbiterianos independentes a primeira versão
da materialização dessas pesquisas. Também louvamos ao

8 caderno de o estandarte 9 caderno de o estandarte


Acervo de O Estandarte
O mês de agosto
marca uma importante
data para a história
do presbiterianismo
nacional e,
especialmente, para
a Igreja Presbiteriana
Independente do
Brasil. Há 100 anos,
no dia 28 de agosto de
1921, morria em São
Paulo a esposa do Rev.
Eduardo Carlos Pereira,
dona Luiza Pereira
de Magalhães, ou
como carinhosamente
era chamada: dona
Luizinha.

Foto da família, por


volta de 1900

10 caderno de o estandarte 11 caderno de o estandarte


Dona Luizinha

1
S
eu nome confunde-se com o de seu espo-
so nos relevantes serviços prestados para
a igreja nacional antes e depois da cisão
de 1903. Entretanto, na história dos 118 anos
da IPIB, há poucas e esparsas informações
sobre a vida desta mulher que teve uma par-
ticipação fundamental como sustentáculo
do ministério do Rev. Eduardo. Mesmo quan-
do da notícia do seu falecimento, há apenas
alguns traços biográficos trazidos pelo Rev.
Vicente Themudo Lessa, historiador dos
primórdios do presbiterianismo pátrio.

Em 1943, na edição comemorativa dos 50


anos de O Estandarte, a diaconisa Albina
Amaral Pires de Campos, que foi sua grande
amiga, faz um escorço biográfico de dona
Luizinha, a partir de fragmentos de memória
do seu filho Carlos Pereira de Magalhães que,
em 1902, quando estudava Teologia em Glas-
gow, Escócia, havia visitado a terra natal de
sua mãe, a Suíça. Em 1955, durante as cele-

Origem e
brações do centenário de nascimento do Rev.
Eduardo Carlos Pereira, novamente peque-

tragédia
nas informações, até então desconhecidas,
de dona Luizinha são apresentadas no jornal

familiar
O Estandarte, inclusive algumas delas revela-
das por sua própria filha.

Diante da falta de informações mais detalha-


das sobre sua vida e, em face de contradições
13 caderno de o estandarte
mos de História Oral. Consagrada há algum tempo no meio

Acervo Família Peckolt.


acadêmico, a História Oral tem suas vantagens e, obviamen-
te, alguns problemas. As vantagens deixamos para os leitores
apreciarem. Os problemas, em sua maior parte, estão relacio-
nados com as reelaborações que são feitas, por questões de
memória ou por conveniência para acentuar ou minimizar um
fato, depois de muito tempo decorrido. Em muitos casos, há
uma tendência em romantizar os acontecimentos ou a dar-
-lhes contornos tão dramáticos que pedem um herói, ou uma
heroína, para superá-los.

Contudo, neste trabalho, fizemos um grande esforço meto-


dológico para que pudéssemos apresentar a dona Luizinha,
esposa do grande líder do presbiterianismo nacional e um dos
fundadores da IPIB, na sua forma mais humana possível. “Aos
justos, nasce luz nas trevas; ele é bondoso, compassivo e justo.
Feliz aquele que se compadece e empresta; ele defenderá a sua
Vista da cidade de Cantagalo, Rio de Janeiro, século 19. Dona Luizinha
causa em juízo; não será jamais abalado; será tido em memória
morou aqui quando veio para o Brasil entre 1876 e 1877
eterna” (Salmo 112.4-6 - NAA).

entre algumas histórias, nos colocamos na tarefa, como his-


toriador, a procurar encontrar outras fontes para que pudés-
semos trazer ao público evangélico do Brasil, especialmente
aos presbiterianos, detalhes mais precisos e relevantes sobre
a vida de dona Luizinha.

Como não há história sem fontes, fizemos questão de regis-


trar o máximo possível delas neste trabalho. Algumas são
inéditas e, por isso, nos revelam alguns pontos da história É importante registrar que
desta preciosa irmã que estavam obscuros ou que haviam grande parte do material que há
sido interpretados de outra forma. Contudo, há ainda muitos sobre a vida de dona Luizinha é
dados para serem encontrados e muitas fontes a serem pes-
quisadas, o que não nos foi possível devido à pandemia da proveniente do que chamamos de
Covid-19. História Oral
Faz-se importante registrar que grande parte do material que
há sobre a vida de dona Luizinha é proveniente do que chama-
14 caderno de o estandarte 15 caderno de o estandarte
Origem e tragédia familiar
O casal teve oito filhas: Charlotte Amelie Marie (1851),
Louise Caroline Jenny (1857), Hortense Charlotte Lu-
cie (1859), Mathilde Constance (1862), Marie Eléonore
(1863), Eugénie Henriette (1865), Cécile Eugénie Adéle
(1866) e Anna Laure (1867). Tragicamente, duas irmãs
Dona Luiza Pereira de Magalhães nasceu na Suíça. Obvia- morreram em 1876, com intervalo de menos de duas
mente não era este o seu nome. Embora em todas as fontes semanas: Charlotte Amelie, em 21 de junho, aos 25
brasileiras, inclusive as da família, registradas no jornal O Es- anos, e Marie Eléonore, em 2 de julho, aos 13 anos.
tandarte e nas biografias do Rev. Eduardo Carlos Pereira1, seu
nome seja grafado como Louise Lauper ou Louise D’Allinges
Lauper, descobrimos recentemente em pesquisas realizadas
junto aos arquivos da Société Genevoise de Généalogie2 sua
árvore familiar com os nomes e datas corretas. Seu nome de Escrevendo uma pequena biografia sobre dona Luizinha na
batismo era Louise Caroline Jenny Lauper. Nasceu em 10 de edição especial do cinquentenário do jornal O Estandarte, em
janeiro de 18573 (e não em 1858 como constam em todos os 7 de janeiro de 1943, a diaconisa Albina Amaral Pires de Cam-
registros brasileiros), em Plainpalais4, uma cidade do cantão pos utiliza algumas informações do filho do casal Luizinha e
de Genebra5. Louise foi a segunda filha do casal Jacob6 Lau- Eduardo, Carlos Pereira de Magalhães, colhidas durante uma
per e Marianne Julie Marie Dallinge, ambos de famílias cal- visita à Suíça: “Logo depois de formada foi contratada por dis-
vinistas, que se casaram em Le Petit-Saconnex, também no tinta família inglesa de Scarborough, Inglaterra, com sua irmã
cantão de Genebra, em 1850. mais velha, Helena, para governante de crianças. Nessa tare-
fa, faleceu sua irmã Helena em Scarborough, de tifo então rei-
nante em várias cidades da Inglaterra. A morte de sua querida
irmã trouxe-lhe profundo abalo”7 . Essa mesma informação é
confirmada pelo presbítero Albertino Pinheiro, na biografia do
1 As biografias dos Rev. Eduardo consultadas para este trabalho foram: PINHEIRO, Albertino. O Rev. Eduardo em 19558. Entretanto, textos anteriores omitem
centenário do Rev. Eduardo Carlos Pereira. In O Estandarte, edições de janeiro de 1955 a janeiro de essa informação como, por exemplo, o necrológio publicado
1956; LESSA, Vicente Themudo. Annaes da 1ª. Egreja Presbyteriana de São Paulo (1863-1903). São
Paulo: Estab. Graphico Cruzeiro do Sul, 1938; MACHADO, Adolpho Machado Côrrea. Eduardo Carlos em O Estandarte pelo Rev. Vicente Themudo Lessa, onde afir-
Pereira: seu apostolado no Brasil. São Paulo: Editora Pendão Real, 1983. MATOS, Alderi S. Matos.
Os Pioneiros Presbiterianos do Brasil (1859-1900): missionários, pastores e leigos do Século 19. São
ma: “Muito jovem, veio D. Luiza Lauper para o Brasil, acompa-
Paulo: Cultura Cristã, 2004; CASIMIRO, Arival Dias. Eduardo Carlos Pereira: um mestre da língua nhando a família para a nova pátria, que abraçou de coração”.9
portuguesa. Santa Bárbara D’Oeste: Socep, 2005; LIMA, Éber Ferreira Silveira. Entre a sacristia e o
laboratório: os intelectuais protestantes brasileiros e a produção da cultura. São Paulo: Fonte Editorial,
2012.
Na verdade, a irmã mais velha de dona Luizinha era Charlot-
2 Sociedade de Genealogia de Genebra te. Helena, citada no texto, provavelmente seria Eléonore, bem
3 Archives d’État de Genève, E.C. rep. 1.51
4 Em 1930, a comuna de Plainpalais juntou-se administrativamente com a comuna de Genebra,
passando a ser um bairro da Cidade de Genebra. Em sua região, fica o célebre Muro dos Reformadores.
5 Na Suíça, a divisão territorial é feita por cantões, uma espécie similar aos nossos estados. 7 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21.
Entretanto, cada cantão é independente e tem suas próprias leis. 8 O Estandarte, 31/07/1955, p. 4.
6 Descendente de alemães, Jacob passou a se chamar Jacques na região francesa de Genebra. 9 O Estandarte, 1º/09/1921, p. 1.

16 caderno de o estandarte 17 caderno de o estandarte


Uma família da nobreza

Ch. Chenevière. Plainpalais, histoire d’une paroisse, 1933


Na pequena biografia de 1943 é revelado que dona Luizinha
pertencia, pelo lado materno, à antiga nobreza Suíça cuja fa-
mília teria sido perseguida pelo Duque de Savóia nas batalhas
empreendidas contra a Reforma de João Calvino em Genebra.
No texto assinado por Albina de Campos, Carlos Pereira de
Magalhães relata sobre a visita que ele havia feito ao castelo
medieval D’Allinges em Thonon11 e à cidade de Saubraz, no
Templo da Igreja Reformada de
cantão de Vaud, região para onde a família D’Allinges teria se
Extrato da anotação cartorial do nascimento de Louise
Caroline Jenny Lauper e sua irmão Hortense Charlotte Plainpalais, Genebra, por volta mudado depois da perseguição promovida pelo Duque de Sa-
Lucie Lauper. de 1860. Dona Luizinha foi vóia entre 1530 e 1536.
Fonte: Archives d’Etat de Genève : Base Adhémar : E.C. rép. 1.51 - Répertoires des batizada nesta igreja.
naissances du canton - 1799-1915 - J-M, p. 72. Todavia, conforme pesquisamos nos arquivos da Sociedade de
Genealogia de Genebra e tendo acesso a farta documentação
publicada desde o final do século XIX, descobrimos que houve
mais jovem que as duas. Assim, podemos presumir que a várias famílias que usaram o nome D’Allinges, um sobrenome
irmã mais velha Charlotte teria ido para Scarborough traba- toponímico12, tanto na França como nos cantões helvéticos.
lhar como governanta de crianças e teria levado suas outras Conseguimos localizar documentos referentes há mais de 12
duas irmãs, Louise Caroline, recém-formada no liceu de artes gerações de ancestrais de dona Luizinha, comprovando que a
e ofícios, e Marie Eléonore, ainda uma adolescente. Pelas datas sua família materna não possuía ligação com a família D’Allin-
dos óbitos de Charlotte e Marie Eléonore, é possível que ambas ges de Thonon e, tampouco, teria sido perseguida por conta
foram acometidas pela terrível febre tifoide10. A perda das duas das guerras religiosas entre católicos e protestantes.
irmãs, provavelmente, contribuiu para as debilidades emocio-
nais que atormentaram dona Luizinha em alguns momentos de
11 Por conta dos benefícios dados por Filipe 1º de Savóia, em 1268, Thonon superou a vila de
sua existência e, especialmente, no final da vida, e pelo fato des- Allinges como o centro político da região vinte anos depois, muito antes de se tornar a residência oficial
se assunto não ter sido comentado oficialmente até o primeiro dos condes e duques de Savóia (século XV). Em 1536, com a ocupação de Berna, Thonon aderiu à
Reforma Protestante e se tornou sede de um bailiado bernense. Em 1569, Thonon voltou para Savóia
relato em 1943, vinte e dois anos após a sua morte. e, vinte anos depois, caiu nas mãos de Genebra. O movimento da Contrarreforma teve em Thonon um
dos seus sustentáculos, se opondo a Genebra, com a missão de Francisco de Sales e dos Capuchinhos
de 1594 a 1598 e a criação da Santa Casa em 1602, concebida como base da reconquista católica
10 Scarborough, na costa do Mar do Norte, na Inglaterra foi o epicentro de um surto de tifo em 1871 com uma comunidade de padres seculares - missão confiada aos capuchinhos -, colégio e centro de
e que durou vários anos. O problema estava nos esgotos que contaminaram a água da cidade. O estudos para os novos convertidos (DEVOS, Roger. "Thonon", in: Dictionnaire historique de la Suisse
príncipe de Gales, o futuro rei Eduardo VII, adoeceu de febre tifoide quando visitou esta localidade em (DHS), version du 26.01.2012. Online: https://hls-dhs-dss.ch/fr/articles/007126/2012-01-26/).
1871. Ver The Illness of H.R.H. The Prince of Wales. In The British Medical Journal, Vol. 2, n°. 571 (Dec. 12 Um sobrenome toponímico é aquele que deriva de uma região, de uma cidade ou localidade,
9, 1871), pp. 671-673. como, por exemplo, Mantovani, originário de Mantova, na Itália.

18 caderno de o estandarte 19 caderno de o estandarte


A família d’Allinges (e suas variantes como Alingio, Allinge,
Alinge, etc.) foi uma importante família feudal do Chablais,13
que leva o nome da localidade de Allinges, uma vila francesa
próxima de Thonon e que teve grande participação na história
da região de Valais, atualmente um cantão suíço. A cidade de
Allinges, hoje parte da região da Alta-Savóia, na França, ainda
conserva as ruínas de um antigo castelo medieval e mantém
sobre uma pequena montanha o castelo mais novo, Château-
-Neuf, um dos seus pontos turísticos.

O primeiro representante conhecido dessa família é Richard


d’Allinges14 que fez intercâmbios comerciais com a Abadia de
Saint Maurice, em 98415. De acordo com J. A. Galiffe,16 três
personagens da mesma família da casa de Allinges, de Cha-
Anotação cartorial do casamento entre Jacques Lauper, pai de dona
blais, exerceram o cargo de vidame17 em Genebra: Guillaume
Jacques Lauper e Marianne Dallinge. Luizinha, em foto tirada em
(1278), Raimond (1313) e Jaquemet (1316). Outros três, en- Fonte: Archives d’Etat de Genève : Base Genebra. Data desconhecida.
Adhémar : E.C. 2.16 - Répertoire mariages Fonte: Rev. Sérgio Gini
canton - 1841-1860 - A-Z, p. 373. (Sociedade de Genealogia de
13 A região do Chablais (nome que aparece pela primeira vez em um texto latino de 826) designava Genebra)
a região localizada perto da “cabeceira” do lago Léman (lago de Genebra), e mais tarde passou a
designar todo o sul da costa, especialmente a fronteira entre a atual França e a Suíça. O território,
que originalmente pertencia à Abadia de Saint-Maurice, ficou sob o controle da Casa de Savóia
quando Humberto aux Blanches-Mains se tornou conde de Chablais, em 1032. Parte do Chablais
foi conquistada em 1475 por Berna (cantão de Vaud) e formou o governo de Aigle (atual Chablais
Vaudois). O restante da região caiu nas mãos dos bernenses e valaisanos em 1536. A localidade de
Thonon (atualmente na França) ficou com Berna e as vilas de Evian, Saint-Jean d'Aulps e Monthey
com Valais. O duque de Savóia, Emmanuel-Philibert, recuperando parte de suas propriedades em
tre 1258 e 1304, foram cônegos da Catedral de Saint Pierre, a
1559, reivindicou o cantão de Vaud valendo-se da ordem de restituição emitida em Berna pela dieta do mesma que foi pastoreada por João Calvino mais de duzen-
Império de 1542. Diplomaticamente isolada, Berna devolveu Gex e Chablais pelo Tratado de Lausanne
de 1564, que entrou em vigor em 1567. O Tratado de Thonon (1569) entre Valais e Savóia empurrou a tos anos depois. A importância política da família também é
fronteira de Valais para o Morges de Saint-Gingolph; Monthey permaneceu com Valais e Thonon ficou registrada por Galiffe ao apontar que Jean d’Allinges teria sido
com Savóia. Em 1589, a guerra reacendeu-se entre a república de Genebra e Savóia. Genebrinos e
suíços ficaram com Thonon e Ripaille. A paz de 1593 abriu o caminho para a reconquista católica do síndico (prefeito) de Genebra em 1401 e que Guillaume d’Al-
Chablais Ocidental (BOUCQUET, Jean-Jacques: "Chablais", in: Dictionnaire historique de la Suisse linges, o senhor de Coudrée e chefe da família d’Allinges, teria
(DHS), version du 23.04.2009. Online : https://hls-dhs-dss.ch/fr/articles/007039/2009-04-23/)
14 DONETT, André (Ed.). Armorial Valaisan. Zurich : Orell Füssli Arts Graphiques S. A., 1946. p. 6 oferecido seus serviços à prefeitura de Genebra na qualidade
15 A Abadia de Saint Maurice, em Valais, foi construída há 1.500 anos como um lugar para
honrar os mártires. Este destino de peregrinação já foi o centro espiritual do Império Borgonha
de burguês.
e hoje abriga um dos mais ricos tesouros eclesiásticos da Europa.
16 GALIFFE, J.-A. Notices généalogiques sur les familles genevoises depuis les premiers temps Por conta de sua expressividade nobiliárquica, o sobrenome
jusqu’a nos jours. Tome second. Genève : Chez J. Jullien Libraire-Éditeur, 1892, p. 9
17 O vidame era originalmente a pessoa que liderava o exército e arrecadava os tributos feudais
D’Allinges, como é o caso de tantos outros nomes que deri-
de um senhorio eclesial cujo titular pertencia ao clero regular ou secular. Ele exercia em nome deste vam de localidades, foi assumido por várias famílias tanto na
senhor feudal certo número de direitos feudais. Nos tempos modernos, o título de vidame integra-se na
hierarquia nobiliárquica equivalente à de visconde. Certos títulos de vidames foram anexados a feudos,
França quanto no Suíça, muitas delas sem nenhuma relação
outros eram hereditários. Na Savóia e na Suíça, o termo tornou-se vidome, ou vidomne, para designar de parentesco em comum.
aquele que detinha as terras de um bispado ou de uma abadia.

20 caderno de o estandarte 21 caderno de o estandarte


Os Bernardi d’Allinges O abade de Saint Maurice, Jean Ga-
retti, confere em 1381 a Thomas
e os Boquis Bernardi de Vevey, provavelmente
seu sobrinho, que havia se casado
com a senhora Ellinode, viúva do
vidame de Vouvry, Jean Bargier Jr,
o direito aos bens deste último, tor-
nando-o cavaleiro. Bernardi, falecido
Como já afirmamos, a família materna de dona Luizinha não em 1421, deixou a casa e o vinhedo
teria relação com os d’Allinges de Thonon. Conseguimos lo- em Vouvry para seus herdeiros. A
calizar seus ancestrais, que por sinal estão muito bem docu- casa em questão era a Torre que te-
Brasão de armas da família
mentados, até o século XIV: são os Bernardi e os Boquis, de ria pertencido aos Allinges no passa- Bernardi D’Allinges, séc. XVI.
Vouvry18, na região de Valais, que passaram a usar o sobre- do, cujo nome os Bernardi passarão Fonte: Armorial Valaisan,
nome d’Allinges por conveniências da época. O que há de co- a adotar como uma espécie de título encarte, p. 37.
mum entre os verdadeiros d’Allinges e esses de Vouvry é a de nobreza, passando a assinar Ber-
relação com a famosa Abadia de Saint Maurice. nardi d’Allinges.

Na época romana, o local da Abadia de Saint Maurice era cha- Em Vouvry havia uma outra família influente, os Boquis, re-
mado Agaunum, localizado na estratégica e importante parte gistrados desde o final do século XV, e que parecem ser os
estreita do Rio Rhône. A famosa legião romana Theban, lide- mesmos da família Bochi, que aparece em documentos des-
rada pelo capitão Mauritius, ficava posicionada ali. No século de 121420. Jacques Bochi (Bochy, Boche, Bothe, Bochis ou Bo-
III, essa legião foi completamente aniquilada por conta de sua chiz, Boquis) é citado como chanceler de Saint Maurice, entre
adesão à fé cristã. A Abadia de Saint Maurice foi instalada so- 1235-1258, além de reitor do hospício de Saint Jacques, em
bre o túmulo desses mártires, no ano 515, por Sigismundo, fi- 1250. Maurice Bochi aparece como burguês, cônsul, síndico
lho do rei dos Borgonha, Gundobad. A partir de então, a Abadia e promotor de Saint Maurice, entre 1275-1281. Mais de um sé-
cumpriu um papel importante como centro de veneração dos culo depois, temos outro personagem de destaque, Hippolyte
mártires e sendo a principal igreja do Reino da Borgonha. Boquis, métral21 da Abadia de Vouvry, em 1508.

André Donett19 informa a existência de uma família de nome Bernar- Dona Luizinha era descendente direta destas duas famílias.
di (Bernardus, Barnard) de Vevey, localizada na margem nordeste do Os Boquis e os Bernardi d’Allinges se uniram por volta de
lago Léman, na região de Vaud. Esta mesma família se mudará para 1500, quando Nicolas Boquis se casou com Bernardine Ber-
Vouvry, distrito de Monthey, na região de Valais, por volta de 1329. nardi d’Allinges. Em 1515, os documentos informam que Ni-
colas deu ao abade de Saint Maurice, seu cunhado Jean Ber-
18 Vouvry é uma comuna pertencente ao distrito de Monthey, atualmente pertencente ao cantão de
Valais. Sua história está registrada desde o século XI e intimamente ligada à Abadia de Saint Maurice 20 DONETT, André (Ed.). Op. Cit. p. 39.
(REY, David: "Vouvry", in: Dictionnaire historique de la Suisse (DHS), version du 05.01.2015. Online: 21 O métral é a pessoa responsável por cuidar das vinhas do proprietário e recrutar o pessoal
https://hls-dhs-dss.ch/fr/articles/002745/2015-01-05/). necessário nas grandes propriedades. Na Suíça, em particular no Valais, o nome continua até hoje
19 DONETT. Op. Cit., p. 27 como uma função e designa aquele que cultiva a videira por conta de um proprietário.

22 caderno de o estandarte 23 caderno de o estandarte


nardi d’Allinges, um recibo de quitação pela transferência das
propriedades da família. Assim, os Boquis assumem os bens
O feudo Mestral-d’Allinges
da família Bernardi d’Allinges e o seu sobrenome.
em Saubraz
É nesse período que a Reforma comandada por Ulrico Zuínglio
avança sobre Berna (localidade de fala germânica), que se tor-
nará totalmente protestante em 1528. Esse ponto é importante
porque Berna anexará o cantão de Vaud (1536), passando a ter
a maior extensão de terras na região, e fará constantes bata-
Em 1510, Jean Mestral, filho de Arthaud Mestral, Senhor de
lhas contra os senhorios católicos, especialmente na Savóia e
Vaux, funda o feudo24 de Saubraz na região de Morges (atual-
no cantão de Valais, onde ficavam Saint Maurice, Monthey e
mente no cantão de Vaud). Em 1517, ele transfere o direito
Vouvry. Berna, inclusive, levou seus exércitos para Genebra para
do seu feudo para o seu irmão, o agora 2º. Senhor de Vaux,
proteger aquela república das investidas católicas dos valaisa-
François Mestral. Dessemontet informa que, em 1571, Michel
nos. As famílias Bernardi d’Allinges e Boquis eram católicas.
Mestral, 3º. Senhor de Vaux, recebe a fortaleza de herança de
Em 1543, o tabelião Jean Boquis d’Allinges, filho de Nicolas e seu pai François. Nessa época, a Reforma protestante já havia
Bernardine d’Allinges, é investido pelo abade de Saint Maurice, se consolidado no cantão de Vaud. Em 1577, o filho de Michel,
Barthélemy Sostionis, como “Senhor das terras e das flores- Ferdinand Mestral, o 4º. Senhor de Vaux, recebe a fortaleza de
tas” da Abadia de Vouvry. Este título de nobreza permanecerá Saubraz como herança.25
na família Boquis, doravante qualificada como nobre e instala-
Casado com Olivière de Neuchätel, Ferdinand teve apenas
da no castelo d’Allinges, em Vouvry, até 1612.
duas filhas: Úrsula e Jacqueline. Ele morre por volta de 1592
Jean Boquis se casou com Antoinette Bemondi. Seu filho, Fran- e suas duas filhas ficam sob a guarda de seu irmão Etienne
çois Boquis d’Allinges, foi tabelião e vidame de Vouvry por três Mestral. Úrsula se casa com Jean Rolaz um nobre riquíssimo
oportunidades (1572-1577; 1594-1600; 1616-1618). Jacques, fi- de Rolle e herda todas as terras do Senhorio de Vaux. Para Ja-
lho de François, será vidame de Vouvry de 1620-162922. Nicolas cqueline, a herança foi o feudo de Saubraz. Para compensar
Boquis d’Allinges, irmão de François, cedeu-lhe em 1600, sua par- a fragilidade econômica do feudo, Jacqueline também obteve
te de um vinhedo em Noblaz e se casou com Jacqueline Mestral parte da renda paterna da Senhoria de Vaux. Em particular,
de Vincy23, inaugurando assim o braço da família Boquis d’Allin- ela teve o uso da parte sudoeste do feudo de Vincy, que ela se
ges na região do Pays de Vaud, de maioria protestante. comprometeu a manter como um feudo nobre de sua irmã, a
nova Senhora de Vaux. É neste local que o casal Boquis d’Al-
linges-Mestral residirá.

22 LEVET, Clovis. Vouvry à travers les âges. In Petites Annales Valaisannes. Sion, 1935, pp. 24, 25,
44-52. 24 Na Idade Média, o feudo era formado pelo senhor feudal e por camponeses, livres ou em
23 Vincy é uma aldeia vitivinícola pertencente à comuna de Gilly, atualmente parte do cantão de condição de servidão. Havia ainda artesãos nos feudos, representando um número pequeno de
Vaud. Desde a Idade Média havia dois senhorios e donos dos castelos nesta terra, um conhecido como pessoas, exercendo trabalhos agrícolas para sua subsistência. Esse modelo político deu origem ao
de Vaux e o outro em Vincy. Com exceção de alguns momentos de guerras, a família Mestral possuía termo econômico feudalismo.
os dois senhorios desde o século XIV (HAUSMANN, Germain: "Gilly", in: Dictionnaire historique de la 25 DESSEMONTET, Olivier. Le fief Mestral-d'Allinges à Saubraz. In Revue Historique Vaudoise,
Suisse (DHS), version du 18.11.2005. Online : https://hls-dhs-dss.ch/fr/articles/002602/2005-11-18/). n. 69, 1961, pp. 49-78.

24 caderno de o estandarte 25 caderno de o estandarte


Tendo se tornado uma vassa- rolle. Ela se casou tardiamente e não teve filhos.27
la do Barão d’Aubonne por seu
Benjamin é mencionado em vários documentos em Saubraz
feudo em Saubraz, Jacqueline
entre 1692 e 1717. Por volta de 1692 ele se casa com Françoi-
foi chamada para pagar a vas-
se Hinguer. Nessa época se instalou uma grave crise econô-
salagem duas vezes, em 6 de
mica em Saubraz. Barthelemy é o primeiro a vender a sua par-
julho de 1608 e em 15 de fe-
te no feudo. Benjamin tenta controlar os seus domínios, mas
vereiro de 1623. Ela manteve
já era tarde demais e a sua grande família não ajudava em
em sua propriedade o feudo
sua situação econômica. Aos poucos ele teve que vender as
até sua morte e o passou para
terras. Finalmente, em 14 de março de 1713, logo após a mor-
um de seus dois filhos, Fran-
te de seu irmão, pressionado por seus credores, ele teve que
çois Boquis d’Allinges. É assim
ceder “quase todos os seus domínios” a Jean Valier, de Au-
que a nobre terra de Saubraz
bonne, por 10.500 florins28. Terminava, assim, a breve história
deixou de pertencer à família
Brasão de armas da família do pequeno feudo nobre de Saubraz que pertenceu à família
Mestral, pouco depois de 1627,
Boquis D’Allinges, séc. XVII. Mestral e depois à família Boquis Dallinge da qual descendia
e passou aos herdeiros da fa-
Fonte: Armorial Valaisan, encarte, p. 37.
dona Luizinha.
mília Boquis D’Allinges.

De 1651 a 1689, François d’Al-


linges é citado em uma série de

pintura de Edmund John Niemann (1876).


documentos. Está domiciliado
em Saubraz onde participa da
vida pública como assessor do Consistório26, depois como
membro da corte de justiça de Gimel. Ele não explorou apenas
o feudo de Saubraz, mas também cultivava terras rurais na re-
gião. Do casamento com Jeanne Pasque nasce Jean-Baptis-
te, Gédéon, Barthelemy, Benjamin e Marie. Todos passarão a
usar a forma abreviada do sobrenome como Boquis Dallinge.

François d’Allinges morreu por volta de 1689 e sua proprie-


dade passou para seus dois filhos homens sobreviventes, os
nobres Barthelemy e Benjamin Dallinge. A única filha, Marie, Scarborough ao entardecer, ilustração de 1876. Dona
batizada em Gimel em 8 de outubro de 1635, se casou em Luizinha morou nessa cidade da Inglaterra onde
perdeu duas irmãs para a febre tifoide
Biere em 13 de dezembro de 1687, com Urbain Monod, de Be-

26 O Consistório era, nos cantões protestantes, um corpo judiciário composto por pastores e anciãos 27 DESSEMONTET, Olivier. Op. Cit. p. 65.
leigos e eleitos pela Igreja. Seu propósito era liderar a igreja local e controlar os costumes dos cidadãos. 28 DESSEMONTET, Olivier. Op. Cit. p. 72.

26 caderno de o estandarte 27 caderno de o estandarte


Ascendência por

2 linha materna de
dona Luizinha

O
s ancestrais de Louise Caroline Lauper
estão bem documentados e há registros
sobre várias de suas atividades. Em nos-
sas pesquisas, conseguimos traçar a sua ge-
nealogia desde meados do século 15.

1. Jacques Bernardi d’Allinges 7. François Boquis d’Allinges. Falecido


Casado com “desconhecida” por volta de 1681 em Saubraz
Casado com Jeanne Pasque
2. Thomasset Bernardi d’Allinges.
Aparece num registro por volta de 1492 8. Benjamin Boquis Dallinge. Falecido
Casado com Guillemine Sostionis por volta de 1717 em Saubraz
Casado com Françoise Hinguer
3. Hugonin Bernardi d’Allinges
Casado com Guillaumette Sostionis 9. Paul Henri Dallinge. Falecido em
28/11/1786 em Saubraz
4. Bernardine Bernardi d’Allinges Casado com Marie Bellami
Casada com Nicolas Boquis, em 1500

FAMÍLIA em Vouvry. 10. Benjamin Issac Dallinge. Nascido em


15/05/1742 e falecido em 30/10/1797

IMIGRAÇÃO
5. Jean Boquis d’Allinges Casado com Jeanne Judith Henriette
Casado com Antoinette Bemondi, em Uldry, em Saubraz.
12/12/1538 em Vouvry.
11. Jean François Louis Dallinge.
6. Nicolas Boquis d’Allinges. Residência Nascido em 26/03/1764 e falecido em
documentada em Saubraz 04/02/1858
Casado com Jacqueline Mestral, por Casado com Jeanne Louise Hadorn,
volta de 1600 em Saubraz.

28 caderno de o estandarte 29 caderno de o estandarte


12. François Dallinge. Nascido em
26/09/1798 e falecido em 23/07/1873. 14. Louise Caroline Jenny Lauper. A família paterna de
dona Luizinha
Foi agricultor em Saubraz, comerciante Nascida em 10/01/1857, em Plainpalais,
de madeira e estalajadeiro em Apples, no cantão de Genebra; falecida em
distrito de Morges, no cantão de Vaud. 28/08/1921 em São Paulo.
Casado com Jeanne Louise Piguet Casado com Eduardo Carlos Pereira, em
14/06/1880 (ou 17/07/1880) em São
13. Marianne Julie Marie Dallinge. Paulo.
Nascida em 23/08/1826 em Saubraz
e falecida em 11/11/1912, em Porto
Alegre. Jacob Lauper (ou Jacques, em francês) era natural de Seedorf,
Casado com Jacob (Jacques) Lauper,
no cantão de Berna, região de língua alemã, onde nasceu em
em 22/11/1850 em Le Petit-Saconnex
(cantão de Genebra)
28 de maio de 1827, um ano antes da introdução da Reforma
na cidade e de uma das principais confissões de fé reformada,
as 10 Teses de Berna29. Seus pais foram Jakob Lauper e Anna
Marie Eichenberger. Sua mãe morreu três dias após o parto e
ele foi criado por parentes. Jakob Lauper casou-se novamente
com Elisabeth Künzi em 1830 e tiveram mais três filhos. Curio-
samente, o primogênito Johannes Lauper (meio-irmão de Ja-
cques) viu sua esposa e seus dois filhos se converterem ao
mormonismo em 1893. Após sua morte, sua esposa e seus
dois filhos mudaram-se para os Estados Unidos se fixando
no Estado mórmon de Utah. A parte da família Lauper que se
mudou para a América por causa da conversão ao mormonis-
mo está muito bem documentada em um livro publicado em
2003.30

Carlos Pereira de Magalhães, citado pela diaconisa Albina de


Campos na matéria de 1943, afirmava que seu avô Jacques
Johann Jacob Steinmann, 1839.

era engenheiro agrônomo e havia combatido na campanha


de 1847 com o general Dufour em Genebra. Sobre a primeira
informação é importante corrigir que não existia essa profis-

Colônia suíça em Nova Friburgo, a primeira 29 As 10 Teses de Berna foram redigidas pelos reformadores Berthold Haller, Sebastian Meyer e
Franz Kolb. Posteriormente, o texto foi revisado por Zuínglio e publicado em alemão, latim e francês por
do gênero no Brasil
Guilherme Farel e Ecolampádio, para que fosse usado numa conferência em Berna, convocada pelo
governo da cidade, durante o período de 7 a 26 de janeiro de 1528. As 10 Teses de Berna serviram de
base para a Declaração Sinodal de Berna, em 1532.
30 GOATES, Kenneth Joseph. This is one family: the lives, ancestors, and posterity of… Salt Lake
City (UT): Family History Library, 2003, p. 33-50

30 caderno de o estandarte 31 caderno de o estandarte


são em Genebra no século 19. Nos arquivos da Sociedade de Carlos Pereira de Magalhães também informa que antes de
Genealogia, na pasta da família Lauper, há uma informação de vir para o Brasil, seu avô teria trabalhado nos jardins do museu
que a sua profissão era a de jardineiro, o que era perfeitamen- de Reveillaux, em Genebra. Na verdade, há um pequeno equí-
te adequado tendo em vista que a região de Plainpalais e de voco, pois o nome correto do museu é Ariana32, fundado pelo
Genebra é conhecida pelos seus exuberantes jardins públicos, mecenas protestante Gustave Revilliod de la Rive, em 1877.
fruto da tradição dos jardins franceses, e que começaram a Provavelmente Lauper teria trabalhado na formação destes
ganhar forma por volta de 1860. jardins por volta de 1875 e 1876, pois teria imigrado para o
Brasil entre 1877 e 1878. Este teria sido o seu último trabalho
Sobre a informação de Jacques Lauper ter combatido com o em Genebra.
comandante Dufour31 na campanha contra os cantões católi-
cos separatistas em 1847 na famosa guerra de Sonderbund
que durou apenas 25 dias, infelizmente não conseguimos
pesquisar nos arquivos militares de Genebra. Entretanto, é
perfeitamente factível essa informação uma vez que na época Em nossas pesquisas, conseguimos retroceder até o sé-
contava com 20 anos e era protestante. culo 16 em linha direta com os ancestrais de dona Luizi-
nha pela via paterna. Todos são originários de Seedorf,
uma pequena cidade de pouco mais de 3 mil moradores,

Antoine François Détraz. Acervo da Bibliothèque de Genève.


pertencente ao cantão de Berna, a sede administrativa e
política da Suíça moderna. O ancestral mais antigo que
encontramos é Bendicht Laupper que se casou por volta
de 1568 com Fronek Veronika Dittinger. Todos os Lauper
eram reformados.

Construção do museu Ariana em Genebra (1879), financiado por Gustave Revilliod.


Jacques Lauper trabalhou na construção dos jardins desse museu

31 O general Guillaume Henri Dufour (1787-1875) é um dos nomes mais respeitáveis da história da
Confederação Suíça e um dos fundadores da Cruz Vermelha. Em 1847, ele assumiu o comando do
Exército suíço com o posto de general. Nesse mesmo ano, liderou a guerra de Sonderbund contra os 32 Fundado para expor as suas coleções de pintura, escultura, porcelanas, faianças, móveis etc.,
sete cantões separatistas católicos e conquistou a paz, graças ao seu talento como estrategista, em Revilliod deu-lhe esse nome em homenagem à sua mãe, Ariane de la Rive. O Museu Ariana está
25 dias de guerra, com perdas mínimas para todas as partes. Durante esta guerra, ele ordenou a seus localizado no Parque Ariana e foram doados por Revilliod para a cidade de Genebra. Neste parque
soldados que poupassem os feridos, prisioneiros e aqueles que estavam indefesos. encontra-se a sede da ONU.

32 caderno de o estandarte 33 caderno de o estandarte


A miséria na Suíça e a tivas: a emigração para as cidades industriais da Suíça e suas
fábricas. Essa emigração assumiu uma escala sem preceden-
imigração tes e, em meados do século XIX, já havia um milhão deles vi-
vendo na pobreza social reinante na Suíça.

Duas grandes fomes atingiram a população em 1816 e em


1847. Essas crises alimentares levaram a imigração massiva
de parte da população com o objetivo de encontrar uma nova
oportunidade, especialmente nas Américas.
Quem vê a Suíça hoje como um dos países com uma das me-
lhores qualidades de vida do mundo, não imagina que durante
o século XIX e no início do século XX, a Confederação Helvéti-
ca passou por grandes crises provocadas pela miséria e pela
fome, o que obrigou a uma imigração em massa. Parte disso
foi provocado pelas guerras napoleônicas, pela revolução in-
dustrial e por questões climáticas (chuvas e inundações).

Entre 1801 e 1813, a expectativa de vida era de 38 anos e


meio. Por volta de 1880, ela estava em 50 anos e meio. Uma
em cada cinco crianças morria antes de completar um ano de
idade. De 1800 a 1910, a população dobrou de cerca de 2 mi-
lhões para mais de 3,8 milhões. Como 90% da Suíça no século
XIX era rural ou semirrural, a industrialização da agricultura
levada a cabo pela revolução industrial trouxe sérias conse-
quências para os cantões agrícolas 33.

O excedente da população agrícola, a fragmentação das pro- A imagem “Apelo da pátria” era vendida em Genebra
priedades e a concentração do capital fundiário aumentaram em 1868 em favor das vítimas das enchentes
Crédito da foto: Le Carillon, outubro de 1868.
o número de camponeses sem terra. Ao mesmo tempo, a
baixa renda obrigou os pequenos agricultores, especialmente
aqueles que possuíam crianças pequenas, a venderam a sua
força de trabalho para os camponeses mais abastados.

As convulsões sociais pela mudança na estrutura agrária e


pela fome, levaram os camponeses a fazerem escolhas defini-

33 JOURNAL MURAL. De l'émigration à l'immigration : Vivre entre deux mondes - 1803-2003.


Musée historique de Lausanne par l'association Vivre, 2003.

34 caderno de o estandarte 35 caderno de o estandarte


Os suíços no Brasil fundada naquele mesmo ano por D. João VI, e que serviria
para acolher também os primeiros imigrantes alemães que
chegariam três anos depois, tornando-se a primeira colônia
não lusitana a ser fundada no Brasil em caráter oficial.

Diversos problemas de adaptação ao clima, da forma de tra-


balho, com as moradias e com os administradores portugue-
A fome de 1816 e a miséria que se seguiu nos anos seguin-
ses, além dos conflitos com os alemães, fizeram com que os
tes, motivou alguns interesseiros especuladores suíços a tirar
suíços desistissem de Nova Friburgo. Em face das numero-
proveito de seus compatriotas. Um desses, Nicolau Gachet,
sas dificuldades e por não ser aquele lugar a “terra prometida”,
esteve no Brasil em entrevista com D. João VI e convenceu o
por volta de 1830 parte dos colonos se aglomerou no distrito
rei português a criar a primeira colônia de imigrantes suíços
de Cantagalo36.
no Brasil, enquanto ele criava uma empresa para tratar dos
trâmites imigratórios e lucrar com isso34. Malograda a primeira experiência, o Império do Brasil irá in-
centivar a imigração em massa na segunda metade do século
O acordo de Gachet com a Coroa portuguesa previa a vinda ao
XIX motivada pelo combate à escravidão e ao tráfico negreiro,
Brasil de 100 famílias suíças, todas católicas romanas. Ao che-
especialmente pela Inglaterra. À medida que o tráfico de es-
garem, a exigência da Coroa era que todos se naturalizassem
cravos se torna cada vez mais difícil, os grandes latifundiários
e fossem servos leais de Sua Majestade. A propaganda feita
são forçados a substituir gradativamente a mão de obra em
nos cantões suíços era de que o Brasil seria a “terra prometi-
suas fazendas.
da”. Em 1817, 1.088 colonos, mulheres e crianças, oriundos
dos cantões de Vaud, Valais, Genebra e Neuchatel iniciaram
a jornada que passaria pela Alemanha e pelos Países Baixos De 1846 a 1920, as estatísticas brasileiras registram a
(Bélgica e Holanda). Em Amsterdã, se encontraram com ou- entrada de 3.607.000 imigrantes, ou em média mais de
tros 1.548 colonos que haviam partido de Fribourg e Lucerna. 48.000 por ano. Desses, 148.500 são suíços37. De 1850 a
1855, milhares de suíços partiram para o Brasil, em sua
Os navios com 261 famílias suíças, ou seja, 161 a mais do que maioria indigentes e pobres, atraídos pelas empresas
o combinado, chegaram ao Rio de Janeiro entre novembro e propagandistas. Vieram para trabalhar nas fazendas de
dezembro de 1819. Dessas, cerca de 190 eram famílias de pro- café em São Paulo e nas de cacau na Bahia. Contudo,
testantes reformados, contrariando o contrato de imigração. os registros indicam que muitos deles trabalhavam em
Muitos imigrantes chegaram exauridos pela extensa demora condições análogas à escravidão38.
e cerca de 20% morreram na travessia35. Se estabeleceram na
pitoresca Nova Friburgo, na região serrana do Rio de Janeiro,

34 NICOULIN, Martin. A gênese de Nova Friburgo: emigração e colonização suíça no Brasil (1817-
1827). Rio de Janeiro: Fundação Biblioteca Nacional, 1995, p. 33. 36 ARLETTAZ, Gerald. Émigration et colonisation suisses en Amérique 1815-1918. In Études et
35 TEIXEIRA. Mateus Barradas. Conflitos religiosos em torno da instalação dos protestantes Sources, V. 5. Revue des Archives fédérales suisses. Berna, 1979, p. 157.
luteranos em Nova Friburgo nas primeiras décadas do Século XIX. Dissertação (Mestrado em História). 37 ARLETAZ, Gerald. Op. Cit.
Universidade Federal do Rio de Janeiro, 2018, p. 75. 38 JOURNAL MURAL. Op. Cit.

36 caderno de o estandarte 37 caderno de o estandarte


Nas plantações, os suíços serviam como mão de obra barata
para substituir os escravos. Endividados para o resto da vida,
A família Lauper no Brasil
mal alojados, separados uns dos outros apesar das garantias
dadas na Europa, vieram a se rebelar na Fazenda Ibicaba, de
propriedade do senador Vergueiro. Graças à personalidade
de Thomas Davatz, um professor suíço-alemão do cantão
de Glarus, evitou-se um motim sangrento. Foi feita uma De- Efetuamos várias pesquisas no Arquivo Público Nacional nas
claração com uma série de reinvindicações de direitos pelos listas de passageiros europeus que desembarcaram no porto
suíços. Quando o senador Vergueiro recebeu a Declaração, do Rio de Janeiro entre 1875 e 1878. Infelizmente nada en-
contentou-se em expulsar Davatz e sua família para a Suíça.39 contramos sobre a família Lauper. Também pesquisamos nos
arquivos da Hospedaria dos Imigrantes, do porto de Santos, e
nada encontramos.

Esse registro sobre as condições dos suíços em sua pá- Localizamos o primeiro registro sobre os Lauper no Brasil em
tria e sobre a imigração para o Brasil é necessária, pois uma notícia sobre a saída de navios do porto do Rio de Janei-
podemos incorrer no erro de tentar dar aos helvéticos ro, o que era comum nos jornais diários da época. Nela lemos
do século XIX o mesmo tratamento de hoje, no século que Jacques Lauper e sua família embarcaram no paquete
XXI, ou seja, pessoas que saíram de um país maravilho- America40 com destino ao porto de Santos, em 10 de julho de
so, rico, instruído, para se aventurarem nas selvas ou 1878 41. Em 6 de novembro de 1879, mais de um ano depois,
sertões brasileiros. Essa ideia é totalmente anacrônica. Jaques Lauper e família voltam ao Rio de Janeiro conforme
Quando os Lauper chegam ao Brasil, o país já era muito registro na Gazeta de Notícias42. A viagem em um vapor de
mais populoso do que a Suíça e clima tropical era muito luxo, indica, em princípio, que a família estava bem estabele-
melhor do que aquele das torrenciais chuvas e nevas- cida no Brasil.
cas dos alpes suíços. Na matéria de janeiro de 1943 em O Estandarte, há a informa-
ção de que Jacques Lauper teria vindo para o Brasil a convite
do seu conterrâneo, o jardineiro Dierberger, para trabalhar nos
jardins da mansão de dona Veridiana Prado, em São Paulo.
Novamente, os dados não são corretos. Primeiro que, embo-
ra tenha sido criado em Zurique, Johann Dierberger nascera
em Baden, na Alemanha. Segundo que Dierberger só chegou
ao Brasil em 1888 (cerca de dez anos depois de Lauper) e foi

40 O paquete America era um navio de luxo, de alta velocidade e movido a vapor.


41 Gazeta de Notícias, RJ, 11/07/1878, p. 5
39 DAVATZ, Thomas. Memórias de um colono no Brasil (1850). Belo Horizonte: Ed. Itatiaia, 1941. 42 Gazeta de Notícias, RJ, 7/11/1879, p. 3

38 caderno de o estandarte 39 caderno de o estandarte


trabalhar na estrada de ferro Rio de Janeiro-Juiz de Fora43. ele teria vindo para o Brasil a convite de Glaziou para trabalhar
Terceiro que os jardins da mansão de dona Veridiana Prado, com ele nas obras da Corte, pois as datas da finalização do
construída entre 1882 e 1884, foram projetados pelo famoso ajardinamento da Quinta da Boa Vista e do campo de Santana
jardineiro e paisagista Auguste Glaziou. coincidem com sua estada no Rio de Janeiro. Além disso, Gla-
ziou foi o responsável pelo projeto de ajardinamento da Praça
Entretanto, é muito provável que tenha havido algum tipo de Princesa Izabel, em Nova Friburgo, entre 1873-1880. Como
relação entre Jacques Lauper, os jardineiros Auguste Glaziou sabemos, Nova Friburgo foi fundada por colonos suíços em
e Johann Dierberger, e dona Veridiana Prado. Quando Lauper 1818. Depois, boa parte dos colonos suíços migrou para Can-
chega ao Brasil (início de 1877 ou início de 1878), já fazia vin- tagalo para trabalhar na colheita de café. Quando chegou ao
te anos que Auguste François Marie Glaziou deixara a França Brasil, vinda da Inglaterra para encontrar-se com sua família,
para se instalar no Rio de Janeiro, onde fora nomeado por D. segundo o historiador Rev. Vicente Themudo Lessa, dona Lui-
Pedro II, em 1869, como Diretor dos Parques e Jardins da Casa zinha morou em Cantagalo45.
Imperial. Glaziou foi o responsável por projetar os jardins da
Quinta da Boa Vista (1870-1878), do largo do Machado (1872), Durante o segundo semestre de 1878 até novembro de 1879,
do largo de São Francisco de Paula (1873-1875), do campo Jacques Lauper esteve em São Paulo. É nesse período que
de Santana (1873-1880), da Praça General Osório (1875) e da dona Veridiana Prado compra a Chácara Vila Maria, onde
Praça XV de Novembro (1877), todos na capital do Império44. mandará construir o seu famoso palacete. É provável que
Lauper tenha trabalhado na preparação dos pomares da chá-
Com uma intensa atividade profissional e atuando em vários
cara, bem como na formação dos primeiros jardins de flores.
projetos, Glaziou convidou muitos outros profissionais da
Quando a mansão começou a ser construída, em 1882, já ha-
França, Alemanha e da Suíça para virem trabalhar com ele no
via na chácara um campo florido e um vistoso pomar.
Brasil. É muito provável que Jacques Lauper tenha sido um
desses. Para comprovar, na pasta de Lauper nos arquivos da Por fim, é de se supor que, ao contrário do que havia sido di-
Sociedade de Genealogia de Genebra há a seguinte informa- vulgado em 1943 no artigo da diaconisa Albina de Campos,
ção: “Originaire de Seedorf, Berne. Jardinier en chef de S.M. Pedro Jacques Lauper é quem teria convencido Johann Dierberger a
II, empereur du Brésil à Rio de Janeiro puis au Petit-Saconnex, se estabelecer no Brasil em 1888.
Genève”.

Podemos inferir, não com toda a certeza, pois não localizamos


o nome de Jacques Lauper entre os registros do Império, que

43 Dierberger conheceu dona Veridiana em sua fazenda em Minas Gerais e foi contratado como
jardineiro para trabalhar na Chácara do Carvalho, de propriedade de Antônio da Silva Prado, pai
de Veridiana, em São Paulo. Somente em 1893 é que Dierberger iniciou o seu empreendimento de
produção e comercialização de plantas ornamentais, hortícolas e frutíferas, bem como a elaboração e
execução de jardins. Ver ENOKIBARA, Marta. Organizações Dierberger (1893-1940). In Paisagem e
Ambientes: Ensaios. N. 38, São Paulo, 2016, pp. 35-54.
44 FOLLY, Luiz Fernando Dutra. A história da praça Princesa Izabel em Nova Friburgo: o projeto
esquecido de Glaziou. Dissertação (Mestrado em Ciências do Urbanismo). Universidade Federal do
Rio de Janeiro, 2007. 45 O Estandarte, 1/09/1921, p. 1

40 caderno de o estandarte 41 caderno de o estandarte


Dona Luizinha em

3 São Paulo

S
abemos pelo Rev. Vicente Themudo Lessa
que dona Luizinha quando veio para o Bra-
sil, provavelmente no início de 1877, teria
ido morar em Cantagalo, cidade da qual Nova
Friburgo havia sido distrito46. Albertino Pinheiro
acrescenta que ela teria ido para a casa de
uma família de fazendeiros montanheses47 e
Albina de Campos completa que fora contrata-
da como professora “numa família da Corte,
ricos proprietários e fazendeiros entre as mon-
tanhas da província do Rio de Janeiro”.48

Sua estada em Cantagalo, entretanto, não du-


rou muito. É provável que dona Luizinha esti-
vesse com a família naquela viagem para São
Paulo no paquete America, em julho de 1878,
quando se estabeleceram na cidade como
afirma Albina de Campos49. Infelizmente, não
temos registros de onde os Lauper moraram
em São Paulo e também não temos informa-

CASAMENTO
MINISTÉRIO
46 Pelo primeiro censo do Império do Brasil, realizado em 1872,
Cantagalo era a 23ª. maior cidade do Brasil, com 42.860 moradores, dos
quais 14.815 eram escravos. A cidade era maior do que São Paulo que
registrava apenas 31.385 moradores (1.338 escravos). Ver PAIVA, Clotilde

CAUSAS SOCIAIS A. et ali. Publicação crítica do Recenseamento Geral do Império do Brasil


de 1872. Relatório provisório. Núcleo de Pesquisa em História Econômica e
Demográfica. Faculdade de Ciências Econômicas da Universidade Federal
de Minas Gerais, janeiro de 2012.
47 O Estandarte, 31/07/1955, p. 4
48 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21
49 Idem

42 caderno de o estandarte 43 caderno de o estandarte


Temos duas hipóteses para o trabalho de Louise na Escola
Americana nessa época. A primeira, é que tivesse sido contra-
Cécile Eugénie Adèle Lauper, irmã de tada para auxiliar no Internato, ensinando, inclusive, francês.
dona Luizinha, em foto tirada A segunda é que pudesse ter sido contratada para trabalhar
em Genebra.
no Kindergarten52, o jardim da infância, que havia sido implan-
Fonte: Rev. Sérgio Gini (Sociedade de Genealogia de Genebra)
tado um ano antes sob a direção da educadora e missionária
norte-americana Phoebe Thomas. Louise tinha experiência
em trabalhar com crianças adquirida de suas atividades na
Inglaterra e em Cantagalo.

Se qualquer das duas hipóteses for correta, é muito provável


também que Louise tenha se estabelecido na casa de dona
Henriqueta Soares do Couto, distinta dama da sociedade53,
que auxiliava no Internato e disponibilizava sua casa para as
meninas. Poderia ter sido aí o primeiro contato de dona Luizi-
ções se chegaram a frequentar regularmente os cultos na Igre- nha com um garotinho de 12 anos, Nicolau, filho de Henriqueta,
ja Presbiteriana pastoreada pelo Rev. George W. Chamberlain. que teve papel fundamental anos depois nos eventos que de-
De fato, temos o registro de que dona Luizinha teria sido “logo sencadearam a criação da Igreja Presbiteriana Independente54.
contratada para lecionar na Escola Americana”50, já localiza- A presença de uma moça instruída e de origem calvinista não
da na que seria a famosa esquina da, então, Rua São João passaria desapercebida entre os professores da Escola, pois
com a Ipiranga. Devido às restrições da pandemia não conse- o Brasil vivia imerso na crise do analfabetismo e da instrução
guimos pesquisar nos registros do Mackenzie que guardam pública. Segundo publicação feita na Imprensa Evangélica em
informações sobre a primeira escola protestante do Brasil e agosto de 1879, o “quadro do atual estado da instrução pú-
também no Centro de Documentação Fred Lane, preservado blica no Brasil [...] é realmente fiel e lúgubre”. A matéria dizia
pelo trineto do primeiro diretor do Mackenzie, Horace Lane, ainda que: “Em uma população de 10 milhões de habitantes,
para conferirmos se consta o nome de Louise Caroline Lauper só sabem ler um milhão e pouco, e frequentam as aulas 321
como professora e, até mesmo, de suas irmãs mais jovens:
Hortense, na época com 19 anos; Mathilde, com 16; Eugénie,
52 A Escola Americana utilizava a expressão em inglês mesmo, o que era muito comum na época.
com 13; Cécile, com 12 e Anna Laure, com 11, como alunas do 53 Henriqueta Soares do Couto era filha de Gabriela Augusta de Cândida Netto, irmã do Marquês
Internato para Meninas, que começou a funcionar em janeiro do Paraná, Honório Hermeto Carneiro Leão. Junto com sua mãe foi batizada em Petrópolis pelo Rev.
Robert R. Kalley em 7 de janeiro de 1859, tendo sido as primeiras integrantes de famílias da nobreza
de 1878, anexo à Escola, na Rua dos Bambus, nº 2051, com brasileira a abraçarem o protestantismo.
aulas de francês e de música. 54 Nicolau Soares do Couto Esher era filho de Henriqueta Soares do Couto e William Richard
Esher. Mudou-se com a mãe e os dois irmãos para São Paulo em 1878 e ingressou como aluno da
Escola Americana. Já moço voltou para o Rio de Janeiro onde se formou em Farmácia e Medicina. Foi
presbítero na Igreja Presbiteriana do Rio e, depois, tendo retornado para a capital paulista, na 1ª Igreja
50 Ibidem Presbiteriana de São Paulo. Entre 1898 e 1899 escreveu uma série de 12 artigos para O Estandarte
51 Nesta casa, morava o vice-diretor da Escola Americana, Rev. John Beatty Howell, casado há sobre a inconveniência dos crentes fazerem parte da maçonaria. Seus artigos convenceram o Rev.
menos de um ano com Elizabeth H. Day, que o auxiliava na direção do internato. Ver MATOS, Op. Cit., Eduardo Carlos Pereira a aprofundar a “questão maçônica”, ponto chave para a divisão ocorrida em
p. 83. 1903.

44 caderno de o estandarte 45 caderno de o estandarte


mil. O número de escolas mal chega a 4 mil e a de colégios a A atração que cedo começou a exercer sobre o jovem
82”55. Em um país com quase 90% da sua população analfa- colega não passou despercebida a uma outra profes-
beta, é digno de registro o esforço feito pelas duas missões sora da escola, Dona Adelaide Molina, educadora de
presbiterianas que atuavam no Brasil nessa época: uma di- nomeada e que exerceu nos meios evangélicos profí-
cuo magistério até quase os últimos anos de sua longa
rigia o Colégio Internacional, em Campinas, a outra a Escola
vida. Dona Adelaide apoquentava-o frequentemente
Americana, em São Paulo.
com o gracejo: _ Cuidado com a “francesa”!59

Na mesma matéria, Pinheiro reproduz uma carta enviada por


Eduardo a um primo da cidade de Brotas, da família Cerqueira
É na Escola Americana que dona Luizinha irá conhecer o
Leite, em 9 de junho de 1879, onde já se percebe o seu tom
jovem professor e estudante para o ministério pastoral,
apaixonado:
Eduardo Carlos Pereira. Eduardo havia sido professor
do Colégio Ypiranga56 e o deixara para assumir aulas na Se me fosse permitido, também eu, meu primo, cingiria
escola protestante em 2 de março de 187757. Em agosto a doce companheira de meus dias, e, lá bem longe do
de 1875 na reunião extraordinária do Presbitério do Rio mundo, ao pé de uma límpida corrente, à sombra de um
bosque, nas proximidades de um campo, ergueria uma
de Janeiro, realizado em São Paulo, Eduardo havia sido
choupana, que seria o templo do amor, da paz e da ale-
recebido oficialmente como candidato ao ministério
gria! Os homens buscam a felicidade nas coisas da ter-
pastoral. Como não havia uma classe para seminaris- ra: estes nas riquezas, aqueles na glória, e, entretanto,
tas no Presbitério, foi lhe designado como professor de se ela pode ser encontrada aqui, é, por certo, na íntima
Teologia o Rev. George W. Chamberlain e como profes- convivência da família, bem junto daquela que partilha
sor de grego o Rev. John B. Howell. Em 1878, o Presbi- as nossas alegrias bem como as nossas lágrimas!60
tério criou na Escola Americana uma classe teológica,
chamada de training school, na qual Eduardo fazia aulas Nesse ano de 1879, Eduardo se desdobra para conseguir
com outros candidatos como Manoel Antônio de Mene- concluir os estudos como seminarista e conciliar suas ativi-
zes e José Zacarias de Miranda58. dades para a obtenção de recursos financeiros visando poder
estabelecer compromisso de formar uma família. Para tanto,
passa morar no prédio da Escola e atua como uma espécie
Albertino Pinheiro é quem informa sobre o início do romance de secretário, tratando diretamente com os pais dos alunos
entre Louise e Eduardo. Falando da moça, Pinheiro destaca: de até 12 anos sobre as matrículas destes, conforme anúncio
publicado no jornal Correio Paulistano61. Além da Escola, em
companhia do seu irmão Ernesto Henrique, três anos mais ve-
55 Imprensa Evangélica, 7/08/1879, p. 255.
56 Eduardo ingressou no Colégio Ypiranga quando este estava estabelecido em Araraquara, em lho e uma de suas referências no magistério, anuncia aulas
1871. Depois, quando o Colégio se mudou para Campinas e foi anexado ao Colégio Culto a Ciência,
em 1873, o acompanhou. A união dos dois colégios durou pouco e em 1874 o Ypiranga reabre as
matrículas em São Paulo. Aos 19 anos, Eduardo Carlos Pereira já era um dos seus professores ao lado
do irmão Ernesto Henrique Pereira de Magalhães. 59 O Estandarte, 31/07/1955, p. 4.
57 O Estandarte, 31/07/1955, p. 4. 60 Idem.
58 MATOS, Op. Cit. p. 83. 61 Correio Paulistano, 21/06/1879, p. 3.

46 caderno de o estandarte 47 caderno de o estandarte


querida? As lágrimas assomaram-lhe aos olhos, e seus
lábios trêmulos murmuraram: “Quero”. Obtive hoje o con-

ampliação do mapa de Fernando Albuquerque (1877).


sentimento de seus pais. Possa o nosso futuro enlace
concorrer para a glória do Senhor a quem servimos. 64

Três meses depois, Louise e Eduardo se casavam em ceri-


mônia conduzida pelo Rev. George Chamberlain. Sobre a data
do casamento há uma divergência. No necrológio escrito pela
Rev. Vicente T. Lessa, em setembro de 1921, o dia do casa-
mento é 14 de junho de 188065, uma segunda-feira. Na edição
do jubileu de ouro de O Estandarte, em 1943, o Rev. Luthero
Cintra Damião escreve uma pequena biografia do Rev. Eduar-
do e assinala como sendo a data de seu casamento o dia 17
Figura 59, em destaque o prédio onde ficava a Escola
de julho de 188066, um sábado. Dessa publicação em diante,
Americana, entre as ruas de São João e Ypiranga, 1877
todos os biógrafos do Rev. Eduardo vão citar o dia 17 de julho
como a data do casamento. Como ainda não havia o registro
civil de casamentos no Brasil67, a única forma de confirmar
particulares de português, latim, francês e inglês, em dois en-
a data seria no livro de atas da 1ª. Igreja de São Paulo, onde
dereços em São Paulo: o primeiro na Rua Nova do Hospício,
estaria lançado o ato pastoral.
esquina da Tabatingueira62 e o outro na Rua do Ypiranga, nº.
12, provavelmente residência de Ernesto, que já era casado63. É provável que a confusão de datas tenha se dado pelo pro-
cesso de naturalização de dona Luizinha. Como era cidadã
Foi no dia 2 de março de 1880 que Louise aceitou o pedido
suíça, para se casar no Brasil com cidadão brasileiro, confor-
de casamento feito por Eduardo. Três dias depois, houve o
me as leis do Império, fazia-se necessário ser naturalizada
consentimento dos pais da noiva, Jacques e Marianne. É do
brasileira68. É por conta de ter se naturalizado brasileira que
diário de Eduardo que Albertino Pinheiro retira essa romântica
ela passou a adotar o nome de Luiza Pereira de Magalhães.
informação:
São hoje 5 de março de 1880. Dia memorável de minha
vida foi o dia 2 deste mês. Começava o segundo quarto
64 O Estandarte, 31/07/1955, p. 4
dos meus 25 anos. A virgem de meus sonhos, o anjo de 65 O Estandarte, 1/09/1921, p. 1.
bondade por quem há anos suspirava minha alma, sen- 66 O Estandarte, 7/01/1943, p. 19.
67 A Lei Imperial 1829, de 9/09/1870 estabeleceu o registro civil dos nascimentos, casamentos e
tou-se à beira da estrada da minha peregrinação e olhou- óbitos em todo o Império brasileiro. Todavia, por pressão da Igreja oficial do Estado, a lei não foi pra
-me com ternura. Parei e murmurei-lhe aos ouvidos: a frente, o que obrigou ao Imperador a emitir um decreto em 25/04/1874 para regulamentar a lei. Mais,
uma vez não foi suficiente. Em 29/08/1879, conforme a Imprensa Evangélica de 25/09/1879, p. 310, o
viagem é longa e árida, queres acompanhar-me, minha Imperador envia comunicados às províncias e suas câmaras municipais para darem condições para o
cumprimento da Lei. Finalmente, em 22/09/1888, D. Pedro II fixou o dia 1º de janeiro de 1889 para que
o Registro Civil entrasse em funcionamento em todo o país. Entretanto, com a queda da Monarquia,
coube à República determinar as condições para que o Registro Civil fosse adotado em todos os
62 Jornal da Tarde, 1/05/1879, p. 3. Estados.
63 A Província de São Paulo, 14/05/1879, p. 3. 68 BRASIL. Decreto Imperial nº. 1950, de 12/07/1871.

48 caderno de o estandarte 49 caderno de o estandarte


O ministério pastoral escravos também era compatível com as fazendas de café do
Vale do Paraíba: 1.338 negros73. Na época, Lorena rivalizava
com Taubaté, a sede do bispado, como uma das cidades de
maior influência do catolicismo.

Lorena também foi um dos primeiros núcleos onde os missio-


nários presbiterianos organizaram uma igreja, em 17 de maio
Não temos registros de onde o casal foi morar em São Paulo.
1868, sendo a quarta igreja presbiteriana do país74. A cidade
A próxima informação que temos é que, de 26 de agosto a 3
de setembro daquele ano, o Presbitério do Rio de Janeiro se
reuniu na capital paulistana. No dia 1º de setembro, Eduar-
73 PAIVA, Clotilde A. et ali. Publicação crítica do Recenseamento Geral do Império do Brasil de
do Carlos Pereira era licenciado para o ministério pastoral e 1872. Relatório provisório. Núcleo de Pesquisa em História Econômica e Demográfica. Faculdade de

designado como evangelista para o campo de Lorena, que Ciências Econômicas da Universidade Federal de Minas Gerais, janeiro de 2012.
74 A igreja, que voltou à atividade hoje em dia, foi organizada pelo Rev. Alexander L. Blackford. Entre
abrangia Cruzeiro, Embaú, Cachoeira, Pindamonhagaba, Gua- 1870 e 1875, a igreja de Lorena foi pastoreada pelo Rev. Modesto Carvalhosa.

ratinguetá e outras pequenas localidades, na província de São


Paulo69.

No dia 29 de outubro de 1880, dona Luizinha e o licenciado

Pintura de Nelson Lorena (1956). Acervo da Casa de Cultura de Lorena.


Eduardo, acompanhado de sua mãe, dona Maria Eufrosina de
Nazaré, chegaram à nova cidade onde iriam morar durante al-
gum tempo: Lorena70. A residência alugada pela Missão ficava
na Rua da Princesa Imperial, última casa à esquerda, ao sair
no pátio da cadeia pública71. Ao contrário do que escreveram
alguns biógrafos do Rev. Eduardo, fazendo um contraste entre
a civilizada São Paulo e a “selvagem” Lorena, a cidade do Vale
do Rio Paraíba já era sede da comarca desde 1860 e vivia o
auge da cultura cafeeira. De acordo com o historiador Cesar
Faustino, cerca de 10 famílias aristocratas do Império mora-
vam em Lorena por volta de 188072. Assim, sua população em
comparação com a de São Paulo era bem expressiva: 10.419
habitantes contra 31.385 moradores da capital. O número de

69 LESSA, Op. Cit. p. 177


70 CORRÊA, Op. Cit. p. 17.
Pintura da constituição de Lorena, SP, a
71 O Estandarte, 15/09/1955, p. 4. primeira cidade onde dona Luizinha e o
72 FAUSTINO, Cesar. Resenha histórica de Lorena. Coleção Lorenense - Vol. 2. Sociedade dos Rev. Eduardo estabeleceram residência
Amigos da Cultura de Lorena. 2 ed. Lorena: Stiliano, 2000.

50 caderno de o estandarte 51 caderno de o estandarte


era estratégica para a Missão, pois era um importante en- do na Rua do Regente, nº 32, no Rio de Janeiro. Em setembro
troncamento de vários caminhos: o Caminho Geral do Sertão de 1897 ela efetuou o registro, como mãe solteira, da sua filha
(saindo de São Paulo em direção a Lorena); o Caminho das Liane Lauper, nascida em 1/05/1895. No registro, consta que
Minas (de Lorena, passando pelo vale do Embaú em direção à seus pais Jacques e Marianne moravam na Suíça77. Poste-
capital da província de Minas Gerais, Ouro Preto); o Caminho riormente Hortense se casou e mudou-se para Nova Iorque.
“Velho” (de Lorena até Parati e dali, por mar, até o Rio de Janei- Quando Jacques Lauper faleceu em 30/12/1900, a família
ro) e o Caminho “Novo” da Piedade (de Lorena, por terra, até o morava em Plainpalais ao lado de Genebra. Após a morte do
Rio de Janeiro). marido, Marianne Lauper voltou para o Brasil e se estabeleceu
em Porto Alegre, morando com a filha Eugénie.
Foi em Lorena que no dia 2 de abril de 1881, um sábado, As angústias de dona Luizinha se agravavam quando tinha
dona Luizinha deu à luz o seu primeiro filho: Carlos. Ela es- que ficar sozinha com o filho recém-nascido enquanto o licen-
tava com 24 anos. Albina de Campos, ressalta que foi nesta ciado Eduardo visitava as vilas, fazendas, sítios e cidades do
cidade que dona Luizinha começou a ter problemas de saú- seu vasto campo de trabalho. Em 20 agosto de 1881, deixam
de, alguns deles emocionais. Enumera então os motivos: a cidade para irem a São Paulo onde iria acontecer a reunião
do Presbitério do Rio de Janeiro. No dia 28, dona Luizinha e
1. vivia uma vida rude, em um ambiente primitivo e fa- Eduardo batizam o seu filho, Carlos, na 1ª. Igreja Presbiteria-
nático (religioso); na, em cerimônia conduzida pelo Rev. Chamberlain. No dia
2. a família tinha voltado para a Suíça; 2 de setembro, Eduardo era ordenado pastor, tendo lhe sido
confiadas as igrejas de Lorena e de Cruzeiro.
3. três dias depois do parto retomou os trabalhos do-
mésticos e teve uma recaída que lhe custou a saúde O jovem casal irá morar em Lorena quase um ano mais. Em
para o resto da vida75. agosto de 1882, o Rev. Eduardo empreende uma série de via-
gens que passam por Rezende e Rio de Janeiro; volta a Lo-
rena, vai para São João do Rio Claro onde se dá a reunião do
O senão desses motivos é o retorno da família para a Suíça. Presbitério e obtém licença para conseguir um novo campo de
Pelo que conseguimos levantar, o retorno dos Lauper para a trabalho. Volta a Lorena, vai a São Paulo e depois faz uma ex-
Europa teria se dado por volta de 1890. Nos registros de re- tensa visita ao sul de Minas, passando por Caldas, sua cidade
cepção de membros da 1ª. Igreja Presbiteriana de São Paulo natal, e indo até Campanha, local em que decide estabelecer
encontramos em 5 de novembro de 1882 o recebimento por seu novo campo de atuação. Foram mais de 90 dias em via-
profissão de fé da filha caçula Anna Laure, aos 15 anos de gens78. Não há registros se dona Luizinha ficara sozinha com
idade76. Outra filha, Eugénie Henriette, casou-se no Rio Grande o filho Carlos em Lorena ou em São Paulo, com seus parentes.
do Sul, por volta de 1887, com o maestro italiano Tommaso
Legori. Outra filha, Hortense Charlotte, morava em um sobra-
77 BRASIL. Rio de Janeiro, Registro Civil, 1829-2012. Reg. 454. Hortense Lauper in entry for Liane
Lauper, citing Rio de Janeiro, Brasil. Corregedor Geral da Justiça, Rio de Janeiro.
75 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21.
76 LESSA, Op. Cit. p. 205. 78 CORRÊA, Op. Cit. p. 20-22.

52 caderno de o estandarte 53 caderno de o estandarte


Campanha da Princesa tenha sido ainda mais complicada para dona Luizinha, como
revelam algumas informações deixadas aqui e ali em publica-
ções ao longo do tempo. Na edição especial de O Estandar-
te de novembro de 1955, sobre o centenário de nascimento
do Rev. Eduardo, há um belíssimo conto escrito por sua filha,
Leonor, onde mistura ficção e realidade, lembrando do pavor
Em 26 de janeiro de 1883, dona Luizinha, o pequeno Carlos que a mãe sentia toda a vez que o Rev. Eduardo precisava se
e o marido Eduardo iniciam a longa jornada de mudança de ausentar em longas viagens. Primeiro, por morarem em um
São Paulo para a cidade de Campanha da Princesa, no sul de “casarão assombrado” onde o morador, um português, teria
Minas, a quase 300 quilômetros de distância. Na época, a Es- sido assassinado; segundo, pela perseguição aos protes-
trada de Ferro Minas e Rio – EFMR – ainda estava em cons- tantes empreendida pelo vigário da cidade, um tal de padre
trução e toda a viagem teve que ser feita a cavalo, com uma Chico81; terceiro, pela chegada de três frades espanhóis que
comitiva de burros puxando os poucos pertences que tinham. vieram contender publicamente com o Rev. Eduardo e que te-
O Rev. Vicente T. Lessa resumiu esse trajeto a uma “penosa riam saído humilhados, revoltando a população e, quarto, por
viagem a cavalo”79. Já, dona Albina de Campos dá contorno um incidente onde um grupo enfurecido quase colocou fogo
trágicos à viagem: no celeiro, gritando “morte aos protestantes”.82
Partiram, pois, a cavalo, levando na cabeça dos arreios Campanha da Princesa era uma grande cidade para a época.
o filhinho de dois anos. Acompanhados de camaradas Segundo o primeiro censo do Império contava com 27.521
mal-humorados e animais passarinheiros, cruzando habitantes, dos quais 6.750 eram escravos83. Ali, por volta de
nos desfiladeiros pendentes de precipícios com as tro-
1872, o Rev. José Manoel da Conceição teria sido espancado
pas e boiadas do sertão, ensopados pelos aguaceiros,
por um grupo de homens e lançado fora da cidade84, o que
correram por vezes graves perigos de vida. Não fosse
demonstrava que a fé romana era tremendamente intransi-
a energia de seu esposo e experiência com tropas, tri-
lheiros e animais adquirida na juventude nas serras de gente com os protestantes. Todavia, para o Rev. Eduardo o
Caldas, jamais venceriam a dura etapa desta jornada. sul de Minas era também uma espécie de porto seguro, pois
Muitas vezes o pranto lhe afogava a garganta na me- ele possuía parentes na região como os tios Justino Xavier de
lancolia dos pousos sórdidos, onde, se se descuidasse, Mello Lisboa85 que morava em Campanha, e Manoel Joaquim
porcos famintos lhe comeriam o filhinho.80 Pereira de Magalhães86, que era médico e havia sido deputado

Pelo visto, as lembranças desta viagem de seis dias deixaram 81 Tratava-se do vigário de Campanha, Pe. Francisco de Paula Araújo Lobato. Ver VEIGA, Leonardo
marcas profundas em dona Luizinha que as compartilhou e, Saturnino da. Almanak Sul-Mineiro para 1884. Rio de Janeiro: Typographia Universal dos Irmãos
Laemmert & Cia., 1884, p. 89.
provavelmente, as reformulou tempos depois para as amigas 82 O Estandarte, 8/11/1955, p. 22-24.

e para os filhos. É de se supor que a estadia em Campanha 83 PAIVA, Op. Cit.


84 RIBEIRO, Boanerges. O padre protestante. 2ª. ed. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana (1979), p. 200.
85 Justino era casado com Inocência Claudina de Magalhães, irmã de Francisco Joaquim Pereira,
pai de Eduardo.
86 Manoel Joaquim Pereira de Magalhães (1814-1902) era o
79 O Estandarte, 1/09/1921, p. 1. irmão mais velho de Francisco Joaquim Pereira. Formou-se em Medicina no Rio de Janeiro em 1842
80 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21. e defendeu tese de doutorado. Era político influente e um dos responsáveis pela emancipação de

54 caderno de o estandarte 55 caderno de o estandarte


provincial, morador em Baependi, ao lado de Campanha. Seu
pai também estava morando bem próximo dali, ora em Ma-
chadinho ora em São Gonçalo do Sapucaí.

A presença dos parentes por perto, católicos romanos, não


amenizaram todos os problemas do jovem casal vivendo
como missionários naquela cidade. Dona Albina de Campos
informa que uma grande tortura para dona Luizinha era a es-
cassez de recursos financeiros:
Obrigado a darem o seu tempo integral para à evangeli-
zação, recebiam das missões a importância de 150$000
(cento cinquenta mil réis) mensais e davam os dízimos.
Durante muito tempo tomavam uma só refeição pela
manhã, e à tarde café com pão. A mobília da casa era
toda feita com barricas e caixotes por eles mesmos em
seguida acolchoados e cobertos de chita. Os carros de
lenha eram rachados pelo seu esposo que também ras- durante um ano, para com este ter aulas de português.
pava e tratava com carinho dos dois cavalos da Missão.87 Dona Luizinha também auxiliava no trabalho pastoral, cui-
dando de alguns pobres e doentes com remédios naturais
Para complementarem a renda familiar e não se afastarem e plantas medicinais conforme a indicação do dicionário de
das práticas evangelísticas, dona Luizinha dava aulas de piano medicina popular de Chernoviz90. O casal chegou, inclusive, a
e o Rev. Eduardo iniciou uma classe para meninos, com aulas acomodar nas dependências de sua casa um “pobre morféti-
particulares, em sua casa em 188488. Por ser cidadão letrado, co, o Natanael”91.
ocasionalmente atuava no Júri, como rábula, defendendo pe-
quenas causas que não necessitavam de um advogado for-
mado. A classe para os meninos acabou se desenvolvendo e
o Presbitério decidiu enviar para lá para auxiliar o Rev. Eduardo
o candidato ao ministério Antônio Gomes da Silva Rodrigues,
que havia sido seu aluno na Escola Americana89. Um outro
missionário norte-americano, o Rev. Donald Campbell McLa-
ren, também foi para Campanha residir com o Rev. Eduardo,

90 O “Diccionario de medicina popular e das sciencias accessorios para uso das familias, contendo
Caxambu, no circuito das fontes termais mineiras. Ver PARANHOS, Paulo. Medicina entre flores: a a descripção das Causas, symptomas e tratamento das moléstias; as receitas para cada molestia; As
crenoterapia e os médicos de Caxambu no século XIX. Revista da ASBRAP, n. 20, 2014, p.147. plantas medicinaes e as alimenticias; As aguas mineraes do Brazil, de Portugal e de outros paizes; e
87 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21. muitos conhecimentos uteis”, em dois volumes, de autoria do médico francês radicado no Brasil Pedro
88 VEIGA, Leonardo Saturnino da. Almanak Sul-Mineiro para 1884. Rio de Janeiro: Typographia Luiz Napoleão Chernoviz (1812-1881), lançado em 1842, teve ao todos seis edições e foi um sucesso
Universal dos Irmãos Laemmert & Cia., 1884, p. 85. de vendas no Brasil.
89 O Estandarte, 5/01/1934, p. 2. 91 O Estandarte, 7/01/1943, p. 21.

56 caderno de o estandarte 57 caderno de o estandarte


Fernando Albuquerque (1877). Acerva da Biblioteca Nacional.
Entre os meses de outubro
e novembro de 1884, dona
Luizinha e seu filho Carlos
passaram uma temporada em
São Paulo, na casa dos pais
Jacques e Marianne. Dona
Luizinha estivera fazendo um
tratamento de saúde na capital. 92

Dona Luizinha e sua família ficaram em Campanha um pou-


co mais de cinco anos. Foi um período de grande afirmação
de seu esposo, o Rev. Eduardo, no cenário do protestantismo
brasileiro, tornando-se um operoso defensor da causa das
Missões Nacionais. Ali ele organizou a Igreja Presbiteriana em
6 de abril de 1884 e deu assistência a um enorme campo que
compreendia, entre outras cidades menores, Alfenas, Conten-
das, Três Corações, São Tomé das Letras, Lambari, Cambu-
quira, Baependi, Sengó, Cana Verde, Lavras, Itajubá, Piracica-
ba indo até Brotas e Dois Córregos. Foi em Campanha que
o Rev. Eduardo fundou a Sociedade Brazileira de Tractados
Evangelicos (SBTE) em 1883 com o propósito de privilegiar
a publicação de folhetos e livretos evangélicos escritos por
pastores nacionais. A SBTE foi adotada pelo Presbitério do
Rio de Janeiro que, em 2/10/1884, aprovou os seus estatu-
tos e nomeou a sua primeira diretoria tendo o Rev. Eduardo
como presidente93. Logo depois, propôs a criação do Plano

92 CORRÊA. Op. Cit. p. 49. Mapa da cidade de São Paulo com os principais estabelecimentos em 1877
93 O primeiro folheto impresso pela SBTE, em 1884, foi “O culto dos santos e dos anjos”, de autoria
do Rev. Eduardo Carlos Pereira.

58 caderno de o estandarte 59 caderno de o estandarte


das Missões Nacionais, que foi aprovado pelo Presbitério do
Rio de Janeiro em 188694 e que originou o lançamento da Re-
A 1ª Igreja Presbiteriana
vista das Missões Nacionais em 31 de janeiro de 1887, tendo
o Rev. Eduardo como o redator-chefe95. Como forma de reco-
de São Paulo
nhecimento pelo seu trabalho evangelístico na região do sul
de Minas, coube ao Rev. Eduardo, mesmo já residindo em São
Paulo, a organização da igreja de Cana Verde, em 29/10/1888.

Em abril de 1888, o casal consegue férias da Missão e decide


fazer um passeio ao Rio Grande do Sul para visitar a irmã de
dona Luizinha, Eugénie Henriette, que residia com o marido
Tommaso Legori em Porto Alegre. A viagem acontece em 24
de abril e eles ficam em terras gaúchas até o final de agosto. É
de lá que o Rev. Eduardo é informado sobre a sua eleição para
ser o pastor colado96 da Igreja Presbiteriana de São Paulo que,
reunida em Assembleia no dia 22 de agosto, sob a presidên-
cia do Rev. Donald C. McLaren, o escolheu entre outros dois
candidatos, os pastores Rev. Miguel Torres e Rev. Modesto
Carvalhosa97. No dia 23 de setembro de 1888, o Rev. Eduardo
é instalado como pastor da Igreja de São Paulo e inicia um
profícuo pastorado de quase 35 anos. Dona Luizinha irá servir
nesta igreja por 33 anos, até sua morte em 1921.

A vida em São Paulo já era um pouco mais confortável. Prova-


velmente com uma parte da família por perto, dona Luizinha
envolve-se inteiramente nas atividades da igreja. Passa a tra-
balhar ativamente na Sociedade Auxiliadora, que congregava
todo o trabalho feminino de assistência social. Assume tam-
Dona Luizinha, juntamente com seu esposo, bém aulas de uma classe na Escola Dominical e está presente
realizou intensamente as atividades da igreja com o seu esposo nas visitas pastorais e nas lidas e projetos
que o Rev. Eduardo abraça. Teríamos que ter um espaço de

96 O termo “pastor colado” era utilizado para designar o obreiro que era sustentado integralmente
em seu ministério por uma igreja.
94 Imprensa Evangelica, 2/10/1896. 97 CASIMIRO. Op. Cit. p. 89. O autor reproduz uma cópia da carta-convite do Conselho da Igreja ao
95 A Revista das Missões Nacionais foi o órgão de divulgação das finanças do presbiterianismo Rev. Eduardo. Nela há a promessa de pagamento mensal de 250$000 (duzentos e cinquenta mil réis)
brasileiro e durou mais de trinta anos. Ver MATOS, Op. Cit. p. 332. e mais casa para moradia.

60 caderno de o estandarte 61 caderno de o estandarte


outro tanto deste para historiar sua atuação na 1ª. Igreja de
São Paulo. Nos ateremos em alguns deles para demonstrar
a intensa atividade de dona Luizinha não só como esposa de Outra atuação de dona Luizinha que merece registro é
pastor, mas também como mulher envolvida nas questões o apoio ao funcionamento pleno do Instituto Teológico,
sociais da época. criado em São Paulo por um grupo de nove pastores
nacionais (entre eles o seu esposo) e vinte e cinco pres-
Uma dessas ações foi na ajuda para o levantamento de fun-
bíteros e diáconos, em 13 de fevereiro de 1893, como
dos e despertamento de beneméritos para a construção de
alternativa ao Seminário instalado pelo Sínodo da Igreja
um hospital evangélico em São Paulo, uma ideia que vinha
Presbiteriana no Brasil em Nova Friburgo, um ano an-
desde meados de 1888 e que tomou forma em 1890 quando
tes103. Mesmo grávida de sua filha Leonor (nascida em
houve a nomeação de uma comissão para levantar doações
18/11/1893), dona Luizinha dedicou-se ao lado do Rev.
e angariar sócios, por iniciativa da 1ª. Igreja98. Dona Luizinha
Eduardo para o sucesso do empreendimento, inclusive
imediatamente reuniu as senhoras da igreja, sendo algumas
dando aulas gratuitas de francês104. Depois, com a jun-
delas mulheres influentes na sociedade paulistana, como as
ção entre o Instituto e o Seminário, em 1895, ela con-
quatro irmãs Felicíssima de Souza Barros, Maria Paes de Bar-
tinuou a colaborar desinteressadamente lecionando
ros99, Elisa de Souza Barros e Mesquita e Eugenia de Barros
francês no curso preparatório. Na ata de fundação do
Thenn100. As ações beneficentes, os chamados bazares de
Seminário em São Paulo, dona Luizinha é uma das mu-
prendas, foram realizadas em diversas localidades de São
lheres que a assinam. Envolveu-se com todas as suas
Paulo com a finalidade de angariar recursos para o hospital
forças, a despeito da filha pequena, nas atividades de
durante todo o ano de 1891. Em 1892 foi lançada a pedra fun-
arrecadação de donativos por parte da 1ª. Igreja de São
damental do Hospital Samaritano, como assim ficou chama-
Paulo para a aquisição do terreno da Rua Maranhão,
do, com um emocionado discurso feito pelo Rev. Eduardo. Por
onde, em 7 de julho de 1898, foi lançada a pedra fun-
questões legais com a administração pública, o hospital não
damental do prédio do Seminário do Sínodo da Igreja
pôde ser controlado pela Sociedade Evangélica que havia sido
Presbiteriana no Brasil105.
organizada para este fim101. Em 1894, o hospital passou a fun-
cionar e está em atividade até hoje102.

98 LESSA, Op. Cit. p. 357. Nos episódios mais difíceis da carreira ministerial do seu
99 BARROS, Maria Paes de. No tempo de dantes. 2ª. ed. São Paulo: Paz e Terra, 1998.
100 As quatros senhoras eram filhas do Comendador Luiz Antonio de Souza Barros, um dos grandes esposo, especialmente aqueles que se transcorreram entre
nomes da aristocracia imperial paulistana de meados do século XIX. Cafeicultor, senhor de escravos e 1892 a 1903 e que culminaram com a cisão no Sínodo e o
moderno capitalista, foi um dos organizadores da Companhia Paulista de Estradas de Ferro. Possuía
posses, escravos e propriedades em São Paulo, Piracicaba, Campinas e São Carlos. Tinha uma vida surgimento da Igreja Presbiteriana Independente, dona Luizi-
ligada tanto a São Paulo quanto ao Rio de Janeiro. Foi o primeiro prefeito da então província de São
Paulo. Ver TORRES, Maria Celestina Teixeira Mendes. Um lavrador paulista do tempo do Império.
Piracicaba, SP: Equilíbrio, 2010.
101 MOTT, Maria Lucia; SANGLARD, Gisele (orgs). História da saúde em São Paulo: instituições e 103 RIBEIRO, Boanerges. A Igreja Presbiteriana no Brasil, da autonomia ao cisma. São Paulo: O
patrimônio arquitetônico (1808-1958). Barueri, SP: Minha Editora, 2011. Semeador, 1987, p. 308, 309.
102 ASSIS, Célia de (coord). Valores humanitários: a história do Hospital Samaritano. São Paulo: 104 O Estandarte, 1/09/1921, p. 4.
Prêmio Editorial, 2001. 105 RIBEIRO, Op. Cit., p. 337.

62 caderno de o estandarte 63 caderno de o estandarte


nha sempre se colocou como aquela a quem o Rev. Eduardo

arquivo O Estandarte
poderia desabafar e contar com o seu irrestrito apoio. O Rev.
Vicente Themudo Lessa, que foi aluno do curso preparatório
e um dos pastores fundadores da IPIB registra alguns adjeti-
vos importantes sobre a atuação de dona Luizinha na vida da
Igreja:

Acompanhou várias gerações


de seminaristas, revelando
sempre o maior interesse para
com eles, fortalecendo-os com
as suas orações e seu apoio
moral e pecuniário. Velava com
solicitude pela saúde deles e,
depois de entrarem no ministério,
Vista interna do templo da 1ª IPI de São Paulo,
continuava a segui-los com o na Rua 24 de Maio
mesmo interesse devotado,
prestando auxílio aos que se
viam em embaraços financeiros.
[...] Amiga das crianças, enchia-
as de presentes, por ocasião do
Natal e em ocasiões oportunas. A
mocidade da igreja via nela uma
mãe em Israel. Suas servas lhe
eram como filhas. 106

106 O Estandarte, 1/09/1921, p. 4.

64 caderno de o estandarte 65 caderno de o estandarte


Atuação na sociedade to de constituição da instituição humanitária em São Paulo,
o nome de dona Luizinha aparece entre figuras famosas da
paulistana sociedade paulistana, tais como a Antônia de Aguiar Barros
(Marquesa de Itu), Maria Joaquina de Melo Oliveira (Baronesa
de Piracicaba), Teresa de Aguirre (Viscondessa de Cunha Bue-
no), Maria Paes de Barros, Virginia Matarazzo e Francisca de
Morais Barros, entre outras.109

Fora do ambiente eclesiástico ainda temos poucas informa-


ções sobre a atuação de dona Luizinha. Dois registros são
oportunos sobre a sua participação em organizações sociais. Nos primeiros anos de existência,
O primeiro deles é sobre a criação da Sociedade Cruz Branca
de São Paulo, em março de 1912, sob a liderança do professor as principais missões da Cruz
e pastor Rev. Othoniel Motta. O objetivo da Sociedade, a exem- Vermelha de São Paulo foram o
plo de outras do mesmo gênero na Europa, era “promover en- envio de enfermeiras para atuar
tre os moços um movimento em favor da pureza na vida” com
o lema “Nossos corpos sãos para a família, fortes para a pá-
em guerras no Brasil (a principal
tria”107. Dona Luizinha figura como membro fundadora ao lado delas foi o conflito do Contestado,
de Elisa de Souza Barros e Mesquita e de Cacilda Cerqueira entre 1912 e 1916) e no exterior,
Leite. além do bom atendimento
Entretanto, a Sociedade Cruz Branca acabou não prosperan- oferecido às crianças carentes
do. Em parte, porque São Paulo já havia tido uma sociedade em seu hospital infantil. Dona
com este mesmo nome em 1889 ligada à União Espírita Bra-
sileira; também, por outro lado, para não concorrer com a Cruz Luizinha e as senhoras da
Vermelha que estava em vias de ser constituída na cidade, o 1ª. IPI de São Paulo sempre
que de fato ocorreu em setembro de 1912. foram muito ativas nessas
Dona Luizinha tomará parte na constituição da Cruz Vermelha visitas hospitalares.
em São Paulo, a segunda do país e tornar-se-á amiga da mé-
dica e pedagoga belga, Marie Rennotte, a principal líder des-
se movimento na cidade. Na eleição da Comissão Central da
Cruz Vermelha no dia 5 de outubro de 1912, ela já figura como
sócia108. Em uma das primeiras matérias sobre o movimen-

107 O Estado de São Paulo, 2/04/1912, p. 4.


108 Correio Paulistano, 6/10/1912, p. 2. 109 O Estado de São Paulo, 19/10/1912, p. 3.

66 caderno de o estandarte 67 caderno de o estandarte


A atuação em

4 O Estandarte

N
ão há registros de artigos ou outras publi-
cações assinadas por mulheres protes-
tantes nos 28 anos de atividades do jor-
nal Imprensa Evangelica, fundado pelo Rev.
Simonton e que serviu à Igreja Presbiteriana
no Brasil de 1864 a 1892. Contudo, como o
jornal procurava discutir assuntos do cotidia-
no da Corte, dois artigos assinados por mu-
lheres católicas nos chamam a atenção. O
primeiro saiu na edição de 4 de setembro de
1880, reproduzido do jornal Colombo, e assi-
nado por Amelia Carolina da Silva Couto, uma
líder feminista que era a proprietária e reda-
tora-chefe do jornal Eco das Damas. O artigo
“A mulher e a religião” enfocava a mulher
como base primordial da família: “A mulher de
hoje também estuda, também pensa, saben-
do conhecer o que é útil e o que é mau para a
família”110. O segundo artigo foi publicado em
1885 e é creditado à escritora portuguesa Ma-
O ESTANDARTE ria Amália Vaz de Carvalho111 com o título “A
educação da mulher”. Nele, a autora defende
FILHOS E NETOS 110 Imprensa Evangelica, 4/09/1880, p. 276.

DOENÇA E MORTE 111 Maria Amália nasceu em Lisboa em 1847 e lá faleceu em 1921.
Casada com o poeta Gonçalves Crespo, a sua residência tornou-se o
primeiro salão literário de Lisboa, frequentando por vários intelectuais
portugueses, entre eles Eça de Queirós. Poetisa consagrada e jornalista
reconhecida, dedicou-se a questões como a educação e o papel da mulher
na sociedade da época. Foi a primeira mulher a ingressar na Academia de
Ciências de Lisboa.

68 caderno de o estandarte 69 caderno de o estandarte


a igualdade de direitos e deveres com os homens: “Educar a
mulher é […] associá-la pela compreensão e pela simpatia a to-
dos os trabalhos e investigações do homem moderno; é dar-
lhe ao lado deste um lugar honroso e definido […] equivalente
em direitos e deveres”112.

Na última edição da Imprensa Evangelica, em 2 de julho de


1892, entre as informações de que a publicação seria suspen-
sa, há uma nota da redação informando o aparecimento do
jornal Estrella D’Alva, em Porto Alegre, sob a direção e redação
de Ponciana Rejos Corrêa.113
É o primeiro jornal evangélico que tem à sua frente uma
senhora. Quantas, porém, de nossas gentis irmãs não po-
deriam, se não à frente de uma empresa jornalística, ao
menos colaborar ativamente para os jornais já existentes?
Conhecemos muitas que estão no caso de fazê-lo. 114

Dentre essas mulheres que poderiam colaborar com os pe-


riódicos evangélicos estava, com certeza, dona Luizinha. E, ela
não tardou a fazê-lo. Sua primeira aparição se dá na 11ª. edi-
ção de O Estandarte, de 18 de março de 1893, na primeira pá-
gina, assinando com as iniciais LPM a tradução de um artigo
“A Máquina de Costura” onde conta como Elias Howe inventou
a máquina de costura moderna.

Embora seu nome não aparecesse na lista de colaboradores no


Expediente do jornal, é muito provável que tenha sido a traduto-
ra do conto francês Les combattants, que figurou nas primeiras
edições de O Estandarte com o título “Os Combatentes”. Tam- Primeira página do primeiro número de La Semaine
bém é possível inferir que as diversas traduções de informati- Religiuse, de 1874. Dona Luizinha fez várias
traduções desse semanário para O Estandarte.
vos sobre as igrejas francesas e suíças que saíam regularmen-
Fonte: Rev. Sérgio Gini (Sociedade de Genealogia de Genebra)

112 Imprensa Evangelica, 17/10/1885, p. 158.


113 A primeira mulher a escrever na imprensa evangélica no Brasil foi Ponciana Rejos Corrêa, filha
do Rev. Dr. João da Costa Corrêa, organizador da primeira igreja metodista em Porto Alegre (1885) e
fundador do jornal Mensageiro Christão. O jornal Estrella D’Alva, dirigido e redigido por Ponciana, era
destinado à “mocidade cristã” do Rio Grande do Sul.
114 Imprensa Evangelica, 2/07/1892, p. 216.

70 caderno de o estandarte 71 caderno de o estandarte


te na coluna “Atualidades”, assinada pelo redator, o presbítero por vários anos. Embora poucos, alguns artigos de opinião cha-
Joaquim Alves Corrêa, eram feitas por dona Luizinha. mam a atenção pela forma como interpreta o protestantismo
brasileiro, a Igreja Presbiteriana e, em especial, a Igreja Presbi-
Sua primeira intervenção de opinião foi publicada na edição teriana Independente, com uma relação muito forte com as opi-
de número 15, de 15 de abril de 1893. Em um pequeno tex- niões de seu marido, o Rev. Eduardo. Da mesma forma, tratou
to com o título “Avante” e assinado como LPM, dona Luizinha de traduzir vários artigos em francês e em inglês que falavam a
fala sobre a campanha para o Seminário e para as Missões respeito dos últimos dias e da breve volta de Jesus, um reflexo
Nacionais, destacando a mesma ideia de seu esposo em prol dos trágicos acontecimentos da 1ª. Guerra Mundial.
de uma igreja genuinamente nacional:
A Igreja Nacional é uma realidade, é uma heroína que Além de colaboradora da redação do jornal da IPIB, dona Lui-
em nome do Senhor se ergue cheia de energia e dedi- zinha era envolvida com tudo o que dizia respeito ao O Es-
cação. Esperançosos dias nos esperam, não lutaremos tandarte. Seu nome aparece em diversas listas de doações e
sempre, mas também colheremos os saborosos frutos ofertas em prol da manutenção do jornal. Em janeiro de 1896
de nossos penosos trabalhos. Que cada irmão com- figura como doadora de 187$000 (cento e oitenta e sete mil-
preenda seu alto privilégio e responsabilidade de solda- -réis) para a Typographia da Sociedade Brazileira de Tractados
do do exército de Cristo e cumpra seus deveres com os Evangelicos que havia deixado de imprimir o jornal por proble-
olhos fixos no grande Capitão que nunca recuou diante mas financeiros.117
das dificuldades a vencer. Que ricos e pobres façam a
parte do Senhor larga, generosa, não só de seus bens De 1893 a 1921 encontramos 175 artigos assinados por dona
terrenos, mas do seu tempo, de sua energia, de sua in- Luizinha, a maioria deles como apenas um “L” e outros com a
teligência, de sua vida toda.115 sigla LPM. Para catalogar todos os artigos tivemos um cer-
to trabalho, pois em algumas edições, entre os anos 1910 a
Até 28 de agosto, data de sua morte, dona Luizinha contri- 1920, o presbítero Nicolau Soares do Couto Esher assinava
buiu com diversas traduções de contos cristãos e de artigos alguns de seus artigos como “L”, de Lauresto. O último texto
que saíam em revistas protestantes dos Estados Unidos e, de dona Luizinha em O Estandarte foi publicado em 3 de fe-
especialmente, da Suíça francesa, como a Feuille Religieuse116 vereiro de 1921, na página 12. Tratava-se de uma tradução
do Cantão de Vaud, região dos seus ancestrais; e a Semaine para “Receitas Úteis”, falando sobre os benefícios do espina-
Religieuse da Igreja Reformada de Genebra. Também traduziu fre, gema de ovos, feijão e lentilhas; uma receita de bolinhos
vários pequenos textos da comédia de costumes, L’ami de la de batatas e um apontamento sobre os benefícios do leite
Maison, escrita por Jean-François Marmontel em 1771. Além para a saúde. Postumamente, foram publicados cinco artigos
dessas traduções há uma série de receitas de alimentos e de inéditos, localizados entre seus pertences logo após a sua
procedimentos domésticos que publicou sistematicamente morte118, entre novembro e dezembro de 1921, e mais dois
em janeiro de 1922. Em edições especiais, ao longo dos anos,
alguns artigos foram republicados em sua homenagem.
115 O Estandarte, 15/04/1893, p. 3.
116 A Feuille Religieuse (Folha Religiosa) era uma publicação da Igreja suíça (Reformada). O
primeiro número saiu em 1827 e durou até os anos 1930. A Feuille saía a cada dois domingos a partir
da Páscoa até o mês de novembro. De dezembro até a Páscoa saía todos os domingos. Uma em cada 117 O Estandarte, 4/01/1896, p. 3.
quatro folhas era destinada a mostrar o trabalho das missões entre os pagãos (não protestantes). 118 O Estandarte, 3/11/1921, p. 12.

72 caderno de o estandarte 73 caderno de o estandarte


Os netos O primeiro neto, nascido em 1908, recebeu o nome de Eduar-
do Pereira de Magalhães120. Depois vieram Alice (1910), Ma-
ria Luíza (1912), Antônio (1914), Cecília (1915), Olívia (1916) e
Carlos Júnior (1918). Com a mudança de Carlos e Gertrudes
para Goiás, em 1919, levando toda a família, dona Luizinha
tinha como companheira em casa apenas a filha Leonor. Em
Carlos Pereira de Magalhães, o primogênito de dona Luizinha Goiás, nasceram os netos Flávio Severo, Gilde e Lúcia.
e do Rev. Eduardo, na época escriturário da Secretaria de Se-
De Leonor, entretanto, dona Luizinha não alcançou os netos. A
gurança Pública, se casou em São Paulo no dia 11/06/1907
filha caçula casou-se aos 26 anos, alguns meses antes da sua
com Gertrudes Paes de Barros, filha de dona Maria Paes de
morte, com o presbítero da 1ª. Igreja, o norte-americano Char-
Barros e de Antônio Paes de Barros, da já mencionada tradi-
les Todd Stewart, diretor do curso comercial do Mackenzie121.
cionalíssima família paulista.119
Leonor e Charles, de licença do Mackenzie, foram passar uma
temporada nos Estados Unidos, onde nasceu-lhe o primogê-
nito, Charles Jr.122, em Nova Iorque, em 13 de maio de 1922.
Os outros quatro filhos nasceram em São Paulo: Anna Louise,
em 1923; Thomas Bonner 123 e Edward Charles Stewart, em
novembro de 1924; e Richard Hamilton, em 1928.

120 Foi o único descendente de dona Luizinha e do Rev. Eduardo que alcançou o ministério pastoral.
Foi pastor da IPIB e, depois, auxiliar na Igreja Cristã de São Paulo. Deixou o ministério para dedicar-se
ao magistério superior. Faleceu aos 51 anos de idade vítima de um acidente de automóvel. Assim como
seu avô, é nome de rua em São Paulo, no bairro Butantã. Ver PREFEITURA DE SÃO PAULO, decreto
nº 11.867, de 17/03/1975.
121 O Estandarte, 26/05/1921, p. 7. Charles Todd (1892-1964) era filho do Rev. Thomas Bonner
Stewart, pastor da Igreja Presbiteriana de Back Creek, em Chalortte, Carolina do Norte. Charles
retornou ao Brasil em 1923 tendo permanecido até 1933 quando voltou definitivamente para os Estados
Unidos. Foi diretor do Mackenzie em 1932, durante a Revolução Constitucionalista. Ver GARCEZ,
Álbum de família

Benedicto Novaes. O Mackenzie. São Paulo: Casa Editora Presbiteriana, 1970.


122 Charles Todd Stewart Jr. serviu no exército americano na 2ª. Guerra Mundial combatendo na Nova
Guiné e nas Filipinas onde foi ferido e condecorado. Doutor em Economia, tornou-se um economista
reconhecido nos Estados Unidos, tendo sido consultor do Banco Interamericano de Desenvolvimento
– BID, em Washington entre 1978 e 1979. Ver STEWART Jr., Charles T. Around the World in Eighty
Charles Todd Stewart, presbítero da 1ª. Igreja, Years: A Collection of Poems. Gloucester, UK: Brunswick Pub Co, 2001.
casou-se com Leonor Pereira de Magalhães 123 Thomas Bonner é, até onde se sabe, o segundo brasileiro conhecido que tomou parte da invasão
da Normandia, em 1944 (o outro é o curitibano Pierre Clostermann, aviador da RAF, que esteve no Dia
D). Doutor em Parasitologia e professor emérito da Escola de Medicina Veterinária da Universidade
Estadual da Louisiana, foi um dos fundadores da Highland Presbyterian Church na cidade de Baton
119 O Estandarte, 13/06/1907, p. 7. Rouge, Louisiana.

74 caderno de o estandarte 75 caderno de o estandarte


O ocaso

O Rev. Vicente Themudo Lessa registra que a intensa ativida-


de e energia excessiva de dona Luizinha teriam lhe abreviado
os dias. “Uma anemia profunda vinha, aos poucos, minan-
do aquele organismo. Buscou o leito somente nos últimos
dias”124. Sabemos, pelo belo texto em sua homenagem escrito
pela diaconisa Albina de Campos, corroborado por um conto
de sua filha Leonor, que ela sofria de esgotamento nervoso.

Não encontramos, nas fontes até aqui pesquisadas, indícios


que nos apontem qual o tipo de enfermidade que lhe sobre-

Álbum de família
veio. Sua última viagem ocorreu em 1916 quando embarca
com um sobrinho, Carlos Meyer, para a Argentina 125, a fim
Carlos Pereira de Magalhães e sua esposa de se encontrar com o Rev. Eduardo que, após participar do
Gertrudes Paes de Barros
Congresso da Ação Cristã na América Latina, de 10 a 19 de
fevereiro no Panamá126, estava em uma série de conferências
Álbum de família e Sérgio Gini

regionais deste congresso na América do Sul (Peru, Chile, Ar-


gentina, Montevidéu e Brasil).

Todavia, não há maiores detalhes sobre o que teria, de fato,


acometido dona Luizinha. O último evento familiar em que
apareceu, com exceção dos cultos dominicais na 1ª. Igreja e
na celebração alusiva ao 31 de Julho, foi no casamento de sua
filha Leonor, no dia 21 de maio de 1921. Duas semanas antes
de sua morte é que aparece no O Estandarte um pedido de
oração pelo seu estado de saúde.127

Eduardo Pereira de Magalhães, Dr. Thomas Bonner Stewart, filho de


124 O Estandarte, 1/09/1921, p. 4.
o primeiro neto e o único a Leonor. Faleceu aos 91 anos em 2016.
125 O Estado de São Paulo, 10/03/1916, p. 7.
alcançar o ministério pastoral Era gêmeo com Edward Charles Pereira 126 BRAGA, Erasmo. Pan-americanismo: aspecto religioso. Nova Iorque: Sociedade de Preparo
Stewart e nascidos em São Paulo Missionário Funcionando nos Estados Unidos e Canadá, 1916.
127 O Estandarte, 18/08/1921, p. 12

76 caderno de o estandarte 77 caderno de o estandarte


Com a viagem da filha para os Estados Unidos, em julho, é
de se supor que as crises depressivas tenham novamente se
abatido sobre dona Luizinha agravando a anemia profunda O enterro foi realizado no
que sofria. Aos 10 minutos do domingo, dia 28 de agosto de Cemitério dos Protestantes, no
1921, ela proferiu as últimas palavras segundo o Rev. Vicente bairro da Consolação, às 9 horas
T. Lessa: “Adeus, meu Eduardo, meu amor, eu vou-me embo-
ra”128. Contava com 64 anos apenas.
da manhã de segunda-feira, dia
29 de agosto. O percurso de
pouco mais de 500 metros entre
a residência do casal129 e o campo

Acervo de O Estandarte
santo foi feito a pé, sendo o féretro
acompanhado por um grande
número de pessoas, tanto da
sociedade paulistana quanto das
igrejas evangélicas de São Paulo.

As únicas palavras do Rev. Eduardo Carlos Pereira que fica-


ram registradas na época sobre o passamento de sua esposa,
além de uma lacônica nota de agradecimento pelos cumpri-
mentos recebidos, foram expressas em um editorial no jornal
O Estandarte, logo após reassumir o posto, com as quais con-
cluímos essa pequena biografia:
Rev. Eduardo e dona Luizinha com a neta Alice e a Foi o Senhor servido arrebatar-nos, em um instante,
filha Leonor, pouco antes do casamento desta, em 1921 a amada companheira de tantos anos, dando-lhe per-
feito descanso das misérias da presente vida. Alma
extremamente sensível, não conhecia neutralidade, in-
diferença ou apatia: nela se refletiam com intensidade

129 Dona Luizinha e o Rev. Eduardo moravam na casa que haviam construído, na Rua Itambé, n°
47, em Higienópolis, na mesma rua da Escola Americana e do Mackenzie. A casa era vizinha a do Dr.
128 O Estandarte, 1/09/1921, p. 4. Arthur Rudge Ramos, famoso jurista, que morava na casa n° 45.

78 caderno de o estandarte 79 caderno de o estandarte


o bem e o mal, que a rodeavam. Ao entusiasmo e san-

Daniela Benite, 2015.


tas alegrias pelos benefícios, que fazia ou que faziam,
alternavam, com frequência, as tristezas e as dores
pelas misérias, arrogâncias, ingratidões, sofrimentos
e gemidos, que pululavam na sociedade. Espírito fada-
do às dores da vida, repousou no seio de Deus, tendo
procurado cumprir, com extremosa dedicação, a sua
tarefa. Resta-nos a lembrança saudosa e inspiradora
de sua ternura, de seu zelo incansável e abnegado pela
Igreja, pelo Evangelho, pelo ministério, pela mocidade,
pelas crianças, pela mulher, pelas viúvas, pelos enfer-
mos, pelos pobres, pelos desempregados e pelos de
sua casa. Ao Senhor rendemos profundas graças por
no-la ter concedido por quarenta e um anos e pela fir-
me esperança de lhe ter dado descanso do árduo so-
frer das provações presentes.130

Menos de dois anos depois, em 2 de março de 1923, o Rev.


Eduardo Carlos Pereira partia para encontrar dona Luizinha na
eternidade.

Jazigo onde estão sepultados dona Luizinha, o


Rev. Eduardo, filho, nora e netos, no Cemitério dos
Protestantes em São Paulo

130 O Estandarte, 13/10/1921, p. 1.

80 caderno de o estandarte 81 caderno de o estandarte


A preservação do
acervo online do nosso
centenário jornal
O Estandarte é
uma dádiva para os
historiadores. O primeiro
jornal evangélico do
Brasil, a Imprensa
Evangélica, também
tem grande parte do
seu acervo digitalizada e
disponível para pesquisas
online a partir da
Biblioteca Nacional.
Foram todas essas
ferramentas tecnológicas
que tornaram possível
aprofundar as pesquisas
sobre a vida da esposa
do Rev. Eduardo Carlos
Pereira, o principal líder
dos primeiros anos da
Igreja Presbiteriana
Independente do Brasil.

Rev. Sérgio Gini


82 caderno de o estandarte
CENTENÁRIO DA MORTE DE LUIZA PEREIRA DE MAGALHÃES

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