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Pós Graduação em Ensino Especial

Autismo...
Um amor que é difícil.

Disciplina: Necessidades Educativas Especiais e Perturbações Intelectuais

Docente: Doutora Conceição Ferreira

Turma: B

Discentes: Aurélie Pinto


Cristina Paula Loureiro
Maria de Lurdes Moura
Rosa Maria Rocha
Susana Paula Pissarro
Autismo… um amor que é difícil.
ÍNDICE
1. Introdução.

2. Evolução do Conceito de Autismo.

3. Conceptualização.
3.1. A noção de perturbação do Espectro do Autismo;
3.1.1. Perturbação Autística;
3.1.1.1. Critérios de Diagnóstico.
3.1.2. Perturbação de Rett;
3.1.2.1. Critérios de Diagnóstico.
3.1.3. Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância;
3.1.3.1. Critérios de Diagnóstico.
3.1.4. Perturbação de Asperger;
3.1.4.1. Critérios de Diagnóstico.
3.1.5. Perturbação Global do Desenvolvimento Sem Outra
Especificação.

4. Etiologia.
4.1. Teorias Psicogenéticas;
4.2. Teorias Biológicas;
4.3. Teorias Psicológicas;
4.4. Factores;
4.4.1. Factores genéticos: Síndrome X frágil.
4.4.2. Factores neuroquímicos: elevado índice de serotonina.
4.4.3. Factores neurológicos e neuroanatómicos na especialização
hemisférica.

5. Caracterização da criança autista.


5.1. Interacção social;
5.2. Linguagem;
5.3. Comportamentos;
5.4. Memória;
5.5. Cognição.

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6. Métodos de intervenção.
6.1. Princípios gerais para trabalhar com crianças autistas;
6.2. Possíveis estratégias a utilizar;
6.3. Modelo Teacch;
6.3.1. Importância;
6.3.2. O ensino estruturado – a sala TEACCH.

7. Conclusão.

8. Anexos.

9. Bibliografia.

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1. Introdução

Com o aparecimento da “escola para todos” as escolas tiveram que enfrentar um


novo desafio. O de acolher, acompanhar e apoiar crianças com características e
necessidades específicas, as crianças “chamadas” de crianças problema.
Atendendo à enorme diversidade de problemáticas, à complexidade de alguns
casos e à falta de outras estruturas de apoio, nós, professores e educadores, deparamo-
nos diariamente com imensas questões, problemas e falta de estratégias de
acompanhamento e intervenção.
Por vezes dentro de um mesmo grupo temos problemáticas tão diferenciadas
como uma hiperactividade, uma síndrome de Down, uma deficiência auditiva, entre
muitas outras.
É de facto de extrema importância que nós nos mantenhamos atentos aos alunos
que temos na sala e que nos preocupemos, cada vez mais, com a formação na área da
educação especial para assim conseguirmos dar respostas adequadas às “crianças
problema”, nomeadamente na organização e planificação de tarefas, bem como na
orientação, que muitas vezes temos de dar à família, ao encaminhamento destes casos, à
procura de apoios externos e à articulação com outros técnicos e profissionais.
Além da formação é ainda de fulcral importância a partilha de experiências, a
troca de estratégias e a descoberta de metodologias e ideias que realmente funcionem.
Neste trabalho propusemo-nos aprofundar um pouco mais os nossos
conhecimentos sobre o Autismo e recolha de bibliografia, rapidamente verificamos que
há muito mais para aprender/descobrir, cujo conceito e perturbações associadas é muito
mais lato, verificando desde logo que falar de Autismo não fará muito sentido, mais sim
de Perturbações do Espectro do Autismo.

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2. Evolução do Conceito de Autismo

A definição de “Autismo” não é fácil e sofreu já várias revisões baseadas nos


resultados de múltiplas investigações.
Acreditava-se que o autista não participava na vida social de forma consciente,
hoje, sabe-se que esse isolamento resulta, isso sim, de alterações neurológicas e
bioquímicas que têm lugar no cérebro.
Achava-se que o problema do autismo se devia à falta de ternura e de calor
humano por parte dos pais, no entanto, sabe-se hoje, que o autismo em nada tem que ver
com factores psicológicos, mas sim que a sua origem é biológica e que está relacionada
com uma disfunção metabólica ao nível do cérebro.
Acredita-se que a causa do autismo tem uma raiz neurológica, envolvendo uma
possível disfunção na formação reticular do tronco cerebral. A formação reticular
representa uma rede de células nervosas do tronco cerebral que estão envolvidas na
percepção. Quando se regista um mau funcionamento neste campo, na origem pode
estar uma deficiência do funcionamento reticular. O autismo manifesta-se em todas as
classes sócio-económicas, apesar de a sua prevalência parece ser superior nas classes
mais favorecidas. No entanto, tal poderá ser atribuído ao facto de as famílias cujo nível
de educação é mais elevado estarem mais aptas para reconhecer comportamentos
associados ao autismo e, consequentemente, estarem também mais preparadas para
procurar apoio.
De acordo com a Associação Médica Americana em cada 10000 nascimentos
dois a quatro indivíduos registrarão autismo. Sendo três vezes mais comum no sexo
masculino, do que no feminino, raramente afecta mais do que uma criança em cada
família. (Correia, 99 pág. 39)
O termo Autismo resulta do grego “Autos”, que se traduz em Próprio/Eu e
“Ismo” que traduz uma orientação ou estado. Esta designação advém do comportamento
peculiar das crianças, muito centradas em si mesmas, apresentando um alheamento ao
meio envolvente.

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O termo autismo, originário de Bleubler (1908) referia-se ao isolamento social
observado em adultos vítimas de esquizofrenia.
Em 1943, o pedopsiquiatra Leo Kanner estudou e descreveu a condição de 11
crianças (8 rapazes e 3 raparigas) consideradas especiais. Nesta época, o termo
Esquizofrenia Infantil era considerado sinónimo de Psicose Infantil mas, as crianças
observadas por Kanner tinham características especiais e diferentes das crianças
esquizofrénicas. Elas exibiam uma invulgar incapacidade de se relacionarem com outras
pessoas e com os objectos. Concomitantemente apresentavam desordens graves no
desenvolvimento da linguagem. A maioria delas não falava e, quando falavam, era
comum a ecolalia e a inversão pronominal. O comportamento delas era salientado por
actos repetitivos e estereotipados; não suportavam mudanças de ambiente e preferiam o
contexto inanimado.
Em 1944 um médico austríaco Hans Asperger publicou um trabalho sobre
“Psicopatologia autista” referindo-se esta expressão ao autismo. Asperger desenvolveu a
sua actividade em Viena sem conhecimento prévio do trabalho preconizado por Kanner,
mas o mais curioso é que tanto as descrições de Kanner como as de Asperger eram
muito semelhantes em vários aspectos. O facto de Asperger ter escolhido a palavra
autismo para descrever os seus pacientes reflecte a crença comum de que a
característica mais importante desta perturbação era o problema social destas crianças.
Asperger apresentava uma definição do autismo como sendo uma disfunção
menos severa, que implicava maior funcionalidade, boas capacidades linguísticas e
cognitivas.
Convém, realçar que estas diferenças na caracterização do autismo reflectem,
somente o facto de os dois autores terem estudado crianças diferentes: as crianças que
Kanner estudou apresentavam, com efeito, um quadro mais severo de
disfuncionamento.
Tanto para Kanner como para Asperger o isolamento social presente no autismo
perdurará por toda a adolescência e idade adulta, no entanto, para Kanner esse
isolamento era inato e para Asperger era constitucional.
Ambos observaram comportamentos comuns tais como contacto visual pobre,
estereotipias verbais e comportamentais, uma marcada resistência à mudança, procura
constante de isolamento, interesses especiais e comportamentos bizarros.
O grande objectivo tanto de Kanner como de Asperger era fazer a distinção entre
esquizofrenia e autismo baseados em três tópicos: a possibilidade de melhoria dos seus

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pacientes, a ausência de alucinações e o facto das crianças apresentarem um
desenvolvimento perturbado desde os primeiros anos de vida, ao contrário da
esquizofrenia em que existe um declínio das capacidades após um período inicial de um
desenvolvimento normal.
Apesar dos vários aspectos em comum existiam três grandes áreas de
divergência entre o preconizado por Kanner e por Asperger: a primeira refere-se às
capacidades linguísticas – Kanner refere que três dos seus onze pacientes nunca falaram
e que os restantes não usavam a linguagem para comunicar, já Asperger referiu que
cada um dos seus quatro casos estudados falavam fluentemente, salientava ainda a
“originalidade” e “liberdade” com que usavam a linguagem. A segunda divergência
reportava-se às capacidades motoras e de coordenação – enquanto que Kanner referia
boas capacidades em termos de coordenação dos músculos finos, Asperger descreveu
que dos quatro casos estudados, todos eles, tinham poucas aptidões para actividades
motoras, não só no desporto escolar mas também nas capacidades motoras finas como a
escrita. A terceira divergência diz respeito à aprendizagem – ao passo que Kanner
defendia que os seus pacientes aprendiam mais facilmente através de rotinas e
mecanizações, Asperger defendia que os seus pacientes aprendiam mais facilmente se
produzissem espontaneamente e que estes seriam “pensadores do abstracto” (Marques,
p. 27)
Estas diferenças nos conceitos apresentados por Kanner e Asperger estão na base
da distinção actual entre autismo e síndrome de Asperger. Assim, a definição de
autismo é, actualmente, bastante semelhante à apresentada por Kanner na década de 40;
por sua vez o termo de Síndrome de Asperger é aplicado para designar essencialmente
crianças com boas capacidades linguísticas e intelectuais.
No final da década de 70 Rutter descreveu o Transtorno Autista como sendo
uma síndrome caracterizada pela precocidade de início e principalmente pelas
perturbações das relações afectivas com o meio. Dizia que o autista possuía uma
incapacidade inata para estabelecer qualquer relação afectiva, bem como para responder
aos estímulos do meio. A partir desta data, vários pesquisadores foram revelando uma
distinção cada vez mais evidente entre o autismo e a esquizofrenia.
Convém realçar que, mesmo as crianças que preenchem os critérios para o
autismo são muito diferentes entre si. Um estudo de Wing e Gould (1979) demonstra
que há crianças com autismo que evitam ou recusam o contacto com os outros,
isolando-se; outros podem ser passivas ou até muito activas, embora de um modo

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particular (citado por Marques, 2000). Este estudo demonstra que, de facto, há uma
variabilidade muito acentuada nas características das pessoas autistas, pelo que Wing
propõe o conceito de perturbação do “Espectro do Autismo”. De facto, este conceito é
bastante útil uma vez que consideram autismo um contínuo, com várias e até
constrastantes características e não uma categoria apenas (Marques, 2000).
Actualmente, o autismo é considerado uma perturbação global do
desenvolvimento, a qual consiste num disfuncionamento grave essencialmente ao nível
da interacção social, comunicação e comportamento. (DSM-IV-TR)
Tanto o DSM-IV-TR (Manual de Diagnóstico – formulado pela Associação
Americana de Psiquiatria) como a OMS (Organização Mundial de Saúde) através do
ICD 10 (Classificação Internacional de Doenças) relacionam ao autismo a presença de
três perturbações principais de desenvolvimento, a que apelidaram de tríade de
incapacidades que inclui: limitações na interacção social recíproca, limitações na
comunicação recíproca (verbal e não verbal) e limitações da capacidade de imitação.
Em 1994 o novo DSM-IV fez alterações ao nível do diagnóstico. A perturbação
autista fazia parte do Eixo II, onde eram colocadas perturbações a longo prazo, contudo
foi alterado para o Eixo I, onde se encontram os distúrbios transitórios. Esta alteração
fez-se porque se reconhece que a sintomatologia desta perturbação pode variar
consideravelmente se houver uma intervenção adequada.

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3. Conceptualização

O autismo é uma perturbação global do desenvolvimento, que se manifesta


tipicamente antes dos 3 anos de idade. Esta perturbação global compromete todo o
desenvolvimento psiconeurológico, afectando a comunicação e o convívio social,
apresentando em muitos casos um atraso mental.
Actualmente não faz muito sentido falar-se em Autismo, mas sim em
Perturbações do Espectro do Autismo, dado que existem muitas variantes desta
perturbação.
Na classificação do DSM-IV-TR (American Psychiatric Association, 2000), as
Perturbações do Espectro do Autismo ou Perturbações Globais de Desenvolvimento
“são caracterizadas por um défice grave e global em diversas áreas do desenvolvimento:
competências sociais, competências de comunicação ou pela presença de
comportamentos, interesses e actividades estereotipadas” (DSM-IV-TR, 2002, p.69)
Os défices qualitativos que definem estas perturbações variam consoante a idade
cronológica da criança e dependem do seu nível de desenvolvimento. Existe uma
notória perturbação da interacção recíproca que regula a interacção social e a
comunicação, podendo ocorrer uma incapacidade de utilização de comportamentos não
verbais (contacto pelo olhar, a expressão facial, postura corporal, entre outras.). Estas
crianças não desenvolvem relações sociais com os seus pares.
Tendo ainda como referência o manual DSM-IV-TR a incapacidade
comunicativa poderá afectar tanto as competências verbais como as competências não
verbais, podendo existir apenas um atraso ou ocorrer uma ausência total de linguagem
falada. Mesmo nos casos em que essa linguagem falada exista têm grandes dificuldades
em manter conversas, o seu discurso pode apresentar um tom, um ritmo e uma entoação
anormais do tipo monocórdico. A perturbação da compreensão da linguagem pode ser
evidente e traduz-se na incapacidade para entender questões e frases simples.
Existem ainda perturbações ao nível do jogo social e imitativo adequado ao
nível etário em que as crianças tendem a envolver-se em jogos de imitação muito
simples ou rotineiros, ou ainda de forma mecânica. Os seus interesses, comportamentos
e actividades são muito limitadas.
Em suma, antes dos três anos de idade, esta perturbação pode manifestar-se por
atraso ou desvio no desenvolvimento nas seguintes áreas: a interacção social, a
linguagem usada como forma de comunicação social e o jogo simbólico ou imitativo.

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3.1. A Noção de Perturbação de Espectro do Autismo
Como já referimos anteriormente o termo autismo tem vindo a sofrer várias
alterações fruto das investigações que têm sido realizadas ao longo dos tempos.
Após o estudo bibliográfico verificou-se que o comportamento de indivíduos
com autismo difere, fazendo assim, sentido falar-se em sub-tipos dentro das
perturbações autistas.
Um claro exemplo destas diferenças entre indivíduos autistas são os casos de
algumas crianças, nomeadamente as mencionadas por Kanner que evitavam ou
recusavam a partilha social refugiando-se no isolamento, enquanto que, outras eram
mais passivas e aceitavam as ideias dos outros e à sua maneira eram sociáveis.
Ao mesmo tempo se confrontarmos as descrições feitas por Kanner e por
Asperger sobre crianças autistas rapidamente verificamos que apesar de referirem
muitos “traços” comuns em crianças com a mesma perturbação, também são muito
evidentes as diferenças existentes.
Por tudo isto, é extremamente importante, para se conseguir realizar uma
intervenção mais eficaz, e para se compreender melhor a etiologia, que haja uma sub-
classificação das perturbações autistas, por isso, é mais correcto falar-se em
Perturbações do Espectro do Autismo.
Fazem parte das Perturbações do Espectro do Autismo:
3.1.1. Perturbação Autística
3.1.2. Perturbação de Rett
3.1.3. Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância
3.1.4. Perturbação de Asperger
3.1.5. Perturbação Global do Desenvolvimento Sem Outra Especificação
(incluindo o autismo atípico)

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3.1.1. Perturbação Autística
Esta perturbação é muitas vezes referida como autismo infantil precoce, autismo
infantil ou autismo de Kanner.
Esta perturbação é caracterizada por um desenvolvimento anormal ou deficitário
ao nível da interacção social, ao nível da comunicação e ao nível do comportamento e
varia de acordo com a idade cronológica e com o seu nível de desenvolvimento.
Normalmente as crianças mais jovens manifestam indiferença ou “aversão” aos
afectos e contactos físicos, há ausência de contacto visual e ausência de resposta às
vozes dos pais, o que inicialmente os leva a acreditar que o seu filho é surdo. À medida
que a criança vai crescendo vai aumentando a sua predisposição para uma maior
interacção social. Nas pessoas mais velhas, com este tipo de perturbação, poder-se-á
verificar um excelente rendimento em tarefas que impliquem a memória a longo prazo
(fixar datas, histórias, letras de canções, etc.) contudo tendem a utilizar estes
“memorizações” constantemente e fora de contexto.
Segundo estudos realizados esta perturbação parece atingir quatro a cinco vezes
mais os homens que as mulheres.
Esta perturbação está normalmente associada a um diagnóstico de Deficiência
Mental que poderá variar entre moderada e profunda. Regra geral, as mulheres com esta
perturbação têm mais probabilidades de possuir uma Deficiência Mental mais grave se
comparadas com os homens.
Normalmente o desenvolvimento das capacidades cognitivas é desigual se
compararmos com o seu nível global de inteligência, isto é, normalmente as capacidades
verbais são mais fracas do que as capacidades não verbais.
Ao nível comportamental, as crianças com esta perturbação podem apresentar
sintomas tais como: hiperactividade, impulsividade, agressividade, birras e
comportamentos auto-agressivos. Estes sintomas ocorrem normalmente em crianças
mais jovens.
Poder-se-á verificar alterações a vários níveis, nomeadamente ao nível da
alimentação (uma dieta muito limitada, ingestão de poucos alimentos), ao nível do sono
(acordar várias vezes de noite), ao nível do humor ou do afecto, isto é, mudanças de
humor frequentes e poder-se-á, em alguns, casos verificar a ausência de medo a perigos
reais e reacções excessivas de medo perante situações ou objectos “banais”. Poderá
ainda existir comportamentos auto-agressivos.

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Estas crianças quando entram na adolescência ou até mesma na idade adulta e
que possuam capacidade intelectual tendem a ficar deprimidos quando percebem que
possuem um grave défice.

3.1.1.1. Critérios de diagnóstico (DSM-IV-TR, 2002, p.75)


A. Um total de seis (ou mais) itens de (1) (2) e (3), com pelo menos dois de (1), e
um de (2) e de (3).
(1) défice qualitativo na interacção social, manifestado pelo menos por duas das
seguintes características:
(a) acentuado défice no uso de múltiplos comportamentos não verbais,
tais como contacto ocular, expressão facial, postura corporal e gestos reguladores da
interacção social;
(b) incapacidade para desenvolver relações com os companheiros,
adequadas aio nível de desenvolvimento;
(c) ausência da tendência espontânea para partilhar com os outros
prazeres, interesses ou objectivos (por exemplo, não mostrar, trazer ou indicar objectos
ou interesses);
(d) falta de reciprocidade social e emocional.
(2) défices qualitativos na comunicação, manifestados pelo menos por uma das
seguintes características:
(a) atraso ou ausência total de desenvolvimento da linguagem oral (não
acompanhada de tentativas para compensar através de modos alternativos de
comunicação, tais como gestos ou mímica);
(b) nos sujeitos com um discurso adequado, uma acentuada incapacidade
na competência para iniciar ou manter uma conversação com os outros;
(c) uso estereotipado ou repetitivo da linguagem ou linguagem
idiossincrática;
(d) ausência de jogo realista espontâneo, variado, ou de jogo social
imitativo adequado ao nível de desenvolvimento.
(3) padrões de comportamento, interesses e actividades restritos, repetitivos e
estereotipados, que se manifestam pelo menos por uma das seguintes características:
(a) preocupação absorvente por um ou mais padrões estereotipados e
restritivos de interesses que resultam anormais, quer na intensidade quer no seu
objectivo;

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(b) adesão, aparentemente inflexível, a rotinas ou rituais específicos, não
funcionais;
(c) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo,
sacudir ou rodar as mãos ou dedos ou movimentos complexos de todo o corpo);
(d) preocupação persistente com partes de objectos.
B. Atraso ou funcionamento anormal em pelo menos uma das seguintes áreas, com
inicio antes dos três anos de idade: (1) interacção social, (2) linguagem usada na
comunicação social (3), jogo simbólico ou imaginativo.
C. A perturbação não é melhor explicada pela presença de uma Perturbação de Rett
ou Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância.

3.1.2. Perturbação de Rett


Segundo estudos realizados esta perturbação é menos frequente que a
perturbação autista e só afecta mulheres.
A característica essencial da Perturbação de Rett é o desenvolvimento de
múltiplos défices específicos após um período de funcionamento normal depois do
nascimento (DSM-IV-TR p 76).
Esta perturbação está quase sempre associada a uma Deficiência Mental
podendo esta ser grave ou profunda.
As crianças portadoras desta perturbação têm um desenvolvimento perinatal e
pré-natal, bem como, um desenvolvimento psicomotor aparentemente normal.
Esta perturbação aparece por volta do primeiro ou segundo ano de vida e
prolonga-se pela vida fora, sendo que a perda de aptidões é persistente e gradual. Nestes
casos é muito difícil a recuperação, contudo poder-se-á verificar algumas melhorias em
alguns aspectos, nomeadamente, na interacção social, quando estes se encontram no
final da infância ou entram na adolescência, no entanto, as dificuldades de
comportamento e linguagem persistem por toda a vida.

3.1.2.1. Critérios de diagnóstico (DSM-IV-TR, 2002, p 76)


A. Todas as características seguintes:
(1) desenvolvimento pré-natal e perinatal aparentemente normais;
(2) desenvolvimento psicomotor aparentemente normal durante os primeiros
cinco meses após o nascimento;

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(3) perímetro craniano normal ao nascimento.
B. Após um período normal de desenvolvimento, aparecimento de todas as
características seguintes:
(1) desaceleração do crescimento craniano entre os 5 e os 48 meses;
(2) perda das aptidões manuais intencionais, previamente adquiridas, entre os 5 e
os 30 meses de idade, com subsequente desenvolvimento de movimentos manuais
estereotipados (por exemplo, escrever ou lavar as mãos);
(3) perda do envolvimento social no início da perturbação (ainda que muitas
vezes a interacção social se desenvolva mais tarde);
(4) aparecimento de má coordenação da marcha ou dos movimentos do tronco;
(5) incapacidade grave no desenvolvimento da linguagem receptiva-expressiva
com grave atraso psicomotor.

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3.1.3. Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância
Esta perturbação de ordem neurodegenerativa caracteriza-se por uma regressão
nas muitas áreas de funcionamento após dois anos de desenvolvimento aparentemente
normal ao nível da comunicação verbal e não verbal, relação social, jogo e
comportamento adequado à idade.
A criança portadora desta perturbação manifesta uma perda significativa, do que
aprendeu até então. O período de regressão dura entre 4 a 8 semanas e é marcado por
agitação e pânico. Esta perda acontece depois dos dois anos de idade e antes dos dez,
em pelo menos uma das seguintes áreas: “linguagem expressiva ou receptiva,
competências sociais ou comportamento adaptativo, controlo intestinal ou vesical, jogo
ou competências motoras”. (DSM-IV-TR , 2002, p.78)
De acordo com os estudos realizados esta perturbação é muito rara, é mais
frequente nos homens e normalmente está associada a uma Deficiência Mental.
A Perturbação Desintegrativa da Segunda Infância pode ser insidiosa ou súbita,
isto é, há alguns indícios, que podem ser o prenúncio desta perturbação, dos quais se
destacam a irritabilidade, o aumento de actividade, ansiedade, perda da fala, etc.
Normalmente as dificuldades do foro social, comportamental e comunicativo
permanecem para toda a vida.

3.1.3.1. Critérios de diagnóstico (DSM-IV-TR, 2002 p.79)


A. Desenvolvimento aparentemente normal pelo menos durante os dois primeiros
anos após o nascimento, manifestando pela presença de comunicação verbal e não
verbal, relação social, jogo e comportamento adaptativo adequados à idade.
B. Perda clinicamente significativa de aptidões previamente adquiridas (antes da
idade dos 10 anos) pelo menos em duas das seguintes áreas:
(1) linguagem expressiva ou receptiva;
(2) competências sociais ou comportamento adaptativo;
(3) controlo intestinal ou vesical;
(4) jogo;
(5) competências motoras.
C. Anomalias no funcionamento em pelo menos duas das seguintes áreas:

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(1) défice qualitativo da interacção social (por exemplo, défice dos
comportamentos não verbais, incapacidade para desenvolver relações com os
companheiros, ausência de reciprocidade social ou emocional);
(2) incapacidades qualitativas na comunicação (por exemplo, atraso ou perda da
linguagem falada, incapacidade para iniciar ou manter uma conversa, uso de linguagem
estereotipada ou repetitiva, ausência de jogo simbólico variado);
(3) padrões de comportamento, interesses e actividades restritivos, repetitivos e
estereotipados, incluindo estereotipias motoras e maneirismos.
D. Esta perturbação não é melhor explicada pela presença de outra Perturbação
Global do Desenvolvimento ou pela Esquizofrenia.

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3.1.4. Perturbação de Asperger
Ao contrário das outras perturbações, esta não aparece associada a nenhuma
Deficiência Mental, contudo, poderá estar associada a outras perturbações mentais,
nomeadamente Perturbações Depressivas. Dadas as características desta perturbação é
muitas vezes confundida com Perturbação Obssessiva-Compulsiva, Depressão ou
Esquizofrenia e porque, muito frequentemente se associa a sintomas de hiperactividade
e desatenção conduz, muitas vezes, a diagnósticos errados, nomeadamente, Perturbação
de Hiperactividade com Défice de Atenção.
A Perturbação de Asperger caracteriza-se por um défice grave e persistente da
interacção social, com comportamentos muito restritivos e repetitivos sendo
consideradas crianças “estranhas” pelos comportamentos atípicos que apresentam.
Normalmente as crianças mais jovens têm pouco, ou nenhum interesse em fazer
amizades, enquanto que, os mais velhos podem até ter interesse por fazer e manter
amizades, mas não percebem as “regras” de interacção social.
As crianças com este tipo de perturbação tendem a canalizar todas as suas
energias para actividades do seu interesse, esquecendo ou ignorando todas as outras. A
timidez, o perfeccionismo, a falta de compreensão das regras sociais e a dificuldade em
fazer amigos são características muito próprias desta perturbação.

3.1.4.1. Critérios de diagnóstico (DSM-IV-TR, 2002, p.84)


A. Défice qualitativo da interacção social manifestado pelo menos por duas das
seguintes características:
(1) acentuada défice no uso de múltiplos comportamentos não verbais, tais
como: contacto olhos nos olhos, postura corporal e gestos reguladores da interacção
social;
(2) incapacidade para desenvolver relações com os companheiros, adequadas ao
nível de desenvolvimento;
(3) ausência da tendência espontânea para partilhar com os outros prazeres,
interesses ou objectivos (por exemplo, não mostrar, trazer ou indicar objectos de
interesse);
(4) falta de reciprocidade social e emocional.
B. Padrões de comportamento, interesses e actividades restritos, repetitivos e
estereotipados, que se manifestam pelo menos por uma das seguintes características:

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(1) preocupação absorvente por um ou mais padrões estereotipados e restritivos
de interesses que resultam anormais, quer na intensidade quer no objectivo;
(2) adesão, aparentemente inflexível, a rotinas ou rituais específicos, não
funcionais;
(3) maneirismos motores estereotipados e repetitivos (por exemplo, sacudir ou
rodar as mãos ou dedos, ou movimentos complexos de todo o corpo);
(4) preocupação persistente com partes de objectos.
C. A perturbação produz um défice clinicamente significativo da actividade social,
laboral ou de outras áreas importantes do funcionamento.
D. Não há atraso geral da linguagem clinicamente significativo (por exemplo, uso
de palavras simples aos dois anos de idade, frases comunicativas aos três anos de
idade).
E. Não há atraso clinicamente significativo no desenvolvimento cognitivo ou no
desenvolvimento de aptidões de auto-ajuda próprias da idade, no comportamento
adaptativo (distinto da interacção social) e na curiosidade acerca do meio ambiental
durante a infância.
F. Não preenche os critérios para outra Perturbação Global do Desenvolvimento ou
Esquizofrenia.

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3.1.5. Perturbação Global do Desenvolvimento sem outra especificação
(incluindo o Autismo Atípico)
Entende-se por autismo atípico aquele, em que, apesar de apresentar alguns
sintomas semelhantes ao autismo, não pode ser incluído nem na síndrome de Asperger,
nem na síndrome autista, nem na perturbação desintegrativa da infância.
As crianças com este tipo de perturbação apresentam um comportamento e
dificuldades autistas, mas têm menos sintomas ou então possuem um padrão diferente.
“Esta categoria deve ser usada quando existe um défice grave e global no
desenvolvimento da interacção social recíproca associada a um défice das competências
de comunicação verbal e não verbal ou à presença de comportamentos, interesses e
actividades estereotipadas, mas não sejam preenchidos pelos critérios de uma
Perturbação Global de Desenvolvimento específica, Esquizofrenia, Perturbação
Esquizotípica da Personalidade ou Perturbação Evitante da Personalidade” (DSM-IV1-
TR, 2002, p. 84)

4. Etiologia
Muitas teorias procuram explicar as Perturbações do Espectro do Autismo.
As teorias comportamentais tentam explicar os sintomas característicos desta
perturbação tendo por base os mecanismos psicológicos e cognitivos, ao passo que, as
teorias neurológicas e fisiológicas fornecem informações cuja base é neurológica. Na
realidade apesar destas teorias apresentarem explicações diferentes, elas acabam por se
complementar, contribuindo assim, para uma melhor e mais clara explicação.
É de facto importante a classificação etiológica, porque só assim se consegue
prevenir, aconselhar e desenvolver uma intervenção farmacológica mais eficaz.

4.1. Teorias Psicogénicas


“Devemos assumir que estas crianças nascem com uma incapacidade inata
para proceder da forma biologicamente correcta ao contacto afectivo com os outros,
tal como outras crianças nascem com outro tipo de incapacidades físicas ou mentais”
(Kanner, 1943)
Inicialmente Kanner defendia que o autismo era inato, mas mais tarde, em 1954,
influenciado pelas teorias psicanalíticas, muito na moda, na altura, acaba por atribuir
aos pais, nomeadamente a frieza emocional o perfeccionismo e a rigidez, a culpa desta

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Autismo… um amor que é difícil.
perturbação, “não podemos esquecer que o gelo emocional que estas crianças recebem
por parte dos pais pode funcionar como um elemento altamente patológico para o
desenvolvimento” (Marques, Carla p. 54).
No fundo estas teorias têm as suas raízes nas teorias psicanalíticas e defendem
que as crianças autistas eram normais antes do nascimento, mas que devido a factores
familiares, nomeadamente pais frios e pouco expressivos, teriam afectado o
desenvolvimento afectivo destas crianças, desencadeando o quadro autista. Segundo
Cantweel e Rutter (1984), os factores que desencadeiam este quadro são: relação
inadequada pais/crianças; quociente intelectual e classe social dos pais; stress intenso e
acontecimentos traumáticos numa fase precoce da vida da criança. Esta visão foi
bastante prejudicial para muitas famílias.
Com o passar dos anos e depois de muitas investigações chegou-se à conclusão
que não se podia atribuir a culpa aos pais, dado que, o que existia era sim um défice
inato que impedia uma relação normal com o meio envolvente.

4.2. Teorias Biológicas


Os avanços na tecnologia permitiram efectuar estudos a nível cerebral. Estas
teorias apontam para uma origem neurológica. O autismo não se revelaria devido a
razões emocionais, tais como defendiam as teorias psicogénicas, mas sim devido a
perturbações biológicas associadas tais como: rubéola pré-natal, epilepsia,
toxoplasmose, infecções por citomegalovírus, encefalopatia, esclerose tuberosa,
meningite, hemorragia cerebral e fenilcetonúria.
Segundo esta teoria o “autismo resulta de uma perturbação de determinadas
áreas do sistema nervoso central, que afectam a linguagem, o desenvolvimento
cognitivo e intelectual e a capacidade de estabelecer relações” (Marques, C p.59)

4.3. Teorias Psicológicas


Ritvo (1976) foi dos primeiros autores a considerar a síndrome autista como uma
desordem do desenvolvimento causado por uma patologia do Sistema Nervoso Central.
O atraso intelectual do autista não era global, mas verificava-se que diversas funções
cognitivas se encontravam alteradas.

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Autismo… um amor que é difícil.
4.4. Factores
Em seguida, serão apresentados exemplos de factores que alguns teóricos
identificaram como podendo estar na origem desta perturbação. Convém realçar que
todos devem ser considerados como uma hipótese, uma vez que existem evidências que
corroboram e evidências que refutam o seu papel na etiologia do autismo.

4.1.1. Factores genéticos: Síndrome do X frágil


Recentemente, alguns estudos constataram a presença em crianças com autismo,
de uma alteração no cromossoma X – designada por “cromossoma X frágil”
(Schreibman, 1988). Conforme o nome indica, esta alteração responsável pela
determinação do sexo da criança durante a fecundação (XY nos homens e XX nos
rapazes). Esta síndrome é mais comum nos rapazes precisamente porque, dado que as
mulheres possuem dois cromossomas X, no caso de esta alteração afectar um deles, o
outro poderá ter um papel compensatório.
Actualmente, apenas 10% (ou menos) da população que é diagnosticada com
autismo, simultaneamente, a síndrome de X frágil uma das causas mais comuns para o
autismo até agora identificadas (Cumine et al., 2003).

4.2.2. Factores neuroquímicos: elevado índice de serotonina


A investigação acerca dos factores neuroquímicos que poderão estar na origem
do autismo tem incidido no estudo específico de um neurotransmissor – a serotonina ou
5-HT (Schreibman, 1988). Como os níveis sanguíneos deste neurotransmissor tendem a
decrescer com a idade, e algumas crianças autistas (cerca de 30% a 40%) apresentam
níveis elevados desta substância ao longo da vida, uma das causas referidas para esta
perturbação é a existência de uma concentração elevada de 5-HT no sangue (idem).
Assim, vários autores sugerem que a ausência de uma diminuição maturacional nos
níveis sanguíneos de serotonina é um indicador de imaturidade no sistema neurológico
da pessoa autista (Schreibman, 1988). Outros estudos (Campbell et al., 1976, citado por
Schreibman, 1988) corroboram esta ideia, ao indicar que níveis elevados de serotonina
estão relacionados com um funcionamento intelectual baixo.

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Autismo… um amor que é difícil.

4.3.3. Factores neurológicos e neuroanatómicos na especialização hemisférica.


Vários autores sugeriram a existência de factores neurológicos/neuroanatómicos
que podem estar na origem da perturbação autista (e.g., Mesibov & Dawson, 1986
citado por Schreibman, 1988). De facto, o autismo é frequentemente associado com
outras doenças e síndromes que afectam o sistema nervoso central, incluindo atraso
mental (o qual afecta cerca de 75% das crianças autistas) (Schreibman, 1988), síndrome
de Williams, fenilcetonúria, esclerose tuberosa, entre outros (Baron-Coher & Balton,
1993 citado por Cumine et al., 2003).
Em particular, vários investigadores (Blacstock, 1978; Dawson, Warrenburg, &
Fuller, 1982; Prior & Bradshaw, 1979; Tanguay, 1976 citado por Schreibman, 1988),
observaram que a ausência ou sub-desenvolvimento da linguagem e os défices
cognitivos característicos do autismo estão relacionados com um disfuncionamento do
hemisfério esquerdo. De facto, as características das crianças autistas sugerem a
existência de um défice nas funções desempenhadas essencialmente pelo hemisfério
esquerdo e uma disfunção mínima ou até sobre-desenvolvimento das funções
dominantes do hemisfério direito, tais como capacidades visuo-espaciais (e.g.,
linguagem e formação de conceitos abstractos) (Lockyer & Rutter, 1970; Prior, 1984
citado por Schreibman, 1988).
De facto, alguns estudos que recorreram a técnicas como electroencefalogramas
e avaliações de aprendizagem dicótica verificaram que muitas crianças autistas
demonstram uma especialização hemisférica atípica, isto é, uma “preferência pela
dominância hemisférica direita quer para estímulos verbais, quer para estímulos não-
verbais” (e.g., Orior & Bradshaw, 1979 citado por (Schreibman, 1988), ou uma
disfunção no hemisfério esquerdo – hemisfério dominante da linguagem (Wetherby &
Koegel, 1982 citado por Schreibman, 1988).

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Autismo… um amor que é difícil.
5. Caracterização da criança autista
É universalmente reconhecida a grande dificuldade que os autistas têm em
relação à expressão das emoções. Faria parte dessa anormalidade específica uma
incapacidade de reconhecer a emoção no rosto dos outros, uma falha constitucional
envolvendo os afectos, uma ausência de coordenação sensório-afectivo e défices
afectivos comprometendo as habilidades e de linguagem.
A incapacidade inata para o relacionamento pessoal e transtorno Autista é
reconhecida como um dos sintomas principais desde a observação inicial de Kanner.
Os indicadores que o processo de desenvolvimento não está a evoluir bem
podem ocorrer antes dos seis meses de idade.
Crianças que choram demais ou são demasiado quietas, que têm pouco contacto
visual e interacção com os pais, não prestam atenção aos eventos familiares principais,
podem estar a apresentar sintomas da síndrome autista.
Muitas crianças olham através do canto do olho ou muito brevemente, podem
resistir ao toque ou ao abraço. Os autistas têm um estilo “instrumental” de se relacionar,
utilizando-se dos pais para conseguirem o que desejam, por exemplo, pegar na mão da
mãe para abrir uma porta, em vez de abrir a porta com a sua própria mão.
As pessoas, os animais e os objectos acabam por ser tratados da mesma maneira
porque a criança não compreende a diferença entre indivíduo que pensa e tem desejos e
um objecto inanimado.
As crianças autistas não compreendem como se estabelecem as relações de
amizade. Alguns não têm amizades e outras acreditam que todos os meninos da sala são
seus amigos.
Os autistas têm muita dificuldade em manter um contacto social inicial. Com o
passar dos anos as anormalidades de relacionamento social tornam-se menos evidentes,
principalmente se a criança é vista próxima dos seus familiares. A resistência em ser
tocado ou abraçado bem como o desviar do olhar tende a diminuir.
Quando a criança autista começa a utilizar a linguagem é que os pais se
apercebem que os seus filhos são diferentes das crianças da mesma idade e é, muitas
vezes, esse atraso na aquisição da linguagem verbal que os leva a procurarem ajuda
médica, apesar destes sinais de dificuldades na capacidade de comunicação das crianças
autistas serem evidentes mesmo antes do período da aquisição da linguagem verbal.
Os interesses da criança autista costumam ser anormais, principalmente, no que
diz respeito ao seu foco e intensidade.

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Autismo… um amor que é difícil.
As crianças autistas apresentam uma insistência no “mesmo”, que se apresenta
pelo seu comportamento inflexível e pelas suas rotinas e rituais, por exemplo,
costumam seguir o mesmo caminho para a escola, têm rituais para dormir ou até para se
alimentar. As mudanças no ambiente em que a criança costuma frequentar podem
causar episódios de agitação psicomotora e agressividade. Mudanças mínimas no
ambiente costumam causar quadros mais severos de agitação do que mudanças maiores.
As rotinas e rituais costumam agravar-se na adolescência, chegando até a
caracterizar um diagnóstico de transtorno obsessivo-compulsivo. Frequentemente as
crianças autistas ligam-se de forma bizarra a determinados objectos ou parte deles, tais
como fios, pedras, etc. Adoram objectos que brilham ou que giram. Os objectos
seleccionados a partir de uma característica particular (cor, textura), permanecem com a
criança durante horas ou dias, e sempre que alguém tenta removê-los, a criança torna-se
inquieta ou agressiva, resistindo à mudança.
Movimentos corporais estereotipados são comuns, tais como balanceio da
cabeça, movimentos com os dedos, saltos e rodopios. Estes movimentos costumam
ocorrer, principalmente, entre os mais jovens e os que têm um funcionamento global
mais baixo.
De seguida, apresentaremos características destas crianças autistas de uma forma
mais específica:

5.1. Interacção social


O défice na interacção social é uma das características centrais do autismo e um
dos primeiros sinais para o seu diagnóstico. Contudo, vários estudos sugerem que não
há um padrão único de défice a este nível (e.g., Bartack, Rutter, & Cox, 1975; Wing,
1969; Hutt & Vaizey, 1966 citado por Screibman, 1988), pelo que é necessário conhecer
a variabilidade destes padrões.
De facto, o défice na interacção pode variar desde um completo desinteresse por
outras pessoas, as quais são ignoradas ou tratadas como objectos, até uma forma
intrusiva de interacção (e.g. uma criança pode estar a repetir sistematicamente a
pergunta “Como te chamas?” apenas para manter a comunicação social) (Fejerman et
al., 1994). Com efeito, enquanto algumas crianças mantêm uma postura muito distante e
evitam o contacto ocular, outros intrometem-se no espaço dos outros (inclusive

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Autismo… um amor que é difícil.
estranhos), aproximando-se demasiado, tocando-os inapropriadamente, olhando-os de
perto, beijando-os... (Rapin in Fejerman et al., 1994).
Uma vez que estas crianças apresentam sérias dificuldades em interagir com
outras pessoas, é natural que apresentem, simultaneamente, um défice acentuado na
utilização de comportamentos não-verbais (e.g., contacto ocular, expressão facial,
postura corporal) – elementos essenciais na regulação da interacção social.
Convém realçar que, de um modo geral, estas crianças têm uma maior
dificuldade em interagir com companheiros da mesma idade do que com adultos, o que
pode reflectir o facto de estes últimos serem mais tolerantes com o seu comportamento
(Rapin in Fejerman et al., 1994). Além disso, podem aceitar apenas aproximações de
pessoas muito familiares (idem).
Estas crianças têm também um afecto lábil, podendo chorar sem motivo
aparente, ter ataques agressivos repentinos ou rir sem razão (Rapin in Fejerman et al.,
1994). Algumas são, inclusive, muito agressivas, podendo beliscar ou morder um colega
sem que exista qualquer provocação por parte deste. Estes comportamentos agressivos
reflectem pouco juízo social, incapacidade para tolerar a frustração e um
desenvolvimento inadequado dos controlos sociais inibitórios (idem). As características
enunciadas contradizem a crença de que as crianças autistas não têm capacidade para
expressar afecto (Rapin in Fejerman et al., 1994).
Uma outra característica destas crianças é que parecem relacionar-se melhor com
objectos do que com pessoas. De facto, muitos destes meninos recorrem apenas às
pessoas para satisfazer necessidade, isto é, utilizam-nas como um meio para atingir um
objectivo pessoal. Por exemplo, uma criança que queira ir buscar um pacote de bolachas
a um armário fora do seu alcance, só depois de várias tentativas é que pede ajuda à mãe.
E, quando o faz, não fala nem estabelece contacto visual; pode simplesmente segurar na
mão da mãe e dirigi-la para o armário, demonstrando-lhe, desta forma, qual o seu
objectivo (Schreibman, 1988).
Outras das características das crianças autistas é a ausência de empatia, isto é, a
incapacidade para reconhecer e compreender estados mentais diferentes dos seus. De
facto, estes meninos não têm capacidade inata de perceber os sentimentos das outras
pessoas, apesar de conseguirem, eventualmente, aprender essa competência (Mundo: “o
enigma do autismo”).

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Autismo… um amor que é difícil.
Por último, as crianças com Perturbação do Espectro Autista não têm, de uma
forma geral, consistência das convenções socais, isto é, não são capazes de compreender
as regras que regulam a interacção.

5.2. Linguagem
Outra característica central do autismo é o défice na linguagem (Sigman &
Capps, 1997). De facto, “cerca de metade da população autista nunca adquire uma
linguagem funcional” (idem, p.105), característica designada por mutismo. Muitas
vezes, esta ausência de linguagem constitui um dos primeiros alertas na detecção desta
patologia (Schreibman, 1988).
Convém realçar que há crianças que adquirem as capacidades lingüísticas
normais para a sua idade (e.g., aprendem as primeiras palavras, como “mamã”, “papá”);
porém, perdem, de repente, esta capacidade de discurso, desencadeando a regressão
(anteriormente referida) no desenvolvimentos lingüístico (Schreibman, 1988). Esta
perda de linguagem tende a ocorrer entre os 18 a os 30 meses (idem).
É importante referir que não existe um padrão único de desenvolvimento e
utilização da linguagem; pelo contrário, existe, nestas crianças, uma enorme
variabilidade de capacidades linguísticas (González, 1992). De facto, estas oscilações
variam desde a “presença de um nível de linguagem que possibilita o estabelecimento
de interacções relativamente “normalizadas”, até ao mais profundo mutismo, associado
à ausência de intenções comunicativas” (González, 1992, p.76). Esta extraordinária
diversidade varia consoante dois factores: o nível de QI (défice mental associado) e a
altura do desenvolvimento da criança em que surgiu esta perturbação (idem).
Porém, convém realçar que mesmo em crianças que adquirem o discurso, a sua
utilização é, tipicamente, bastante limitada. Por exemplo, estas crianças parecem ter
uma grande dificuldade em falar de algo que está para além da situação ou
acontecimento imediato (e.g. Rutter, 1978a, b citado por (Schreibman, 1988). Mesmo o
discurso das crianças autistas muito funcionais, que apresentam uma linguagem
relativamente sofisticada, aparece desprovido de expressões de emoção, imaginação ou
abstracção (Schreibman, 1988).
Convém ainda referir que a utilização do discurso não tem, na maioria das vezes,
uma intenção comunicativa – de facto, muitas crianças falam apenas com um objectivo

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de auto-estimulação (e.g. Lovaas, Varni, Koegel, & Lorsch, 1977, citado por
Schreibman, 1988).
Outra das características centrais da linguagem das crianças autistas é a ecolália,
isto é, a repetição de palavras ou frases produzidas por outros (Fay, 1969 citado por
Schreibman, 1988). Esta forma de discurso tem, tipicamente, uma intenção não-
comunicativa (Schreibman, 1988). Há vários tipos de ecolália, sendo as mais comuns a
imediata e a retardada (Carr, Schreibman, & Lovaas, 1975 citado por Schreibman,
1998). Enquanto na ecolália imediata a criança repete um estímulo verbal que acabou de
ouvir, na ecolália retardada, por sua vez, a criança repete um estímulo verbal que ouviu
há algum tempo atrás (este tempo pode variar desde alguns minutos até alguns anos
atrás!) (Schreibman, 1998). Uma vez que a situação em que a criança repete a(s)
palavra(s) é diferente de contexto em que a(s) ouviu, o discurso torna-se
contextualmente inapropriado (Carr et al., 1975 citado por Schreibman, 1988),
conduzindo, por vezes, a situações bizarras (e.g. a criança pode estar numa sala e dizer,
de repente “e se eu bebesse uma cerveja?”, frase que ouviu, provavelmente, o pai a
dizer).
O discurso ecolálio é, frequentemente, a primeira forma na qual a linguagem é
utilizada pelas crianças autistas e a sua existência, especialmente se ocorre antes dos
cinco anos, está associada com uma resposta mais positiva à intervenção na linguagem
(Howlin, 1981; Ruttter & Lockyer, 1967 citado por Schreibman).
Convém realçar que a ecolália, por si só, não é peculiar das crianças autistas nem
é uma característica necessariamente patológica. De facto, a ecolália é uma
característica do desenvolvimento normal da linguagem, desempenhando inclusive um
papel central para a sua aquisição (González, 1992). Esta forma de discurso surge,
normalmente, por volta dos dois anos ou dois anos e meio, pelo que só torna patológica
quando persiste para além dos três ou quatro anos de idade (Darley, 1964; Fay, 1967;
Ricks & Wing, 1975 citado por Schreibman, 1988).
A reversão dos pronomes é outra das características do discurso das crianças
autistas (e.g. Bartak & Rutter, 1974; Ricks & Wing, 1975; Rimland, 1964; Rutter,
1978a, b citado por Schreibman, 1988). Tipicamente, estas referem-se a si próprias
como “tu” ou pelo seu nome. Por exemplo, uma criança que se chamasse Helena e que
tivesse boas capacidades linguísticas para comunicar as suas intenções poderia pedir um
copo de sumo dizendo, “Queres um copo de sumo?” ou “Queres um copo de sumo,
Helena?”. Esta reversão de pronomes está intimamente relacionada com a ecolália, isto

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Autismo… um amor que é difícil.
é, as crianças falam desta forma porque ouvem as outras pessoas tratá-las por “tu” ou
pelo nome. Neste caso, por exemplo, é bastante provável que a criança tivesse ouvido a
sua mãe dizer “Queres um copo de sumo, Helena?” (Schreibman, 1998).
No que respeita à compreensão da linguagem, esta pode estar severamente
debilitado nas crianças autistas (e.g., Kicks & Wing, 1975 citado por Schreibman,
1988), embora este défice seja igual ou menor que o da expressão (Rapin in Fejerman et
al., 1994). Algumas destas crianças aprendem o significado das palavras através de um
condicionamento operante acidental, isto é, aprendem palavras que estão relacionadas
com algum tipo de recompensa, especialmente comida (Ricks in Wing et al., 1976).
Uma das características importante é a incompreensão da prosódia (e.g. Baltaxe,
1981; Baltaxe & Simmons, 1975; Schreibman, Kohlenberg & Britten, 1986; Wing,
1986 citado por Schreibman, 1988), uma vez que estas crianças não compreendem o
conteúdo não-verbal do discurso, nomeadamente a ironia, humor, intenções subtis,
entoação... Convém realçar que esta característica também está presente em crianças
que utilizam a ecolália e em crianças com boas capacidades linguísticas (Schreibman,
1988).
Além disso, verifica-se também nestes meninos uma ausência de compreensão
da conotação do discurso, nomeadamente a compreensão de metáforas ou analogias
(e.g., se a criança ouvir a expressão “está a chover a cântaros”, a criança olha para o
exterior para ver cântaros a cair) (Schreibman, 1998).
Por último, é importante referir que as crianças autistas não conseguem
relacionar facilmente acontecimentos do futuro ou passado, pois permanecem num
estado temporal presente, no “aqui e agora” (Schreibman, 1988).

5.3. Comportamentos
As crianças com autismo revelam uma restrição acentuada dos seus interesses,
demonstrando, muitas vezes, uma atenção completamente focalizada num interesse
específico (e.g., datas, números de telefone, nomes de emissoras radiofônicas) (DSM-
IV-TR, 2002). Além disso, as pessoas com esta perturbação podem apresentar rituais
podem incluir uma rotina para entrar e sair de uma sala, ter de seguir sempre o mesmo
caminho para ir para a escola, entre outros (Batista, 1997)
Uma característica típica desta perturbação é a resistência a mudanças triviais,
nomeadamente mudanças nos rituais compulsivos ou no quotidiano da criança – e.g.,
uma criança muito jovem pode ter uma reacção catastrófica face à mais pequena

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Autismo… um amor que é difícil.
alteração, como utilização de novos talheres à mesa (DSM-IV-TR, 2002). De facto,
estes meninos parecem gostar de viver num ambiente e quotidiano altamente
estruturados, com rotinas e rituais próprios e rígidos (idem).
As crianças autistas, especialmente aquelas com deficiência mental grave,
apresentam maneirismos motores estereotipados e repetitivos (Bautista, 1997). Estes
incluem auto-estimulação cinestésicas (e.g. baloiçar o corpo, inclinar-se, mexer-se),
auto-estimulações perceptivas de tipo visual (e.g., olhar para os dedos à altura dos
olhos, luzes), táctil (e.g., arranhar superfícies, acariciar determinados objectos) ou
auditiva (e.g., cantarolar, dar pancadas numa superfície, bater palmas) (Bautista, 1997;
DSM-IV-TR, 2002). Além destes maneirismos, podem estar presentes anomalias
posturais, como andar na ponta dos pés, movimentos das mãos peculiares, posturas
corporais estranhas, entre outros (DSM-IV-TR, 2002). Para além destes maneirismos e
posturas peculiares, podem sentir-se fascinados por movimentos (e.g., o girar das rodas
de um carro, o abrir e fechar de uma porta ou qualquer objecto que gire rapidamente)
(idem).
Tal como foi referido a propósito das interacções sociais, as pessoas com esta
perturbação parecem relacionar-se melhor com objectos do que com pessoas; de facto,
não desenvolvem, na generalidade, relações próximas com pessoas, mas podem ficar
intensamente vinculados a um objecto inanimado (e.g., cordas, pedras), o qual
transportam consigo para todo o lado (Bautista, 1997). Na verdade, estes objectos
funcionam como um porto de abrigo, uma vez que as crianças se sentem mais seguras
na sua presença. Ainda relativamente a este aspecto, as pessoas autistas podem
desenvolver uma fixação por certas partes destes objectos (e.g., os botões ou certas
partes do corpo de um boneco, as rodas dos carrinhos) (Bautista, 1997).

5.4. Memória
Uma das particularidades das Perturbações do Espectro Autista é que muitas
crianças com este diagnóstico apresentam uma memória verbal e/ou visuo-espacial
superior ao comum, embora nem sempre compreendem o que memorizam (Rapin in
Fejerman et al., 1994). Esta característica traduz-se numa capacidade excepcional de
recordar trajectos, repetir anúncios televisivos palavra a palavra, entre outros (idem).
Convém apenas realçar que esta capacidade de memorização não é generalizada,
isto é, não se aplica a todo o tipo de informação (dissociação mnésica). Assim, muitas
vezes, crianças com esta perturbação memorizam facilmente o trajecto de casa até à

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escola, mas têm dificuldade em reter o que lhes é ensinado pela professora (Rapin in
Fejerman et al., 1994).

5.5. Cognição
No que respeita às capacidades cognitivas com autismo podem apresentar
quadros muito divergentes, os quais variam desde uma deficiência mental profunda até
capacidades cognitivas superiores (Rapin in Fejerman et al., 1994). No entanto, convém
realçar que, mesmo crianças com capacidades cognitivas elevadas, têm provavelmente
menor competência noutras áreas. Assim, é possível que uma deficiência mental
profunda coexista com um talento excepcional para a música, matemática, desenho,
entre outros (idem).
Apesar desta variabilidade, é possível traçar um padrão de funcionamento mais
freqüente – a coexistência de capacidades verbais diminuídas com capacidades não-
verbais elevadas (idem).
Finalmente, e de acordo com Rapin (in Fejerman et al., 1994), a minoria das
crianças autistas (cerca de 70%) apresentam um QI menor que 70. Contudo, estes
resultados devem ser interpretados com alguma relutância. Assim, porque não existe
consenso absoluto quanto às características que definem o autismo, é provável que
muitas crianças autistas, por apresentarem capacidades cognitivas elevadas, não sejam
diagnosticadas e, portanto, não sejam incluídas nestes estudos (enviesando, portanto, os
resultados) (idem).
Em anexo colocamos algumas características do autismo.

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Autismo… um amor que é difícil.
6. Métodos de intervenção
O mais importante para ajudar as crianças autistas na escola é começar por
informar e esclarecer todas as pessoas que têm contacto com estas crianças, para que
estas compreendam que elas possuem uma desordem de desenvolvimento o que as leva
a comportarem-se de uma forma diferente das demais crianças. É muito importante que
toda a comunidade educativa, nomeadamente auxiliares e professores/educadores
percebam que as crianças autistas precisam de ser tratados de maneira diferente.
Independentemente da filosofia defendida, dos tratamentos mais eficazes todos
eles englobam os pais em todos os níveis, iniciam-se cedo e são muito intensivos.
Segundo Asperger as crianças autistas mostram uma surpreendente sensibilidade
à personalidade do professor/educador, podem ser ensinadas, mas somente por aqueles
que lhe dão verdadeira afeição e compreensão, pessoas que demonstrem delicadeza e
humor. A atitude básica do professor/educador influencia involuntária e
inconscientemente, o humor e o comportamento destas crianças.

6.1. Princípios gerais para trabalhar com crianças autistas (segundo Bauer,
1995)
As rotinas da classe devem ser mantidas tão consistentes, estruturadas e
previsíveis quanto possível. As crianças autistas não gostam de surpresas.
Devem ser preparadas previamente, quando possível, para mudanças e
transições, inclusive os dias de férias, etc.
As regras devem ser aplicadas cuidadosamente. Muitas destas crianças podem
ser nitidamente rígidas quanto a seguir regras. É útil expressar as regras
claramente, de preferência por escrito, embora devam ser aplicadas com
alguma flexibilidade. As regras não precisam de ser exactamente iguais para as
crianças autistas e para o resto da classe, dado que as necessidades são
diferentes.
Deve tirar-se partido da área de especial interesse, caso a criança esteja
inserido na sala de aula a aprender. A criança autista aprenderá melhor quando
a sua área de interesse faz parte do plano de trabalho. Sempre que possível
deve ligar-se as áreas de interesse ao processo de ensino, ou até mesmo usar
estas áreas fortes como recompensa pelo facto da criança ter completado com
sucesso uma tarefa proposta ou até mesmo por um comportamento esperado.

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Autismo… um amor que é difícil.
Utilizar muito os estímulos visuais através de esquemas, mapas, listas,
figuras, fotografias, etc.
Tentar ensinar no concreto, evitar linguagem que possa ser interpretada
erroneamente, tal como sarcasmo, linguagem figurada confusa, procurar
interromper e simplificar conceitos mais abstractos. Falar devagar e num tom
calmo
Ensino explícito e didáctico de estratégias dotando a criança de “funções
executivas”, tais como organização e habilidades de estudo.
Assegurar que todos os agentes educativos (professores, motorista do
autocarro, pessoal da cantina, auxiliares, etc.) estejam familiarizados com o
estilo e necessidades da criança e tenham “treino” adequado para lidar com as
crianças autistas. Tudo o que for menos estruturado onde as rotinas e
expectativas são menos claras tende a ser difícil para os autistas.
Tentar evitar luta de forças. A criança autista frequentemente não entende
demonstrações rígidas de autoridade ou raiva e tornar-se-á ela própria mais
rígida e teimosa, se forçada. O seu comportamento pode ficar rapidamente fora
do controlo, e nesse momento o melhor é interromper e deixar acalmar. É
sempre preferível, quando possível, antecipar essas situações, de maneira a,
evitar o confronto.

6.2. Possíveis estratégias a utilizar


Utilizar um discurso simples, para facilitar a sua compreensão;
Fornecer instruções simples, usando, por exemplo, listas e figuras para explicar e
orientar tarefas complicadas;
Dar instrução de cada vez;
Tentar ter uma confirmação da compreensão acerca da explicação dada;
Delimitar opções de escolha;
Usar o máximo e rotatividade nas tarefas;
Fazer pré-avisos de qualquer mudança e avisar também acerca das tarefas que se
querem ver concluídas (exemplo: “quando acabares o lanche, vamos para o
recreio.);
Incutir flexibilidade nas suas rotinas;
Ser benevolente para com os seus comportamentos imaturos;

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Autismo… um amor que é difícil.
Identificar desencadeadores de stress, a fim de os evitar ou ensiná-los a estarem
preparados para contorná-los;
Deve-se mostrar à criança o ambiente de trabalho (professores, sala de aula,
actividades, entre outros.) com antecedência de forma a que a criança possa
familiarizar-se com o ambiente e integrá-lo na sua rotina;
Proteger a criança de ser importunada;
Nos grupos mais velhos, tentar educar os colegas sobre a criança. Se houver
dificuldades, devem descrever-se os seus problemas como uma verdadeira
dificuldade, elogiando-os quando agem de forma adequada. (Isto pode prevenir
que se torne o “bode expiatório”, ao mesmo tempo que promove a empatia e
tolerância nas outras crianças);
Enfatizar, de forma positiva, as capacidades acadêmicas da criança, aumentando
dessa forma a sua aceitação;
Ensinar e treinar as crianças no que querem dizer e como o devem dizer,
modelando interacções bidireccionais;
Encorajar actividades de grupo, limitando o tempo em interesses limitados;
Deve ficar muito claro para a criança que tem de seguir regras específicas
(adequadas às suas limitações);
Para as crianças obstinadas, pode ser necessário inicialmente individualizar
todos os conteúdos em redor da sua área de interesse (exemplo: se o interesse
são dinossauros, oferecer problemas de matemática, frases de gramática, leitura
e escrita sobre dinossauros) e gradualmente introduzir outros tópicos;
Os conteúdos devem ser divididos em pequenas unidades e o professor deve
oferecer, frequentemente, feedback e redirecionamento;
Sessões de trabalho com tempo definido, de forma a focalizar a
atenção/concentração;
Sentar a criança na frente da sala de aula e fazer-lhe perguntas frequentes e
directas, pode ajudá-las a estarem atentas;
Trabalhar uma sinalização não-verbal com a criança (por exemplo, um leve
toque no ombro) quando esta não estiver atenta;
O professor precisa encorajar a criança a deixar as suas ideias e fantasias para
trás e focar-se no mundo real;
Encaminhar a criança para um programa de educação física adaptado, se os
problemas motores forem severos;

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Autismo… um amor que é difícil.
As crianças podem precisar de um programa de padrões altamente
individualizado, que importa copiar e traçar no papel e no quadro da sala de
aula. O professor guia a mão da criança repetidamente, formando as letras e as
suas conexões e também usa a descrição verbal;
Os cadernos de duas linhas também podem ser úteis no aperfeiçoamento da
caligrafia;
Estruturar um programa altamente individualizado;
Não assumir que a criança aprendeu alguma coisa, só porque papagueou o que
ouviu;
Oferecer uma explicação adicional e tentar simplificar quando os conceitos da
aula são abstractos;
Prevenir explosões, oferecendo um alto nível de consistência, preparando a
criança para mudanças na rotina diária;
Ajudar a criança a escrever uma lista de passos que possam ser seguidos quando
se sentir confusa (respirara fundo 3 vezes, contar lentamente os dedos da mão
direita, etc.).Incluir na lista um comportamento ritualizado que a criança ache
reconfortante. Escrever esses passos num cartão que acompanhe sempre a
criança;
Os professores devem estar atentos a qualquer mudança de comportamento que
indicie algum problema.

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Autismo… um amor que é difícil.
6.3. Modelo Teacch (Treatment and Education of Autistic and Related
Communication Handicapped Children)
Devido a um conjunto de défices tais como: cognitivos, sensoriais,
comunicacionais e comportamentais apontados pelo autismo, tornam-se necessárias
regras educativas que permitem manter um bom nível de estimulação para a
aprendizagem.
Depois de realizados vários estudos e tendo em conta as características especiais
destas crianças, chegou-se à conclusão que os ambientes educativos estruturados na
educação das crianças autistas era o mais vantajoso para o seu desenvolvimento. Surge
então o programa TEACCH, criado em 1971 por Eric Schopler e seus colaboradores da
universidade de Chapel e Hill na Califórnia do Norte.
Este programa foi concebido para as crianças com Perturbações do Espectro do
Autismo de todas as idades e tinha como objectivo principal que estas crianças
trabalhassem o mais autonomamente possível, “em casa, na escola ou no local de
trabalho” (Marques, C., 2000, pp.91, 92). Este modelo pretende também ensinar os pais
destas crianças a melhor lidar com elas essencialmente ao nível comportamental.
Segundo ainda a mesma autora este modelo baseia-se em sete princípios
fundamentais:
Adaptação do meio às limitações do indivíduo;
Elaboração de um programa de intervenção personalizado;
Estruturação do ensino, nomeadamente das actividades, dos espaços e das
tarefas;
Aposta nas competências emergentes sinalizadas na avaliação;
Abordagem de natureza cognitivo-comportamental;
Treino dos profissionais para melhor trabalharem com a criança e a família;
Colaboração parental, continuando em casa, o trabalho iniciado nas estruturas
de intervenção.
O aspecto principal do programa no meio escolar é estruturar a sala de aula, bem
como as actividades de modo a mostrar à criança o que se pretende dela.

6.3.1. Importância
Para que uma sala esteja estruturada de acordo com o Modelo TEACCH, são
indispensáveis cinco factores:

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Autismo… um amor que é difícil.
Estruturação física do espaço;
Organização visual, como o horário diário ou os modelos visuais;
A gestão de problemas de comportamento;
Elaboração de um sistema de comunicação expressiva-receptiva;
Desenvolvimento de um plano de intervenção personalizado que permita aos
educadores avaliar os progressos da criança.
Além destes factores e para se conseguir atingir os objectivos, este programa
apoia-se na perspectiva desenvolvimental, no ensino estruturado e na colaboração dos
pais e professores/educadores.

6.3.2. O ensino estruturado – a sala TEACCH


O ensino estruturado inclui a utilização de uma rotina, deste modo a sala tem que
ser um espaço com áreas bem definidas e separadas por fronteiras físicas (armários,
biombos, entre outros). Na sala há o espaço para aprender, trabalhar, brincar e lanchar.
Assim a criança saberá o que se espera dela quando se dirige para cada uma das áreas
referidas, dado que as aprendizagens destas crianças se constroem em rotinas
organizadas.
Este modelo baseado no ensino estruturado e na individualização procura
compensar os défices cognitivos, sensoriais, comunicacionais e comportamentais
presentes no autismo.
O horário é colocado à entrada da sala e o tipo do mesmo varia de acordo com o
nível de desenvolvimento da criança. Deste modo, podemos utilizar horários com
objectos reais, fotografias, imagens, pictogramas e palavras.
Todos os símbolos devem ter as palavras associadas.
É importante ainda que o plano de trabalho informe a criança do que tem para
fazer numa dada área. Aqui a criança cumpre um trabalho sem supervisão do
professor/educador, o que contribui para a sua autonomia.
O plano de trabalho é organizado e estipulado pelo professor/educador. As
tarefas, que dele constam vão diversificando com as aprendizagens efectuadas. Em
anexo encontram-se fotografias de uma sala de apoio a crianças autistas, em Guimarães.

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Autismo… um amor que é difícil.
7. Conclusão
Aquando da escolha deste tema, nunca pensamos que fosse tão complexo.
Sabíamos afinal, tão pouco sobre esta perturbação.
Este trabalho abriu-nos os horizontes e fez-nos perceber que esta perturbação de
desenvolvimento tem várias etiologias. É de origem biológica, não estando relacionada
com o que se pensava inicialmente, que resultava de uma interacção deficitária entre
mãe e filho, ou até mesmo de factores ambientais tais como vacinas etc.
Não temos o poder de criar filhos autistas, eles nascem já com esta perturbação,
mas temos o dever de ajudar estas crianças o mais possível de maneira a que consigam
ter uma vida como qualquer outro ser humano.
Enquanto educadores temos o dever de compreender os comportamentos autistas
e estipular objectivos a atingir, estimulando e acompanhando a criança/jovem no seu
processo de desenvolvimento e de aprendizagem, contribuindo para a integração plena
destes meninos na sociedade.
Defendendo um ensino inclusivo, deverá a escola preparar-se quer ao nível da
comunidade educativa, quer ao nível das estruturas para receber estas crianças, dar-lhes
e proporcionar-lhes a aquisição de novas competências.
É extremamente importante que nós educadores e restante comunidade educativa
estejam preparados para trabalhar com “crianças diferentes”.
É importantíssimo, por isso, apostar na formação e sensibilização de toda
comunidade educativa e apetrechar as escolas ao nível de recursos materiais, espaciais e
humanos.
O ideal seria criar equipas multidisciplinares que englobassem – professores,
educadores, psicólogos, terapeutas, educador(a) social, entre outros, trabalhando estes
profissionais em equipa quer ao nível da programação, da aplicação e da avaliação. Só
assim se conseguiria um ensino realmente para todos.
Parece que muitos anos vamos ter que percorrer até que consigamos ter uma
escola verdadeiramente inclusiva. Cabe-nos a nós, profissionais da educação, zelar por
estes meninos e trilhar o caminho da formação para que conseguimos dar respostas
adequadas às “crianças diferentes” que nos aparecem à escola.

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Autismo… um amor que é difícil.

ANEXOS

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ALGUMAS CARACERÍSTICAS DO AUTISMO

Usa as pessoas Resiste a Não se mistura Apego não


como mudanças de com outras apropriado a
ferramentas rotina crianças objectos

Não mantém Age como se Resiste à Não demonstra


contacto visual fosse surdo aprendizagem medo a perigos

Risos e Resiste ao Acentuada Gira objectos de


movimentos não contacto físico Hiperactividade maneira peculiar
apropriados física

Às vezes é Modo e
agressivo e comportamento
destrutivo indiferente e
arredio

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Fig. 1 – Acolhimento.
Do lado
esquerdo está um
mapa de
presenças, ao centro o
horário da tarde.

Fig. 2 – Áreas de Lazer

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Fig. 3 – Área de
trabalho
individualizado

Fig. 4 - Gabinetes

Fig. 5 – Actividades-chave

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