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Gregorio F. Baremblitt
5ª.ed.
Belo Horizonte, MG: Instituto Felix Guattari, 2002 (Biblioteca Instituto Félix Guattari; 2)
Copyright 1992 by Gregorio Baremblitt 1 ª edição: Editora Record, 1992
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SUMÁRIO 5
INTRODUÇÃO.............. 11
CAPÍTULO I: O movimento institucionalista, a autoanálise e a autogestão..............13
CAPÍTULO 11: Sociedades e instituições..............25
CAPÍTULO III: As histórias..............37
CAPÍTULO IV: O desejo e outros conceitos no institucionalismo..............53
CAPÍTULO V: As tendências mais conhecidas do institucionalismo..............71
CAPÍTULO VI: Roteiro para uma intervenção institucional padrão..............90
CAPÍTULO VII: O institucionalismo na atualidade..............108
GLOSSÁRIO..............133
APÊNDICE..............174
POSTSCRIPTUM..............195
BIBLIOGRAFIA BÁSICA..............205
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA..............207
AGRADECIMENTOS
9▲
INTRODUÇÃO
O MOVIMENTO INSTITUINTE, A AUTOANÁLISE E A AUTOGESTÃO
No início devemos esclarecer que esse livro não terá o nível que alguns esperariam, pois se
procura apresentar uma exposição de nível médio, para ser entendida pelo maior número possível de
pessoas.
Vamos tratar do chamado Movimento Institucionalista ou Instituinte que, como o nome
aproximativamente indica, é um conjunto de escolas, um leque de tendências. Não existe nenhuma escola
ou tendência que possa dizer que encarna plenamente o ideário do Movimento Instituinte. Contudo,
podese encontrar em diversas dessas escolas algumas características em comum. E é a essas
características em comum que eu gostaria de referirme agora, da maneira mais simples e mais didática
possível. Em capítulos sucessivos, teremos ocasião de complicar as coisas... Agora, a intenção é,
predominantemente, simplificálas.
Entre as características presentes em todas as tendências do Movimento Instituinte, há algumas
que são relativamente fáceis de se colocar. Eu diria que existe o que se chama de "ideais máximos" do
Movimento. Podemos chamar a isto também de
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propósitos mais importantes, os objetivos mais ambiciosos dessas escolas. Os mesmos podem ser
enunciados através de duas palavras aparentemente simples, mas que são, como veremos depois, muito
complexas.
As diferentes escolas do Movimento Instituinte se propõem a propiciar, apoiar e deflagrar nas
comunidades, nos coletivos e conjuntos de pessoas processos de autoanálise e de autogestão. O que
significam essas palavras?
Depois, compreenderemos com mais detalhes que os processos de interação humana, os
processos de funcionamento social, têm sido sempre muito complexos. Mas em nossa civilização chamada
industrial, capitalista ou tecnológica, a complexidade da vida social atingiu seu máximo expoente em toda a
história da humanidade. Se compararmos, por exemplo, uma organização social dita "primitiva", ou uma
organização imperial, despótica, ou uma medieval com a nossa sociedade moderna, o grau de
complexidade, de diversidade que as sociedades modernas atingem é infinitamente superior ao daquelas
civilizações, apesar delas não serem nada simples. Acontece, então, que nossa época, nossa civilização,
além de se caracterizar por uma grande diversidade, uma grande complicação interna, caracterizase
também por, de fato, ter produzido uma soma de saberes que propiciou, nesses últimos duzentos anos,
uma "evolução" maior do que a humanidade havia conseguido em dois mil anos; ou seja, houve um
processo de produção de conhecimento e de aplicação do mesmo muito intenso.
Esse saber, como ninguém ignora, resultou em aplicações tecnológicas que aceleraram o chamado
"progresso" em igual proporção. E o progresso trouxe uma grande complexidade. Além desses
conhecimentos produzidos pelas ciências da natureza, ciências formais, aplicações tecnológicas, existem
disciplinas que versam sobre a organização social em si mesma. Ou seja, nossa civilização tem produzido
um saber acerca de seu próprio funcionamento como objeto de estudo e tem gerado profissionais,
intelectuais, experts que são os conhecedores dessa estrutura e do processo dessa sociedade em si. Esses
conhecedores têmse colocado, em geral, a serviço das entidades e das forças que são dominantes em
nossa sociedade. Por exemplo, a serviço daquela instituição que representa o máximo
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da concentração de poder, o extremo de concentração de controle e de hegemonia sobre a sociedade,
que é o Estado. Além disso, por outro lado, já dentro da sociedade civil, esses experts têmse colocado a
serviço das grandes entidades proprietárias da riqueza, do poder, do saber e do prestígio, que são as
organizações corporativas, as empresas nacionais e multinacionais etc. Essa situação, em que os "sábios",
os conhecedores da estrutura e do processo da vida social estão predominantemente a serviço do Estado
e das empresas, tem tido como conseqüência que os povos – em sentido amplo, a sociedade civil –
têmse visto despossuídos de um saber que tinham acumulado através de muitos anos acerca de sua
própria vida, de seu próprio funcionamento. Esse saber, criado e acumulado pelas comunidades sociais
durante tantos anos de experiência vital, a partir do surgimento do saber científico e tecnológico, fica
relegado, colocado em segundo plano, como se fosse rudimentar e inadequado. Tanto é assim que temos
técnicos que costumam chamálo de ideologia, num sentido vago, geral, visando a qualificálo como um
falso conhecimento, pobre, infundado ou, no melhor dos casos, insuficiente. Então, as comunidades de
cidadãos têm visto esse saber subordinado ao saber dos experts. Junto com seu saber, elas têm perdido o
controle sobre suas próprias condições de vida, ficando alheias à espacidade de gerenciar sua própria
existência. Elas dependem, então, quase incondicionalmente, dos organismos do Estado, empresariais, do
saber e de serviços dos experts. E a quais experts refirome? Aos dos ramos produtivos, primários,
secundários e terciários, aos especialistas de produção de bens materiais, ou seja, comida, vestuário,
moradia, transporte: aqueles bens materiais indispensáveis à sobrevivência. Toda a produção desses bens
está dirigida, gerenciada por "especialistas". Mas noutro plano, refirome aos problemas de saúde, de
educação, aos assuntos familiares, aos psicológicos e subjetivos, em geral; às questões relativas ao lazer,
às que atingem a comunicação de massa, aos assuntos próprios da religião. Cada um desses campos, cada
um dos serviços que se prestam nessas áreas, os bens que se produzem e administram nesses territórios,
ou seja, sua quantidade, sua qualidade, sua necessidade, sua conveniência, tudo é decidido pelos experts,
é arbitrado por quem se supõe que saiba e conheça sobre o assunto. O mesmo acontece no plano de
administração da justiça, nos tribunais, com os
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devem submeter seu saber, suas glórias, seus métodos, suas técnicas, suas inserções sociais como
profissionais a uma profunda crítica que os faça separar, dentro dessas teorias, métodos e técnicas, dentro
dos organismos aos quais pertencem, o que é produto de sua origem, de sua pertença ao bloco dominante
das forças sociais e o que pode ser útil a uma autoanálise, a uma auto gestão, da qual os segmentos
dominados e explorados sejam protagonistas. Para poderem efetuar essa autocrítica, os experts não
podem fazêlo no seio de suas torres de marfim, não podem fazêlo nas academias ou exclusivamente nos
laboratórios experimentais. Eles têm que entrar em contato direto com esses coletivos que estão se
autoanalisando e autogestionando para incorporarse a essas comunidades desde um estatuto diferente
daquele que tinham. Esse estatuto deve resultar de uma crítica das posições, postos, hierarquias que eles
têm dentro dos aparelhos acadêmicos ou jurídicopolíticos do Estado, ou ainda das diretivas das grandes
empresas nacionais e multinacionais. Eles têm de reformular sua condição profissional, seu saber
específico. E só conseguirão reformulálos numa gestão, num trabalho feito em conjunto com essas
comunidades e na mesma relação de horizontalidade com que qualquer membro dessa comunidade o faz.
Isso permitirá que, eventualmente, os experts, quando a comunidade conseguir organizarse, tenham algum
lugar dentro das organizações específicas que a comunidade se deu a si mesma para esses fins. Então seu
saber, sua capacidade e sua potência produtiva estarão plenamente integrados ao movimento de
autoanálise e auto gestão dessa comunidade. Eles poderão assim reformular, aprendendo e ensinando seu
saber e sua eficiência nessa nova e inédita situação. À parte dessa reinvenção de sua disciplina, os experts
poderão aprender como eles serão capazes de propiciar outros movimentos autogestivos e autoanalíticos
quando forem chamados a participar.
Esta é uma explicação sucinta dos propósitos fundamentais do Movimento Institucionalista que são
sistematicamente compartilhados por todas as tendências que o integram. Ao mesmo tempo em que são os
objetivos principais das propostas instituintes, eles são também os próprios meios para realizálas. Por
isso, é importante que esses dois objetivos e meios sejam não apenas superficial, mas profundamente
conhecidos pelos leitores.
18 ▲
É óbvio que autogestão e autoanálise são dois processos simultâneos e articulados. Por quê?
Porque autoanálise, para as comunidades, significa a produção de um saber, do conhecimento acerca de
seus problemas, de suas condições de vida, suas necessidades, demandas etc., e também de seus
recursos. Mas até para que a autoanálise seja praticada pelas comunidades, elas têm que construir um
dispositivo no seio do qual essa produção seja realizável. Elas têm que organizarse em grupos de
discussão, em assembléias; elas têm que chamar experts aliados para colaborarem; elas têm que se dar
condições para produzir esse saber e para desmistificar o saber dominante. Ao mesmo tempo, tudo o que
elas descobrirem neste processo de autoconhecimento só terá uma finalidade: a de autoorganizarse para
que possam operar as forças destinadas a transformar suas condições de existência, a resolver seus
problemas. Mas não pode haver uma organização sem um saber; não pode haver um saber sem uma
organização. São dois processos diferenciados, mas eles são concomitantes, simultâneos, articulados.
Costumase crer que os processos autogestivos implicam uma falta completa de denominações,
hierarquias, quadros, especificidades etc. Na realidade, é difícil pensar qualquer processo organizativo que
não inclua uma certa divisão do trabalho e que não implique uma certa hierarquia de decisão, de
deliberação. Esses são funcionamentos inerentes a qualquer processo produtivo. Deverão, então, existir
hierarquias, gerências. Mas a existência de hierarquia não implica diferença de poder; não equivale a
privilégio ou arbitrariedade na capacidade de decidir. Implica apenas uma certa especialização em algumas
tarefas, porque estes dispositivos estão feitos de tal maneira que as decisões de fundo são tomadas
coletivamente. Em todo caso, os quadros hierárquicos não são mais que expressão da vontade consensual.
São executores. Mas não são executores do mandato das elites mediatizado por organismos burocráticos,
por correias de transmissão. Na autogestão os coletivos mesmos deliberam e decidem. Eles têm maneiras
diretas de comunicar as decisões. Existem hierarquias moduladas pela potência, peculiaridades e
capacidade de produzir; mas não há hierarquias de poder, ou seja, a capacidade de impor a vontade de
um sobre o outro.
Contudo, é evidente que o Institucionalismo, tanto quanto os processos autoanalíticos, são
produtores de conhecimentos,
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e que todo saber envolve, necessariamente, um poder, e ambos não são homogeneamente distribuídos.
Mas este saber é um saber coletivo, produzido, distribuído e exercitado na vida coletiva. Na topografia
deste saber, existem alguns elementos essenciais que são compartilhados por todo mundo. Então, quando
esse saber compartilhado é delegado a alguns que se especializam nessa questão, já não é um saber
produzido fora dos interesses e desejos do coletivo, já não é um saber que vai cair de cima para baixo, de
fora para dentro. É já uma delegação, porque foi produzido dentro, por alguns especialistas no assunto,
em estreita colaboração com os diretamente interessados nos benefícios que esse saber e suas aplicações
terão, uma vez realizados.
Isso garante que esses especialistas são verdadeiramente "especiais": delegase a eles um saber
que é a expressão dos interesses e das capacidades essenciais do coletivo. O coletivo conserva um saber
básico acerca de seu campo que lhe permite julgar quando o especialista está exercitando o seu poder
com sentido instituinteorganizante, e então a serviço do coletivo, ou, pelo contrário, de ambições de
segmentos individualistas etc. Vou dar um típico exemplo da medicina, embora haja mil exemplos, muitos
dos quais não poderemos mencionar aqui porque são muito complexos e extensos para expor. Quem
conhece a situação da saúde no Brasil sabe perfeitamente que nosso país não precisa prioritariamente de,
digamos, tomógrafos computadorizados, pelo menos a nível de sua problemática prevalente atual. O que o
Brasil precisa é de uma política de saúde que não começa nem acaba no campo da medicina. Seus
problemas, que têm efeitos médicos, têm suas causas diretas nos problemas de habitação, alimentação,
vestuário e saneamento básico. Disso todos os experts sabem, o que não impede que a ênfase da política
de saúde no Brasil esteja colocada na assistência e não na prevenção, principalmente se por prevenção
entende se algo que modifique radicalmente as condições de vida da população. Entretanto, há muitos
centros paulistas e cariocas que se orgulham de ter os mais modernos aparelhos para resolver ou
diagnosticar uma problemática altamente específica, circunscrita, que afeta 0,5% da população. Acontece
que o povo, as organizações de base, não podem questionar de maneira eficiente as políticas médicas do
Brasil porque a primeira coisa
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que lhes seria respondida é que não sabem. Mas o que acontece quando o coletivo revitaliza seu saber,
revaloriza o saber espontâneo que ele tem acerca do que precisa? Os índios têm, as comunidades negras
têm, as comunidades das montanhas têm, as comunidades da planície têm, todo mundo tem um saber
espontâneo acerca de quais são os sofrimentos, quais são as enfermidades e como devem ser tratadas,
pelo menos, basicamente. Assim, também eles sabem quais problemas devem ser abordados – mesmo
que não se exprimam em sofrimento, ou quando o sofrimento ainda não tenha se tornado doença, não
devendo ser tratado como tal. Desde logo este saber também desconhece muita coisa, mas isso não pode
afirmarse a priori. Só que esse saber é permanentemente desqualificado pelo saber acadêmico, que atua
predominantemente a serviço de interesses estatais, nacionais e multinacionais dominantes – um saber
consubstancial com esses interesses.
A primeira operação que as comunidades devem fazer é recuperar, revalorizar o saber espontâneo que
elas têm sobre seus problemas; a segunda operação deve ser feita em conjunto com os experts,
ajudandoos a criticar essa orientação – essa medula dominante reacionáriaque o saber médico (nesse
caso) e suas técnicas têm. Sobretudo em termos de hierarquização de prioridades: o que vem primeiro e o
que vem depois, o que é prioritário e o que é secundário. Uma vez que o expert, integrado à comunidade,
demonstra a capacidade de contribuir, em pé de igualdade, para este trabalho de reformulação, podese
delegar a ele algumas áreas do saber com menos perigo de que ele o transforme em poder, e não numa
potência de colaboração com o coletivo. Nesse caso, o coletivo já não está desqualificado – ele sabe
julgar o que se faz e o que se acha que se sabe. Isso não descarta que possam acontecer novamente
problemas de concentração de saber e de poder, porque este processo de autoconhecimento e
autogestão é interminável. Provavelmente, haverá necessidade de muitas gerações autogestivas e
autoanalíticas para que o processo possa exercitarse em sua plenitude. Se bem que este caminhar está
orientado por uma Utopia Ativa que não está colocada num futuro longínquo, senão em cada ato do
cotidiano. Como já dissemos, existiram e existem numerosas tentativas autoanalíticas e autogestivas que
não apresentam o caráter purista que a gente pode imaginar em sentido abstrato. Por exemplo, as
comunidades
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eclesiásticas de base: podese dizer que têm um espírito institucionalista complexamente integrado a
aspectos libertários do Cristianismo, embora limitados pelos processos burocráticos da Igreja Católica.
Isso abre um tema que eu teria gostado de tratar neste primeiro capítulo, mas acho que vai complicar um
pouco as coisas, porque eu queria enfatizar os conceitos essenciais básicos. Mas, enfim, em que consiste o
tema aqui levantado? O Movimento Institucionalista reconhece uma gênese histórico social e uma gênese
conceitual. A primeira é a história de todas as tentativas que houve na história da humanidade e as que
hoje existem e exercitam um Institucionalismo espontâneo. Um desses movimentos é o das comunidades
eclesiásticas de base no Brasil e em outros países. Mas muitas iniciativas autogestivas já existiram, existem
e vão existir, e não precisam do Institucionalismo para se desenvolverem. O Institucionalismo é alguma
coisa assim como o resultado do ensinamento dessas iniciativas históricas sobre os próprios experts. Nós,
os experts – médicos, engenheiros, advogados, comunicólogos, psicólogos etc –, temos aprendido que
isso existe e que poderíamos colaborar para seu desenvolvimento a partir das experiências históricas que
já existiram neste sentido e das que estão existindo e se desenvolvem perfeitamente ou dificilmente sem a
nossa participação. Por outro lado, a gênese conceitual referese ao campo das idéias, conceitos e
funções: todas aquelas teorias, conceitos, idéias, categorias que têm sido produzidas pela humanidade no
decorrer da história do conhecimento e podem contribuir para dar base, para fundamentar a proposta
institucionalista.
Agora, gostaria de referirme à última questão, muito importante. Os leitores compreenderão que
esses processos auto analíticos e autogestivos se dão em condições altamente desfavoráveis, severamente
contraproducentes. Por quê? Naturalmente porque os coletivos em questão não são donos do saber, não
são donos da riqueza, não são donos dos recursos que são propriedade e servem ao poder dos
organismos e entidades de classe alta e grupos dominantes. Então, a consecução dos objetivos tem graves
impedimentos que vão desde a privação de recursos (que são propriedade a serviço do poder dos
organismos e entidades de classe dominante) até a morte física repressiva. Esses processos autogestivos e
autoanalíticos são, para a
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organização do sistema, um câncer, uma peste. Não há nada que seja mais temido e mais odiado pelo
sistema social, porque os movimentos instituintes têm esse intuito: que os coletivos presidam a definição de
problemas, a invenção de soluções, a colocação dos limites do que é possível, do que é impossível e do
que é virtual, o que normalmente é feito pelas instituições, organizações e saberes de grupos e outros
segmentos dominantes. Por isso a autogestão não é tarefa fácil: a prova está em que as iniciativas
autoanalíticas e autogestivas não se caracterizam por seu sucesso. Elas têm aparecido muitas vezes na
história e muitas vezes têm sido destruídas ou sufocadas. E as que hoje insistem em existir lutam duramente
contra um conjunto de imensas forças históricas que tentam destruílas. E quando não conseguem
eliminálas, tentam recuperálas, incorporálas. Isso faz com que os objetivos últimos do Institucionalismo
– a autoanálise e a autogestão – não sejam atingidos nunca de forma definitiva. Eles são atingidos sempre
na base da tentativa, do ensaio, da procura. Em geral têm maiores ou menores graus de fracasso. Mas isso
não quer dizer que não sejam possíveis ou inventáveis. Então, esta última afirmação que faço referese ao
seguinte: as diferentes escolas do Institucionalismo se distinguem entre si pelas teorias, pelos métodos,
pelas técnicas com que elas tentam introduzir estes objetivos últimos, e pelo grau de realização com o qual
se conformam. Quer dizer: há correntes, escolas" maximalistas", que buscam a instalação plena da
autogestão e da autoanálise. Há outras que se satisfazem com a introdução relativa de alguns mecanismos,
de alguns espaços, de alguns temas de autoanálise e autogestão. Ou seja, no Institucionalismo, como na
política, existem correntes reformistas e existem correntes ultrarevolucionárias. De qualquer maneira, nada
disso impede que as agrupemos em torno desses dois objetivos e recursos. Eles as diferenciam claramente
da enorme maioria das propostas políticas, tanto das extremistas quanto das propostas
socialdemocráticas. Provavelmente a tendência política tradicional que mais se aproxima das propostas
institucionalistas, e com a qual o Institucionalismo está mais que em dívida, seja a de certas orientações do
anarquismo.
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO I
1) Por que o Institucionalismo é um movimento e não uma ciência, uma disciplina ou uma tecnologia?
2) O que aconteceu com o saber e o saberfazer que as comunidades primitivas ou os povos e grupos
leigos em geral produziram e acumularam durante sua experiência de vida?
3) O que significa" divisão social e técnica do trabalho e do saber", e por que se diz que as ciências, as
disciplinas e seus experts estão em geral a serviço das classes e grupos dominantes?
4) Existem "necessidades mínimas naturais" cuja satisfação é demandada pelas populações, ou é a oferta
de bens e serviços que produz certas necessidades e desejos (e não outros) e modula as demandas?
5) O que significa autoanálise e autogestão?
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Capítulo II
SOCIEDADES E INSTITUIÇÕES
uma instituição, e sim um estabelecimento que faz parte de urna grande organização – provavelmente do
Ministério da Educação, que, por sua vez, realiza uma grande instituição: a instituição da Educação, que é
uma lógica, uma série de prescrições ou leis.
Em uma instituição podemse distinguir duas vertentes importantes. Uma é a vertente do instituinte,
e outra a do instituído. Apesar de as origens das instituições serem muito difíceis de se determinar – ou
seja, fazer a história de uma instituição, particularmente a de seu começo, é urna tarefa às vezes impossível,
corno se costuma dizer, "perdese no começo dos tempos". Inclusive há muitas instituições, como a
instituição da língua, das relações de parentesco, da religião e da divisão do trabalho, das quais não se
pode dizer qual veio primeiro e qual veio depois. Mas podemos afirmar que para uma sociedade humana
existir é preciso haver no mínimo essas quatro instituições humanas, ou seja, humanidade é sinônimo de
coletivo regido por essas instituições, e essas instituições são sinônimo de existência de um coletivo
humano. Então, é difícil saber como eram os coletivos antes que aparecessem essas instituições. É o
mesmo que perguntar como era o homem antes de ser homem, pelo menos como o entendemos. Então,
situar a origem dessas instituições é muito difícil. Só se pode dizer que uma instituição supõe outra, precisa
da outra, e o seu conjunto é o que constitui uma civilização ou uma sociedade humana. Agora, se
freqüentemente não se pode dizer como essas grandes instituições começaram, sem dúvida se pode
distinguir nelas uma potência, um movimento de transformação constante que tende a modificar, a operar
mutações nas suas características. Em poucas ocasiões privilegiadas podese assistir historicamente ao
nascimento de uma grande instituição. Mas, em geral, não é isso o que acontece. O que se pode
presenciar são grandes momentos históricos de revolução de uma instituição, de profundas transformações
de urna instituição. Então, a esses momentos de transformação institucional, a essas forças que tendem a
transformar as instituições ou também a estas forças que tendem a fundálas (quando ainda não existem), a
isso se chama o instituinte, forças instituintes. São as forças produtivas de lógicas institucionais.
Este grande momento inicial do processo constante de produção, de criação de instituições, tem
um produto, geram
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um resultado, e este é o instituído. O instituído é o efeito da atividade instituinte. Se vocês prestarem
atenção a esses nomes, eles mesmos já estão dizendo alguma coisa com relação à diferença entre o
instituinte e o instituído. O instituinte aparece como um processo, enquanto o instituído aparece como um
resultado. O instituinte transmite uma característica dinâmica; o instituído transmite uma característica
estática, estabilizada. Então, é evidente que o instituído cumpre um papel histórico importante, porque as
leis criadas, as normas constituídas ou os hábitos, os padrões, vigoram para regular as atividades sociais,
essenciais à vida da sociedade. Mas acontece que essa vida é um processo essencialmente cambiante,
mutante; então, para que os instituídos sejam funcionais na vida social, eles têm de estar acompanhando a
transformação da vida social mesma para produzir cada vez mais novos instituídos que sejam apropriados
aos novos estados sociais. Temse que evitar uma leitura do tipo maniqueísta, que pensa que o instituinte é
bom e o instituído é ruim, embora seja verdade que o instituído apresente, por natureza, uma tendência à
resistência, uma disposição que se poderia chamar a persistir em seu ser, a não mudar, que quando se
exacerba, se exagera, se conhece politicamente pelo nome de conservadorismo, reacionarismo. Pelo
contrário, o instituinte aparece como atividade revolucionária, criativa, transformadora por excelência. Na
realidade, não é exatamente assim, porque o instituinte careceria completamente de sentido se não se
plasmasse, se não se materializasse nos instituídos. Por outro lado, os instituídos não seriam efetivos, não
seriam funcionais, se não estivessem permanentemente abertos à potência instituinte.
Por sua vez, o mesmo acontece a nível organizacional. Existe o organizante e o organizado. Há
uma atividade permanentemente crítica e transformadora, otimizadora das organizações – o organizante. E
há o organizado, que se pode ilustrar com o famoso organograma ou fluxograma, que é necessário, mas
que tem uma tendência "natural" a cristalizarse (entre aspas porque nada tem a ver com o natural), uma
tendência histórica a esclerosarse e a adotar uma série de vícios, entre os quais o mais conhecido é a
burocracia, embora não seja o único. Então, é importante saber que a vida social – entendida como o
processo em permanente transformação que deve tender ao aperfeiçoamento e visar a maior felicidade,
maior realização,
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maior saúde e maior criatividade de todos os membros – só é possível quando ela é regulada por
instituições e organizações e quando nessas instituições e organizações a relação e a dialética existentes
entre o instituinte e o instituído, entre o organizante e o organizado (processo de
institucionalizaçãoorganização) se mantêm permanentemente permeáveis, fluidas, elásticas.
Outra maneira de referirse a isso é dizer que nas instituições, organizações, estabelecimentos, agentes,
práticas, podese distinguir uma função e um funcionamento. Para poder entender essa terminologia,
temse que compreender que nas civilizações e nos conjuntos humanos, e na vida humana tomada num
sentido muito amplo, há a tendência a adquirir sempre características históricas que comprometem este
objetivo utópico ativo. Essas características históricas, muito diferentes de uma sociedade para outra, de
uma fase histórica para outra, podem ser resumidas em três grandes situações viciosas conhecidas por
todo mundo: são os processos de exploração, de dominação e de mistificação (desinformação ou engano).
Essas são as deformações do percurso da vida social e de seus objetivos mais nobres, de suas finalidades
mais altas, que cada sociedade coloca à sua maneira, e que são chamadas de utopias sociais: como uma
sociedade tenta, deseja, deve chegar a ser. É claro que, à exceção de algumas sociedades em particular,
desde que existem sociedades, as utopias sociais incluem diferentes formas de liberdade, diferentes formas
de igualdade, diferentes formas de veracidade e fraternidade, apesar de eu estar usando, para referir me a
isso, a utopia da Revolução Francesa, chamada de revolução burguesa, que não é nem a única nem a
melhor das utopias, mas é a mais conhecida por nós. Então, cada sociedade, em seus aspectos instituintes
e organizantes, sempre tem uma utopia, uma orientação histórica de seus objetivos, que é desvirtuada ou
comprometida por uma deformação que se resume em: exploração de alguns homens pelos outros
(expropriação da potência e do resultado produtivo de uns por parte de outros);
dominação, ou seja, imposição da vontade de uns sobre os outros e desrespeito à vontade coletiva,
compartilhada, de consenso; e mistificação, ou seja, uma administração arbitrária ou deformada do que se
considera saber e verdade histórica, que é substituída por diversas formas de mentira, engano, ilusão,
sonegação de informação etc. Assim, se se compreende esta oposição entre a
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almeja a utopia; funcionamento e produção são a mesma coisa. Função é sinônimo de reprodução: é a
tentativa de reiterar o mesmo, de perpetuar o que já existe, aquilo que não é operativo para propiciar as
transformações sociais. Então: instituinte e instituído, organizante e organizado, produção contra
reprodução, funcionamento contra função.
Para concluir, exporemos definições que são um pouco áridas, abstratas, mas necessárias para
entender os passos seguintes que vamos dar: digamos em que consiste, como entender, como analisar
cada instituição, cada organização, e como intervir para favorecer a ação do instituinte e do organizante.
Não se pode fazer este trabalho sem ter claras estas definições. Para concluir, os instituintesinstituídos,
organizantes organizados que constituem a malha, a rede social, não atuam separadamente, mas sim em
conjunto. E essa atividade em conjunto pode ser enunciada com uma fórmula pedagógica: cada um deles
atua no outro, pejo outro, para o outro, desde o outro. Essa é uma tentativa de enunciar o entrelaçamento,
a interpenetração que existe entre todos os instituintes e instituídos, entre todos os organizantes e
organizados. Esta interpenetração acontece ao nível da função e ao nível do funcionamento; ao nível da
produção e ao nível da reprodução; ao nível daquilo que funcionará a favor da utopia e ao nível daquilo
que está contra. Então, essa interpenetração ao nível da função, do conservador, do reprodutivo,
chamase atravessamento. Essa interpenetração ao nível do instituinte, do produtivo, do revolucionário, do
criativo chamase transversalidade. Para dar apenas um exemplo, vou mostrarlhes um caso de
atravessamento de funções a nível organizacional. Nós dizemos, por exemplo, que uma escola é um
estabelecimento das organizações do ensino, que por sua vez são uma realização da instituição da
educação. Acontece que uma escola não só alfabetiza, não só instrui, não só educa dentro dos objetivos
manifestos do organizado e do instituído, mas também prepara força de trabalho (alienado), ou seja, uma
escola também é uma fábrica. Por outro lado, uma escola, de acordo com a concepção de ensino que ela
tenha, também consegue manter os alunos presos durante seis a oito horas por dia, e além de ensinálos a
ler e escrever, o que fundamentalmente lhes ensina é a obedecer, e o que basicamente lhes transmite é um
sistema de prêmios e punições, especialmente
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de punições. Neste sentido é que uma escola é também um cárcere. Mas, além disso, o que a escola
ensina é uma série de valores do que deve ser construído, do que deve ser destruído, ensina formas de
exercício da agressividade. Então, de alguma maneira, também se pode dizer que uma escola é um quartel
ou uma delegacia de polícia. Então, vocês vão vendo como uma escola, ao nível do instituído, do
organizado, ao nível da função, ao nível da reprodução, está atravessada pelas outras organizações. Existe
uma estreita colaboração na tarefa de reproduzir o que está, tal como está, e dessa maneira colaborar para
a perpetuação da exploração, da dominação e da mistificação. Mas uma escola também é um âmbito onde
se tem a ocasião de formar um agrupamento políticoescolar,um clube estudantil; uma escola também é um
lugar onde se pode aprender a lutar pelos direitos; uma escola também é um lugar onde se pode integrar
um sistema de ajuda mútua entre os alunos; uma escola também é um lugar onde se pode adquirir
elementos para poder materializar as correntes instituintes, produtivas; numa escola também se pode
aprender a lutar contra a exploração, a dominação, a mistificação. Então, uma escola tem um lado
instituinte, um lado organizante. Neste sentido, a escola pode ser também, por exemplo, uma frente de luta
revolucionária, de luta sindical, um lugar de doutrinamento para a revolução, um lugar de exercício da
solidariedade. Neste sentido é que uma escola tem também um funcionamento articulado, interpenetrado
com muitas outras organizações, instituições, com muitos outros instituintes e organizantes da sociedade
que atuam nela, através dela, para ela, por ela, e ela por outras, e ainda entre os diversos∙ quadros e
segmentos desse mesmo estabelecimento. Essa interpenetração chamase transversalidade. A
interpenetração ao nível da função, da reprodução, como já vimos, chamase atravessamento. A
interpenetração a nível instituinte, produtivo, chamase transversalidade, e esta se define também como
uma dimensão da vida social e organizacional que não se reduz à ordem hierárquica da verticalidade nem à
ordem informal da horizontalidade. Os efeitos da transversalidade caracterizamse por criar dispositivos
que não respeitam os limites das unidades organizacionais formalmente constituídas, gerando assim
movimentos e montagens alternativos, marginais e até clandestinos às estruturas oficiais e consagradas.
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Com isso temos definida, até certo ponto, a concepção institucionalista da sociedade. A sociedade é uma
rede constituída pela interpenetração de forças e entidades reprodutivas e antiprodutivas cujas funções
estão a serviço da exploração, dominação e mistificação (atravessamento), assim como também está
constituída pela interpenetração das forças e entidades que estão a serviço da cooperação, da liberdade,
da plena informação, ou seja, da produção e da transformação afirmativa e ativa da realidade
(transversalidade).
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO II
1) O que são, para o Institucionalismo, as sociedades?
2) O que implica dizer que as instituições são lógicas e que podem estar formalizadas em leis ou normas ou
que se manifestam em hábitos?
3) Quais seriam exemplos de instituições? Que são as organizações, os estabelecimentos, equipamentos,
agentes e práticas?
4) O que é o instituinte e o instituído, o organizante e o organizado, a função e o funcionamento, a
produção, a reprodução e a antiprodução?
5) O que é o atravessamento e a transversalidade?
6) De que está composta a rede social?
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Capítulo III
AS HISTÓRIAS
ou atualiza as potencialidades do passado para construir um porvir. Por outro lado, a História não é uma
série de etapas fatais, ou mais ou menos determinadas, cada uma das quais origina a seguinte, que
começam do zero e vão acabar em dez, cem ou qualquer número final. Não existe uma progressão
predeterminada das etapas históricas e, por conseguinte, não existe um apogeu final dos tempos. O
Institucionalismo não aceita a idéia de uma escatologia histórica, isto é, um final que pode ser entendido
como final feliz – e que nesse caso confirme uma escatologia positiva, ou um final catastrófico ou
apocalíptico. Não existe finalidade da História. O que pode ocorrer no diaadia não está inteiramente
predeterminado no passado e nem é certo que vá acontecer no futuro. Segundo alguns institucionalistas, o
tempo, sempre policronológico, se produz, devém desde um presente em direção ao passado e ao futuro.
Finalmente, outra afirmação importante que o Institucionalismo pode aportar à teoria da História é
que nós, com uma explicação claramente mecânica, baseada em paradigmas de ordem que se
desenvolveram do século XVII em diante – que têm como modelo a mecânica celeste com suas
trajetórias, suas parábolas, suas órbitas, e como correlato à máquina do relógio –, com este metamodelo
mecanicista, tendemos a pensar a História em função de suas leis, sendo que os enunciados legais
supostamente dão conta dos processos repetitivos que transcorrem na realidade. Somos levados a pensar
que a História se desenvolve segundo uma ordem de características mais ou menos maquinais, que tende a
repetirse e que, em todo caso, quando não se repete é porque tem conseguido produzir alguma diferença
em relação a uma provável repetição do idêntico ou do igual. Então, esta concepção da História que faz
da diferença uma variação análoga ou semelhante do igual, ou do idêntico, não é compartilhada pelo
Institucionalismo. O Institucionalismo diz que o que, predominantemente, retoma na História, não é o igual,
não é o idêntico, não é o regular, não é aquilo que se pode captar por leis típicas da mecânica física ou da
mecânica celeste, do relógio ou do calendário, mas que o que se repete na História é a diferença, é o
acaso, é o inesperado, o acontecimento, o imprevisível, o aleatório. E que são estes grandes ou pequenos
momentos de repetição do diferente (por exemplo: do instituinte) que depois
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vão tentar ser capturados pelo instituído, pelo organizado e repetidos como idênticos.
Bem, esta concepção da História que estou sintetizando ao máximo, com contribuições de diferentes
tendências institucionalistas, não é apenas um exercício acadêmico, mas está estritamente relacionada com
a concepção da práxis, da atividade políticosocial desejante que o Institucionalismo tem, e com a utopia
ativa, quer dizer, o propósito, o objetivo, a finalidade e os recursos do Institucionalismo. Porque se bem o
Institucionalismo interessase em estudar as leis do que tende a repetirse, ele está mais implicado em
assumir uma práxis que propicie o advento do inesperado, do acontecimento, da inovação absoluta.
Então, tratase de entender como a História é não apenas uma atividade ilustrativa, uma investigação
erudita, mas uma tentativa de reconstruir os grandes momentos de imprevisto, os grandes momentos de
acaso que transformaram o curso da humanidade, para a partir desses ensinamentos, produzir estratégias
que permitam propiciálos novamente. A História se estuda para aprender como militar a favor da
transformação, não de uma transformação previsível, não de uma transformação pré figurada, mas da
transformação em direção ao radicalmente novo e, portanto, absolutamente desconhecido. Tentemos
agora definir outros conceitos importantes.
O termo molar, outro termo que tínhamos de comentar e que se entende em contraposição ao
termo molecular, é uma contribuição feita por algumas escolas institucionalistas e que vou tentar explicar
brevemente.
Para os institucionalistas não existe uma separação radical entre vida econômica, vida política, vida do
desejo inconsciente, vida biológica e natural. O que existe são imanências – isto é, a inerência, a posição
intrínseca de cada um destes campos em relação aos outros, que só se podem separar de uma maneira
artificial para a finalidade de seu estudo. A rigor funcionam sempre, por assim dizer, um "dentro" do outro,
incluindose no outro. Então, dentro desta concepção da vida social como uma rede, em que os diversos
processos são imanentes um ao outro, pode se distinguir o molar, que, dito de uma maneira simples, é
aquilo que é grande, que é evidente, que tem formas objetais ou formas discursivas, visíveis e enunciáveis.
Por outra parte temos o molecular, que é o que na física se costuma chamar micro, por
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oposição a macro, isto é, o mundo atômico e subatômico, o mundo das partículas, enquanto o mundo
macro por excelência seria, por oposição, o universo, o cosmos, que é composto de grandes corpos.
Então, tomando esses ensinamentos da microfísica, da microquímica, da microbiologia, da biologia
molecular, o Institucionalismo afirma que as grandes mudanças históricas, as macromudanças, são sempre
resultado de pequenas micromudanças, e que os grandes poderes em vigor na sociedade são apenas
forças resultantes de pequenas potências que se chocam e conectam em espaços microscópicos de uma
sociedade. Como até mesmo a física, a biologia e a química descobriram que as leis que regem os
processos e as entidades macro não são capazes de dar conta da dinâmica que acontece nas micro. O
macro é o lugar da ordem, é o lugar das entidades claras, dos limites precisos, é o lugar da estabilidade, da
regularidade, da conservação. O micro, dito tanto no sentido físico, químico, biológico quanto no sentido
social, político, econômico e desejante, é o lugar das conexões anárquicas, insólitas, impensáveis. O macro
é o lugar da reprodução, e o micro é o lugar da produção; o macro é o lugar da conservação do antigo ou
da propiciação do novo previsível, e o micro é o lugar da eclosão constante do novo; o macro é o lugar da
regularidade e das leis, o micro é o lugar do aleatório e do imprevisível. Esta diferenciação também é
importante porque, em geral, o Institucionalismo confia em analisar e propiciar as mudanças locais, as
transformações microscópicas, as conexões circunstanciais, porque espera delas efeitos à distância que, ao
generalizaremse, resultam nas grandes metamorfoses, do instituído e do organizado, o detectável e
consagrado. Dito com outras palavras, o Institucionalismo pensa que as pequenas conexões locais são o
lugar do instituinte, e entendêlo assim está estritamente relacionado com as estratégias de intervenção nos
âmbitos, nos espaços de atuação que o Institucionalismo vai tentar propiciar. Eles são os pequenos lugares
intersticiais da vida naturalsocialtécnica e subjetiva, e não os grandes blocos representativos dos
territórios constituídos.
Finalmente, é importante definir o termo antiprodução. Se não me engano, já tentamos reiteradamente
definir e redefinir o termo produção. Produção é aquilo que processa tudo que existe, natural, técnica,
subjetiva e socialmente. É a permanente
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geração, enquanto não se cristaliza; é o devir, é a metamorfose, é o que, com uma terminologia ainda
religiosa, chamaríamos de criação. Mas no momento em que as forças produtivas entendidas de maneira
muito ampla, as forças instituintes organizantes, são capturadas em grandes organismos reprodutivos
como o Estado ou o mercado capitalista, vigora a antiprodução. Por exemplo, elas são voltadas contra si
mesmas, de maneira que a produção, as energias não orientadas, as matérias produtivas ainda não
formadas são retidas pelos mecanismos, pelos equipamentos, pelos organismos e forças de toda ordem
que propiciam a reprodução do mesmo, o impedimento ou a destruição do novo, elas tornamse
antiprodutivas, elas se destroem a si mesmas. É o que subjaz a grandes processos sociais como as guerras;
é o que subjaz a célebres atitudes sociais como a de destruir os produtos porque o preço caiu no
mercado; é o que subjaz à geração de enormes contingentes sociais que estão destinados a morrer, e que
morrem não apenas por deficiência da provisão ou da organização, mas por atitudes ativas do poder
destinadas a destruílos, como é o caso da marginalidade, da mortalidade infantil, dos preconceitos sexuais
e raciais, do alcoolismo, da tóxicodependência, dos genocídios coloniais, neocoloniais e planetários
contemporâneos etc. Essas são potências, são forças singulares, produtivas, que a sociedade não está em
condições de incorporar porque não pode transformálas em mercadoria, seres, bens, valores, serviços –
não pode assimilálas à lógica do sistema. Então, ou as deixa morrer, ou as mata por meio de mecanismos
mais ou menos deliberados, mais ou menos premeditados. Esse processo de autodestruição das forças
produtivas naturais, sociais, subjetivas e tecnoindustriais que a sociedade faz chamase antiprodução. Um
desses processos característicos é o problema ecológico, que só agora se está" descobrindo", enquanto já
era evidente desde meados do século passado com o processo produtivo industrial' mercantil baseado na
geração de mercadorias, de bens de troca e não de bens de uso, que vem destruindo o reservatório
fundamental de matériaprima e de vida que é a natureza. Agora, isso se torna moda; mas foi sempre
assim, e é uma das expressões mais radicais da capacidade antiprodutiva do sistema dominante no mundo.
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Para qualquer tendência sociológica, científicapolítica ou econômica clássica, já é completamente
evidente que não se pode pensar os processos característicos de cada área – não se pode conceber o que
acontece em economia, em política ou sociologia – com independência do psiquismo dos homens,
prescindindo do que antigamente se chamava as almas dos homens. Ou seja, apesar de se poder acreditar
que é o econômico que determina, em última instância, as características da vida e da morte social, ou que
se possa supor que é o político o tal determinante, hoje se sabe, e ninguém pode negála, que por mais
determinados, por mais submetidos às leis econômicas e políticas que estejam os homens, eles só entram
nesses processos de dominação, de exploração, de mistificação ou, pelo contrário, em processos
revolucionários, se estes, de algum modo, coincidem com suas crenças, representações, convicções
acerca da vida social. E também não entram se suas expectativas, suas vontades, seus desejos não se
encaminham nessa direção. Isso é claríssimo. O Institucionalismo tende a não privilegiar a priori nenhuma
determinação mais que outra, isto é, são tão importantes as vontades, os desejos e as representações com
que os homens entram nos processos históricos quanto as estruturas "materiais", econômicas, políticas ou
naturais que os determinam. Mas a isso temos de acrescentar que a partir da contribuição psicanalítica,
sabese que as vontades, os desejos mais potentes que dirigem a conduta ou a vida dos homens, são
inconscientes, isto é, não fazem parte de seu saber, de seu querer deliberado. Em última instância, os
homens entram nos processos históricos e sociais determinados por forças desejantes, por vontades que
eles não controlam e não conhecem, mas que têm a ver com o prazer, que têm a ver com o sofrimento e
têm a ver com vivências e mecanismos subjetivos ainda mais profundos. Hoje, por exemplo, está cada vez
mais evidente para os economistas que o "melhor" plano econômico não funciona se não se consegue
mobilizar as forças desejantes dos integrantes de uma população, não só seus interesses, para provocar o
consenso dos agentes em torno deste plano; e ainda mais, que o "pior" dos planos é capaz de funcionar
quando se consegue essa mobilização. E não se trata apenas de conseguir uma adesão consciente ou uma
credibilidade voluntária, mas de mobilizar forças inconscientes às quais se apela, ainda passando por cima
das crenças e convicções dos agentes
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sociais. Isso também não é novidade. Já a partir de Reich, o grande psicanalista marxista, nós nos
interrogamos constantemente porque, em lugar de colocarse o problema de que ocasionalmente os
operários estejam em greve ou que circunstancialmente os soldados se rebelem contra seus superiores,
não nos perguntamos porque os operários não estão sempre em greve, porque os soldados não se unem
para executar definitivamente seus superiores. Por que os povos atuam contra seus reais interesses e
vontades? Então, não se trata apenas de dizer que o fazem por medo, porque os acontecimentos históricos
demonstram que os povos quando se mobilizam, quando as forças inconscientes se ativam, não têm medo
de nada e têm como se fosse uma plena consciência de sua potência. Eles correm perigos tremendos ou –
combatem lutas desiguais, mas eles operam as transformações sociais. Não se trata também de dizer
apenas que os povos são ignorantes, porque se é certo que o sistema se ocupa de manter os povos
ignorantes ou erradamente informados, já se tem visto processos históricos em que os povos são capazes
de produzir um saber acerca de suas condições de existência que não precisa, passar pelo saber
transmitido pelos meios de divulgação, nem necessita submeterse ao saber acadêmico. Os povos checam
seu próprio saber sobre suas condições de vida na luta cotidiana pela transformação desses campos de
existência e levam à frente movimentos de imenso poderio, de incalculável potência social, sem apelar para
os saberes instituídos e estabelecidos. Então, o importante a ser reconhecido é a existência dessas forças
inconscientes que o Institucionalismo denomina desejo, por ressonância ou por uma reelaboração do
conceito de desejo inconsciente da Psicanálise. A diferença consiste em que o desejo inconsciente em
Psicanálise está sempre relacionado com uma estrutura chamada Complexo de Édipo: é um desejo que
atua primeiro na vida familiar, nas relações ou nas fantasias incestuosas ou parricidas do inconsciente
infantil e que, depois, se translada para a vida social com as mesmas características. O desejo segundo a
Psicanálise é um impulso que tende a reconstituir estados perdidos a se realizarem em fantasmas
imaginários, é uma tendência reprodutiva, é um anseio que tende a restaurar o narcisismo, que
supostamente, em algum momento, foi o estado em que o protosujeito esteve integralmente. O desejo no
Institucionalismo não tem essas peculiaridades. O desejo do
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Institucionalismo é imanente à produção, é (digamos provisoriamente) o aspecto subjetivo (mas não
apenas psíquico) da mesma força que no social é o instituinte. É uma força que tende a criar o novo,
entendido como o imprevisível, é uma força de conexões insólitas, é uma força de invenção e não é uma
força restauradora de estados antigos. Mas é inconsciente. Só que este inconsciente não se entende
exclusivamente como um inconsciente edipiano, familiarista, repetitivo, mas também como um inconsciente
prépessoal, présocial e précultural, objeto de um saber que toma elementos de todos saberes
existentes; trata se de matérias nãoformadas e energias nãovetorizadas que são capazes de gerar
transformação. A força desse inconsciente não está submetida apenas por um recalque psíquico, mas por
um recalque complexo que é simultaneamente político, libidinal, semiótico etc. Então, para o
Institucionalismo não existe o que seria um homem universal, não existe uma estrutura, uma
essênciahomem. Também não existe uma estrutura, uma essênciasujeito, um sujeito psíquico que seria o
mesmo em todas as sociedades, em todos os momentos históricos, em todas as classes sociais, em todas
as raças etc. O que se passa é que esse sujeito psíquico, mesmo que se aceite como sendo universal, teria
representações ou teria recursos que variariam segundo a sociedade, segundo a classe social ou o grupo a
que pertencesse. Para o Institucionalismo não existe esse sujeito eterno e universal, apenas preenchido
com conteúdos históricos sociais variáveis. Para o Institucionalismo, o que existe são processos de
produção de subjetivação ou de subjetividade. Mais adiante explicarei em que consistem essas duas
denominações, mas essa produção é absolutamente contingente, é absolutamente própria de cada lugar,
de cada momento, de cada conjuntura histórica etc. Ou seja, produzemse sujeitos em cada
acontecimentodevirsujeitos para esse acontecimentodevir, sujeitos variavelmente protagonistas desse
acontecimento, ou, se pode dizer, é o acontecimentodevir que os produz. E podem existir analogias,
podem existir semelhanças entre esses sujeitos. O que importa não é a produção das semelhanças ou de
analogias entre os sujeitos, mas a produção de diferenças, a singularidade de cada sujeito produzido em
cada lugar, a cada momento. Então, quando nessa produção predomina o instituído, a reprodução de um
sujeito do desejo assujeitado aos interesses dominantes, aos
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interesses exploradores, aos interesses mistificantes, ele adota as características de um sujeito mais ou
menos universal e eterno. A isto se chama produção de subjetividade assujeitada, subjetividade submetida.
Quando o que predomina neste processo é a geração do novo absoluto, de subjetivação absolutamente
original, absolutamente singular, absolutamente instituinte, absolutamente contingente, circunstancial e
gerada pelos eventos revolucionários, a isto se chama produção de subjetivação livre, não assujeitada,
primigênia, produtiva, revolucionária, em que o desejo se realiza em conexões locais, micro, e se efetua
gerando o novo, não se concretiza restituindo o antigo, processase não reproduzindo o instituído, o
organizado, o estabelecido, mas se realiza gerando o instituinte e o organizante.
Por que esta discriminação é importante? Porque na leitura que o Institucionalismo vai fazer de
cada organização, de cada estabelecimento, movimento ou proposta, ele vai privilegiar a intelecção de
dispositivos que são capazes de produzir subjetivações. E não vai privilegiar, a não ser para denunciálos,
a leitura de aparelhos ou equipamentos que estão destinados a produzir a reprodução de subjetividades
submetidas. O mesmo vai acontecer nas montagens técnicas, organizativas, políticas, com as formas de
militância, com a "maquinaria de guerra" que o Institucionalismo pretende propiciar em suas intervenções,
porque as mesmas têm de estar protagonizadas por novas produções de subjetivação, circunstanciais,
transitórias, capazes de encarar o sentido desejante e revolucionário e depois autodissolverse para deixar
seu lugar a outras. Evidentemente, todas essas definições necessitariam de exemplos muito precisos que,
pela natureza elementar deste livro, não poderemos dar nesta exposição. Mas a discriminação que tem de
ficar claramente estabelecida é que o Institucionalismo, em geral, não .se propõe "pegar" um sujeito
reprodutivo que é sempre o mesmo, eterno e universal e invariável em todo tempo e lugar, e trabalhálo
para tornálo produtivo. O objetivo institucionalista é criar campos de leitura, de compreensão, de
intervenção para que cada processo produtivo desejante, revolucionário, seja capaz de gerar os "homens"
(ou sujeitos) de que precisa. Não ajeitálos a partir de uma suposição de que já estão feitos, mas aceitar a
idéia de que os novos homens se fazem a cada momento, em cada circunstância.
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Essa exposição que se acaba de ler não segue ao pé da letra as teorias sistemáticas da
Psicanálise, o Marxismo ou as psicosociologias de cunho fenomenológico, positivista, culturalista ou
estruturalfuncionalista. Em muitas passagens, pode ficar sincrética ou imprecisa demais. A intenção não é
dar uma série de definições acadêmicas fiéis a seus textos de origem. Este é o caso, por exemplo, de
quando falamos do inconsciente ou do desejo. O contexto em que falei dessa questão ainda é um espaço
teórico algo clássico, que habitualmente se aborda com o nome de ideologia. É verdade que há uma certa
definição de ideologia que a considera como uma série de representações erradas, de crenças, de
convicções acerca do mundo, que está animada pela ilusão, pela esperança e pelo medo. Costumase
reconhecer que existem ideologias dominantes que são as ideologias da classe dominante, ou seja, que são
ideologias conservadoras, reacionárias. Por outro lado, existem ideologias revolucionárias, que são
ideologias das classes, dos grupos que procuram uma drástica transformação social. Em geral falase
dessas ideologias como sinônimo de consciência falsa ou distorcida. São crenças, convicções ou
expectativas e desejos conscientes. Ademais, afirmase que a ideologia dominante na sociedade é a
ideologia dos grupos dominantes, é uma ideologia que se impõe pela ignorância ou a distorção, apesar de
ser contrária aos interesses da maioria. Então, costumase dizer que a maneira de reverter essa situação é
instruir, é educar, é modificar essas representações, é criar outro tipo de expectativa ou vontade, é
conscientizar acerca dos limites da potência que tem a classe dominante, conscientizar acerca do potencial
de prazer, de gozo, de eliminação do sofrimento que teria uma transformação social protagonizada pela
classe dominada. Mas é importante recordar que desde um bom tempo atrás já existem pesquisas e
produções teóricas que mostram que não é apenas por medo ou esperança, por ignorância, informações
erradas ou manipuladas que as classes, os grupos e sujeitos submetem se aos interesses das classes
dominantes. Eu citava o célebre psicanalista Reich quando ele, estudando o movimento nazista da
Alemanha, afirmava que o povo alemão não estava desinformado; talvez estivesse incorretamente
informado, mas é difícil acreditar que o povo mais culto da Europa fosse capaz de acreditar nas asneiras
que estavam sendo ditas; e também
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não tinha tanto medo, porque era um povo muito orgulhoso, muito seguro de suas forças, com um
proletariado muito politizado. E, sem dúvida, este povo acabou aderindo maciçamente ao projeto
nacionalsocialista, um projeto de dominação do mundo, racista, machista, que reunira em si todos os
autoritarismos, todos os paternalismos, toda a capacidade antiprodutiva de uma sociedade moderna. Por
quê? O que W. Reich diz é que foi devido não apenas às circunstâncias históricas econômicas, políticas e
ideológicas que todo mundo conhece, mas também a determinantes, digamos, históricoeróticos, libidinais,
que fizeram com que este líder fosse capaz de mobilizar certos desejos inconscientes da massa e fazêla
participar de um projeto onipotente e sádico, uma maneira de realizar inconscientemente esses desejos,
desejos inconscientes de domínio, de exercício da crueldade, desejos inconscientes que, segundo Reich,
eram maneiras de restituir a cada um deles o estado utópico narcísico perdido. Reich já sabia que não é
apenas com a consciência que se consegue dominar os povos, fazêlos operar contra seus potenciais e
interesses, mas com outro tipo de mobilização. O Institucionalismo vai recolher bastante de Reich, mas
reformulandoo segundo sua própria compreensão do desejo – que não é o desejo segundo a Psicanálise
de Reich; não é o desejo exclusivamente psíquico ou inconsciente (segundo o inconsciente edipiano da
Psicanálise), mas o desejo imanente a todas as forças materiais possíveis de potência produtiva. Não é um
desejo que, por natureza, pretenda restituir alguma coisa perdida, mas é um desejo que, por substância, é
revolucionário. Este tipo de desejo inconsciente, que tem de ser lido no campo da análise e mobilizado
pelas intervenções, pelos dispositivos instituintes, para que opere historicamente segundo sua verdadeira
essência e não seja encaminhado a animar máquinas reprodutivas e antiprodutivas.
O emprego que aqui fizemos de uma verdadeira proliferação de termos é uma peculiaridade do
caráter intertextual e descartável da terminologia institucionalista. É possível que seja um tanto confuso,
particularmente com relação ao léxico sistemático da Psicanálise ou do Materialismo Histórico.
Eu me surpreenderia se estivesse claro. Afinal, tudo o que teria de ser dito sobre Psicanálise, o
Édipo, a concepção psicanalítica do desejo e o Institucionalismo é muito mais amplo
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do que a gente pode dizer aqui. Se alguém observa no meu relato restos da nomenclatura psicanalítica,
isso pode ser até uma espécie de interpretação ou intervenção institucionalista sobre meu discurso, na
medida em que, por mais que a gente se envergonhe, a gente também é psicanalista. É evidente que
chegamos ao Institucionalismo a partir de identidades diferentes. Há institucionalistas psicanalistas. Cada
um de nós tem de lutar contra constrições, restrições teóricas e técnicas e "práxicas" que a sua identidade
prévia lhe impõe. Porque ser institucionalista implica uma tremenda transformação do aparelho teórico,
metodológico, técnico da atitude profissional e da atitude específica do especialista. Então, nesta função
que estou cumprindo agora, não me surpreende que eu tenha as minhas vacilações. Não sei se elas foram
percebidas. Obviamente não são registradas por mim, que sou interessado e, portanto suspeito. Tenho a
impressão de que não é tanto assim: "Apenas por egossintonia." Mas o que aparece na mudança do
caminho é o seguinte: o Institucionalismo é um saber intersticial, é um saber nômade, é um saber errático;
então, ele pega algum elemento de cada campo do saber e do fazer e tenta agregálo a novos contextos
para criar uma idéia nova. Em compensação, o Institucionalismo não é uma ciência, não é uma disciplina,
não tem objeto específico, não tem aparelho teórico conceitual restrito, não tem um objeto formal abstrato.
Então, o que eu estava tentando explicar com referência ao desejo e ao inconsciente é que este é uma
idéia repensada, porque o Institucionalismo não a toma emprestada, não a importa (como se diz em
epistemologia); o Institucionalismo "rouba" alguma coisa de cada corpo teórico e se sente com direito de
roubar, porque não respeita a propriedade intelectual privada nem específica. Por exemplo: O roubo que o
Institucionalismo fez da Psicanálise e do conceito clássico de essência do desejo inconsciente como força
capaz de gerar uma série de efeitos, como o valor do prazer e do desprazer no campo libidinal, no plano
das "escolhas objetais". Mas o Institucionalismo vai transformar este conceito. O desejo inconsciente na
Psicanálise é uma força que insiste em restituir imaginariamente o narcisismo como estado inicial em que
coincidem investimento e identificação; então, como é que a Psicanálise atua? Ela o faz tentando impedir
que o desejo reatualize a unidade imaginária do ego do sujeito com o objeto narcísico por meio da
castração
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simbólica, orientando e fluidificando o desejo através do sistema simbólico. O desejo se mobiliza para
restituir imaginariamente o narcisismo. A intervenção psicanalítica o obriga (mais que lhe possibilita) a
animar o sistema simbólico, a representar, a significar, a sublimar. Por sua vez, o Institucionalismo não
acredita que a essência do desejo seja restitutiva, nem que deve ser capturado no sistema simbólico, nem
obrigado a nada. Ele pensa que o desejo é espontaneamente produtivo, revolucionário, inventivo. Apenas
se deve criar condições para que ele possa animar dispositivos e máquinas revolucionárias capazes de
realizála em acontecimentos e devires. Para o inconsciente psicanalítico o desejo nunca se realiza, é da
característica do irrealizado, só pode imaginarse e simbolizarse. Para o Institucionalismo, o desejo
realizase sempre, apenas é preciso produzir condições históricas em que ele possa realizarse
produtivamente. Isso inclui engendrar modos de subjetivação que coprotagonizem este processo.
Para alguns institucionalistas, se é que eles aceitariam essa denominação genérica, o inconsciente e
o desejo são a substância mesma da realidade (como diria o filósofo Espinoza), da qual se diz que se
repete como diferença, ou seja, que é o Ser do Devir sempre infinitamente diferente. Também se afirma
que é a Vontade de Potência afirmativa e a ação das forças positivas (como postularia Nietzsche) que gera
o interjogo de forças e a origem de tudo. Kant talvez diria que o desejo consiste em quantidades
intensivas, que são prévias às quantidades e qualidades de tudo que existe. Bergson falaria das
virtualidades – que não existem, mas são reais, e só esperam sua atualização. Para certos institucionalistas,
o inconsciente é produzido em cada agenciamento, em cada dispositivo que se autogera para originar um
acontecimento e um sentido. Tais inconscientes não são causados por sujeitos nem por objetos, pelo
contrário, eles podem processar modos de subjetivação e objetivação que são necessários para as
novidades produtivas que os geraram em sua montagem.
Não obstante, nos propomos voltar sobre o tema no capítulo seguinte. Apenas observemos que,
para certas correntes do Institucionalismo, o sujeito é uma organização por meio da qual se realizam muitas
instituições. Assim entendido, o sujeito é produto de processos instituintes, organizantes, criadores, assim
como de outros repetitivos ou antiprodutivos. É por isso
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que as diversas escolas institucionalistas tentam analisar e intervir sobre o sujeitoorganização em suas
relações de atravessamento e de transversalidade com outras organizações: subjetivas ou não (ou seja: no
trabalho, na educação, na saúde etc.), outras correntes institucionalistas não dizem que o sujeito é apenas
uma peça do processo de produção de subjetividade alienada ou de subjetivação revolucionária. Esses
processos são imanentes a muitos outros e sua abrangência e produtos são muito mais amplos e
complexos do que aquilo que se entende por" sujeito".
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO IV
1. Que diferença existe entre História e Historiografia?
2) Existe uma História que totaliza todos os percursos dos processos sociaiseconômicossubjetivos e
naturais?
3) O que significa Molar e Molecular?
4) O que se entende por produção, reprodução e antiprodução?
5) Qual é o papel da repetição e da diferença, do acaso e das regularidades na História?
6) Qual é a diferença do modo de definir sujeito e desejo: na Psicanálise e no Institucionalismo?
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Capítulo IV
O DESEJO E OUTROS CONCEITOS NO INSTITUCIONALISMO
"espíritos" para a adoção de uma atitude tipicamente científica.
Não ignoro que, devido às deficiências da formação geral e universitária da qual padecemos,
muitos ainda não podem estar certos de haver adquirido o mencionado" espírito", ou um outro melhor
ainda, por isso tornase especialmente difícil exigirlhes, neste momento, que comecem a aprender a
criticarse enquanto "científicos", entendendo a singular proposta do lnstitucionalismo. Cabe aqui lembrar
que, a despeito do Institucionalismo nutrirse em grande parte das contibuições mais revolucionárias das
ciências contemporâneas, tem com elas uma relação contraditória, polimorfa e complexa.
Um típico problema que se apresenta quando se trata de ensinar alguma ciência em particular
passase devido ao fato de que, semanticamente falando, alguns termos teóricos que as ciências empregam
são idênticos aos utilizados na linguagem cotidiana. No entanto, sabemos que essas palavras, quando
importadas e processadas no seio de uma teoria científica, mudam radicalmente de sentido, não
conservando nenhuma das denotações e conotações (como diz certa lingüística) que tinham nos discursos
ou textos de origem. Contudo, ainda durante um longo período de sua aprendizagem, os jovens estudantes
de uma ciência continuam confundindo essas diferentes significações.
As diversas correntes institucionalistas, por sua parte, podem empregar termos teóricos com
acepções idênticas às utilizadas pela ciência de onde um conceito foi tomado, ainda que invariavelmente o
façam isolando esse conceito do contexto sistemático no qual o mesmo foi enunciado e do qual recebe seu
valor de origem.
Em outros casos, o Institucionalismo procede adotando algum termo, mas o faz acrescentandolhe
sentidos que se somam aos originais, sem descartálas. Finalmente, o Institucionalismo pode também
transformar um conceito em uma categoria, ou em uma noção, ou até em uma alusão vaga, se considera
que, em determinada conjuntura, tornao revelador.
Para concluir, cabe recordar que o Institucionalismo é a expressão, algo extremada, de um
questionamento da hegemonia do pensamento científico como tal e de suas diversas especificidades,
defendendo a fertilidade de todos os saberes, incluídos, por exemplo, os que existem em "estado prático"
nas
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atividades leigas, artísticas, religiosas etc.
Por isso, às vezes é duro, para quem se aproxima deste estudo, aceitar e entender a polissemia
que adquirem semantemas provenientes, digamos, da Psicanálise (inconsciente, desejo etc.), ou outros
originários de algumas escolas do Materialismo Histórico (sobredeterminação e maisvalia, por exemplo).
Agora, peçolhes que se coloquem um pouco no lugar do docente. Estou tentando dar um curso
introdutório de um saber que não tem limites. Se os profissionais, especialistas de alguma disciplina,
queixamse da incrível aceleração na produção de conhecimentos de cada saber, que faz com que os
experts não consigam acompanhar essa produção – em alguns ramos muito desenvolvidos, como a Física,
chegase a afirmar que o expert só tem dez anos de vida útil, tendo se tornado descartável como os
jogadores de futebol, pois depois de uma década já não consegue acompanhar o ritmo de produção
teórica e tecnológica de sua disciplina e não chega a atualizarse. Imaginem vocês uma coisa como esta,
que é um composto de todos os saberes de uma época, inclusive os saberes nãocientíficos, os artísticos,
os populares; então a formação de um institucionalista realmente é interminável.
Estou tentando dar uma visão panorâmica geral, muito pouco aprofundada e ambiciosa, de certos
conceitos, de certas idéias básicas e de algumas das principais correntes. Não nego que algumas
ampliações sejam essenciais, mas justamente porque o são, desenvolver esses temas, no caso de eu estar
capacitado para fazêlo, levaria a outros tantos cursos. Este é um pequeno esclarecimento e uma desculpa
pelo tratamento que tentarei dar a várias questões, que terá de ser breve, para que eu possa desenvolver
este capítulo coerentemente com o resto do texto.
Comecemos por lembrar que não existe uma escola institucionalista, mas sim muitas, e existem
diferenças teóricas, metodológicas,. técnicas, políticas entre elas. O que há como característica comum é o
interesse pela produção nas organizações e instituições, assim como por um funcionamento autoanalítico e
autogestivo das mesmas. É o mínimo denominador comum que se consegue encontrar entre as várias
tendências. Agora, entre as muitas diferenças existentes de uma para a outra, está a definição dada a
"desejo". Boa parte delas reconhece a existência do psiquismo como um campo
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relativamente autônomo da realidade. A maioria delas aceita, dentro desse campo chamado psiquismo, a
existência de um espaço, de um sistema e de processos de caráter inconsciente que considera do campo
das causas, da área dos motores do funcionamento psíquico, sendo que o comportamento, a conduta, as
vivências, as representações e afetos são do campo dos efeitos deste psiquismo. No entanto, a maioria
deles atribui à Psicanálise o mérito de ter descoberto esta instância determinante, que seria o inconsciente
com seu processo primário e a força que anima essa instância, que é o desejo. Boa parte deles concorda
com a definição de desejo que seria predominante à colocada em muitos textos freudianos. Em que
consiste esta definição de desejo? Seria uma força insistente, persistente, que procura restaurar, reeditar,
em último termo, um certo estado do "desenvolvimento" do psiquismo que se denomina narcisismo, em
que o ego e o objeto são um, em que não existe a separação sujeitoobjeto – que a Psicanálise atribui ao
Complexo de Castração. Então, a partir da ruptura desse estado, surge uma força que seria o desejo, que
tenta reproduzilo. Quando a mesma é obrigada a passar por outras instâncias, outros dispositivos, outras
maquinarias do psiquismo, particularmente por certa ordem de representações, ela acaba gerando todos
os produtos chamados "normais" da vida psíquica, que são rendimentos, resultados dessa trajetória que o
desejo faz em lugar da sua realização meramente "alucinatória", ou seja, de sua tentativa de restauração
desse narcisismo inicial. Isso, como o leitor avaliará, inclui uma definição restitutiva do desejo; o desejo
tem uma natureza conservadora; ele parte de uma situação narcisística e tende a voltar a ela; ele tornase
produtivo apenas quando nesse caminho, nessa trajetória, é obrigado a elaborar, e a sublimar, devido à
sua subordinação à ordem simbólica, a lei ou a sua inscrição no processo secundário (como se queira
chamálo). Muitos institucionalistas compartilham plenamente essa definição de . desejo e a aplicam à
compreensão dos aspectos psíquicos da vida organizacional, usandoa no entendimento do funcionamento
da subjetividade, assim definida nas organizações, particularmente em seus aspectos inconscientes. Um
exemplo característico de um autor institucionalista que é absolutamente fiel a esta definição freudiana de
desejo, embora tente articulála com uma teoria materialistahistórica da sociedade, da economia,
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da política e das organizações, é Gerard Mendel, criador de uma corrente institucionalista chamada
Sociopsicanálise, à qual vamos nos referir mais adiante porque está contemplada em nosso programa. Já
uma definição menos fiel à freudiana é a de René Lourau, que recolhe a definição de desejo de uma forma
menos ortodoxa. Mas se a gente estuda a obra freudiana com amplitude e detalhe, percebe setores da
mesma em que essa definição de desejo, que explicamos anteriormente, mostrase característica, por
exemplo, do capítulo VII da "Interpretação dos Sonhos" e da chamada primeira tópica. Entretanto, existe
a possibilidade de outra definição baseada nas passagens freudianas em que o Id é pensado como um
"caldeirão fervente" cheio de estímulos, no qual a pulsão de vida funciona segundo o processo primário.
Nesse caldeirão estão incluídos os impulsos libidinais e desejantes dessa "usina" – que têm por objetivo
não a restituição de estados perdidos, mas propiciar, de forma anárquica, estados permanentemente
novos; associar, cada vez mais amplamente, unidades vitais; processar o movimento como sendo a
essência da pulsão de vida e do desejo que dela emana. Justamente a partir dessa definição surgiu a
plêiade de inúmeros autores que impugna a existência de uma pulsão de morte no psiquismo, assim como a
exclusividade de um modo de ser do desejo em cujo extremo está a pulsão de morte que tenta restaurar
um estado imaginário perdido, e com ele a imobilidade. Estamos vivendo uma situação cultural em que se
está impondo a hegemonia de uma das leituras do desejo que Freud fez (a estruturalista). Estamos
assistindo, mundialmente, a uma certa fragilidade das proposições do marxismo ortodoxo, assim como a
de uma série de autores que partiam desse outro setor da obra freudiana para definir a pulsão e o desejo,
como por exemplo, os freudo marxistas. Então, não é estranho que isto se apresente como uma
dificuldade para os interessados no assunto, porque este é um problema muito atual e de muita disputa
teórica. No entanto, outros setores do Institucionalismo, particularmente Deleuze e Guattari – os criadores
desta orientação chamada Esquizoanálise, muito pouco conhecida e muito pouco implantada tanto em
nosso meio como rio mundo inteiro –, levam as proposições freudomarxistas dessa outra definição do
desejo até extremos pósfreudianos e pósmarxistas baseados já em outras contribuições de disciplinas
atuais, como a filosofia, a macrofísica,
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a microfísica, a biologia molecular e certos campos das ciências formais, por exemplo a matemática de
Rieman. Os "descobrimentos" desses saberes têm dado origem ao que se chama de uma mudança de
paradigma, uma transformação do modelo dominante no horizonte atual do conhecimento. Essa mudança,
em um de seus aspectos, consiste na promoção de certo poder criativo da desordem, na reivindicação da
neguentropia, ou tendência à autopoiese, na defesa da produção, da vitalidade, inclusive na ma terialidade
psíquica e seus determinantes em última instância, que seriam a pulsão e o desejo. Então, Deleuze e
Guattari, também apoiados na literatura, na arte, e ainda no discurso delirante, constroem uma definição de
desejo como sendo não apenas a força que anima o psiquismo, mas uma força essencialmente produtiva e
criativa buscadora de encontros que, além de tudo, é imanente a outras forças animadoras do social, do
histórico, do natural. O desejo não tem caráter restitutivo – tem caráter essencialmente produtivo
revolucionário – e não é uma força separada das que animam a vida social e natural. Por isso há uma
fórmula na Esquizoanálise, que afirma que a Esquizoanálise consiste em introduzir o desejo na produção e
a produção no desejo. Tratase de aprender a pensar um desejo essencialmente produtivo e uma
produção, dita no sentido amplo, que não pode ser senão desejante – à medida que funciona como o
processo primário inventado por Freud e considera as subjetivações essencialmente envolvidas nesses
processos produtivos, tanto quanto na natureza e nas máquinas técnicas e semióticas.
Outra questão a ser abordada diz respeito à determinação em última instância. Bom, Marx afirma
que a vida social está estruturada como uma espécie de edifício, em que há os alicerces e há as paredes
superiores visíveis. O que Marx insiste em afirmar é que a vida social está finalmente determinada pela
atividade econômica, isto é, por processos de produção de bens materiais indispensáveis para a produção
e a reprodução da vida humana sobre a terra. Dessa maneira, a chamada infraestrutura determina a
superestrutura, apesar de que Marx nunca negou que a superestrutura retroaja sobre a infraestrutura.
Assim, as resultantes desse processo complexo não são causadas, de forma alguma, exclusivamente pelo
econômico, não podendo ser entendidas dessa maneira. E também não seriam modificáveis
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exclusivamente a partir do econômico. Um de seus seguidores, Louis Althusser, utilizando outro modelo de
formalização da estrutura social – modelo esse tomado da matemática dos conjuntos – representa a vida
social como uma composição de três subconjuntos que estão parcialmente intersecionados, de maneira
que algumas áreas desses subconjuntos têm autonomia relativa e outras são superpostas ou imanentes
entre si. Mas o conjunto total, o sistema, que Althusser chama "todo complexo articulado, diversificado e
sobredeterminado", funciona interpenetrado, de maneira tal que haverá um determinante em última
instância, que em todos os modos de produção é o econômico, uma instância dominante e uma instância
decisória ou decisiva. O determinante em última instância é o que define o papel dos outros e da sua
participação causal na determinação dos efeitos econômico sociais, mas não exclusivamente, e sim
mediatizado por aqueles. A instância chamada dominante é aquela fundamental para a reprodução do
modo de produção, para que o modo de produção se reproduza "idêntico" a si mesmo. A instância
decisória é a fundamental no processo de transformação de um modo para sua passagem a outro. Essa é a
determinação complexa pela qual todas as instâncias participam de todo e qualquer dos efeitos e
resultados. Althusser a denominou sobredeterminação, um modelo da causalidade que tomou da segunda
tópica freudiana, em que ld, Ego e Superego funcionam dessa mesma maneira para determinar qualquer
efeito no psiquismo: atos, formações do inconsciente etc. O lnstitucionalisrno, em alguns de seus ramos,
tem muito em comum com a proposta althusseriana, à medida que adota essa idéia de sobredeterminação.
Outros setores do Institucionalismo têm sua própria teoria da causalidade social. Por exemplo, no caso de
Deleuze e Guattari, não é uma teoria da sociedade formada por três subconjuntos que, por sua vez,
formam o conjunto total, mas uma sociedade reticular formada por uma grade aberta, uma malha de
funcionamentos interpenetrados que são simultaneamente psíquicos, tecnológicos, econômicos, políticos,
semióticos e naturais e estão ordenados em três superfícies: de produção, de registro e de consumo.
Existem outras teorias da causalidade social próprias de outras tendências institucionalistas, mas todas elas
têm em comum a insistência em não separar as determinações psíquicas inconscientes das econômicas,
políticas, técnicas, naturais etc.
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Quanto aos principais recursos teóricos do Institucionalismo, o primeiro a ser abordado será o
conceito de campo de análise. As diversas tendências do Institucionalismo podem constituir o que se
chama – em uma terminologia discutível – um "recorte" da vida social que pode ser desde pequeno até
amplíssimo, desde um estabelecimento até, por exemplo, o que Deleuze e Guattari chamam o "Capitalismo
Planetário Integrado". Isso significa delimitar um objeto ou um campo e aplicarlhe o aparelho conceitual
do Institucionalismo para entendêlo, para saber como funciona, como estão colocadas e articuladas suas
determinações, suas causas, como se geram seus efeitos etc. Esse objeto pode estar constituído por
materiais. muito heterogêneos – por exemplo, as principais correntes do fluxo de capitais no mundo atual
–, e isso dará um estudo como aquele no qual participou recentemente Guattari, que se chama
"Contratempo". Campos de grande porte poderão produzir um livro como o que escreveu Lourau, que se
chama "O Estado e o Inconsciente", uma tentativa de analisar as diversas configurações que o Estado
adquire nos diferentes modos de produção no curso da história, nas diferentes civilizações e a forma como
o Estado se implanta nos sujeitos a nível inconsciente. Esses campos de análise são terrivelmente amplos.
Mas podem ocorrer campos de análise infinitamente menores, como uma análise do significado da festa no
Brasil ou uma análise dos efeitos da comunicação de massa em Caruaru, ou o funcionamento dos
programas de estudo no vestibular, ou da múltipla escolha para o processo de seleção. Isso ainda não
implica necessariamente uma intervenção concreta sobre esse campo assim delimitado; implica um
processo de compreensão, de inteligência dos determinantes desse campo. Por isso denominase campo
de análise.
Outra coisa é o campo de intervenção, que é o "recorte", o espaço delimitado para planejar
estratégias, logísticas, táticas, técnicas para operar sobre este âmbito e transformálo realmente,
concretamente. É claro que o campo de intervenção é, em geral, infinitamente menor que o campo de
análise, porque neste momento é demasiado utópico pensar o planejamento de uma intervenção a nível
nacional continental ou planetário, O máximo que se consegue delimitar são campos de análise
organizacionais. E óbvio, também, que em qualquer corrente de Institucionalismo,
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a constituição de um campo de análise pode estar articulada com um campo de intervenção. Só que um
campo de análise é pensável sem intervenção, mas um campo de intervenção é impensável sem um campo
de análise. Podese compreender e não intervir, mas não se pode intervir sem alguma forma de
compreensão. Em geral quando os dois campos se constituem, eles estão articulados entre si: à medida
que se compreende, se intervém; e à medida que se intervém, se compreende.
O ponto seguinte é a análise da oferta e da demanda, que também temos de tratar sinteticamente,
particularmente dentro do enfoque da análise institucional ortodoxa, cujos autores mais notórios são
Lourau, Lapassade e o pessoal que os rodeia dentro de sua Sociedade Francesa de Análise Institucional.
Eles insistem em explicar que um passo importante para começar a compreender institucionalmente a
dinâmica de uma organização é decifrar, analisar, esmiuçar o pedido que esta organização faz de uma
análise e de uma intervenção. Para dizêla provisoriamente: quais são os aspectos conscientes, manifestos,
deliberados, voluntários deste pedido, e quais são seus aspectos inconscientes e/ou nãoditos. A isso
chamam análise de demanda, que é um dos primeiros passos para entender em que consiste a conflitiva,
em que radica a problemática desta organização solicitante. Mas acontece que, para fazêlo, o
Institucionalismo enfatiza a necessidade de se ter presente a idéia de que a demanda não é espontânea, a
demanda não é o primeiro passo de um processo: ela é produzida, de tal modo que existe um passo
anterior à demanda que é a oferta. A demanda não existe por si. Quando alguns psicanalistas falam hoje
em análise da demanda como a expressão do desejo, eles não têm aparelho teórico para pensar que o
processo não começa aí, que essa demanda de análise foi produzida pela oferta prévia de análise, e está
marcada, modulada, determinada, desde o princípio, por esta oferta. De modo que para compreender a
demanda de análise institucional de uma organização é necessário, antes, incluir a autoanálise, a
compreensão de como a organização analítica gerou esta demanda; ou que relação existe entre a
publicidade, a divulgação científica ou nãocientífica, a proposição direta ou indireta dos serviços que a
organização analítica faz e que não pode não ser causante, geradora ou moduladora da demanda de
serviços que lhe é formulada.
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Um institucionalista muito respeitável e, no meu modo de ver, injustamente pouco conhecido, o
paulista que se chama Guilhòn de Albuquerque, tem uma fórmula que não explica todas as situações, mas
que é muito ilustrativa, e que gosto muito de usar com fins pedagógicos: ele diz que toda organização de
prestação de serviços transmite um recado de maneira mais ou menos consciente ou inconsciente durante
o processo de oferta de suas prestações, que consiste aproximadamente em passar ao usuário uma
mensagem que diz: "Eu tenho o que te falta e, além disso, você não entende, não sabe em que consiste."
Essa mensagem subjaz, está "por trás" de toda oferta de prestação de serviços e, provavelmente, também
de bens materiais. Então, quando essa oferta gera uma demanda, ela não pode estar modulada senão pela
própria oferta. Quem demanda, demanda alguma coisa que já lhe fizeram acreditar que não tem e que o
outro tem. Mas é tão complexa, tão sutil, tão técnica, que ele não sabe o que é. Portanto, para poder dar
o primeiro passo em toda análise de intervenção institucional – que é analisar a demanda, esta análise
deve ser articulada com a forma em que foi produzida, ou seja, com a oferta. Isso exige por parte do
coletivo analisante, o coletivo prestador de serviço, um severo processo de autoanálise de como produzir
a oferta de seus trabalhos. Entre a organização analisante, interveniente, e a organização analisada,
intervinda, vaise produzir uma interseção que gera uma nova organização, que é o verdadeiro objeto de
análise. Não existe aqui, então, uma posição clássica de objetividade: não somos os experts que sabem e a
organizaçãocliente não é um objeto passivo e ignorante. Mas juntos é que vamos tentar entender como é
esta realidade nova que se deu na interseção de nosso encontro.
Outro termo fundamental dentro do Institucionalismo é analisador. A Psicanálise já classicamente,
concebeu o conceito de derivados do inconsciente, formações do inconsciente, formações transicionais ou
transacionais – todos esses termos são sinônimos e designam aqueles fenômenos, sejam eles pontuais ou
mais amplos, como sonhos, atos falhos, lapsus linguae, chistes, sintomas, delírios, que são elementos
privilegiados dentro do material que um paciente apresenta para ser analisado. Esses produtos não são
resultado linear de uma instância ou de um setor da personalidade, não são efeitos exclusivamente
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conscientes, nem exclusivamente préconscientes, nem exclusivamente inconscientes. Não são dados
claramente efetuados pelo superego, nem pelo ego ou o id. São fenômenos resultantes de uma
combinação, de uma mistura, da articulação de uma transição ou de uma transação entre todas essas
instâncias. Por isso é que se chamam, segundo uma das denominações, efeitos transacionais ou formações
transacionais. Só que em Psicanálise estes efeitos têm por característica, pelo menos fenomênica ou
técnica, exprimir exclusivamente a problemática de um sujeito, manifestála, denunciála. O analisador, em
análise institucional, é um efeito ou fenômeno formalmente parecido com esses efeitos privilegiados do
material da Psicanálise. Mas as diferenças são as seguintes:
Primeira: na materialidade fenomênica, na aparência desses fenômenos, não se privilegiam,
absolutamente, os efeitos verbais. Qualquer materialidade pode ser suporte de um analisador, ou seja, um
analisador não é necessariamente um discurso, mas pode ser um monumento, a forma como está
elaborada a planta arquitetônica da organização, pode ser uma característica dos modos de relação que
não está formalizada nem anunciada em parte alguma, ou seja, pode ser um costume e não uma norma,
nem uma lei; pode ser um arquivo, isto é, a maneira como está organizada a memória de uma organização;
pode ser uma distribuição do tempo ou do espaço na organização. E é claro que podem ser também
formas escritas ou faladas do discurso organizacional. Por exemplo, os estatutos, os regulamentos, a carta
de princípios, o organograma, o fluxograma etc. E podem ser os relatos ou as mensagens verbalmente
proferidas pelos integrantes nas entrevistas, nos questionários ou em qualquer forma de comunicação
intersubjetiva. Os mitos, os rituais, o uso do dinheiro, do lazer, da sexualidade, do domínio e o cuidado de
si, etc. Então, a materialidade expressiva de um analisador é totalmente heterogênea. Não é que em
Psicanálise não o seja, porque sabemos que em Psicanálise os comportamentos, as atitudes corporais, a
couraça caracterológica também são considerados formações do inconsciente; só que a Psicanálise tem
uma persistente predisposição a privilegiar os efeitos verbais como sendo os veículos predominantes das
formações do inconsciente, e a. subordinar os outros à compreensão verbal. Isso é claro. Um analisador
não é assim. E essa é a primeira diferença.
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Segunda: um analisador não é apenas um fenômeno cuja função específica é exprimir, manifestar,
declarar, evidenciar, denunciar. Ele mesmo contém os elementos para se auto entender, ou seja, para
começar o processo de seu próprio esclarecimento. Isto não é fácil de ser explicado. Uma formação do
inconsciente é um produto a ser analisado (com uma maior ou menor intervenção do analista). Um
analisador é um produto que pode se autoanalisar. Existem grandes analisa dores e pequenos
analisadores. Um grande analisador é a Revolução Francesa, por exemplo, revolução burguesa, como
todo mundo sabe, produto de determinados encontros e fluxos de forças da decadência da monarquia e
da ascensão da burguesia média, de certo grau de migração do trabalhador do campo para a cidade,
acumulação de capital mercantil e usurário etc. Mas esse analisador também produziu a inteligência de seu
próprio processo com os pensadores da Revolução Francesa e ele foi capaz de autoconduzirse dentro de
certos limites à plenitude da realização de seu destino histórico, que foi marcar o fim do feudalismo e o
início ou as preliminares do capitalismo incipiente e do socialismo real. Mas podem haver pequenos
analisadores, e esses podem ser um conflito dentro da organização, um determinado acidente numa usina
atômica (geograficamente pequeno, pelo menos) etc. Só que esse analisador, colocado em condições
propícias, tem a possibilidade de não apenas manifestarse, mas também de se compreender; ele não
precisa ser analisado de fora, ele predsa que se lhe aportem condições para autoanalisarse, sendo
assumido por seus protagonistas. E dessa maneira, não apenas é capaz de enunciar, como também de
resolver a situação da qual ele é emergente. Nesse sentido, existem os chamados analisadores naturais –
que é uma expressão inadequada, porque analisadores naturais são os terremotos, e, realmente, a análise
institucional nunca conseguiu compreender, pelo menos nos seus aspectos geológicos, este tipo de
fenômeno, não está preparada para isso. "Natural" quer dizer espontâneo, que também é uma má
expressão, porque espontâneos todos são. Então, a definição correta é dizer que são analisadores
históricos, ou seja, que a própria vida históricosocialnatural os produz por conta própria como resultado
de suas determinações. E existem analisadores artificiais ou construídos, que são dispositivos que os
analistas institucionais inventam, introduzem
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nas organizações para propiciar o processo de explicitação dos conflitos e de resolução dos mesmos. É
importante enfatizar que os analistas institucionais na prática técnica, ao nível de produção de analisa dores
construídos, se valem de todo e qualquer recurso, seja de tipo artístico, cenográfico, dramático,
procedimentos de tipo ativista, político, montagens de tipo propriamente científico, experimental, lógico,
sociológico, antropológico e manobras do tipo" convivência prolongada", em que o analisador institucional
passa a fazer parte orgânica do conjunto que vai estudar, produzindo assim um artefato próximo à vida
cotidiana.
O passo seguinte será falar da análise da implicação.
Felizmente já antecipamos um pouco sobre ela através da análise da oferta. A implicação se define como o
processo que acontece na organização de analistas institucionais, na equipe de análise institucional, a raiz
de seu contato, de sua interseção com a organização analisada, intervinda. Também é um conceito que tem
certa dívida com a chamada contra transferência da Psicanálise. Só que a contra transferência em
Psicanálise é a reação – consciente ou inconsciente – que o material do paciente produz no analista; e na
análise institucional a implicação não é apenas um processo nem psíquico nem inconsciente, mas um
processo de materialidade múltipla, complexa e sobredeterminada, um processo econômico, político,
psíquico heterogêneo por natureza, que deve ser analisado em todas as dimensões. E não é apenas
reativo, ou seja, não é a resposta da equipe interventora e analisadora ao contato com seu objeto, pois é
prévia a este contato; não começa no usuário: é recíproco, é simultâneo e é parte indissolúvel do processo
de análise da organização, ou seja, é o contrário de uma análise "objetiva". É, como está claro nas ciências
físicas, a análise da interação, da interpenetração destas duas organizações, uma análise variável da relação
entre o sujeito e o "objeto". Poderseia dizer que não deixa de ser parecida com uma dás definições que
Freud dá de contratransferência como transferência recíproca. Em continuação, veremos rapidamente
alguns termos, sendo que, de alguma forma, os retomaremos na exposição correspondente aos itens que
compõem o roteiro de uma intervenção institucional típica, que denominamos standard. Insistiremos uma
vez mais em que estas definições, cuja finalidade é basicamente transmitir noções introdutórias para os
principiantes interessados no movimento,
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seguramente não serão nem exaustivas nem precisas. As mesmas estão armadas com sentidos diversos e
heterogêneos tomados de diferentes obras e autores, artificialmente extraídas dos contextos teóricos, mais
ou menos sistemáticos, em articulação com os quais adquirem seus significados prevalecentes. Sempre
será possível voltar sobre estas noções nos textos da bibliografia que lhes são mais específicos para
multiplicar e precisar suas acepções.
No Institucionalismo denominase equipamentos a uma série de organizações, estabelecimentos,
aparatos, maquinarias e tecnologias muito diversificados e inclusivos, de grande, médio ou pequeno porte,
cuja finalidade fundamental (mas não única) está a serviço da repressão, do registro ou do controle social.
Uma das maneiras possíveis de classificálos é referindose ao tipo e grau de violência que empregam para
cumprir sua função, enfatizando, além do mais, que sua condição é mais propriamente determinada por
essa função que por sua materialidade, estrutura, forma etc. Alguns exemplos conspícuos de equipamentos
são os que certa tradição marxista chamava de "aparatos". Estes cumprem funções eliminatórias,
segregacionistas ou punitivas (como por exemplo, as Forças Armadas, a Polícia, a censura cultural ou a
Psiquiatria supressiva). Outros apontam para a doutrinação ou a informação tendenciosa (certa orientação
da Religião, da Educação, da Comunicação de massas ou a Família).
Mas um equipamento pode ser também uma determinada organização beneficente, ou certa
modalidade de uso de um meio de transporte ou de um eletrodoméstico, assim também como técnicas de
cuidado e gerenciamento da personalidade por parte das forças repressivas. O certo é que os
equipamentos são predominantemente funcionais ao poder (seja do Estado ou das entidades civis e
privadas hegemônicas) e a reprodução da ordem constituída entendida como a soma do
instituídoorganizado.
De um dispositivo pode, de alguma maneira, dizerse que é o contrário de um equipamento.
Tratase de uma montagem (termo que freqüentemente se utiliza em cinematografia, teatro ou nas artes
plásticas) de elementos extraordinariamente heterogêneos que podem incluir "pedaços" sociais, naturais,
tecnológicos e até subjetivos. Um dispositivo caracterizase pelo seu funcionamento, sempre simultâneo a
sua formação e sempre
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a serviço da produção, do desejo, da vida, do novo. Um dispositivo formase da mesma maneira e ao
mesmo tempo em que funciona, gerando acontecimentos insólitos, revolucionários e transformadores.
Embora seu tamanho e duração sejam tão variáveis quanto as materialidades que o compõem, têm a
peculiaridade de nascer, operar e extinguirse enquanto seu objetivo de metamorfose e subversão histórica
se realizam. Um dispositivo em geral não respeita, para sua montagem e funcionamento, os territórios
estabelecidos e os meios consagrados; pelo contrário, os faz explodirem e os atravessa, conectando
singularidades cuja relação era insuspeitável e imprevisível. Gera, assim, o que se denomina linhas de fuga
do desejo, da produção e da liberdade, acontecimentos inéditos e invenções nunca antes conhecidas.
Nesse sentido é óbvio que os dispositivos, também chamados agenciamentos, têm a ver com a
transversalidade (conceito que já antecipamos e que definiremos mais adiante) e, num sentido restrito, com
o instituinteorganizante.
Um grupo político sujeito (quer dizer, que se dá seus próprios meios e leis inseparáveis de seus fins
e que não pretende persistir mais além de seu objetivo revolucionário), uma obra artística, um
descobrimento científico, um pensador original e libertário, um inovador dos costumes sexuais ou das
convicções éticas podem constituirse num dispositivo, assim como podem sêlo certa arrumação de
máquinas técnicas (como as rádios livres) ou de defesa da natureza (como os movimentos ecológicos). Por
último, digamos que um dispositivo não é a obra de indivíduos ou sujeitos, ele os inclui, os constitui e os
"maquina" para concretizar suas realizações.
Em diferentes momentos da constituição de um campo de análise e/ou intervenção, os
institucionalistas efetuam vários tipos de diagnósticos – sempre provisórios – da estrutura, dinâmica,
processos, contradições principais e secundárias, opositivas e antagônicas, conflitos, defesas, mecanismos,
magnitudes de produção, reprodução e antiprodução, analisa dores, potências, poderes, territórios, linhas
de fuga, equipamentos, dispositivos da área ou organização intervinda. O diagnóstico é importante para
justamente instituir, organizar, planejar, antecipar, decidir os passos que comentaremos em seguida, tais
como contrato, estratégia, logística, táticas, técnicas: Isso sem esquecer que boa parte do percurso é
imprevisível.
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Os institucionalistas, para efetuar análises – seguidas ou não de intervenções, precisam fazer
acordos, pactos, convênios (ou como se queira chamálos) com as organizações, estabelecimentos ou,
simplesmente, com os coletivos de usuários "clientes". A estes acordos costumase denominar contrato.
Eles versam sobre os compromissos mútuos em que se explicitam os respectivos deveres e direitos das
partes interessadas. Em muitos aspectos o contrato institucionalista é semelhante a qualquer outro de
prestação de serviços. Trata principalmente de tempo (duração total, freqüência dos trabalhos), honorários
ou outro tipo de retribuição, delimitação de objetivos e autorização de acesso aos materiais de
investigação, promessa de sigilo quanto à informação obtida durante a investigação etc. Como veremos, é
importante estar atento ao fato de que nem sempre o contrato representa um acordo com a totalidade do
coletivo intervindo, mas com certos segmentos do mesmo. Por outro lado, tem especial significação qual é
a relação jurídica (emprego, serviço profissional independente, solidariedade militante etc.) que fundamenta
o contrato. Mas o essencial a recordar é que o contrato no Institucionalismo não é uma operação
comercial externa ao processo que a intervenção como serviço deflagra. Os diversos aspectos do
contrato: tempo, dinheiro, contratantes, objetivos, expectativas, são analisadores, emergentes da
problemática a ser pesquisada. Seu tratamento já é parte ativa da análise e da intervenção.
Designase por logística o balanço que os institucionalistas fazem de todas as forças, habilidades,
elementos, recursos etc. de que se dispõe ao começar uma intervenção; quer dizer, com que se pode
contar a favor e contra para poder levar o trabalho adiante com um mínimo de possibilidades de
realização.
A estratégia sistematiza os grandes objetivos a serem conseguidos (cuja máxima expressão é a
autoanálise e autogestão do coletivo intervindo), assim como a progressão das manobras, dos espaços e
territórios que se colocarão, a previsão de vicissitudes, opções, alternativas, avanços, retrocessos etc.
As técnicas são pequenos segmentos nos quais se decompõe a estratégia. Para dar um exemplo
bélico, totalmente metafórico: a estratégia decide se será uma guerra de ocupação, de fronteiras, punitiva
ou de extermínio parcial; se essa guerra se dará por terra, mar ou ar, quais serão os aliados, simpatizantes,
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neutros e inimigos etc. As táticas referemse a batalhas circunscritas, à área onde se desenvolvem, à
participação da infantaria, cavalaria, o horário, os movimentos de tropas etc. As técnicas, prosseguindo
com a metáfora, aludem aos armamentos propriamente ditos: fuzis, morteiros, granadas etc.
No Institucionalismo é fácil fazer a transposição do que seja a logística, a estratégia e as técnicas do
campo bélico ao campo da intervenção, sem tomálas ao pé da letra. É interessante enfatizar
drasticamente que no Institucionalismo, uma vez que se adquira uma base de entendimento do panorama
de uma organização e se concretizem os primeiros dispositivos para um contrato e diagnóstico provisórios,
enquanto já se têm, baseados nisso, esboços de uma logística, estratégia geral e primeiras táticas, a eleição
de técnicas é consideravelmente livre. Quer dizer; será ditada pela inspiração e o treinamento, assim como
pelas predisposições pessoais da equipe operadora, objetivo geral e imediato perseguido e momento e
peculiaridades do coletivo em pauta.
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO IV
1) Qual é o sentido dos termos sujeito, desejo e sobredeterminação em suas teorias de origem e no
lnstitucionalismo?
2) Que diferença existe entre os conceitos de campo de análise e campo de intervenção?
3) O que significa dizer que a análise da oferta deve preceder a da demanda?
4) O que é análise da implicação?
5) O que são: analisador, equipamento, dispositivo, logística, estratégia, táticas e técnicas?
70 ▲
Capítulo V
AS TENDÊNCIAS MAIS CONHECIDAS DO INSTITUCIONALISMO
Tentarei resumir três modalidades de Institucionalismo que não são as únicas, nem necessariamente
as mais importantes, mas são as que mais notoriedade têm atingido. São também as mais difundidas,
particularmente aqui no Brasil. Terei de ser muito esquemático. Tentarei uma espécie discutível de
classificação, de graduação entre essas três tendências.
Em termos, digamos, políticos, eu diria que da primeira enunciada – a Sociopsicanálise de Gérard
Mendel – à útima – a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari –, existe uma graduação à medida que Mendel
articula uma concepção mais ou menos tradicional da Psicanálise com uma igualmente ortodoxa do
Materialismo Histórico. Produz, assim, uma forma de abordagem das organizações e das instituições que,
poderíamos dizer, é politicamente moderada, se é que tal termo exprime alguma coisa. Já a Análise
Institucional de Lourau e Lapassade e a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, eu diria, são propostas
políticas mais subversivas, mais enérgicas, mais ativas, com certos matizes diferenciais entre elas, que
podemos tratar de caracterizar nesta exposição. Então, contar com certo conhecimento de
71 ▲
Psicanálise e do Materialismo Histórico (entre outros saberes) é necessário para podermos explicar isto de
forma breve, introduzindoos nesta teoria, metodologia e técnica sociopsicanalíticas.
A Psicanálise é uma disciplina que foi exigida pela prática clínica. Ela se ocupa da psicopatologia
com uma expectativa de cura, mas, no seu percurso e desenvolvimento, Freud criou também uma teoria da
estrutura e do funcionamento do psiquismo "normal". Nesta teoria distinguemse, na constituição do
psiquismo, duas séries assim chamadas: a série disposicional e a série desencadeante. Essas séries
denominamse complementares. Tudo que acontece na vida psíquica, tudo que se pode considerar
fenômenos ou efeitos da estrutura do psiquismo é determinado pela articulação entre estas duas séries. A
série disposicional é composta pelos elementos heredogenéticos que um sujeito psíquico tem e que lhe são
legados por seus progenitores, ou seja, pelos sujeitos psíquicos que o geraram. Acrescentese a isso as
experiências da infância precoce. Então, o hereditário mais as experiências tidas durante a gestação, mais
as correspondentes ao parto e primeira infância, tudo isso fica registrado e organiza o psiquismo segundo
uma das séries: a série disposicional. Mas com essa série disposicional e a partir de quando começa a
chamada latência, isto é, com o fim do complexo de Édipo (classicamente entre os cinco e seis anos de
idade), o sujeito se incorpora plenamente à vida social, adquire contato com os grupos chamados
secundários, grupos de jogos, de estudo, de educação, grupos sociáveis no sentido amplo. Seu Superego
está instalado e com ele o sistema de valores consciente e inconsciente que vai classificar seu mundo de
significações. As marcas que têm deixado nele as experiências libidinais e dolorosas prévias adquirem
retroativamente sentidos morais. Suas representações são secundariamente recalcadas e estão prestes a
retornar do recalcado. Em seguida, continuam sucessivas incursões nas atividades e grupos sociais que
fazem com que o sujeito atravesse uma situação diferente atrás da outra, e que tenha de enfrentar essas
circunstâncias com a bagagem disposicional que traz. Essas eventualidades vão exigir de seu aparelho
psíquico uma série de movimentos e de adaptações, de criação e de transformação. Algumas dessas
situações são altamente tensionantes, intensamente pressionantes para o
72 ▲
psiquismo. Quando a série dessas experiências, constituída pelas situações da vida, atua sobre a série
disposicional que o sujeito traz, pode resultar numa falha do sujeito no processo de simbolização e reação
produtiva diante dessas exigências situacionais. E isso resultará na doença psíquica, em sintomas. Então o
adoecer psíquico – e também a "normalidade" – são produtos desta articulação entre a série disposicional
e a série desencadeante; pode efetuarse em comportamentos ativamente adaptativos, sublimatórios, ou
pode ser causante de processos patológicos. Outra forma de referirse à série disposicional é qualificála
de acordo com o grau em que o sujeito conseguiu, durante sua primeira infância, resolver, elaborar – ou
não – o chamado Complexo de Édipo, que constitui o núcleo central de sua série disposicional. Se não
resolver, então esse desenvolvimento vai ficar afetado por "pontos de fixação". Então, quando a série
desencadeante atua sobre a disposicional, gera no psiquismo um processo de regressão a esses pontos de
fixação. O psiquismo vai funcionar de uma maneira primária, arcaica, e isto é que vai resultar no retorno do
recalcado como sintoma. Logicamente, cada sujeito é singular, único, irrepetível, e as configurações da
série desencadeante – que podem gerar patologia, atuando sobre a série disposicional – são totalmente
variáveis. É por isso que uma situação que desencadeia uma patologia para um sujeito (porque atua sobre
determinada série disposicional), não é patologizante para outro sujeito (que tem uma série disposicional
diferente). No entanto, a Psicanálise costuma dizer que existe uma maneira de sistematizar, de universalizar
quais são os traços das situações desencadeantes capazes de produzir patologia em geral. Essas são
experiências de frustração, experiências de privação, e experiências daquilo que em Psicanálise se chama
castração. Apesar de não podermos desenvolver agora, é importante assinalar que entre frustração,
privação e castração existem diferenças. Privação referese à falta de subsídios para necessidades
biológicas, concretas; castração referese a um tipo de falta de caráter libidinal (a castração é castrâção do
desejo), ao passo que a frustração é um desengano de amor. Ou seja, são exigências diferentes, faltas
diferentes cuja elaboração ou não gera efeitos diferentes. Elas, em geral, atuam em conjunto. De um ponto
de vista mais amplo, sociopsicanaliticamente falando, poderíamos resumir esses três
73 ▲
tipos de carências, esses três tipos de falta, em uma experiência de impotência, em uma experiência de
incapacidade, porque se trata de um sujeito relativamente indefeso, em estado de menos valia, exigido por
situações que o tornam carente. A carência, por sua vez, é produto da regressão ao estado de
dependência e de impotência iniciais do sujeito. Então, o que lhe fazem sentir é sua impotência para
resolver essas situações. Isso é o que desencadeia o processo regressivo a um ponto de fixação, atuando
sobre a série disposicional, e assim gerando a patologia, os sintomas e os quadros das doenças. O sujeito
se refugia em soluções imaginárias e fantasmáticas que eram as únicas de que dispunha no seu estado de
criança indefesa.
Até agora ficamos restritos ao campo estritamente psicanalítico. Agora, acontece que as
formulações da Psicanálise são elaboradas para os sujeitos "individuais", para os sujeitos enquanto
"pessoas" isoladas. Apesar da Psicanálise nunca ter pretendido negar que os sujeitos psíquicos não vivem
isolados, porque se relacionam sempre com um'outro – e é do outro que vem a frustração, a castração e a
privação, na verdade, nem o sujeito nem o outro são pensados como coletivo real, não são concebidos
como grandes conjuntos humanos, cuja existência depende de uma obrigada e necessária associação. Por
isso é que Mendel tenta acrescentar ou articular as postulações psicanalíticas com as postulações clássicas
do Materialismo Histórico. Uma das primeiras afirmações do Materialismo Histórico é que para produzir e
reproduzir, ou seja, manter a vida humana sobre o planeta, os homens tiveram que associar se, que
estabelecer uma aliança entre si para, fundamentalmente, dominar a natureza e colocála a seu serviço.
Isso porque a natureza não é espontaneamente benévola com o homem. Ela o agride e lhe nega muitos dos
elementos de que ele precisa para sobreviver. Então o homem desenvolveu, nessa associação coletiva, um
processo de trabalho que é um procedimento de transformação, de domínio da natureza para que ela se
lhe tornasse propícia. Todos sabemos que o homem, como animal biológico, é particularmente fraco: ele
não tem pêlo, não tem couro, não tem garras nem dentes fortes; é lento, frágil. Inclusive, no momento do
nascimento, o homem é dos animais mais particularmente indefesos e incapazes, tanto que seu processo de
gestação tem de completarse depois de seu nascimento,
74 ▲
através de uma longa criação totalmente dependente, que leva pelo menos dois ou três anos. Então o
homem compensou, e em parte piorou, essa sua fraca defensividade, com seu processo histórico de
associação coletiva para trabalhar em conjunto com a finalidade de dominar a natureza. Digo que em parte
compensou porque isso foi o que o transformou naquilo que pitorescamente se chama "o Rei da Criação".
Também em parte piorou porque na dimensão em que o homem se transforma, por sua associação, em
uma espécie poderosíssima, cada um de seus membros nasce cada vez biologicamente mais fraco. Na
medida em que se desenvolvem as máquinas e os elementos técnicos, nossa dotação biológica está cada
vez pior. Talvez acabaremos tendo uma" grande cabeça" e nada mais. Neste processo associativo, então,
o homem tem de lutar não apenas contra os imensos poderes da natureza (que ele tem chegado a controlar
em alta proporção, mas que está longe de controlar em sua plenitude), mas tem de aprimorar o
desenvolvimento da palavra, da linguagem e outras formas de comunicação inter humana, o
desenvolvimento da inteligência, do processo de pensamento do cérebro humano, o desenvolvimento das
máquinas – que em princípio podem ser pensadas como enormes extensões ou ampliações dos membros e
dos sentidos humanos. O gênero humano adquiriu um grande poder, mas ele não controla totalmente as
forças naturais. Elas o ameaçam sempre. Não apenas as forças naturais externas a seu corpo, como
também aquelas internas a seu corpo, que forma parte da natureza. A natureza é brava, e o corpo é frágil.
Mas o homem tem outro inimigo perigoso, que são os problemas gerados pela própria organização que ele
tem de se dar para se converter numa entidade coletiva. Então, segundo a versão tradicional, o homem,
para poder associarse e formar essas fortes civilizações, teve de aceitar muitas restrições, teve de
submeterse e privarse de muitas coisas para atingir esse poder coletivo. Ou seja, o homem teve de
darse leis, instituições, organizações, aparelhos, tais como descrevemos, para preservar esta união, que é
difícil, exige muito sacrifício de seus integrantes. Mas o pior de tudo é que nunca funciona bem, geralmente
é imperfeita. E isso traz como conseqüência o fato de que a associação entre os homens não é eqüitativa,
fraterna nem justa, e que a distribuição dos sacrifícios, dos esforços e dos benefícios é desigual entre eles.
Isso dá lugar
75 ▲
a fenômenos que podemos detectar como universais e onipresentes na história da humanidade, que são a
exploração de um setor da humanidade por outro, a dominação de um setor da humanidade pelo outro, a
mistificação e a manutenção da ignorância de um setor da humanidade por outro. Isso faz com que as
ameaças da natureza e do corpo se somem às ameaças da organização social, da injustiça ou do fracasso
da ordem civilizatória. Cada organização histórica, cada civilização, cada modo de produção da vida
humana sobre a terra tem suas modalidades de dominação, de exploração e de mistificação. Mas o modo
de produção capitalista é o modo de produção que atingiu o maior grau de extensão e de universalidade
sobre o planeta. É também o modo de produção em que esta associação humana temse tornado mais
poderosa e mais capaz de dominar a natureza, produzir riqueza e elevar o padrão de vida dos seres
humanos. O muito conhecido filósofo Marcuse diz que chegamos à era da abundância, porque temos
adquirido um poder produtivo inédito na história da humanidade. Mas nem por isso, sabemos muito bem,
temos conseguido superar os fenômenos da exploração, dominação e mistificação que no capitalismo
adquirem características muito próprias. Então, o que acontece? Os homens associados, cuja principal
potência é a capacidade de trabalho coletivo, encontramse diante do fato de que o fruto de seu trabalho
não lhes retorna na medida em que eles deveriam ser seus legítimos proprietários. O poder sobre a
natureza, o poder sobre o controle dos fenômenos da vida, também é injusta e desigualmente repartido.
Com o saber acontece a mesma coisa. A imensa maioria dos; homens que trabalham reunidos vivem uma
situação de impotência, e não é apenas a fragilidade perante a natureza, frente à condição mortal e frágil de
seu próprio corpo, mas a incapacidade devido à desigual distribuição da riqueza, do poder, do prestígio e
do conhecimento. Então, de uma forma ou de outra, poderíamos dizer que se tomamos a formulação
psicanalítica de uma impotência fundamental, que se converte no elemento central da série desencadeante,
e a articulamos com o Materialismo Histórico, podemos dizer que, no sentido coletivo, a experiência
universal de impotência, que gera os processos patológicos, é produto dessa desigual distribuição da
riqueza, do resultado do trabalho, do poder e do prestígio, que faz com que quem gera esses valores, ou
seja, a imensa maioria da 76 ▲
humanidade que trabalha, não desfrute dos resultados deste esforço. Então, o que Mendel vai afirmar é
que, se isso é verdade (e é difícil admitir que não o seja), o lugar onde deve ser estudada a experiência
essencial da impotência e o desencadeamento dos processos patológicos é o "lugar natural" em que os
homens se associam para exercer sua potência, ou seja, nos âmbitos de trabalho. Para Mendel, as
vicissitudes individuais dessa experiência de impotência não serão nunca compreendidas se não forem
analisadas num sentido coletivo e no lugar pertinente onde elas acontecem, que é no lugar de produção. O
que Mendel diz é que isso deve ser abordado nas organizações de trabalho, entendendo o trabalho num
sentido muito amplo, não apenas trabalho industrial, mas também trabalho escolar, médico, comercial, ou
seja, não apenas produção de bens de consumo, mas também produção de serviços; e assim por diante.
Mendel diz que quando se abordam os coletivos que formam parte dessas organizações, é fácil ver que
esses conjuntos vivenciam, de mil maneiras diferentes, essa experiência de impotência devido às condições
do trabalho alienado no capitalismo. E essa experiência de impotência gera neles, incidindo sobre a série
disposicional de cada um deles, um processo regressivo. Só que esta regressão não deve ser pensada
como sendo da ordem individual, mas da ordem coletiva. Por isso, a regressão que se produz é uma
regressão de um funcionamento psíquico que Mendel chama psicosocial ou psicoinstitucional a um outro,
chamado funcionamento psicofamiliar. Isso consiste num processamento psíquico em que o imaginário e o
inconsciente já não estão em relação de retificação com o real, ou seja, recaise num funcionamento em
que os sujeitos vivem uma vida fantasmática – e não uma vida simbólica, adequada às circunstâncias
concretas que os rodeiam, com um conhecimento simbolizado do que está acontecendo na realidade. Esta
experiência de impotência gera uma regressão do psicoinstitucional ao psicofamiliar, no sentido em que
os sujeitos vão definir esse campo real em que estão como se fosse uma situação familiar arcaica pela qual
já passaram, quando se estava construindo sua série disposicional. Ou seja, eles vão viver a situação de
trabalho, a situação organizacional como se essa fosse uma situação familiar arcaica. E as figuras
determinantes reais dessa situação atual vão transformarse para eles nas figuras imaginárias de sua
situação familiar. Em
77 ▲
conseqüência, reagirão de uma maneira irreal e fantástica, como acontecia na sua infância, em que,
objetivamente, eles eram pequenos, sós e impotentes, e não tinham outra forma de solucionar essa
situação senão refugiandose num mundo de fantasia. Devido a essa regressão que mencionamos, o
coletivo institucional como um todo faz uma regressão arcaica, familiar, e também se refugia no mundo da
fantasia. Tenta solucionar seus problemas de impotência mediante saídas mágicas, imaginárias, como
sintomas, atuações, inibições, delírios, somatizações, enfim, como tudo quanto constitui a patologia
biopsicosocial. Então, se isso está mais ou menos entendido, a proposta de Mendel é a de deflagrar
dentro dessa classe institucional um processo de autoanálise, feito em colaboração com uma equipe
interveniente, que permita aos integrantes deste coletivo fazer a crítica e obter a compreensão da regressão
que os afeta, chegando à ressignificação simbólica de sua regressão imaginária, para poder ter de novo um
acesso ao real atual, que estão negando, desconhecendo. Dessa maneira, recuperarão uma definição
correta das circunstâncias que lhes permitirão assumir seu verdadeiro poder como classe institucional,
porque, afinal de contas, eles são os produtores da riqueza, eles são os geradores do poder e eles são os
que merecem prestígio.
Este processo opera teoricamente, como já dissemos, com pontos de vista e postulações
perfeitamente clássicas da Psicanálise e do Materialismo Histórico. A metodologia de intervenção
conserva muitas das características da intervenção psicanalítica, sobretudo o recurso interpretativo. É
preciso apenas sublinhar que o conceito de "cura" não é individual, mas coletivo, e não passa
exclusivamente pela tomada de consciência e pela supressão dos sintomas, mas exige um movimento
coletivo concreto de recuperação da margem de poder possível, que se tem perdido devido à regressão
do âmbito psicoinstitucional ao psicofamiliar.
Agora resumiremos a posição de Lourau, Lapassade e seus companheiros – que são, senão os
criadores exclusivos, pelo menos os que desenvolveram esta proposta que se chama Análise Institucional.
Tentando outra vez uma síntese, que por tratar de ser clara pode resultar empobrecedora, digamos o
seguinte:
Para a Análise Institucional, uma sociedade está ordenada por um conjunto aberto – quer dizer,
não totalizável – de
78 ▲
instituições. Uma instituição é um sistema lógico de definições de uma realidade social e de
comportamentos humanos aos quais classifica e divide, atribuindolhes valores e decisões, algumas
prescritas (indicadas), outras proscritas (proibidas), outras apenas permitidas e algumas, ainda,
indiferentes. Essas lógicas podem estar formalizadas em leis, em normas escritas ou discursivamente
transmitidas, ou podem ainda operar como costumes, quer dizer, como hábitos nãoexplicitados. As
citadas lóÓgicas se concretizam ou se realizam socialmente em formas materiais ou "corporificadas" que,
segundo sua amplitude, podem ser: organizações, estabelecimentos, agentes, usuários e práticas. Cada
instituição é universal, ou seja, indispensável para toda e qualquer sociedadet mas para realizarse em suas
formas concretas passa por um momento de particularidade e outro de singularidade única e irrepetível.
Se bem que cada momento da instituição seja positivo (digamos: é como ela sabe ser em si
mesma), também tem uma relação.de negatividade consigo mesmo, com referência aos outros e em
relação ao sistema global que as instituições integram e que, ainda que seja de maneira aberta, as engloba.
Essa característica faz com que quando se analisa uma instituição, como por exemplo, uma norma universal
(digamos as relações de parentesco), uma modalidade particular do matrimônio poligâmico, ou um caso
singular do casamento de um casal em uma colônia de mórmons norteamericanos, a partir da organização
positiva e visível em que essas relações se concretizam, tendese a atribuirlhe funções inteiramente claras,
eficientes e em geral consideradas necessárias, indispensáveis, úteis etc. Assim consideradas, essas
entidades, tanto para o saber espontâneo de seus agentes sociais quanto para os experts que as
descrevem, ocultam funcionamentos divergentes, contraditórios e antagônicos que só se evidenciam
quando se decifra ou se entende as maneiras em que, como dizíamos, cada uma é negada pela outra ou
pelo sistema integral. Em palavras diferentes, é preciso considerar como cada uma destas instâncias está
ausente no seio das demais, e essa ausência é registrada como um nãosaber, que é parte do saber
espontâneo ou técnico que se tem de cada uma delas.
A Análise Institucional não é, então, um supersaber ou um metasaber absoluto que poderia dar
conta de todos estes
79 ▲
desconhecimentos, positivando de uma vez por todas o tecido social. Pelo contrário: tratase de uma
investigação permanente, sempre lacunar e circunscrita de como o nãosaber e a negatividade operam em
cada conjuntura.
Por exemplo, no caso das organizações do trabalho, a Análise Institucional parte da idéia de que,
devido ao processo que se chama "divisão técnica e social do trabalho", cada coletivo de uma organização
está alienado no nãosaber, no não conhecer quais são as condições reais em que está trabalhando. É
vítima, digamos assim, de um desconhecimento que, em parte, é um desconhecimento devido à
desinformação e à estrutura e funções mesmas de instituições e organizações; é a ausência de um
conhecimento que nunca foi adquirido. Mas, em parte, é vítima de um processo de doutrinamento ativo
por parte das classes dominantes que lhe transmitem uma definição do mundo, uma noção do processo de
trabalho, dos objetivos da vida, dos valores, do sentido da existência e uma definição da função das
organizações que lhe é profundamente desfavorável e que o faz compactuar com o poder, com as classes
dominantes. É o que o Marxismo chamava, classicamente, de Ideologia. Sobretudo é o aspecto alienado
da Ideologia, entendida num sentido menos amplo e mais restrito às organizações, que o mesmo Marxismo
não sabe decifrar. Isto é, esse mesmo processo de impotência, ao qual se referia Mendel, existe nas
organizações, porque quem é o proprietário dos meios de produção, dos meios de decisão, também é
proprietário de um saber. E cada saber envolve um poder: a propriedade de um saber possibilita o
exercício do poder tanto nas organizações capitalistas quanto nas socialistas. Esse poder é entendido
como a imposição da vontade das classes ou setores dominantes sobre as classes ou setores dominados,
das classes ou setores exploradores sobre as classes ou setores explorados. Isso gera, em todas as
organizações, o fato, como diria Mendel, da classe institucional trabalhadora, tanto nas suas bases como
nos estratos que lhe são próximos, desconhecer os principais vetores que ordenam a organização na qual
está inserida. Ela considera indiscutivelmente indispensável o papel do capital como "criador de fontes de
trabalho", ela considera absolutamente necessária a organização da produção destinada a gerar
mercadorias (e não a gerar bens de uso), ou destinada à produção de armamentos exigidos pela belicracia
de Estado. Ela
80 ▲
considera necessária a existência de hierarquia técnica e burocrática em que uma posição de maior saber
dá, "naturalmente", uma posição de maior poder. E não teria de ser assim, forçosamente. E assim apenas
porque a divisão técnica do trabalho se faz coincidir com uma divisão social. Mas a divisão técnica não
deveria implicar nenhum privilégio social. Então, tratase de criar um dispositivo no qual os coletivos
possam analisar cada um dos fenômenos de malestar, de conflito, de impotência, de disfunção que
aparece devido a toda esta divisão injusta e perversa do trabalho. Isso constitui parte do nãodito
institucional. Em um sentido amplo, o nãodito compreende a relação de nãosaber que cada momento da
instituição guarda com respeito ao outro e o nãosaber que cada saber contém pelo fato de ser específico.
Esses analisadores são muitos, como já dissemos anteriormente. Alguns deles são" espontâneos",
outros são construídos pelos interventores institucionais. Mas os que podem delimitarse com maior
freqüência são, por exemplo, o analisa dor "dinheiro", o analisador "sexo", o analisador "prestígio", o
analisador "poder". São fenômenos conflitivos, são vivências sofridas, são acontecimentos mais ou menos
explosivos, são lugares de atrito que estouram nas organizações devido ao fato de elas estarem destinadas
a um trabalho que produza não apenas um produto cujo resultado não seja planejado e reassumido por
aqueles que o produzem, mas também uma série de relações humanas distorcidas, monstruosas, que
geram essa experiência de impotência. Então, essas contradições vão estourar em fenômenos como o do
absenteísmo, como o da diminuição da produção, incidência do alcoolismo, da tóxicodependência, de
acidentes de trabalho, conflitos, brigas, incomunicabilidade, rebeldia e revolta estéril, arbitrariedades que
as classes dominantes da organização costumavam, e ainda costumam, solucionar drasticamente, com
medidas disciplinares; tudo isso as classes institucionais dominadas podem também tentar solucionar com
certo tipo de respostas individualistas, desordenadas ou autodestrutivas. Então as classes e grupos
dominantes, na modernidade, descobriram uma disciplina que hoje se pode chamar de diversas maneiras –
Recursos Humanos, ou Psicologia Organizacional, ou Relações Públicas, ou Relações Humanas –, que se
destina a transformar toda essa problemática em uma
81 ▲
simples questão de negociação ou comunicação. Tratase de colocar os quadros em contato para que
solucionem esse assunto conversando, negociando ou vivenciando, relaxandose, mas sem sair da lógica
do sistema, sem que se tome consciência de como as determinantes básicas da alienação são as
causadoras dessa problemática. O que a Análise Institucional propõe é a criação de dispositivos para que
o coletivo se reúna e discuta, exaustivamente, esses fenômenos, e descubra a maneira como esses efeitos
antiprodutivos são a expressão, a conseqüência, tanto do nãosaber das contradições da estrutura e da
função do sistema, como um desvio das forças críticas, das forças revolucionárias, das forças subversivas.
Tratase de criar condições para que possam, dessa maneira, correlacionar esses analisa dores com suas
causas e dar conta delas – de forma a adquirir consciência de que não vão poder solucionar esses
fenômenos sem uma ampla reformulação da estrutura e do processo produtivo em si mesmo, mas nas
formas peculiares que este adquire em seu caso singular.
O objetivo, podese ver, é parecido com o de Mendel. Em todos os dois há certa semelhança,
mas também diferenças. O objetivo último é propiciar a autoanálise e a autogestão, ou seja, a
recuperação do poder de organização e do autogerenciamento do processo produtivo, eliminando as
situações de burocracia, de imposição, de dissociação – não a diferenciação técnica, que é necessária,
mas a dissociação e hierarquização social do trabalho. Mas a Análise Institucional é mais crítica com a
Psicanálise e o Materialismo Histórico que a PsicoSocioanálise.
Um dos aspectos importantes desta postura é a afirmação de que a equipe interventora também é
uma organização e que ela também pode sofrer os efeitos desta divisão técnica e social do trabalho. E que
também existe para ela um certo desconhecimento de como as características gerais do sistema incidem no
trabalho coletivo que ela está realizando; a isso se chama "implicação". Então, a equipe interveniente
também vai integrarse com a organização intervinda numa organização compartilhada, na qual vão poder
analisar os fenômenos de alienação de uma e de outra. De modo que esse processo autogestivo e
autoanalítico, que vai tentar deflagrar na organização intervinda, vai ser ocasião de poder analisar também
os seus próprios conflitos da mesma natureza. Finalmente, cabe
82 ▲
esclarecer que uma intervenção pode fazerse "a frio", quando se pratica sobre uma organização
circunscrita, com uma conflitiva mais ou menos moderada, ou "a quente", quando se opera no seio de
processos ativíssimos que ocorrem dentro de uma tentativa de transformação autogestiva generalizada de
uma sociedade inteira.
Tentarei agora introduzir a Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, tratando de caracterizar algumas
diferenças essenciais. Creio que elas poderiam passar pela questão de que a Sociopsicanálise de Gérard
Mendel e a Análise Institucional de Lapassade e Lourau, em última instância – apesar de sua franca
inspiração libertária, de sua enérgica vocação revolucionária – são prestações de serviço mais ou menos
tradicionais. Isto é, a demanda, o requerimento de uma análise de uma intervenção institucional ou do tipo
sócioanalítico, é feita por alguns setores ou pela totalidade de um coletivo organizado a outro coletivo
organizado, que oferece seus serviços de uma maneira mais ou menos tradicional, como prestação de
serviço profissional. Isto é, os sociopsicanalistas e os analistas institucionais, apesar da rigorosa autocrítica
que exercitam, apesar de uma vocação militante que têm no seu trabalho, não deixam de ser experts, não
deixam de ser técnicos, científicos; não deixam de estar agrupados neste tipo de organização característica
dos experts profissionais. Por exemplo: o grupo de Mendel, que se chama Degenettes, trabalha em muitos
lugares do mundo, mas tem uma espécie de central em Paris. Podese, então, ir até lá e solicitar seus
serviços. Isso gera, entre a organização solicitante e a organização solicitada, todo um processo de
diagnóstico, prognóstico e indicação, e um contrato de trabalho. Então, apesar de todas as ressalvas, auto
críticas e análise da implicação, trata se de uma prestação profissional de serviço, na qual se discutem
honorários, tempo e demais coisas. Além disso, é geralmente um serviço apresentado por um coletivo
organizado a outro coletivo organizado, dentro de um marco mais ou menos convencional, ou seja, a uma
escola, a um sindicato, hospital, fábrica, convento, quartel etc. Isso, como já dissemos, se denomina"
autogestão a frio", enquanto a" autogestão a quente" é a gerada numa situação revolucionária mais ou
menos generalizada.
Deixando momentaneamente de lado as características teóricas da Esquizoanálise de Deleuze e
Guattari, que são muito
83 ▲
sofisticadas e complicadas, digamos que a relação de Deleuze e Guattari com a Psicanálise e com o
Materialismo Histórico é muito mais complexa que a de Lourau e infinitamente mais distante que a de
Mendel. A posição de Deleuze e Guattari é muito mais crítica com respeito a todos os grandes
monumentos ocidentais do conhecimento que a dos outros autores das outras orientações. Eu diria que de
Mendel a Deleuze e Guattari existe, politicamente, todo um abandono paulatino do Liberalismo e da Social
Democracia e até do Marxismo, para se aproximar muito mais do Anarquismo. Então, uma diferença
técnica central é que para Deleuze e Guattari não existe, necessariamente, essa prestação de serviços
convencionais. A Esquizoanálise pode ser feita por qualquer pessoa e em qualquer lugar. É considerada
não como uma ciência ou como uma disciplina, mas basicamente como uma nova forma de pensar, um
modo de ser, ou uma maneira de viver. Propõe algo assim como um processo de análise permanente,
generalizado e ubíquo, presente por toda parte, em qualquer momento, e protagonizado por qualquer
pessoa que tenha, naturalmente, interiorizados os princípios teóricos desta concepção – que não se reduz a
nenhuma das que a precederam. Não implica, necessariamente, uma relação de contratação. Não é,
indispensavelmente, desempenhada por experts nem por profissionais. Não implica um lugar nem tempo
determinado. Não é necessariamente uma atividade coletiva, senão que pode ser dual ou individual.
Sequer implica um trabalho de um agente sobre um usuário, mas que pode ser um trabalho feito por um
sujeito sobre si mesmo. Mas que tem também um aspecto analítico, ou seja, a compreensão de como as
determinações alienantes do sistema, responsáveis pela dominação, pela exploração e pela mistificação,
estão presentes em cada uma de nossas atividades vitais, as afetivas, as sentimentais, as econômicas, as
políticas, as artísticas, as relações com os outros e as relações conosco mesmos. Eu diria que é uma
posição maximalista ou extremista dentro do Institucionalismo. Além disso, que não tem técnica nem
metodologia própria – características das duas posições anteriores. Para ela, são os princípios teóricos de
compreensão que dão um entendimento que permite localizar a alienação e propiciar, per se, a invenção
de uma metodologia e de técnicas, táticas e estratégias absolutamente singulares para cada caso, para
cada situação, e que não podem ser sistematizadas
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nem transladadas para outra oportunidade.
Então, poderiase perguntar: essa teoria da Esquizoanálise se aproximaria mais da filosofia, é uma
doutrina, uma ideologia, uma crença? A rigor, apesar de um de seus produtores ser considerado o maior
filósofo contemporâneo, na nossa opinião não se trata de filosofia. É alguma coisa que está além da
filosofia porque é um entendimento do mundo, da história, da vida, do psiquismo, que pretende ser um
novo gênero, não enquadrável, nem como uma ciência, nem como ideologia, mas, na versão dos autores,
como uma proposta radicalmente nova, que não é redutível a nenhum dos gêneros de saber anteriores.
Novamente imagino que os que já ouviram falar de certas idéias de Deleuze e Guattari, como, por
exemplo, aquela das máquinas desejantes, se perguntaram qual é a definição de desejo em cada uma
dessas escolas do Institucionalismo. É uma pergunta justa que vai ter uma resposta pobre: em Mendel, a
concepção do desejo, eu poderia dizer, é rigorosamente freudiana: é a que Freud dá nas formas que,
segundo uma epistemologia clássica, são as mais amadurecidas de sua obra. Em Lourau – apesar de ele
considerar muitas propostas freudianas, ele não dá muita ênfase a essa categoria e a esse conceito. Não
lhe interessa, particularmente, a participação do desejo, embora reconheça a existência de um inconsciente
institucional e organizacional, mas não é um inconsciente particularmente relacionado com o desejo e sim
um inconsciente relacionado com o nãodito e nãosabido, da vida organizacional, por referência não
apenas à instituição familiar, senão à do dinheiro e outras. Em Deleuze e Guattari, a coisa já muda
radicalmente, porque eles consideram a definição freudiana do desejo; mas para eles a questão se altera
por completo. Para Freud, o desejo é uma força inconsciente que anima o psiquismo, mas é uma força
pertencente a esse domínio, a esse campo completamente diferente das forças naturais e das forças
sociais, entendendo por sociais as forças políticas e as econômicas. Inclusive, se aceitamos que na
civilização moderna a esfera das máquinas mecânicas, elétricas, eletrônicas etc. já forma como que uma
terceira natureza, podemos dizer que existe a "natureza ecológica", a "natureza humana", a "natureza
social", a "natureza psíquica" e a "natureza maquínica" – a esfera maquínica; só que essa esfera do mundo
maquínico também tem suas forças animantes. Para Deleuze e Guattari, não se trata de
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três superfícies imanentes entre si: a da Produção, a do Registro Controle_e a do ConsumoConsumação.
Cada superfície (termo tomado dos filósofos estóicos) tem uma energia própria: Superfície de produção =
Libido; Superfície de Registro = Númen; Superfície de Consumo = Voluptas. A Superfície de Produção
está, por sua vez, integrada pelo Corpo sem Órgãos e pelas Máquinas Desejantes. O Corpo sem Órgãos
é o contrário de um organismo, ou seja, compõese de matérias nãoformadas e energias ainda
nãovetorizadas como forças. Em si mesmo o Corpo sem Órgãos é o grau zero de Intensidades, mas
quando ele é ajeitado como um Plano de Consistência de um Dispositivo ou Agenciamento revolucionário,
desejanteprodutivo, as Intensidades circulam por ele configurando as Máquinas Desejantes e suas
conexões criativas, geradoras de tudo quanto é novo. Este conceito compreende o de Instituinte e o
amplia. O Corpo sem Órgãos assim povoado se transforma numa Nova Terra, enquanto que, em
condições desfavoráveis, quando os experimentos do Plano de Consistência fracassam, podese tornar um
buraco negro ao acelerarse ao infinito e levar à morte ou à demência. O nível de funcionamento da
Superfície de Produção é submicroscópico ou molecular.
Na Superfície de Registro, o Corpo sem Órgãos e suas intensidades e máquinas desejantes são
capturados como entidades molares (que correspondem aproximadamente aos instituídosórganizados:
Estado, Igreja, empresas, bancos, dinheiro, organismos, representações e estruturas edipianas). A este
nível cristalizamse em territórios. É o lugar das identidades e dos controles e da repressão generalizada.
Também a ele pertencem as pessoas, os indivíduos, os sujeitos, os códigos, sobrecódigos e axiomáticas
que quadriculam a vida biopsicosociotécnica. O Corpo sem Órgãos tornase Corpo Cheio e adquire um
órgão centralizador e hierarquizado que, segundo se trate das formações primitivas, asiáticas ou
capitalistas, será respectivamente o Corpo da Terra, do Déspota ou do CapitalDinheiro, ao qual
"milagrosamente" se atribui ser a causa da produção.
Os dispositivos ou agenciamentos produtivodesejante revolucionários gerados por encontros ao
acaso das intensidades, ou máquinas desejantes, são capazes de desestruturar os estratos e territórios da
Superfície de Registro,
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propiciando desterritorializações e linhas de fuga pelas quais o desejo e a produção se plasmam em
novidades radicais. Toda entidade tem uma textura molar e outra molecular, um pólo paranóide
(capturante a antiprodutivo) e outro esquizóide (produtivodesejanterevolucionário).
Como se vê, apenas podemos enunciar estes conceitos porque sua proliferação nessa teoria torna
impossível definilos em detalhe. Para tentar enriquecer um pouco essas definições, sugiro consultar o
glossário deste livro, assim como a bibliografia incluída ao final do mesmo.
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PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO V
1) O que se entende pela Sociopsicanálise de Gêrard Mendel?
2) O que se entende pela Análise Institucional de Renê Lourau e Georges Lapassade?
3) O que se entende pela Esquizoanálise de Gilles Deleuze e Félix Guattari?
4) Qual ê a relação entre estas três tendências, a Psicanálise e o Materialismo Histórico?
5) Com que movimentos políticos poderiase relacionar predominantemente cada uma das tendências do
Institucionalismo descritas neste capítulo?
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Capítulo VI
ROTEIRO PARA UMA INTERVENÇÃO INSTITUCIONAL PADRÃO
Vamos tra tar de um roteiro para uma intervenção institucional do tipo standard, isto é, a mais
habitual, a mais corriqueira, a mais conspícua. Antes de começar, no entanto, eu gostaria de fazer uma
breve classificação – que, seguramente, será muito incompleta e esquemática – de algumas formas
diferentes de intervenção, pois me parece que, metodológica e tecnicamente, é uma questão que não estou
seguro de ter conseguido transmitir no percurso destes capítulos. É um assunto importante, porque quando
não fica claro, permanece nas pessoas uma dúvida enorme no tocante à condição de contratação deste
tipo de serviço. Então eu gostaria de, pelo menos, mencionar algumas delas.
Tendo em vista a divisão já mencionada dentro do lnstitucionalismo entre a configuração de um
campo de análise e um campo de intervenção, é evidente que o campo de análise consiste apenas num
espaço conceitual ou nocional. Em outras palavras, é um tema do qual o institucionalista quer se ocupar.
Esse tema pode ser abstrato ou concreto; pode ser contemporâneo, passado ou futuro. E pode ser muito
vasto ou mais restrito. Mas
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é um processo de produção de conhecimento com respeito a esse campo e não implica necessariamente
uma intervenção técnica; envolve apenas o fato de que o institucionalista vai tentar entendêlo. Aliás, isso
pode abranger até mesmo um tipo de material que não é propriamente históricosocial, no sentido das
formas institucionalizadasorganizadas: pode ser um texto literário ou uma obra arquitetônica, por exemplo.
Agora, o campo de intervenção, como já foi dito, pressupõe um campo de análise, porque se
pode entender sem intervir, mas não se pode intervir sem entender, embora durante a intervenção iremos
entendendo cada vez mais. O campo de análise pode não coincidir, em termos empíricos, com o campo
de intervenção. Ou seja, podese escolher como campo concreto de intervenção uma fábrica, uma
indústria. Mas podese delimitar um campo de análise que não compreenda unicamente o entendimento
dessa fábrica, e resolver estudar o processo histórico de implantação desse tipo de indústria no Brasil,
para poder saber como funciona essa organização concreta, fabril, escolhida como campo de intervenção.
Partindo, pois, dessa discriminação entre campos de análise e campo de intervenção, digamos que
as modalidades de intervenção podem ser variadas. Uma modalidade de intervenção – aquela a que
vamos nos referir de forma predominante quando repassarmos este roteiro standard, tradicional – é um
serviço oferecido desde posições mais ou menos clássicas, convencionais, habituais, dentro do panorama
social. É o que se dá como serviço oferecido na condição de profissional liberal ou autônomo, na condição
de sociedade cientifica – uma sociedade científica de Análise Institucional que oferece trabalhos, por
exemplo; é o exercício oferecido por um estabelecimento de prestação de serviços privados, um instituto
de Análise Institucional que pode ser uma sociedade anônima de responsabilidade limitada ou uma
microempresa; é o que pode ser oferecido por um departamento especial de uma faculdade, um
departamento de Análise lnstitucional numa universidade.
Outra modalidade possível de prestação deste serviço pode ser feita por parte de uma equipe que
integra, que é interna à organização na qual se vai intervir. É o famoso caso, por exemplo, do
departamento de Recursos Humanos de uma empresa, que tem de fazer uma intervenção dentro de sua
empresa mesma,
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ou um departamento de acompanhamento institucional de urna universidade.
Outra possibilidade é a de uma prestação de serviços feita de uma maneira parecida com esta
anterior, que acabamos de expor, mas menos caracterizada burocrática e profissionalmente. Por exemplo,
é o caso de um sindicato ou de um partido político que, nos seus quadros, tem institucionalistas que são
militantes formais. Então, esse sindicato ou esse partido político pede a seus militantes institucionalistas
urna intervenção em um setor, em um segmento, em urna frente, em um espaço da vida e da atividade
partidária, trabalho esse que pode ser ou não pago, contanto que seja considerado corno parte da vida
militante. Mas, em todo caso, é um acordo muito definido, pois se trata de uma oferta e uma solicitação
formais, em que se reconhece no militante institucionalista um saber" específico", e ele é procurado nesta
condição.
Urna outra possibilidade é aquela pela qual um institucionalista – que não se caracteriza corno tal e
não oferece seus serviços corno tal – infiltrase em urna organização, à qual ele pode pertencer
organicamente ou não, e o faz sob um rótulo, na condição de qualquer outra coisa que faça parte dos
papéis formais existentes nessa organização, mas que não seja o de institucionalista. É o caso, por
exemplo, de um morador numa associação de bairro, em que ninguém sabe que seja institucionalista,
ninguém está informado de que ele oferece serviços institucionalistas, mas que, dentro de seu papel de
morador, opera corno institucionalista, sem explicitar essa condição.
Existe urna última possibilidade dentro desse espectro esquemático que ainda é pobre, limitado,
que consiste numa variação dessa última possibilidade. Urna variação que parece a menos comprometida
e, sem dúvida, é a mais difícil de todas: é a daquele que pratica o Institucionalismo na convivência
cotidiana. Ou seja: é aquele que nem oferece serviços corno institucionalista, nem é solicitado corno tal,
nem se infiltra sob outra condição não formal, mas simplesmente é um "cristão", isto é, é um próximo que,
tendo assimilado princípios teóricos, formas técnicas de operar, vive dessa maneira, convive dessa forma
e, então, pratica o Institucionalismo com sua mulher, com os filhos, com os companheiros, com os
adversários. Em outras
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palavras: é aquele que tem. do mundo urna concepção institucionalista e urna maneira de viver de acordo
com esses princípios. Isso inclui o seu âmbito de trabalho, mas é principalmente na coexistência, na
colaboração cotidiana com seus companheiros, que ele se comporta corno institucionalista.
Essa esquemática sistematização requer um tratamento, uma explicitação e uma abordagem muito
detalhados e complexos das peculiaridades que adquire cada uma dessas inserções possíveis, o que não
faremos por várias razões; em primeiro lugar, porque ela não foi exaustivamente feita em texto algum – e
suspeito que jamais será feita, porque é demasiadamente ampla, heterogênea, complexa, inclusive por
causa da pretensão institucionalista de que cada intervenção tem de ser singular, tem de ter uma
característica de originalidade, de irrepetibilidade, o que torna a sistematização dessas diferenças
eventualidades muito difíceis e improváveis. Mas, em todo caso, o importante é reter isso, a amplitude de
possibilidades, amplitude essa que produz um efeito contraditório nos jovens institucionalistas, porque
esses novatos são formados dentro de uma orientação disciplinar: querem ser essecialistas, querem ser
profissionais e querem ter um corpo de saber e de prescrições, de estratégias e de táticas, claro, simples,
limitado e preciso. Querem saber quem são, que direitos têm, que deveres têm, qual o seu estatuto
científico, qual sua condição profissional, e querem ter uma teoria simples, clara, assim corno opções
técnicas não demasiadamente numerosas para poderem saber, com toda facilidade, o que devem fazer em
cada conjuntura. E nisso consiste a formação disciplinar que tende a produzir – técnicos e, em muitas
ocasiões, embora não em todas, à condição de técnico se acrescenta a de funcionário ou de burocrata.
Felizmente ou não, o lnstitucionalismo não é assim; não é isso o que ele propõe, apesar de que, em
algumas ocasiões infelizes, possa vir a cair nisso. Então, essa amplitude gera nos jovens agentes uma
angústia, um malestar que pode derivar numa recusa, que pode leválos a adotar uma atitude depreciativa
que os conduz a dizer: "Isso é muito vago, muito complicado, muito impreciso; não faço; deixeme
tranqüilo corno médico, corno advogado, algo tradicional e não demasiadamente autocrítico." É o famoso
problema de focalizar isso de maneira otimista ou pessimista. A maneira pessimista é dizer que é muito
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complicado, muito impreciso, há demasiadas opções. A maneira otimista é dizer: "Graças a Deus, há tantas
possibilidades e tantas margens para a invenção... "
O que vamos desenvolver agora é apenas uma dessas formas de intervenção, que é a intervenção
institucional standard, a qual: 1) não é a única (o que espero, tenha ficado claro); 2) nem sempre é a
melhor – apesar de costumar ser a mais clara e a mais sistematizada; e 3) muito freqüentemente não é
possível, porque as características da demanda não a propiciam. Então, devese ter cuidado, porque se a
gente se prende a esse tipo de intervenção, se se apega a esse modo de operar, corre o risco de pensar
que quando ele não é possível, não existem outros que, pelo menos, deixaremos esboçados.
Ora, a intervenção apresenta uma série de passos que têm de ficar bem explicitados. São passos
ideais, aos quais deveríamos prestar atenção, tratar em separado a cada um deles durante a intervenção,
se houvesse tempo, se houvesse calma, se houvesse dinheiro, se houvesse todas as condições necessárias
para fazer as coisas de maneira confortável. Em geral essas condições não existem, então pulamse e
misturamse passos, e agese, mais ou menos, "como é possível". Se vocês querem um exemplo
corriqueiro, conhecer esses passos e executálos é como em algumas épocas gloriosas da etiqueta,
quando nos ensinavam a caminhar de maneira elegante e, então, se nos diziam: calcanhar plantaponta,
calcanharplantaponta... Ora, ninguém caminha assim. Mas acontece que caminhar assim resulta num
andar elegante. Depois, a gente não vai mesmo pensar nisso, e simplesmente caminha mais ou menos, tão
elegantemente como pode. Ou como quando a gente aprende a nadar, que consiste primeiro em levar o
braço direito, depois o braço esquerdo, e bater as pernas coordenadamente, e a cabeça se volta para esse
ou aquele lado... Quando a gente nada assim, só pensando nessas regras, se afoga, apesar de ser a
maneira mais correta de fazê lo...
O primeiro passo consiste em fazer a análise da produção da demanda. Isso, em um sentido
particular, consiste no cuidadoso exame que a organização ou a pessoa que está para fazer a intervenção
institucional faz da maneira como ela ofereceu os serviços; ou seja, o estudo da forma como ela produziu a
demanda que lhe é feita. Temos enfatizado muito que correntes
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atuais, tanto de Marketing quanto de Psicanálise, ou de Psicanálise e Marketing (que não estão nada
separados), têm insistido bastante na questão da demanda do usuário: o usuário demanda isso, mas não
sabe que, na verdade, demanda outra coisa. Sistematicamente se esquece, nessas leituras, nessas
investigações, que não existe demanda espontânea, que toda demanda é produzida, é gerada, e que existe
um cruzamento na natureza da demanda, de tal maneira que não é necessariamente a organização que
oferece um serviço a única responsável pela produção de demanda desse serviço. Muitas vezes, a
produção da demanda de um serviço, por exemplo, um serviço de saude, é. "naturalmente", em princípio,
produzida pelos estabelecimentos de saúde que oferecem seus serviços. Mas ela é produzida, igualmente,
pela falência, por exemplo, de outras ofer,tas de outras organizações e dos serviços dessas organizações
que são incompletos, que são distorcidos, que são anacrônicos e que geram demanda de serviços de
saúde porque não resolvem bem os problemas da sua especificidade.Em outras palavras: como as
organizações responsáveis pela demanda urbanística, de moradia, realizam mal e resolvem mal sua oferta,
elas produzem uma demanda à qual não respondem. Isso traz conseqüências em saúde; os problemas
sanitários, por exemplo. Então, quem é que gerou a demanda do serviço de saúde? Não foram apenas os
estabelecimentos de saúde. Foram também os estabelecimentos de urbanização, não por geração de uma
demanda de saúde coerente, racional e consciente, articulada com a oferta, mas pela inconsciência e pela
falência de sua oferta. Mas esse exemplo que acabo de dar é insignificante, porque, devido às questões de
atravessamento e às questões de transversalidade, isso se torna um complexo mecanismo no qual a gente
só consegue averiguar algumas das determinantes cruzadas da produção de demanda com a oferta... e em
geral se perdem muitas. É importante que isso fique claro. Mas, em todo caso, o mínimo que podemos
saber sobre isso é que não existe demanda espontânea e natural, nem universal, nem eterna, mas, pelo
contrário, ela é produzida pela oferta. Portanto, a primeira coisa a ser feita ao nível de um campo de
análise é uma pesquisa, a mais ampla possível, de como produzimos a demanda de serviços. Nesse caso,
a demanda de Análise Institucional é, como o leitor compreenderá, nem mais nem menos que o começo da
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análise da implicação. Porque se a análise da implicação é a análise do compromisso
sócioeconômicopolíticolibidinal que a equipe analítica interventora, consciente ou não, tem com sua
tarefa, ela começa pela análise da implicação existente na oferta, ou sefa, na produção da demanda.
Na oferta ou produção de demanda há muitas características que não podemos detalhar aqui
porque excede nossos propósitos. Mas há uma que temos de revelar, ter presente, e eu gostaria de
descrevêla de maneira pitoresca, para que seja mais lembrada pelos leitores. Há uma piada famosa que
se passa num forte militar, numa dessas guarnições que ficam lá na fronteira. Um oficial pede a um soldado
que suba na torre de controle para ver se os índios estão vindo ou não. É um forte americano, em território
índio. Então, o vigia sobe, olha e diz:
"Sim, os índios estão vindo... São muitos; vêm correndo." O oficial pergunta: "Mas esses índios são amigos
ou inimigos?" Ao que o soldado responde: "Olhe, devem ser amigos, porque estão vindo todos juntos... "
Se a gente se lembra desta piada, fica mais fácil lembrar que a realidade com que trabalhamos vem toda
junta. A divisão em especialidades, profissões, só existe dentro da classe ou da equipe, mas não nos
usuários. A realidade "vem toda junta": as divisões que fazemos são totalmente produzidas. Mas a
realidade vem junta e nós não estamos juntos; o mais que conseguimos, às vezes, é estar próximos, um ao
lado do outro. E o que acontece é que cada especialidade, cada profissão, acha que os problemas da
realidade são problemas de seu campo. Isso não é maldade dos agentes; pode ser uma desonestidade, e
muitas vezes é, mas não freqüentemente. Acontece que o aparelho científico disciplinar e a condição
profissional estão estruturados para isso, para encarar qualquer problema da realidade e estar, em
princípio, convencido de que o problema é nosso: de cada um, do especialista, do profissional. Então, um
senhor ou uma organização vem consultarnos sobre um problema de saúde. Eu sou especialista em saúde.
Além disso, sou profissional. Vivo disso. Adquiri uma série de conhecimentos nos quais confio porque eles
têmse demonstrado eficazes. Cabe lembrar que obtenho todo o meu dinheiro, todo o meu poder social e
todo o meu prestígio através disso que eu faço. Então não tenho culpa de nada. Se alguém me consulta
por um problema de saúde, certamente ele tem saúde ou não tem saúde e isso é da minha
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alçada. Então: "Venha que esse problema é comigo... " Quantos profissionais, quantos cientistas vocês
conhecem que, após ouvirem cuidadosamente alguma demanda, concluem que esse problema não é para
eles resolverem, e encaminham a alguma organização ou a outra especialidade? Não se conhecem muitos
profissionais assim... Existem poucos. Às vezes há quem diga: "Sim, o problema é meu, mas seria
conveniente fazer uma consulta a um especialista em tal ou qual área." Isso já é muito, é difícil de se ouvir.
O que é absolutamente improvável de se ouvir é uma resposta do tipo: "Permitame dizerlhe que esse
problema não é privativo de nenhuma especialidade. Esse problema tem de ser resolvido com seus
amigos, seus companheiros, seus colaboradores ou sozinho." Estou tratando de ser simples. O problema
fundamental é esse: quando a gente recebe uma demanda, a primeira coisa que ocorre é que a gente tende
a pensar que não tem nada a ver com a crítica dessa demanda; se o sujeito está demandando em primeira
instância, somos levados a aceitar que é porque já sabe o que está demandando. E se me procura, estou a
seu dispor. Procurame porque algum lado do problema tem a ver com o que faço, e então o atendo,
esquecendome de que, se ele me procura, é porque me ofereci. Não necessariamente me ofereci a essa
pessoa que me procura; pode ser uma oferta vasta, ampla, cruzada. Mas se eu não me oferecer, ninguém
me procura. Se eu não me constituo num lugar científico, profissional, se não vendo o que faço, ninguém"
compra".
Então, o que tenho de fazer é analisar, com cuidado, como foi que vendi isso, para que foi que
"vendi", que coisas, realmente, posso solucionar, que coisas posso solucionar parcialmente e que coisas
não devo solucionar, devo encaminhar noutra direção ou devo devolver, dar de volta ao usuário o que ele
solicita de mim. Essa é a análise da implicação na produção da demanda, ou seja, na oferta. Essa análise
tem aspectos conscientes e préconscientes formuláveis assim: "Companheiros de equipe, vamos ver como
foi que convencemos este fulano a nos procurar." Mas tem aspectos inconscientes, ou seja: que fiz eu, sem
me dar conta, o que foi que fizemos nós sem darnos conta, para" capturar este peixe"? Mas é claro que
essa pergunta não tem uma resposta reflexiva e voluntária. A primeira coisa a ser feita para isso é
despojarse da convicção de que a oferta de nossos serviços é lícita, válida, resolutiva etc., porque, pelo
contrário, o que
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vivemos fazendo é lutar pela legitimação, pela autorização e pelo reconhecimento social de nosso serviço.
O passo seguinte é a tentativa de análise do encaminhamento, isto é: quais foram os passos
intennediá;ios que conectaram o usuáriodemandante conosco? Há muitos, mas para dar um exemplo
simples: qual foi o cliente que, definindo nossos serviços como eficientes, chegou à conclusão de que seu
próximo se beneficiaria também com esse serviço? Quais são as razões válidas e as razões inconfessáveis,
ou as razões recalcadas pelas quais ele fez esta recomendação? O que acontece quando quem fez esta
recomendação é um congênere, isto é, não é exatamente um colega, mas outro profissional e outro
especialista que resolveu fazer a concessão de nos encaminhar alguém? São passos intermediários da
conexão entre a oferta e a demanda. São as famosas fórmulas: consulta a organização tal ou o fulano de tal
porque "é o melhor"; consulta porque "é caro"; consulta porque" é bara to"; consulta porque ele é "dos
nossos". É preciso ver o que significa cada um desses atributos: qual é o problema que agIu tina a quem
solicita. Consulta porque" é daqui", ou porque "vem de fora". Tudo isso modula a demanda, e o faz com
elementos conscientes e inconscientes no usuário, na mesma proporção neles e em nós, que ofertamos o
serviço.
O passo seguinte é a análise da gestão parcial. Isto é: qual foi o setor da organização que assumiu
o papel de vir consultar nos ou fazer o contato? É o setor de direção? É o setor administrativo? É o setor
financeiro? São os quadros intermediários? São as bases? É o proprietário? Ou seja: a gestão parcial da
demanda de serviços é protagonizada por diferentes. segmentos da organização. E isto é muito importante,
porque nos pode dar toda uma antecipação dos motivos desta consulta, os interesses em jogo, os desejos
em pauta e, sobretudo, o grau de consenso, de unanimidade que motiva os protagonistas dessa solicitação.
Não é a mesma coisa ser solicitado pela direção ou pelos proprietários e ser solicitado pelas bases.
Costuma ser, para os institucionalistas, infinitamente melhor serem solicitados pelas bases do que pela
direção ou pelos proprietários. Isso, sem dúvida, não é nenhuma garantia, porque as bases não são
homogeneamente revolucionárias, nem homogeneamente progressistas, nem homogeneamente sinceras.
Coisa que se constata claramente naquela célebre frase que diz: “A ideologia
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dominante é a ideologia das classes dominantes." Então, as bases são, em geral, originais, singulares,
solidárias etc., mas estão infiltradas pelos interesses e desejos dos setores dominantes. Então, ser
solicitado por elas não é garantia de uma intenção transparente. Isso também tem de ser analisado.
O grupo que protagoniza a gestão parcial em geral não contém todas as partes, mas apenas uma
delas. Estamos falando de uma situação ideal em que, geralmente, vem apenas um segmento (apenas uma
parte faz a demanda). Por outro lado, uma organização numerosa nunca virá toda para fazer uma
solicitação. Vem um setor, que dá uma visão absolutamente parcial da realidade. A compreensão da
determinação dessa parcialidade é importante, pois o fato de você considerar o parcial é que vai lhe
permitir imaginar a existência de uma totalidade complexa, contraditória, desigual, conflitiva. Isso, claro,
sabendo que uma organização nunca é integralmente totalizável.
Então, a análise da gestão diz respeito a isso: como foi que esse grupo resolveu consultar e como
foi que consultou. O passo' seguinte é a análise do encargo.
Na análise do encargo há um problema terminológico que seria interessante que ficasse claro para
os leitores. Há uma discriminação muito importante que se estabelece entre demanda e encargo. Nessa
terminologia, demanda é a solicitação formal, consciente, deliberada, que nunca coincide com o encargo,
que é um pedido que envolve os três níveis da discriminação que fizemos entre máfé, desconhecimento e
recalque. A diferença entre demanda e encargo pode passar por esses três tipos de determinações. A
demanda nunca coincide com o encargo. Mas não coincide por quê? Por máfé? Pode ser. É claro que as
pessoas estão solicitando uma coisa, mas o que elas querem obter é outra. Podese dar um exemplo
clássico, mas não único, nem exclusivo: à solicitação de intervenção institucional, na medida em que a
Análise lnstitucional está cada vez mais em moda e que crescentemente ocupa lugares formais, é uma
solicitação consciente que, em geral, passa pela idéia confusa de que um serviço de Análise Institucional
forma parte da parafernália de serviços característicos do progresso, da tecnologia moderna em relações
humanas. Então, a demanda é geralmente uma demanda do tipo: "Bom, veja, viemos consultálo porque
sabemos da importância desta disciplina e queremos melhorar o ambiente
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dos operários, da direção, ou queremos melhorar o clima entre professores e alunos, a comunicação, o
entendimento, a negociação etc." Por quê? Porque já se sabe que existe uma tecnologia modernista que
conhece do assunto e vai se ocupar disso. Ora, acontece que o encargo pode não ter nada a ver com isso.
O encargo pode ter a ver, por exemplo, com algo que acontece quando, na organização, está surgindo um
grave conflito por problemas de condições de trabalho, por problemas de nível de salário, por problemas
de autoritarismo na liderança, todo tipo de atritos mais ou menos explícitos. Então, há uma demanda, num
plano manifesto, de uma intervenção profilática, progressista, melhoradora. O encargo, no entanto, é:
"Olhe, veja se acaba com esta revolta, localiza os líderes, me aconselha como desmontar este movimento,
como desmobilizar, como fragmentar, como paralisar isto, ou como aumentar a produtividade sem tocar
na questão do salário." Isso pode ser feito com plena consciência e com máfé. Muitas vezes o interventor
solicitado tem uma trajetória que permite que lhe seja solicitado isso com toda clareza, porque é um
corrupto ou porque é um reacionário. Há especialistas em fazer essas coisas. Agora, quem tem fama de
institucionalista dificilmente será solicitado abertamente para isso, porque já se tem uma vaga idéia de que
se ele não é revolucionário, pelo menos é democrata ou humanista. Então não se lhe pede isso
diretamente. Mas podese perceber, perfeitamente, que se diz uma coisa e se está pedindo outra.
Mas a diferença entre a demanda e o encargo pode não passar pela máfé. Pode ser fruto do
desconhecimento, ou seja, você pode perfeitamente ter uma impotência sexual psíquica, e procurar um
urologista, que não sabe uma palavra sobre isso. O urologista irá receitar, então, cloridrato de ioimbina ou
viagra, e se isso não funcionar, vai acabar implantando uma prótese peniana para ver se opera, quando,
simplificando humoristicamente, trata se de algum conflito com a "mamãe"... Não é comum isso? Trata se,
pois, de um problema de ignorância. O usuário não tem como saber qual é o lugar e o expert adequado
(?) para a consulta.
Mas pode ser, finalmente, um problema recalcado, inconsciente, de quem vem consultar alguém
que tenha reprimido (em um sentido amplo) qual seja a diferença entre sua demanda e o encargo
recalcado, entre o que ele pede e o que ele inconscientemente espera conseguir.
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Agora cabe aclarar uma coisa importante. Quando se simplificou isso, anteriormente, no tocante à
diferença entre a demanda e o encargo, em termos de máfé, de desconhecimento ou de recalque, falouse
no caso de quadros de proprietários ou de quadros diretivos que pedem um serviço. Mas se os quadros
são de base, pode acontecer exatamente o mesmo: o pedido pode ser fruto de máfé, de
desconhecimento ou de recalque, porque os quadros de base podem fazer essa solicitação, por exemplo,
porque não querem trabalhar, descartado o fato de que todo trabalho é alienado, que sempre existe uma
extração de mais valia, e que sempre há dominação etc. Mas vocês devem ter ouvido, com freqüência,
estes grandes "protestos revolucionários", porque não se quer estudar, não se quer trabalhar. Então
solicitase alguma reivindicação, mas temse outro pedido como encargo: "Dê um jeito para que a gente
não trabalhe." Já tenho recebido demandas dramáticas, heróicas, pelo fato de ter sido colocado o cartão
de ponto. É claro, numa sociedade onde o trabalho é alienado, o cartão de ponto quer dizer muita coisa, e
a maioria delas não é boa. Mas também quer dizer que você tem um horário de trabalho que odeia
cumprir, ou um estudo que não tem vontade de 'encarar, ou uma autocrítica que não consegue suportar.
Sem dúvida este desagrado pelo trabalho ou o estudo não é produto de uma "natureza ruim", ou de uma
essência "vadia". Os determinantes do "desprazer ocupacional" na nossa sociedade são reais e
espantosamente complexos. Freqüentemente a "resistência" à tarefa é uma tática de luta que exprime o fato
de que trabalhamos por dever ou forçados pela sobrevivência. Mas, em todo caso, é bom que tais
manobras fiquem claras para o institucionalista e para o demandante.
Já dissemos do que se trata a análise de encargo parcial. Já sabemos o que é encargo, e também
análise da demanda parcial. Na realidade, não se podem separar esses dois pontos. Entendendo a
demanda parcial e sua diferença em relação ao encargo parcial – são dois pólos de uma unidade, não se
pode entender um sem o outro –, então temos de caracterizar os analisadores "naturais". Vocês se
lembram do que é analisador .natural: é um fenômeno (dito em termos clássicos, incorretos e ilustrativos)
mais ou menos similar ao que Pichon Rivière chama de emergente, que é o que surge como resultante de
toda uma
101 ▲
série de forças contraditórias que se articulam neste fenômeno. E são "naturais", porque não foram
fabricados por um interventor institucional. Então, suponhamos um analisador chamado natural (criticamos
a palavra natural porque nada é "natural"): um analisador natural seria um terremoto, e nunca nos
chamaram para analisar um terremoto porque temos pouco para dizer a respeito disso, pelo menos
enquanto acontecimento geológico. Então, não existem analisadores naturais propriamente ditos. Na
verdade os analisadores são espontâneos ou históricos. Qual seria um analisador desse tipo? Grande,
pequeno ou médio, poderia ser uma greve, a morte de um operário, o aumento das doenças de trabalho,
uma grande briga: esses são analisadores chamados naturais. Então, temos de caracterizálos, delimitar
quais são. E quando tivermos feito tudo isso, poderemos chegar ao que se chama diagnóstico provisório.
Um primeiro entendimento sobre o que está acontecendo lá na organização. Só que esse diagnóstico
provisório é o que os médicos costumam chamar de "presuntivo", que é uma hipótese ainda especulativa
sobre o quadro. Mas então, temos de fazer, a esta altura, um contrato de diagnóstico. Este contrato já
implica a construção de dispositivos para ouvir todas as partes. O contrato de diagnóstico é um acerto, é
um convênio feito para poder construir um dispositivo no qual possamos ouvir todas as partes. Porque só
ouvimos uma, aquela que fez a demanda parcial. Só que é bom fazer este novo acordo, porque ele implica
que o diagnóstico já é uma operação de intervenção Então já tem de ser autorizado, legitimado e, no caso
de existirem honorários, já devem ser pagos, Senão, o que acontece? Toda a intervenção pode acabar aí,
no entanto não é valorizada pelos usuários. Por isso, se entre outras coisas o institucionalista vive disso, é
interessante receber os honorários, e também porque um contrato de diagnóstico lhe dá direito a
credenciais para poder ter acesso aos lugares que têm de ser diagnosticados. Senão, se vai lá, entrase
para diagnosticar e o segurança te manda embora. Depois do contrato de diagnóstico, criase dispositivos
para recolher todo o materiaI necessário. Então, tentase analisar, fundamentalmente, as defesas, isto é,
quais foram as resistências que se levantaram nos outros setores que se foi ouvir. Com esse contrato,
assegurase o respeito geral necessário, pelo fato de que, em primeira instância, o institucionalista foi
solicitado por um setor, por um segmento qualquer, e não por todo o coletivo.
102 ▲
O passo seguinte consiste em, a partir desse diagnóstico provisório, poder planejar uma política,
uma estratégia, uma tônica e técnicas para começar sua intervenção. Mas não foi concluído ainda o
diagnóstico provisório. Ainda é um presuntivo já mais elaborado, mas não é sequer o diagnóstico
provisório. Então vaise criar analisadores construídos, ou dispositivos para poder recolher todos os
dados do didgnóstico provisório. Por enquanto, só se ouviu os setores distintamente. Ouviuse
passivamente, mas não se criou condições para cutucar o não dito que queremos investigar,
Mas será que quando crio instrumentos de investigação, de indagação, não estou deixando de ser
institucionalista no sentido de que faço averiguações ativas sob a minha ótica? Posso correr este risco? Sim
e não. Evidentemente é um procedimento ativo e não é "natural"; é "artificial" – já fizemos a diferença entre
analisadores naturais e analisadores artificiais. Mas talvez isso se possa entender um pouco melhor
simplificando esses dispositivos e analisddores construídos. Eles não são tão indutivos assim, porque se
trata simplesmente de propor. Vamos dar um exemplo fácil. Depois que se fez a investigação passiva,
resolvese que o analisador artificial que vai agitar o ambiente e que vai darnos o material mais profundo,
mais crítico, mais comprometido, é uma reunião de cineclube. Cheguei à conclusão de que vou propor a
projeção de um filme e uma discussão sobre o mesmo, e importante, porque é indireto, desloca a
problemática da situação espontaneamente referida. Por outro lado, não é demasiadamente indutivo,
porque o interventor não está baixando regras, mas está propondo um dispositivo agitador, um
agenciamento ativador. Os usuários podem aceitar ou não. Se não aceitam, teremos que pensar em outras
alternativas. Uma vez aceito, pode dar certo ou não. Pode ter um resultado rico ou pode não dar em nada.
Também se pode propor outra coisa bem interessante: um laboratório prolongado de fim de semana em
um espaço diferente do habitual: vamos nos reunir todos em um lugar e vamos conviver durante estes dois
dias e permitirnos observar o que acontece nessa convivência. É muito recomendável e não é nada
autoritário, nada impositivo.
Depois que se executam os dispositivos do diagnóstico provisório, reúnese a equipe interventora
e partese para analisar toda a colheita, fazendose a análise da demanda e do encargo
103 ▲
Depois temos a autogestão do contrato de intervenção, isto é, vamos fazer uma proposta de
contrato definitivo, mas não vamos impor nenhum dos termos e deixaremos que o coletivo proponha se
quer pagar quanto quer pagar, por que quer pagar, que tempo pensa destinar ao trabalho, que poderes
quer nos dar e porque, o que será muito ilustrativo do significado que a intervenção tem para cada
segmento. O interventor institucional nunca faz uma declaração assim: "Eu quero um contrato por tanto
tempo, eu cobro tanto e quero que se me autorize produzir tais e quais transformações na organização ou
introduzir tais mudanças." Primeiro quero saber o que o coletivo propõe nesse sentido, e porque. Isso é
completamente diferente das prestações de serviço profissionais habituais, em que o profissional diz:
"Minha hora custa tanto, o tratamento vai durar tanto tempo, e quero que você se deite e me deixe
examinar seu ouvido esquerdo com este aparelho. Se não for assim, não atendo." Não é esta a idéia. Os
temas a investigar são: Como você concebe este serviço? Quanto tempo você acha que vai durar? Quanto
dinheiro você acha que deve ser pago? E como está distribuído o pagamento? Quando cada um pensa que
deve pagar e por quê? Quais são os direitos que você nos vai dar para podermos intervir? Podemos estar
aqui todos os dias? Podemos acompanhar o trabalho hora após hora? Podemos estar nas reuniões
reservadas? Podemos ver os livros contábeis da organização? É claro que, depois de analisar a proposta,
o institucionalista pode fazer uma contráproposta e fundamentála, para chegar a um acordo consciente.
Depois vem a execução da intervenção, tal como foi planejada. Logo vêm as avaliações
periódicas, que são momentos de parada para qualificar os resultados e voltar a analisar a implicação que
se vai gerando na equipe durante o processo. Consideração dos índices de transferência, resistência,
produção, antiprodução, atravessamento, transversalidade, todos os conceitos que explicamos durante o
curso e que agora não poderemos tratar em detalhes.
Quando acaba a intervenção temos de fazer um prognóstico, que poderemos ou não comunicar ao
coletivo. Poderemos ou não propiciar a implantação de um dispositivo de autoanálise coletiva
permanente; ou seja, no momento em que saímos da organização, ficará uma disposição e uma
105 ▲
PERGUNTAS REFERENTES AO CAPÍTULO VI
1) Que modalidades de intervenção institucional você conhece?
2) Qual é a vantagem do roteiro standard de intervenção institucional?
3) Repasse cada um dos itens do roteiro standard.
4) Que diferença existe entre um analisador "natural" e um construído?
5) Qual é a importância da autogestão do contrato?
107 ▲
Capítulo VII
o INSTITUCIONALISMO NA ATUALIDADE
f) O Institucionalismo e suas vicissitudes
Convencionamos denominar o Movimento Instituciona lista, ou Antiinstitucionalista, ou Instituinte,
ou simplesmente Institucionalismo, a um conjunto aberto e internamente diversificado de correntes que
mostram certos valores em comum, bem como marcadas diferenças.
Não é nossa intenção enumerálas e caracterizálas todas, não só porque este propósito excede
em muito os limites deste livro, mas também porque supomos que este universo seja não totalizável. O
mesmo se incrementa incessantemente com discursos e práticas originais que podem diferir marcadamente
dos que cada um considera os mais notáveis e respeitáveis desta agrupação.
Basta dizer que compreende numerosos saberes e fazeres que tomam por objeto os coletivos
sociais no que se refere às lógicas que os regem, às formas concretas em que essas se "materializam", às
finalidades que perseguem e à medida que as alcançam, assim como aos recursos que empregam para
obtêlas. Em outras palavras: ocupamse das instituições, organizações, estabelecimentos e equipamentos,
assim como dos agentes e práticas que estes protagonizam.
Essa abordagem tem o que poderíamos chamar em geral, e não sem ressalvas, uma vocação
crítica, que tenta conceituar de diferentes maneiras. Podemos eleger uma, insistindo que não
108 ▲
será necessariamente compartilhada. Tratase de diferenciar em cada uma destas entidades sua função ou
funcionalidade de seu funcionamento.
A função remete a fins e meios declaradamente universais e necessários para o suposto "bem
comum". O funcionamento remete à virtualidade que essas entidades detêm de um potencial
transformador, a serviço, principalmente, da produção de novas formas libertárias da vida. Essa vaga
descrição introdutória permite reconhecer que o espectro de propostas dos diversos "institucionalismos" é
classificável em uma escala que vai desde posições relativamente conservadoras, seguindo por outras
crescentemente reformistas, até chegar a concepções e ações alternativas, marginais, clandestinas,
revolucionárias e, até talvez caiba dizer, extremistas.
Muito sumariamente mencionada, a gênese social desse Movimento pode relacionarse, em seus
aspectos conservadores ou reformistas, com uma longa série de tentativas históricas de regular
racionalmente a existência das coletividades. Arbitrária e muito simplificadamente, proporíamos as grandes
balizas da Revolução Francesa, o Iluminismo e o Enciclopedismo como acontecimentos importantes
pioneiros deste tipo. Pelo contrário, em suas versões mais drásticas, o Institucionalismo tem parentesco
com todos os ensaios libertários que as culturas e civilizações tenham pensado ou experimentado, desde a
tribalidade primitiva e nômade até as tentativas autogestivas modernas da Iugoslávia, Argélia e, sobretudo,
da República durante a Guerra Civil Espanhola.
Quanto à gênese conceitual, sabese que o Instituciona lismo nutrese de linhas teóricas
contrastantes, na medida em que estas não são homogêneas. Por um lado, não pode deixar de se inspirar
na filosofia mais ou menos "oficial" do Ocidente: Sócrates, Platão, Aristóteles, os Escolásticos, Descartes,
Kant, Hegel e Heidegger. Por outro, adere com muito mais entusiasmo ao espírito dos materialistas
présocráticos, assim como aos sofistas, megáricos, epicuros, estóicos, Espinosa, Nietzsche, Hume,
Bergson, Kierkegaard e Sartre. Algo similar ocorre com os pensadores políticos e jurídicos cuja
nomeação resultaria demasiado extensa. Basta mencionar a preferência do Institucionalismo pelos
utopistas como Tomas Morus, Campanella, Rabelais, Fourier e, à sua maneira, por Marx, Bakunin e
outros.
109 ▲
Se é permitido falarse de uma gênese operacional, é sabido que as origens do Movimento podem
fazerse partir de três grandes campos da práxis, a saber: o da Educação, o da Saúde Pública
(especialmente a mental) e o da Indústria. Poderseia acrescentar toda aquela atividade vinculada aos
Serviços Sociais, os problemas da Urbanização e Demografia, e assim por diante. Simultânea ou
consecutivamente, esses limites se ampliaram a quase todo tipo de organizações e estabelecimentos
(comerciais, financeiros, partidários, sindicais, eclesiásticos e até militares). Essa difusão culminou com uma
conflituosa incorporação (crítica ou não) dos recursos institucionalistas ao "planismo" em grande escala,
quer dizer, às grandes campanhas estatais para o gerenciamento e a administração das sociedades civis e
das populações em geral.
As bases teóricotécnicas mais específicas do Institucionalismo são surpreendentemente
numerosas e compreendem não só contribuições de ciências constituídas Sociologia, Psicologia, História,
Economia, Semiótica e Antropologia –, como também de disciplinas como a Pedagogia e a Medicina, ou
interdisciplinas formaltecnológicas como a Teoria da Comunicação, dos Sistemas, dos Jogos etc. Cada
um desses setores do conhecimento, obviamente, não é homogêneo, e nem sua herança institucionalista o
é. Encontramos, assim, influências predominantes de várias correntes, por exemplo: Comportamentalismo,
Rogerianismo ou Psicanálise (em Psicologia), Funcionalismo, Estruturalismo ou Materialismo Histórico (em
Sociologia e Economia Política) e assim por diante.
Desde logo, todas essas influências estão moduladas segundo matrizes filosóficas, ideológicas e
políticas assumidas expressamente ou não pelos teóricos e praticantes institucionalistas, entre os quais
encontramos, como mínimo, liberais, marxistas e anarquistas. Sem contar que boa parte entende que o
Institucionalismo é uma visão política integral do mundo em si mesmo e que não pode reduzirse a
nenhuma das posições políticas reconhecidas.
Quanto ao estatuto gnosiológico pretendido por cada orientação para a sua práxis, a gama abarca
desde as escolas que, aspiram a títulos de cientificidade (de acordo, está claro, com a definição de ciência
que sustentem as epistemologias às quais respectivamente subscrevam) até as que se postulam como
110 ▲
afazeres artesanais militantes ou ainda não enquadráveis em qualquer categoria que não seja uma nova
concepção da convivência cotidiana.
Conseqüentemente, essa heterogeneidade não pode mais que desembocar em uma quase Torre de
Babel, no que tange a uma certa unificação de termos indispensável para a produção teórica (coerência,
consistência, precisão, convalidação, verificação etc.). Como veremos mais adiante, o mesmo ocorre com
as convicções requeridas para a articulação de uma Ética, Estratégia e Tática do Movimento. Se o
instrumental teórico, método e objeto de estudo são tão proteiformes e problemáticos, o que esperar
acerca do arsenal técnico, o qual se desdobra entre as ferramentas clássicas da Sociologia (pesquisas de
opinião e atitude, análise de conteúdo, entrevistas livres ou dirigidas, assembléias, workshops etc.),
passando pelos procedimentos informativos, dramáticos, sugestivos ou interpretativos das psicoterapias
até chegar à doutrinação ou à agitação política segundo padrões mais ou menos tradicionais.
Em síntese: esta "evolução", "progressão" ou, mais neutramente dizendo, este "percurso" de sua
gênese social, conceitual e operativa, coloca ao Movimento agudos problemas pertinentes a seu estatuto
ético, jurídicopolítico, gnosiológico e profissional.
Esses temas costumam aparecer no Institucionalismo em torno de polêmicas sobre a cientificidade
e a profissionalidade. Com a cientificidade jogase o reconhecimento e a autorização das comunidades
científicas e acadêmicas (diplomas, títulos, carreiras, publicações etc.). Com a profissionalidade o que está
em jogo é a legitimidade, legalidade, ou o que quer que se queira chamálo, do Institucionalismo, com
relação aos códigos jurídicos nos quais se enquadra e aos normativos a que se atém... e suas óbvias
conseqüências econômicopolíticas (operações de oferta, demanda e contratação de serviços,
possibilidade de confissão dos objetivos reais da intervenção, avaliação de eficácia, questões de
neutralidadeabstinência ou imparcialidadeindução).
Essa conflitiva do Movimento nas dimensões da especificidade (cientificidade) e da
profissionalidade já é incômoda mesmo para as modalidades mais conservadoras e reformistas na escala
de correntes. Certas orientações como a denominada "Desenvolvimento Organizacional" ou a "Cibernética
Social" são
111 ▲
vistas pelos setores acadêmicos ou pelos mais politizados como "penetras", mercantilistas e adaptativas;
isso não impede que existam e às vezes alcancem um êxito mercadológico e efetivo entre seus usuários.
Mas a questão de fundo que se coloca é como o "devir" das posições no fazer e saber institucionalista foi
se pronunciando:
a. Quanto à especificidade, sobre uma crítica radical das cumplicidades das leituras e intervenções
científico tecnológicas com os sistemas e setores dominantes;
b. Quanto à profissionalidade, sobre uma impugnação extremada do papel de certas prestações de
serviços, cujos privilégios corporativos e condições mercantis contratuais seriam reprodutores
flagrantes da divisão técnicosocial do trabalho e da alienaçãodependência do saberpoder dos
coletivos de usuários.
No extremo, e coerentemente, as formas mais marginais, alternativas ou revolucionárias do
Movimento costumam compartilhar uma utopia quase insurrecional de ampliação e generalização da
análise e da intervenção em grandes situações em escala regional, nacional e até planetária.
Os setores tradicionais do Movimento, de acordo com os países onde se desenvolvem,
conseguiram uma considerável aceitação e até uma consagração que os incorpora (mais de fato que de
direito) à tecnologia da human engineering (PsicoSociologia das Relações Humanas, Treinamento em
Recursos Humanos etc.). Pelo contrário, a faixa mais subversiva do Movimento, impulsionada por uma
clara perseguição aos objetivos de coletivização e generalização da autoanálise, da autogestão e da
autodeterminação das comunidades, afastase cada vez mais dos parâmetros epistemológicos e legais que
regem as prestações convencionais das quais partiu no início do Movimento.
Durante esse trajeto, as orientações mais radicais produziram "instrumentos" teóricotécnicos
valiosos sob todos os prismas, tais como: implicação, analisador, demanda, encargo, efeitos: Mulhman,
Lukács, Weber, frioquente, centroperiferia etc. (ver glossário), que atendem à autocrítica dos valores da
equipe de prestadores de serviços e da reconquista, por parte dos coletivos, das potencialidades acima
apontadas. Contudo, as expectativas de mudanças substanciais e duradouras nas comunidades de usuários
não foram inteiramente satisfeitas, e
112 ▲
muito menos as de propagação da utopia transformadora a vastas unidades sociais. Como veremos mais
adiante, o complexo panorama do mundo atual nos mostra coletivos brutalmente submetidos, ou
persuadidos ao participacionismo, ou totalmente apáticos e dispersos. Isso tudo acontecendo em um
estado coisas objetivo de injustiça social que exigiria mais que nunca uma ação conjunta decidida.
Parece que o Institucionalismo avançado, e mais ainda o "maximalista", que não simpatiza com as
formas políticas "progressistas" e/ou revolucionárias convencionais (tais como partidos ou vanguardas
elitistas), não foi capaz de deflagrar por si mesmo sólidos processos, pontuais ou amplos, de mudança
libertária. A rigor, não é seguro que seja isso o que o Institucionalismo avançado pretende. Mais
corretamente, a idéia consiste em encontrar canais de conexão, formais ou não, com as iniciativas
históricas circunscritas ou massivas que se encontram já em andamento, para contribuir com as mesmas
para a plena vigência das modalidades gestionárias singulares que necessitem e decidam darse.
Mas é justamente este um dos pontos nos quais se coloca para o institucionalista avançado o mais
duro desafio, radicado na elaboração dos citados canais de cooperação. Se por um lado os
procedimentos habituais de produção de demanda de serviços lhe estão dificultados ou impedidos pela
peculiaridade de seus ideais, por outro as célebres categorias de inserção nos movimentos e lutas, tais
como as de integrante, colaborador, aliado ou simpatizante lhe são insuficientes.
Diante dessa perspectiva, o agente institucionalista com inquietações militantes encontra dilemas
excruciantes, nem sempre realistas, que se em um sentido podem constituir fatores de propulsão ao
aperfeiçoamento de seus recursos, em outro, ameaçam submergilo em uma certa paralisia. René Lourau
tratou lucidamente desses impasses em dois capítulos memoráveis seu livro "El Estado y el Inconsciente"
(Ed. Kairos, Barcelona, 1980). Na segunda parte do citado texto, os capítulos V e VI intitulamse: "El
Estado en el Analisis Institucional" e "El Analisis Institucional en el Estado". Resumese aí o drama
Institucionalismo: definindo o Estado, soma do instituído, uma maneira vasta e diversificada como "o
inimigo principal" (a expressão é nossa), o autor tenta sistematizar os obstáculos,
113 ▲
possibilidades e impossibilidades que a onipresença do "Leviatã" impõe ao Movimento em todos os
campos de sua provável atuação. Mas não deixa de assinalar o peso das mortíferas determinações estatais
imanentes ao próprio seio do Movimento. Remetemos o leitor a essa leitura obrigatória porque queremos
partir dela para enfatizar alguns inconvenientes, não por acreditarmos que não tenham sido
abundantemente tratados neste e em outros escritos, senão no tangente à nossa experiência particular. O
primeiro referese ao fato de que o lnstitucionalismo avançado e até o "maximalista" não são
suficientemente conhecidos devido à sua pouca difusão, de modo que os pequenos grupos e organizações
não sabem de sua existência. Por outra parte, a maioria dos grandes experimentos "revolucionários"
massivos atuais não sustenta integralmente os ideais libertários antes mencionados, sendo pouco provável
que solicite a colaboração de um institucionalista, mesmo supondo que conheça sua proposta.
Isso reduz as demandas de trabalho àquelas apresentadas por organizações de pequena e média
envergaduras, que na maioria das vezes confundem o serviço que procuram com qualquer uma das
variedades "normativizantes" anteriormente descritas.
Também devido à pouca divulgação do Movimento, o Institucionalismo se vê forçado a recrutar
quase exclusivamente seus adeptos praticantes nos estabelecimentos de formação acadêmica de
especialistas e profissionais.
As duas dificuldades, a de uma demanda errada e a de uma procedência logocêntrica e
corporativa dos agentes, contribuem para o aggiornamento da corrente no sentido das orientações mais
adaptacionistas ou reformistas. Contudo, segundo nossa experiência na América Latina, algumas regiões
da Europa e (por referências) nos Estados Unidos, proliferam cada vez mais movimentos, espaços e
correntes idiossincráticos (de singularidades etárias, sexuais, raciais, religiosas e até trabalhistas)
"naturalmente" predispostas a coletivizações autônomas, senão à autogestão generalizada "a quente". Em
cada um desses âmbitos ou nos interstícios de outros mais "oficiais", abremse para o institucionalista
outras tantas oportunidades para reinventar sua "maestria". Tratase, mediante a autoanálise da implicação
despertada pelo encontro com a singularidade do
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coletivo intervindo, de expurgar os emergentes de profissionalismo e especialismo que se levantam como
impedimentos para a plena realização produtiva da intervenção como acontecimento. Fazemse imperiosos
para o Institucionalismo estudos cuidadosos e particularizados da estrutura e estratégias do Estado
(entendido como ubíquo, inconsciente e "contínuo") em cada formação social. Essa falência também foi
indicada por Lourau e outros; enquanto essa não for remediada por um extenso sistema de intercâmbio e
acumulação de informações (chamese, por exemplo, "Praxiologia", como sugerem alguns), o
Institucionalismo estará condenado a uma série de apreensivas apostas, sobre algumas das quais
voltaremos ulteriormente.
Sem pretender sequer introduzir o tema de uma "Estatologia Diferencial Institucionalista", queremos
apenas observar que as sociedades opulentas (em especial as sociais democracias européias), por um
lado, parecem propícias ao Institucionalismo devido à sua permissividade e tecnologização dos sistemas de
controle social, ao elevado nível de padrão de vida e de instrução pública e à preocupação generalizada
com a ameaça atômica e a deterioração ecológica. No entanto, por outro lado, os Estados gerentes
pseudoexitosos, modernos e eficientes administradores de enormes riquezas, persuadiram as populações
com benefícios concretos ou imaginários, levandoas a uma atitude de "conservadorismo crispado"
(segundo F. Guattari) ou de indiferença complacente (que alguns entendem como formas de resistência
passiva).
Nos capitalismos tardios latinoamericanos (por exemplo) ocorre algo diferente. As massas
extremamente depauperadas, as burguesias nacionais retrógradas (aquelas por total falta de opções reais
de sobrevivência, estas por quase absoluto desinteresse pelo cuidado com a força de trabalho e o cultivo
do mercado interno), não são propensas às propostas institucionalistas. Ao mesmo tempo, o brutal
contraste entre o discurso, estrutura e recursos estatais (essencialmente demagogos, insuficientes,
incompetentes e corruptos) e o trágico nível de carência dos coletivos fazem com que o "planismo" seja um
ostensivo fracasso. Como conseqüência, o Estado precisa urgentemente de otimizar sua gestão e as
comunidades, profundamente decepcionadas com suas expectativas acerca do
115 ▲
providencialismo estatal, começam, penosamente, a darse soluções próprias. Esta superfície mostra
algumas brechas para o Institucionalismo, se tal coisa existe, para certo trabalho "no Estado" e "com a
sociedade civil". Nesses empreendimentos, contudo, a reformulação das características do agente e de sua
práxis se faz imperiosa: a precariedade de meios de remuneração e a violência repressiva – como a
cooptativa, sempre pronta a desencadearse sobre o institucionalista e seu cliente – impõem estratégias e
táticas infinitamente sutis e cautelosas.
Essas questões não são, de maneira alguma, novas para o Movimento. Deuse para elas respostas
já célebres que levam nomes tão aceitos como vituperados pelos diferentes segmentos do
Institucionalismo: empresarização, entrismo, maquiavelismo, infiltracionismo, distorção da demanda,
marginalismo, clandestinismo, ressingularização das práticas são alguns dos termos usados para designar
manobras de contato e entrada nos coletivos de usuários. Consagrados e repudiados, esses modi
operandi, como muitos outros referentes a uma diversidade de assuntos do Movimento, expressam a
permanente tensão e oscilação que ocorre entre a conveniência de associar as diversas correntes do
Institucionalismo e seu horror à totalização. Em geral, o estado incipiente dos intercâmbios teóricos e
casuísticos gera uma exacerbação da crítica fundamentalista operante em uma espécie de "vazio".
Ao perigo de paralisia ao qual se aludiu anteriormente, causado basicamente pelo poderio, a
ubiqüidade e flexibilidade das forças reativas atuais, acrescentamse certos agravantes que iremos apenas
esboçar aqui. Freqüentemente o institucionalista, calouro ou experiente, mais ou menos acostumado a
suportar as limitações de sua tarefa e a crítica exógena ao Movimento, sofre sérias pressões resultantes da
crítica endógena, ou seja, da crítica que nasce da luta entre as correntes internas (conservadoras,
reformistas, alternativas, revolucionárias e até "terroristas") da corrente.
Não é nada estranho que assim seja; em outras palavras: não há nada de inesperado no fato de
haver dissidências em um Movimento que possui a estranha virtude de ter produzido, em pouquíssimo
tempo e com mínima repercussão "pragmática", uma rica e profunda autocrítica. Ela afeta tanto as
disciplinas teóricotécnicas, das quais as tendências institucionalistas se
116 ▲
originaram, quanto elas mesmas, independente do grau de desenvolvimento que chegaram a alcançar.
Essa crítica disseca, metaforicamente falando, cada uma das células, vísceras, tecidos, sistemas,
organismos e funções que as integram. Mas esse trabalho é feito habitualmente em abstrato e não sobre o
que alguns denominam uma "clínica ampla" do Movimento. Tanto é assim que capítulos fundamentais, tais
como o da logística (avaliação de disponibilidades ou resultados) ou, seguindo com a metáfora, a genética
(estrutura e dinâmica da reprodução e mutação), a biotipia (taxonomia de perfis) e a eugenesia (replicação
de perfis ótimos) ainda não foram escritos. Cabe aqui acrescentar a ressalva de que, segundo certo
conjunturalismo ou improvisacionismo extremado de alguns institucionalistas, talvez não seja necessário
escrevêlos senão como curiosidades museológicas, na medida em que tais registros só seriam
reconstrutivos de experiências consumadas. Essas, triunfantes ou falidas, teriam uma singularidade tal que
careceriam de qualquer valor prescritivo ou prospectivo generalizável.
A problemática que esboçamos tem, como uma de suas áreas mais sensíveis, a da sistematização
de uma "Pedagogia Institucionalista". Se se admite que o Institucionalismo é, em última instância, uma
modalidade de viver coletivamente, adquire sentido a afirmação (um tanto esnobe) de que "não se ensina".
Dito de outra maneira, a proposta é que cada coletivo construa as condições para se autoconhecer,
autodeliberar e autodecidir a forma sui generis, única e irrepetível, que deseje darse para existir. Este
processo prioriza a crítica e a dissolução das formas alienadas das quais padece, incluindo entre elas boa
porção dos conceitos com os quais as lê e as avalia. Nesta reelaboração, as figuras do profissional e do
técnico "em fazer isso" são forçosamente demolidas e, junto com elas, as dos "que ensinam a fazer isso",
especialmente se o fazem para formar "experts em fazer isso".
Mas se não se admite um "especialista em autogestão", devese necessariamente conceber (pelo
menos doutrinária e provisoriamente) procedimentos de inspiração autogestionária para formar diversos
especialistas, fazendo, no possível, uma clara discriminação entre especificidade e especificismo. A
redistribuição do saber e do fazer nas gestões autônomas cria
117 ▲
condições para surpreendentes descobertas e resultados protagonizados por participantes ou grupos dos
quais "menos se poderia esperar". Mas isso não implica que se tenha obrigatoriamente de reinventar tudo e
que não exista alguma divisão operacional e vocacional do trabalho, assim como tampouco descarta que
alguém que "passou por muitas gestões" possa participar de outras nas diversas qualidades que acima
confessamos não havermos conseguido classificar. Aludimos, é claro, ao que há algumas décadas se
denominava "acumulação social do saber".
O assunto tornase mais nítido no caso de coletivos de estudantes de alguma disciplina que
desejam aprender sua matéria no marco de uma experiência institucionalista e, mais claro ainda, quando se
trata de disciplinas diretamente aparentadas com as origens do Institucionalismo, tais como Sociologia,
PsicoSociologia, Ciências Políticas etc. A nota em comum, que configura estas comunidades como tais, é
a de associarse com a finalidade de gestionar uma forma coletiva e autônoma para adquirir o manejo de
certas contribuições teóricas e operativas dos saberes constitutivos da prática geral do Movimento. Que a
organização e procedimentos adotados sejam "nãodiretivos", "permanentes", "cogestivos", não é tão
importante quanto parece. Tampouco o é o tanto que a iniciativa seja parcialmente autogestiva (em âmbito
ideológico, pedagógico e político) ou integralmente autogestiva. O ponto crucial é que o projeto esteja
decididamente encaminhado, em cada um de seus dispositivos, a uma articulação e disseminação do
Institucionalismo com e em outros coletivos atuantes. Esse objetivo, quando é claramente assumido, exige
ou não a autodissolução do agenciamento pedagógico, mas pressupõe a firme disposição dos agentes
formadores à autodissolução e recolocação de sua "identidade" segundo os novos paradigmas nos quais se
insiram. Completando a idéia: impõe a não reprodução do equipamento e do modelo pedagógico que o
gerou. É evidente que dispositivos desse tipo só se justificam, e dão modestos frutos, enquanto a "frieza"
do contexto social que os contém não permite senão uma discreta transversalização do ensinamento com
as forças instituintes "pesadas" do Trabalho ou da Grande Política. Só alguns extraviados fanáticos ou
duvidosamente intencionados "puristas" confundem o que é
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"deixar aprender" Análise Institucional ou SócioAnálise em um estabelecimento ou curso isolado, "a frio",
com o que é tentálo numa autogestão social generalizada. No primeiro caso, o máximo que se
autodissolverá, e só até certo ponto, será a assimetria educacional entre professores e aprendizes. No
segundo, ambos deverão dissolverse em uníssono, assim como sua organização mesma, nas práxis dos
coletivos que lhes ensinaram "em ato" como e para quê fazêlo. Enfim: como dissemos, resulta
perfeitamente compreensível e ainda indispensável que os processos de auto exame e transformação
constante do Movimento se exerçam sem pausa nem concessão alguma. Mas se essa implacabilidade tem
efeitos inequívocos sobre as formas radicais antecedentes ou pioneiras do Institucionalismo, eles não são
tão límpidos quando se opera com indiscriminada dureza sobre a infinita variedade de propostas
institucionalistas contemporâneas.
Tensionado entre a necessidade de sobrevivência, a de "autorização" e o desejo produtivo, de um
lado, e os duros limites do Estado e das forças reativas do outro, o institucionalista deve ainda enfrentar a
crítica interna. Por isso, não é nada infreqüente encontrálo decepcionado, culpado, onipotente ou, o que é
mais comum, perplexo. Frente a esse difícil panorama, três deformações tocaiam o agente institucionalista,
como outras tantas soluções de compromisso do conflito que o dilacera.
Um primeiro caminho é o regressivo. O agente retrocede às modalidades mercantis,
adaptacionistas, burocráticas e corporativas do Movimento. Entre elas destacamse o empresarismo, o
funcionalato e o academicismo. Só que essas adoções se realizam" em nome do Institucionalismo", e com
um verniz mais ou menos progressista e declamatório. Os profissionais mais propensos a esse destino são
os psicólogos de empresa, administradores, comunicólogos e psicanalistas, assim como professores
universitários.
Uma segunda vicissitude é a que resulta de uma espécie de falsa aceleração pela qual o agente se
lança às formas clássicas da militância política, sejam as reformistas e eleitoreiras, os ativismos messiânicos
ou as vanguardas intelectuais contestatórias meramente discursivas. Sem que pretendamos condenar a
pertinência conjuntural dessas estratégias, urge se fazer constar que, em sua assunção, todo e qualquer
"espírito"
119 ▲
próprio do Institucionalismo se perde nas estratificações partidárias, sectárias ou facciosas.
Uma terceira escolha, tão engenhosa quanto discutível, é a que pedimos licença para denominar
com a pitoresca metáfora de "Tática do Tero". O tero é uma ave da planície Argentina que, segundo a
tradição gaúcha, "grita em um lugar e põe os ovos em outro", para assim protegêlas da voracidade das
espécies predadoras. Tentamos ilustrar assim a prática dissociada de alguns institucionalistas, que obtêm
subsídios e apoio em estabelecimentos e serviços ostensivos nos quais ensinam, publicam ou intervêm,
segundo versões híbridas, circunscritas e moderadas do Movimento. Ao mesmo tempo, colaboram ou
protagonizam, clandestinamente ou não, mas em real condição de implicados nos eventos e
empreendimentos mais puristas aos que têm ocasião de incorporarse. Não nos parece que esta
composição seja das piores, mas sim que é uma saída desgastante, inevitável, às vezes, devido às
limitações no desenvolvimento da doutrina e do Movimento antes apresentados.
Como quer que seja, e em referência a esse terceiro tipo de agente, muito nos importa esclarecer
que não deve ser confundido com outro, que cremos conhecer muito bem e que é urgente desmascarar.
Aludimos a certos "pseudo institucionalistas" que, sabendo das características dispersivas, erráteis e
libertárias que definem para alguns setores (provavelmente os mais criativos) a essência do Movimento, as
usam com os fins mais espúrios que se possa imaginar. Inteirados nominalmente de um punhado de noções
da corrente, as brandem como slogans para empreender um agitacionismo fanático: do "antiautoritarismo"
(que desvirtua toda autoridade fundada), da "desordem produtiva" (que inviabiliza qualquer organização e
eficácia), da "novidade radical" (que impossibilita qualquer regularidade operacional) da provocaçãoauto
heterodissolvente (que hipostasia a negatividade e carece de propostas construtivas), do saber exnihilo
(que proscreve o estudo e prescreve um intuicionismo inconseqüente) etc. Como notas secundárias
caracterológicas, estes "anarquistas de bar" costumam glorificar "a paixão" (que confundem com um
sentimentalismo raso), a "liberdade sexual" (que para eles é uma promiscuidade confusa e obscena), o
"hedonismo" (que consiste em um consumismo alcoólico, drogadito e parasitário) etc.
120 ▲
Variedades da marginalidade desocupada ou subempregada, originada da lumpenização das faixas médias
urbanas universitárias, tais "revoltosos", líderes, acólitos ou franco atiradores, não só "não passam" como
também "nem chegam" a encarnar essas célebres figuras que a militância ortodoxa qualificava de
esquerdosos festivos. Em termos institucionalistas: desviantes organizacionais, libidinais ou ideológicos
incapazes de produção. Sua triste história consiste em que uma vez tenham destruído e saqueado,
brandindo "palavras" instituintes, qualquer iniciativa que os tirou do anonimato, dedicamse a dar rédeas
soltas a sua "vontade de nada", ou melhor, a reproduzir caricaturalmente os vícios (sem as virtudes) da
"imperfeita" entidade de origem. Nem Eros, nem Teros, nem Ananké; em resumo: ladrões de galinhas.
II) O Institucionalismo e seus valores
Se as aproximações até aqui esboçadas foram ilustrativas, cabe concluir, no mínimo, que restam
muitas questões sem esclarecimento no Institucionalismo. Essa óbvia constatação não é proclamada aqui
apenas por pruridos éticos, consciência epistemológica ou autocomiseração sentimental. O motivo
fundamental é estratégico e tende a propor e demonstrar a possibilidade e conveniência de algumas
medidas a serem adotadas pelo Movimento. Política, logística, estratégia, táticas, técnicas, modalidades de
divulgação, implantação, desenvolvimento, transmissão, autorização, contratação, avaliação de resultados,
alianças, morfologia organizacional devem ser revistos no Institucionalismo. E isso não significa
exclusivamente que esses conhecimentos devam ser produzidos, mas que muitos deles precisam ser
apenas comunicados, intercambiados e elaborados coletivamente. Para tal, o Movimento deve darse
dispositivos formais, amplos e fortes, com respeito aos quais tem uma proverbial desconfiança. Será
procedente diagnosticar nesta encruzilhada algo assim como uma "enfermidade infantil do
Institucionalismo"?
Alguns textos que conhecemos procuraram uma abordagem de conjunto de pelo menos parte
desta problemática. Muitos pontos incertos são tocados e soluções interessantes colocadas com rigor e
vigor. Experientes institucionalistas exortam
121 ▲
seus colegas a um certo ecumenismo bementendido, assim como à subscrição de convenções
normativizadas e inteligíveis para a socialização da experiência das inúmeras tendências do Movimento.
Dános a impressão, contudo, de que (até onde sabemos) essas sugestões ainda não reconhecem nem
aproveitam devidamente os adiantamentos, em alguns casos admiráveis, que a crítica produtiva de outros
institucionalistas já gerou, justamente sobre os valores e recursos em nome dos quais se põem em marcha
tais entendimentos. Por outra parte, e até há pouquíssimo tempo, não havíamos percebido colocação
alguma para uma estruturação internacional do Movimento, apesar da lucidez que os institucionalistas
avançados e experientes demonstram acerca da onda de integração planetária de todos os processos
sociais.
Um tema exemplar para compreender essa curiosa combinação de falta de experiência elaborada
com uma espécie de puritanismo ético encontrase no capítulo sobre as modalidades de contrato e
enquadre das prestações de serviços. É óbvio que para os institucionalistas mais "profissionalistas" e
"especificistas" este ponto não significa problema algum enquanto já está regulado por leis ou normas
ditadas por organismos acadêmicos, trabalhistas ou jurídicos externos ao Movimento. Já para alguns, se
bem que esses requisitos sejam indispensáveis, só se exige que suas condições sejam rigorosamente
autogestadas pelos coletivos de usuários, compartilhadas pelas equipes intervenientes e tomadas por
ambos como analisadores construídos a serem cuidadosamente analisados. Entretanto, para as correntes
puristas, todo setting seria um aparato ou equipamento no qual se cristalizariam, como tecnologia
falsamente "neutra", as forças mais reativas do "especificismo" e "profissionalismo". Afirmam que se toda
intervenção está encaminhada a propiciar a inventiva e a autoinvenção dos coletivos, instituir um ponto
de partida contratual instauraria uma espécie de "repressão primária" inaugural cujos conteúdos
permaneceriam opacos para sempre aos "oficiantes" de tais "cerimoniais". Constituirseia assim um
núcleo cego, e portanto repetitivo, que tenderia a reiterarse como reprodução ou fabricação do mesmo.
Em outras palavras: da racionalidade, do poder, do lucro e do prestígio, do saber e fazer disciplinar que
dessa maneira ritual se funda. Essa limitação, extremada no
122 ▲
caso de abordagens assumidamente interiores às ciências "humanas" e "sociais" (Psicologia Social,
Sociologia das Organizações, Psicanálise Aplicada etc.), existiria ainda nos convênios de serviços da
Análise Institucional "Clássica" ou da PsicoSocioanálise.
Via esta questão restrita do contrato e do enquadre, nos introduzimos em uma contradição aguda e
geral do Institucionalismo. Por uma parte, recordemos a verdade de Perogrullo, de que a autogestão não
se decreta nem se concede, que não existe uma prescritiva para a invenção e que, como dizia Bakunin, "só
a liberdade engendra a liberdade". Por outra parte, tenhamos presente que em quase todos os casos em
que um institucionalista "é chamado" a intervir, isso ocorre porque os coletivos não conseguem aproveitar
as condições de liberdade de que dispõem para produzir (inventar), com a autogestão como meio e como
fim, aquela liberdade que desejam.
Consideremos um coletivo que decidiu darse uma forma autogestiva de funcionamento. Se a
mesma é integral, ou seja, se compreende os aspectos econômicos, políticos, "culturais" e libidinais de sua
práxis (e enquanto a tentativa estiver sendo exitosa), não se vê porque um companheiro institucionalista iria
ser convocado a participar. Pode acontecer que já pertença "naturalmente" ao coletivo em questão, caso
este que parece não criar problema algum, porquanto seu saber e fazer serão entendidos como
pertencentes ao tesouro do conjunto e espontaneamente utilizados.
No limite, cabe perfeitamente colocarse o modelo ideal de um coletivo autogerido de analistas
institucionais, o que tornaria difícil, ainda que não impossível, imaginálo solicitando os serviços de colegas
para catalisar uma intervenção sobre si mesmos.
Por outro lado, uma iniciativa autogerida sólida e assumida não teria por que privarse do
emprego crítico de qualquer recurso tecnológico contemporâneo. E claro que ninguém ignora a distância
que separa as aplicações da física à computação, por exemplo, da human engeneering. Mas se aceitase
que o paradoxal "expert" em autogestão tem muito que dizer sobre a implicação institucional dessas duas
disciplinas (além da própria), não se entende por que não apelar a ele em caso de necessidade ou ainda
de "luxo", e menos ainda porque seu trabalho não haveria
123 ▲
de ser pago.
O que está em jogo neste ponto, como em qualquer dos outros, é uma questão
políticoepistemológica de fundo no Institucionalismo. Devese ter presente que o Movimento afirma,
como um de seus mais essenciais fundamentos, a convicção de que os coletivos das sociedades modernas
são muito mais vítimas que beneficiários da divisão técnicosociallibidinal do trabalho. O vertiginoso
avanço das ciências e técnicas nos últimos cem anos, produtor de seus detentores, a casta privilegiada dos
tecno burocratas, e reforçador ao infinito de seus "padrões" dominantes – o Grande Capital e o Estado
administradorgerente – submergiu os povos em um grau de dependência inédito na História Universal. As
comunidades, cujas necessidades, demandas, hábitos de consumo e soluções são integralmente
produzidas pelas elites cientificistas e os equipamentos de poder, ficaram substancialmente despossuídas
de toda possibilidade de protagonismo no conhecimento das determinações que as constringem, assim
como de seu levantamento pelos recursos que poderiam gerar por si mesmas. O único recurso que restaria
às populações seria aceitar as requisições do participacionismo, quando não do colaboracionismo, que os
centros oraculares de poder se vêem obrigados a lançar, quando a mesma entropia de sua arbitrária
gestão os enfrenta com a ineficácia dos "planos" e a resistência passiva dos usuários. Mas a certeza do
Institucionalismo, acerca de que toda desalienação deve passar atualmente pela recuperação do saber e
fazer dos coletivos sobre seu destino, não consegue especificar os modos e graus em que a riqueza
científicotecnológica já produzida deve ser reapropriada pelos movimentos autogestivos.
Félix Guattari, a quem se atribui fundamentadamente o título de criador do termo "Análise
Institucional" e de cuja vocação autogestiva se torna difícil duvidar, escreveu: "A autogestão como consigna
pode servir para qualquer coisa. De Lapassade a De Gaulle, da CFDT aos anarquistas: Autogestão de quê? Referirse
à autogestão em si, independentemente do contexto, é uma mistificação. Convertese em algo assim como um princípio
moral, um solene compromisso de que será em si mesmo, por si mesmo, que se administrará o que é de si mesmo, de tal
ou qual grupo ou empresa. A eficácia de tal consigna depende, sem dúvida, de seu efeito de autosedução. A
124 ▲
determinação, em cada situação, do objeto institucional correspondente é um critério que deveria permitir esclarecer
a questão. A autogestão não pode ser senão uma consigna de agitação transitória que, em definitivo, corre o risco de
criar bastante confusão se não estiver articulada numa perspectiva revolucionária coerente... Se 'impugna', no
imaginário, a hierarquia. A autogestão, tomada como consigna política, não é um fim em si mesmo. O problema
consiste em definir, em cada nível de organização, o tipo de relação, de formas que devem estimularse, e o tipo de
poder a instituir. A consigna da autogestão pode converterse em uma fachada se substitui massivamente as respostas
diferenciadas pelos níveis e setores diferentes em função de sua complexidade real... Não há uma 'filosofia geral' da
autogestão que a torne aplicável em todas as partes e em toda situação... " ("Psicanálise e Transversalidade", Ed.
Siglo XXI, México).
Poderseia argumentar que essa citação foi tomada de um texto antigo e que a evolução posterior
deste autor o conduziu cada vez mais ao espontaneísmo radical e polimorfo que parece caracterizar o que
me permitirei chamar a modalidade mais extremista do Institucionalismo, quer dizer, a "Esquizoanálise". De
qualquer maneira, e considerando a complexidade do desenvolvimento dessa concepção, assim como a
infinita diversidade de suas estratégias, ela não fez mais que contribuir para a pluralização da morfologia
das iniciativas autogestionárias e o questionamento da autogestão como valor unitário e abstrato. Além do
mais, não descarta o apoio de tecnologia alguma, pelo contrário. Guattari é um de seus mais ardentes
defensores. O conceito de autogestão que acabamos de comentar sucintamente não é mais que um caso
de quantas categorias o Institucionalismo maneja. Nenhuma corrente, mesmo as mais drásticas do
Movimento, assume que seus termos teóricos não sejam apenas instrumentos formais, mas também, no
sentido mais forte do vocábulo, valores.
Na tendência esquizoanalítica que antes mencionávamos, assim como em muitas outras, os
máximos valores promovidos predicamse como: Produção (oposto à Reprodução), Invenção (oposto à
Fabricação), Afirmação da Singularidade, Diferença, Potência, Ser do Devir etc. (opostos à
Generalidade, Negatividade, IdentidadeRepetição, Reatividade, Ser como
125 ▲
Permanência etc.) A essas categorias podemse acrescentar as de: Agenciamento, Dispositivo, Desejo,
Máquina de Guerra, Acontecimento, Simulacro, que têm a ver com o Instituinte e os Bons Encontros
(opostos às Formações de Soberania, Objetivações das Idéias Puras ou Modelos, como sinônimo do
Instituído, dos Maus Encontros etc.). Toda a História Universal (a das Formações EconômicoSociais,
Civilizações, Subjetividades e ainda a do Pensamento e a da Natureza) estaria atravessada pela
miscigenação entre modos sedentários (territorializados) e modos nômades (desterritorializados) do Ser e
do Existir, pensáveis com os critérios mencionados anteriormente.
Uma análise genealógicoepistemológica de tais conceitos valores seria uma tarefa colossal e
apaixonante, que supera por completo as fronteiras de nossa capacidade e deste trabalho. Se os
repassamos aqui é apenas para referirnos a certas confusões que sua polissemia propicia e que levam a
que sejam usados com fins e resultados totalmente alheios a seus propósitos e, não poucas vezes,
diametralmente contrários a eles.
Não estamos falando do arsenal nem das estratégias manifestas e "molares" (como se chama na
"Esquizoanálise") do Capital, do Estado, da Lei, da Igreja, da Família ou da Corporação. Já a Teoria
Crítica Clássica do Marxismo e do Funcionalismo conseguiu que os aparatos, equipamentos e manobras
capitalistas, fascistas ou "democráticas" nos resultem cada vez mais definidos e visíveis. O Institucionalismo
(particularmente com os estudos de Foucault, Deleuze, Guattari, Lourau e outros) contribuiu para detectar
as formas "micro" desta rede, tornandoa ostensiva.
Tampouco nos referimos aos célebres mecanismos de recaptura com os quais o Sistema
reincorpora à torrente da reprodução e do consumo, assim como ao tabuleiro do registro e da dominação,
as invenções dos movimentos produtivo libertários. Nós os temos muito em conta, pelo menos em tese,
para precisar invocálas novamente neste contexto... a não ser que se considere recapturas os efeitos de
entorpecimento e antiprodução que se geram no seio dos grupos, organizações e práticas institucionalistas:
é a estes que queremos nos referir.
No capítulo anterior esboçamos uma qualificação crítica das correntes adaptacionistas e
"pseudoultra" do espectro de posições dentro do Institucionalismo e descrevemos algumas de suas
características contraproducentes. Talvez tenhamos deixado
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a impressão de que se trata de setores patentemente definidos que seriam simples de localizar e até
personalizar. Desde logo, existem casos em que isso é possível, mas aqui nos interessa destacar estes
perfis como tendências imanentes a todos e a cada um dos segmentos (incluída a subjetividade dos
agentes) de qualquer corrente institucionalista. Convém precisar com respeito a suas propostas teóricas e
sua atuação política e técnica, que da mesma forma que não cabe esperar nada de uma "Filosofia Geral da
Autogestão", tampouco corresponde fazer uma "Demonologia Geral Abstrata" desses desvios.
Naturalmente, não se trata de fomentálas nem de privilegiálas, mas sim de permanecer abertos aos
inesperados efeitos revulsivoprodutivos que uma intervenção assim conduzida pode causar, como notável
independência dos princípios que a guiam e que, eventualmente, pode fazêla preferível a outras mais
tecnoburocráticas, ou mais dissolventes ainda. Ninguém deve escandalizarse frente à aparente
contradição entre o postulado de um juízo preciso classificatório de uma corrente e a recomendação de
uma abertura expectante no tocante a tolerar sua atuação e observar seus resultados. Basta compreender
que as séries opositivas de valores que antes enumeramos, cujos primeiros termos seriam essenciais a uma
estimativa institucionalista, não são nem axiomas, nem evidências. Não são axiomas justamente porque o
Institucionalismo insistiu, desde diversos ângulos, em dessacralizar o tradicional estatuto da Teoria em sua
práxis, e mais ainda da Teoria baseada em parti pris formalizados. Pelo contrário, insistiu em uma
reivindicação da singularidade das práticas, para as quais as Teorias funcionam apenas como uma frouxa
orientação, quando não se limitam a prover certa intelecção pos' facto.
Por outra parte, os valores mencionados não são evidências, pois apesar da predileção do
Institucionalismo pelos atos e transformações concretas que sejam percebíveis como tais para técnicos e
usuários, sem misteriosas avaliações de seita, a amplitude e ambição que caracterizam a utopia ativa fazem
com que o Movimento distinguase bastante de todo positivismo, empirismo, pragmatismo ou
"intuicionismo".
Como quer que seja, compreendese que em um Movimento, no qual não se pode apelar ao
veredicto de uma Teoria específica nem ao de uma evidência fulgurante, os conflitos
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e discordâncias serão dirimidos em função de parâmetros marcadamente sutis, processuais e conjunturais.
Tudo isso se torna particularmente delicado, algo assim como um artesanato militante cujos princípios são
depuradamente contrários aos dominantes.
Como já expressamos mais acima, o Institucionalismo tem, hipoteticamente, inúmeros aliados nos
coletivos subjugados e explorados, mas quem impera atual e universalmente (embora não sem
contradições) são seus poderosos e ubíquos adversários e inimigos. Procede enfatizar que o
Institucionalismo não é somente opositivo ao Capitalismo e suas formas históricas
econômicopolíticoculturais (tais como os totalitarismos de Estado ou as democracias burguesas), mas
também à maioria das tendências e organizações críticas contrárias a esses sistemas. Por outro lado, ocupa
similar posição de antagonismo relativo em referência às sociedades "em transição" ao Socialismo.
Frente a um panorama tão desfavorável, o Institucionalismo exige que suas decisões de condução
sejam, no possível, exaustivamente deliberadas e exclusivamente consensuais, o que torna sua gestão
insuperavelmente coesa e homogeneamente revolucionária quanto às transformações de fundo e a longo
prazo. Não obstante, resulta notório que esse principismo sui generis, que se nega a separar meios de
fins, não facilita as resoluções e execuções táticas imediatas, diante de contendedores tão ágeis, fortes e
onipresentes. É no campo dessas dificuldades (e de outras que antes mencionamos) que recrudescem os
conflitos, inerentes a todo Movimento, que os próprios institucionalistas contribuíram tanto para
sistematizar. Em algumas de suas formas típicas esses conflitos podem ser descritos assim:
1) As pressões que o mercado competitivo exerce sobre as organizações institucionalistas sobreexigem
o tempo e os esforços destinados à implantação, sobrevivência e crescimento, digamos, vegetativo ou
infraestrutural das iniciativas.
2) Os poderes oficiais, acadêmicos, corporativos ou simplesmente profissionalistas desencadeiam
campanhas repressivas, injuriosas ou recuperadoras sobre a ação ou imagem dos institucionalistas. Entre
essas manobras destacase o que ironicamente podemos chamar "desvanecimento e usurpação de
patente". Tudo é "Análise Institucional", logo, "nada o é".
128 ▲
GLOSSÁRIO
Elaborado por Gregorio F Baremblitt com a participação de Cibele Ruas de MeIo
Advertências para a leitura deste Glossário
1) A autoria das definições e suas referências bibliográficas não estão citadas literalmente, pois esse requisito
excederia as aspirações e possibilidades deste livro.
2) Os autores crêem ter sido fiéis aos significados mais aceitos dos termos, mas se responsabilizam por toda e
qualquer omissão ou distorção que as definições impliquem.
3) De forma coerente com o exposto anteriormente, e como desculpa por qualquer injustiça cometida com a
paternidade ou a precisão dos conceitos, os autores renunciam a qualquer pretensão de originalidade, ou seja, de
propriedade intelectual dos mesmos.
4) E desnecessário dizer que este glossário, assim como o volume do qual forma parte, não pretende haver dado
conta nem da maioria dos autores nem dos termos que, segundo a definição ampla dada do Movimento, deveriam estar
nele incluídos.
133 ▲
5) Em alguns casos, como por exemplo no da Esquizoanálise, os autores estão cientes de haver incluído e definido
termos que não estão suficientemente esclarecidos. Êsperase que o leitor compreenda o dilema que termos pertencentes
a teorias tão vastas apresentam para os glossaristas: ou se renuncia por completo a mencionálas, o que empobreceria
demais esta leitura, que pretende ser panorâmica, ou se os inclui e define de uma forma sumária e provisória. Esta última
opção está destinada a motivar o leitor a procurar a bibliografia de origem para entendêlos e aprofundálos.
ACASO: modo de devir que se caracteriza por ser aleatório, imprevisível e incontrolável. Freqüentemente se
equipara este termo ao que é casual, contingente, insólito etc., apesar de os sentidos destes vocábulos serem variados.
Nos paradigmas ou modelos que partem da ordem, o acaso é considerado como uma vicissitude probabilisticamente
possível, mas em geral indesejável. Com o auge contemporâneo dos paradigmas ou modelos da" desordem", este é
considerado o modo de ser do devir dos processos, e se procura maneiras de pensar e atuar que incluam a "desordem" e
sua potência produtiva. No lnstitucionalismo (ver Movimento Institucionalista *), de modo geral, a" desordem" e o
acaso que caracterizam os processos são considerados fontes de produção* e essência do desejo*, geradores da
transformação e da novidade nos sistemas. Em um sentido estrito do instituído*, o organizado*, o estabelecido tentam a
repetição do mesmo (ver Repetição*), são conservadores, enquanto o lnstitucionalismo se interessa por propiciar a ação
do instituinte*organizante*, através da liberação do acasoradical, deflagrador da diferença, do novo absoluto.
ACONTECIMENTO: ato, processo e resultado da atividade afirmativa do acaso*. É o momento de aparição do
novo absoluto, da diferença e da singularidade. Estes atos, processos e resultados, conseqüências de conexões insólitas
que escapam das constrições do instituído*organizado*, estabelecido, são o substrato de transformações de pequeno
ou grande porte que revolucionam a História* em todos os seus níveis e âmbitos. O acontecimento atualiza as
virtualidades, cuja essência não coincide com as possibilidades. O virtual não existe, mas faz parte da realidade.
ADAPTAÇÃO: termo tomado da Biologia Evolucionista segundo o qual um órgão modificase, tornandose mais
apto para sua função. Usase também para referirse às mudanças que uma espécie animal adota para sobreviver, como
reação a diversos fatores que obstaculizam ou favorecem seu desenvolvimento. Nas chamadas Ciências Humanas, essa
noção foi empregada com freqüência, mas é muito criticada por evocar uma transformação dependente, apesar de que
freqüentem ente se lhe adicione o qualificativo "ativa". No lnstitucionalismo*, o vocábulo adaptação costuma ser
sinônimo de adequação ao instituido* – organizado* e implica acomodação.
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AGENCIAMENTO OU DISPOSITIVO: é uma montagem ou artifício produtor de inovações que gera
acontecimentos* e devires, atualiza virtualidades e inventa o novo radical. Em um dispositivo, a meta a alcançar e o
processo que a gera são imanentes (ver imanência*) entre si. Um dispositivo compõese de uma máquina semiótica e uma
pragmática e se integra coneetando elementos e forças (multiplicidades, singularidades, intensidades) heterogêneos que
ignoram os limites formalmente constituídos das entidades molares (estratos, territórios, instituídos* etc.). Os
dispositivos, geradores da diferença absoluta, produzem realidades alternativas e revolucionárias que transformam o
horizonte considerado do real, do possível e do impossível.
AGENTE: indivíduopessoasujeito protagonista das práticas* que se desenvolvem no complexo instituído* –
organizado* – estabelecido e seus equipamentos*. Entendido como produção de subjetivação*, o agente pode ser peça
especia lmen te gerada para formar parte de um dispositivo (ver agenciamento ou dispositivo*) transformador. De todas
as maneiras, o agente, no lnstitucionalismo, funciona mais como engrenagem ou efeito dos processos, e não como
causa dos mesmos.
ALIENAÇÃO: no sentido filosófico, designa um processo pelo qual um ser perde sua identidade ou seus atributos
essenciais, "alienandose" ou "transbordandose" no outro, ou em um "fora de si". No lnstitucionalismo a significação
deste termo é próxima à da Sociologia: os homens, ::''TUPOS ou classes sociais alienam suas potencialidades,
atribuindoas a entidades sobrenaturais (os Deuses), como disse Feuerbach, ou a uma classe social que, por ser a
proprietária dos meios de produção, se apropria do valor da força de trabalho não remunerada da classe produtora. Em
geral isso lhe permite também acumular poder político e prestígio.
ALTERNATIVA: designase assim as idéias, pessoas, organizações, movimentos e práticas que supõem uma opção
para seus simétricos oficiais, reconhecidos e consagrados. Se bem as propostas alternativas possam reunir a condição
de opositoras, dissidentes e marginais, não chegam a ser consideradas clandestinas, subversivas ou revolucionárias.
As forças e entidades dominantes desaprovam ou desqualificam as alternativas, mas em ge~al as toleram ou as ignoram.
Excepcionalmente, as recuperam.
ANALISADOR ARTIFICIAL OU CONSTRUÍDO: dispositivo* inventado e implantado pelos analistas institucionais
para propiciar a explicitação dos conflitos e sua resolução. Para tal fim, podese valer de qualquer recurso
(procedimentos artísticos, políticos, dramáticos, científicos etc.), qualquer montagem que torne manifesto o jogo de
forças, os desejos, interesses e fantasmas dos segmentos organizacionais.
135 ▲
ANALISADOR "ESPONTÂNEO" OU "NATURAL': analisado r de fato, produzido" espontaneamente" pela própria vida
históricosociallibidinal e natural, como resultado de suas determinações e da sua margem de liberdade.
ANÁLISE DA DEMANDA: é a análise e deciframento que se faz do pedido de intervenção por parte de uma
organização. É o primeiro e um importante passo para que se comece a compreender institucionalmente a dinâmica dessa
organização. É o material de acesso inicial que já contém valiosos aspectos conscientes, manifestos, deliberados, assim
como todo um filâo de aspectos inconscientes e nãoditos* que remetem a um esboço inicial da conflitiva e problemática
da organização solicitante. A demanda tem conotação especial para o lnstitucionalismo, particularmente a de que é
produzida pela oferta (ver Análise de Oferta") de bens e serviços.
ANÁLISE DA IMPLICAÇÃO: a implicação definese como o processo que ocorre na organização analítica, em sua
equipe, como resultado de seu contato com a organização analisada. É um termo que tem certa semelhança com o
conceito psicanalítico de contratransferência (reaçâo – consciente e inconsciente – que o material do paciente produz
no analista), só que no lnstitucionalismo a implicação não é um processo apenas psíquico, nem inconsciente, mas de
uma materialidade múltipla e variada, complexa e sobredeterminada (ver Sobredeterminação"). É ao mesmo tempo, um
processo político, econômico, social, etnológico heterogêneo que deve ser examinado em todas as suas dimensões. Por
outra parte, não é apenas uma reação da equipe interventora ao contato com o objeto de análise. Ela pode até ser prévia
a qualquer contato. Não começa no "cliente" e é, isso sim, uma interinfluência recíproca, simultânea, que faz parte
integrante do processo de análise da organização. Análise de implicação é a compreensão da interação, da
interpenetração dessas duas organizações, enfatizando a parte que cabe à intervinda.
ANÁLISE DA OFERTA: é um exercício de autoanálise" ao qual a organização analítica tem de se submeter para
deslindar sua implicação no tocante à geração da demanda. A publicidade, a divulgação (científica ou não), a proposta
direta u indireta dos serviços da organização analítica têm necessariamente uma relação de causalidade (geração ou
modulação) no referente à formulação da demanda de seus serviços. A toda oferta de prestação de serviços subjaz a
duvidosa mensagem que consiste na suposição de se saber e se ter o que o ou tro precisa, que por sua vez não sabe
que não tem e não entende o que é porque é complexo, sutil, técnico. A análise da demanda* deve estar
necessariamente articulada com a análise da produção desta demanda – ou seja, a análise da oferta, que forma parte da
implicação dos interventores.
136 ▲
ANÁLISE INSTlTUClONAL: seus fundadores e principais expoentes são G. Lapassade e R. Lourau, apesar de a
denominação ter sido criada por F. Guattari. Esta corrente institucionalista, uma das mais coerentes e empenhadas,
reconhece como seus antecessores a PsicoSociologia, a Dinâmica de Grupos, a Psicoterapia e a Pedagogia
lnstitucionais, assim como a Socioanálise de Van Bockstaele. Contudo, a Análise lnstitucional superou amplamente
esses precursores no sentido de uma radicalização de suas teorias, modos de intervenção e objetivos últimos.
Impossível resumir aqui suas contribuições, bastará dizer que se propõe a propiciar os processos autoanalíticos (ver
AutoAnálise*) e autogestivos (ver Autogestão*) circunscritos (se for o caso), mas tendendo sempre a que se
expandam até conseguir um alcance generalizado e revolucionário.
O lnstitucionalismo deve a esta orientação conceitos tais como insti tuin te* instituído", institucionalização,
analisadores históricos e construídos", demandaencargo*, efeitos" Mulhman, Lukács etc. A Análise lnstitucional
insistiu particularmente na análise da implicação*, ou seja, nas resistências econômicopolíticoideológicolibidinais dos
agentes analistas aos processos autogestivos durante as intervenções (crítica da Sociologia abstrata e "neutra"). A
Análise Institucional considera a prática de seus agentes como uma militância, e propõe para eles o perfil de um
intelectual implicado, à diferença do intelectual orgânico (partidário) ou engajado (freqüentemente um tanto
especulativo). Como dispositivo* de intervenção, inclinase pela Assembléia Geral Permanente, na qual os nãoditos*
institucionais são forçados a expressarse a té suas últimas conseqüências transformadoras.
ANTIPSIQU1ATRIA: nascido junto à grande corrente de crítica cultural e politica dos anos 60 nos Estados Unidos e
Europa, este Movimento, mais ou me nos radical, de impugnação do objeto (doença mental) assim como das teorias e
métodos da Psiquiatria e da Psicopatologia, impulsionou uma profunda revolução nesse campo. Seus máximos
representantes – Thomas Szasz e I. Goffman nos Estados Unidos, Michel Foucault, Félix Guattari e R. Castel na França,
Ronald Laing e D. Cooper na Inglaterra, F. Basaglia na Itália e E. Pichon Rivière na Argentina – insistiram na idéia de que
as qualificações" científicas" da loucura e da parafernália de recursos variavelmente violentos destinados a tratála não
seriam senão eufemismos da alienação política, econômica e cultural da sociedade moderna. A maioria desses autores,
que estiveram reunidos em um Congresso no Rio de Janeiro, em 1978, foram mentores ou participantes do Movimento
Institucionalista *.
AUTOGESTÃO: é, ao mesmo tempo, o processo e o resultado da organização independente que os coletivos se dão
pora gerenciar sua vida. As comunidades instituemse, organizamse e se estabelecem de maneiras livres e originais,
dandose os dispositivos* necessários para gerenciar suos condições e lnodos de existência. Todo processo
instituinte*organizante* implica uma certa divisão técnica do trabalho, assim como alguma especialização nas
operações de planejamento, decisão e execução. Essas diferenças podem implicar hierarquias, mas as mesmas não
envolvem escalas de poder. Os conhecimentos essenciais são compartilhados e as decisões importantes tomadas
coletivamente. As hierarquias correspondem a diferenças de potência, peculiaridades e capacidades produtivas que
visam sempre ser funcionais para a vontade comunitária.
CAMPO DE ANÁLISE: é o perímetro escolhido como objeto para aplicar o aparelho conceitual disponível destinado a
entender o campo de intervenção*: a inteligência acerca de como ele funciona, a articulação de
139 ▲
suas determinações, a forma como são gerados seus efeitos etc. Este aparelho conceitual pode constituirse de materiais
teóricos muito heterogêneos, dependendo da sua eficiência para fazer a "leitura" do campo de intervenção*. O campo de
análise não está delimitado segundo um perímetro que coincida com a definição empírica ou "oficial" (instituída e
organizada) de um segmento social. Quanto mais amplo o campo de análise, mais possibilidades existem de
entendimento do campo de intervenção, por mais aparentemente pequeno que este seja.
CAMPO DE INTERVENÇÃO: é o perímetro que delimitará o espaço dentro do qual se planejarão e executarão
estratégias *, logísticas *, táticas * e técnicas * que, por sua vez, deverão operar neste âmbito específico para
transformálo de acordo com as metas propostas. Está em estreita dependência do campo de análise*, desde o qual será
compreendido, pensado. Só se intervém quando se compreende, sendo que posteriormente se compreende à medida
que se intervém. O campo de intervenção pode ser muito amplo ou restrito a um estabelecimento ou organização (escola,
sindicato, empresa etc.).
CLANDESTINIDADE: remete a modos de existência social cuja característica principal é serem sigilosos, ocultos ou
secretos. As idéias, pessoas, organizações ou movimentos deste tipo podem somar a condição de opositores,
dissidentes ou marginais, mas sua característica essencial consiste em que sua relação delinqüencial, subversiva ou
revolucionária com a ordem dominante os torna indesejáveis, ameaçadores ou francamente perigosos para o
instituídoorganizado. Reciprocamente, a clandestinidade costuma ser condição de possibilidade de existência para
idéias ou segmentos sociais frente às forças e recursos repressivos ou eliminatórios que o sistema no qual atuam pode
mobilizar contra eles.
CLASSE INSTlTUCIONAL: a Sociopsicanálise de G. Mendel designa o estatuto do conjunto de agentes que são
igualmente responsáveis por uma etapa ou um nível dentro do processo de produção de um produto ou serviço. Tal
participação fica evidenciada quando a classe institucional se retira do trabalho, interrompendo o curso do processo
produtivo em um
140 ▲
ponto determinado. As classes institucionais de uma organização* são despossuídas da parte do poder* que lhes
corresponde pela classe suprajacente e despossuem, por sua vez, à classe subjacente. A classe institucional é o
segmento organizacional indicado como objeto de intervenção sociopsicanalítica e não se deve misturar seus
integrantes com os menlbros de outros segmentos.
COGESTAO: dáse este nome a um tipo de gestão organizacional na qual diferentes segmentos – por exemplo, de um
estabelecimento – cuja posição formal no organograma implica hierarquias e poderes diversos e, portanto, relações de
subordinação em última instância, elaboram um pacto ou acordo de trabalho ou administração conjunto para realizar uma
tarefa, sem mnunciar às categorias antes mencionadas.
COLABORACIONISMO: costumase denominar assim as atitudes e comportamentos de setores oprimidos, explorados e
mistificados que prestam subserviência, apoio ou cumplicidade às forças ou t'ntidades que os subordinam ou submetem.
COMUNIDADE: este temo é usado com uma grande variedade de sentidos nas ciências naturais e humanas. Em geral
referese a um conjunto de indivíduos (pequeno, médio ou grande) que está vinculado por algum traço, característica ou
atividade compartilhada. Esta peculiaridade pode ser de espécie, gênero, classe, categoria, sexo, idade, raça, lugar,
tempo, valores etc. O importante é que atribui uma singularidade e/ou identidade, assumida ou não pelos integrantes
que, de uma forma ou de outra, lhes confere uma certa coesão e solidariedade. Para a Sociologia Clássica, é fundamental
que essa solidariedade seja orgânica (organizada, diversifica da, hierarquizada e articulada), e não apenas mecânica. J. P.
Sartre distingue uma associação serial ou aglutinada da resultante de uma fraternidade do terror, e esta de uma em
processo de institucionalização que se vai fazendo a si mesmo. Para o lnstitucionalismo, é essencial que as unificações e
totalizações das comunidades sejam invenções provisórias e mutantes, subordinadas às forças instituintes* e
organizantes'" durante o curso da institucionalização.
CONFLITO: entendendo por conflito a oposição e luta dos contrários (dito em um sentido muito amplo), para algumas
tendências do Institucionalismo a contradição é a fonte de todos os transtomos e, ao mesmo tempo, o único motor da
mudança nos sujeitos, organizações*, movimentos, sociedades* e civilizações. Todas as forças, estruturas, instâncias e
mecanismos que compõem a realidade biossociallibidinal funcionam de forma conflitiva, e da cristalização ou da
resolução de sua dialética * depende o destino produtivo, reprodutivo ou antiprodutivo (ver Produção*,
141 ▲
Reprodução* e Antiprodução*) dos processos históricos.
Essa formulação recolhe, entre tantas outras origens teóricas, Os princípios e fundamentos da Psicanálise e do
Materialismo Histórico e Dialético, até incluir certas raízes nietzschianas e existencialistas do pensamento
institucionalista. Os conflitos entre instituinte* – instituído*, centroperiferia, exploradoresexplorados,
dominadoresdominados são apenas alguns exemplos da série interminável que se pode imaginar. Contudo, para outras
correntes, os conflitos, sua paralisação dilemática ou sua resolução dialética não são do nível determinante do real,
porque a substância da realidade é a pura afirmação produtivodesejante.
CÓPIAS: dentro do que interessa ao Institucionalismo, as cópias (segundo o pensamento platônico) são as almas que,
havendo tido, nos tempos míticos, uma proximidade, imagem e semelhança com as Idéias Puras* ou Modelos, perderam
a semelhança e só conservaram a imagem, esquecendo se dessa "queda". A maiêutica socrática consistiria em um
procedimento pelo qual, mediante o raciocínio, se conseguiria que as almas recuperassem a memória, e com ela o acesso
às Idéias Puras. O método platônico da clivisão em gêneros, espécies (etec.) seria uma forma de seleção para cliferenciar
as "boas" das "más" cópias, sendo que as primeiras estariam aptas para recuperar sua semelhança com as Idéias Puras.
As cópias são sinônimos de "representações". Para a interpretação institucionalista desse pensamento, ver Idéias
puras*.
142 ▲
exemplaridade), nenhuma dessas condições e seus respectivos governos são aceitáveis, configurando vícios de
condução que são, por sua vez, causa e efeito da impossibilidade ou incapacidade para uma democracia au togestiva.
CRISE: em sua origem grega e segundo os campos de atividade nos quais era empregada, a palavra krisis significava:
interpretação (por exemplo, dos sonhos), seleção (por exemplo, das vítimas de um sacrifício), juízo (por exemplo,
procedimento para chegar a um veredicto), momento crucial das vicissitudes ou do metabolé (por exemplo, cena de
apogeu numa tragédia), fase de definição, no sentido da melhoria ou da piora do curso de uma enfermidade.
Provavelmente por extensão da noção médica, o conceito de crise aplicase a processos de qualquer natureza, nos quais,
dentro de um andamento relativamente regular, chegase a um ponto de desequilíbrio (desorganização, desordem) mais
ou menos imprevisível na sua aparição e em seu desenlace. Esse estado de crise ocorre, segundo alguns, por caducidade
dos mecanismos e recursos vigentes, devido a seu desgaste e/ ou à incidência de forças e acontecimentos positivos ou
negativos acidentais, contingentes, circunstanciais, extraordinários ete. As crises são etapas de mudanças para o bem
ou para o mal, mas em geral aceleradas e radicais. Alguns atribuem as crises à exacerbação das contradições de um
sistema ou ao acúmulo de mudanças quantitativas que desembocam em uma transformação qualitativa. Outros
sustentam que são períodos ou espaços de transição entre tempos e lugares precisos e conhecidos, enquanto há os que
pensam que se trata dos prolegômenos do surgimento do absolutamente novo.
Para certos autores (por exemplo, Marx), o Capitalismo é um sistema histórico que existe em crise permanente, posto que
incorporou essa condição a seu modo normal de transcurso. Para o Institucionalismo, tanto enquanto campo de análise*
como de intervenção (ver campo de intervenção*), os estados de crise são considerados fecundos, na medida em que
envolvem a falência do instituído* – organizado* e a emergência do instituinte* – organizante* no seio da "desordem
criadora". Alguns institucionalistas, como Lapassade, tentam intervenções deflagradoras de crise grupal ou
organizacional (provocação institucional), e a maioria prefere intervir nos momentos críticos, melhor ainda se
generalizados a grandes segmentos ou à sociedade inteira.
DEFESAS: para as correntes institucionalistas tais como as psicologias institucionais de base psicanalítica kleiniana
(Elliot Jacques, Pichon Rivière, Bleger e outros), as posições esquizoparanóides e depressivas – as configurações
adquiridas pelos variados elementos que compõem o self (pulsões, objetos, fantasmas) no curso do desenvolvimento,
vêm acompanhadas de vivências características denominadas ansiedades * . Assim
143 ▲
se fala de ansiedades paranóides, depressivas, confusionais etc. Os mecanismos que se erguem contra elas
(dissociação, projeção, idealização, negação etc.) denominamse defesas e podem tomar como suportes os elementos
institucionais e organizacionais (contratos, organograma, regulamentos etc.). Por isso se diz que as instituições são
"sistemas de defesa contra a ansiedade*". Descritivamente falando, isso explica os quadros psicóticos que muitos
agentes* desenvolvem quando suas organizações entram em crise ou os expulsam.
DESEJO: a Psicanálise demonstrou que os sujeitos psíquicos estão determinados por uma força inconsciente sobre a
qual não têm conhecimento nem controle voluntário. Essa força se origina, por sua vez, das pulsões, e tende à busca do
prazer e à evitação do desprazer. A Psicanálise postula que o desejo é uma força do tipo conservador ou repetitivo, que
procura restituir um estado arcaico perdido, prévio à constituição do sujeito: o narcisismo. Durante esses incessantes
ensaios, o desejo, que carece do objeto real, se "satisfaz" ou "realiza" animando fantasmas (montagens de
representações imaginárias inconscientes que transcorrem em "outra cena"). Em última instância, o desejo persegue o
gozo absoluto, quer dizer, sua própria extinção definitiva, na qual se encontra com a pulsão de morte. O Complexo de
Castração, que instaura a lei no psiquismo, constitui o desejo, ao mesmo tempo em que lhe permite simbolizarse e servir
aos objetivos de vida. O desejo, para a Psicanálise, gestase no seio do Complexo de Édipo; no início do
desenvolvimento, atua exclusivamente na dramática da vida familiar, e só posteriormente induz os sujeitos psíquicos a
entrarem nos processos sociais amplos.
Algumas correntes do Institucionalismo compartilham a definição psicanalítica de desejo (Sociopsicanálise). Para outras
(por exemplo, a Esquizoanálise), o desejo é essencial e imanentemente produtivo, gera e é gerado no processo mesmo de
invenção, metamorfose ou "criação" do novo. Sua essência não é exclusivamente psíquica, pois participa de todo o real.
Corresponde aproximadamente ao que Nietzsche denominou "Vontade de Potência", ao que Espinoza chamava
"Substância" e os estóicos "Acontecimento Incorporal", que resulta do encontro entre os corpos (devir). Igualmente o
desejo (assim entendido) tem afinidade com o "virtual" bergsoniano, com as "quantidades intensivas" em Kant e com as
"impressões intensivas" em Hume. Esse desejo atua em todo e qualquer âmbito do real, não carece do objeto, ignora a
lei e não precisa ser simbolizado porque se processa sempre de fomla inconsciente. Não tende à morte porque constitui
a essência da vida como "Eterno Retomo das Diferenças Absolutas". Assim entendido, o desejo também está
parcialmente submetido a entidades repressivas, mas estas não são exclusivamente psíquicas, e sim um complexo
conjunto ao mesmo tempo político, econômico, comunicacional etc. Na Esquizoanálise de Deleuze e Guattari, o desejo é
imanente à produção, daí o conceito de produção desejante.
144 ▲
DESVIANTE: nas organizações e movimentos podem surgir sujeitos, grupos ou tendências que questionam o
instituído* – organizado, através de diversos discursos, atitudes e comportamentos. Protagonizam, assim, um desvio ou
afastamento da linha condutora hegemônica da organização. Sua dissidência* ou discordância pode ser mais ou menos
enérgica, mas em geral é predominantemente reativa, quer dizer, se bem impugna e denuncia os defeitos do
instituídoorganizado, não consegue fazêlo com consciência suficiente e estratégia adequada para gerar uma real
alternativa ou uma mudança profunda.O segmento desviante pode ser ideológico (quando propõe uma divergência ou
oposição teórica ou dou trinária), organizacional (quando altera a estrutura ou a dinâmica do organograma e fluxograma)
ou libidinal (quando apresenta opções na definição sexual ou outras vinculadas a eleições idiossincráticas em torno do
prazer, da moral etc.). A proposta e ação desviante podem, eventualmente, tornarse o gérmen de um processo
produtivodesejanterevolucionário.
DIALÉTICA: é um método para pensar e discutir as realidades materiais e metafísicas cujas diferentes versões estão
presentes em todo saber ocidental, desde a Antiguidade até a época contemporânea. É um pensamento que concebe a
realidade material e a espiritual em permanente movimento e transformação, devido a sua essência intrinsecamente
contraditória. Opõe se a todas as concepções que supõem o ser como estático e invariável, sendo as mudanças que se
apresentam apenas superficiais, ilusórias ou aparentes. A dialética atinge sua maior sistematização com Hegel, que a
postula como método para pensar o movimento do "Espírito Absoluto", essência de todo o real. Karl Marx, o fundador
do Materialismo Dialético e Histórico, de alguma forma conserva a concepção hegeliana do movimento dialético, mas o
atribui à matéria em suas várias qualidades, e não ao espírito.
A dialética sustenta que o movimento é regido por três leis: 1) Negação da negação; 2) Passagem da quantidade à
qualidade; e 3) Coexistência dos opostos em cada unidade. Isso implica uma total refutação das leis da Lógica Formal
Clássica, pois os princípios de identidade, contradição e terceiro excluído perdem vigência. Outro aspecto importante da
dialética referese aos denominados "momentos" de análise da realidade, que pode ser examinada como "universal",
"geral, particular" e "singular". Como nas leis do devir, cada momento nega o anterior, o supera e ao mesmo tempo o
conserva. O conhecimento da essência de toda e qualquer realidade circunscrita deve ter em conta esse "trabalho do
negativo" que não é diretamente apreendido pela consciência.
Algumas correntes do Institucionalismo incorporam recursos da concepção dialética (Análise Institucional*), outras
entendem que a dialética ainda é uma maneira conservadora de pensar e conceber o real (a negação da negação supera,
mas também conserva o superado), postulando, em troca, uma idéia do ser como puro devir no qual retornam
exclusivamente as
145 ▲
diferenças (Esquizoanálise*).
DISPOSITIVO: ver Agenciamento.
DISSIDÊNCIA: costumase empregar este termo para referirse à posição de setores discordantes ou divergentes de uma
organização ou movimento, sendo que tal divergência afeta principalmente a linha teólica ou ideológica. As tendências
dissidentes podem manterse no interior da organização movimento ou separarse dele.
DISTORÇÃO DA DEMANDA: alguns institucionalistas consideram que certas demandas de intervenção, que
expressam claramente uma falta de vontade instituinte*, ou mais ainda, um apreciável encargo repressivo ou
ligeiramente reformista, podem ser atendidas. O analista inicia a análise e a intervenção sobre essas bases, confiando em
que durante o curso do processo poderá reverter o equilíbrio de forças e encaminhar o andamento em direção à
autogestão* e à autoanálise * .
DIVISÃO SOCIAL DO TRABALHO: todo processo de produção, particularmente de bens materiais e serviços, exige
um trabalho, e este, por sua vez, consome força de trabalho. Os processos de trabalho complexos, em todas as
sociedades da História e especialmente na modernidade industrial, estão diversificados em diferentes tarefas
articuladas entre si. Essa composição conferiu à produção uma rapidez e eficácia jamais igualadas. Contudo, devido à
propriedade privada dos meios de produção e à compra e venda injusta de força de trabalho nos sistemas capÍtalistas
(extração de maisvalia), à divisão técnica do trabalho se superpõe uma divisão social. Determinadas tarefas são
consideradas privilegiadas e fundam hierarquias que outorgam riqueza, poder e prestígio. Coisa similar Ocorre em
outros sistemas de produção pela extração dos mesmos e dos outros tipos de maisvalia ("Socialismo Real"). Para o
Institucionalismo, a divisão técnica e social do trabalho é importante porque causa muitos dos conflitos a serem
analisados e intervindos. As divisões sociais do trabalho mais clássicas são as que separam e subordinam a produção
manual intelectual, do campocidade, masculinafeminina etc.
DOMINAÇÃO: imposição, por diversos meios (dentro de um espectro de
146 ▲
violência que vai desde a sedução até a destruição física), da vontade de indivíduos, grupos ou classes sobre outros. Os
instituídos* – organizados* estabelecidos, em especial o Estado e o grande Capital, mantêm seus privilégios dominando
a vontade coletiva ou majoritária. A dominação é simultaneamente política, econômica, jurídica, semiótica, Iibidinal ete., e
freqüentemente consegue contar com a passividade e também com a colaboração dos dominados (servidão voluntária).
ECRO: conceito da Psicologia Social de Pichon Rivière que é a sigla de "esquema conceitual referencial e operativo".
Referese, em primeira instância, às teorias, logísticas, estratégias, táticas e técnicas que um coordenador de grupo ou
um psicólogo social empregam para pensar e intervir sobre seus objetos' de trabalho. Contudo, o ECRO é muito mais que
o até aqui mencionado, porque inclui também tudo quanto seja acervo de vivências, experiências, afetos e outros
elementos que compõem a personalidade de todos os participantes. Por outra parte, a idéia do esquema denota o caráter
provisório e marcadamente conjuntural do dispositivo* teóricotécnico utilizado.
EFEITOS: várias correntes do Movimento Institucionalista* sustentam que a gênese teórica dos conceitos é inseparável
de sua gênese social. Em outras palavras: que a produção do conhecimento sobre as leis que dão conta dos fatos
sociais está sempre ligada aos acontecimentos concretos que possibilitaram e exigiram sua formulação. Se bem esta
afirmação não refute o caráter universal e omnivalente das grandes leis das ciências chamadas "humanas" (por exemplo,
a Lei do Valor, no Materialismo Histórico), o Institucionalismo enfatiza o momento "formal concreto" do conhecimento,
ressaltando suas características singulares devido à condição única, irrepetível e contingente do fato em questão. Por
isso prefere qualificar esses acontecimentos como "efeitos", seguindo uma orientação das ciências físicas, enquanto
esse termo designa processos e fenômenos com um alcance menos geral e mais local ou circunstancial. A lista de efeitos
que podem ser propostos é, por definição, interminável, mas mencionaremos aqui os mais conhecidos:
Efeito Weber: tem o nome do grande sociólogo Max Weber. Referese ao fato de que quanto mais" desenvolvida" e
complexa se torna uma sociedade* e quanto mais saberes especializados produz acerca de si mesma, mais ela se torna
opaca (incompreensível) em seu conjunto para os agentes* sociais que a integram.
Efeito Lukács: recebe o nome do filósofo Georg Lukács. Referese à constatação de que o nãosaber de uma sociedade
acerca de si mesma é conseqüência do progresso da ciência. Quanto mais formalizada, rigorosa
147 ▲
e quantificada aparece uma ciência, e quanto mais perde de vista as condições sociais de seu nascimento e
desenvolvimento (ou seja, quanto mais profundamente realiza seu "corte epistemológico"), mais satisfaz as exigências
cientificistas e mais contribui para o nãosaber de um conjunto social acerca de sua própria existência.
Efeito Heisemberg: o físico Werner Heisemberg sustentava que o que torna questionável a Teoria da Causalidade a nível
subatômico é a impossibilidade física de se medir objetivamente valores exatos, como, por exemplo, precisar
simultaneamente a velocidade e a posição de uma partícula. Nos experimentos da mecânica quântica, sujeito e objeto
constituiriam uma unidade inseparável no seio da qual se produziria o fenômeno. Essa constatação pode conduzir a um
irracionalismo (ou seja, a uma renúncia a um tratamento sistemático da determinação desses fenômenos), ou, pelo
contrário, à concepção de outras modalidades da causalidade. O lnstitucionalismo aproveitou essa idéia para abordar a
problemática da implicação, quer dizer, do intrincamento que se produz não só entre a equipe interventora e a
organização intervinda, mas também na construção que o analista institucional faz de seu objeto de estudo e intervenção
e a desconstrução analítica que faz do mesmo Em todos esses casos, cada um dos elementos mencionados é um
"resultante" do campo que assim se configura.
Efeito FrioQuente: é óbvio que a história das sociedades mostra períodos de estabilidade e "congelamento" da ordem
constituída, assim como outros de agitação, mobilização e grandes transformações. Alguns antropólogos pretenderam,
erroneamente, que as sociedades chamadas primitivas, por oposição às modernas, seriam "estáticas", quer dizer, que
careceriam de história. O lnstitucionalismo sustenta que é nos períodos "frios" da história que se consolida a produção
do conhecimento social científico, e, portanto, o nãosaber de uma sociedade acerca de suas capacidades instituintes e
a "naturalização" de seus instituídos*. Em ou tras palavras: a separação entre a "consciência ingênua" e o "saber
científico". Nessas fases, a análise e as intervenções institucionais só podem ser contratadas e circunscritas. Já nas
etapas "quentes", em que todo o saber social está em ebulição, ocorre o contrário: as experiências sociais se
multiplicam, as informações circulam por fora dos canais formais e criamse condições para a apropriação crítica por
parte dos coletivos do saber acadêmico. Também se afirma a verdade dos saberes espontâneos e a vontade de aplicar
de imediato todo o apreendido na ação instituinte. Quer dizer: geramse processos de auto análise* e autogestão*
espontâneos e generalizados.
Efeito Mülhman: este sociólogo das religiões descreveu um processo através do qual os movimentos messiânicos,
inspirados por uma profecia libertária,
148 ▲
chegam a um ponto de seu desenvolvimento em que alguns dos segmentos que os integram consideraos
"fracassados". Essa "função de fracasso" é capaz de provocar a cisão do movimento e a saída ou a expulsão de facções
dissidentes. Isso permite aos setores remanescentes institucionalizar o movimento e capturar as forças vivas e o
potencial de origem em estruturas e normas organizacionais "oficiais" e burocráticas rígidas. O lnstitucionalismo
constata que desfechos similares acontecem em todos os movimentos, especialmente nos políticos.
Outros Efeitos: Lefevre, Einstein, Reich, Artaud, centrocontraperiferia etc.
ENCARGO: no Institucionalismo*, a noção de encargo recebe definições e sinônimos diversos que tornam difícil
precisar seu significado. Em gerat podese dizer que este termo alude aos sentidos não explícitos, nãomanifestos,
dissimulados, ignorados ou reprimidos, e que comporta uma demanda de bens ou serviços. Em uma acepção ampla,
referese a uma solicitude ou exigência de soluções imaginárias ou de ações destinadas a restaurar a ordem constituída
quando a mesma está ameaçada. O encargo nunca coincide com a demanda e deve ser decifrado a partir dela, sendo que
seu sentido varia segundo o segmento organizacional que a formula. De acordo com o contexto discursivo de que se
trate, o encargo pode admitir como sinônimos: demanda latente, pedido, encomenda etc.
149 ▲
fragmentação do saber, articulada com a Divisão Técnica e Social do Trabalho*, consagrou a especificidade – a
delimitação taxativa da correspondência entre cada domínio teórico e um território da realidade que lhe é procedente –
como o valor cognoscitivo mais importante de nossa cultura.
O Institucionalismo estuda criticamente os efeitos distorsivos e alienantes (ver Alienação*) que essa cultura da
especificidade radical tem sobre a reconstrução gnosiológica de um mundo humano integrado. Sobretudo se interessa
sobre o efeito do nãosaber ou do desconhecimento que instaura em cada disciplina a ausência das outras e, em todas
elas, a desvalorização dos saberes nãoqualificados (saber artístico, popular, da loucura etc.).
ESPECIFIClDADE (OU ESPECIALIDADE, OU ESPECIALIZAÇÃO): num sentido muito amplo, é o que corresponde a
uma espécie de forma exclusiva ou prevalente. Em termos sociais e epistemológicos, tem a ver com a divisão das
condições e atividades humanas em geral e do trabalho em particular. Essas diferenciações, à medida que reduzem o
campo de atuação de cadél agente social, possibilitam o incremento de sua competência e eficiência, resultando no
aumento espetacular de sua produtividade. Por outra parte, redundam na fragmentação, dispersão e perda da visão
crítica e do sentido de conjunto das práticas que pode conduzir à "alienação", ou seja, à incapacidade de julgar e
conduzir seu andamento.
EQUIPAMENTO: conglomerados complexos, montagens de diversas materialidades (mais especialmente de recursos
técnicos), prevalentemente a serviço da exploração, dominação e mistificação. Os equipamentos podem pertencer ao
Estado* ou às entidades dominantes da sociedade civil (empresas, corporações). Podem ser de grande porte (por
exemplo, os instrumentos da comunicação de massas) ou de pequena dimensão (por exemplo, arquivos, impressoras,
relógios de ponto etc.).
150 ▲
ESQUlZOANÁLISE: soma não totalizável de saberes e afazeres praticáveis por qualquer agente, em qualquer tempo ou
lugar. Inventada por Gilles Deleuze e Félix Guattari e exposta pela primeira vez de maneira singularmente sistemática no
livro "O AntiEdipo" (1972), essa corrente não é enquadrável nos gêneros de pensamento e ação até agora conhecidos.
Qualquer tentativa de resumir essa amplíssima leitura da realidade naturalhistóricosociallibidinal e tecnológica seria
estéril. Mencionaremos apenas que, para essa concepção, tais materialidades são imanentes (quer dizer, consubstanciais
ou inseparáveis uma da outra), e mais ainda, estão" precedidas" por um campo de materialidades "puras", puras
diferenças intensivas.
A essência do real é a "produção desejante", ou seja, a incessante metamorfose geradora de diferenças inovadoras que
se originam ao acaso*. Nesse sentido, o real é constante e integralmente produzido, podendose distinguir nele uma
produção de produção, uma de "registrocontrole" e uma de "consumovoluptuosidade". O processo produtivo de
produção pode ser pensado segundo a lógica que caracteriza o funcionamento da esquizofrenia (não como patologia,
mas como ser do devir), a microfísica e a biologia molecular. Tratase de um funcionamento absolutamente livre, infinito e
imprevisível que consiste em conexões e cortes de fluxos energéticos entre unidades intensivas denominadas "máquinas
desejantes", cada uma das quais é uma pura e irrepetível singularidade*. As máquinas desejantes dispõemse e agenciam
sobre uma matriz de gradientes energéticos denominada "corpo sem órgãos". Mas a produção de produção de
novidades é capturada pelos estratos, territórios e equipamentos da produção de controleregistro que tende à repetição
do mesmo, colocada a serviço de uma entidade centralizadora, totalizante, concentradora e acumulativa, que varia
segundo o modo de organização histórica da produção de que se trate ("Corpo Cheio da Terra", "do Déspota" ou do
"CapitalDinheiro"). Na atividade de controleregistro predominam a reprodução e a antiprodução. Uma dessas formas é
o que a Psicanálise chama Pulsão de Morte.
Segundo a entendemos, a Esquizoanálise compreende toda e qualquer atividade intelectual ou prática que procura liberar
o processo produtivo desejanterevolucionário, demolindo as constrições da parafernália de controleregistro. Esse
conjunto nãototalizável de práxis singulares configura a "Micropolítica", em cujo âmbito as inúmeras revoluções são
feitas não apenas por necessidade ou dever, mas pelo desejo. Entendida como procedimento para pensar e compreender
o real, a Esqllizoanálise compõese de tarefas negativas de crítica e desconexão de valores dominantes e outras positivas,
destinadas a propiciar o livre fluir da .produção e do desejo na vida biológica, psíquica, comunicacional, política,
ecológica etc. A Esquizoanálise também é definida com outras denominações, tais como "Pragmática Universal",
"Análise Nômade" etc.
151 ▲
ESTADO: Conglomerado complexo de instituídos*organizados*estabelecidos, agente e instrumento de persuasão,
repressão, coerção e até eliminação social a serviço prevalentemente das classes, grupos e idiossincrasias dominantes.
Opera principalmente através da captura e recuperação* de singularidades e forças produtivas de toda natureza,
reinvestindoas na lógica do sistema ou suprimindoas. Seu principal instrumento é o Direito, corpo estabelecido de leis*
que regulam as relações sociais a favor dos setores privilegiados, apresentandose aparentemente como expressão da
vontade majoritária. Existem muitos diferentes tipos de Estado, mas o Estado moderno precisa de reconhecimento e
legitimação, que obtém por meio de sua concordância com a Lei. O Estado não se compõe apenas de grandes
organismos, mas também de microagências instaladas no corpo biológico e no psiquismo (Estado contínuo;
micropoderes do Estado). Não é que o Institucionalismo negue a existência de forças e processos instituintes
organizantes dentro do Estado, mas privilegia a denúncia de seus aspectos de reprodução e antiprodução.
EXPLORAÇÃO: processo de expropriação das forças, meios e resultados dos processos produtivos de toda índole,
efetuado pelos setores dominantes sobre os produtores. A exploração é possibilitada e reforçada pelos mecanismos de
dominação* e mistificação*.
152 ▲
FUNÇÃO: denominação que se dá aos propósitos, procedimentos e objetivos dos instituídos*organizados*
estabelecidos, seus agentes* e práticas*. A função está sempre, prevalentemente, a serviço das diversas formas
históricas da exploração*, dominação* e mistificação*. A função apresentase às representações e crenças das
sociedades "deformada" pela mistificação como sendo uma atividade "natural", eterna, invariável, universal, lógica e
necessária. A rigor, opera fundamentalmente como ação reprodutora (ver Reprodução*) dos sistemas.
GÊNESE SOCIAL E GÊNESE TEÓRICA: particularmente a Análise lnstitucional tem insistido em que as teorias e
doutriné1s, sejam elas científicas, ideológicas, filosóficas ou estéticas, têm apenas uma autonomia relativa com respeito
aos acontecimentos*, conjunturas, organizações e movimentos históricosóciolibidinais no seio dos quais surgiram. Em
conseqüência, não se pode analisar nem compreender as origens e o conteúdo de discursos e textos postulando sua
independência em relação às condições concretas de seu começo e existência atual. Do mesmo modo, não se entende
nem se avalia um movimento sem conhecer o pensamento que o inspira e justifica. Em todo caso, a afirmação de que a
gênese social e teórica são inseparáveis entre si, opõese a qualquer crença na neutralidade e universalidade das teorias,
assim como à crença de que os "fatos" sociais possam "falar por si mesmos", prescindindo de alguma leitura que os
torne inteligíveis.
GRUPO SUJEITO E GRUPO SUJEITADO: estes conceitos são de autoria do institucionalista Félix Guattari (ver
Esquizoanálise*). Se um grupo constituise com uma Utopia Ativa * capaz de gerar suas próprias leis para realizála e de
construir a si mesmo durante o processo, tendo sempre presente sua finitude e a perspectiva de sua própria morte, então
é um grupo sujeito (protagônico). Pelo contrário, um grupo alienado (ver Alienação*) em objetivos, procedimentos,
estruturas e leis* que se lhe impõem desde outros segmentos ou desde a totalidade social, que se empenha em subsistir
como um fim em si quando não cumpre com sua finalidade, é um grupo sujeitado. Para Guattari, a formação grupal é tão
importante que o leva a afirmar a existência somente de fantasmas "de grupo", e não "individuais" ou "coletivos".
153 ▲
HISTÓRIA: para o Institucionalismo, é um saber que procura reconstruir os acontecimentos do passado, assumindo que
o fará a partir dos desejos, interesses e tendências de quem protagoniza esse estudo. Assim entendida, a História não é a
investigação acerca do que já está definido, obsoleto e morto, mas o conhecimento de processos vigentes no presente,
que começaram no passado e que determinam virtualidades e possibilidades futuras (Utopia Ativa*). Não existe um
processo em um tempo unitário que possa ser reconstruído em um relato único. Existem variados processos, cada um
transcorrendo em um tempo que lhe é próprio e que pode ser relatado em uma história da diversidade. Assim, existem
histórias econômicas, políticas, culturais, biológicas, geológicas, raciais, geracionais, sexuais. Podese tentar articular os
diferentes tempos dos variados processos históricos em uma leitura que caracterize eras, etapas, períodos ou épocas
localizáveis geográfica ou cronologicamente, mas sem perder de vista que os resultados nunca serão totalizáveis nem
determinados em "última instância" por nenhum dos processos assim agrupados. A História, para o Institucionalismo,
não é apenas um exercício erudito que estuda o que se repete e caracteriza o que não se repete. Tratase da reconstrução
dos grandes momentos contingentes e imprevistos que se efetuaram em acontecimentos* de radical novidade. Por outra
parte, não investiga como o passado determina o presente e pode condicionar o futuro, mas como o presente ativa e
deflagra virtualidades do passado e como propicia os acontecimentos* no porvir.
HORIZONTALIDADE: na Psicologia Social de Pichon Rivière, a horizontalidade designa a dimensão grupal atual, ou
seja, o conjunto de elementos que coexistem e operam, configurandose no aqui e agora do campo grupal. Na
PsicoSociologia* Organizacional e no Institucionalismo, a horizontalidade define a dimensão da vida organizacional
que corresponde às relações e aos processos informais, ou seja: rumores, intrigas de corredor, vínculos sexuais etc.
IDÉIAS PURAS: no que interessa ao Institucionalismo, as Idéias Puras, segundo Platão as concebeu, são seres
idênticos a si mesmos, eternos e invariáveis, modelos de tudo que existe. Delas só se pode predicar sua
154 ▲
própria essência (por exemplo: a brancura é branca). O desejo dos corpos humanos por outros corpos belos deve ser
encaminhado como amor ao saber, à procura da Verdade, que é a visão das Idéias Puras, e essa é também uma proposta
ética, enquanto implica a virtude e o bem supremo. Diversas correntes do Institucionalismo abordaram criticamente essa
concepção como sendo a base especulativa dos sistemas institucionais (incluídos os subjetivos) de subordinação a um
ideal ou modelo, e de hierarquização e seleção dos" candidatos" a funções de poder e prestígio. As Idéias Puras são
sinônimos de "ídolos" para alguns autores.
IDEOLOGIA: classicamente se entende por ideologia um conjunto mais ou menos sistemático de representações
(crenças, convicções, valores) que os sujeitos e grupos formam sobre a vida e o mundo. Essas representações estão
animadas por vontades e desejos. Quando configuram sistemas amplos, denominamse cosmovisões ou visões do
mundo. Enquanto sistemas de representações, constituem as ideologias teóricas, mas podem ser também disposições
para a ação ou comportamentos concretos (ideologias práticas).
A ideologia, definida como oposta à ciência, é entendida como um sistema de reconhecimentodesconhecimento, ou seja,
apenas um saber aproximativo e viciado por erros. Esses erros seriam provocados pela posição que os sujeitos ocupam
nos sistemas que se representam erroneamente, ou por forças ativas (por exemplo, as das classes dominantes) que
produzem, distribuem e fazem adotar estas crenças equivocadas que favorecem seus interesses.
Em outra direção, a ideologia é considerada uma representação imaginária que os homens fazem de sua relação com suas
condições reais de existência. Segundo esse sentido, à ideologia manifesta subjazem fantasmas inconscientes que são
"realizações" de desejos inconscientes. Esse significado de ideologia a aproxima do anseio ou da ilusão.
Segundo seu matiz político ou ético, as ideologias classificamse em progressivas (se sustentam valores evolutivos ou
revolucionários) ou regressivas (se são reacionárias ou conservadoras). Em geral, em uma sociedade"', a ideologia
dominante é aquela que os setores dominantes conseguem produzir e difundir. Para algumas correntes do
Institucionalismo, a ideologia é um conceito importante e operacional (Sociopsicanálise*, Análise Institucional *); para
outras, carece de interesse, por pertencer ao espaço da representação e não ao das forças (Esquizoanálise *).
IMANÊNCIA: para alguns filósofos, este termo designa a interioridade de um ser ao ser de outro. Opõese à
transcendência. Para o Institucionalismo, expressa a nãoseparação entre os processos econômicos, políticos, culturais
(sociais em sentido amplo), os naturais e os desejantes. Todos eles são
155▲
inerentes, intrínsecos e só separáveis com finalidades semânticas ou pedagógicas.
INCONSCIENTE: em um sentido amplo, referese a realidades e processos que não são conscientes. O significado
psicanalítico designa instâncias, processos, mecanismos, forças e representações, em especial o Complexo de Édipo e o
desejo, que são mantidos no espaço psíquico inconsciente pela força ativa do recalcamento, especialmente o
recalcamento primário. Algumas correntes institucionalistas compartilham a definição psicanalítica (por exemplo, a
Sociopsicanálise). Para outras, o inconsciente é a qualidade de prématerialidades e processos das mais diversas
essências que se gera como espaço no ato mesmo da produção do novo. É um campo histórico que sofre uma repressão
políticoeconômica e libidinal dada pelo horizonte do possível de cada formação social.
INFRAESTRUTURA: no Materialismo Histórico, ciência da História, da Sociologia e da Economia Política marxistas,
denominase infra estrutura à instância do todo social na qual se desenvolve o processo de produção, distribuição,
apropriação, troca, consumo e desfrute de bens materiais. Esse processo é considerado a base material e condição de
existência de toda e qualquer sociedade, operando a reprodução* econômica restrita do modo de produção*. Na versão
clássica do Materialismo Histórico, a infraestrutura determina a superestrutura*.
INSTÂNCIAS: no Materialismo Histórico, particularmente na versão de Althusser, denominase instância a cada região
que compõe o território ou domínio do modo de produção, dito em sentido amplo, de uma sociedade humana. Essa
terminologia resulta da importação do modelo da Segunda Tópica freudiana para a teoria do Modo de Produção, quer
dizer, a que apresenta a personalidade como integrada pelas instâncias do Ego, Superego e ld, e também das instâncias
do aparelho jurídico.
156 ▲ origens das instituições são difíceis de determinar. Podese falar de quatro instituições "fundantes"
das sociedades humanas (ver sociedade*).
INSTITUÍDO: ao resultado da ação instituinte* denominase instituído. Quando esse efeito foi produzido pela primeira
vez, dizse que se fundou uma instituição. O instituído cumpre um papel histórico importante porque vigora para ordenar
as atividades sociais essenciais para a vida coletiva. Para que os instituídos sejam eficientes, devem permanecer abertos
às transformações com que o instituinte* acompanha o devir social. Contudo, o instituído tem uma tendência a
permanecer estático e imutável, conservando de juri estados já transformados de facto e tornandose assim resistente e
conservador.
INTERESSE: denominase assim às motivações, desejos, aspirações, expectativas e demandas préconscientes e
conscientes que impulsionam ou mobilizam os agentes, grupos ou classes na atividade social. Os interesses
caracterizamse por serem conhecidos e assumidos pelos sujeitos e estarem dotados de uma certa racionalidade. Em
geral, os interesses divergem ou se opõem aos desejos e fantasmas inconscientes, e freqüentemente se descobre que
sua suposta racionalidade não é mais que uma racionalização.
INTERVENÇÃO lNSTITUClONAL: ação transformadora praticada segundo uma ética e uma política e formalizada em
uma teoria aplicada segundo certas regras metodológicas e uma série de recursos técnicos. Todo esse procedimento
parte de uma avaliação 1ogística de disponibilidades e é planificado segundo uma estratégia que se decompõe em
táticas. Seu objetivo central é propiciar nos coletivos intervindos a ação do instituinte* organizante* e, no seu limite, a
implantação de processos plenos e continuados de autoanálise* e autogestão*.
LEIS: consistem na formalização e explicitação, em textos e/ou discursos, das árvores de valores e decisões que
constituem as instituições*. Quando expressam rígida e exclusivamente a vontade do instituídoorganizado* e se
apresentam como universais e mais ou menos invariáveis, sendo
157 ▲
referendadas, por exemplo, pelo Estado ou a Igreja, são apenas a justificativa da dominação* – exploraçãomistificação.
Quando são provisórias e singulares e expressam realmente a vontade instituinte*organizante* que "se dá suas
próprias leis", são instrumentos formais produtivodesejante revolucionários. O Institucionalismo conhece e aplica as
leis científicas que lhe são úteis, mas aceita e enfatiza o papel do acaso* nos processos de que se ocupa.
LÍDER: as lideranças são papéis específicos que adquirem importância especial por suas funções dirigentes ou de
condução. Os mais característicos são: o autoritário, o laíssezfaire e o democrático. Quando o líder é um autêntico
recurso para o funcionamento instituinte, denominase revolucionáriodesejanteprodutivo. Seu estatuto não é o de um
modelo, mas o de um exemplo singular.
LOGÍSTICA: balanço dos recursos e forças disponíveis no início de uma intervenção. Avaliase o que está disponível
para contribuir ou para dificultar o trabalho, que se iniciará se houver um mínimo de possibilidade de realização. A
logística vai sendo reavaliada durante o percurso da intervenção.
MARGINALIDADE: por referência a teorias, doutrinas, ideologias, organizações, movimentos, espaços físicos,
geográficos ou abstratos, idiossincrasias (sexuais, raciais, etárias, nacionais, econômicas, jurídicas) etc., considerase
marginal a todo e qualquer elemento afastado do que se entende por central, legítimo, consagrado ou autêntico nos
campos correspondentes. O marginal em geral adquire um matiz pejorativo que denota ou conota tanto aquilo que está
desvirtuado como até o que se avalia francamente como negativo ou perigoso. Obviamente, o termo marginalidade está
muito relacionado com a oposição centroperiferia.
MASSAS: noção de difícil definição, que foi empregada de muitas maneiras não coincidentes. Num sentido, designa
grandes segmentos da população que se opõem às minorias (particularmente às elites) e podem vir a ocupar seu lugar.
Em outra significação, referese a conjuntos humanos amorfos, cujos integrantes carecem de "identidade" própria.
Também se diz de seus componentes que são dirigidos por outros; e não intradirigidos. Freud utilizou o conceito de
massa como sinônimo de grande agrupação. As massas efêmeras dividemse naquelas que se fomlam e dissolvem
espontânea ou fugazmente (multidão) e nas que se organizam ocasionalmente em torno de um líder. As massas
"estáveis" são, de modo plausível, sinônimo de organizações; Freud dá como exemplo a Igreja e o Exército. Chamase
"Sociedade de Massas" aquela em que as diferenças (por exemplo, a de classes) se apagam em função de outros
parâmetros (por exemplo, o acesso
158▲
ao consumo de certos produtos).
MISTIFICAÇÃO: processo mais ou menos deliberado de produção, difusão e assimilação de representações, crenças,
convicções e valores que deformam, encobrem ou falsificam a realidade natural ou social com a finalidade de enganar as
forças e agentes* instituintes* e organizantes* Perpetuamse assim os instituídos*organizados*estabelecidos, e com
eles, as formas históricas que adotam a exploração" e al dominação*. Podese considerar os processos de mistificação
como sinônimos de produção, difusão e assimilação de ideologias regressivas ou, segundo outra terminologia
institucionalista, de máquinas de semiotização de captura e recuperação* .
MODULAÇÃO (PRODUÇÃO) DA DEMANDA: O lnstitucionalismo questiona a crença de que existem necessidades
"naturais" (portanto universais e eternas) que se expressam em "demandas espontâneas". Uma sociedade* tem
necessidades que não conhece e não consegue definir como tais, assim como supõe ter necessidades cuja existência foi
produzida e cuja expressão em demandas foi gerada e modulada pela oferta. A produção de objetos suntuosos, bens de
luxo e desperdício dos setores dominantes, tem sido sempre prioritária. O que resta da produção é o que se oferece às
comunidades, categorizado como "objetos das necessidades básicas". Dessa maneira, definemse tais necessidades e se
convoca e modula sua demanda. Nas sociedades industriais modernas, a construção de um "Estado beneficente,
previdenciário, administradorgerentecientista" e de um mercado de bens e serviços submete a produção de
necessidades e a modulação das demandas à ação dos saberes disciplinares e de seus agentes*, os experts. São eles os
que decidem o que, como, quanto, onde, porque e quando as pessoas "necessitam" e "demandam", no que se refere a
bens de consumo ou de "capital" e a serviços de saúde (física e mental), educação, transporte etc. Essas decisões e as
ações que elas orientam são, segundo dizem os experts, "cientificamente" fundadas, e de acordo com a "vontade
popular", sempre visando "o bem comum".
A partir da Psicanálise, costumase afirmar que o desejo* mediatiza a relação entre necessidade e demanda. Ou seja, entre
as exigências da necessidade e sua expressão significante atua o desejo, que a Psicanálise define como essencialmente
faltoso de objeto ou carente de resposta material possível. A necessidade não satisfeita origina uma privação que pode
ser resolvida com os objetos materiais correspondentes. Já a demanda, do ponto de vista psicanalítico, não é um pedido
do que manifestamente se solicita, mas de "amor" e "reconhecimento", sendo compensável com as respostas que a
complementem. O desejo, em troca, pede uma impossível restauração narcisística, o gozo absoluto. A produção de um
fantasma pode lhe dar uma satisfação imaginária e transitória, e a simbolização, um destino
159 ▲
socializável, enquanto só a morte pode conferirlhe uma definitiva. Algumas correntes institucionalistas questionam
radicalmente essa concepção do desejo*.
MOLAR: para a Esquizoanálise*, este termo designa uma ordem de organização do real que caracteriza a superfície de
registro e controle e a de consumoconsumação. Nessa ordem, as entidades características são os estratos e os grandes
blocos representativos dos territórios constituídos. É o lugar dos códigos, sobrecódigos e axiomáticas, das formas
sujeitos e objetos definidos, dos organismos biológicos e das grandes corporações e corpos cheios do Estado*, Igreja
etc. Compõe o que em outra terminologia se denomina instituídos*organizados*estabelecidos. Nesse espaço
constituemse as matérias formadas e as forças vetorizadas (númen voluptas). É o campo da regularidade, da
estabilidade, da conservação e da reprodução*, onde operam os equipamentos sedentários de captura e recuperação*.
Aproximase ao que se chama "o mundo do macro".
MOLECULAR: para a Esquizoanálise, este termo caracteriza os elementos que compõem a superfície de produção
desejante. Essa superfície está integrada pelo "corpo sem órgãos" (uma rede de intensidades puras que se distribuem em
gradientes delimitados por limiares a partir de zero) e pelas "máquinas desejantes" (rede de singularidades acopladas de
maneira binária – máquinafontem.áquinaórgão – que se conectam em todas as direções, segundo o acaso* ou uma
lógica aleatória). Essas conexões fazem circular fluxos (deviresesquizias) interrompidos por cortes que, em suas ligações
anárquicas locais ou à distância, resultam em uma eclosão do novo ou na metamorfose das entidades molares,que assim
se desestratificam e se desterritorializam por linhas de fuga. É o lugar das matérias nãoformadas e das energias não
vetorizadas onde as máquinas moleculares se formam ao nlesmo tempo em que funcionam. Os dispositivos* e máquinas
de guerra nômades, agenciamentos* que se montam com especial permeabilidade para o desejo* e a produção*, estão
desenhados para funcionar com esta lógica que produz o Desejo* e o lnconsciente libertários. Em outra terminologia, o
molecular corresponde parcialmente ao instituinte* – organizante*.
MOVIMENTO INSTlTUCIONALISTA: conjunto não totalizável de escolas e correntes cujas diversas tendências
subscrevem alguns objetivos comuns, entre os quais os mais compartilhados consisten\ em propiciar nos coletivos
processos de autoanálise* e autogestão*. Essas orientações se diferenciam entre si por suas teorias, métodos, técnicas,
estratégias e táticas de leitura e de intervenção, assim C0l110 pelo alcance dos objetivos que se propõem. Assim
configuram uma escala que vai desde o refonnismo ao maximalismo.
160 ▲
MUDANÇA: as diferentes civilizações atribuíam ou atribuem à permanência (status quo) ou à transformação valores
diferentes. Para algumas comunidades primitivas, o funcionamento ideal de sua vida consistia em que tudo se
mantivesse exatamente idêntico em organização, costumes etc., para imitar o mundo e o tempo divinos, eternos e
invariáveis. No outro extremo da História, a modernidade caracterizase pela glorificação da mudança constante e
acelerada dentro de uma trajetória linear e evolutiva denominada progresso. Em todo caso, a oposição, em todos e cada
um dos aspectos da vida, entre posições "conservadoras" contra outras "progressistas", ou, em um sentido mais amplo,
"transformacionistas"; permeia todos os processos naturaissociaislibidinais.
A Sociologia e a PsicoSociologia de origem positivista e estrutural funcionalista insistiram muito na problemática da
mudança e da "resistência à mudança", tal como ela se apresenta nos grupos, organizações e comunidades diante das
situações desconhecidas e novas. A Psicanálise, por sua parte, também tem, entre seus temas mais importantes, a
questão da mudança – entendida como a exigência colocada ao sujeito psíquico de dominar os efeitos do impulso e da
compulsão à repetição, que resulta da natureza conservadora das pulsões, da insistência do desejo e dos princípios de
constância e inércia. Para as diversas correntes do Institucionalismo, a problemática da mudança, ligada a categorias de
diferençarepetição, transferênciaresistência, reaçãoreformismorevolução etc., é tratada segundo as inspirações
teóricas e políticas às quais as escolas se afiliam. Em geral, podese dizer que, dentro de um espectro de radicalidade
crescente, que vai desde posições mais ou menos reformistas até outras francamente revolucionárias, ou até extremistas,
o Institucionalismo: a) confia em que pequenas mudanças locais podem repercutir à distância ou propagarse como
reações em cadeia; b) sustenta que as mudanças, para seren1 sólidas, devem ser integrais, ou seja, simultaneamente bio
sociolibidinais, e não apenas econômicas ou convencionalmente políticas; c) afirma que a substância do real é a
diferença pura e a produção desejante, sendo que os arcaísmos e as estruturastenitórios conservadores e repelitivos
são produtos da captura que a parafernália de controleregistro dos sistemas faz da potência das singularidades
prépessoais e présociais.
NÃODITO: no Institucionalismo, o termo "nãodito" parece recolher todas as significações que essa fórmula adquiriu
nas ciências humanas e na cultura ocidental. Basicamente, referese a todas aquelas informações que estão omitidas ou
distorcidas nos discursos, textos, atitudes, comportamentos ou qualquer outra forma de expressão ou manifestação. Essa
omissão ou distorção pode ser voluntária ou involuntária, consciente ou não, assumida ou não, mas é considerada
invariavelmente fonte de malentendidos e conflitos que afetam a convivência, ou então causas ou efeitos de um
desconhecimento cuja superação se supõe enriquecedora.
161 ▲
Contudo, no Institucionalismo, o nãodito remete predominantemente à ignorância, à máfé ou à repressão no seio dos
discursos, textos, atitudes, comportamentos, estrutura e dinâmica dos agentes, grupos, organizações e movimentos. Esse
omitido ou distorcido concerne principalmente ao instituinte*, que foi "esquecido" e reprimido pelo instituído* durante o
processo de institucionalização. O nãodito referese tanto às vicissitudes da potência produtiva, ao desejo e à vida,
como aos manejos do poder, da antiprodução* e da morte. O nãodito se diz de maneiras diretas ou disfarçadas nos
analisadores históricos ou nos construídos (ver Analisadores Artificiais* e Analisadores Espontãneos*).
OBJETO DE ANÁLISE: na interseção da organização analisante com a organização analisada, vaise produzir uma nova
organização que é o verdadeiro objeto de análise, pois para o Institucionalismo não é possível uma posição clássica de
"neutralidade" ou "objetividade". É na junção que se vai tentar entender essa nova realidade que se produz no encontro.
ORGANIZAÇÕES: são as formas materiais nas quais as instituições* se realizam ou" encarnam". De acordo com sua
dimensão, vão desde um grau complexo organizacional, como um ministério, até um pequeno estabelecimento escolar. Na
terminologia da Esquizoanálise, correspondem às grandes formas molares da superfície de registro.
ORGANIZANTE: atividade permanentemente crítica, inventiva e transformadora que tende à otimização das
organizações entendidas como dispositivos ou agenciamentos*. Esse processo exige das organizações a abertura para
efetuar as mudanças necessárias com a finalidade de realizar a Utopia Ativa* que as inspira. Uma organização* só
cumpre com este objetivo se mantém fluida e constante a relação entre o organizante e o
162 ▲
organizado*, a ponto de admitir sua autodissolução* quando deixa de servir ao produtivodesejanteinstituinte (ver
Produção*, Desejo* Instituinte*).
PAPÉIS: conceito cunhado pela PsicoSociologia e pelo Psicodrama que define os lugares e funções sociais em geral e
grupais em particular, come caracteres de personagens teatrais. Cada papel ganha precisão em sua relação com todos os
outros e carece de sentido fora desse vínculo, consciente ou não. Os papéis são emergentes de configurações
estruturais que organizam a interação social e mostram uma mobilidade que os faz serem desempenhados por diferentes
indivíduossujeitosagentes* sociais, segundo as circunstâncias. Quando um agente social abandona o papel este se
expressa ou manifesta através de outro participante. PichonRiviere detectou nos grupos alguns papéis regularmente
emergentes, como o de "bode expiatório", "seguidor", "sabotador". Os papéis podem ser inerentes (préfixados, como
"masculino" e "feminino") ou atribuídos (como os acima mencionados).
PARTICIPAÇÃO: dáse este nome a um tipo de gestão organizacional na qual os segmentos formal e efetivamente
dominantes de uma organização concedem aos quadros subordinados diversos graus de possibilidade de intervenção na
planificação, decisão, execução e benefícios da atividade. Isso não significa maiores modificações de fundo na
propriedade, na estrutura ou na estratificação hierárquica o organismo em pauta.
PARTICULARIDADE: ver Universalidade, Particularidade e Singularidade.
PODER: embora no Institucionalismo o termo "poder" não seja empregado com significações unívocas, em geral ele se
aplica a uma gama de recursos diversos com grau de violência crescente, destinados a impor a vontade de um segmento
social sobre os outros ou sobre a sociedade em seu conjunto. Michel Foucault insistiu na idéia de que o poder não se
possui ou se detém, mas que se exercita, e não apenas em um sentido restritivo (de coação ou proibição), mas também em
um sentido positivo de orientação: o poder incita, provoca, convoca, ativa etc.
POTÊNCIA: no Institucionalismo, empregase o termo "potência" para referirse às capacidades virtuais ou atuais de
produzir, inventar, transformar etc. Em geral, a potência designa a magnitude das forças geradoras do radicalmente novo,
criador de vida.
características comuns consistem na importância dada ao trabalho corporal, expressivo e dramático nos tratamentos
clínicos, coordenação de grupos e intervenções organizacionais. Entre as tendências que o integram, podese mencionar
a Bioenergética (baseada nas idéias de Wilhelm Reich), a Gestalt Terapia (que partiu das postulações da Psicologia da
Forma) e até algumas que incluem a Terapia de Rogers e diversas práticas orientalistas e africanas. No Institucionalismo,
a incorporação mais notável dos recursos do Movimento de Potencial Humano foi a realizada por Georges Lapassade,
com sua proposta de TranseAnálise.
PRÁTICAS: em um sentido epistemológico, designa todo processo pelo qual um agente, dotado de força de trabalho
qualificada, a aplica com os meios de produção adequados sobre uma matériaprima, gerando um produto específico. Em
um sentido descritivo, dizse das ações que os agentes* sociais realizam nas instituições*, organizações* e
estabelecimentos*, tanto a serviço do instituinte*organizante* quanto do instituído"organizado*. Em geral utilizase o
termo "prática" para as ações específicas e qualificadas, enquanto se usa a palavra "atividades" para referirse às
inespecíficas e nãoqualificadas. Para o Institucionalismo, com a finalidade de se fazer a crítica à profissionalidade* e à
especificidade*, é importante considerar a frase de Max Weber: "Uma prática social nunca é mais opaca em suas
determinações que para seus próprios agentes." As práticas dividemse em discursivas ou teóricas e nãodiscursivas.
PRÁXIS: denominase assim certo tipo de prática* na qual estão indissoluvelmente unidos o pensamento crítico
esclarecedor e a ação transformadora do real.
PRODUÇÃO: geração do novo – daquilo que a Utopia Ativa persegue. É equivalente ao funcionamento*. É aquilo que
processa tudo que existe natural, técnica, subjetiva e socialmente. É a permanente geração de tudo que pode logo tender
a cristalizarse. É o devir, a metamorfose.
Eram as primeiras ocupações com as quais se podia subsistir sem praticar propriamente o trabalho manual ou comércio.
A ética das profissões tinha um marcado caráter religioso ("professar": atuar em prol de uma fé) e exigiam vocação
"vocare": chamado de Deus). Tratavase de um certo tipo de apostolado cujo exercício estava tingido de um matiz de
militância, e por todas essas conotações imbuíase de uma condição elevada de desprendimento, assim como de
autonomia e independência relativa. Apesar do já dito, a agrupação dos profissionais nas corporações de grêmios e
academias universitárias teve, desde o início, uma dupla natureza – de
164 ▲
controle de qualidade dos serviços, mas também de exclusividade e sobrevalorização dos mesmos. Com a modernidade,
produziuse uma série de mudanças no status de profissional. Esse título ampliouse a outros ofícios, antes considerados
de segunda categoria. As práticas profissionais, por um lado, mercantilizaramse, visando o lucro; por outro, ligaramse
ao poder do Estado e ao das empresas, formando as cúpulas tecnoburocrático acadêmicas – mas também se degradaram
como conseqüência do vínculo assalariado e da hiperespecialização. O Institucionalismo insiste no estudo e no
desmascaranlento das formas sob as quais os interesses de lucro, poder e prestígio do corporativismo e do
academicismo se ocultam sob disfarces da "neutralidade" cientificista, da "modernidade" hiperespecialista e da suposta
independência e suposto apostolado do profissional autônomo ou do funcionário.
REPETIÇÃO: em um sentido etimológico, significa voltar a pedir. No filosófico, referese à reiteração ou reapresentação
de idéias ou de realidades.
165 ▲
Toda a filosofia ocidental parece estar dividida por uma polêmica em torno de se o que se repete ou retoma é: 1) o
idêntico ou igual; 2) o diferente, entendido por relação de negação, analogia ou semelhança com o idêntico ou o mesmo;
3) o diferente absoluto, ou seja, o que cada vez é afirmativa e radicalmente novo. O Institucionalismo sustenta que o que
retoma na História não é o idêntico, o igualou o mesmo, mas o diferencial, ou ainda, a diferença absoluta, que é
radicalmente transformadora ou motor da História. Em conseqüência, não interessa tanto estudar as leis que dão conta
das repetições aparentemente regulares que regem a repetição do mesmo com o modelo do relógio ou dos sistemas
astronômicos do cosmos ordenado. Tratase, melhor, de entender o retorno do diferente, produto do acaso, do aleatório
e imprevisível, tal como a História o mostra nos pequenos ou grandes acontecimentos* que alteraram seu curso. Se bem
seja certo que a superfície de registro, o instituído*organizado*estabelecido, tenda a capturar o retorno do diferente
para colocar seu funcionamento a serviço da reprodução* do sistema, capturandoo e recuperandoo (ver Captura e
Recuperação), nunca o consegue por completo.
REPRODUÇÃO: num sentido etimológico, significa cópia ou imitação. Na Filosofia, na Sociologia e para o
Institucionalismo (ver Movimento Institucionalista *), designa as tentativas de reiterar algo idêntico, igualou similar ao
que já existe, cumprindo sua função conservadora. Dessa maneira, procurase deter os devires, acontecimentos e
transformações naturais, sociais, culturais e subjetivas.
ROMANCE INSTITUCIONAL: por analogia com o termo freudiano "romance familiar do neurótico", o romance
institucional referese às diferentes versões que podem ser reconstruídas da história de uma organização, grupo ou
movimento. Os elementos a partir dos quais tal reconstrução se efetua são muito variados. Tratase de comportamentos,
atitudes, mitos, documentos, tradições, grafitos ete. Mesmo o Romance Institucional sendo composto de dimensões
simbólicas, realísticas, a tendência é vêlo como um relato fortemente influenciado pelo desejo* e por ele tingido de
matizes imaginários e fantasmáticos.
SIMULACROS: em que interessa ao Institucionalismo, os simulacros (na filosofia platônica) são puras diferenças que
não conservam nem a imagem, nem a semelhança de sua relação com as Idéias Puras e, obviamente, carecem por
completo de identidade. Platão os considera falsos, demoníacos e inclassificáveis. Não são seres, mas puro devir, e
podem disfarçarse de cópias ou de Idéias Puras para confundir os espíritos. Sua "encarnação" mais prototipica estaria
nos sofistas, pensadores que não se interessam pela Verdade ou a Virtude e que argumentam apenas para seduzir e
convencer Algumas correntes institucionalistas consideram os simulacros platônicos
166 ▲
como a essência do real, que se compõe de diferenças puras, fluxos, singularidades* intensivas, que são o ser do devir
ou processo produtivo desejanterevolucionário.
SINGULARIDADE: ver Universalidade e Particularidade.
SOBREDETERMINAÇÃO: tipo de causalidade pela qual um efeito psíquico ou social é o produto resultante da
participação causal, desloca da e condensada de todas as forças, instâncias e representações que, sinérgica ou
contraditoriamente, compõem a tópica da personalidade ou o modo de produção* de uma sociedade*, respectivamente.
Em cada modo de produção (entendido em um sentido amplo, não apenas econômico) reconhecese uma instância"
determinante última" (condição de existência), uma" don1inante" (condição de reprodução) e uma" decisiva" (condição
de transformação). A ação causal conjunta, complexa, articulada, hierarquizada e diversifica da das instâncias é o que se
denomina sobredetermi nação.
SOCIEDADE: o Institucionalismo tem sua concepção própria do que é uma sociedade. Definea como uma rede, um
tecido de instituições*, organizações*, estabelecimentos*, agentes* e práticas*. Alguns institucionalistas afirmam que
as sociedades humanas estão constituídas no mínimo por quatro instituições: a língua, as relações de parentesco, a
religião e a divisão técnica e social do trabalho. As instituições interpenetram se e articulamse para regular a produção e
a reprodução* da vida humana. Como se vê, essa definição está bastante centrada no instituído*, organizado*,
estabelecido. Corresponde ao que a Esquizoanálise denomina socius, que pertence às formas definidas da superfície de
registro. É possível, contudo, ampliar essa definição, incluindo o instituinte*, o organizante* e a superfície de produção.
SOCIOLOGIA DAS ORGANIZAÇÕES: esta disciplina começa com as contribuições de sociólogos clássicos como
Durkheim acerca da divisão técnica e social do trabalho*, assim como a passagem da solidariedade mecânica à orgânica.
Igualmente fundadores são os estudos de Max Weber sobre a burocracia (ver – Cracias *). No entanto, é a partir da
década de 20, Com o desenvolvimento do Capitalismo norteamericano e os estudos de Elton Mayo sobre a indústria,
que a Sociologia das Organizações começa a definir seu objeto – como a investigação e intervenção sobre a empresa
enquanto unidade social que recebe o nome de organização*. Os objetivos desse enfoque são a racionalização e
otimização da eficiência do funcionamento de tais associações, sem questionar em nada sua lógica ou suas finalidades.
Se é certo que posteriormente aparecem alguns enfoques menos pragmatistas, como o de T Parsons e outros,
francamente críticos,
167 ▲
como os de W Mills e W H. Whyte, a Sociologia das Organizações é considerada pelo lnstitucionalismo como um
enfoque contrário às utopias* autoanalíticas (ver Autoanálise*) e autogestivas (ver Autogestão*). Segundo a denúncia
institucionalista, a Sociologia das Organizações, particularmente uma de suas modalidades, denominada
Desenvolvimento Organizacional, visa facilitar os mecanismos culturais, comunicacionais e motivacionais (do conjunto
empresarial e dos grupos que o integram.) apenas com fins de melhorar o "clima" ou a "atmosfera", conseguindo, assim,
diminuir os insumos, aumentando e melhorando a produtividade e o lucro dos proprietários.
SOCIOINSTITUClONAL: na PsicoSocioanálise, denominase assim à percepção, avaliação e comportamentos
transformadores que as classes institucionais em processo de progressão (resultante da intervenção) produzem em
relação a suas condições reais de trabalho e à margem de poder que recuperam.
SOCIOPSICANÁLISE: é uma das correntes que integram o Movimento Institucionalista*. Foi fundada e desenvolvida
por Gérard Mendel. Articula uma concepção relativamente tradicional de Psicanálise com outra, bastante ortodoxa, do
Materialismo Histórico. O resultado é uma abordagem politicamente moderada, cuja viabilidade é considerável. Mendel
articula formulações psicanalíticas (elaboradas para os sujeitos enquanto indivíduos) que postulam uma impotência
fundamental inerente ao ser humano (devido ao estado indefeso no qual nasce, necessitando dos cuidados de um outro
para ter sua sobrevivência garantida). Essas formulações combinamse com as afirmações do Materialismo Histólico de
que, num sentido coletivo, a experiência universal de impotência é produto da distribuição desigual da riqueza, do
resultado do trabalho, do poder e prestígio, que alienam (ver Alienação*) quem produz esses valores. Segundo Mendel,
o âmbito ideal em que se deve estudar a experiência essencial de impotência e o desencadeamento de processos
patológicos é o local de trabalho, onde as vicissitudes individuais da experiência de impotência serão melhor
compreendidas, sendo analisadas num sentido coletivo no lugar mesmo onde ocorrem – o lugar da produção. A
Sociopsicanálise sustenta que, quando se abordam os coletivos, podese ver que esses conjuntos vivenciam esta
experiência de impotência devido às condições do trabalho alienado (ver Alienação*) no Capitalismo. Essa experiência
de limitação gera neles, trabalhadores, devido à sua série disposicional pessoal, um processo regressivo de ordem
coletiva. Tratase de uma regressão do funcionamento psicosocial ou psicoinstitucional a um funcionamento
psicofamiliar, no qual os sujeitos viven. uma vida preferencialmente imaginária, em vez de principalmente simbólica
(correspondente às circunstâncias concretas com que se defrontam). A
168 ▲
situação de seu campo real vai definirse com base numa situação arcaica pela qual já passaram, o que os levará a
vivenciar a situação de trabalho como se essa fosse uma reedição de uma situação familiar prima lia, povoada por figuras
fantasmáticas de sua vida familiar. Suas reações estarão tingidas pela situação de impotência infantil que os levava a se
refugiar num mundo de fantasias. Com isso, o coletivo institucional também passará a funcionar nesse registro,
buscando soluções mágicas, contraproducentes, que vão res ultar em sintomas (atuações, inibições, delírios,
somatizações, toxicodependências), enfim, em todo tipo de patologia biopsicosocial. No plano da militância, esses
quadros podem expressarse bastante bem no que podemos sintetizar, com Lênin, como "enfermidades infantis do
trabalho": voluntarismo, populismo, autoritarismo, messianismo, clie,ntelismo, fisiologismo ete. A metodologia de
intervenção sociopsicanalítica conserva muitas características de intervenção psicanalítica, principalmente a
interpretação. Mas a cura não é definida em termos individuais, e sim coletivos, e pressupõe um movimento de cada
classe institucional para a recuperação da margem de poder possível que foi tirada deles pelo sistema capitalista de
trabalho alienado.
SUBJETIVIDADE (PRODUÇÃO DE): muitas correntes filosóficas e
169 ▲
psicológicas (entre elas, a Psicanálise), sustentam que existe uma forma universal e invariável de constituição,
composição, transformação, reprodução e extinção do sujeito (tanto daquele da reflexão filosófica como o do psiquismo).
O que varia em cada sujeito seriam os conteúdos (representações e modalidades de configuração dos fantasmas ou
função dos mecanismos): nisso radicaria a singularidade de um sujeito. Algumas correntes institucionalistas
compartilham essa concepção (Sociopsicanálise, por exemplo). Para outros Institucionalistas, não existe um sujeito com
uma estrutura universal e com variações apenas de desenvolvimento, conteúdo ou estilo. O que existem são processos
de produção de subjetividade pelos quais as sociedades tendem a reproduzir sujeitos idênticos ou similares, segundo os
padrões dominantes do grupo ou' classe de que se trate e de acordo com os moldes do instituído*
organizado*estabelecido.
SUPERESTRUTURA: no Materialismo Histórico, ciência da História, da Sociologia e da Economia Política Marxistas,
denominase superestrutura a instância do todo social na qual se desenvolvem os processos ideológicos e
jurídicopolíticos que têm a seu cargo a produção de sujeitosagentes* ideológicos, assim como de produção, difusão e
assimilação de representações e valores ideológicos. Por ou tra parte, na instância jurídico política é onde se processam
os meios legais e o uso da força para a constituição e manutenção da ordem vigente. Os processos superestruturais
operam a reprodução ampliada do modo de produção. Na versão clássica do Materialismo Histórico, a superestrutura
reverte ou interaciona causalmente com a infraestrutura.
TÁTICAS: são pequenos segmentos que compõem a estratégia*. É o momento de seleção de recursos a serem
empregados na etapa imediata, remetendosé sempre ao panorama maior delineado pela estratégia.
TÉCNICAS: são recursos eletivos que servirão para instrumentar as táticas*. Sua escolha é consideravelmente livre e
dependerá do treinamento e inspiração da equipe operadora, do objetivo geral e imediato a ser alcançado e do momento e
peculiaridades do coletivo em questão. Tratase de procedimentos (interpretativos, informativos, sensibiliza dores,
expressivos, discursivos, artísticos, desportivos, lúdicos, interrelacionais, grupais, coletivos etc.) a serem adotados de
acordo com as circunstâncias, com propósitos diagnósticos e elaborativos.
TRANSEANÁLISE: modalidade de intervenção institucional e de coordenação de grupos criada por Georges Lapassade
baseada nas experiências dos cultos afrobrasileiros, tais como: Umbanda, Quimbanda e Candomblé. Consiste
basicamente na provocação de regressões rituais e formas arcaicas de comunidade através de estados de transe.
Posteriormente,
170 ▲
as mesmas são elaboradas e incorporadas a novas formas da sociabilidade grupal.
TRANSFERÊNCIA: diversas tendências dentro do lnstitucionalismo assimilaram o conceito de transferência tanto da
Psicanálise freudiana como dos continuadores de Freud (Melanie Klein, Lacan, Reich e outros). No Institucionalismo, a
idéia de transferência pode ter, segundo a corrente de que se trate, uma definição quase igual à da Psicanálise ou outras
bastante modificadas, tanto no plano teórico como nas aplicações técnicas.
Em geral, entendese por transferência um conjunto de processos repetitivos conscientes, préconscientes e
inconscientes que se dão na subjetividade "individual" e" coletiva". O que se repete são pulsões, desejos, demandas,
fantasmas, papéis, hábitos comunicacionais, estereótipos gestionários, estruturas e até complexos destinos
organizacionais. No caso particular da corrente denominada Psicoterapia lnstitucional, que propõe a autogestão* ou a
gestão participativa dentro de cada estabelecimento, considerase que a transferência se dá entre o coletivo de internos e
os variados aspectos da vida institucional como um todo.
Certas correntes do lnstitucionalismo, como por exemplo a Esquizoanálise, elaboraram uma profunda reflexão filosófica
sobre a transferência em relação ao conceito de transversalidade e com uma crítica da categoria de repetição. Para essa
orientação, o que se repete substancialmente é o diferente, e, em conseqüência, existiria uma transferência que não
funciona como resistência ou obstáculo, mas como motor das transformações.
diferenciar um conceito universal abstrato de outro concreto. Um juízo ou um conceito universal abstrato é, em certa
medida, vazio, um puro produto do pensamento. O momento da generalidade compreende a caracterização de um atributo
abstrato da universalidade. O momento de particularidade do conceito compreende alguns casos abstratos da
generalidade. Podese entender que um conceito particular dá conta apenas de como alguns casos realizam o que já
estava compreendido no conceito universal, mas também é possível sustentar que os casos particulares negam o
conceito universal enquanto abstrato e lhe acrescentam determinações não previamente incluídas nele. O momento da
singularidade do conceito compreende cada caso da universalidade concreta. Podese sustentar que nega de uma só vez
a universalidade e a generalidade abstratas e a particularidade, na medida em que se refere a um objeto único, máximo
nível de determinação atingível. Quando o conceito universal abstrato é reformulado incorporando as negações gerais
do particular e do singular, é que se torna um universal concreto verdadeiro ou da Razão (segundo Hegel).
Aplicando o lnstitucionalismo a essas categorias da lógica, cabe sustentar que uma instituição é pensável nesses quatro
momentos: a universalidade abs trata (por exemplo, a linguagem: a generalidade dos atributos das línguas), a
particularidade (por exemplo, as línguas indoeuropéias), a singularidade (por exemplo, tal dialeto napolitano e seu uso
concreto, por um falante/ouvinte desse dialeto). Segundo entendemos a proposta de R. Lourau, a Análise Institucional
estudaria as insuficiências do conceito em seus respectivos momentos, enquanto cada um deles se define por sua
afirmação e não é capaz de incluir o que resulta de negar e ser negado pelos outros. Supõese que a intervenção no caso
singular daria oportunidade para evidenciar os efeitos de desconhecimento que a lógica do conceito gera no discurso e
no saber dos coletivos institucionais; dessa maneira possibilitaria sua desalienação, assim como contribuiria para a
reformulação incessante do conceito das instituições como universais concretos.
USUÁRIO: no lnstitucionalismo, entendese por usuário quem demanda, adquire, se apropria, possui, consome, usufrui
de bens ou serviços "materiais" ou "ideais". Cabe acentuar que esse usuárioconsumidor pode ser individual ou
coletivo, personalizado ou anônimo. No caso de uma intervenção institucional standard, freqüentemente designase o
conjunto dos usuários como "staffcliente".
UTOPIA ATIVA: denominase assim as metas e objetivos mais altos e nobres (no sentido dado a esses termos por
Nietzsche) que orientam os processos produtivodesejanterevolucionários dos movimentos e agenciamentos* sociais
em seus aspectos instituintes*organizantes*. Essas metas não estão colocadas em um futuro remoto nem terminal, do
tipo dos que são
172 ▲
enunciados como escatologias ("Fim da História" ou "Fim dos Tempos"). Na Utopia Ativa há uma imanência entre fins e
meios; o processo produtivo desejanterevolucionário é seu próprio fim e meio em cada aqui e agora.
VERTICALIDADE: na Psicologia Social de Pichon Rivière, a verticalidade designa a dimensão históricopessoal que
cada integrante do grupo traz como disposição que passará a fomldr parte da determinação dos fenômenos do campo
grupal. Na PsicoSociologia Organizacional e no Institucionalismo, a verticalidade define a dimensão da vida
organizacional que corresponde ao organograma formal, quer dizer: cargos, hierarquias, funções etc.
173 ▲
APÊNDICE
O INSTlTUClONALISMO NO FINAL DO MILÊNIO
O presente apêndice foi escrito para a terceira edição em português deste livro, em outubro de 1995. Optei por
reproduzilo quase sem alterações, para que possa ser comparado com um post scríptum redigido especialmente para a
quinta edição. Pareceme interessante que o leitor possa, desta forma, avaliar acertos e desacertos do primeiro texto,
relacionadoo com o segundo, obviamente a partir de suas próprias convicções.
Primeira Parte
174 ▲
sabe, a sua. Também cada" civilização", porém, detém sua imagem e sua maneira de efetivar aquilo que entende por
"passado", "presente", "cultura", "espaço", "movimento", "permanência", "troca", "todo", "partes", "valores",
"pensamento".
Guattari propunha denominar a nossa" etapa" de "Capitalismo Planetário Integrado", como aplicação teórica de
um termo matemático que qualifica um sistema hipercomplexo e heterogêneo em movimento, integrado por uma função
axiomática que equaciona todas as coordenadas gerais e modula permutas equivalências entre seus produtos. Nessa
designação há muita coincidência com aquilo que Karl Marx antecipou como a chegada de "A fase Superior do
Capitalismo", sendo que, tanto na denominação de Marx como naquela de Guattari, cabem – devidamente redefinidos –
termos mais ou menos "na moda", tais como "Globalização", "Transnacionalização", "Sociedades PósIndustriais",
"PósClasses" e "Pós Massas", ou "Hipermodernas", ou "PósModernas", ou "lnformatizadas", ou 'A.utomatizadas",
"Multitudinárias" e assim por diante.
Uma análise detalhada dessas categorias seria, evidentemente, excessiva neste escrito. Conformareime apenas
em recordar algumas características que se tornou habitual atribuir a este panorama.
Costumase declarar, e porque não, constatar, de certa forma, que: – No lapso de tempo incluído entre o fim da Segunda
Guerra Mundial e a atualidade tem havido, em setores localizados do mundo, um crescimento enorme da "Riqueza" –
entendida como meios de produção, de distribuição, de comunicação, de circulação, de troca e de consumo.
– Esse incremento inclui bens materiais, incorporais, serviços, e que esse aumento qualitativo e quantitativo
resultou em uma melhora considerável de "qualidade de vida" dos setores por ele beneficiados.
– Nesse mesmo lapso, gerouse uma tendência ao desmorona mento de regimes políticos totalitários,
ditatoriais, autoritários e outros, e sua crescente substituição por diversas modalidades de sistemas democráticos
indiretos, representativos e eleitorais, onde vige, pelo menos formalmente, o Estado de Direito, os Direitos Civis e os
Direitos Humanos, possibilitando, assim, tanto a existência como a expressão e a militância de todos os tipos de
idiossincrasias minoritárias, regionais, nacionais, raciais, sexuais, de culto, de idade, de situação econômica, política,
cultural, geográficas.
– Como causa e efeito dessas transformações, tem havido o aperfeiçoamento e a consolidação das instituições
democráticas, judiciais, legislativas e executivas, tanto na estrutura dos Estados como na da Sociedade Civil, o mesmo
tendo se realizado em todos os campos e níveis, desde o local até o mundial. Isso propiciou uma inclinação ao
predomínio da negociação universal como método para dirimir as diferenças e conflitos, no lugar da predisposição ao
uso dos recursos violentos e bélicos de quaisquer espécies. 175 ▲
– Todas essas manifestações de "progresso" desenvolveramse sobre a base da implantação geral de diferentes
variedades do sistema econômico capitalista – preservação da propriedade privada dos meios de produção, economia de
mercado, empresas livres e outros, incluindo nele as variedades políticoculturais do Liberalismo, os Socialismos
Reformistas, as SociaisDemocracias e ou tros similares. A mencionada instauração geral acelerouse após o estridente
fracasso de todos os ensaio de "Comunismo", "Socialismo Real", "NacionalSocialismo NaziFascista", diversos
"estatismos" e" coletivismos" cujas conseqÜências deletérias demoraram algumas décadas, e ainda hoje continuam
trazendo prejuízos à vigência plena da proposta histórica à qual nos referimos aqui.
– As metamorfoses do Capitalismo trouxeram como conseqüência uma tendência à racionalização – diminuição,
limitação, compactuação, eficientização, baratização, democratização, modernização das estruturas, funções e atribuições
– dos Estados Nacionais e da sua responsabilidade perante os cuidados com a saúde, educação, justiça e ordem pública,
assim como os aspectos essenciais da infraestrutura e da soberania nacional. Isso significou a vigilância e ingerência
sobre tais poderes, exercícios e benefícios por parte da Sociedade Civil.
– Obviamente, toda essa" evolução" está em curso e coexiste com a permanência, em todos e em cada um dos
processos, estruturas, agentes, usuários, consumidores,lógicas e âmbitos, de formas arcaicas, todavia não superadas,"
em vias de desenvolvimento e de crítica".
– Desde já, esses processos não são universais nem suficien temente implantados, e nem aperfeiçoados. Por
isso, persistem graves dificuldades de toda espécie que afetam tanto algumas regiões do mundo, assim como
determinados países e também alguns segmentos das nações prósperas que, por diversas razões, resistem em adotar os
princípios e cumprir com os esforços necessários para propiciar sua incorporação à Ordem e Progresso generalizados.
Esses setores a dificultam devido a vocação, desejos, interesses e açôes contrários a esses desígnios.
Todos esses indicadores de "evolução", que tendem a realizarse de forma gradual, crescente e incessante, não
somente em quantidade como também em amplitude, podem passar em alguns momentos e lugares por "conjunturas"
adversas, transitórias e circunstanciais. As mesmas se devem freqüentemente a fatores ainda incontroláveis, tais como
fenômenos naturais de grande porte ou erros de avaliação, planejamento e execução, que são oportunamente
subsanáveis.
No campo do social, cultural e subjetivo, essa orientação mundial dirigese ao treinamento de
indivíduossujeitosagentesprodutores consumidoresusuários conscientes, imbuídos de um espírito de sociabilidade
variável e suí generís, porém invariavelmente inspirados por valores de cidadania e respeito à lei, assim como pelo culto à
liberdade, à justiça e à competição sadia.
176 ▲
Esse andamento, apesar de não ser a culminância, é a sólida confirmação de que os modos de produção, os
regimes políticos e os sistemas de representação cultural que compôem este estágio do Capitalismo Mundial Integrado,
mesmo frágeis e freqüentemente precários, demonstram ser a "menos pior", senão a única alternativa possível para a
consolidação histórica dos ideais que animaram os grandes movimentos que deram origem à Modernidade.
Segunda Parte
O que acabamos de ler no ponto anterior é uma tentativa de expor, de forma esquemática e prototípica – e faço
votos para que não tenha sido irônica –, uma maneira de descrever, entender e avaliar o panorama munclial
contemporâneo. Está claro que existem inúmeras versões a respeito que, apesar de muito mais sofisticadas e matizadas,
não deixam de conduzir a conclusões parecidas.
Quem investiga o mundo atual e também vive e atua nele acostuma se a experimentar, frente ao quadro que
acabamos de delinear, uma série de impressões que, a meu ver, vale a pena repassar.
Em primeiro lugar, vemlhe à mente a idéia de que deve haver certo erro ou malentendido em algum ponto, pelo
qual a realidade – por mais relativa que seja sua aparição – não parece coincidir de modo algum com o "retrato" que se
pinta dela.
Em segundo lugar, não se pode evitar a sensação de que, de acordo com esta leitura do panorama mundial, uma
imensa quantidade de conhecimentos produzidos nos últimos séculos por ilustres autores especialistas em diversos
conhecimentos e também no saber do sentido comum – parece ter perdido toda e qualquer validade, ou é repetida, de
forma parcial ou distorcida, como se fosse uma "novidade recém descoberta".
O saber tecnoburocráticoacadêmico dominante nestes tempos ou ignora os clássicos, ou os cita apenas nas
passagens em que supõe poder refutálas, ou bem os despreza, comportandose como se acreditasse que "na prática
todas essas teorias são outra coisa", isto é, não servem para nada, ou funcionam somente dependendo do uso peculiar
que se decide fazer delas.
Em terceiro lugar, isso que acabamos de dizer aplicase também à memória dos acontecimentos históricos. Estes,
incluídos os considerados antecedentes propícios ou contrários ao horizonte imperante, são tratados como se fossem
inexistentes ou irrelevantes, à medida que "o que importa" é a caracterização empírica do que está acontecendo agora, os
chamados fatos – definidos como tais na proporção em que são protagonizados e interpretados por supostos
triunfadores.
O mais grave desta "realidade", da qual estas "impressões" são um
177 ▲
registro, é que a versão que relatamos anteriormente – que, por outro lado, os conhecedores dos processos de
construção e difusão "ideológica", de "opinião pública" ou de "produção de subjetividade" sabem de sobra – não é
exclusiva dos beneficiários ou dos favorecidos pelo estado atual das coisas. A colossal, heterogênea e onipresente
maquinária que gera esses efeitos consegue que essas concepções – entendidas no sentido mais amplo possível e os
"estilos de vida" e "de morte" que lhe são conseqüentes, sejam adaptados ou almejados pela imensa maioria da
humanidade.
Os críticos mais implacáveis desse panorama – especialmente os denominados "de esquerda" –, mesmo se
empenhando em denunciar o que consideram flagrantes contradições, falsidades e flagelos dessa Ordem Mundial,
acabam por compartilhar, desavisadamente, muitas das suas categorias, conceitos, procedimentos e resultados. Boa
parte dessa conivência involuntária – ou dessa cumplicidade mais ou menos assumida resulta não só da estupidez e de
necessidades, desejos e interesses do pensamento crítico, mas também da difundida convicção de que, "a rigor", não
existem reais alternativas para a situação imperante, a não ser aquelas que consistem em um aperfeiçoamento do
conhecimento e na execução da mesma lógica que a infunde.
Em quarto lugar, é sabido e constatado que aqueles pensadores militantes, ou simplesmente cidadãos que
resolvem falar, escrever, agir e coerentemente viver de acordo com uma inteligência crítica e segundo alguma dessas
propostas questionadoras supostamente inexistentes,não apenas podem sofrer as mesmas ações repressivas de seus
antecessores de todas as épocas – que, dependendo do país onde atuam, vai desde a eliminação física e a tortura até a
reclusão ou o exílio – mas também tornar se passíveis de inúmeras modalidades de desqualificação, desprezo e exclusão
mais ou menos sutis.
Uma outra modalidade parecida que na atualidade adquiriu uma importância bastante considerável é a de ter que
suportar a atribuição do status e papel de "catastrófilos"," catastrólogos", "catastrofistas", rótulos esses que servem
para etiquetálos como "amantes ou cultores" mórbidos, ou como" especialistas com falso prestígio", ou como"
delirantes adoradores "de um cataclismo imaginário e inexorável. A sentença mais draconiana é que "são inaptos para
oferecer algum projeto positivamente útil" e só sabem "criticar e vaticinar o caos".
Em verdade, tudo depende de como se define cada um dos termos: noções, funções, conceitos, categorias,
signos, indicadores, analisadores ou idéias com os quais se pensa, se avalia e se procede frente ao estado
contemporâneo das coisas. Em alguns campos do saber e da vida notoriamente na Economia, Sociologia, Psicologia e
Política – as declarações, planos e resultados dos experts chegaram a um grau de hermetismo, obscuridade, refinamento e
desacordo que, longe de serem sinônimo de inteligência e eficiência, conseguem apenas dissimular sua sistemática
178 ▲
inoperância. Porque, se por um lado – como veremos mais adiante – alguns aspectos do mencionado estado das coisas
são tragicamente ostensivos outros são confusos, ambíguos, delicados e contraditórios. Prestamse, assim a
valorizações complexas nas quais a tônica "otimista" ou "pessimista" das estimativas é de difícil decisão.
Essa questão de "otimismo" versus "pessimismo" é, evidentemente, tão velha como o próprio mundo, mas
segundo o meu entendimento, tantc no passado como nas circunstâncias presentes, é abordada de fom,a errônea O
problema não consiste em puxar conclusões sobre se o mundo de hoje é melhor ou pior, quantitativa e qualitativamente,
em todos ou em algum dos aspectos da existência, que na Idade Média. Tampouco, por exemplo consiste em cotejar o
que o Capitalismo veio a ganhar com os desmandoó do Socialismo Real. Tratase de comparar o desenvolvimento
potencial e efetivo de todos os tipos de forças produtivas de uma época com as realizações abstratas ou concretas
alcançadas durante a mesma. Dito de outra maneira, o assunto consiste no confronto entre o que poderíamos fazer e o
que realmente fazemos.
Muitos autores enfatizaram a velocidade do processo que o incremento das mais diversas potências adquiriu
nos últimos vinte anos: a mesma é tão vertiginosa que resulta muito maior que a conseguida nos recentemente passados
duzentos anos. Frente a essa formidável escalada, o problema corretamente posto reside em perguntar o que se
conseguiu exatamente com essas disponibilidades. É uma brevíssima avaliação dessa natureza que me proponho
intentar, a seguir.
Para examinar os aspectos mais relevantes dessa comparação, não citarei muitos dados estatísticos que, se bem
necessários e ilustrativos, tornariam estas linhas intoleravelmente difíceis de serem escritas e lidas. Por outro lado,
nossos tempos, com respeito às estatísticas, mostram uma peculiaridade surpreendente. Há hoje levantamentos
estatísticos acerca de "tudo", e "todo mundo" parece ter acesso aos mesmos. Contudo, são poucos os resultados que
podem ser considerados confiáveis; não costumam coincidir uns com os outros; e os números que verdadeiramente
interessam para tomar posição definitiva acerca das questões mais cruciais são considerados sigilosos e mantidos em
secreto. O que parece constatável são algumas conclusões que a seguir apenas menciono.
As últimas reuniões de cúpula e as informações dos organismos internacionais de grande porte insinuam que:
– Dos mais de seis bilhões de habitantes da Terra, pelo menos um bilhão vive em um estado que a Organização
Mundial da Saúde denomina Miséria Absoluta, e outro bilhão e meio vive em um nível de Miséria Relativa ou Pobreza.
– Dois bilhões de pessoas do globo terrestre subsistem em um estado que contempla apenas racionalmente o
que – de maneira muito controvertida – denominase "satisfação de suas necessidades básicas".
179▲
– Dos quinhentos milhões restantes, 30% (trinta por cento) possuem 70% (setenta por cento) de qualquer tipo
de riqueza disponível no planeta.
– Até pouco tempo atrás, o número reduzido de nações mais poderosas havia acumulado um arsenal bélico cuja
capacidade era mil vezes superior àquela necessária para destruir qualquer indício de vida sobre a face da terra. Devido
às diferentes gestões internacionais, que resultaram no fim da Guerra Fria, o arsenal de armas atômicas foi reduzido;
continuase discutindo, porém, se houve aumento ou não de armas pesadas e de curto e médio alcance. Neste momento,
estão em andamento quase cem guerras de tipo internacional, limítrofe, civil, religioso, racial e outros; a cada ano
duplicamse os equipamentos militares e policiais destinados, supostamente, à manutenção da ordem constituída e à
segurança pública, cujo foco principal é a defesa da propriedade privada e da pessoa dos proprietários.
Surpreendentemente – como todos estão cansados de saber – a criminalidade, salvo exceções locais, só vem
aumentando.
– A distribuição da miséria absoluta e relativa, à qual me referia acima, prejudica inapelavelm.ente todo o
continente africano e, de forma menos espetacular, a Índia, Oriente Médio e América Latina. Ela se encontra –
desigualmente, mas estrondosamente – em 95% dos países, nos seus respectivos bolsões internos de pobreza.
– Os grandes blocos dos países ricos – EUA, Canadá, CEE e os chamados "Tigres Asiáticos" (Japão, Coréia do
Sul, Vietnã, Indonésia, Malásia, Taiwan e, de maneira muito peculiar, a China Comunista) –, apesar de serem os principais
assentos de opulência mundial, apresentam marcados desníveis e reconhecem que estão ameaçados pela possibilidade
de graves crises de diversos tipos, tanto na atualidade como no futuro próximo.
– Os indicadores mundiais de desemprego certificam constantemente que a desocupação é devido não apenas
ao acelerado processo de substituição da força humana de trabalho pela automação, mas também à tendência ao
esgotamento dos mercados externos e internos, assim como à hiperprodução desregulada e à acumulação de estoques.
– O aparente crescimento econômico das chamadas "economias emergentes" – apesar dos casos serem
diferentes e complexos – em geral é fraco e instável, e está baseado seja na venda da força de trabalho baratíssima e
informal, sem direito laborais e sociais, seja na extração irrecuperável de matériasprimas e energéticas, ou ainda nas
condições contratuais leoninas dos acordos de exploração, remessas de lucros, exceção de impostos... Além de tudo
isso, o incremento da riqueza nesses "capitalismos nacionais tardios" mostra uma distribuição desigual do benefício,
idêntica ou pior à que tinha vigência nas fases coloniais ou neocoloniais clássicas dessas mesmas nações.
– Os Estados Nacionais – tanto os "democráticos" como os "autoritários", particularmente os dos países
chamados" periféricos", "em vias de desenvolvimento", "dependentes" – apresentamse cada vez mais empobrecidos,
ineficientes e desprovidos dépoder internacional devido a
180 ▲
sua subordinação aos onipotentes organismos econômicos internacionais. A decadência mundial do Estado de Bem
Estar – causada fundamentalmente pela limitação orçamentária imposta à política tributária pelo Capital também obedece
à privatização crescente de sua funções. Isso pela necessidade do Capitalismo de incorporar à produção e ao mercado
ganancioso todas as atividades possíveis para compensar a tendência de queda da taxa de extração da maisvalia
resultante das causas acima apontadas. Esse problema, porém, tornase gravíssimo nos países "periféricos" por razões
óbvias: as necessidades de serviços infraestruturais como os de educação, saúde, segurodesemprego, moradia,
saneamento básico e segurança pública, são infinitamente maiores que nos países centrais; a distribuição da renda é
muito mais desigual, o poder econômico dos lobbies locais sobre os governos é enorme, a política tributária é
ridiculamente favorável às grandes fortunas e a política fiscal é incompetente, corrupta, corporativoburocrática,
eleitoreira demagógica. É de se supor o que ocorre quando esses países são afetados pelo declínio próprio da
transnacionalizaçãoprivatização.
– Certo incremento do acesso de setores mais an1plos da população a alguns produtos e serviços – devido à
hiperprodução e ao barateamento da produção massificada dos mesmos – deve ser entendido como um resultado muito
mais atribuível ao poderio tecnológico dos parques industriais que ao efeito da ascensão econômica de tais segmentos
populares. A lógica dessa melhora é parecida com aquela responsável por certa diminuição dos índices de
morbimortalidade: não se trata de um aperfeiçoamento amplo e consistente de saúde popular, resultante de uma sólida
elevação das condições de vida e de atenção médica integral, e sim do espetacular e barato progresso da técnica
imunológica.
– O aumento da criminalidade, particularmente da organizada empresarial – está se tornando não geométrica,
mas exponencial. As chamadas genericamente "máfias", relacionadas ao narcotráfico e ao tráfico de armas, ao jogo ilegal,
à prostituição, ao contrabando, ao seqüestro, ao roubo, à falsificação e assassinato por encomenda, têm adquirido tal
poder financeiro que parecem estar integrando formalmente os processos econômicos e políticos, tal é seu grau de
interferência no comércio de influência, de proteção e outros.
Para não carregar demasiadamente este texto, que não é nada mais que um apêndice, terei que parar por aqui,
limitandome a mencionar problemas tais como a nomadização forçada das populações miseráveis para os países ricos, a
sinistra questão dos fundamentalismos, do terrorismo sectário ou de Estado, o comércio de crianças e de órgãos
humanos, a total falência dos aparelhos judiciários, policiais, carcerários e assim por diante.
É esse o "Mundo Feliz" da Globalização do Capitalismo Planetário Integrado em sua "Fase Superior"?
181▲
Terceira Parte
Esse tema do "otimismo" versus "pessimismo" está intimamente relacionado com o outro, o do "velho" e do
"novo" que mencionei anteriormente e que poderíamos reformular e ampliar do seguinte modo apesar de que, devo
avisar, não poderei definir detalhadamente neste âmbito, como desejaria, todos os termos que utilizarei.
Quando se afirma que o Capitalismo Planetário Integrado – a "Globalização" e a internacionalização mundial do
Capitalismo em sua Fase Superior – é resultado do "desenvolvimento", do "progresso", da "evolução" do Capitalismo, o
mínimo que se pode fazer é analisar o significado exato dessas palavras. É preciso, porém, aclarar que esta análise, em si
mesma, é parte da questão do "velho" e do "novo", à medida que já foi antecipada quase exaustivamente por vários dos
colossais pensadores do século passado e que, devido a um laborioso esquecimento de seus detalhes, nos vimos na
obrigação de expor esta descrição como se fosse uma premissa. Esses grandes trataram, cada um a seu modo, de
periodizar as formações históricas, explicando como cada uma delas era e é – à medida que as mesmas subsistem no
panorama atual – um modo sui generis, digamos, de gestar, administrar e destruir tudo o que compõe a realidade, seja
como for que ela se defina.
Cada formação histórica compreende, no mínimo, quatro grandes "continentes" ou "territórios", distribuídos em
superfícies (vide Nota 1): da Natureza, da Sociedade, da Subjetividade e da Maquinária. Cada formação histórica
caracterizase pela modalidade com a qual, em cada um de seus territórios e em todos eles, dá andamento a quatro
processos: de Produção da Produção, de Produção de Reprodução, de Produção de Antiprodução e de Produção de
DemandaConsumo e Consumação.
Em cada formação histórica, os territórios citados e os processos que os" animam" estão intimamente
interpenetrados entre si, e isso implica que são parcialmente diferenciados, e também imanentes. Nenhum deles é
prescindível, nenhum é causa última nem efeito exclusivo do outro, apesar de que, em cada formação histórica, algum
possa prevalecer e/ou aparecer como sendo assim.
A modalidade e a prevalência de cada um desses processos em cada um desses territóriossuperfícies determina
as peculiaridades das funções, mais ligadas à reprodução e a antiprodução, e dos funcionamentos, mais relacionados à
produção e à consumação, de cada "parte" e do "todo" de cada complexo histórico.
Uma nova definição de maquinária como conjunto difuso, externamente aberto e internamente heterogêneo,
heterólogo, heteromórfico, autoproducente, em movimento transformador contínuo, semideterminado, semialeatório de
"peças" variáveis, dispersas e "oni conectáveis" – ou seja, uma formação histórica que pode ser entendida como
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uma Megamáquina, Maquínica. Isso é diferente de dizer "mecânica" ou "automática", seja nas modalidades das
máquinas elétricas ou eletrônicas, cibernéticas etc. Dadas as características das funções e do funcionam de cada
formação histórica – ou seja, de sua "Totalidade" ou Megamáquina – os efeitos deletérios do predomínio da Reprodução
e da Antiprodução podem manifestarse através de inumeráveis índices ou indicadores. Limitareime, porém, a mencionar
três fenômenos: os graus e tipos qualitativos e quantitativos de exploração, dominação e mistificação lhes são próprios.
Nestes indicadores, mesmo prevalecendo os coletados no território da sociedade, também importam as relações dos
mesmos com os campos da natureza, da subjetividade e da maquinária.
Obviamente, cada formação histórica possui também os recursos próprios de pensamento, saber, conhecimento
e valores que, a seu modo, conseguem inventar, definir, detectar e criticar esses índices. Sendo assim, a decisão, o
procedimento e a interpretação dos resultados da comparação – de forma a fazer uma avaliação – de uma formação
histórica com outra são, por sua vez, outro indicador do tipo de formação histórica que assim o faz. Dito de outra
maneira, as avaliações dos dados são valores das sociedades que dominam as sociedades que avaliam.
Espero ser mais explícito agora sobre porque devemos comparar nossa formação histórica atual – a primeira
que está em vias de conseguir uma hegemonia mundial quase absoluta – não com as outras, mas com as potências de
produção que detêm, assim como com o grau de reprodução e antiprodução que as investem, isto é: com os índices de
exploração, dominação e mistificação que lhes são próprios.
Se não procedermos dessa forma, cairemos exatamente em um dos mecanismos de mistificação que são
especiais da nossa formação histórica, isto é, a falsa generalização de algumas melhoras localizadas – por exemplo, a
realização de blocos de nações ricas, a qualidade de vida dos países nórdicos e outros.
Repassando o panorama descrito na segunda parte deste apêndice, tratase de julgar, não se nossos terríveis
índices de exploração, dominação e mistificação são melhores ou piores, por exemplo, que os do Feudalismo, mas se
dadas as incalculáveis forças que a humanidade dispõe, quanto deixa de fazer com elas, ou quanto e como as investe na
reprodução ou antiprodução que geram as atrocidades dos referidos índices. Isso precisa ser dito, sem ignorar que, se
comparamos alguns dos nossos indicadores com, por exemplo, os de algumas formações primitivas tribais – cujas forças
produtivas são ínfimas –, seus tipos de exploração, dominação e mistificação são, sem dúvida alguma, bem "menos
atrozes" que os nossos.
Considerando o que foi exposto, o que significam "Progresso", "Evolução" e "Desenvolvimento" enquanto
valores definidos pelo Capitalismo triunfante? Por um lado, dado que os indicadores medidos como resultado da
aplicação dos critérios da própria lógica do Capital são
183 ▲
deploráveis, isso significa que nosso " progresso", "evolução" e "desenvolvimento" estão longe de tornaremse
efetivos. Por outro lado, julgados segundo a potencialidade produtiva intrínseca ao Capitalismo, tais índices mundiais
são, sem dúvida, cataclísmicos.
Por conseqüência, a afirmação de que o Capitalismo é o modo, sistema, regime que "melhor" está
protagonizando a realização gradual de uma certa maneira de gerar e relacionar Produção, Reprodução e Antiprodução
(assim como seus estilos" de vida" e" de morte") – tal como foi anunciado na famosa fórmula da Revolução Francesa e
do Iluminismo, "Liberdade, Igualdade, Fraternidade" – não é apenas uma mentira, um erro, um equívoco, um sofisma,
uma racionalização ou um delírio megalomaníaco. Tratase de uma autoconvalidação da Lógica do Capital, imanente a
"todos" e a cada um dos campos ou territórios antes citados que, apesar do cinismo peculiar do sistema de
representações dessa fórmula mundial, continua sendo um recurso necessário para sua permanência. Ou seja, apesar
da crítica, por exemplo, da Esquizoanálise à importância da ideologia ou das ridículas afirmações acerca de seu "
final", o Capitalismo ainda precisa mentir.
Cabe apenas mencionar agora, muito elementarmente, uma série desses conhecimentos do século XIX –
produzidos por autores de diferentes orientações – que parecem ter sido "esquecidos", ou que são citados como
"insuficientes" ou "já superados", ou que são enunciados – prévia deformação – como "novidades" funcionais para
essa leitura "otimista", "realista", "moderna".
O Capitalismo, estrictu sensu, é um modo de produçãoreprodução antiproduçãoconsumação da realidade –
dito no mais amplo sentido já definido – que se caracteriza por estar regido por uma integral axiomatizada, supostamente
geradora, "animadora" hierarquizadora, organizadora, limitante e destruidora do "todo" da realidade. Essa integral é
denominada Equivalente Geral Dinheiro.
O Equivalente Geral, a Axiomática do Capital – que pode se expressar através de quantidades abstratas, de
dinheiromoeda ou "letras" de diferentes naturezas, como títulos de propriedade, ações, bônus, cédulas ou registros
informáticos – é uma medida arbitrária de valor. Esse Equivalente Geral, que se acumula como inumeráveis forças
produtivas não retribuídas, tornase a medida para a qual deve ser traduzido o resultado da extração, apropriação,
acumulação e centralização de inumeráveis forçasformas de produção não pagas.
As modalidades clássicas do Capital são o Capital Latifundiário, o Industrial e o Financeiro; subalternamente,
porém, é possível falar também de Capital de Poder, de Saber, de Desejo – Consciente e Inconsciente –, de Semiotização,
e até de Beleza – Dominação e Mistificação.
Entre as principais forçasformas dessa produção está a forçaforma do Trabalho "Humano" – entendendo
como tal aquele composto por energias
184 ▲
físicoquímicas, biológicas, psíquicas, sociais, subjetivas – que deve ser "forçada", de maneira sumamente variada, a
submeterse à citada equivalência e a sua valorização e remuneração parcialmente não paga – Dominação e Mistificação
– pela força física ou por modalidades de subjetividade, semiotização e outras.
As condições fundamentais que possibilitam a produção, distlibuição, possessão, apropriação, troca, consumo
e fruição dos produtos de toda espécie, é a conversão crescente de tais produtos em mercadorias bens de troca,
enquanto interessam por seu valor de compravenda, e só secundariamente pelo seu valor de usosatisfação – pois se o
processo de capitalização realizase em cada passo desse circuito, cada um deles está informado pelo circuito de
compravenda, ou seja, operações de troca mediadas pelo dinheiro.
O Capitalismo como modo – dito no sentido amplo antes apontado – está constituído por contradições famosas
que lhe são essenciais. Por exemplo: as primárias, que se estabelecem entre o desenvolvimento das forças produtivas de
todo tipo e as relações de produção de toda espécie; e as secundárias, como as que ocorrem na competição entre as
diversas modalidades do Capital. Essas contradições são tanto produtoras do crescimento produtivo e cumulativo e da
reprodução das condições restritas e amplas da existência do Capital quanto demarcadoras de seus tetos classicamente
denominados limites internos e externos – e de sua subsistência. Os limites internos costumavam ser reduzidos à
existência da força de trabalho disponível, ou seja, comprável e vendável através do Capital chamado variável, o qual
habitualmente era tido como sinônimo da existência de trabalhadores vivos e produtivos. Era costume atribuir aos limites
externos a existência de mercados solventes, isto é, de compradores suficientes de mercadorias.
O Capital variável inclui também os insumos produtivos: gastos de crédito de dinheiromercadoria,
empreendimento, energéticos e territoriais, de matériasprimas e manutenção e aperfeiçoamento dos meios de produção
propriamente ditos – esses últimos constituindo o Capital fixo.
Porém, além dos gastos da reprodução ampliada – manutenção das condições
jurídicopolíticosubjetivolibidinais do Capitalismo, cujo protagonista principal é o Estado –, dependendo do ramo de
produção tratado, deve ser acrescentado ao Capital fixo e ao variável o que podelíamos chamar de gastos com a
produção de necessidade de demandas de consumo e fruição propriamente ditos, isto é, produção de mercado. Entre as
variadas situações nas quais essas contradições transformamse em aporias e conduzem à celebre crise do Capitalismo,
as mais conhecidas são aquelas que resultam das hiperproduções – excesso de mercadorias que se barateiam
"excessivamente" e não compensam as inversões – ou do esgotamento relativo dos mercados, que perdem assim seu
poder aquisitivo. Concomitantemente, podem haver crises provoca das, pois as lutas operárias
185 ▲
e camponesas questionam a propriedade das diversas formas de Capital fixo, incrementam o gasto do Capital variável
através de reivindicações salariais ou de melhores condições de trabalho ou chegam, em suas lutas políticas, a
apropriarse parcial ou totalmente do aparelho de Estado. Sabe se, porém, que o Capitalismo é um modo histórico que,
desde suas origens, não só aprendeu a prevenir e resolver as crises, mas também viver com elas, nelas e delas. As
manobras do Capitalismo a esse respeito são inumeráveis e, não podendo ampliar detalhadamente este ponto,
mencionaremos somente algumas essenciais.
Ao nível da produção, o Capitalismo suplantou a extração de maisvalia relativa – aumento das horas do
trabalho não remuneradas – pela absoluta – aumento da produtividade pela intensificação do trabalho em si mesmo ou
em menos tempo.
Nisso participa, se agrega e finalmente substitui a exploração típica a extração de maisvalia maquínica, isto é, o
aperfeiçoamento das máquinas e uma nova articulação entre a força de trabalho "humano" e "nãohumano". Outra
celebre tática é a diminuição deliberada da produção, ou a destruição dos produ tos para aumentar seu preço. Na esfera
da distribuição, apropriação, troca e consumo, o Capitalismo obteve uma enorme agilidade e bara teamen to desses
processos mediante a informatização e a robotização dos mesmos. Já a crise gerada pelo esgotamento da expansão
extensivo geográfica dos mercados foi superada com a intensificação quantitativa e qualitativa da venda através do
consumo de massas. Esse, por sua vez, foi alcançado com o barateamento e multiplicação dos produtos, assim como
através da planificação de produtos perecíveis, facilmente descartados e "melhorados", mas, sobretudo, pelo
aperfeiçoamento tecnológico da produção de demanda – marketing.
Não é necessário explicar como a guerra sempre foi um recurso complexo para superar as crises, pois atua em
todos e em cada um dos níveis dos processos do "Todo Capitalístico". A inflação é mais um exemplo de fenômeno
provocado: se, por um lado, alguns setores do Capital são prejudicados, outros são notoriamente beneficiados. Por
último, o resultado de cada crise é uma redistribuição de riquezas, pela qual o Capital – em quaisquer de suas formas de
existência – acaba por concentrarse, não necessariamente em menos "pessoas", senão em um número real, não
explicitamente formal, de entidades que são suas proprietárias, megaempresas, megabancos e, enfim, oligopólios e
monopólios.
De qualquer maneira, é importante destacar que o Capitalismo é um modo – dito no sentido amplo definido
acima – em que a inflexão exploradora, dominadora e mistificadora que lhe é característica tende a orientar toda a
produção, a reprodução, a antiprodução e o consumo para a extração de maisvalia econômica. Isso é válido para o lucro,
renda e ganhos, mas também para o saber, o poder e o prestígio. Longe de conseguir – através do tipo de competição
generalizada e" de cartas marcadas" que é
186 ▲
sua característica – uma otimização das forças produtivas de quaisquer naturezas (sejam as que verdadeiramente o
mesmo suscitou, e das que potencial e insolitamente disporia), esse sistema as paralisa, desaproveita e destrói em uma
proporção jamais igualada.
Tenho dado ênfase à afirmação de que o Capitalismo foi e é assim desde seus albores até os nossos dias, apesar
de que suas modalidades de produções de produção, reprodução e antiprodução variem muito com o tempo e os lugares
nos quais operam o diferente tipo de Capital. Perante uma assertiva deste porte, tornase de radical importância precisar
quando e como este Modo começou e quais foram suas sucessivas ou simultâneas transformações. Partindo do
princípio de que o Capitalismo é uma singular relação e composição de substâncias, energias, formas e maquinaria,
podemos admitir, seguindo alguns autores, que é possível encontrar seus antecedentes nas formações histólicas dos
séculos XII e XIII, e dali em diante. Também é possível aceitar que sendo a economia mercantil, o Estado, a vigência de
uma sociedade institucionalizada, assim como de formas sui generis de subjetividade, semiotização e parques
maquínicos – condições essenciais e existenciais de muitas formações históricas antigas –, as mesmas podem ser
consideradas como precursoras do Capitalismo. Pessoalmente, tendo a considerálas, à maneira de Marx e Engels, como
formações pré capitalistas.
O Capitalismo propriamente dito – cuja preparação se inicia com o fim do Feudalismo e prossegue no decurso
da Renascença, da Reforma e da ContraReforma e das revoluções européias e norteamericanas – culmina com a
instauração da indústria manufatureira na Inglaterra, que é, em minha opinião, a primeira expressão "verdadeira" do
Capitalismo na História.
Nestas linhas, o nosso interesse está centrado em mostrar que as suas peculiaridades essenciais estavam
préfiguradas, que continuam incólumes e que as transformações acontecidas, responsáveis por nossa chegada a esta
"Fase Superior", embora sejam originalíssimas e necessitem cuidadoso estudo, incluem, contudo, as anteriores, e não
têm mudado em sua essência desde aquelas até as contemporâneas. Esse esclarecimento pareceme imprescindível para
poder discriminar de forma convincente que o "novo" do Capitalismo Mundial Integrado não implica uma
transformação substancial do "velho". Pelo contrário, o "novo" Capitalismo é, em sua essência, muito pior que o
anterior, razão pela qual não justifica nenhum "otimismo", nem nos exime de nenhum tipo de luta pela sua extinção.
Então, em suma, com uma modéstia conceitual exigida por esta síntese: quais são as principais "novidades"
apresentadas pela atual "Fase Superior"? O processo da produção adquiriu, devido à revolução tecnológica e industrial,
uma velocidade e uma eficácia totalmente imprevisíveis para os teóricos do século passado. As conseqüências dessa
incrível aceleração consistem principalmente no seguinte:
187 ▲
– A maquinária da indústria extrativa, da agroindústria, da geradora de produtos e serviços está transformando
e diminuindo – gradual, porém firmemente – a participação da força de trabalho "humana" nos processos produtivos. A
força de trabalho maquinal e a exploração da maisvalia maquínica vão suplantando aquela humana, trazendo como
conseqüência desemprego, subemprego, emprego transitório e precário, processo esse cujo aspecto jurídico se
denomina "fIexibilização".
– Os grandes grupos empresariais, apesar de que seus ganhos, lucros e renda parecem estar crescendo,
empenhamse numa política de diminuição de custos produtivos, de Capital fixo e variável. Algumas dessas manobras
consistem em descentralizar a produção de grandes complexos infraestruturais caros, transferindo a parte básica,
ecologicamente "suja" e altamente tributada nos países centrais, para os países periféricos, com" mão deobra" e
impostos baratos.
– "Terceirização" contratual de segmentos da produção pouco rentáveis para empresas menores ou para
trabalhadores independentes, alguns dos quais operam na economia informal ou em seus próprios domicílios, havendo
indiscriminação da jornada de trabalho e do tempo livre.
– Hiperespecialização e/ou fIexibilização dos poucos trabalhadores que "permanecem" empregados com
incentivos de produtividade, através da participação nos lucros e na propriedade – via compra de ações minoritárias e
reciclagem contínua da capacitação técnica. Desse modo, formamse elites ou aristocracias de trabalhadores que passam
a fazer parte do Capital fixo da empresa, assumindo a identidade e os in teresses desta, desfiliandose de qualquer
organismo de classe ou luta coletiva de defesa de suas reivindicações trabalhistas. Multiplicação, mudança e anonimato
crescente das sedes e proprietários do Capital, que criam a ilusão participativa, ocultando sua concentração e o poder
decisório dos tecno burocratas que presidem e gerenciam as estratégias empresariais.
– Ênfase na geração de produtos e serviços baseados na tecnologia de ponta – informática, cibernética,
telemática, robótica –, formados segundo planos artificiosos e rapidamente "aperfeiçoáveis" que os tornam
imediatamente "perecíveis" e "descartáveis", obrigando a uma substituição incessante.
Essas e muitas outras estratégias conduzem a uma divisão mundial técnica, mas sobretudo econômicosocial do
trabalho, em que – diferente do período imperialista fordista da produção – os ramos produtivos de bens e serviços
indispensáveis e "pesados", assim como aqueles que entram subsidiariamente nos produtos e prestações altamente
remuneráveis, localizamse nos setores mundiais "em vias de desenvolvimento". Esses setores tornamse, assim,
participantes de baixíssimos custos e, ao mesmo tempo, também mercados pobres – compradores de bens e prestações
relativamente obsoletos e encarecidos internacionalmente –, porém
188 ▲
complementares daqueles centrais já saturados. Um "fordismo periférico".
Os processos de ordenamento, distribuição, apropriação, troca, consumoconsumação – que incluem os de
financiamento, comercialização, "fabricação" de necessidades e demandas (escassez, falta, carência) – foram
"hipertecnologizados" pelos grandes massmedia e pela propaganda. Essa parafernália adquiriu os níveis máximos de
eficiência, velocidade, artifício e inutilidade relativa para o consumidor – maiores ainda que os da produção de bens
duráveis e não duráveis propriamente ditos, sendo o mais importante gerador de subjetividade conhecido na História.
Não por sua real eficiência, mas por sua necessidade expansiva, o Capitalismo atual provocou a privatização,
profissionalização e mercantilização de "quase todos" os territórios e atividades recentemente nãolucrativos ou
considerados "gratuitos" ou "públicos". Alguns exemplos ilustrativos são os que, até pouco tempo, eram próprios dos
mecanismos de "reprodução ampliada": tarefas familiares, aparatos e funções de Estado – energia, rede viária,
comunicações, moradias populares, transporte, saneamento básico, saúde, segurança, educação e diversão "públicos",
preservação e restauração do "meio ambiente", seguros, previdência, operações administrativas e contáveis,
estabelecimentos carcerários e outros.
No chamado "mercado de capitais", o Capital financeiro, devido, entre outras razões, ao caráter instantâneo da
comunicação e da informática e à sua subordinação a núcleos ubíquos, anônimos, às vezes dispersos e condensados do
Capital monetário, acionário, documentário, prolifera geometricamente – sobretudo como empréstimo para as contas
correntes dos países "em desenvolvimento" ou emergentes. Como se sabe, os mesmos costumam ser governados por
demagogos, corruptos e incompetentes cuja gestão acaba sempre em grande déficit – contraído em um montante de
dívidas com juros astronômicos, que compõem os investimentos da usura "flutuante", "andorinha", transitórios, móveis,
descomprometidos e quase sempre não tributados. O lucro financeiro puro possui seu mecanismo mais pelverso nos
citados interesses e no refinanciamento eterno das dívidas externas e internas dos Estados e empresas nacionais
estatais, que elevam à enésima potência a devolução da quantidade originariamente emprestada, sendo que, no caso das
dívidas externas do "Terceiro Mundo" por exemplo, esses empréstimos não são nada mais que a mesma riqueza
explorada pela força durante a conquista, o Colonialismo e o NeoColonialismo, assim como capitais dos financistas do
próprio país que depositam seu dinheiro nos paraísos fiscais e o reinvestem com o privilégio dado aos estrangeiros. Por
outro lado, essa proliferação tornase infinita no chamado "Mercado de Futuros", onde se negociam matériasprimas,
produtos, divisas, títulos inexistentes.
A constituição de enormes e onipotentes monopólios nacionais ou internacionais – legalmente formalizados,
juridicamente dissimulados ou simplesmente clandestinos, supostamente resultantes e defensores do
189 ▲
"Livre Mercado" e da omissão reguladora do Estado e de organismos da sociedade civil – acaba por criar e regular à
vontade as convenções de custos e preços que regem esses mercados, assim como a qualidade e quantidade de demanda
e oferta, estritamente segundo seus interesses e nunca segundo os dos consumidores e usuários.
A mencionada, reiteradas vezes, hegemonia do poder econômico – o financeiro e o das grandes empresas –
modula arbitrariamente os resultados eleitorais ou porque tal poder é proprietário, ou porque é manipulador dos meios de
propaganda, ou ainda por causa do poder de seus lobbies sobre os políticos e funcionários do Estado. Por sua vez, o
Estado fomenta o surgimento de cartórios eleitorais, clientelismo, fisiologismo, nepotismo, burocracia, e domina a
condução política das nações. Por outro lado, o doutrinamento persuade, convence e corrompe o eleitorado em si
mesmo, criando os vícios conhecidos, entre outros, da compra de votos. Finalmente, o Capital, que como explicamos, já
dispõe de novos n,eios para reproduzir as condições de sua existência e proliferação – produção de subjetividade,
semióticas econômicas, políticas, jurídicas, institucionais, culturais e libidinais incorporadas à sua lógica, está
empenhado no desmonte, na privatização e resignificação da estrutura e das funções do Estado. Esse processo se
enfatiza na dissolução do chamado Estado Beneficente ou Providencial – cujas atribuições são demasiado onerosas para
o Capital –, em crise no mundo inteiro. O enfraquecimento do Estado realizase em nome da modernização, da
racionalização, da eficiência – o que não deixa de ter o seu sentido, dados os vícios de "nascença" da máquina estatal.
Não obstante, esse processo, a rigor, objetiva a subordinação das soberanias nacionais e respectivas populações a
entidades supranacionais cujos paradigmas são o Fundo Monetário lnternacional, a Organização Mundial do Comércio e
o Banco Mundial.
Em última instância, não sem contradição, crises autofagicamente resolvidas e também acontecimentos
metamorfósicos irreversíveis e incapturáveis – toda essa grande transformação que aponta para a assunção voluntária e
pacífica por parte de todos os agentes, sujeitos, indivíduos, grupos, comunidades do Axioma que rege a Lógica do
Capital – vêm se impondo até o presente. Tratase de implantar nas nações o regime político da democracia indireta,
representativa, competitiva e heterogestionária, que permita prescindir dos recursos repressivos clássicos, demasiado
caros e ostensivamente "inumanos".
Esses regimes e seus sistemas de "representação" – num sentido amplo de produção de subjetividade, o que
segundo os clássicos marxistas denominavase "Democracia Burguesa" – são a garantia do "bom comportamento" dos
povos em questão. "Bom comportamento" que implica uma administração completamente submetida ao Capital
transnacional – sobretudo o financeiro –, ao pagamento" correto" das dívidas públicas externas, à privatização a preços
baixos das empresas e serviços
190 ▲
estatais, à "livre" radicação – ou seja, não tributada e salarialmente flexibilizada – das empresas transnacionais e,
finalmente, ao compromisso incondicional com as alianças, sobretudo as bélicas, dos países "guardiões" do patrimônio
do Capital.
Ocorre, porém, que a construção da megamáquina planetária do Capitalismo Global Integrado não pode
prescindir por completo dos velhos equipamentos, procedimentos, agentes e práticas que possibilitavam suas modalidades
clássicas de exploração, dominação e justificação. Tampouco lhe foi possível eliminar totalmente as modalidades de
resistência próprias dos neoarcaísmos, tais como os regimes integralistas, fundamentalistas e os totalitários – que o
Capital supranacional fomenta quando lhe são funcionais, e depois tenta substituílos por democracias formais ou
nominais, sem dúvida mais "baratas" e mais favoráveis para a produção de mercadorias e a apropriação de mercados. Por
isso, o carrochefe do Capitalismo Mundial, os EUA, invadiu Panamá e Granada e tentou fazer o mesmo com Cuba – sem o
menor respeito pela autonomia que proclama, assim como subvencionou as piores ditaduras latinoamericanas e
africanas, e também as do Oriente Médio, seja com dinheiro e armas, seja com a famosa participação direta de seus
"assessores" militares.
Por outro lado, o Capitalismo Planetário Integrado tem que lidar com os movimentos separatistas – de
inspiração socialista ou não –, revolucionários ou genuinamente reformistas, de liberação das singularidades raciais,
nacionais, culturais, sexuais, etárias, ou pacifistas, ambientalistas, de direitos humanos, religiosos e assim por diante.
Sem considerar essas observações como um estudo profundo da contemporaneidade, no entanto suficientes para
entender que, como dizia anteriormente, se em alguns campos e setores parece que o balanço de todos esses andamentos
mostra alguns "progressos" estridentes, os indicadores de exploração, dominação e mistificação sui generis dessa "Fase
Superior" são inequívocos sinais de um tremendo predomínio da reprodução e da antiprodução sobre a produção possível
e virtual da qual o mundo seria potencialmente capaz hoje em dia.
A geração de um imenso contingente de excluídos da produção e do consumo, dos nãoinseridos nas instituições
e organizações, despossuídos de direitos e também de qualquer identidademiseráveis, enfermos, analfabetos, errantes,
semterra, semcasa, marginalizados, clandestinos, delinqüentes – é mais que suficiente para diagnosticar e avaliar a
situação mundial contemporânea. A essa degradação e deterioramento, mais que expressivos da degradação e destruição
do "parque humano", temos que acrescentar a destruição massiva da natureza, a modulação supérflua e luxuosa do
parque industrial, a banalização ou obscenidade da cultura, o crescimento cancerigeno das megalópolis, o esvaziamento
rural, o mau aproveitamento
191 ▲
das fontes energéticas e muito mais. Acredito que tudo isso já é conhecido por demais e serve para caracterizar, sem
dúvida alguma, o panorama paradoxal e sinistro de decadência.
Quarta Parte
Se essa entidade que denominei Movimento Instituinte existe, apesar de que duvido que ela mesma se
reconheça como tal, acredito ser importante para o seu destino introduzir uma pequena modificação no excelente
conceito de Capitalismo Planetário Integrado, como foi chamado por Félix Guattari. Permitome sugerir que seria melhor,
talvez, denominá lo de "Capitalismo Planetário Integralizante". Pois "integrado" é um particípio passado e designa um
objetivo já conseguido, coisa que o Capitalismo contemporâneo ainda está longe de alcançar,e vai depender de todos os
institucionalistas para que não o alcance.
Quero aqui parafrasear unia sentença do "AntiÉdipo" – texto fundamental para o que denomino de
Institucionalismo – que qualifica o Capitalismo como sendo" a mescla bizarra de tudo aquilo no qual alguma vez se
acreditou com aquilo no qual nunca se acreditou verdadeiramente". Decididamente, se esse modo não é um non plus
ultra, tampouco se reduz, como dizia Mão, a um "tigre de papel".
Todas as forças críticoreformistasrevolucionárias que o enfrentam atualmente estão num momento de trágico
desânimo. O sistemático "fracasso" – e escrevo fracasso entre aspas porque, como expressei em outra parte, "não existe
reparação possível para esse cataclismo, a não ser a convicção de uma vitória sem fim"; que é quase o contrário de uma
vitória futura final, complemento adequado de uma derrota sempre presente" dos experimentos socialistas às vezes
impressionam como uma extenuação do élan metamorfósico.
Dissemos anteriormente que o Capitalismo é a formação histórica que conseguiu não apenas "superar" as crises,
senão viver nelas e delas. É exa tamente essa capacidade de adaptação plástica e ativa que faz com que a lógica, a
máquina abstrata geral e as micromáquinas concretas pseudo democráticas e criptofascistas do Capital sejam não tanto
"ossos duros de roer", mas uma espécie de protoplasma polimorfo e sobrevivente, presuntivamente perene. Para poder
pensálo – com a única finalidade de combatêlo – são indispensáveis novas maneiras de pensar, sentir, atuar.
O estudo dos grandes impérios históricos – o Chinês, o Egípcio, o Grego de Alexandre Magno, o Romano, o de
Carlos V, o de Napoleão, o do "Socialismo Real" – mostra que sua decadência e sua queda não sobrevieram do seu"
exterior", mas" cresceram de dentro". O problema, porém, é que o Capitalismo Planetário Integralizante não tem mais,
rigorosamente falando, "exterior" e "interior", no sentido geopolítico que essas palavras adquiriram nesses enunciados.
Não é que as contradições "internas" e "externas",
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primárias, secundárias do Capitalismo não estejam vigentes e atuantes, mas que, como também diziam Deleuze e Guattari,
"ninguém nunca morreu de contradição". Se há algo que ameaça a sobrevivência do Capitalismo, é a potência do que
Deleuze e Guattari chamam" Processo Produtivo Desejante", Foucault designa como "Forças do Fora", Nietzsche
denomina "Vontade de Potência" e Bergson como "Realidade Virtual", fontes da invenção do radicalmente novo,
impensável e imprevisível. O Capitalismo é demasiado ágil, hábil, elístico, ubíquo e versátil, e também sabe – e pode ir se
adequando às suas próprias contradições, declinação assintótica e indefinida que se apresenta como
"desenvolvimento", "progresso" e "evolução". Esse apresentarse não se explica apenas pelos efeitos da "ideologia",
isto é, pela "redação", difusão e apropriação de sistemas de representações "imaginárias" que "falsificam" a realidade,
e/ou se oferecem como fantasmas a serem animados pelo desejo inconsciente ou pelos interesses
préconscientesconscientes dos sujeitosagentes, engendrando atitudes e ações conseqüentes. Não obstante a
"ideologia" siga cumprindo uma importante função nos circuitos prémodernos e ainda nos modelos de reprodução
ampliada do Capitalismo, está ficando evidente o que se passou a chamar – muito discutivelmente – de "cinismo" da
PósModemidade Capitilista. Por "cinismo" se entende que o "espírito" do Capitalismo Avançado – empregando
literalmente a velha expressão de M. Weber – já não se empenha demasiado em desconhecer nem ocultar os mecanismos
e efeitos de suas modalidades peculiares de exploração, dominação e mistificação. Sobretudo esses últimos, os da
mistificação, estão sendo essencialmente reformulados. Essa não é uma" descoberta insólita", tal como já a havia
percebido W Reich quando, referindose ao nazismo, afirmava que "o povo alemão não foi enganado". Sabia
perfeitamente tudo aquilo que a proposta do Terceiro Reich implicava.
As cúpulas proprietárias, as camarilhas tecnoburocráticas, as vanguardas programadoras, deliberativas e
executivas da megamáquina do Capital sabem, com maior ou menor lucidez, que são "peças" de uma lógica – ao mesmo
tempo exuberante e letal – que as constitui em suas funções e dela se vale. O extraordinário é que a assumem, a
encarnam, e até a desejam, sem iludirse a respeito.
Os diversos estratos e segmentos da subjetividade e da sociabilidade, em proporções e clarezas variáveis,
também o sabem, assumem e desejam, e assim o Parque Humano se divide entre os que possuem grandes probabilidades
de sobreviver, os que têm poucas e o enorme contingente que não tem nenhuma. É notório, segundo o que se entende
por sobreviver, que cada um dos modos de subjetividade sente que contém cada uma dessas divisões e contraposições
dentro de si, afetando aspectos mais ou menos sutis do que se entende por vida.
Não obstante a Psicanálise queira explicar esses efeitos como expressão, por exemplo, da Pulsão de Morte ou do
Masoquismo Primário,
193 ▲
em nível de estrutura e dinâmica dos sujeitos edipianos especificamente considerados como objetos universais dessa
disciplina, tal explicação tem validade apenas para uma forma triunfante e dominante de subjetividade.
É preciso compreender que o que emerge enquanto subjetividades e sócioinstitucionalidades não são efeitos
específicos e pontuais de mecanismos "educacionais", "psíquicos", "culturais", "lingüísticos" ou "mediáticos", mas
afeções – como dizia Espinoza – operadas em conjunto pelo tipo de maquinismo que modula prevalentemente o
atravessamento dos territórios da natureza, da sociedade, da subjetividade e das máquinéls dentro dessa megamáquina.
Indivíduos, agentes, sujeitos, sócius, instituições, desejos, interesses, práticas, éticas e estéticas são
produzidos, reproduzidos e antiproduzidos pela modalidade peculiar da imanência que se dá entre esses processos do
Capitalismo Planetário Integrado contemporâneo. Por isso, é importante entender, por exemplo, o Estado, a Igreja, o
Mercado, a Educação, o Trabalho, o Tempo Livre como subjetivados – de certo modo – e as subjetividades como
"infundidas" por um Estado, Igreja e Mercado "íntimos contínuos" – como diria Foucault.
Cabe ao Movimento lnstituinte – levandose em conta sua suposta infinita heterogeneidade interna e sua
irrestrita abertura externa – inventar os recursos e as práticas que possam empurrar o Capitalismo Mundial Integralizante
além de seus próprios limites, tornandoo permeável à irrupção das forças do "fora" que são capazes, realmente, de
transmutálo.
Quando lemos o panorama mundial, como procurei fazêlo nestas linhas, a rigor nos sentimos tentados, não
apenas a perguntarmonos – de acordo com a famosa fórmula – "Que Fazer" para transfomálo, senão antes interrogar:
"Como consegue manterse hegemônico e aparentemente próspero sem nem sequer esforçarse demasiado em dissimular
sua fragilidade e sua contraprodução?"
Apesar de que a perplexidade dos pensadores críticos e gestores da troca é ostensiva, devemos tomar
consciência de que aquela dos experts e condutores do Capitalismo não é menor. Ninguém é capaz de fazer predições a
médio e longo prazos acerca do futuro de cada "parte" e desse "todo" infernalmente deletério. Justamente por isso é que
nos resta apenas avaliar e lutar, incessantemente, em TODOS OS LUGARES E AGORA
NOTAS
1 – A definição rigorosa desses conceitos para tornálos acessíveis ao tipo de leitor ao qual este texto se destina
requereria um volumoso tratado à parte. Para aproximarse do entendimento de alguns deles, pode ser consultado o
Glossário deste Compêndio. De qualquer maneira, devo advertir que muitos destes termos não são usados aqui no
sentido estrito de sua bibliografia de origem.
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POSTSCRIPTUM
Janeiro de 1998
A releitura do apêndice anterior, escrito em 1995, suscitou em mim impressões contraditórias. Se me atrevo a
comentálas com os leitores, não é apenas – como espero seja possível apreciar mais adiante – por motivos autocríticos e
justificantes, contudo que esses também possam existir. Penso que, como sempre acontece, os três últimos anos possam
ter trazido elementos para melhor avaliar a pertinência do que se poderia qualificar, com benevolência, de cem e do que
tentei dizer.
Essas páginas de 95 me parecem retorcidas, desgarradas e mutiladas entre as exigências pedagógicas e
sintéticas do texto, por um lado, e suas pretensões analíticas, e até vaticinantes, exorbitantemente amplas, por outro;
acredito ter sido desde o início, e involuntariamente, insuficiente, assistemático, às vezes pouco claro e, em geral, não
suficientemente fundamentado. Tão fortemente acredito nisso que decidi catalogar este escrito numa simpática categoria
inventada por um amigo, o filósofo brasileiro Peter Pal Pelbart, segundo o qual o que estamos lendo não é um "ensaio", e
sim um" globo de ensaios". Não obstante, quero concederme os benefícios de um certo paradoxal beneplácito.
Durante este tempo, à grave crise "civilizatória" mundial que muitos já identificavam foise agregando uma crise
econômica de incalculáveis proporções que, pelo que entendo, somente alguns poucos prenunciavam. Não sei se é
excesso de petulância incluirme entre esses últimos, porém não pude deixar de constatar que o "pessimismo" de cada
página do "Apêndice" que antecede a este postscriptum insistia sobre esta predição.
A crise atual está em desenvolvimento – como o fato precedente do
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ataque especulativo à lira italiana e à libra inglesa e o outro que afetou o México – e engloba diretamente todos os
"Tigres Asiáticos" – Malásia, Tailândia, lndonésia, Singapura, Hong Kong, Laos e, por último, Filipinas; menos
drasticamente, Japão, Coréia do Sul e, de outra forma, China e Taiwan; e numa dimensão mais ou menos ameaçadora,
todos os "capitalismos emergentes", sendo que em outra, ainda indefinida, tanlbém as grandes potências capitalistas.
Esta é uma realidade clamorosa.
Obviamente, não cabe aqui uma análise excessivamente detalhada. Permitome fazer somente alguns
comentários globais que podem reafirmar, eventualmente, uma ou outra tese já postulada neste livro.
Em primeiro lugar, chama fortemente a atenção, sem ignorar diferenças nacionais, a cômica discrepância que os
economistas e outros especialistas mostram quando tentam explicar esse fenômeno colossal que se iniciou com uma
dimensão regional. Começamos pela admissão do FMI de que "se equivocou" na avaliação e condução desse assunto,
tanto que está chegando ao limite de sua disponibilidade financeira para" auxiliar" os falidos – isso significa socorrer os
investidores especulativos para que não percam seu dinheiro. Vamos continuar observando muitos experts atribuírem à
"falta de dados" – porque ocultados ou distorcidos por parte das economias em questão – a surpresa e a perplexidade
que a catástrofe ocasionou. E mais: porque, entre essesexperts, alguns atribuem o flagelo à cumulação de empréstimos
enviados aos países em crise, outros às suas falências bancárias ou à desenfreada especulação imobiliária que ocorreu
no seu território, ou ainda à sobrevalorização de sua moeda, e assim sucessivamente... Ou a "todas" essas causas juntas
e a muitas outras. Essas explicações, a meu ver, podem reduzirse a três tipos:
– Ou esse é um erro regional de modelo, cálculo, planejamento que implica dos povos até os governos – desde
logo, com uma distribuição muito desigual de responsabilidades.
– Ou essa é uma fraude de magnitude hemisférica e configuração escalonada que vai desde os
produtoresconsumidores, passando por todos os segmentos sociais, econômicos e políticos, até chegar aos
organismos internacionais – desde logo, com uma distribuição muito desigual de responsabilidades.
– Ou se trata de um efeito processual, substancial, essencial e inerente ao Capitalismo Planetário em via de
lntegração.
Com respeito à primeira hipótese, no caso dela ser correta, o mínimo que se pode considerar é que o destino do
mundo está em mãos de presunçosos incompetentes. Isso não implica "falha humana", senão principalmente um erro
radical sobre os meios de pensar a realidade. A idoneidade da "Ciência Econômica" e da "Economia Política" oficial
capitalista não só é, em muito, inferior à da Meteorologia, mas nem sequer tem a humildade de reconhecer o estatuto de
interfase do sistema caótico ordenado própria de seu "objeto".
196 ▲
O erudito "CientíficoPresidente" do Brasil, FH. Cardoso, foi feliz e sincero quando, solicitado a opinar acerca das
conseqüências da crise para a economia do Brasil, respondeu: "Só Deus sabe."
Pelo que se refere à segunda hipótese, se acertada, temos que assumir que o destino da humanidade este) nas
mãos de delinqüentes. Fica aberto o tema da qualidade e gradualidade de imputabilidade de cada um dos envolvidos e do
acordo sobre o critério de legalidade segundo o qual devem ser julgados (vejase mais adiante).
Se a terceira hipótese está correta – e isso tenho afirmado constantemente nesse modesto e elementar livro,
resulta evidente que as duas primeiras podem ser perfeitamente incluídas na última, porém, assim como as três não são
excludentes, tampouco são exaustivas. E também, mas não somente, por estúpidos e ladrões que os agentessujeitos
individuais e coletivos do Capitalismo assumem os lugares, as funçôes e as práticas segundo os quais a lógica da
Máquina Abstrata do Capital os produz e aciona.
Está comprovado – e isso é o que tenho procurado, simplesmente, lembrar aos leitores, uma vez que não
precisa ser demonstrado porque já o foi durante um século – que a sábia ignorância dos experts, tanto quanto a
desonestidade dos agentes e das entidades, não esgotam o repertório de riscos que caracterizam as subjetividades
capitalistas. O que mais nos deixa pasmos e surpresos no espectro das mesmas é o cinismo, ao qual já nos referimos
reiteradamente; é preciso apenas definir, pelo menos parcialmente, em que consiste este risco. Não se trata, é claro, de
desconhecimento, nem somente de uma tendência delituosa de transgredir ou ignorar a Lei – qualquer que seja a Lei da
qual estamos falando, especialmente se nos referimos a uma abstração ou hipóstase que se costuma denominar "A Lei",
com a qual os psicanalistas e outros teóricos enchem a boca. Em um certo sentido, tratase de cumprir ao pé da letra as
leis vigentes, ou de aproveitar os limites de seu império e de suas falhas intersticiais para pôla à serviço – às vezes
condicional, às vezes incondicional – da Axiomática do Capital, da qual a ordem jurídica imperante é uma engrenagem
perfeitamente coerente (vide a plena vigência do Direito Positivo). A lógica dessa axiomática está, em última instância,
absolutamente em sintonia com a racionalidade ética e proposicional das leis nacionais e internacionais – as
propriamente jurídicas ou as "internas" aos enunciados específicos disciplinares, científicos ou não. Excepcional e/ou
aparentemente, as leis se contrapôem a essa Lógica, ou como leis maiores formais, "Direitos Humanos" que
concretamente podem ou não podem ser cumpridos dentro do que se chama hipocritamente" condições constitutivas,
direitos fundamentais ou reais" da formação da soberania em questão, ou como leis menores – decretos, especificações,
regulamentações, normas...
Os célebres conceitos e a análise foucaultianos acerca do atravessamento entre os enunciados – as
dizibilidades – e aquilo que o autor
197 ▲
chama visibilidades – os dispositivos do poder, imanentes ao jogo de forças de uma formação histórica (por um lado), e
o diagrama, complexo de forças informais (por outro) – dão conta admiravelmente de alsrumas das maneiras com as
quais as funções de reprodução e antiprodução se realizam em cada sistema.
Entre vários requisitos, essas montagens dão conta de conferir uma certa inteligibilidade e um certo "moralismo"
à Ordem Capitalista Constituída, visando produzir as condições mínimas nas quais essa última possa subsistir – e
encontrando viabilidade, crescer –, garantindo sua reprodução simples e ampliada tanto em seus aspectos econômicos
como em todos os outros que já mencionamos. Que o lado "progressista" dessas leis – tanto as "maiores", puramente
nominais, como as "menores", que resultam operantes somente para matizar, mitigar ou amenizar os efeitos fundantes da
Lógica do Capital – expresse, em sua maioria, o resultado de heróicas e cruentas lutas da humanidade, e como tais são
admiráveis, não deve enganar ninguém. Principalmente não deve tranqüilizar ninguém acerca da perfeição do modo
econômico e de seus rebrjmes – jurídicopolítico subjetivo e outros. Em sua essência, não são nada mais que estratégias,
especialmente aquelas que se consideram concessões – geralmente tão inevitáveis quanto mínimas, bem distantes dos
"ideais", sempre considerados irrealizáveis. Essas concessões são invariavelmente tardias e de aplicação sujeita ao
horizonte do "possível", supostamente apoiado por uma "realidade" que o panorama da Axiomática do Capital delimita e
modula. Ao menos numa vertente dominante de sua essência, estão destinadas a desorganizar, desmobilizar, fragmentar
e recapturar as forças críticas e metamórficas, ou ainda, o que é mais astuto, a implicálas em dispositivos nos quais a
modalidade organizativa e os objetos a serem conquistados resultam relativamente irrelevantes e/ou absorvíveis pelo
Capital.
Um exemplo ilustrativo a esse respeito são as contendas entre os partidários neoliberais do "Livre Mercado" e
os defensores da "Regulação Estatal". Os primeiros fazem uma apologia do individualismo, da imprensa livre e da
competição liberal e neoliberal, aos quais atribuem todos os méritos da Modernidade – que, obviamente, sempre foi
consubstancial ao Capitalismo, pois não se conhece outra, sem considerar os seus defeitos. Os segundos prescrevem"
uma quantidade maior" da mesma Lógica do Estado, que começou muito antes daquela do Capital, possibilitou o seu
começo e ainda lhe é imprescindível.
Outro caso ilustrativo é a luta da economia de mercado e democracias representativas contra as "massas
ausentes", os neoarcaísmos e o terrorismo. O mérito relativo do pensamento de alguns autores, como Jean Baudrillard,
está na virtude de chamar a atenção – apesar de que unilateral e exagerada – sobre a estratégia de resistência
nãoconsumista e eleitoral (indiferença dos votantes) como "neutralização, omissa e passiva"
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das massas, complementada pela irracionalidade monstruosa, "absurda" e intempestiva dos fundamentalismos e do
terrorismo. Essas estratégias, apesar de apresentarem uma triste originalidade, não deixam de ser uma resposta cega às
manobras orquestradas pela Máquina Abstrata do Capital, habilmente engenhada para propor e propiciar contendas, de
maneira que os explorados, dominados e mistificados" comprem a briga", como se diz pitorescamente falando, isto é,"
entrem numa provocação desviante".
Perante essa constelação, não é pleonástico repetir que o processo do Capital não constitui uma unidade
monolítica, e muito menos estática. Não somente ao nível das contradições antagônicas e agônicas do que Deleuze e
Guattari chamam de "Superfície de Registro e Controle" composta por territórios, segmentos, instituições, organizações,
agentes dotados de uma identidade mais ou menos precisa e circunscrita. Vejase, senão, a ferocidade das
contraposições recentes e suas conseqÜências entre o Capital Financeiro "apátrida" volátil, o Industrial e o Latifundiário
– tanto nos domínios "globais" como nos regionais, nacionais, locais. Mas "ninguém morreu de contradições". A
imanência entre as potências e processos de desterritolialização e reterritorialização capitalistas movimentase sem
cessar, com uma velocidade que passa de geométrica para exponencial. Assim, apenas descritivamente, o mundo atual é
um poliverso vertiginoso, proteiforme, heterogêneo, heteromorfo, heteróclito e bizarro de colisões, que vão desde o
preciso até o indecidível, mas que têm aprendido a viver em crise e da crise.
É claro que espero e desejo fervorosamen te ser explícito dizendo isso, sem a menor intenção de desvalorizar
nenhuma forma de luta tradicional ou nova que as forças da Vida vão inventando, como infinitos agenciamentos e
acontecimentos no seu combate contra as equações variáveis de reprodução e antiprodução do Capital. "Todas" as
Máquinas de Guerra e as Linhas de Fuga simultaneamente econômicas, políticas, jurídicas, filosóficas, científicas,
artísticas, idiossincrásicas – na medida em que são individuações, expressões de singularidades intensivas –, e mais
enfaticamente, suas transversalidades, conexões disjuntivas inclusas, sinérgicas e potencializantes, seu
entusiasmo e sua alegria – como dizia Espinoza – foram, são e serão "o sal da terra". As preocupações dos
militantes acerca do grau de capacidade de recuperação que o Capital exerce sobre as mesmas geralmente não são
mais do que hesitações compreensíveis, porém acidentais, devido tanto às resistências que minam o processo de suas
façanhas quanto à dureza de suas vicissitudes. Diante de tudo isso, o pouco que proponho enfatizar aqui pode se
resumir, creio eu, da seguinte maneira:
Os militantes e pensadores instituintes contemporâneos passam por divergências e discussões dilemáticas –
que freqüentem ente os dissociam nas suas campanhas – acerca de se a luta deve darse a partir de dentro ou de fora das
organizações do Estado, do Capital ou da chamada Sociedade Civil (a esse respeito, vejamse os memoráveis capítulos
da "Revolução
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Molecular" de F. Guattari, os de "O Estado e o Inconsciente" de René Loureau e até alguns capítulos deste livro). Outro
desses dilemas é o já célebre que se trava entre os "reformistas" e os poucos "revolucionários" que ainda sobraram –
seja como for que se defina revolução. No espectro que vai do pólo dos" apocalípticos", por um lado, aos "integrados"
– bem intencionados – por outro, existem inumeráveis posições intermediárias que dão espaço a quantas vontades de
transformação seja possível imaginar assim como às melhores delas, que são as que escapam a toda imaginação. Cabe,
porém, reforçar que a reivindicação idiossincrásica nunca acaba de propagarse como uma onda extensiva, entre outras
razões porque insiste em enfatizarse como intensiva, confundindo singularidade com isolamento, linha de fuga com
evasão, ubiqüidade com fragmentação dispersiva. Em conseqüência disso, tanto os movimentos chamados
"Alternativos" quanto a Esquerda tradicional parecem perder de vista os macroindicadores inequívocos da deterioração
do "todo" capitalista, que consegue manterse porque a única classe verdadeiramente universal é a burguesia.
Contudo, se me permitem uma digressão, antes de concluir com uma nova tentativa de síntese, acrescentarei
quanto segue. Rememoro que em minha juventude, quando estudava a crítica marxista da Economia Política, tinha sérias
dificuldades para entender tanto o conceito da tendência à diminuição da taxa de extração da maisvalia quanto a
contestação que os economistas positivistas faziam a essa teoria. O argumento principal, se me lembro bem, baseavase
na tese de que tal indicador era in1possível de ser medido empiricamente; e por ser uma hipótese de "alto nível", inviável
quanto à operacionalização, verificação e falseamento; por isso carecia de sentido epistemológico.
Em função do que foi exposto acerca da crise presente, reiterarei que no momento a mesma tem respeitado, de
forma aceitável, somente a nação que continua sendo o assento das maiores sedes centrais do Capital mundial, assim
como de seu principal aparato bélicorepressivo: os EUA. O crescimento de quase 4% de sua economia em 97 e o
decréscimo de seus índices de desemprego, déficit interno e externo, apesar de que isso não o exonere inteiramente das
conseqüências imediatas da crise, não faz senão demonstrar o uso extorsivo que sabe fazer de sua hegemonia política –
em grotesco contraste com suas declarações neoliberais de "livremercado" e de democracia. Também Alemanha,
Canadá, França e Reino Unido, Itália e Espanha mantêmse relativamente estáveis, mesmo que todos os países
enumerados apresentem altíssimos índices de desemprego – com mais ou menos proteção estatal, discretos indicndores
de crescimento econômico e variados sinais de decomposição social e subjetiva.
Lembrarei também que alguns adora dores do neoliberalismo, bastante afetados por essa debacle setorial
insuspeita, empenhamse em reivindicar que, apesar de tudo, o modo capitalista e seu Sistema
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Democrático Nominal conseguiram, desde a Segunda Guerra Mundial até hoje, o milagre inédito de reduzir em quase 50%
a pobreza asiática. Essa afirmação adquire relevância pelo contraste com a decadência dos países do exbloco do
Socialismo real, o qual, como é notório, está em pleno declínio. De outro lado, sustentam que apesar da instabilidade
persistente, a intervenção dos países prósperos e dos organismos internacionais já está dando conta de controlar a onda
de falências,moratórias e outros flagelos. As excelsas democracias capitalistas "se ajudam".
Diante dessas afirmações, tornase importante esclarecer que, em primeiro lugar, Alemanha, Japão e Itália
começaram seu crescimento a partir da inversão massiva do Capital "aliado" – novas versões do Plano Marshall e da
'Aliança para o Progresso" – e nas condições políticas severamen te repressivas das nações derrotadas e "ocupadas".
Em segundo lugar,é apropriado pontuar que boa parte do desenvolvimento dos "Tigres Asiáticos" processouse sob
governos ditatoriais e autoritários, como Coréia e Vietnã, e teve uma base de lançamento nada depreciável, pelo fato de
serem aliados dos países centrais nas guerras anticomunistas. Por último: como não requerer (apenas porque não sei se
isso já foi feito) um levantamento cuidadoso e verídico dos coeficientes de concentração de riquezas que têm sido
realizados e perpetrados nesses países, mesnlO que uma parte dessa riqueza tenha sido destinada "humanitariamente" à
geração de força de trabalho cnpacitada e eficiente e de condições de governabilidade? Que papel cumpre, nas falências
atuais, a fuga desse Capital acumulado, destinado a inversões especulativas em outros mercados mais lucrativos e/ou
estáveis?
Alguns famosos economistas acabam de declarar, por exemplo, que não precisamos nos preocupar demasiado
com as falências generalizadas. Afinal, "é bom que as coisas se precipitem, porque assim a economia mundial se corrige e
ajusta". Outros têm manifestado que, ao final, a parte do Produto Bruto Mundial correspondente aos países
estremecidos pelo "sismo" alcança somente 6 ou 7% do total mundial. Ironizam, assim, os mecanismos de "contágio"
sofrido por aqueles que atribuem maior importância às falências e desencadeiam" corridas" na Bolsa...
Ora: que Economia Mundial é essa que entra em pânico por um "acidente" que afeta apenas 7% de sua
produtividade anual? O verdadeiro pavor não consistirá de fato em que uma das suas derivações pode ser a estrepitosa
baixa de preços dos produtos asiáticos (dumping) e o perigo iminente de benefício dos consumidores e prejuízo dos
inversores? A quais maldades políticas terá que se apelar para evitar essa presuntiva "injusta" festa dos compradores?
Com certeza não será "democrática" nem "livre empresista". A iminência da segunda Guerra do Golfo e da terceira
Mundial não é apenas hipótese de ficção científica.
Em síntese: os mais lúcidos afirmam que a presente crise é, como se
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diz eufemisticamente, "estrutural", e se funda, "em última instância", no predomínio nebuloso do Capital Financeiro
mundial – completamente independente de sua base material – e sua desregulação total, que em vão se reclama limitar
jurídica e institucionalmente.
Como explicar esse império inquestionável a não ser pelas peculiaridades da globalização, que não é outra
coisa mais que o pleno reinado universal – ostensivo, estridente, descarado – da Máquina Abstrata do Capital e sua
Axiomática Suprema?
O que manda é o Equivalente Geral, suas formas monetárias e informáhcas, subordinando à sua força quase
tudo que existe como realizado no horizonte do existente.
Pelo fato que já mencionamos antes dessa interessante questão da correlação inequívoca entre ética,
"liberdade" mercadológica e "liberdades" políticas e humanas, não é apaixonante que a Suíça – país que deve uma parte
indefinida de sua prosperidade aos depósitos bancários de boa parte dos capitais "espúrios" do mundo: evasão
tributária, ditatoriais, narcotraficantes, mafiosos e delinquenciais em geral – tenha um sistema político dotado de
Assembléias Populares Comunitárias Cantonais?! A "plena" democracia suíça "perpetrou" um plebiscito, segundo o
qual votou se a favor de continuar mantendo o segredo sobre suas contas bancárias. A hegemonia da Axiomática do
Capital consegue, às vezes, incorporar tanto os Círculos de Qualidade japoneses como a Autogestão!
Segundo me parece, existem algumas outras perguntaschave que precisamos nos fazer nessas circunstâncias,
sem descartálas por serem ingênuas e menos procedentes. São as seguintes: por que tomar como referência comparativa
e justificante das excelências liberais o Socialismo real – cujas diferenças com um Capitalismo de Estado é um tema ainda
digno de muita polêmica? Por que confiar na "natural" afinidade entre Capitalismo e Democracia Nominal, sendo que
vários dos mencionados "desenvolvimentos" capitalistas realiza ramse duran te regimes cripto ou ostensivamente
despóticos – vejase em outro contexto geopolítico a trajetória do Chile e do Peru. Quanto custará ao povo desses países
"novos ricos" quebrados a hipoteca dos anos vindouros, que é o preço de sua futura "recuperação"? Se os experts e
seus organismos têm sido incapazes de conhecer as cifras necessárias ou de elaborar os modelos e as simulações que
lhes perm.itiriam predizer essa "quebradeira", por que devemos acreditar que são ou serão aptos a quantificar, de forma
convincente, tanto as vantagens do caminho capitalista "eleito" quanto o montante exigido para sua recuperação? Pelo
visto, não é somente a tendência para a queda da taxa de extração da maisvalia o que não se pode mensurar!!!
Como já advertiram Deleuze e Guattari, tanto as empresas nacionais e transnacionais quanto os organismos
estatais e supraestatais operacionalizaram seus "modelos" predominantemente com base em movimentos táticos de
"invenções" e "sangrias". Movimentos esses
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invariavelmente improvisados e incidentais, cuja previsibilidade e precisão brilham pela ausência e são decididamente
contrárias à imagem de onipotência e sapiência das quais essas entidades fazem propaganda.
Como último argumento, existe o hábito de invocar o sereno bem estar da Suécia, Noruega, Holanda, Dinamarca,
Finlândia e alguns ou tros países com fabulosos índices de saúde e educação, sem considerar com profundidade que a
tal prosperidade é fruto da participação dessas nações na espoliação colonial e neocolonial e da inexistência de
bloqueios sobre suas economias. Que Cuba, com o embargo que dura mais de três décadas e oprimida por uma "Ditadura
do Proletariado", obteve índices parecidos, ajuda a demonstrar que, por bem ou por mal, não tem muita diferença entre as
variedades de Capitalismo e de Socialismo real. O ceme do problema – por mais pobres e óbvias em que essas
observações resultem – reside no seguinte:
– Não se deve confundir a lógica dos processos que Deleuze e Guattari chamam" Produtivos, Desejantes,
Revolucionários" – que são o "motor" da Produção ou a Produção em si – com aquela dos reprodu ti vos e
antiprodutivos. Não se pode dizer que os dois segundos sejam absolutamente contraproducentes e elimináveis, mas
devem estar, porém, rigorosamente subordinados ao primeiro.
– Não se deve confundir a morfologia e a dinâmica das instituições, organizações, estabelecimentos,
equipamentos, semióticas, sujeitos, agentes e práticas, isto é, os componentes territorializados, estratificados,
hierarquizados, e assim por diante, que constituem os domínios do real, do possível e do impossível, com o âmbito do
virtual atualizável.
– Não se deve confundir a democracia indireta e representativa liberal, neoliberal, socialdemocrata ou socialista
"soft", ou ainda a "popular", nem o saber e o poder de seus políticos profissionais e tecno burocratas, nem tampouco a
"participação" na democracia direta, com a autoanálise e a autogestão, quaisquer que sejam as modalidades históricas
que os dois termos dessa diferenciação adotem.
– Não se deve confundir – mesmo levandose em conta as singulari dades históricas das citadas modalidades –
a separação entre meios e fins que é própria da ética dos modos e sistemas capitalistas com a imanência entre
meios e fins que é consubstancial à ética das Utopias Ativas do Movimento Instituinte.
– Não se pode esquecer jamais, quaisquer que sejam as limitações, mimetizações e vacilações estratégicas,
logísticas, táticas ou técnicas históricas de cada iniciativa produtivadesejanterevolucionária, que nunca o "espírito"
das mesmas esteve melhor resumido que na deslumbrante fórmula – " A cada um segundo suas capacidades e a todos
segundo suas necessidades" .
Folgo em dizer que o incremento das forças produtivas de todos os tipos – incluídas as forças teóricas e
expressivas – mostra que este enunciado
203▲
pode e poderá ser formulado de infinitas novas maneiras, e que isso exige aplicar às definições de capacidades e de
necessidades uma coerência com os valores supremos aqui repetidamente postulados.
Para terminar, uma variação que me ocorre para a palavradeordem da citada consigna libertá ria é a seguinte:
''A cada qual segundo suas capacidades de lograr que – a todos segundo suas necessidades – seja uma
necessidade para todos e um desafio para cada um."
204 ▲
BIBLIOGRAFIA BÁSICA
Organizada em progressão crescente de possíveis dificuldades de leitura:
"Apresentação do Movimento Institucionalista", G. Baremblitt, in:
"Saude loucura" nOl, coord. A. Lancetti. Ed. Hucitec, São Paulo, 1989.
"O Inconsciente Institucional", coord. G. Baremblitt, apresentação e introdução. Ed. Vozes, Petrópolis, 1984.
''Análise Institucional: Teoria e Prática", vários autores, in: Revista Vozes n° 4. Ed. Vozes, Petrópolis, 1973.
''Análise Institucional no Brasil", V R. Kankhagi e O. Saidon (org.). Ed. Espaço e Tempo, Rio de Janeiro, 1987.
''Alguns elementos teoricos para pensar Ia cuestion de Ias derechos humanos y Ia violencia institucional", in: "Saber,
Poder, Quehacer y Deseo", G. Baremblitt. Ed. Nueva Vision, Buenos Aires, 1988.
"[Analyse Institu tionnelle", M. Autlúer e R. Hess. Ed. Presses Universitaires de France, Paris, 1981.
"Grupos, Organizações e Instituições", G. Lapassade. Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1977.
"EI Sociopsicoanalisis Institucional", G. Mendel, in: "La Intervencion Institucional", J. Ardoino (org). Ed. Falias, México,
1979.
205▲
"Sociopsicoanalisis lnstitucional", tomos 1 e 2, G. Mendel. Ed. Amorrortu, BuenosAires, 1973.
'A Análise lnstitucional", R. Lourau. Ed Vozes, Petrópolis, 1975.
"EI Analisis lnstitucional". G. Lapassade, R. Lourau et aI. Ed. Campo Abierto, Madri, 1977.
"EI Analizador y el Analista", C. Lapassade. Ed. Cedisa, Barcelona, 1971.
'Analisis Institucional y Socioanalisis", R. Lourau et ill. Ed Nuevillmagen, México, 1973.
"LAnalyses InstitucionnelJe en Crise?", J. Cuigon (coord.), in: Rev. Pour, n° 6263, Paris, 1978.
'Autogestão: Uma Mudança Radical", A. Cuillerm e Y. Bourdet. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1976.
"Participacion y Autogestion", L. Tomasetta. Ed. Amorrortu, Buenos Aires, 1975.
"Psicoanalisis y TransversaJidad", F Cuattari. Ed. Sigla XXI, Buenos Aires, 1976.
'A Revolução Molecular", F Cuattilri. Ed. Brasiliense, São Paulo, 1981.
"O Inconsciente Maquínico", F Cuattari. Ed. Papirus, Campinas, 1988.
"Micropolítica – Cartografias do Desejo", F Cuattari e S. Rolnik. Ed. Vozes, Petrópolis, 1986.
'As Três Ecologias", F Cua ttari. Ed. Papirus, Campinas, 1988.
"O AntiÉdipo", G. Deleuze e F Cuattari. Ed.lmago, Rio de Janeiro, 1976.
"Mil Platôs", G. Deleuze e F Cuattari. Ed. PreTextos, Valência, 1988.
206 ▲
BIBLIOGRAFIA DE CONSULTA
A bibliografia de consulta é vastíssima e pode ser classificada de acordo com a maior ou menor proximidade que tenha
com a linha teóricoprática adotada neste livro. Os textos aqui classificados são apenas os mais próximos, e não
pretendem, em absoluto, esgotar a lista dos possíveis. Por motivo de focalização, excluímos da literatura concernente à
antipsiquiatria, à psicologia organizacional e à psicologia grupal.
Obras de Georges Lapassade:
"Chaves da Sociologia", em colaboração com R. Lourau. Ed. Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, 1972.
"La Entrada en Ia Vida". Ed. Fundamentos, Madri, 1973. 'Au togestion Pedagógica". Ed. Cranica, Barcelona, 1977. "La
BioEnergia". Ed. Cedisa, Barcelona, 1978.
"Socioanalisis y Potencial Hun'1ano". Ed. Cedisa, Barcelona, 19~O.
Obras de Gérard Mendel:
"La Rebelion contra el Padre". Ed. Península, Barcelona, 1975, 2ª ed. "La Crisis e Ias Ceneraciones". Ed. Península,
Barcelona, 1972. "La Descolonizacion dei Niíi.o". Ed. Ariel, Barcelona, 1974.
"EI Manifesto de Ia Educación". Ed. Siglo XXI, Madri, 1975. 'Anthropologie Diffierentielle", Ed. Payot, Paris, 1972.
"l.:Angoise Atomique et les Centrales Nucléaires". Ed. Payot,1975. "Pour une autre Societé". Ed. Payot, Paris, 1975.
"La Classe lnstitu tionnelle". Ed. Payot, Paris, 1977.
"Quand plus rien ne va de soi". Ed. R. Lafont, Paris, 1981. "Enquete par un Psychanalyste sur LuiMême". Ed. Stock,
Paris, 1981.
207 "54 Millions d'Inclivid us sans Appartenance" . Ed. R. Lafon t, Paris, 1983. "La Crise est Poli tique, Ia Poli tique est en
Crise". Ed Payot, Paris, 1985. "On est Toujours l'Enfant de son Siecle". Ed. R. Lafont, Paris, 1986.
Obras de Gilles Deleuze:
"Para Ler Kant". Ed. Francisco Alves, Rio de Janeiro, 1976. "Empirismo y Subjetividad". Ed. Granica, Barcelona, 1977.
"Diferença e Repetição". Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1988. 'Apresentação de Sacher Masoch". Livraria Taurus Editora, Rio
de Janeiro, 1983.
"Proust e os Signos". Ed. Forense Universitária, Rio de Janeiro, 1987. "Nietzsche". Edições 70, Lisboa/1981.
"Nietzsche y Ia Filosofia". Ed. Anagrama, Barcelona, 1971. "Lót,rica do Sentido". Ed. Perspectiva, São Paulo, 1974.
"Kafka/ por uma Literatura Menor", em colaboração com F. Guattari. Ed. Imago, Rio de Janeiro, 1977.
"Diálogos", em colaboração com C. Parnet. Ed. PreTextos, Valência,19bO.
"EI Bergsonismo". Ed. Catedra, Madri, 1987.
"Spinoza: Filosofia PréÍctica". Ed. Tusquets, Barcelona, 1984.
"La ImagenMovim.iento", Estuclios 1 y 2. Ed. Pa.idos, Barcelona, 1984. "Foucault". Ed. Paidos, BuenosAires, 1987.
"Pericles y Verdi". Ed. PreTextos, Valência, 1989.
"EI Pliegue". Ed. Paidos, Buenos Aires, 1989.
"Espinosa e os Signos". Ed. Res, Porto, 1975.
"Spinoza y el Problema de Ia Expresión". Ed. Muchik, Barcelona, 1975. "Politique et Psychanalyse", com F. Gua ttari. Ed.
Des Mots Perdus, Alençon,1977.
"Los Equipamentos de Poder", F Fourquet e L. Murad. Ed. G. Gill, Barcelona, 1976.
"Deleuze e a Filosofia", R. Machado. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1990.
Obras de René Lourau:
"LInstituant Centre I..:Institué". Ed. Antrophos, Paris, 1969. "I..:Illusion Pédagogique". Ed. I..:epi, Paris, 1969.
'Analyse Institutionnelle ei Pédagogie". Ed. I..:epi, Paris, 1971. "Les Analyseurs de l'Église". Ed. Antrophos, Paris, 1972.
"Le Analyseur'Lip"'. Ed. UGE 10/18, 1974.
"Sociologue a Plein Temps". Ed. I..:épi, Paris, 1976.
"Le Gai Savoir des Sociologues". Ed. UGE 10/18,1977. "EI Estado y ei Inconciente". Ed. Kairos, Barcelona, 1979.
'Autodissolusion des AvantGardes". Ed. Galilée, 1980. "Les Lapsus des Intellectuels". Ed. Privat, Toulouse, 1981.
208
Obras de outros autores
"Psychiatrie et Psychothérapie Institutionnelle", J. Oury. Ed. Payot,
Paris, 1976.
"Hacia una .Pedagogia dei Siglo XX". F. Oury e A. Vasquez. Ed. Siglo XXI, México, 1974, 3ª ed.
"Introduccion a Ia Terapia Institucional", J. Chazaud. Ed. Paidos,
Barcelona, 1980.
"EI Psicoanalisis delas Organizaciones", R. de Board. Ed. Paidos,
Buenos Aires, 1980.
'A Reprodução", P. Bordieu e J. C. Passeron. Ed. F. Alves. Rio de
Janeiro, 1975.
"Organizações Modernas", A. Etzioni. Ed. Pioneira, São Paulo, 1976. "O Adoecer Psíquico do Subproletariado", W C.
Castilho Pereira. Ed. Segrac, Belo Horizonte, 1990.
"Nuevos Escritos", L. A1thusser. Ed. Laia, Barcelona, 1978. "Ideologia y Aparatos Ideologicos de Estado", L. A1thusser.
Ficha de Ia Nueva Vision, Buenos Aires, 1971.
"Instituição e Poder", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Graal, Rio de Janeiro, 1980.
"Metáforas da Desordem", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Paz e
Terra, Rio de Janeiro, 1978.
"Metáforas do Poder", J. A. Guilhon Albuquerque. Ed. Achiamé
Socii, Rio de Janeiro, 1980.
"Sexualidade na Instituição Asilar", J. Birman. Ed. Achiamé/Socii,
Rio de Janeiro, 1980.
"La Teoria de Ia Institucion y de Ia Fundación", M. Haurion. Ed. AbeledoPerrot, BuenosAires, 1968.
"Perspectives de l' Analyse Institutionnelle", coord. A. Savoye e R. Hess. Ed. Meridiens Klinscksieck, Paris, 1988.
"Psicohigiene y Psicologia Institucional", J. Bleger. Ed. Paidos, Buenos Aires, 1966.
"Los Sistemas Sociales como Defensa contra Ia Ansiedad", L Menzies y E. Jaques. Ed. Horme, Buenos Aires, 1969.
"Contrainstitucion y Grupos", A. Bauleo. Ed. Fundamentos, Madri, 1977.
"Psicologia de Ias Instituciones", F. Ulloa, in: Revista de Psicoanalisis, tomo XXVI, nº 1, Buenos Aires, jan./mar. 1969.
"Emergentes de una Psicologia Social Sumergida", A. Scherzer. Ed. de Ia Banda Oriental, Montevidéu, 1987.
"Salud Mental y rrabajo", coord, M. Matrajt. UAM, Cuernavaca, 1986. "Replanteo", M. Matrajt. Ed. Nevomar, México,
1985. "Subjetividad. Grupalidad. Identificaciones", J. C. De Brasi. Ed Busqueda Grupo Cero, Buenos Aires, 1990.
209 ▲
"Infâncias Perdidas – O Cotidiano nos Internatos", S. Altoé. Ed. Xenon, Rio de
Janeiro, 1990.
"m Proceso Grupal – Dei Psicoanalisis a Ia Psicologia Social", tomos 1 e 2, E.
PichonRiviére. Ed. Nueva Vision, BuenosAires, 4ª ed.1978. ''A PesquisaAção na
Instituição Educativa", R. Barhier. Ed. Zahar, Rio de Janeiro, 1985."
Les Méres "Fol1es" de Ia Place de Mui", A. Martin. Ed. Renaudot, Paris, 1989.
Periódicos;
Bul1etin de Ia Societé D' Analyse Institutionnel1e. Ed. SAI, Paris, cerca de 20 números.
Revista Autogestions. Ed. Privat, Toulouse, cerca de 30 números. Revista Connexions.
Ed. Epi, Paris, cerca de 30 números.
Revista Sociopsychanalyse. Ed. Payot, Paris, cerca de 20 números. Revista Lo Grupal. Ed. Busqueda, Buenos Aires, oito
números. Revista Saudeloucura, coord. A. Lancetti, quatro números. Fd. Hucitec, São Paulo.
''As Instituições e os Discursos". Revista Tempo Brasileiro n° 35. Ed. Tempo Brasileiro, Rio de Janeiro, 1974.
"Sociopsicoanalisis e Institucion", Ed. Hogar deI Libro, Barcelona, 1984.
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O AUTOR
Da formação em Psiquiatria à militância junto ao Movimento Instituinte Internacional, Gregorio F. Baremblitt vem
traçando um longo e fecundo percurso como médico psiquiatra, psicoterapeuta, professor, pesquisador, analista e
interventor institucional, esquizoanalista, esquizodramatista e escritor em diversos países da América Latina e Europa.
Esse percurso teve início há 40 anos, na Faculdade de Medicina da Universidade Nacional de Buenos Aires, da qual é
livredocente, e foise tornando mais rico e complexo a cada momento em que o médico buscou o cruzamento da
Medicina com outras áreas. Movido pela inquietação daqueles que não se contentam com o conforto garantido pelo
reconhecimento dado aos especialistas consagrados, Gregorio Baremblitt buscou sempre expandir sua atuação até as
fronteiras da Medicina com a Política, a Sociologia, a Filosofia, a Arte e também os saberes populares. Esse olhar
generoso e ao mesmo tempo rigoroso sobre os saberes e fazeres do mundo contemporâneo tem rendido não apenas uma
ampla produção intelectual, mas também diversas ações nos planos de coletivos diversos: em 1970, Gregorio foi
membrofundador do grupo psicanalítico argentino denominado Plataforma, primeira organização no mundo separada da
Associação Psicanalítica Internacional por motivos políticos. Ao se estabelecer no Brasil em 1977, fundou, no Rio de
Janeiro e em São Paulo, o Instituto Brasileiro de Psicanálise, Grupos e Instituições (Ibrapsi), e o Instituto Félix Guattari de
Belo Horizonte, do qual é atualmente o coordenadorgeral. Sua atuação no campo da saúde mental inspirou outros
profissionais a criarem a Fundação Gregorio Baremblitt, em Uberaba (MG), uma das primeiras entidades do país a instituir
formas de tratamento mental em sintonia com os ideais da Luta Antimanicomial. Gregorio é autor de numerosos livros e
artigos científicos e organizador de seis congressos internacionais em sua área de atuação. Este Compêndio é fruto de
um grande esforço para traduzir as temáticas, correntes e questões do Movimento Instituinte para aqueles que estão
iniciando seus estudos e ações nesse campo, sempre ancorados em duas palavraschave: autoanálise e autogestão.
211 OUTRAS OBRAS DO AUTOR
"Introdução à Esquizoanálise". Ed. Instituto Félix Guattari, Belo Horizonte, 1998.
"Lacantroças". Ed. Hucitec, São Paulo. Traduzido para o espanhol. "Cinco Lições sobre a Transferência". Ed. Hucitec,
São Paulo, 1991. "Saber, Poder, Quehacer yDeseo". Ed. Nueva Vision, Buenos Aires, 1988. ''Ato Psicanalítico, Ato
Político". Ed. Segrac, Belo Horizonte, 1987.
"O Inconsciente Institucional", em colaboração com outros autores. Ed. Vozes, Petrópolis, 1984. Traduzido para o
espanhol.
"Grupos, Teoria e Técnica", em colaboração com outros autores. Ed. Graal Ibrapsi, Rio de Janeiro, 1982.
"La Cura". Ed. Universidade Autônoma do México, Cidade do México, 1980. "Progressos e Retrocessos em Psiquiatria e
Psicanálise". Ed. Global Ground, Rio de Janeiro, 1978.
"La Interpretacion de los Suenos: Una Técnica Olvidada", em colaboração com outros autores. Ed. Helguero, Buenos
Aires, 1976.
"El Concepto de Realidad en Psicoanalisis", em colaboração com outros autores. Ed. Socioanalisis, BuenosAires, 1974.
"Psicoanalisis: Teoria y Practica", em colaboração comM. Matrajt. Ed. Centro Editor Latinoamericano, Buenos Aires,
1972.
"Cuestionamos", em colaboração com outros autores. Ed. Busqueda, Buenos Aires,1971.
Há também numerosos prólogos e artigos publicados em revistas científicas, culturais, livros e jornais da América
Latina e Europa.
212
INSTITUTO FÉLIX GUATTARI DE BELO HORIZONTE
O Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte (MG) é uma organização nãogovernamental fundada no ano de 1996.
Seu nome é uma homenagem ao célebre intelectual e militante francês Félix Guattari, e suas atividades têm como
inspiração a Utopia Ativa que guia a obra de Gilles Deleuze e do homenageado: a Esquizoanálise, que é também a do
Movimento Instituinte Internacional.
O Instituto foi criado pelo autor deste Compêndio – o professor de Psiquiatria, terapeuta e institucionalista
Gregorio Baremblitt, um dos introdutores das idéias desses autores em vários países da América Latina e Europa – em
parceria com Margarete Amorim, psicóloga, analista institucional e esquizodramatista, e junto a um grupo de colegas
institucionalistas.
O Instituto é uma organização vinculada à Fundação Gregorio F.
Baremblitt de Uberaba (MG), estabelecimento este que já conta mais de uma década de existência ancorada em uma
orientação e atividades comuns com o Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte, mas com ênfase na prática clínica.
O Instituto desenvolve atividades de prestação de serviços em análise e intervenção de organizações,
movimentos e grupos públicos e privados, governamentais e nãogovernamentais que atuam nas áreas de educação,
saúde, trabalho, justiça, arte, ecologia, políticas públicas etc.
O Instituto Félix Guattari de Belo Horizonte (IFGBH) também promove cursos e grupos de estudo, conduz
pesquisas, organiza eventos, supervisiona trabalhos técnicos e práticos, edita e distribui livros e gerencia programas
sociais, sendo todas as atividades pautadas em sua orientação.
O IFGBH tem diversas parcerias com organizações nacionais e estrangeiras afins, e está aberto a todos aqueles
que compartilham de seus ideais. Os interessados em entrar em contato com o Instituto Félix Guattari podem fazêlo
através dos telefones (31) 3284.1083 e 3221.7352 (Fax), email guattari.bh@terra.com.br ou pelo site
www.ifgorg.hpg.com.br . Sua sede fica na Rua Herval, 267 – Serra, Belo Horizonte, MG. Cep 30240010.
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