BÍBLICA
autor
JAIRO DA MOTA BASTOS
1ª edição
SESES
rio de janeiro 2019
Conselho editorial roberto paes e gisele lima
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra pode ser reproduzida ou transmitida
por quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo fotocópia e gravação) ou arquivada em
qualquer sistema ou banco de dados sem permissão escrita da Editora. Copyright seses, 2019.
4. Introdução à exegese do
Primeiro Testamento (AT) 79
Introdução 81
Os profetas de Israel 92
5. Introdução à exegese do
Segundo Testamento (NT) 103
Introdução 106
Prezados(as) alunos(as),
Bons estudos!
5
1
Conceitos, métodos
e práticas
Conceitos, métodos e práticas
OBJETIVOS
• Conhecer os diferentes métodos exegéticos;
• Compreender as regras de compreensão e interpretação da Sagrada Escritura;
• Analisar a Sagrada Escritura como literatura e Teologia na história.
capítulo 1 •8
possa ser datado da época do homem das cavernas. A pintura rupestre é conside-
rada, pela história da educação, como a primeira forma de escrita. É uma escrita
mais que pedagógica, é uma pintura de escrita, é uma obra de arte a primeira
escrita. Depois evolui para cuneiforme, aeróglifo (hieróglifo) alfabética, digital etc.
No entanto, a palavra é ainda mais antiga. Vale a pena uma pesquisa antes do
homem das cavernas, nas savanas, quando o homem e a mulher resolveram deixar
de vez o mundo animal na savana e ir morar na caverna para iniciar o processo
de humanização. Nesta pesquisa, você verificará empiricamente a origem da fala
humana: a palavra. Com toda certeza, informações importantes virão à tona quan-
do o animal “homem” inicia um processo de comunicação diferente dos demais
animais da savana. A phoné surgiu primeiro, depois veio a ortografia, a escrita. A
palavra foi desenhada, pintada, transformou-se pelas mãos humanas numa obra
de arte. Portanto, primeiro ela deve ser admirada, apreciada, contemplada, depois
lida, compreendida, interpretada, vivida, explicada, porque ela tem o poder da
metanoia e da metamorfose. O poder da conversão pessoal e da transformação
social. A palavra é mágica: “Abra cadabra”, “eureka”, “insight”, “up”, “Deus disse
haja luz e houve luz” (Gn 1:3), sobretudo a palavra de Deus, com seu poder de
criar do nada o universo, se usada corretamente pelo ser humano, pode mudar
qualitativamente as pessoas e a realidade.
No Primeiro Testamento, nos livros de Êxodo e Deuteronômio temos a infor-
mação que a palavra por milhares de anos ficou gravada na mente e no coração do
povo de Deus, pois a escrita ainda não existia, mas a Palavra (dabar) fora revelada
ao povo de Deus que escrita ainda não havia inventado para registrar esse magní-
fico acontecimento, a revelação da palavra de salvação.
Ouve agora minha voz, eu te aconselharei, e Deus será contigo. Sê tu pelo povo diante
de Deus, e leva tu as causas a Deus;
E declara-lhes os estatutos e as leis, e faze-lhes saber o caminho em que devem andar,
e a obra que devem fazer. (Êxodo 18:19,20)
A palavra que entra pelo ouvido (a escuta), passa pelo intelecto (compreensão-
-interpretação, Dt 4:2)) e vai para o coração (amor-vivência, Dt 11:18).
E o Senhor teu Deus circuncidará o teu coração, e o coração de tua descendência, para
amares ao Senhor teu Deus com todo o coração, e com toda a tua alma, para que vivas.
E o Senhor teu Deus porá todas estas maldições sobre os teus inimigos, e sobre os que
te odiarem, que te perseguirem.
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Converter-te-ás, pois, e darás ouvidos à voz do Senhor; cumprirás todos os seus manda-
mentos que hoje te ordeno.
E o Senhor teu Deus te fará prosperar em toda a obra das tuas mãos, no fruto do teu
ventre, e no fruto dos teus animais, e no fruto da tua terra para o teu bem; porquanto o
Senhor tornará a alegrar-se em ti para te fazer bem, como se alegrou em teus pais.
Quando deres ouvidos à voz do Senhor teu Deus, guardando os seus mandamentos e
os seus estatutos, escritos neste livro da lei, quando te converteres ao Senhor teu Deus
com todo o teu coração, e com toda a tua alma.
Porque este mandamento, que hoje te ordeno, não te é encoberto, e tampouco está
longe de ti.
Não está nos céus, para dizeres: quem subirá por nós aos céus, que no-lo traga, e no-lo
faça ouvir, para que o cumpramos?
Nem tampouco está além do mar, para dizeres: quem passará por nós além do mar, para
que no-lo traga, e no-lo faça ouvir, para que o cumpramos?
Porque esta palavra está mui perto de ti, na tua boca, e no teu coração, para a cumprires.
(Deuteronômio 30:6-14)
A palavra sagrada viva com poder de espada de dois gumes que, ao entrar no
labirinto do minotauro antropológico, percorre o caminho do ouvido, intelecto,
coração memória, vai separando alma, espírito, junturas e medulas e julgando às
intenções do coração. (Hb 4:12-13). Daí o seu poder. Ela não pode ser mal in-
terpretada (Dt 4:2), com ameaça de punição (Ap 22:18-19). E é verificada a sua
inspiração-revelação na ação do ser humano (Dt 18,9-22).
Por milhares de anos foi a oralidade, a palavra foi gravada na memória depois
foi para o pergaminho, para o papiro, para o papel e hoje é também digital. “No
princípio era a palavra e ela se fez carne (Jo 1:1-14; Lc 1:26-38; Gl 4:4) no seio
de Maria. Portanto, a palavra, phoné, depois escrita nas várias formas do tempo:
pergaminho, papiro, papel, digital para que tenha efeito, precisa ser escrita na car-
ne humana, encarnada. Essa é a melhor exegese. A exegese da carne e do sangue,
a exegese da vida.
Por essa análise evolutiva, você percebe que a hermenêutica e a exegese não são
originárias da interpretação bíblica. Com a escrita, nasceu o agiógrafo (hagiógrafo)
e o escriba. O escritor e o intérprete. Elas surgiram no “mundo acadêmico” como
técnica de compreensão e interpretação de textos antigos: filosóficos, jurídicos e
literários. Depois, o estudo teológico da Sagrada Escritura fará uma interface com
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as técnicas de hermenêutica dos textos antigos, então nasce a exegese como arte
de compreensão, interpretação, explicação e aplicabilidade da palavra de Deus na
vida do povo da aliança. Portanto, o processo vai da oralidade à escritura, pois
antes havia a palavra (dabar). A revelação ficou guardada no coração e na memória
do povo de Deus até a escrita ser inventada pelo ser humano. Veja como expressa
essa experiência dois textos bíblicos:
Gravem estas minhas palavras no coração e na mente; amarrem-nas como sinal nas
mãos e prendam-nas na testa.
Ensinem-nas a seus filhos, conversando a respeito delas quando estiverem sentados
em casa e quando estiverem andando pelo caminho, quando se deitarem e quando se
levantarem. (Dt 11:18-19).
O que hoje estou ordenando a vocês não é difícil fazer, nem está além do seu alcance.
Não está lá em cima no céu, de modo que vocês tenham que perguntar: ‘Quem subirá ao
céu para trazê-lo e proclamá-lo a nós a fim de que lhe obedeçamos?’
Nem está além do mar, de modo que vocês tenham que perguntar: “Quem atravessará o
mar para trazê-lo e, voltando, proclamá-lo a nós a fim de que lhe obedeçamos?”
A palavra está bem próxima de vocês; está em sua boca e em seu coração; por isso
vocês poderão obedecer-lhe. (Dt 30:11-14).
Esses dois textos explicitam que antes da escrita já havia a palavra sagrada
revelada por Deus ao seu povo e guardada no coração e na memória. Os adultos
passavam-na a crianças, adolescentes e jovens. Interpretando, explicando, sobre-
tudo pela vivência de experiências de libertações, como a libertação da escravidão
do Egito e da Aliança no Sinai.
Nesta perspectiva, a primeira hermenêutica bíblica é da oralidade, o intérprete
ouve a palavra do ancião que fazia uma “exegese”, mas a interpretação era do ou-
vinte, ou melhor, a compreensão para a aplicabilidade.
Molzoni fala da exegese da oralidade e de mais dois paradigmas exegéticos:
acréscimo e coletânea. Ambos buscaram um sentido e um significado na palavra:
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Por outro lado, também é certo que no Oriente Antigo, como em muitos povos em que a
escrita era o privilégio de uma elite, a transmissão oral desempenhou papel significativo
na transmissão da cultura. Uma tradição oral, por sua vez, pode remontar a um aconte-
cimento histórico e/ou a lendas. O mais provável é que ela misture tudo. No decurso da
transmissão oral, a própria tradição vai sendo reelaborada. Detalhes podem desaparecer,
nomes de personagens e de localidades podem sumir ou ser transformados, novas cha-
ves interpretativas podem ser introduzidas.
Uma vez posto por escrito, um texto começa a se fixar, mas ainda pode ser retrabalhado.
Na Antiguidade, o processo redacional mais comum era o de fazer acréscimos, o que
de certa forma, é o oposto do que ocorre na transmissão oral. Outro processo comum
era o de formar coleções juntando peças que antes tiveram uma existência separada,
podendo acontecer que, ao serem juntadas, estas peças adquiram um novo sentido. Os
livros dos Salmos e dos Provérbios ilustram muito bem a formação destas coleções. Mas
também outros escritos, como o livro de Isaías ou o Pentateuco, formaram-se a partir
deste processo, passando pelas mãos hábeis de editores que deram unidade a textos
que antes existiram separadamente. (MALZONI, 2008, p. 15)
Quando chegou o sétimo mês e os israelitas tinham se instalado em suas cidades, todo o
povo juntou-se como se fosse um só homem na praça, em frente da porta das Águas. Pedi-
ram ao escriba Esdras que trouxesse o Livro da Lei de Moisés, que o Senhor dera a Israel.
Assim, no primeiro dia do sétimo mês, o sacerdote Esdras trouxe a Lei diante da assem-
bleia, que era constituída de homens e mulheres e de todos os que podiam entender.
Ele a leu em alta voz desde o raiar da manhã até o meio-dia, de frente para a praça, em
frente da porta das Águas, na presença dos homens, mulheres e de outros que podiam
entender. E todo o povo ouvia com atenção a leitura do Livro da Lei.
O escriba Esdras estava numa plataforma elevada, de madeira, construída para a oca-
sião. Ao seu lado, à direita, estavam Matitias, Sema, Anaías, Urias, Hilquias e Maaseias; e
à esquerda estavam Pedaías, Misael, Malquias, Hasum, Hasbadana, Zacarias e Mesulão.
Esdras abriu o Livro diante de todo o povo, e este podia vê-lo, pois ele estava num lugar
mais alto. E, quando abriu o Livro, o povo todo se levantou.
Esdras louvou o Senhor, o grande Deus, e todo o povo ergueu as mãos e respondeu:
“Amém! Amém!”. Então eles adoraram o Senhor, prostrados com o rosto em terra.
Os levitas Jesua, Bani, Serebias, Jamim, Acube, Sabetai, Hodias, Maaseias, Quelita, Aza-
rias, Jozabade, Hanã e Pelaías, instruíram o povo na Lei, e todos permaneciam ali.
Leram o Livro da Lei de Deus, interpretando-o e explicando-o, a fim de que o povo en-
tendesse o que estava sendo lido.
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Então Neemias, o governador, Esdras, o sacerdote e escriba, e os levitas que estavam ins-
truindo o povo disseram a todos: “Este dia é consagrado ao Senhor, o nosso Deus. Nada de
tristeza e de choro!” Pois todo o povo estava chorando enquanto ouvia as palavras da Lei.
E Neemias acrescentou: “Podem sair, e comam e bebam do melhor que tiverem, e repar-
tam com os que nada têm preparado. Este dia é consagrado ao nosso Senhor. Não se
entristeçam, porque a alegria do Senhor os fortalecerá”.
Os levitas tranquilizaram todo o povo, dizendo: “Acalmem-se, porque este é um dia santo.
Não fiquem tristes!”
Então todo o povo saiu para comer, beber, repartir com os que nada tinham preparado e
para celebrar com grande alegria, pois agora compreendiam as palavras que lhes foram
explicadas. (Ne 8:1-12).
Vale a pena um estudo sobre esse acontecimento narrado por Neemias, pois
é o contexto da volta do exílio e havia muito tempo que o povo de Deus não
ouvia a palavra revelada. Razão pela qual se organiza uma grande celebração, ou
melhor, uma solene celebração da palavra, pois esse é o método por excelência, o
método celebrativo.
Bray, no livro História da Interpretação Bíblica, fala de duas tradições rabínicas
de exegese bíblica, Tanaim e Amoraim:
É possível identificar a primeira pouco antes do nascimento de Jesus, quando havia duas
escolas de pensamento rivais entre os rabinos. A mais conservadora era liderada por
Shammai (fl. C. 20 a.C.-c. 15 d.C.) e a mais liberal por Hillel (tb.fl. C. 20. a.C.-c. 15 d.C.).
Foi a escola de Hellel que acabou triunfando e deixando sua marca na exegese judaica
posterior. Também desse período são os Targumim, tradições aramaicas das Escrituras
hebraicas lidas em paralelo com o texto sagrado e usadas para interpretá-lo para as
pessoas. (BRAY, 2017, p. 50)
Além dessas duas exegeses praticadas nas escolas rabínicas pelos fariseus, havia
também a exegese praticada pelos saduceus, que estava mais próxima do sacerdó-
cio do Templo e em diálogo com o helenismo, mais elitista, portanto, mais distan-
te das camadas populares. Eles negavam a ressurreição. (Mt 22:23-33)
Os essênios e Qumran viam o Templo como corrompido, praticando uma
exegese escatológica. A exegese da diáspora, sobretudo as comunidades da
Mesopotâmia e do Egito que deu unidade à cultura judaica e forma às exege-
ses Misnhá e Talmude, cujo representante principal é Filon de Alexandria. Em
Alexandria, o Primeiro Testamento (AT) foi traduzido para o grego, o que revela
o diálogo dessa comunidade judaica com o helenismo.
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No tempo de Jesus, a interpretação dos textos bíblicos era chamada de midrah
haggadá. Diferente do midrash halaká, que é a interpretação e atualização da lei ou
do texto jurídico. O haggadá é a interpretação e atualização de um texto teológico,
“quase sempre de caráter narrativo.”
Naquele tempo havia dois métodos. O peshat, que fazia uma interpretação
mais literal. E o derash, que fazia uma interpretação mais alegórica. Os judeus
também usavam nas sinagogas o Targum, uma tradução do Antigo Testamento do
hebraico para o aramaico com explicações fundamentadas nos midrashin. Os essê-
nios de Qumran praticavam a interpretação dos textos sagrados, chamada midrash
pesher, que consistia na interpretação de versículo por versículo do texto sagrado.
Os evangelhos revelam Jesus interpretando os textos sagrados na metodologia
de seu tempo. Veja Mt 5:17-48 e Lc 4:14-30. Sobretudo, o texto de Lucas mostra
Jesus na sinagoga lendo o profeta Isaías e como um escriba fazendo a exegese do
texto sagrado que fala sobre o messias.
Fora do ambiente judaico, temos Filon de Alexandria que praticava a her-
menêutica alegórica que dará origem a esse paradigma na hermenêutica bíblica.
No século III, a escola de Alexandria se destacou com Clemente e Orígenes, que
distinguiam o sentido literal e o sentido alegórico de um texto sagrado. Segundo
estes pais da exegese bíblica, o sentido alegórico ou espiritual é o único que revela
o significado da Escritura.
No século IV, surgiu o paradigma antioqueno. Com exegetas como Deodoro
de Tarso, Teodoro de Mopsuéstia e João Crisóstomo, que distinguiam o sentido
histórico ou literal e o sentido superior ou teoria, sustentando a complementarie-
dade. O histórico é base para teórico que fazia a leitura tipológica. Ainda neste
século, surge a Escola da Capadócia, destacando Gregório de Nissa.
Na patrística latina, temos Jerônimo e Agostinho como grandes exegetas.
Jerônimo valorizou o texto original em aramaico, hebraico e grego. Fez uma ex-
celente tradução da Sagrada Escritura para o latim, a Vulgata. Introduziu a crí-
tica textual: escolher entre os manuscritos o que há mais probabilidade de ser o
original. Como método de explicação do texto sagrado, dialogava com todas as
tendências sobre uma passagem das Escrituras.
Agostinho usava a tradução latina feita do grego da Septuaginta (Vetus Latina).
Segundo ele, o texto sagrado tem um sentido dado pelo seu autor (que pode ser
mais de um sentido) e um sentido em si, não previsto pelo autor humano, mas
sim por Deus como autor. E a chave interpretativa é o amor para a edificação da
vida cristã.
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No Oriente cristão, merece destaque na questão hermenêutica a igreja siríaca
na região da Mesopotâmia. O sábio persa Afrahat e Efrém de Nisibe. Para Efrém,
tanto a Sagrada Escritura quanto a natureza estão cheias de símbolos que falam
de Cristo e da Igreja. Sua exegese privilegiava o gênero literário poético na inter-
pretação bíblica.
No Ocidente cristão, surgiu o método de leitura e interpretação bíblica cha-
mado Letio Divina ou Leitura Orante. Isso por volta do ano 220 e praticado
por monges católicos, especialmente nas regras monásticas de São Pacômio (292-
348), Santo Agostinho (354-430), São Basílio (329-379) e São Bento (480-547).
Orígenes (185-253) foi o primeiro a usar o termo Lectio Divina. Contudo, foi o
monge Guido, no século XII, que sistematizou o método de leitura e interpretação
da Sagrada Escritura que se estrutura em quatro degraus:
• 1o degrau: lectio (leitura). A leitura deve garantir a compreensão do texto
em três níveis:
a) Leitura: aproximar-se do texto e, por meio de perguntas bem simples, analisar
o seu sentido: quem? O quê? Onde? Por quê? Quando? Como o texto se situa no
contexto do livro de que faz parte?
b) Histórico: situar o texto no seu contexto.
c) Teológico: “descobrir, por meio do texto, o que Deus tinha a dizer ao povo
naquela situação histórica.”
• 2o degrau: meditatio (meditação). “O que diz o texto para mim, para nós, hoje?”
• 3o degrau: oratio (oração). O que o texto me faz dizer a Deus?
• 4o degrau: contemplatio (contemplação). A contemplação, colocada depois
da oração, revela que a verdadeira e mais profunda oração é a contemplação. con-
templar é saborear a Palavra de Deus com o coração.
SAIBA MAIS
Você pode aprofundar esse tema analisando os slides sobre a Lectio Divina. In: Letio
divina. Paróquia Divino Espírito Santo.
Disponível em: <http://www.pdesvl.com.br/pdes/arquivos/Lectio_Divina_2013.pdf>.
Acesso em: 10 fev. 2018.
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Você pode ler na forma impressa os livros de Frei Carlos Mesters. Leitura orante da Bíblia.
Paulinas, 2015.
Dom João E. M Terra. SJ. Lectio Divina. Meditação, oração e contemplação da palavra de
Deus. Ed. Ave Maria, 2013.
CRB – Leitura orante da Bíblia. Coleção Tua palavra é vida. v. 1. Loyola,1990.
A CRB é a Conferência dos Religiosos do Brasil. Para comemorar o jubileu de sua fun-
dação e incentivar a formação permanente de religiosos e religiosas, elaborou a coleção “Tua
palavra é vida” em sete volumes. E o volume um é exatamente sobre a leitura orante da Bíblia.
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MULTIMÍDIA
Convido você a ler esses dois documentos nos seguintes endereços eletrônicos.
Dei Verbum.
Disponível em: <http://www.vatican.va/archive/hist_councils/ii_vatican_council/
documents/vat-ii_const_19651118_dei-verbum_po.html>. Acesso em: 27 out. 2018.
Encíclica Divino Affonte Spiritu.
Disponível em: <http://w2.vatican.va/content/pius-xii/pt/encyclicals/documents/hf_p-
xii_enc_30091943_divino-afflante-spiritu.html>. Acesso em: 27 out. 2018.
Segundo o documento da Pontifícia Comissão Bíblica, no documento “A Interpretação da
Bíblia na Igreja”, de 1993 existe uma pluralidade de métodos de interpretação da Sagrada
Escritura. Contudo, o primeiro a ser tratado pelo documento é o método histórico-crítico e o
mais usado nos cursos de graduação em Teologia.
Você poderá ler e estudar esse texto nesse endereço.
Pontifícia Comissão Bíblica. A interpretação da Bíblia na Igreja. Disponível em: <http://
www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_
doc_19930415_interpretazione_po.htm>. Acesso em: mar. 2018.
Para apreciar corretamente este método em seu estado atual, convém dar uma olhada
em sua história. Certos elementos deste método de interpretação são muito antigos.
Eles foram utilizados na Antiguidade por comentadores gregos da literatura clássica e,
mais tarde, durante o Período Patrístico, por autores como Orígenes, Jerônimo e Agos-
tinho. O método era, então, menos elaborado. Suas formas modernas são o resultado
de aperfeiçoamentos, trazidos, sobretudo, desde os humanistas da Renascença e o re-
cursus ad fontes deles. Enquanto que a crítica textual do Novo Testamento só pôde
se desenvolver como disciplina científica a partir de 1800, depois que se desligou do
Textus receptus, os primórdios da crítica literária remontam ao século XVII, com a obra
de Richard Simon, que chamou a atenção sobre as repetições, as divergências no con-
teúdo e as diferenças de estilo observáveis no Pentateuco, constatações dificilmente
conciliáveis com a atribuição de todo o texto a um autor único, Moisés. No século XVIII,
Jean Astruc contentou-se ainda em dar como explicação que Moisés tinha se servido de
várias fontes (sobretudo de duas fontes principais) para compor o Livro do Gênesis, mas,
em seguida, a crítica contesta cada vez mais resolutamente a atribuição da composição
do Pentateuco a Moisés.
capítulo 1 • 17
A crítica literária identificou-se muito tempo com um esforço para discernir diversas
fontes nos textos. É assim que se desenvolveu, no século XIX, a hipótese dos “docu-
mentos”, que procura explicar a redação do Pentateuco. Quatro documentos, em parte
paralelos entre si, mas provenientes de épocas diferentes, teriam sido incorporados: o
yahvista (J), o elohista (E), o deuteronomista (D) e o sacerdotal (P: do alemão “Priester”);
é deste último que o redator final teria se servido para estruturar o conjunto. De maneira
análoga, para explicar ao mesmo tempo as convergências e as divergências constatadas
entre os três Evangelhos sinóticos, recorreram à hipótese das “duas fontes”, segundo
a qual os Evangelhos de Mateus e o de Lucas teriam sido compostos a partir de duas
fontes principais: o Evangelho de Marcos de um lado e, de outro lado, uma compilação
das palavras de Jesus (chamada Q, do alemão “Quelle”, “fonte”). Essencialmente estas
duas hipóteses são ainda aceitas atualmente na exegese científica, mas elas são objeto
de contestações. (Pontifícia Comissão Bíblica).
capítulo 1 • 18
cuja concepção de compreensão de um texto no todo fornece a estrutura adequada
para compreender as partes individuais e vice-versa.”
A segunda figura é a espiral hermenêutica, que concebe a interpretação do tex-
to sagrado “como uma espiral do texto para o contexto, de seu significado original
para a contextualização ou significado na Igreja hoje.”
O terceiro é a tríade hermenêutica: “a proposta de que a história, a literatura e a
teologia fornecem a estrutura adequada para a interpretação da Sagrada Escritura.”
Segundo Kostenberger e Patterson, estas três tendências ou metodologias não
são conflitantes, mas complementares, ou seja, a exegese atual processa fazer uma
interface das três propostas para conseguir um resultado significativo na com-
preensão, interpretação, explicação e aplicação da palavra de Deus:
capítulo 1 • 19
O método histórico-crítico é o método indispensável para o estudo científico do sentido
dos textos antigos. Como a Santa Escritura, enquanto « Palavra de Deus em linguagem
humana », foi composta por autores humanos em todas as suas partes e todas as suas
fontes, sua justa compreensão não só admite como legítimo, mas pede a utilização deste
método. Pontifícia Comissão bíblica.
LEITURA
Você poderá aprofundar essas etapas do método histórico crítico lendo também na
forma impressa o texto “Hermenêutica Bíblica”, da Revista Dominicana de Teologia. n. 6,
janeiro/julho, 2008. p. 14-30. Cassio Murilo Dias da silva. Metodologia de exegese Bíblica,
Paulinas, 2000.
Sobre a importância do método científico sugiro que você leia o clássico de René Des-
cartes. Discurso do método. Para conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências.
Disponível em: <https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2014/02/descartes-discurso-
-do-mc3a9todo-trad-jacc3b3-guinsburg-e-bento-prado-jr-com-notas-de-gerard-lebrun-publi-
cac3a7c3a3o-autorizada-pelos-detentores-dos-direitos.pdf>. Acesso em: 27 out. 2018.
capítulo 1 • 20
No caso da fé cristã, deve-se fundamentar em Jesus Cristo a fé, o amor e a
esperança, não na areia (Mt 7:24-28). Em 1Cor 3:10-15, São Paulo fala da im-
portância de lançar o fundamento da existência cristã na rocha que é Jesus Cristo.
Paulo usa a metáfora do arquiteto:
Segundo a graça de Deus que me foi dada, pus eu, como sábio arquiteto, o fundamento,
e outro edifica sobre ele; mas veja cada um como edifica sobre ele.
Porque ninguém pode pôr outro fundamento além do que já está posto, o qual é Je-
sus Cristo.
E, se alguém sobre este fundamento formar um edifício de ouro, prata, pedras preciosas,
madeira, feno, palha,
A obra de cada um se manifestará; na verdade o dia a declarará, porque pelo fogo será
descoberta; e o fogo provará qual seja a obra de cada um.
Se a obra que alguém edificou nessa parte permanecer, esse receberá galardão.
Se a obra de alguém se queimar, sofrerá detrimento; mas o tal será salvo, todavia como
pelo fogo. (1 Coríntios 3:10-15)
O qual nos fez também capazes de sermos ministros de um novo testamento, não da
letra, mas do espírito; porque a letra mata e o espírito vivifica.
E, se o ministério da morte, gravado com letras em pedras, veio em glória, de maneira
que os filhos de Israel não podiam fitar os olhos na face de Moisés, por causa da glória
do seu rosto, a qual era transitória,
Como não será de maior glória o ministério do Espírito? (2 Coríntios 3:6-8)
(...) é o tipo de interpretação da Bíblia praticado por pessoas que fazem parte do cha-
mado fundamentalismo cristão – ou seja, cristãos ultraconservadores teologicamente,
que consideram documento fundamental de sua fé os volumes originais da coleção
The Fundamentals, publicados a partir de 1909 (posteriormente editados em quatro vo-
lumes), em uma edição que ficou sob a responsabilidade final de R. A. Torrey.
capítulo 1 • 21
Não é dessa hermenêutica, porém, que falarei. Também não tematizarei a forma radical
e violenta de comportamento religioso que atualmente é chamada de fundamentalismo,
islâmico e/ou cristão. Meu propósito é outro, de cunho mais hipotético e provocativo.
Desejo refletir sobre a estética fundamentalista na hermenêutica, ou seja, sobre um
modo de interpretar a Bíblia que perpassa diferentes teorias, movimentos e instituições.
Uma estética, ou seja, um estilo de interpretação, uma atitude hermenêutica, que não
se identifica com nenhuma teoria ou método específico, mas os perpassa a todos igual-
mente. (ZABATIERO).
LEITURA
Para que você possa conhecer melhor essa tese, convido você a ler o texto de Júlio
Paulo Tavares Zabatiero.
Hermenêutica fundamentalista: uma estética do interpretar.
Disponível em: <https://www.metodista.br/revistas/revistas-ims/index.php/ER/article/
view/170/180>. Acesso em: ago. 2019.
capítulo 1 • 22
Com efeito, não podemos confundir estruturação e análise da estrutura literária com
análise estrutural ou estruturalismo. Enquanto a análise estrutural ou estruturalismo bus-
ca uma estrutura a partir das funções da linguagem (que são abstrações e vão além
do texto mesmo, ou seja, projeção de uma metalinguística e de uma metagramática
sobre um texto concreto), a análise da estrutura literária busca uma estrutura fruto das
relações existentes entre palavras e entre frases. Em outras palavras, a análise da estru-
tura literária preocupa-se com a organização e o sistema do texto “para encontrar seu
conteúdo e significado”; ao contrário, o método estruturalista “prescinde deste conteúdo
para ocupar-se só das funções e códigos que regulam a linguagem do relato”. Embora
a análise da estrutura literária realmente comece com o que é manifesto na superfície
do texto, tende a buscar o conteúdo e a mensagem imantes e profundos, o que leva
a superar os limites impostos pelo aspecto formal com que o texto se apresenta. Em
outras palavras, a análise da estrutura literária não se limita ao aspecto formal do texto,
mas, partindo da unidade e do sistema de relações do conjunto total, busca explicar o
conteúdo que o texto quer transmitir, pois só podemos atingir o conteúdo de um texto
por meio do próprio texto que nos oferece inúmeras possibilidades de leitura em seus
vocábulos, frases, repetições, figuras literárias, palavras-gancho, inclusões, quiasmos
etc. (SILVA, 2000, p. 94-95)
capítulo 1 • 23
O método histórico gramatical tem por objetivo achar o significado de um texto sobre a
base do que suas palavras expressam em seu sentido simples, à luz do contexto histó-
rico em que foram escritas. A interpretação é executada de acordo com regras gramati-
cais e semânticas comuns à exegese de qualquer texto literário, baseada na situação do
autor e do leitor de seu tempo. Shedd, citando E. D. Hirsch, afirma que “a interpretação
autorizada não pode fugir da intenção do autor”. É claro que isto não significa uma leitura
superficial do texto. Este tipo de exegese demanda um conhecimento dos antecedentes
linguísticos, históricos, culturais e geográficos da passagem. Muller, em termos simples
e objetivos, propõe três estágios para o método: observação (o que diz o texto), inter-
pretação (o que quer dizer o texto) e aplicação (o que o texto quer dizer para nós). Este
método teve seus antecedentes na Escola de Interpretação de Antioquia, no século IV
(Teodoro de Mapsuéstia e João Crisóstomo), e foi posteriormente revitalizado durante a
Reforma, no século XVI. Tanto Lutero como Calvino insistiram em que a função do intér-
prete é expor o texto em seu sentido literal, a não ser que a natureza do seu conteúdo
exija uma interpretação diferente (figurada). De acordo com Lutero, uma interpretação
adequada da Escritura deve proceder de uma compreensão literal do texto. O intérprete
deve considerar em sua exegese as condições históricas, a gramática e o contexto. Lu-
tero acreditava também que a Bíblia é um livro claro (a perspicuidade da Escritura). Para
Calvino, “a primeira tarefa do intérprete é deixar que o autor diga o que ele de fato diz em
vez de atribuir-lhe o que pensa que ele deva dizer”. (KUNZ).
LEITURA
Como esse método apresenta uma metodologia de leitura, compreensão, e interpretação
da Sagrada Escritura bastante detalhada e não temos tempo e espaço de apresentá-la aqui,
convido você a ler o excelente artigo científico de Claiton André Kunz.
Método histórico-gramatical. Um estudo descritivo.
Disponível em: <https://joaocamillopenna.files.wordpress.com/2014/02/descartes-
discurso-do-mc3a9todo-trad-jacc3b3-guinsburg-e-bento-prado-jr-com-notas-de-gerard-lebrun-
publicac3a7c3a3o-autorizada-pelos-detentores-dos-direitos.pdf>. Acesso em: ago. 2019.
Portanto, faça uma pausa da nossa aula e leia este artigo que vai agregar novos
conhecimentos sobre o estudo linguística da Sagrada Escritura. Assim, você, como
estudante de teologia, passa a ser também um leitor acadêmico da Palavra de Deus
revelada na Bíblia. Logo, é necessário fazer essa parada para um aprofundamento desse
tópico. Essa epoché vai agregar novos e importantes conhecimentos sobre essa temática.
São apenas dezoito laudas que iluminarão sua nova leitura da palavra de Deus.
capítulo 1 • 24
Relação “pesquisa científica” e exegese.
Como você já percebeu, até aqui são várias leituras possíveis da Palavra de
Deus: leitura popular, leitura espiritual, leitura pastoral e leitura científica. Todas
são legítimas e necessárias. A palavra de Deus, como mostramos no início, é uma
obra de arte, como tal precisa ser apreciada, admirada, ruminada, degustada para
ser encarnada e vivida.
Vivemos na era do conhecimento tecnológico e científico, e não há dúvida da
necessidade de um estudo aprofundado, ou melhor, do estudo científico da for-
mação do povo de Deus e da relação desse povo com o Deus criador e libertador
da escravidão e salvador em Jesus Cristo.
Como afirma São Pedro, o cristão hoje precisa dar razão da sua esperança:
Antes, santificai ao Senhor Deus em vossos corações; e estai sempre preparados para
responder com mansidão e temor a qualquer que vos pedir a razão da esperança que há
em vós, tendo uma boa consciência, para que, naquilo em que falam mal de vós, como
de malfeitores, fiquem confundidos os que blasfemam do vosso bom porte em Cristo.
(1 Pedro 3:15,16)
capítulo 1 • 25
de competência e habilidade na investigação, na pesquisa. Ele tem uma “fé” no seu
fazer científico, ou melhor, ele tem uma ideologia no sentido positivo de ideolo-
gia, como força motriz de uma justa causa.
Razão pela qual a exegese bíblica precisa se beneficiar das conquistas da pesqui-
sa científica, mas mantendo a suspeita ideológica. Igualmente com a religiosidade
popular, não há dúvida de que Deus se revela ao povo, sobretudo ao povo simples
(Mt 11:25-27; 1Cor 1:17-2:1-5). Contudo, o mestre Marx mostrou que a voz do
povo em geral é a voz da burguesia, ou melhor, da classe dominante. Portanto,
nem sempre é verdade: vox populi vox Dei, a voz do povo é a voz de Deus, mas
pode ser a voz da classe dominante. E a revelação cristã mostra que Deus se revela
tomando parte na luta por libertação do lado dos oprimidos, excluídos. Veja a
narrativa do livro do Êxodo, o trabalho dos profetas de Israel e sobretudo a vida
pública de Jesus de Nazaré.
A partir dos paradigmas do Êxodo, dos profetas e de Jesus de Nazaré fica claro
que a revelação para salvar toda a criação, mas a partir dos pobres, ou melhor, dos
empobrecidos, dos espoliados, dos excluídos (Mt 25:31-46). Portanto, o teólogo
não pode ser ingênuo ao usar qualquer metodologia no estudo da palavra revela-
da. A suspeita teológica precisa ser levantada até mesmo dos magistérios eclesiais
e teológicos. Veja o longo período de hibernação da Igreja Católica do século IV
até meados do século XX, sobretudo seu distanciamento do povo de Deus e de
suas alianças com as classes dominantes. Veja a hibernação das Igrejas Reformadas
que acabam de celebraram a magnífica reforma iniciada pelo gigante Lutero. Na
verdade, Martinho Lutero, no stricto sensu, foi um revolucionário.
Veja ainda setores neopentecostais com a teologia da prosperidade. Portanto,
uma teologia bíblica profética não pode abdicar do diálogo com os diversos sabe-
res, sobretudo com a filosofia, mas até desta a teologia bíblica precisa levantar a
suspeita teológica. Haja vista as contribuições significativas das teologias de gêne-
ro, étnica, sobretudo da ciberteologia.
Veja o que diz a Pontifícia Comissão Bíblica sobre esta questão:
capítulo 1 • 26
A necessidade de uma hermenêutica, isto é, de uma interpretação no hoje do nosso
mundo, encontra um fundamento na própria Bíblia e na história de sua interpretação. O
conjunto dos escritos do Antigo e do Novo Testamento apresenta-se como o produto
de um longo processo de reinterpretação dos acontecimentos fundadores, ligado com a
vida das comunidades de fiéis. Na tradição eclesial, os primeiros intérpretes da Escritura,
os padres da Igreja, consideravam que a exegese que faziam dos textos só era completa
quando eles evidenciavam o sentido para os cristãos do tempo deles e na situação em
que viviam. Só se é fiel à intencionalidade dos textos bíblicos na medida em que se tenta
reencontrar no coração de sua formulação a realidade de fé que eles exprimem, e se
esta se liga à experiência dos fiéis do nosso mundo.
A hermenêutica contemporânea é uma reação sadia ao positivismo histórico e à ten-
tação de aplicar ao estudo da Bíblia os critérios de objetividade utilizados nas ciên-
cias naturais. De um lado, os acontecimentos narrados na Bíblia são acontecimentos
interpretados. De outro lado, toda exegese dos relatos desses acontecimentos implica
necessariamente a subjetividade do exegeta. O conhecimento justo do texto bíblico só é
acessível àquele que tem uma afinidade viva com aquilo do qual fala o texto. A pergunta
que se faz a todo intérprete é a seguinte: qual teoria hermenêutica torna possível a justa
apreensão da realidade profunda da qual fala a Escritura e sua expressão significativa
para o homem de hoje?
É preciso reconhecer, efetivamente, que certas teorias hermenêuticas são inadequadas
para interpretar a Escritura. Por exemplo, a interpretação existencial de Bultmann con-
duz ao aprisionamento da mensagem cristã na argola de uma filosofia particular. Além
disso, em virtude dos pressupostos que comandam esta hermenêutica, a mensagem re-
ligiosa da Bíblia é esvaziada em grande parte de sua realidade objetiva (na sequência de
uma excessiva “demitização”) e tende a se subordinar a uma mensagem antropológica.
A filosofia torna-se norma de interpretação em vez de ser instrumento de compreensão
daquilo que é o objeto central de toda interpretação: a pessoa de Jesus Cristo e os
acontecimentos da salvação realizados em nossa história. Uma autêntica interpretação
da Escritura é primeiramente acolhida de um sentido dado nos acontecimentos e, de
maneira suprema, na pessoa de Jesus Cristo.
Este sentido é expresso nos textos. Para evitar o subjetivismo, uma boa atualização
deve então ser fundada sobre o estudo do texto e os pressupostos de leitura devem ser
constantemente submetidos à verificação por meio do texto.
A hermenêutica bíblica, se ela é da competência da hermenêutica geral de todo texto
literário e histórico, é ao mesmo tempo um caso único dentro dela. Suas características
específicas vêm de seu objeto. Os acontecimentos da salvação e sua realização na pessoa
de Jesus Cristo dão sentido a toda a história humana. As novas interpretações históricas
só poderão ser descobertas e desdobradas nessas riquezas de sentido. O relato bíblico
desses acontecimentos não pode ser plenamente entendido só pela razão. Pressupostos
particulares comandam sua interpretação, como a fé vivida na comunidade eclesial e à luz
do Espírito. Com o crescimento da vida no Espírito cresce, no leitor, a compreensão das
realidades das quais fala o texto bíblico. (PONTIFÍCIA COMISSÃO BÍBLICA).
capítulo 1 • 27
Com essa longa citação, podemos concluir esta primeira unidade afirman-
do que a relação “pesquisa científica” e exegese é necessária. No entanto, o labor
teológico precisa ter a habilidade e competência de separar o trigo do joio (Mt
13:24-43). Separar a ação humana na ação divina na elaboração do texto revelado
e inspirado. Contudo, que seja um texto escrito por mãos humanas dentro de um
contexto político, tecnológico, cultural, literário, social, ecológico e econômico.
Daí a necessidade de usar algumas ferramentas específicas do labor teo-
lógico, tais como o domínio das línguas da revelação: hebraico, grego e latim.
Conhecimento da tradição da história da salvação a partir do judaísmo e do cris-
tianismo. Conhecimento da história da salvação em outras tradições religiosas
como islâmica, tradições religiosas orientais, africanas e indígenas.
É importante ter conhecimento e engajamento na história atual do povo de
Deus, participando de suas angústias e esperanças, derrotas e vitórias. Ou seja,
a principal ferramenta técnica é uma formação teológica continuada e dialógica
com os diversos saberes. A crítica profética como ferramenta da tentativa de leitu-
ras ideológicas de esvaziamento da palavra de Deus revelada nas palavras da Bíblia
escrita por indivíduos inspirados pelo Espírito Santo. Uma crítica profética contra
o perigo da idolatria da palavra humana na literalidade do texto. A escrita é um
processo de letramento, de iluminismo, de ilustração, mas é também um processo
de elitização do conhecimento. A escrita sempre foi um artigo de luxo das elites,
basta uma leitura de algumas obras do mestre Paulo Freire e percebemos bem esse
processo. No entanto, por ser ilustração a escrita tem um alto poder “revolucioná-
rio”, transformador. O problema é que o povo de Deus no Brasil não gosta de ler,
de estudar. Leciono por mais de quinze anos na rede pública da educação básica
de são Paulo e me impressiona a falta de interesse das camadas populares pela lei-
tura e, sobretudo, pelo estudo formal. Os alunos do ensino médio onde leciono o
componente curricular Filosofia não gostam de ler, é muito estresse laboral dizer
em toda aula que é impossível estudar filosofia sem ler. Na reunião de pais a cada
bimestre, de sala com quarenta alunos comparece à reunião de pais e mestre no
máximo dez pais e ou responsável. Leciono as disciplinas filosóficas nos cursos de
direito, pedagogia, ADM, RH e Logística da faculdade Progresso de Guarulhos
e para conseguir que os alunos desses cursos leiam um texto filosófico de quinze
laudas é uma Guerra de Troia.
A maioria das famílias brasileiras possui a Sagrada Escritura em casa, mas a lei-
tura contínua é outra história. As últimas pesquisas têm apontado um aumento da
leitura no Brasil, sobretudo na forma digital, mas essa leitura é de baixa qualidade,
capítulo 1 • 28
não é capaz de aumentar o capital cultural, intelectual, ético e espiritual do povo
brasileiro, condição para melhorar o nosso IDH. Nas avaliações internacionais, a
nossa educação básica aparece na base da pirâmide do saber significativo, basta ve-
rificar o Pisa (Programa Internacional de Avaliação de Estudantes) que é uma ava-
lição séria. Nas avaliações nacionais: Prova Brasil, Ideb, Saresp, Enem os melhores
resultados de leitura paradoxalmente vêm de Pernambuco, do Amapá e Distrito
Federal. Estados ricos como São Paulo, por exemplo, deixam muito a desejar.
A leitura crítica e espiritual da Palavra de Deus pode ser a locomotiva de um
processo de alfabetização e letramento bíblico, então o magistério teológico, ma-
gistério no sentido de ensinar, e a ação pastoral podem contribuir muito para uma
leitura contínua da palavra de Deus e da leitura de mundo como afirma Paulo Freire:
capítulo 1 • 29
Jolí, o velho cachorro negro de meu pai, o seu mau humor toda vez que um dos gatos
incautamente se aproximava demasiado do lugar em que se achava comendo e que era
seu “estado de espírito”, o de Joli, em tais momentos, completamente diferente do de
quando quase desportivamente perseguia, acuava e matava um dos muitos timbus res-
ponsáveis pelo sumiço de gordas galinhas de minha avó. Daquele contexto – o do meu
mundo imediato – fazia parte, por outro lado, o universo da linguagem dos mais velhos,
expressando as suas crenças, os seus gostos, os seus receios, os seus valores. Tudo
isso ligado a contextos mais amplos que o do meu mundo imediato e de cuja existência
eu nós podia sequer suspeitar. No esforço de retomar a infância distante, a que já me
referi, buscando a compreensão do meu ato de ler o mundo particular em que me movia,
permitam-me repetir, recrio, revivo, no texto que escrevo, a experiência vivida no momen-
to em que ainda não lia a palavra. E algo que me parece importante, no contexto geral de
que venho falando, emerge agora insinuando a sua presença no corpo destas reflexões.
Refiro-me a meu medo das almas penadas cuja presença entre nos era permanente
objeto das conversas dos mais velhos, no tempo de minha infância. As almas penadas
precisavam da escuridão ou da semi escuridão para aparecer, das formas mais diversas
– gemendo a dor de suas culpas, gargalhando zombeteiramente, pedindo orações ou
indicando esconderijos de botijas. Ora, até possivelmente os meus sete anos, o bairro do
Recife onde nasci era iluminado por lampiões que se perfilavam, com certa dignidade,
pelas ruas. Lampiões elegantes que, ao cair da noite, se “davam” à vara mágica de seus
acendedores. Eu costumava acompanhar, do portão de minha casa, de longe, a figura
magra do “acendedor de lampiões” de minha rua, que vinha vindo, andar ritmado, vara
iluminadora ao ombro, de lampião a lampião, dando luz à rua. Uma luz precária, mais pre-
cária do que a que tínhamos dentro de casa. Uma luz muito mais tomada pelas sombras
do que iluminadora delas...
(...) Parece importante, contudo, para evitar uma compreensão errônea do que estou afir-
mando, sublinhar que a minha crítica “magicização” da palavra não significa, de maneira
alguma, uma posição pouco responsável de minha parte com relação à necessidade que
temos, educadores e educandos, de ler, sempre e seriamente, os clássicos neste ou na-
quele campo do saber, de nos adentrarmos nos textos, de criar uma disciplina intelectual,
sem a qual inviabilizamos a nossa prática enquanto professores e estudantes. (FREIRE).
capítulo 1 • 30
A leitura, o estudo, a oração, a meditação, a contemplação a partir da Palavra de
Deus pode ajudar reverter esse processo.
Portanto, os teólogos e as igrejas cristãs, por meio do estudo científico da
palavra de Deus e da vivência sem hipocrisia da palavra (Mt 23:1-31), têm muito
a contribuir para a elevação do capital cultural do povo brasileiro pela leitura da
Palavra revelada que tem o duplo poder: da metanoia e da metamorfose. A meta-
noia funciona como conversão pessoal e a metamorfose, como transformação so-
cial, cultural, ecológica, tecnológica, política, econômica, moral, ética e espiritual.
ATIVIDADES
Videoaula
01. Leandro carnal. Para começar o hábito de leitura. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=l2uIsGiSSCU>. Acesso em: 27 out. 2018.
02. Leandro Karnal. Um ateu que estuda a bíblia. Disponível em: <https://www.youtube.
com/watch?v=yzaRQpqx0Oc>. Acesso em: 27 out. 2018.
03. Leandro carnal. Quem lê clássicos se torna outra pessoa. Disponível em: <https://www.
youtube.com/watch?v=JlD25jNRKPM&index=65&list=PLbdi7VShIWek_k1Gl8pZyKgmNl-
pDE3VJQ&t=0s>. Acesso em: 27 out. 2018.
capítulo 1 • 31
Após assistir às seis videoaulas, elabore um texto de duas a cinco laudas, abordando
sobre a importância da leitura de um clássico (Bíblia clássico dos clássicos). A aplicação
dos métodos científicos no estudo da Sagrada Escritura cristã. O que é hermenêutica. O que
é exegese.
Objetivos da atividade
• Elaborar um texto acadêmico;
• Usar a linguagem padrão;
• Usar as normas da ABNT;
• Desenvolver uma reflexão teológica crítica sobre o tema.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
PEREIRA, Sandro. Exegese do Antigo Testamento. Curitiba: InterSaberes, 2017.
_______________. Exegese do Novo Testamento. Curitiba: InterSaberes, 2018.
SILVA, Cássio Murilo Dias da. Metodologia de Exegese Bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000
BACON, Betty. Estudos na Bíblia Hebraica: exercícios de exegese. São Paulo: Vida Nova, 1991.
CASTILLO, José. Jesus, a humanização de Deus. Petrópolis: Vozes, 2015.
DE LA POTTERIE, Ignace et al. Exegese cristã hoje. Petrópolis: Vozes, 1996.
FRIESEN, Albert. Teologia bíblica pastoral na pós-modernidade. Curitiba: InterSaberes, 2016.
MICHELETTI, Guillermo. As 12 parábolas de Jesus. Petrópolis: Vozes, 2014.
BRAY, Gerald. História da interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2017.
KOSTENBERGER, Andreas J; PATERSON, Richard D. Convite interpretação bíblica. A tríade
hermenêutica: história, literatura e teologia. São Paulo: Vida Nova, 2015.
LIMA, Maria de Lourdes Correia. Exegese bíblica. Teoria e Prática. São Paulo: Paulinas, 2014.
OSBORNE, Grant R. w Uma nova abordagem à interpretação bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2015.
capítulo 1 • 32
2
Análise dos textos
bíblicos
Análise dos textos bíblicos
Pois a palavra de Deus é viva e eficaz, e mais afiada que qualquer espada de dois gumes;
ela penetra até o ponto de dividir alma e espírito, juntas e medulas, e julga os pensamen-
tos e as intenções do coração. (Hb 4:12).
Boas-vindas
Olá caro aluno, seja muito bem-vindo ao mundo da compreensão, da in-
terpretação, da vivência e do anúncio da Palavra de Deus revelada na Sagrada
Escritura. Tire as sandálias dos pés (Ex 3:1-6) porque você está iniciando a jorna-
da da leitura e do estudo dos textos sagrados. Peça para Jesus curar a cegueira da
gnose, da pretensão humana de interpretar o texto sagrado sem oração, inspiração
(iluminação) e revelação (Mc 8:22-26; Jo 9:1-7).
Igualmente, com o advento do conhecimento científico, não se compreende
a palavra divina sem o auxílio desta chave de interpretação, ou seja, hermenêutica
e exegese, formas científicas de estudar textos filosóficos, literários, religiosos e
jurídicos.
A palavra de Deus revelada nas escrituras é um conjunto orgânico de textos
(Bíblia) com diversos gêneros literários e diversas correntes teológicas que preci-
sam ser compreendidos no seu contexto: econômico, político, cultural, ideológi-
co, ecológico, sociológico, literário e teológico.
Como você viu na citação de Hebreus, o espírito da palavra de Deus é como
uma espada bem afiada, na leitura com fé, amor e esperança, (teologia) e, usando
os instrumentos da hermenêutica e da exegese (ciência) com toda certeza, você
não só será um conhecedor da palavra, mas, sobretudo um praticante da palavra
divina (Mt 7:24-29).
Orientações para o estudo desta unidade.
Caro aluno, para o seu sucesso acadêmico, nesta unidade você precisa ter ao
seu lado a versão impressa da Sagrada Escritura ou acessar a forma digital nos
seguintes endereços:
• Bíblia on-line. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>.
• Bíblia Sagrada online. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/>.
Sempre que você encontrar uma citação em que o texto citar literalmente, então,
leia-a diretamente na Sagrada Escritura. Faça anotações dos aspectos que chama-
rem a sua atenção. Procure imediatamente saber quem escreveu, quando escreveu,
capítulo 2 • 34
onde escreveu, para quem escreveu. Lutero tinha razão, a Sagrada Escritura é o
principal alimento material da teologia e do cristão. É ela que não deixará o seu
estudo teológico cair na aridez, na desolação. Sem a teologia, a Bíblia não passa
de uma ciência da religião, uma filosofia da religião, uma sociologia da religião,
uma psicologia da religião etc., sobretudo ela é o principal objeto de nosso estudo
neste componente curricular, portanto, adquira o hábito da leitura contínua deste
patrimônio espiritual da humanidade, desta maravilha da humanidade.
Desejo excelentes estudos.
Yahweh, tua palavra é para sempre, ela está firmada no céu; tua verdade continua, de
geração em geração: fixaste a terra, e ela permanece. (Sl 119:89-90).
OBJETIVOS
• Conhecer os diversos contextos históricos e sociais da elaboração da Sagrada Escritura;
• Estudar os contextos teológicos dos textos bíblicos;
• Analisar a Sagrada Escritura como resposta de fé do povo Deus.
As palavras de Iahweh são palavras sinceras, prata pura, saindo da terra sete vezes
refinada (Sl 12:7).
Embora, enviada por Deus dos Céus, ou seja, vinda de cima (Ex 19:20) a pa-
lavra sagrada foi inspirada pelo Espírito Santo, como afirma o Sl 12;7 e homens e
mulheres em contextos históricos concretos a grafaram com letras de “prata pura,
saindo da terra sete vezes refinada não volta para o Céu sem dar seus frutos” (Mt
13:1-9;18-23).
capítulo 2 • 35
No entanto, o leitor crítico precisa fazer a contextualização. Dialogar com o
autor sagrado. Neste diálogo, o leitor é o ouvinte, precisa escutar e compreender o
autor na sua intencionalidade original. Não é qualquer ouvidoria, mas o Shemá:
Ouça e obedeça, ó Israel! Assim tudo lhe irá bem e você será muito numeroso numa
terra onde há leite e mel com fartura, como lhe prometeu o Senhor, o Deus dos seus an-
tepassados.
Ouça, ó Israel: O Senhor, o nosso Deus, é o único Senhor.
Ame o Senhor, o seu Deus, de todo o seu coração, de toda a sua alma e de todas as
suas forças.
Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração.
Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado
em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.
Amarre-as como um sinal nos braços e prenda-as na testa.
Escreva-as nos batentes das portas de sua casa e em seus portões. (Dt 6:3-9).
capítulo 2 • 36
No entanto, advertem Kostenberger e Paterson:
Enfatizar a importância das informações históricas não significa, obviamente, que toda
informação contextual disponível será pertinente para a interpretação de determinada
passagem. A relevância de uma informação contextual precisa ser pensada e avaliada
com cautela. Sem dúvida, as informações do contexto nunca devem ser mais impor-
tantes do que aquilo que está sendo afirmado explicitamente no texto. Na verdade, a
falta de discernimento na seleção de informações contextuais tem levado alguns a me-
nosprezar completamente o uso de informações histórico-culturais na interpretação do
texto bíblico (certamente, uma reação exagerada). Contribuindo para a depreciação da
análise dos dados históricos, os pós-modernos acreditam que escrever história imparcial
e objetiva é impossível. A visão da história como fatos que “realmente aconteceram” foi
substituída pela concepção de que toda historiografia é inevitavelmente subjetiva. Além
disso, os críticos pós-modernos em geral fazem a acusação de que grande parte da
história é escrita pelos que prevaleceram em luta por poder e autoridade. Por isso, esses
registros históricos são muitas vezes considerados ferramentas de opressão, manejados
pelos poderosos contra os destituídos de direitos. Nesse contexto, toda historiografia,
incluindo os registros bíblicos, é encarada com suspeita, e o resultado disso é o ceti-
cismo generalizado... Apesar das concepções dos pós-modernos, a história permane-
ce inabalável e não pode ser ignorada. Afinal, o cristianismo é uma religião histórica
fundamentada em um fato histórico: a ressurreição de Jesus Cristo... Isso mostra quão
importante é não separar indevidamente os aspectos históricos e literários da Escritura,
mas mantê-los em equilíbrio apropriado, o que faz parte da tríade hermenêutica: histó-
ria, literatura e teologia. Essa tríade mostra a necessidade de que a pesquisa histórica
seja equilibrada pelo foco adequado no texto (literatura) e de que se conceda atenção
suficiente à teologia (autorrevelação de Deus no texto sagrado, historicamente firmada).
O estudante da bíblia deve evitar os excessos do método histórico-crítico quanto os
reducionismos de abordagens literárias absolutas, que se colocam contra a pesquisa
histórica. (KOSTENBERGER; PATTERSON, 2015, p. 93-96)
capítulo 2 • 37
3 Vocês demonstram que são uma carta de Cristo, resultado do nosso ministério, escrita
não com tinta, mas com o Espírito do Deus vivo; não em tábuas de pedra, mas em tábuas
de corações humanos.
4 Tal é a confiança que temos diante de Deus, por meio de Cristo.
5 Não que possamos reivindicar qualquer coisa com base em nossos próprios méritos,
mas a nossa capacidade vem de Deus.
6 Ele nos capacitou para sermos ministros de uma nova aliança, não da letra, mas do
Espírito; pois a letra mata, mas o Espírito vivifica. (2 Cor 3:3-6)
No entanto, como texto sagrado a exegese não pode parar aí, na mera análise
da palavra humana, deve avançar para águas mais profundas do conhecimento
teológico da palavra de Deus. Contextualizando o sentido da palavra de Deus
para nós hoje. Além do mais, ela, a palavra divina, tem uma mensagem sobre o
futuro, ela é uma palavra escatológica que anuncia a segunda vinda gloriosa de
Jesus Cristo: Maran atha (Mt 25:31-46; 1 Cor 16:22; Ap 22:17-22). Ela faz uma
fusão de horizontes não somente do passado com o presente, mas também com o
futuro. E o exegeta, como um profeta de Israel, deverá no seu labor teológico fazer
esta fusão holística dos três horizontes: passado-presente-futuro para confortar,
animar e advertir a comunidade à luz da palavra.
Nesta perspectiva convido você a ler-estudando-meditando-orando e contem-
plando os textos do profeta Isaías sobre o Emanuel (Is 6:12), e o Servo Sofredor
de Yahweh (42:1-9; 49:1-7; 50:4-11 e 52:13; 53:1-12). Faça uma parada especial
em Is 7:10-17; 9:1-6 sobre a jovem grávida que dará à luz um filho. E o menino
que nasceu para libertar o povo de Deus do jogo da escravidão. Compare com Mt
1:18-2,1-23 e Lc 1,26-2,1-52. Quem é essa jovem grávida? Quem é este menino?
Qual a relação deles com Maria e Jesus no Segundo Testamento? Faz sentido teo-
lógico afirmar que Isaías, partindo de fatos históricos, anunciou acontecimentos
futuros, como faz a interpretação cristã?
Faça o mesmo exercício com Is 52:13; 53:1-12 comparando com Mc 14:15;
Mt 26:27; Lc 22:23 e Jo 18:19). Quais as semelhanças do Servo de Yahweh, nar-
rada pelo profeta Dêutero-Isaías, com a paixão de Jesus de Nazaré narrada pelos
evangelhos? É uma mera semelhança coincidente? Ou há uma relação teológica? É
legítima a interpretação cristã do Servo de Yahweh com Jesus de Nazaré?
Um dos poucos consensos teológico hoje sobre qual título Jesus de Nazaré teria
se identificado, entre tantos que lhe são atribuídos no Segundo Testamento (NT):
Filho do Homem, filho de Davi, Cristo, Filho Primogênito de Deus, Salvador,
Rei, Messias etc. O único é o de Servo. Nos Evangelhos, há uma riqueza teológica
capítulo 2 • 38
de informações sobre esta identificação de Jesus com o Servo Sofredor narrado
pelo Dêutero-Isaías. Em Mt 11:28-30; 12:15-21; 16:9-13; 20:24-28.
A cristologia da entrada messiânica de Jesus em Jerusalém é de uma profun-
didade espiritual que chega a ser cômica. O Rei entrando “soberanamente” pela
última vez, na cidade santa, montado num jumento (Mt 21:1-11; Mc 11:1-11
Lc 19:28-38 e Jo 12,12-19) e, sobretudo, Jo 13:1-20, na Última Ceia Jesus chega
escandalizar a Pedro sobre sua identificação com o Servo dos servos.
Veja a importância de articular a tríade hermenêutica: história-literatura-teolo-
gia com a tríade temporal: passado-presente-futuro numa fusão espiritual de com-
preensão da existência cristã, mas a história é a base, é o fundamento sobre o qual
se assenta a fé, o amor e a esperança cristãs. A tríade cristã: fé, amor e esperança não
têm o seu fundamento num mito, numa abstração gnóstica, mas na concreticidade
histórica do ápice da revelação de Deus em Jesus de Nazaré que se encarnou, nasceu,
anunciou a chegada do Reino de Deus, sofreu. Morreu e ressuscitou na história da
salvação cristã, que é a história do século primeiro da nossa era.
Assim, a questão histórico-social é importante para o exercício hermenêutico
e exegético no labor teológico. Fazer uma fusão tridimensional dos horizontes:
história-literatura-teologia, com passado-presente-futuro na fé-amor-esperança.
Segundo Kostenberger e Patterson:
As realidades históricas são comunicadas por meio de um texto, o qual, por sua própria
natureza, é seletivo no que registra. Por essa razão, não existe uma história completa de
todos os acontecimentos. Antes, os autores bíblicos registraram os fatos históricos mais
significativos para que se compreenda quem é Deus, o que ele está realizando no mundo
e o que ele convoca a humanidade a fazer em resposta a ele. Desse modo, o texto bíblico
fornece o enquadramento interpretativo para compreender a história humana. Além dis-
so, o enredo bíblico se concentra particularmente na história da salvação, isto é, no relato
da missão de Deus ao realizar seu plano de redenção para a humanidade pecadora no
messias e por intermédio dele. (KOSTENBERGER; PATTERSON, 2015, p. 97).
Ainda, segundo estes dois autores, na busca de uma interpretação fiel da pa-
lavra de Deus revelada na Bíblia surgiram pelo menos três figuras geométricas na
hermenêutica. A primeira foi o círculo hermenêutico (a noção de que a compreen-
são de um texto bíblico no todo fornece a estrutura adequada para compreender
as partes individuais e vice-versa).
Segundo foi a espiral hermenêutica (a noção de “a interpretação bíblica implica
uma espiral do texto para o contexto, de seu significado original para sua contex-
tualização ou significado na Igreja de hoje”). Terceiro, a tríade hermenêutica que
capítulo 2 • 39
propõe a articulação da história com a literatura e a teologia na compreensão e
interpretação do texto sagrado. (KOSTENBERGER; PATTERSON, 2015, p. 23)
Com relação ao contexto social da época da elaboração do texto sagrado, o
mesmo fornece muitas informações relevantes. O que exige uma leitura críti-
ca, sobretudo sensível do leitor, uma leitura ativa, analítica. Tanto no Primeiro
Testamento (AT, quanto no ST (Novo Testamento)). No Primeiro Testamento, há
uma série de narrativas que revelam a harmonia social, a fraternidade, a igualdade
e a liberdade, como no relato das origens (Gn 1:2). Bem como os conflitos, as cri-
ses familiares (Gn 3:4) e a corrupção geral (Gn 5:5-8; 18:19). A busca desenfreada
pelo conhecimento (Gn 3:1-7) e pelo poder (Gn 11:1-9). Fome e seca (Gn 12:10;
13:1-9; Gn 26:1; 15:22). Disputas entre irmãos sobre herança e afeto paterno (Gn
27:1-45; 37:12-36). Opressão e infanticídio (Ex 1:8-22).
Nos profetas a questão social é relevada a partir do paradigma da Aliança.
Deus permanece fiel, mas o povo eleito se torna infiel, sobretudo na questão da
fraternidade, da igualdade, do amor e do cuidado para com o próximo. Veja nas
afirmações categóricas de Isaías e Amós (Is 58:1-12; Am 4:1-3; 6:1-7).
No Segundo Testamento temos a revelação de um contexto social de completo
“estado mínimo” nas questões sociais e violência contra as camadas sociais. Infanticídio
(Mt 2:16-18). Enfermidades (Mt 8:1-17). Desemprego (Mt 20:1-16). Revoltas sufo-
cadas com o sangue dos que buscavam justiça social (Lc1 3:1-5). Fome (Mc 6:30-44;
8:1-10; Jo 6:1-15. Disputas por heranças sem assistência jurídica (Lc 12:13).
Portanto, uma hermenêutica bíblica digna de fé articula ao aspecto histórico
das Escrituras, “não apenas um estudo atento da cronologia e da arqueologia, mas
também envolve sensibilidade a vários aspectos do texto bíblico relacionados ao
contexto histórico-cultural.”
Segundo o exegeta Airton José da Silva:
capítulo 2 • 40
realizarmos essa desmitologização da fé javista, e dos seus derivados judaico e cristão,
seremos capazes, aqueles dentre nós que foram formados e alimentados por esses
símbolos judeus e cristãos curiosamente ambíguos, de alinharmos coração e cabeça,
de combinar teoria e prática. A aplicação das ciências sociais ao estudo da Bíblia vem
conseguindo responder satisfatoriamente a questões que a clássica “teologia bíblica”
não conseguiu abordar de modo adequado até agora.
É importante salientar que a leitura sociológica da Bíblia está relacionada especialmen-
te com os métodos histórico-críticos e com a leitura popular. Na medida em que toda
abordagem sociológica de um texto histórico é também uma abordagem histórica, a
leitura sociológica tem complementado e corrigido a leitura histórico-cristã. Especial-
mente importante é a percepção de que sua colaboração se faz necessária quando a
historiografia não se contenta em descrever as ações dos grupos dominantes de deter-
minada sociedade, mas a história quer revelar a atividade total de um povo. Do mesmo
modo, a leitura popular que vem sendo feita entre nós se beneficia das contribuições
das ciências sociais. No estudo do contexto em que foram escritos os textos bíblicos, por
exemplo, costuma-se olhar os quatro lados da situação enfocada: os lados econômico,
social, político, ideológico.”(SILVA, 2000, p. 356-357)
Não existe âmbito da vida humana que esteja fora do alcance da religião, visto trata-se
de uma experiência total e totalizante. (Tillich)
capítulo 2 • 41
Igualmente pode ser afirmado sobre a influência da religião nos povos antigos
do oriente, do mediterrâneo, sobretudo na Grécia antes dos pré-socráticos.
Osborne, assim define o lugar da religião:
Costumes religiosos controlavam cada aspecto da vida cotidiana das pessoas. Cada
atividade tinha implicações religiosas, e a dicotomia atual entre religioso e secular sim-
plesmente não existia. Conforme Henri Daniel-Rops afirma: “uma vez que a autoridade
civil se identificava com a autoridade religiosa, a lei secular era tão somente aplicação
da lei de Deus” (1962:341). O que as pessoas vestiam, como passavam o seu tempo
livre e como se relacionavam umas com as outras, até mesmo o tipo de casa em que
viviam, tudo tinha em essência uma dimensão espiritual. Muitas passagens não podem
ser compreendidas sem considerar o contexto religioso por trás delas. Por exemplo,
investigar o sincretismo pagão-judeu no Vale de Lico é bastante útil quando se estuda a
heresia abordada em Colossenses. Além disso, é preciso conhecer o verdadeiro objetivo
por trás da tradição oral e das proibições farisaicas antes de estudar seus embates com
Jesus e Paulo no NT. (OSBORNE, 2009, p. 208)
Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a
terra e fazerem-na brotar e florescer, para ela produzir semente para o semeador e pão
para o que come assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: ela não
voltará para mim vazia, mas fará o que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei.
(Is 55,10-11).
capítulo 2 • 42
passagens individuais, é a hermenêutica do teodrama. (KOSTENBERGER e
PETTERSON, 2015, p.149)
Nesta perspectiva o estudo dos contextos literários bíblicos é conditio sine qua
non para uma exegese fiel à revelação cristã. Portanto, o estudante de teologia pre-
cisa conhecer a literatura do período da elaboração do texto bíblico e a interface
teológica que o autor sagrado faz com um determinado gênero literário para trans-
mitir a palavra de Deus. E o estudo exegético explicita um pluralismo literário no
cânon judeu-cristão.
capítulo 2 • 43
sofrimento do exílio, da distância da Terra Prometida, da divisão do povo de Deus,
pois ficou uma parte e outra foi para a Babilônia.
Nesta perspectiva leia o Salmo 137 (136) e verá que é impossível que tenha
sido Davi ou Salomão que o tenha escrito:
1 Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de Sião.
2 Ali, nos salgueiros, penduramos as nossas harpas;
3 Ali os nossos captores pediam-nos canções, os nossos opressores exigiam canções
alegres, dizendo:
“Cantem para nós uma das canções de Sião!”
4 Como poderíamos cantar as canções do Senhor numa terra estrangeira?
5 Que a minha mão direita definhe, ó Jerusalém, se eu me esquecer de ti!
6 Que me grude a língua ao céu da boca, se eu não me lembrar de ti e não considerar
Jerusalém a minha maior alegria!
7 Lembra-te, Senhor, dos edomitas e do que fizeram quando Jerusalém foi destruída,
pois gritavam: “Arrasem-na! Arrasem-na até aos alicerces!”
8 Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição, feliz aquele que lhe retribuir o mal que
você nos fez!
9 Feliz aquele que pegar os seus filhos e os despedaçar contra a rocha! (Sl 137-136).
O terceiro Isaías foi escrito depois da volta dos exilados e é cheio de promessas
do Deus bíblico para o povo da Aliança no Sinai (Horeb). Portanto, só no livro
de Isaías temos três correntes teológicas diferentes, em contextos diferentes, com
reflexões diferentes, espiritualidades diferentes, objetivos diferentes, tempos dife-
rentes, etc.
Com relação ao Pentateuco, os especialistas datam com bastante precisão a ja-
vista entre os séculos X-IX a.C. com origem no reino do sul, Judá. Deus é grafado
com o tetragrama YHWH (Yahweh), chamado Javé. “A humanidade está marcada
pelo pecado e pela fragilidade, mas também pela promessa divina. O congregador
da fé e do povo é o Rei”.
A eloísta surgiu no século VIII no reino do sul, Israel, e Deus é chamado de
Elohim. É uma teologia contra o antropomorfismo com ênfase no aspecto moral.
Com ênfase na fé testada até ao limite e o temor de Deus. “Os temas de eleição do
povo de Israel e da aliança. O PROFETA é o congregador da fé e do povo. Deus
é ELOIM. Diferenças de nomenclaturas (exemplo chama Monte Horeb ao Sinai,
etc).”
A deuteronomista é do século VII a.C. Você poderá aprofundar essa corrente
teológica estudando o livro do Deuteronômio, por exemplo, no capítulo cinco
capítulo 2 • 44
há a narrativa da Aliança no Horeb, e não no Sinais como em Ex 19:20. O códi-
go Deuteronômico ou código da santidade (Dt 12:26), com uma espiritualidade
bem diferente do livro de Levítico.
A valorização da tradição oral (Dt 6,1-13), da memória (Dt 26:1-11), na fide-
lidade (Dt 6:14-25), na eleição divina (Dt 7:7-16), no poder divino (Dt 7:17-26),
na experiência da libertação da escravidão egípcia (11:1-7), na liberdade humana
(Dt 30:6-15;19-20). Dá critérios empíricos, seguros para o discernimento contra
os falsos profetas (Dt 18:9-22), teologiza a lei de tailão (Dt 19:21), tomada ao pé
da letra em Ex 21:25 como no Código de Hamurábi. Disponível em: <http://
historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fontes%20historicas/codigo_hamurabi.
pdf>. Acesso em: ago.
A sacerdotal é escrita entre os séculos VI-V a.C.(587-538) no exílio da Babilônia.
Destaca “os traços distintivos do Judaísmo: o Sábado, a circuncisão, a Lei. Acentua
a presença “gloriosa” de Deus (é Espírito, cf. Gn 1:2). Contém códigos litúrgicos,
processuais e genealogias. Forte ênfase na teologia da pertença ao povo de Deus.
A deuteronomista é do século VII a. C.
Segundo o cartunista Ziraldo “ler é mais importante que estudar”. Por que?
A leitura deve ser analítica, ativa, crítica, dialógica. O leitor deve dialogar com o
escritor (autor) e com seu contexto. Deve haver uma fusão de horizontes, o hori-
zonte do leitor e o horizonte do autor. Deve haver uma hermenêutica da empatia
entre leitor e autor.
No curso de teologia o estudante estuda a palavra. Estuda para se tornar um
estudioso (teólogo e exegeta). Um conhecedor da palavra. Quem escreveu este
texto? Por que escreveu? Quando foi escrito? Para quem foi escrito? Qual é a sua
mensagem para aquele período? Qual tendência teológica? Qual o gênero literário
o autor usou? Onde ele estava quando escreveu? Houve inspiração sobrenatural?
Qual é a mensagem deste texto para a comunidade hoje? Há alguma perspectiva
escatológica neste texto? Ou seja, o curso de teologia qualifica o estudante para
investigar e responder estas questões, mas tudo isso com um objetivo específico:
o estudante que se tornou um estudioso, agora é um leitor assíduo da palavra de
Deus. Ler todos os dias, medita, adora, ora (reza) e por fim, contempla o misté-
rio que a palavra revela-esconde, contempla a Deus a partir da leitura da palavra
capítulo 2 • 45
sagrada. Ela, a Palavra de Deus é como uma transparência, por meio dela o leitor
ver e toca o mistério (Lc 2:22-32):
24 Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com os discípulos quando Je-
sus apareceu.
25 Os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Mas ele lhes disse: “Se eu não
vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os
pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”.
26 Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles.
Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse:
“Paz seja com vocês!
27 E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a
mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia”.
28 Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”
29 Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram”.
capítulo 2 • 46
os frutos para os quais Deus a enviou (Is 55:10-11; Mt 7:24-29;13:4-9; 18-23).
Assim podemos afirmar que há cinco níveis da leitura bíblica:
a) Oração, quando leio para a minha edificação;
b) Liturgia ou celebração, quando a palavra é lida (proclamada) na e para a
comunidade;
c) Catequese ou formação cristã, quando a palavra é lida para formar um grupo
específico de cristãos;
d) Teologia, quando a palavra é lida como alimento para o labor teológico;
e) Exegese, quando a palavra é lida como estudo, como pesquisa, como investi-
gação científica.
Portanto, a palavra de Deus precisa ser lida “como um texto que pertence ao
Cânon, Primeiro e Segundo Testamentos (AT e NT,), como gênero literário e por
fim, a linguagem ou as características linguísticas”.
Ou seja, o leitor deve partir do contexto histórico, o sitz im Leben, do contexto
vital da escrita da palavra. Este contexto vital pressupõe o pessoal, familiar, co-
munitário, político, econômico, social, ecológico, tecnológico, religioso, cultural-
-ideológico ou literário. Então, o gênero literário do texto bíblico é um diálogo
com todas estas realidades, sobretudo com o cultural-ideológico. Por que o autor
usou esse e não outro gênero literário? Este gênero é mais popular? O gênero lite-
rário é o condutor da teologia, isto é, o autor sagrado o escolheu estrategicamente
para se comunicar em nome de Deus com aquela determinada comunidade.
Portanto, a Sagrada Escritura é riquíssima em gêneros literários. Isto é um exem-
plo de interdisciplinaridade, metadisciplinaridade, transdisciplinaridade e pluridisci-
plinaridade. O autor sagrado dialoga com a cultura de seu tempo e estrategicamente
se comunica com seu público específico, transmitindo a palavra de Deus, muitas
das vezes revelada em outro contexto, em outro tempo e escrita em outro contexto,
sempre para o povo de Deus, mas para outras pessoas, outras comunidades.
Agora descreveremos em linhas gerais os gêneros literários usados pelos au-
tores sagrados na elaboração do cânon bíblico, pois na próxima unidade você
aprofundará este tema.
O primeiro é a tradição histórica – relatos que querem revelar a ação de Deus
na história de Israel. Não são relatos de fatos reais, mas releituras teológicas: “sobre
um fato real, constrói-se uma história que o interpreta e atualiza.” A historiografia
bíblica não é a historiografia positivista e menos ainda neutra, “é uma história
capítulo 2 • 47
interpretada e interpretante, narra o fato e fornece critérios para o leitor chegar ao
significado, ao sentido”.
Nesta perspectiva devem ser lidos os chamados livros históricos ou escritos:
Josué, Juízes, Samuel I e II, Reis I e II.
A novela como gênero literário usa o tempo passado não como fato isolado,
mas como uma série de acontecimentos cuja trama se desenvolve em três tempos:
a) Uma situação conflituosa;
b) Agravamento do conflito;
c) Solução do conflito, ou seja, início, meio e fim.
capítulo 2 • 48
O Gênero profético: faz uma interface com vários gêneros é específico da
teologia bíblica, é a mais pura originalidade de Israel, mas podemos afirmar que
ele transcende a miscigenação, o sincretismo e o ecletismo literário. Está mais
próximo da maiêutica filosófica, socrática e da dialética platônica-agostiniana e
até mesmo hegeliana-marxista. Ele traduz em palavras humanas a experiência pes-
soal do profeta da palavra de Deus. São linguagens e imagens agitadas, por vezes
agressivas e exageradas para expressar, verbalizar a experiência original do Deus
bíblico. São palavras de desgraça ou de juízo, um oráculo que anuncia um juízo e
um castigo de Deus. É breve, direto e geral.
Pode ser para uma pessoa em particular (ao rei: 1Rs 21:17-19); ao sacerdote:
Am 7:16-17; ao profeta: (Jr 28:13-14) a Israel (Am 4:1-3), aos povos estrangei-
ros: (Am 1:3-5; 6:8); contra as madames da Samaria, chamadas de vacas de Basã
(Am 4:1-3); contra o culto de aparência, celebrações não litúrgicas (Jr 7:1-15; Am
5:21-27); contra a falsa segurança dos ricos (Am 6:1-7); contra os maus pastores
(Ez 34:1-3; 10); contra os montes sagrados (Ez 35:36): contra o Império Faraônico
e Ninivita (Ez 29:1-21; Jn 1:4); contra a prostituição e a infidelidade à aliança do
Sinai (Ez 20:1-44; 23:1-49; Os 1:3); contra as falsas teologias (Ez 18:1-32).
Contudo, o gênero profético não é só do contra, ele é essencialmente a favor,
embora seja um atalaia (Is 52:8; 56:10;Jr 6:17; Ez 33:7), aquele que destrói, o
profeta é também um construtor, ele também edifica, conforta e consola e cria
esperança Jr 1:10:
10 Veja! Eu hoje dou a você autoridade sobre nações e reinos, para arrancar, despeda-
çar, arruinar e destruir; para edificar e plantar.
Como você estudará na próxima unidade, o gênero profético usa muito o sím-
bolo, uma linguagem simbólica, metafórica, parabólica. Jesus de Nazaré foi visto
pelos seus contemporâneos como um profeta. Lc 4:16-30 afirma que ele iniciou
sua vida pública se identificando com um anúncio profético de Isaías. Como foi
um início conflitivo, segundo Lucas, Jesus se identifica como profeta (v: 24). Este
episódio é confirmado pelos sinóticos (Mc 6:1-6: Mt 13:52-58) e João (4:43-54).
Há um testemunho riquíssimo nos evangelhos deste título cristológico atri-
buído a Jesus e pelos relatos dos evangelhos Jesus de Nazaré se sente bem com
esta identificação: (Mc 8:28; Mt 14:5; 16.14; 21:11; Lc 7:16; 9:18-21; 13:33-34;
24:19; Jo 4:19; 7:40; 9:17). Do início ao fim de sua vida pública houve esta iden-
tificação, seja pelos enfermos, autoridades políticas e religiosas, pelos discípulos,
capítulo 2 • 49
pelos espíritos maus e até mesmo pelo demônio. Jesus na sua atividade pública
valorizou a missão dos profetas de Israel (Mt 5:12-17; 10: 41; 11:9-13; 22:40;
23:31-37; Lc 7:26; 16:16; 24:25).
O último gênero literário bíblico do Primeiro Testamento é o sapiencial. Este
gênero surge como a ética filosófica grega, da sabedoria de vida ou sabedoria po-
pular. Nesta perspectiva, sugiro que você leia o primeiro capítulo do livro do pro-
fessor de ética, Henrique Claúdio Lima Vaz: Escritos de filosofia IV. Introdução à
ética filosófica. São Paulo: Loyola, 2006, o capítulo um sobre a fenomenologia do
ethos. Neste capítulo, o autor mostra como a religião e a sabedoria popular foram
decisivas para o nascimento da ética ocidental, cujo iniciador desta aventura é
Sócrates, o patrono da filosofia ocidental.
Portanto, na linha dos profetas de Israel preocupados com a fidelidade à aliança
do Sinai, sobretudo com a justiça social, a literatura sapiencial com uma linguagem
suave dará continuidade na formação do povo de Deus na espiritualidade ética.
Segundo Silva:
capítulo 2 • 50
celebrações (culto) (Ex 15:1-2; Nm 21:17; Dt 31:19; Jz 11:49; Cr 16:9-23; 1 Rs
4:32; Ed 3:11; Jó 33:3; 27; 38,7; Sl 13:6; 40:3; 42:8; 63:7; 81:1; 90:14; 95:1;
96:1; 98:1; 100:2; 101:1; 104:33; 105:2; 106:12; 118:14; 119:54; 144:9; 149:1-
5; Pv 29:6; Ct 2:12; Is 5:1; 12:5; 35:6-10; 42:10; 54:1; 65:14; Am 6:5; Zc 2:10.
Temos o famoso canto de Daniel e seus companheiros na fornalha vulcânica (Dn
3:51-90).
O povo de Deus da nova aliança também era um povo cantante. Lucas re-
vela isto na narrativa da infância de Jesus (Lc 1:46-55-67-79), o Magníficat e
o Benedictus deveriam ter uma belíssima melodia saindo da boca de Maria e
Zacarias. Mateus afirma que Jesus e os apóstolos também cantavam (Mt 26:30).
O que dizer dos hinos cristológicos recuperados pelo apóstolo Paulo em (Ef 1:3-
14; Fl 1:11 e Cl 1:15-20)? Imagine o povo de Deus cantando estas canções.
São cânticos para invocar forças para a vitória (2Rs 13:17; Js 10:12) ou cânti-
cos de bruxaria. Cânticos de benção e maldição (Nm 22:24). Cânticos de estímu-
lo ao combate (Nm 5:12). Cânticos de vitória entoados pelas mulheres que toca-
vam e dançavam quando o exército voltava vitorioso (Ex 15:20-21; 1Sm 18:6-7).
Os cantos de amor em geral eram cantados durante as festas de casamentos
que duravam sete dias. Então, ou se contratava o trovador ou ele aparecia volun-
tariamente e animava o baile com esse gênero de cantoria. Era uma espécie de
karaokê familiar.
Portanto, há diversos gêneros nesta cantoria de Israel: “cântico de admiração (Ct
1:9-11; cântico de anseio Ct 2:4); cântico de autodescrição ou cântico de descrição
dos atributos físicos e dos charmes da pessoa amada (Ct 4:1-7; 5:10-16; 7:1-7)”.
Conclusão:
Toda Escritura é inspirada por Deus e útil para instruir, para refutar, para corrigir, para
educar na justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, qualificado para toda
boa obra. (2Tm 3:16-17)
Nesta unidade, pela proposta do curso, que é sábia, deveriam ser abordados
com certa profundidade, mais dois itens: os textos bíblicos como palavra de Deus,
e os vícios criados em torno da interpretação dos textos bíblicos. No entanto,
como aqui foi um pouco mais aqui, vou apenas a modo de conclusão desta uni-
dade mencioná-los, pois os mesmos serão aprofundados nas próximas unidades.
Há várias leituras legítimas da Palavra de Deus: a leitura popular que a lê
espontaneamente, mas, sobretudo com fé, amor e esperança. Todavia, sem uma
iluminação teológica. O risco desta leitura é o fundamentalismo, a literalidade, ou
capítulo 2 • 51
seja, levar ao pé da letra a palavra que deve ser interpretada no Espírito que está
depois da letra. São Paulo é o teólogo que combate esse risco, vícios (Rm 2:25-29;
2Cor 3:4-6). A leitura literária, ler a Bíblia como um mero livro de literatura. Essa
leitura é importante, mas não consegue captar a profundidade teológica, espiri-
tual, mística da palavra de Deus. As leituras da dramaturgia, filmes e novelas. São
importantes, porém interpretam os fatos bíblicos de forma mitológica, mágica,
fictícia, imaginária, haja vista o filme Os dez mandamentos, a abertura do Mar
Vermelho, com toda certeza não foi do jeito mostrado no filme. A forma como
Moisés recebe os Dez Mandamentos de Deus também não foi do jeito mostrado
no filme. O filme A Paixão de Cristo também mistura de forma tragédia com ro-
mantismo que não é uma teodrama como o evangelho de Marcos revela.
A leitura científica, imprescindível, enriqueceu muito a leitura teológica, pas-
toral e catequética, mas tende a torturar a palavra e fazê-la falar o que ela não
pode falar. Às vezes, a exegese coloca a palavra de Deus no “pau de arara” e a
tortura impiedosamente, portanto, a teologia precisa levantar a suspeita teológica
também neste tipo de leitura, embora ela seja uma das principais parceiras do
labor teológico.
As leituras, mas com fé, amor, esperança que não respeitam o contexto do
texto, o gênero literário, a forma do texto, seu objetivo primeiro: sitz im Leben ou
contexto vital, ou seja, “atualizações” ou “contextualizações” precipitadas, quando
alguém procura maquiavelicamente um texto na Sagrada Escritura para atacar
o próximo, como se Deus estivesse falando aquela mensagem diretamente para
aquela ovelha desgarrada.
As traduções mal feitas. No mundo exegético criou-se a máxima: “todo tradu-
tor é um traidor”. Claro que a tradução da palavra de Deus foi um avanço cultu-
ral, teológico, espiritual, além de democratizar o acesso direto à palavra de Deus
a todos, criou um mutirão de leituras, imagina milhares ou milhões e até bilhões
de pessoas lendo a palavra ao mesmo tempo, quantos benefícios espirituais virão
para a humanidade. Entretanto, ela não pode ser lida como alguns irmãos islâmi-
cos leem o Alcorão, uma leitura ou “exegese estado islâmico”, em vez de formar o
discípulo de Cristo, forma o homem-bomba.
Ela como palavra de Deus deve dar frutos de amor, fé, paz, felicidade, justiça
social, fraternidade, perdão, prosperidade para todos (Gl 5:16-26), sobretudo a
salvação universal (Mt 13:4-9;18:23; Jo 10:10).
Como Paulo afirma em 2Tm, toda a Escritura é inspirada por Deus, portanto,
é palavra de Deus em escrita humana. É assim que ela deve ser lida, estudada,
anunciada e vivida. Ela é palavra de vida eterna (Jo 6:67-71).
capítulo 2 • 52
ATIVIDADES
01. Leia o texto: Fenomenologia da religião e o Sitz im Leben da cosmologia próximo-oriente.
Disponível em: <https://docplayer.com.br/40715292-2-fenomenologia-da-religiao-e-o-
sitz-im-leben-da-cosmogonia-proximo-oriental.html>. Acesso em: ago. 2019.
Objetivos da atividade
• Explicitar a importância da religião para os povos da Antiguidade;
• Situar a relação entre cosmogonia e templo, santuários e cidades santas em seu imediato
contexto (imagético, simbólico, instrumental e político) do Oriente Próximo;
• Investigar a pertinência de ler-se Gn 1:1-3 sob a luz da tese de sua dependência mítico-
-noológica, antropo-sociocultural e político-religiosa do motivo cosmogônico que (e em que
se) expressa;
• Comparar a cosmogonia Enuma eli com Gn 1,1-3.
Metodologia
Procure aplicar a metodologia da fenomenologia da religião que busca o motivo cosmo-
gônico das sociedades tradicionais, com base no roteiro proposto por Mirceia Eliade no texto:
“Fenomenologia da religião e o sitz im Leben da cosmogonia próximo-oriente”.
Critérios de avaliação da atividade acadêmica
• Elabore um texto dissertativo de duas a cinco laudas;
• Use a norma-padrão da língua;
• A formatação do texto deve seguir as normas da ABNT;
• Poste-o na ferramenta indicada no ambiente virtual de aprendizagem.
capítulo 2 • 53
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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capítulo 2 • 54
3
Os gêneros
literários existentes
na Bíblia
Os gêneros literários existentes na Bíblia
Boas-vindas
Olá caro aluno, seja muito bem-vindo ao mundo da compreensão, da in-
terpretação, da vivência e do anúncio da Palavra de Deus revelada na Sagrada
Escritura. Tire as sandálias dos pés (Ex 3:1-6) porque você está iniciando a jorna-
da da leitura e do estudo dos textos sagrados. Peça para Jesus curar a cegueira da
gnose, da pretensão humana de interpretar o texto sagrado sem oração, inspiração
(iluminação) e revelação (Mc 8:22-26; Jo 9:1-7).
Igualmente, com o advento do conhecimento científico, não se compreende a
palavra divina sem o auxílio desta chave de interpretação, ou seja, hermenêutica e
exegese, formas científicas de estudar textos filosóficos, literários, religiosos e jurídicos.
A palavra de Deus revelada nas escrituras é um conjunto orgânico de textos
(Bíblia) com diversos gêneros literários e diversas correntes teológicas que preci-
sam ser compreendidas no seu contexto: econômico, político, cultural, ideológico,
ecológico, sociológico, literário, religioso e teológico.
Como você viu na citação de 1 Coríntios, o Espírito Santo concede uma di-
versidade de Dons para o ministério da redenção. Assim, os autores sagrados usa-
ram diversos gêneros literários para escrever a Sagrada Escritura. Ao apropriar-se
deste conhecimento literário, você poderá fazer uma leitura com fé, amor e espe-
rança, teologia e, usando os instrumentos da hermenêutica e da exegese (ciência),
com toda certeza, você não só será um conhecedor da palavra, mas, sobretudo um
praticante da palavra divina (Mt 7:24-29).
Orientações para o estudo desta unidade
Caro aluno, para o seu sucesso acadêmico nesta unidade, você precisa ter ao
seu lado a versão impressa da Sagrada Escritura ou acessar a forma digital nos
seguintes endereços:
• Bíblia on-line. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso
em: ago. 2019.
capítulo 3 • 56
• Bíblia Sagrada on-line. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/https://
www.bibliaonline.com.br/>. Acesso em: ago. 2019.
• Bíblia Católica on-line. Disponível em: <https://www.bibliacatolica.com.
br/https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso em: ago. 2019.
Sempre que você encontrar uma citação que o texto não explicar literalmente,
então, leia diretamente na Sagrada Escritura. Faça anotações dos aspectos que cha-
marem a sua atenção. Procure imediatamente saber quem escreveu, quando escre-
veu, onde escreveu, para quem escreveu. Lutero tinha razão, a Sagrada Escritura é
o principal alimento material da teologia e do cristão. É ela que não deixará o seu
estudo teológico cair na aridez, na desolação. Sem a Teologia, a Bíblia não passa
de uma ciência da religião, uma filosofia da religião, uma sociologia da religião,
uma psicologia da religião etc., sobretudo ela é o principal objeto de nosso estudo
neste componente curricular, portanto, adquira o hábito da leitura contínua deste
patrimônio espiritual da humanidade, desta maravilha da humanidade.
Desejo excelentes estudos.
Assim como a chuva e a neve descem dos céus e não voltam para eles sem regarem a
terra e fazerem-na brotar e florescer, para ela produzir semente para o semeador e pão
para o que come, assim também ocorre com a palavra que sai da minha boca: ela não
voltará para mim vazia, mas fará o que desejo e atingirá o propósito para o qual a enviei.
(Is 55;10-11)
OBJETIVOS
• Conhecer os diversos contextos culturais da elaboração da Sagrada Escritura;
• Estudar os diversos gêneros literários dos textos bíblicos;
• Compreender a Sagrada Escritura como articulação literária e teológica na história
da salvação.
Introdução
capítulo 3 • 57
uma recordação, uma reminiscência. Essa atitude epistêmica é fundamental no
teologizar e no filosofar.
Na Filosofia, Platão é o defensor dessa tese. A reminiscência é a rememoração
gradativa por meio da qual o filósofo redescobre dentro de si as verdades essenciais
e latentes que remontam a um tempo anterior ao de sua existência empírica.
Na teologia cristã, Lucas, João e Paulo revelam o quão importante é a anamne-
se para a fé, o amor e a esperança cristãs. Lucas e Paulo explicitam isto na narrativa
da Última Ceia.
Recebendo um cálice, ele deu graças e disse: “Tomem isto e partilhem uns com os outros.”
“Pois eu digo que não beberei outra vez do fruto da videira até que venha o Reino
de Deus”.
Tomando o pão, deu graças, partiu-o e o deu aos discípulos, dizendo: “Isto é o meu corpo
dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim”.
Da mesma forma, depois da ceia, tomou o cálice, dizendo: “Este cálice é a nova aliança
no meu sangue, derramado em favor de vocês. (Lc 22:14-20)
Pois recebi do Senhor o que também entreguei a vocês: Que o Senhor Jesus, na noite
em que foi traído, tomou o Pão e, tendo dado graças, partiu-o e disse: “Isto é o meu cor-
po, que é dado em favor de vocês; façam isto em memória de mim”.
Da mesma forma, depois da ceia ele tomou o cálice e disse: “Este cálice é a nova aliança
no meu sangue; façam isto sempre que o beberem em memória de mim”.
Porque, sempre que comerem deste pão e beberem deste cálice, vocês anunciam a
morte do Senhor até que ele venha.
Portanto, todo aquele que comer o pão ou beber o cálice do Senhor indignamente será
culpado de pecar contra o corpo e o sangue do Senhor. (1 Cor 11:23-27)
“Façam isto em memória de mim”. Tanto Lucas quanto Paulo, e Paulo por
duas vezes, revelam a importância da memória para a fé, a recordação prospectiva.
Lucas: “Pois eu digo que não beberei outra vez do fruto da videira até que venha o
Reino de Deus”. Paulo: “Porque, sempre que comerem deste pão e beberem deste
cálice, vocês anunciam a morte do Senhor até que ele venha.”
capítulo 3 • 58
São João releva a importância da anamnese no clássico narrado também na
Última Ceia, mas de forma serviçal, o lava-pés:
12 Quando terminou de lavar-lhes os pés, Jesus tornou a vestir sua capa e voltou ao seu
lugar. Então lhes perguntou: Vocês entendem o que fiz a vocês?
13 Vocês me chamam “Mestre” e “Senhor”, e com razão, pois eu o sou.
14 Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei os seus pés, vocês também
devem lavar os pés uns dos outros.
15 Eu dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz. (Jo 13:12-15)
Nos versículos quatorze e quinze, São João releva a importância de fazer como
o mestre: “para que vocês façam como lhes fiz”. A memória é vital para o discípulo
seguir fielmente o mestre.
Claro que a reminiscência platônica está ligada à crença órfica na reencarna-
ção, portanto, a abordagem filosófica da alma tem uma função pedagógica, fazê-la
recordar os conhecimentos adquiridos nas vidas anteriores.
A anamnese cristã está ligada à fé na ressurreição, recordar é tocar com amor
e esperança a fé, portanto, a pedagogia é a celebração, a oração. Razão pela qual
Santo Agostinho, o maior dos platônicos, cristianiza a reminiscência platônica
com a tese da Iluminação.
Dito isso, recordemos brevemente o que é teologia. Para tal, vamos retomar
a clássica definição de Santo Anselmo (1109), no livro Proslogion: fides quaerens
intellectum, a fé desejosa de saber, a fé curiosa por saber se o que crer é verdadeiro.
Santo Agostinho já havia afirmado: “desejei ver com inteligência o que acreditei”.
Nesta perspectiva, você percebe que a fé não é crença. O “eu acredito” na Teologia
tem o mesmo valor do “eu acho na Filosofia”. Como diria Platão é doxa, mera opi-
nião, portanto, não é conhecimento confiável, não é conhecimento sistemático.
Neste exercício de curiosidade da fé, segundo Tomás de Aquino, ela seduz a
razão, como que um “êxtase intelectual”, então nasce a Teologia: “no fervor de sua
fé, a pessoa ama a verdade que crê, a revolve no seu espírito e a abraça, procurando
encontrar razões para seu amor.”
Portanto, a Teologia não é Bíblia nem religião. Embora, como veremos mais
adiante, na Sagrada Escritura há um pluralismo teológico, e cada religião tem uma
diversidade teológica. No entanto, a teologia é a ratio fide ilustrata, “a razão da fé,
a fé de olhos abertos, a fé lúcida, inteligente, crítica”. É a racionalidade da fé, pois
esta não é irracional como a crença mítica.
capítulo 3 • 59
Igualmente, a teologia não é racionalismo filosófico ou científico, seja carte-
siano seja gnóstico. Aliás, a gnose é a porta de entrada das heresias. Contudo, a
Teologia na linha das ciências e da Filosofia é a racionalidade da fé, ou seja, ela
dialoga com as ciências, com a Filosofia, com a sabedoria popular e, sobretudo
com os magistérios das igrejas.
Então, podemos conceituá-la como o exegeta Carlos Mesters definiu a Bíblia:
“uma flor sem defesa”, pois seu objeto último é o mistério e seu material concreto
é a Sagrada Escritura.
Segundo Lutero, os cinco pilares que sustentam o teologizar são: soli Deo glo-
ria, sola gratia, sola Christius, sola fide e Sola Scriptura. Ela, a Escritura é o ponto
de partida do labor teológico. O seu laboratório de pesquisa é a religião, sua casa,
seu hábitat e a história. É na comunidade de fé que o teólogo elabora sua reflexão
e esta corrobora ou falsifica sua teologia (Dt 18:9-22). Ela é um labor ou trabalho
intelectual feito na fé, em Cristo, para a redenção da criação e a glória de Deus.
Radicalizando o primado das Escrituras na busca do conhecimento teológico de
Deus afirma Lutero “um simples leigo armado com as Escrituras é maior que o
mais poderoso Papa sem elas”.
Poderá levá-lo a um reforço da ideia natural que virou senso comum da uni-
formidade antropológica, ou seja, em vez da palavra de Deus levar a pessoa à
conversão, reforça o pensamento contra a unidade e a comunhão na diversidade.
Imagem e Semelhança são, na pluralidade antropológica, cada pessoa é única e
diferente ao mesmo tempo como Imagem e Semelhança da Trindade, é “igual” a
sua próximo. Isto é, como espécie humana. Nesta óptica, o apóstolo Paulo revela
a importância da teologia pluralista:
capítulo 3 • 60
4 Há diferentes tipos de dons, mas o Espírito é o mesmo.
5 Há diferentes tipos de ministérios, mas o Senhor é o mesmo.
6 Há diferentes formas de atuação, mas é o mesmo Deus quem efetua tudo em todos.
7 A cada um, porém, é dada a manifestação do Espírito, visando ao bem comum.
8 Pelo Espírito, a um é dada a palavra de sabedoria; a outro, pelo mesmo Espírito, a
palavra de conhecimento.
9 A outro, fé, pelo mesmo Espírito; a outro, dons de curar, pelo único Espírito;
10 A outro, poder para operar milagres; a outro, profecia; a outro, discernimento de espí-
ritos; a outro, variedade de línguas; e ainda a outro, interpretação de línguas.
11 Todas essas coisas, porém, são realizadas pelo mesmo e único Espírito, e ele as
distribui individualmente, a cada um, como quer. (1 Cor 12:4-11)
capítulo 3 • 61
Outra informação equivocada que ainda se encontra no meio cristão é que
Moisés seria o único autor do Pentateuco. Davi seria o único autor dos cento e
cinquenta salmos. Um único profeta teria escrito os sessenta e seis capítulos do
livro de Isaías.
As teologias do Pentateuco são de quatro escolas diferentes: Eloísta, Javista,
Deuteronomista e Sacerdotal. O livro de Isaías pertence a três períodos diferentes
(Is 1:39) é de um período muito distante de (Is 56-66), o que impossibilita ter
sido a mesma pessoa que escreveu esse clássico. Ou seja, o primeiro Isaías (Is 1:39)
foi escrito bem antes do exílio na Babilônia. Uma leitura atenta perceberá que o
profeta está em nome de Deus advertindo o povo da aliança, que a infidelidade
terá consequências graves. O Segundo Isaías (Is 40-55) foi escrito no exílio na
Babilônia. Busca iluminar a fé, o amor e a esperança do povo de Deus no sofri-
mento do exílio, da distância da Terra Prometida, da divisão do povo de Deus,
pois ficou uma parte e outra foi para a Babilônia.
Nesta perspectiva, leia o salmo 137 (136) e verá que é impossível que tenha
sido Davi ou Salomão que o tenha escrito:
1 Junto aos rios da Babilônia nós nos sentamos e choramos com saudade de Sião.
2 Ali, nos salgueiros, penduramos as nossas harpas;
3 Ali os nossos captores pediam-nos canções, os nossos opressores exigiam canções
alegres, dizendo: “Cantem para nós uma das canções de Sião!”
4 Como poderíamos cantar as canções do Senhor numa terra estrangeira?
5 Que a minha mão direita definhe, ó Jerusalém, se eu me esquecer de ti!
6 Que me grude a língua ao céu da boca, se eu não me lembrar de ti e não considerar
Jerusalém a minha maior alegria!
7 Lembra-te, Senhor, dos edomitas e do que fizeram quando Jerusalém foi destruída,
pois gritavam: “Arrasem-na! Arrasem-na até aos alicerces!”
8 Ó cidade de Babilônia, destinada à destruição, feliz aquele que lhe retribuir o mal que
você nos fez!
9 Feliz aquele que pegar os seus filhos e os despedaçar contra a rocha! (Sl 136-137)
O terceiro Isaías foi escrito depois da volta dos exilados e é cheio de promessas do
Deus bíblico para o povo da Aliança no Sinai (Horeb). Portanto, só no livro de Isaías
temos três correntes teológicas diferentes, em contextos diferentes, com reflexões dife-
rentes, espiritualidades diferentes, objetivos diferentes, tempos diferentes etc.
Com relação ao Pentateuco, os especialistas datam com bastante precisão a ja-
vista entre os séculos X-IX a.C., com origem no reino do sul, Judá. Deus é grafado
com o tetragrama YHWH (Yahweh), chamado Javé. “A humanidade está marcada
capítulo 3 • 62
pelo pecado e pela fragilidade, mas também pela promessa divina. O congregador
da fé e do povo é o Rei”.
A eloísta surgiu no século VIII no reino do sul, Israel, e Deus é chamado de
Elohim. É uma teologia contra o antropomorfismo com ênfase no aspecto moral.
Com ênfase na fé testada até ao limite e o temor de Deus. “Os temas de eleição
do povo de Israel e da aliança. O profeta é o congregador da fé e do povo. Deus
é ELOIM. Diferenças de nomenclaturas (chama Monte Horeb ao Sinai etc.)”.
A deuteronomista é do século VII a.C. Você poderá aprofundar essa corrente
teológica estudando o livro do Deuteronômio, por exemplo, no capítulo cinco,
há a narrativa da Aliança no Horeb, e não no Sinai, como em Ex 19:20. O código
deuteronômico ou código da santidade (Dt 12:26), com uma espiritualidade bem
diferente do livro de Levítico. A valorização da tradição oral (Dt 6:1-13), da
memória (Dt 26:1-11), na fidelidade (Dt 6:14-25), na eleição divina (Dt 7:7-16),
no poder divino (Dt 7:17-26), na experiência da libertação da escravidão egíp-
cia (11:1-7), na liberdade humana (Dt 30:6-15; 19-20). Dá critérios empíricos,
seguros para o discernimento contra os falsos profetas (Dt 18:9-22), teologiza a
lei de tailão (Dt 19:21), tomada ao pé da letra em Ex 21:25 como no Código
de Hamurábi, disponível em: <http://historia.seed.pr.gov.br/arquivos/File/fon-
tes%20historicas/codigo_hamurabi.pdf>. Acesso em: ago. 2019.
A sacerdotal é escrita entre os séculos VI-V a.C.(587-538) no exílio da
Babilônia. Destaca “os traços distintivos do Judaísmo: o Sábado, a circuncisão,
a Lei. Acentua a presença ‘gloriosa’ de Deus (é ‘Espírito’, cf. Gn 1:2). Contém
códigos litúrgicos, processuais e genealogias.” Forte ênfase na teologia da pertença
ao povo de Deus. A deuteronomista é do século VII a.C.
Segundo o cartunista Ziraldo, “ler é mais importante que estudar”. Por quê?
A leitura deve ser analítica, ativa, crítica, dialógica. O leitor deve dialogar com o
escritor (autor) e com seu contexto. Deve haver uma fusão de horizontes, o hori-
zonte do leitor e o horizonte do autor. Deve haver uma hermenêutica da empatia
entre leitor e autor.
No curso de Teologia, o estudante estuda a palavra. Estuda para se tornar um
estudioso (teólogo e exegeta). Um conhecedor da palavra. Quem escreveu este
texto? Por que escreveu? Quando foi escrito? Para quem foi escrito? Qual é a sua
mensagem para aquele período? Qual tendência teológica? Qual o gênero literário
capítulo 3 • 63
o autor usou? Onde ele estava quando escreveu? Houve inspiração sobrenatural?
Qual é a mensagem deste texto para a comunidade hoje? Há alguma perspectiva
escatológica neste texto? Ou seja, o curso de teologia qualifica o estudante para
investigar e responder estas questões. No entanto, tudo isso com um objetivo
específico: o estudante que se tornou um estudioso, agora é um leitor assíduo da
palavra de Deus. Ler todos os dias, medita, adora, ora (reza) e por fim, contempla
o mistério que a palavra revela-esconde, contempla a Deus a partir da leitura da
palavra sagrada. Ela, a Palavra de Deus é como uma transparência, por meio dela,
o leitor ver e toca o mistério (Lc 2:22-32):
Neste texto, São Lucas nos revela o olhar contemplativo do ancião piedoso
e justo Simeão que aguardava o Cristo. Nesta óptica é pertinente ler também
Mt 2:1-12 analisando teologicamente o olhar dos “magos” para o menino Jesus.
E, sobretudo, em Jo 20:24-28 Tomé vê e toca, mesmo que seja com os “olhos e
dedos” da fé:
24 Tomé, chamado Dídimo, um dos Doze, não estava com os discípulos quando Je-
sus apareceu.
25 Os outros discípulos lhe disseram: “Vimos o Senhor!” Mas ele lhes disse: “Se eu não
vir as marcas dos pregos nas suas mãos, não colocar o meu dedo onde estavam os
pregos e não puser a minha mão no seu lado, não crerei”.
26 Uma semana mais tarde, os seus discípulos estavam outra vez ali, e Tomé com eles.
Apesar de estarem trancadas as portas, Jesus entrou, pôs-se no meio deles e disse: ‘Paz
seja com vocês!”
27 E Jesus disse a Tomé: “Coloque o seu dedo aqui; veja as minhas mãos. Estenda a
mão e coloque-a no meu lado. Pare de duvidar e creia.”
28 Disse-lhe Tomé: “Senhor meu e Deus meu!”
29 Então Jesus lhe disse: “Porque me viu, você creu? Felizes os que não viram e creram.”
A palavra de Deus precisa ser lida respeitando o gênero literário, por exem-
plo, ao ler uma poesia, o leitor declama a poesia, lendo-a. Razão pela qual nas
celebrações cristãs o momento da palavra é chamado de proclamação da palavra
de Deus. Ela não é apenas lida para a comunidade, mas proclamada. E quando
capítulo 3 • 64
leio a palavra para mim mesmo? Deve ser uma Lectio Divina, ou seja, uma leitura
em oração.
O leitor não pode colocar a palavra no “pau de arara”, no interrogatório
policial e fazer a palavra falar o que ela não pode falar. Violentar a palavra, fazen-
do-a falar o que o leitor quer que ela fale para se manter na zona de conforto do
pecado. Ler a palavra para atacar o próximo, é a leitura hipócrita da palavra (Mt
23:1-36). A leitura primeiro deve edificar o leitor (Mt 7:24-29), para no segundo
momento, ele proclamá-la na comunidade em forma de kerigma, então, ela pro-
duzirá os frutos para os quais Deus a enviou (Is 55:10-11; Mt 7:24-29; 13:4-9;
18:23). Assim, podemos afirmar que há cinco níveis da leitura bíblica:
a) Oração, quando leio para a minha edificação;
b) Liturgia ou celebração, quando a palavra é lida (proclamada) na e para a
comunidade;
c) Catequese ou formação cristã, quando a palavra é lida para formar um grupo
específico de cristãos;
d) Teologia, quando a palavra é lida como alimento para o labor teológico;
e) Exegese, quando a palavra é lida como estudo, como pesquisa, como investi-
gação científica.
Portanto, a palavra de Deus precisa ser lida “como um texto que pertence ao
Cânon, Primeiro e Segundo Testamentos (AT e NT), depois como gênero literário
e por fim, a linguagem ou as características linguísticas”.
Ou seja, o leitor deve partir do contexto histórico, o sitz im Leben, do contexto
vital da escrita da palavra. Este contexto vital pressupõe o pessoal, familiar, comu-
nitário, político, econômico, social, ecológico, tecnológico, religioso, cultural-i-
deológico ou literário. Então, o gênero literário do texto bíblico é um diálogo com
todas estas realidades, sobretudo com o cultural-ideológico. Por que o autor usou
esse e não outro gênero literário? Este gênero é mais popular? O gênero literário é
o condutor da Teologia, isto é, o autor sagrado o escolheu estrategicamente para se
comunicar em nome de Deus com aquela determinada comunidade.
Portanto, a Sagrada Escritura é riquíssima em gêneros literários. Isso é um
exemplo de interdisciplinaridade, metadisciplinaridade, transdisciplinaridade e
pluridisciplinaridade. O autor sagrado dialoga com a cultura de seu tempo e es-
trategicamente se comunica com seu público específico, transmitindo a palavra
de Deus, muito das vezes revelada em outro contexto, em outro tempo e escrita
capítulo 3 • 65
em outro contexto, sempre para o povo de Deus, mas para outras pessoas, outras
comunidades. Dito isso, então vamos a eles, os gêneros literários.
No Primeiro Testamento (AT), encontramos:
• A tradição histórica, que são relatos que querem revelar a ação de Deus na
história de Israel. “Não são relatos de fatos reais, mas releituras teológicas: sobre
um fato real, constrói-se uma história que o interpreta e atualiza.” A historiografia
bíblica não é a historiografia positivista e menos ainda neutra, “é uma história
interpretada e interpretante, narra o fato e fornece critérios para o leitor chegar
ao significado, ao sentido”. Nesta perspectiva, devem ser lidos os chamados livros
históricos ou escritos: Josué, Juízes, Samuel I e II, Reis I e II;
• Novela, este gênero usa o tempo passado não como fato isolado, mas como
uma série de acontecimentos cuja trama se desenvolve em três tempos: a) uma
situação conflituosa; b) agravamento do conflito;
• Solução do conflito, ou seja, início, meio e fim. Neste gênero, encaixam-se
a história de José do Egito, Jó e Rute (Gn 37; 39-48; 50; Jó 1:2; 42:7-17; Rt 1-4);
• A saga é outro gênero literário magnífico. Ela representa uma evolução da
linguagem mítica usada pela teologia bíblica por muito tempo, veja Gn 1:11 usa
muito o gênero mítico. A saga é uma narrativa sobre fatos extraordinários, feitos
heroicos, história de um lugar etc. contada e recontada oralmente durante muito
tempo e que, depois foi redigida. No período oral, a saga adquire linguagem “exu-
berante e poética, que acentua, por meio de um forte apelo emocional.” Ela busca
explicar determinadas situações presentes a partir de acontecimentos passados. “É a
narrativa da história de um ancestral, real ou fictício, cujos traços essenciais e cujo
destino se prolongam em seus descendentes. Na teologia bíblica, aparece nos relatos
do período dos patriarcas. Benção e maldição dos filhos de Noé (Gn 9:20-27), ado-
ção de Efraim e Manassés por Jacó (Gn 48)” é a saga de uma tribo ou de um povo;
• A saga de um herói revela no centro do seu relato uma personagem positiva
ou negativa (vilão). Surge no período dos confrontos de Israel com outros povos,
desde o Êxodo até a instalação na Terra Prometida (Ex 17:8-16 vitória sobre os
amalecitas; Js 10, vitória sobre os reis amorreus; 1 Sm 17,1-54, Davi e Golias, e 1
Sm 26, Davi e Saul);
• A saga de um lugar busca a explicação “da origem de um lugar, de uma
cidade ou de uma particularidade impressionante”, Babel (Gn 11:1-9), a origem
e a esterilidade do Mar Morto (Gn 19:1-29), Abraão e Abimelec em Bersabéia
(Gn 21:22-31), o nascimento de Moisés (Ex 2:1-10) estas duas últimas com forte
caráter etiológico (explicação da origem e do nome das coisas e lugares);
capítulo 3 • 66
• A teologia bíblica usou também a lenda que se caracteriza pelo santo, imitável
e pela oposição entre pessoas e atitudes. A linguagem busca edificar e privilegia o
milagre como ação vitoriosa de Deus na história. “No centro da narrativa pode estar
um profeta ou um local de culto.” A lenda pode ser pessoal, santuário ou cultual. Na
primeira, o protagonista é uma personagem religiosa: profeta, sacerdote ou mártir
(1 Sm 2:12-17; Nm 16:16-26; Dn 1-6; 2 Mc; 1 Rs 17:7-16; 17-24; 2 Rs 2:19-
22; 23-24; 4:42-44). Na segunda, o relato é sobre um lugar sagrado (Gn 16:7-14;
28:10-22). Na terceira, é uma explicação e justificação de determinados cultos (Nm
21:4-9; Gn 17; Ex 4:24-26; Js 5:2-9);
• Gênero normativo ou jurídico. Esse gênero é fortemente marcado pela fé
javista, engloba desde máximas de vida até pactos e contratos, preceitos e proibi-
ções. Direito apodítico (Ex 20:1-17; 21:12; 15-17; 22:17-28-30; Dt 27:16-25; Lv
18:6-23). Direito casuístico (Ex 21:18-19; 22-23; Dt 13:13-16);
• O gênero profético. Esse, fazendo uma interface com vários gêneros, é específico
da teologia bíblica, é a mais pura originalidade de Israel, mas podemos afirmar que ele
transcende a miscigenação, o sincretismo e o ecletismo literário. Está mais próximo da
maiêutica filosófica, socrática e da dialética platônica-agostiniana e até mesmo hegelia-
na-marxista. Ele traduz em palavras humanas a experiência pessoal do profeta da pala-
vra de Deus. São linguagens e imagens agitadas, por vezes agressivas e exageradas para
expressar, verbalizar a experiência original do Deus bíblico. São palavras de desgraça
ou de juízo, um oráculo que anuncia um juízo e um castigo de Deus. É breve, direto e
geral. Pode ser para uma pessoa em particular (ao rei:1 Rs 21:17-19); ao sacerdote (Am
7:16-17); ao profeta: (Jr 28:13-14) a Israel (Am 4:1-3); aos povos estrangeiros: (Am
1:3-5; 6-8); contra as madames da Samaria, chamadas de vacas de Basã (Am 4:1-3);
contra o culto de aparência, celebrações não litúrgicas (Jr 7:1-15; Am 5:21-27); contra
a falsa segurança dos ricos (Am 6:1-7); contra os maus pastores (Ez 34:1-31); contra
os montes sagrados (Ez 35-36): contra o Império Faraônico e Ninivita (Ez 29:1-21; Jn
1-4); contra a prostituição e a infidelidade à aliança do Sinai (Ez 20:1-44; 23:1-49; Os
1-3); contra as falsas teologias (Ez 18:1-32);
• Mas o gênero profético não é só do contra, ele é essencialmente a favor,
embora seja um atalaia (Is 52:8; 56:10; Jr 6:17; Ez 33:7), aquele que destrói, o
profeta é também um construtor, ele também edifica, conforta e consola e cria
esperança (Jr 1:10):
10 Veja! Eu hoje dou a você autoridade sobre nações e reinos, para arrancar, despeda-
çar, arruinar e destruir; para edificar e plantar.
capítulo 3 • 67
A crítica profética é como a crítica filosófica, tem uma dimensão negativa no
diagnóstico, mas tem uma dimensão positiva na terapêutica. O profeta não é um
cricri, um xarope, um pentelho, não é um adolescente contra tudo e contra todos:
hai gobierno? Se hai soy contra, se no hay, también soy. O profeta não é isso. Mas contra
a infidelidade à aliança libertadora e redentora e a favor do projeto de Deus na Terra
Prometida onde jorra leite e mel ou vida plena para todos (Ex 3,8; Jo 10,10).
O profeta defende a fidelidade à Aliança do Sinai também na defesa dos po-
bres, dos empobrecidos, dos excluídos, que em Israel na época da monarquia,
época dos profetas, eram o órfão, a viúva e o estrangeiro (Is 1:17; 10:2; 58:1-12;
61:1-2; Jr 5:28; 22:3; 49:11; Os 14:3; Zc 7:10). Ao defendê-los, os profetas de
Israel retomam os termos da aliança do Sinai (Ex 22:22; Dt 24:17) e fazem uma
das maiores críticas à sociedade da opulência de poucos às custas da miséria da
maioria, a denúncia da idolatria (Is 41:21-29; 44:9-20; 57:3-13).
O eterno bezerro de ouro (Ex 32:1-24) que hoje aparece no materialismo,
no consumismo, na destruição do planeta, na apologia à violência, ao crime e na
banalização da vida. Os profetas também atacam, ou melhor, denunciam a ido-
latria politeísta (Is 43:8-13; 44:6-8.21-28.É paradigmática a luta de Elias, o pai
do profetismo bíblico, contra a idolatria (1 Rs 18:19). Igualmente o seu discípulo
Eliseu (2 Rs 2:13).
Esta sensibilidade nunca pode ser perdida pela Teologia. Na católica, por
mais de mil e setecentos anos, especificamente do século III, com o Edito de
Constantino até o Concílio Vaticano Segundo, 1965, os pobres e os injustiçados
foram abandonados. Igualmente, as Igrejas da reforma tiveram pouco engajamen-
to nesta causa profética. Esta questão foi retomada por ambas na teologia da liber-
tação latino-americana, a partir dos anos sessenta do século XX.
Entretanto, a Teologia para ser cristã precisa estar na linha dos profetas de Israel
para teologizar esta questão. Seja quando são abandonados, explorados, excluídos.
Seja quando são tratados com assistencialismo e paternalismo, mas, teologicamen-
te, eles devem ter vida plena, cidadania, dignidade, IDH elevado (Jo 10:10). E só,
somente só uma teologia profética é capaz de fazer com que as pessoas, as igrejas,
a sociedade, as organizações e o Estado não percam esta perspectiva.
Com a mesma ênfase da palavra de desgraça, de condenação, outro gênero
que é revelado nos profetas como Oséias, Jeremias, Jonas, Ezequiel, Dêutero-Isaías
e no Trito- Isaías é o oráculo de salvação. (Is 40:1-12; 51:6; 48:16-19; 51:1-5;
52:1-9; 54:11-14; 55:1-11; 65:1-2; 66:18-24). Para não prolongar neste tema que
é fascinante, sugiro que você leia o profeta Jonas, são apenas quatro capítulos de
capítulo 3 • 68
uma belíssima teodrama, de sucesso da pregação do profeta. É uma pregação que
leva à conversão e à salvação.
• Por fim, outro gênero literário usado pelos profetas é a simbologia. Segundo
a linguística e a filosofia da linguagem, o símbolo é a mais profunda forma de
comunicação. Nesta perspectiva, convido você a ler Charles Sanders Peirce, Teoria
geral do signo. Nessa obra, ele defende a tese que, são três modos de o signo mediar
os significados: o ícone, o índice e o símbolo. O símbolo é a mais profunda forma
do significado.
• É magnífica a simbologia dos profetas de Israel. Seja, como metáfora, alego-
ria, comparação e até mesmo parábola. (Is 40:31; 41:25);
• Jeremias é um gênio na simbologia: o oleiro (Jr 18:1-12; 19:1-15) retoma
o tema da criação humana de (Gn 2:4-9). O jugo como símbolo da infidelidade
humana e do sofrimento divino (Jr 27:1-7).
Ezequiel tem quarenta e oito capítulos de pura simbologia (Ez 1-3) são visões
apocalípticas da grandeza dos capítulos 1-3 do Apocalipse de São João, na riqueza
simbólica. Vale a pena uma leitura comparada. A simbologia da raposa para os
falsos profetas de Israel (Ez 13:1-16). A simbologia da costureira e as falsas profe-
tisas (Ez 13:17-23). A simbologia da responsabilidade pessoal com Noé, Danel e
Jó, e da uva que embota os dentes (Ez 14:12-23; 18:1-32). A parábola da vinha
(Ez 15:1-8). A história simbólica de Jerusalém na filha abandonada, cuidada por
Deus, se torna prostituta (Ez 16:1-63). A alegoria da águia (Ez 17:1-24). A infi-
delidade de Israel comparada com as duas prostitutas (Ez 23:1-49). A grandeza do
Egito comparada com o cedro e o crocodilo (Ez 31-32). Contra os maus pastores
de Israel e Deus comparado com o pastor (Ez 34:1-15). Jesus retomará este tema
em Jo 10. A simbologia do cemitério e a revivificacão dos cadáveres (Ez 37:1-14).
Outro profeta que vale a pena você ler é Daniel. São quatorze capítulos de
pura simbologia. Começando com o sonho de Nabucodonosor e a interpretação
de Daniel, nos moldes de José do Egito e os sonhos do faraó (Dn 2:1-45; 4:1-34;
Gn 40:1-23; 41:1-57). O festim e a interpretação de Daniel (Dn 5:1-29). Os
sonhos de Daniel, os quatro animais e a visão do Filho do Homem (7:1-28) O
carneiro e a presença do arcanjo Gabriel (Dn 8:1-27). A famosa história de Suzana
e a interpretação de Daniel no nível de Salomão (Dn 13:1-64; 1 Rs 3:16-28).
Vale a pena continuar a leitura teológica dos profetas de Israel, analisando o
gênero literário simbólico, por exemplo, Oséias de 1-3 o casamento do profeta
com a prostituta simbolizando a aliança de Deus com seu povo. Em 1 Rs 12:1-15
capítulo 3 • 69
a metáfora da ovelhinha e Natã contra o rei Davi. Elias e a vinha de Nabot (1 Rs
21:1-29). Estes acontecimentos revelam o sitz im Leben, o contexto vital da ativi-
dade profética deste período. A espoliação, a exploração, a opressão e exclusão da
população, sobretudo dos mais pobres.
É importante lembrar também que a profecia surge como escola teológica no
período da monarquia como defensores da teocracia e se estende até um curto
período do pós-exílio da Babilônia. Antes deste período, existiram pessoas com
esse dom, mas que se destacaram em outras áreas da história da salvação, Abraão,
patriarca (Gn 20:1-7). Arão, líder da libertação do Egito juntamente com Moisés
e Miriã (Ex 7:1). Nm 11:16-32 fala de setenta profetas.
O gênero simbólico é mais usado no exílio e no pós-exílio. É interessante o
surgimento dos profetas no exílio, pois lá eram vistos como são vistos hoje os imi-
grantes no Brasil: bolivianos, haitianos, sírios etc.
Por fim, é importante destacar que Jesus de Nazaré foi visto pelos seus contem-
porâneos como um profeta. Em Lc 4:16-30, o evangelista afirma que ele iniciou
sua vida pública, identificando-se com um anúncio profético de Isaías. Como foi
um início conflitivo, segundo Lucas, Jesus se identifica como profeta (v. 24). Este
episódio é confirmado pelos sinóticos (Mc 6:1-6; Mt 13:52-58) e João (4:43-54).
Há um testemunho riquíssimo nos evangelhos deste título cristológico, atri-
buído a Jesus e pelos relatos dos evangelhos Jesus de Nazaré, bem como esta iden-
tificação: (Mc 8:28; Mt 14:5; 16:14; 21:11; Lc 7:16; 9:18-21; 13:33-34; 24:19; Jo
4:19; 7:40; 9:17). Do início ao fim de sua vida pública, houve esta identificação,
seja pelos enfermos, autoridades políticas e religiosas, pelos discípulos, pelos espí-
ritos maus e até mesmo pelo demônio. Jesus na sua atividade pública valorizou a
missão dos profetas de Israel (Mt 5:12-17; 10: 41; 11:9-13; 22:40; 23:31-37; Lc
7:26; 16:16; 24:25).
• O último gênero literário bíblico do Primeiro Testamento é o sapiencial.
Este gênero surge como a ética filosófica grega, da sabedoria de vida ou sabedoria
popular. Nesta perspectiva, sugiro que você leia o primeiro capítulo do livro do
professor de ética, Henrique Claúdio Lima Vaz: Escritos de filosofia IV. Introdução
à ética filosófica. São Paulo: Loyola, 2006. O capítulo 1 fala sobre a fenomenolo-
gia do ethos. Nesse capítulo, o autor mostra como a religião e a sabedoria popular
foram decisivas para o nascimento da ética ocidental, cujo iniciador desta aventura
é Sócrates, o patrono da filosofia ocidental.
capítulo 3 • 70
Portanto, na linha dos profetas de Israel preocupados com a fidelidade à aliança
do Sinai, sobretudo com a justiça social, a literatura sapiencial com uma linguagem
suave dará continuidade na formação do povo de Deus na espiritualidade ética.
Segundo Silva:
capítulo 3 • 71
generalizada (Pr 6:27-29; 17:16; Eclo 2:10) e fazer pensar melhor, refletir teologi-
camente (Pr 31:10; Eclo 22:14).
A teologia bíblica valorizou na literatura sapiencial o poema didático, este
apresenta um comportamento a ser imitado ou a ser evitado. Nas Escrituras, eles
aparecem como discurso de um pai (Pr 4:1-27); de um personagem importante
(Jo 18:5-21); da sabedoria de vida (Pr 1:20-23); da insensatez (Pr 9:13-18). Ou
na forma de epopeia: “cenas que descrevem o caráter, as inclinações e os costumes
de personagens típicos da sociedade: preguiçoso (Pr 6:6-11), adultério (Pr 7:6-27)
bebedeira (Pr 23:29-35).
A forma de lista enciclopédia é a catalogação dos fenômenos ou dos elementos
da natureza (Jó 28) ou das atividades humanas: virtudes ou vícios (Eclo 41:17-42;
8). Os provérbios numéricos que são de dois tipos: global (Pr 30:15a; Eclo 25:1-
2) e paralelismo dos números (Eclo 25:7-11; 26:5-6) tem a função de chamar a
atenção para o último elemento apresentado. Os demais elementos são assessórios
ou indicam sob qual ponto de vista o sábio faz sua reflexão.
O povo de Deus da antiga aliança era um povo alegre, cantavam em todos os
momentos da vida: na guerra, na vitória, na morte, no amor, na colheita, nas cele-
brações (culto) (Ex 15:1-2; Nm 21:17; Dt 31:19; Jz 11:49; Cr 16:9-23; 1 Rs 4:32;
Ed 3:11; Jó 33:3-27; 38,7; Sl 13:6; 40:3; 42:8; 63:7; 81:1; 90:14; 95:1; 96:1; 98:1;
100:2; 101:1; 104:33; 105:2; 106:12; 118:14; 119:54; 144:9; 149:1-5; Pv 29:6; Ct
2:12; Is 5:1; 12:5; 35:6-10; 42:10; 54:1; 65:14; Am 6:5; Zc 2:10). Temos o famoso
canto de Daniel e seus companheiros na fornalha vulcânica (Dn 3:51-90).
O povo de Deus da nova aliança também era um povo cantante. Lucas re-
vela isto na narrativa da infância de Jesus (Lc 1:46-55; 67-79), o Magnificat e o
Benedictus deveriam ter uma belíssima melodia saindo da boca de Maria e Zacarias.
Mateus afirma que Jesus e os apóstolos também cantavam (Mt 26:30). O que di-
zer dos hinos cristológicos recuperados pelo apóstolo Paulo em (Ef 1:3-14; Fl 1:11
e Cl 1:15-20)? Imagine o povo de Deus cantando estas canções.
São cânticos para invocar forças para a vitória (2 Rs 13:17; Js 10:12) ou cânti-
cos de bruxaria. Cânticos de benção e maldição (Nm 22:24). Cânticos de estímu-
lo ao combate (Nm 5:12). Cânticos de vitória entoados pelas mulheres que toca-
vam e dançavam quando o exército voltava vitorioso (Ex 15:20-21; 1 Sm 18:6-7).
Os cantos de amor em geral eram cantados durante as festas de casamentos
que duravam sete dias. Então, ou se contratava o trovador ou ele aparecia volun-
tariamente e animava o baile com esse gênero de cantoria. Era uma espécie de
karaoke familiar.
capítulo 3 • 72
Portanto, há diversos gêneros nesta cantoria de Israel: “cântico de admiração (Ct
1:9-11; cântico de anseio (Ct 2:4); cântico de autodescrição ou cântico de descrição
dos atributos físicos e dos charmes da pessoa amada (Ct 4:1-7; 5:10-16; 7:1-7)”.
Por fim, temos os cantos cultuais que Israel cantava para Deus, em suas cele-
brações, nos cultos. Segundo os especialistas, há uma pluralidade de gêneros lite-
rários nesses cantos, o que torna uma classificação precisa impossível neste tipo de
estudo, pois há diversos gêneros literários no mesmo salmo, portanto, esse será um
trabalho acadêmico para você em seus estudos teológicos. Agora nos limitaremos
a indicações gerais.
Os especialistas falam de seis gêneros:
a) Hínicos: são hinos a YHWH salvador, criador, rei; hinos a Sião;
b) Salmos de súplica individual e comunitária;
c) Salmos de confiança e de ação de graças, individual e coletivo;
d) Salmos litúrgicos, inicial, requisitória e de peregrinação;
e) Salmos sapienciais e alfabéticos; salmos régios;
f ) Salmos de maldição e vendita. (Sl 8:2; 117:1; 145:1-2; 147:1-7; 12)
capítulo 3 • 73
Com esse voo panorâmico, chegamos ao final do contexto literário do
Primeiro Testamento (AT). Não abordamos sobre os gêneros literários do Segundo
Testamento (NT) por questão didática, pois há muita informação nesta aborda-
gem que você precisa assimilar com calma espiritual, calma de Jó. Nas próximas
unidades, analisaremos a elaboração teológica literária deste Cânon com maior
profundidade e essas informações serão retomadas nestes setores.
Agora quero convidá-lo a um exercício exegético teológico, ler mais de uma vez
Eclesiastes, que são apenas doze capítulos. Este livro ainda hoje é considerado por
alguns especialistas como pessimista, mas na verdade ele é realista. Sobretudo, revela
a relatividade, a transitoriedade, a finitude da vida aqui na terra. É uma excelente
teologia contra o materialismo e o consumismo atuais. Ele inicia revelando a “vai-
dade das vaidades” (Ecl 1:1), valor do tempo, chronos (Ecl 3), dá sábios conselhos
(4:12,7), retoma a “vaidade das vaidades – diz Coélet – tudo é vaidade” (12:8-11), e
no epílogo, revela que o autor é um sábio estudioso, portanto, fidedigno, “não é, se
conselho fosse bom não seria de graça”. No versículo 12 manda um aviso (conselho)
fulminante para nós que amamos o estudo: “um último aviso, filho meu; fazer livros
é um trabalho sem fim, e muito estudo desgasta o corpo.” E conclui no versículo tre-
ze: “Teme a Deus e guarda os mandamentos, porque esse é o dever de cada homem.
Pois Deus julgará todas as coisas, mesmo as ocultas, boas e más.”
Num segundo momento e depois de ter digerido os conselhos de Coélet, leia
de uma só vez o Cântico dos Cânticos, outra obra-prima da Escritura hebraica, até
1965, proibido no mundo católico até para padres, pois era tido, antes dos estudos
exegéticos como um livro pornográfico, mas na verdade é a apologia do amor ága-
pe que passa pelo amor filos e eros. Ou seja, não é possível amar a Deus sem amar
o próximo (Ex 20:1-21; Dt 5:1-22; Mc 12:28-34; Mt 22:34-40; Lc 10:25-28; Jo
13:34-35; 15:12-13; 1 Jo 3:17-18; 4: 8; 20-21).
Por que esta sugestão? Como você estudou na unidade 1, há dois modos de ler
o texto bíblico. Um é lendo pequenos textos e fazendo o trabalho exegético ou es-
piritual. Esta metodologia de leitura fornece a compreensão parcial. O outro é ler
o texto todo, para ter uma compreensão de conjunto. Como são livros de poucos
capítulos, vale a pena esta leitura global.
SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos sobre esta temática importantíssima sugiro que
navegue pelos sites especializados na interface teologia, religião e literatura. Clik nos links
de publicações e encontrará excelentes artigos sobre a trilogia: teologia-literatura-religião.
capítulo 3 • 74
• Teoliterária: Revista de literaturas e teologias. Disponível em: <https://revistas.pucsp.br/
teoliteraria>. Acesso em: ago. 2019.
• I Primeira jornada de estudos do grupo LERTE. IV Colóquio Latino-Americano de
Literatura e Teologia. Literatura e Teologia: um diálogo e provocações. Disponível em:
<https://www.pucsp.br/coloquioteolit/apresentacao.html>. Acesso em: 10 jan. 2019.
• Grupo de pesquisa do Antigo Oriente. Disponível em: <http://portal.metodista.br/
posreligiao/projetos/grupo-de-pesquisa-arqueologia-do-antigo-oriente>. Acesso em: 10
jan. 2019.
• Curso de ciências da religião da universidade Federal de Juiz de Fora. Publicações.
Disponível em: <http://www.ufjf.br/ppcir/curso/publicacoes/>. Acesso em: 10 jan. 2019.
Conclusão
Chegamos ao final de mais uma unidade; claro que nossa abordagem sobre os
gêneros literários dos textos bíblicos foi apenas propedêutica, ou seja, um modo de
introdução. Muitos gêneros literários não foram abordados, pois não houve espaço
e tempo, e até porque serão abordados nas próximas unidades. O importante é que
você tenha “bebido na fonte” (Jo 4:15-20; 6:32-40) por meio da leitura dos textos
bíblicos com a preocupação literária. Na próxima unidade, serão analisados outros
gêneros literários no Primeiro Testamento (AT) na perspectiva exegética. E na úl-
tima unidade serão analisados os gêneros literários do Segundo Testamento (NT).
ATIVIDADES
01. Após a leitura dos textos bíblicos a seguir:
Pr 1:8; 4:24; 19:6; Ecl 13:1; Pr 10:1-2; Pr 14:27; 16:31; 16:8; 25:24; 14:21; Pr 6:27-29;
31:10; Ecl 22:14; Pr 4:1-27; 7:6-27; Jó 28; Ecl 42:17-42; 8; Sl 8:10; 117:1-2c; 145:1-2;
21; 147:1-7; 12 :20c; Sl 54:3-4; 8 :9; 60:3; 8-10; 71:1-6; 22:24; Sl 32:1-2; 6 :7; 124:1-2;
8; 138:1-3; 8, elabore um texto dissertativo explicitando o gênero literário de cada um dos
textos bíblicos e qual a sua função no seu sitz in Leben ou contexto vital.
capítulo 3 • 75
02. Leia o texto do professor de teologia sistemática da PUC-SP Dr. Pe. Antônio Manzatto.
Teologia e literatura: bases para um diálogo. Disponível em: <https://www.researchgate.net/
publication/306006736_Teologia_e_literatura_bases_para_ um_dialogo>. Acesso em: 10
jan. 2019.
Objetivos
Analisar teologicamente as condições de possibilidades de um diálogo frutífero entre
teologia e literatura tanto no período da elaboração dos textos bíblicos quanto na atualidade.
Explicitar a necessária autonomia da teologia e da literatura como formas de conheci-
mentos científicos.
Critérios de avaliação
• Elabore um texto dissertativo de duas a cinco laudas explicitando a interface entre teologia
e literatura;
• Use a norma-padrão da língua;
• A elaboração do texto deve seguir as normas da ABNT;
• Poste sua atividade acadêmica no ambiente de aprendizagem virtual indicado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. Hacnos, 2005.
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1050 a.C. Ed. Paulus, 2004.
KOSTENBERGER, Andreas J.; PATTERSON, Richard D. Convite à interpretação bíblica. A tríade
hermenêutica: história, literatura e teologia. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2016.
LIMA, Maria de Lourdes Correia. Exegese bíblica. Teoria e prática. São Paulo: Ed. Paulinas, 2014.
OSBORNE, Grant R. A Espiral hermenêutica. Uma nova abordagem à interpretação bíblica. Ed. Vida
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capítulo 3 • 76
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capítulo 3 • 77
capítulo 3 • 78
4
Introdução à
exegese do Primeiro
Testamento (AT)
Introdução à exegese do Primeiro Testamento (AT)
Naquele tempo, respondendo Jesus, disse: Graças te dou, ó Pai, Senhor do céu e da
terra, que ocultaste estas coisas aos sábios e entendidos, e as revelaste aos pequeninos.
Sim, ó Pai, porque assim te aprouve.
Todas as coisas me foram entregues por meu Pai, e ninguém conhece o Filho, senão o
Pai; e ninguém conhece o Pai, senão o Filho, e aquele a quem o Filho o quiser revelar.
Mateus 11:25-27
Boas-vindas
Olá caro aluno, seja muito bem-vindo ao mundo da compreensão, da in-
terpretação, da vivência e do anúncio da Palavra de Deus revelada nas Sagradas
Escrituras. Pela citação do Evangelho de Mateus, você percebeu que chagamos
ao centro da exegese: interpretar com simplicidade a palavra de Deus. O labor
exegético pressupõe a competência técnica ou uso moderado do método histórico
crítico, de um lado, simplicidade e fé do povo de Deus, de outro lado. Com o
advento do conhecimento científico não se compreende a palavra divina sem o
auxílio desta chave de interpretação, ou seja, hermenêutica e exegese, formas cien-
tíficas de estudar textos filosóficos, literários, religiosos e jurídicos. No entanto,
sem a simplicidade da fé popular também não se compreende a palavra revelada.
Orientações para o estudo desta unidade
Caro aluno, para o seu sucesso acadêmico nesta unidade, você precisa ter ao
seu lado a versão impressa da Sagrada Escritura, preferencialmente a Bíblia de
Jerusalém ou acessar a forma digital nos seguintes endereços:
• Bíblia on-line. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso
em: ago. 2019.
• Bíblia Sagrada on-line. Disponível em: <https://www.bibliaon.com/>.
Acesso em: ago. 2019.
Sempre que você encontrar uma citação que o texto não explicar literalmente,
então, leia diretamente na Sagrada Escritura. Faça anotações dos aspectos que cha-
marem a sua atenção. Procure imediatamente saber quem escreveu, quando escre-
veu, onde escreveu, para quem escreveu. Lutero tinha razão, a Sagrada Escritura
é o principal alimento material da Teologia e do cristão na busca de conhecer a
vontade de Deus. É ela que não deixará o seu estudo teológico cair na aridez, na
desolação. Sem ela, a Teologia não passa de uma ciência da religião, uma filosofia
capítulo 4 • 80
da religião, uma sociologia da religião, uma psicologia da religião etc., sobretudo
ela é o principal objeto de nosso estudo neste componente curricular, portanto,
adquira o hábito da leitura contínua deste patrimônio espiritual da humanidade,
desta maravilha da humanidade.
Desejo excelentes estudos.
OBJETIVOS
• Conhecer as técnicas exegéticas de análise textual;
• Fazer a leitura sob os aspectos sincrônico e diacrônico do texto bíblico;
• Compreender a importância da crítica textual: fonte, redação, tradição e gênero.
Introdução
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Tm 4:7), sejam as que desviam os ouvidos da verdade (2 Tm 4:4), sejam as fábulas
judaicas (Tt 1:14) ou fábulas inventadas (2 Pe 1:16).
A hermenêutica também não pode ser como a interpretação hipócrita e fari-
saica, “faça o que falo, mas não faça o que eu faço”: Mt 21:1-17:
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É claro que não foi Deus, em pessoa, quem escreveu a Bíblia. Muito menos podemos
pensar que Deus necessite de palavras, que são uma realidade humana, para se comuni-
car. A Sagrada Escritura é a configuração categorial do que foi a percepção da presença
e da revelação de Deus. Quem tem tal percepção é o ser humano concreto e situado.
Portanto, a definição apenas proposta – palavra de Deus em palavras humanas –, longe
de comportar uma contradição, exprime uma condição irrenunciável: se quisermos que
a Bíblia fale aos homens, seja qual for a cultura, a língua e o tempo em que vivem, pre-
cisamos, cada vez mais, recolocar esta mesma bíblia na cultura, na língua e no tempo
em que surgiu. Isso significa afirmar que a Bíblia é uma obra literária que precisa ser
abordada como tal, se não quisermos anular seu valor como palavra de Deus... A Bíblia,
palavra de Deus, nem sempre é compreendida pelo povo deste mesmo Deus. Para um
mesmo texto, surgem muitas interpretações, algumas legítimas, outras questionáveis,
outras descartáveis. Tudo depende do modo, ou melhor, do método com que lemos a
Bíblia. Com efeito, a riqueza da Sagrada Escritura é tamanha que não basta um único
método de leitura para esgotá-la. Ela nos reserva sempre novidade, uma surpresa, um
horizonte novo. (SILVA, 2000, p. 11-12)
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final o transformou em livro. Ao longo dos séculos, este livro foi copiado em papiro,
pergaminho, impresso e digitalizado. Traduzido para diversas línguas, é interpretado
por diferentes concepções judaicas, cristãs, literárias, dramaturgas etc. “Qualquer
um dos livros bíblicos, não só tem uma história, mas também criou uma história”.
Até chegar aqui e agora, o texto bíblico teve de superar obstáculos, sofreu mutações,
foi interpretado por diferentes teologias. Portanto, ler o texto bíblico hoje é decifrar,
decodificar a sua história e a história da salvação que ele se propõe revelar.
Os cristãos fazem pelo menos cinco níveis de leitura do texto sagrado:
• Oração ou Lectio Divina é a leitura como alimento espiritual pessoal.
• Liturgia é a leitura que celebra a história da salvação na comunidade.
• Catequese ou escola dominical é a leitura para a formação espiritual
dos cristãos.
• Teológica é a leitura sistemática cujo objetivo é articular a reflexão mais
racional da fé, ela faz a interface com as ciências e a Filosofia.
• Exegese é a leitura técnica que busca compreender o texto bíblico em si
mesmo, é uma leitura analítica auxiliada pelas ciências bíblicas. Ela busca des-
montar o texto com “metodologias, pressupostos e critérios altamente elaborados
ao longo de séculos.”
É este último nível que o estudante de Teologia deve chegar durante a gra-
duação e depois ao longo de sua vida, além das outras quatro, ele nunca poderá
abdicar da leitura exegética. Portanto, neste nível é imprescindível que o leitor te-
nha conhecimento e domínio das línguas da revelação cristã: aramaico, hebraico,
grego e latim. Segundo o exegeta Silva:
Sem nenhuma dúvida, houve um texto que podemos chamar de “original”. Este, no en-
tanto, sofreu reelaborações e mais reelaborações. Além disso, não podemos nos esque-
cer de que antes de serem escritos, muitos relatos pertenciam à tradição oral. A fixação
por escrito, o texto estável, é apenas parte de um processo mais amplo, pois um novo
contexto é sempre ocasião para releitura e a reelaboração de um texto do passado. Em
outras palavras, um texto fixado e amadurecido pode tornar-se a base para uma nova
reelaboração. Muitas vezes, o próprio texto oferece indícios que permitem reconstruir as
etapas da redação que hoje possuímos.
Como veremos em breve, a ciência bíblica desenvolveu certos critérios, a fim de refazer
o caminho que o texto percorreu até chegar às nossas mãos. O resultado desse trabalho
de reconstrução é encontrado nas chamadas “edições críticas”. São edições dos textos
do Antigo e do Novo Testamento (em hebraico, em grego, em aramaico e, ainda, em
latim) que trazem, no rodapé, o “aparato crítico”, isto é, o elenco das principais leituras
variantes e os tipos textuais.
capítulo 4 • 84
Nas margens laterais, encontramos outras observações e anotações a respeito do texto.
Para economizar espaço, quase todas as informações do aparato crítico e das margens
estão abreviadas ou codificadas em símbolos, cuja decodificação encontramos nas in-
troduções e nos apêndices de cada edição crítica.
As variantes decorrem, em parte, por erro de transcrição e, em parte, por correções
intencionais dos copistas. Cada edição crítica é o resultado de anos de dedicação em
consultar todos os manuscritos existentes (textos bíblicos, Targumim, Midrashim, lecio-
nários, fragmentos, inscrições, comentários, textos patrísticos, e outros mais). (SILVA,
2000, p. 38-39)
CONCEITO
Perícope.
• Cássio Murilo Dias da Silva. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000, p.
68-77.
capítulo 4 • 85
• Erivaldo dos Santos. Seminário Teológico Batista do Nordeste. Exegese do Novo Tes-
tamento. Disponível em: <https://vdocuments.site/pericopepdf.html. Acesso em: 12 jan.
2019.
• Isaias Lobão Pereira Junior. Manual de exegese bíblica. Metodologia histórico-gramatical.
Disponível em: <http://www.monergismo.com/textos/comentarios/manual_exegese.pdf>.
Acesso em: 12 jan. 2019.
Atenção: este texto é excelente, sobretudo pela crítica à leitura teológica liberal
das Escrituras.
MULTIMÍDIA
• A mulher adúltera (Jo 8) – uma inserção na Bíblia. Disponível em: <https://www.bing.com/
videos/search?q=video+sobre+pericope&view=detail&mid=91C4522EA96C640FEC-
5891C4522EA96C640FEC58&FORM=VIRE>. Acesso em: 12 jan. 2019.
• Exegese textual p/iniciantes (aula 1). Disponível em: <https://www.bing.com/videos/
search?q=video+sobre+pericope&view=detail&mid=6B7A61211558F9B85D6B6B7A-
61211558F9B85D6B&FORM=VIRE>. Acesso em: 12 jan. 2019.
capítulo 4 • 86
Com o método histórico crítico, a interpretação bíblica aprendeu a fazer a
leitura crítica da palavra de Deus. Não só a superar a literalidade, o fundamenta-
lismo, mas compreender a riqueza que envolve a elaboração de um texto bíblico.
Como foi estudado na primeira unidade, o método histórico crítico per-
corre várias etapas para conhecer um texto bíblico: crítica textual, análise linguís-
tica, crítica literária, crítica das tradições, crítica redacional, comparação entre as
tradições textuais antigas, elenco dos relatos paralelos, elenco de referências cru-
zadas, arqueologia, análise comparativa com outros textos do Oriente Antigo, de
modo especial com textos religiosos, análise comparativa dos arquivos históricos,
a função do relato, a concepção teológica do texto.
SAIBA MAIS
Para aprofundar seus conhecimentos sobre o método histórico crítico, sugerimos que
você faça uma pesquisa lendo os seguintes textos:
• Augustus Nicodemus Lopes. O dilema do método histórico-crítico na interpretação da Bíblia.
Disponível em: <https://docplayer.com.br/68166527-O-dilema-do-metodo-historico-
critico.html>. Acesso em: 11 jan. 2019.
Atenção: este texto é excelente porque mostra os limites do método histórico-crítico.
• Cássio Murilo Dias da silva (Org). Metodologia de exegese bíblica. São Paulo, Paulinas,
2000, p. 21-297.
• Pontifícia Comissão Bíblica. A interpretação da Bíblia na igreja. Disponível em: <http://
www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/pcb_documents/rc_con_cfaith_
doc_19930415_interpretazione_po.html>. Acesso em: 10 jan. 2019.
• Revista Dominicana de Teologia. Hermenêutica bíblica. São Paulo: RDT. Ano III, 2008, n.
6 – janeiro/julho, p. 7-30.
Exegese e o Pentateuco
capítulo 4 • 87
Para um cristão este exercício não é fácil, pois fomos formados na subordinação do
Primeiro ao Segundo Testamento, com tudo que isso tem de positivo, sobretudo
de negativo, exegeticamente falando. Portanto, o Pentateuco é a porta de entrada
para esta nova leitura do Primeiro Testamento. Precisamos lê-lo como nossos ir-
mãos judeus o leem. Neste primeiro momento, a leitura é judaizante, não é heleni-
zante nem cristã. Daí porque venho falando de Primeiro e Segundo Testamentos,
e não de Velho ou Antigo e Novo Testamentos.
Para compreender precisamos ler buscando o objetivo explícito do autor sa-
grado: passar uma mensagem específica para um povo naquele tempo, naquele lu-
gar específico e numa determinada situação existencial. É o sitz im Leben do texto.
Para interpretar, então precisamos buscar sua mensagem implícita: contextualizá-
-lo à luz de Jesus Cristo e do tempo presente. E para aplicá-lo precisamos analisar a
idiossincrasia kairológica: passado-presente-futuro, todo texto bíblico não só falou
no passado, não só fala no presente, mas falará no futuro, pois é palavra de Deus:
dabar, palavra e acontecimento (Gn 1:1-31), ou seja, Deus fala e acontece. “Deus
disse: haja luz e houve luz” (Gn1:3).
Os cinco primeiros livros da Escritura cristã, Pentateuco, também conhecidos
como os cinco livros de Moisés, formam a Torá hebraica ou a Lei. Torá, no hebrai-
co não é apenas uma lei jurídica, mas uma pedagogia ou instrução.
Como você já estudou na unidade três, os autores destes livros pertenciam a
quatro escolas teológicas diferentes: javista, eloísta, sacerdotal e deuteronomista.
E a redação final foi realizada no exílio da Babilônia. Então atenção, pois para
compreender e interpretar com fidelidade a vontade de Deus nestes livros é ne-
cessário uma tríplice contextualização. O acontecimento, por exemplo, a criação,
os autores dos dois primeiros capítulos do livro do Gênesis estão muito mais pró-
ximos de nós do que do ato criativo divino. Esta questão do espaço e do tempo é
fundamental para a análise exegética. A sua reelaboração se dá depois da libertação
da escravidão do Egito, da conquista da Terra Prometida, sobretudo no contexto
de nova escravidão. Assim, a função teológica ganha um significado diferente ao
narrar à criação, é uma teologia de encorajamento para enfrentar a escravidão e
de confiança em Deus o criador e libertador, fortalecer a fé na manutenção da
promessa divina de uma terra que jorra leite e mel (Ex 3:8).
Os temas principais destes livros são: criação (Gn 1:2). Gn 1:1-2,4a foram
escritos por autores da escola sacerdotal. É uma narrativa mais abstrata e segue
uma perspectiva evolutiva. Primeiro Deus cria o céu e a terra, depois a luz, o
capítulo 4 • 88
firmamento, as águas, as plantas, outros planetas (luzeiros), a vida animal aquáti-
ca, a vida animal terrestre, e, por fim a vida humana:
Veja que nesta narrativa a criação é evolutiva, o ser humano é o último a ser cria-
do e sem vínculo com a criação, mas a Imagem e Semelhança de Deus (Gn 1:26-27).
Compare com Gn 2:4b-25, a narrativa javista revela o vínculo humano com
a natureza, criação do barro.
Para a escola Javista, (J) Deus é Iahweh. Ela surgiu no tempo de Salomão, em
torno de 950 a.C., nos meios reais de Jerusalém. O rei ocupa nela um lugar de
proeminência; é ele que faz a unidade da fé.
O documento javista inicia em Gn 2:4b e termina com a narração de Balaão
em Nm 22; 24, incluindo a narração da falta de Israel em Baal-Fegor Nm 25:1-5.
As narrativas desta tradição caracterizam-se por um vigoroso estilo de conto
popular e uma pitoresca descrição de personagens.
Para o javista, Deus envolve-se ativamente na história da humanidade e, em
especial, na de Israel. O javista começa a narrativa com a criação (Gn 2:4b-25),
apresentando a história da humanidade como o pano de fundo contra o qual o
Senhor chama Abraão e lhe faz uma promessa que só o Êxodo e a conquista de
Canaã realizam plenamente. O tema da promessa e concretização predomina na
apresentação javista da história patriarcal.
A escola ou tradição Sacerdotal, (P) do vocábulo alemão priester kodex, signi-
fica “código sacerdotal”, teve sua origem durante o exílio em Babilônia, de 587 a
538 a.C. No exílio, os sacerdotes reliam as suas tradições para manterem a fé e a
esperança do povo.
capítulo 4 • 89
É uma teologia que busca na herança do passado uma resposta para a seguinte
pergunta: em que se apoiar para continuar a viver no meio das nações?
Insiste no sentimento de pertença ao povo, de Deus, na comunidade do san-
gue, “o que explica a importância das genealogias na história sacerdotal: trata-se
de manter, por meio delas, a identidade de Israel em Babilônia a fim de evitar a
dissolução do povo e permitir a Deus a realização de suas promessas”.
Longe do templo por estarem no exílio, insiste-se no sábado, como o tempo
consagrado a Deus e na circuncisão, como sinal de pertencer a Israel. Com isso, já é
possível uma vida religiosa; ela consiste em criar uma comunidade dirigida por um
sacerdote, na qual a função do templo é desempenhada pela palavra de Deus. Para
esta teologia, o rei e o profeta cedem lugar para o sacerdote, este se torna o principal
representante de Deus na terra. (Disponível em: <http://teconvidoapensar.blogspot.
com/2012/11/javista-eloista-deuteronomica-e.html>. Acesso em: ago. 2019)
A queda ou pecado original, ou ainda, pecado das origens é outro tema im-
portantíssimo. Ele revela que após criar tudo, “Deus viu tudo que tinha feito: e era
muito bom” (Gn 1:31). Veja que o texto fala de bondade e não de perfeição. A tra-
dição por meio da catequese, da escola dominical, da evangelização etc. passou para
nós que a criação é perfeita (dogma), é verdade, mas isso precisa ser compreendido
numa perspectiva dinâmica (evolutiva) e não estática, pois Deus continua a criação,
segundo Jesus de Nazaré, “Meu Pai trabalha sempre” (Jo 5:17). Is 65:17 Deus disse:
“Eis que eu crio novo céus e nova terra”. (Is 66:22). “Sim, da mesma maneira que
os novos céus e a nova terra que estou para criar substituirão na minha presença –
oráculo de Iahweh – substituirá a vossa descendência e o vosso nome.”
Veja ainda em Ap 21:1-5, o Deus bíblico faz novas todas as coisas:
E vi um novo céu, e uma nova terra. Porque já o primeiro céu e a primeira terra passaram,
e o mar já não existe.
E eu, João, vi a santa cidade, a nova Jerusalém, que de Deus descia do céu, adereçada
como uma esposa ataviada para o seu marido.
E ouvi uma grande voz do céu, que dizia: Eis aqui o tabernáculo de Deus com os homens,
pois com eles habitará, e eles serão o seu povo, e o mesmo Deus estará com eles, e
será o seu Deus.
E Deus limpará de seus olhos toda a lágrima; e não haverá mais morte, nem pranto, nem
clamor, nem dor; porque já as primeiras coisas são passadas.
E o que estava assentado sobre o trono disse: Eis que faço novas todas as coisas. E
disse-me: Escreve; porque estas palavras são verdadeiras e fiéis.
E disse-me mais: Está cumprido. Eu sou o Alfa e o Ômega, o princípio e o fim. A quem
quer que tiver sede, de graça lhe darei da fonte da água da vida. (Apocalipse 21:1-6)
capítulo 4 • 90
Este tema deve ser abordado com muito cuidado pela teologia bíblica e pela
teologia sistemática, pois até Charles Darwin com a teoria da evolução, o tema da
criação foi abordado de forma estática e acabou entrando em rota de colisão com
este novo paradigma das ciências, especialmente com a Biologia. Sendo que estes
paradigmas: criação e evolução são complementares e não excludentes. Assim, os
compreende hoje a teologia sistemática, chegando a formular a seguinte afirma-
ção: “a criação é evolutiva e a evolução é criativa”.
SAIBA MAIS
Criação e evolução
Para aprofundar seus conhecimentos sobre a temática da criação, o convido a ler duas
abordagens excelentes. A primeira é um clássico da filosofia ocidental escrito por Platão,
no Timeu-Crítias. Deus é o Demiurgo, theos, e bom, Aghatos. E Platão ao longo do texto vai
descrevendo filosoficamente como é originado o universo.
• Platão. Timeu-Crítias. Disponível em: <https://edisciplinas.usp.br/pluginfile.php/363788/
mod_resource/content/0/Plat%C3%A3o_Timeu-%20Completo.pdf>. Acesso em: 13 jan.
2019.
O segundo clássico é contemporâneo, é do astrofísico brasileiro, uma das maiores autori-
dades hoje sobre a origem do universo. No livro a criação imperfeita, ele mostra com evidên-
cias científicas que o universo teve sua origem de forma misteriosa para não dizer estranha,
uma grande explosão (Big Bang) e está em expansão (evolução) e faz esse processo a partir
de suas imperfeições. É a partir do imperfeito que ele evolui para o perfeito. É um texto que
provoca a reflexão teológica a buscar a gênesis de forma não romântica, mas real.
• Marcelo Gleiser. Criação imperfeita. Cosmo, vida e o código oculto da natureza. Ed. Record,
2010.
• Assista também à videoaula como funciona o universo – Estrelas. Disponível em: <https://
www.youtube.com/watch?v=agrJHUe9aHA>. Acesso em: 14 jan. 2019. Este vídeo é
narrado por Marcelo Gleiser.
• Leia também Andrés Torres Queiruga. Do terror de Isaac ao Abbá de Jesus. São Paulo:
Paulinas, 2001. O capítulo sobre o mal no qual o autor mostra a contradição do conceito de
criação perfeita. Segundo Queiruga, se Deus tivesse criado um universo perfeito, ele seria
Deus e não criatura.
capítulo 4 • 91
Queda
Os profetas de Israel
capítulo 4 • 92
presente e do futuro. Pessoas que na gratuidade trabalhavam para Deus em prol
do povo da aliança.
Eles são para Israel uma evolução da revelação que sucedem os patriarcas e os
juízes. Eles aparecem na Corte, no palácio como conselheiros dos reis, Natan (II
Sm 7:1-17; 12:1-15; 1 Rs 1:11-40; 1 Cr 17:1-15). Aparecem buscando formar
uma comunidade já em rota de colisão com o templo e a coorte, com os sacerdotes
e reis (1 Rs 13:11-34).
No entanto, Elias, o pai do profetismo bíblico ainda está sozinho como um
cigano pelo reino de Israel (1 Rs 17:19), lutando contra os falsos profetas que
surgiram por atacado na Corte. Com Eliseu, temos a formação da comunidade
profética (1 Rs 19:19-21; 20:35-43).
Veja uma das características dos profetas de Israel. A defesa do mais fraco (1
Rs 21:1-26; 22:5-28; 2 Rs 1:1-18).
O grande ciclo de Eliseu (2 Rs 2:8) e a consolidação da comunidade profética.
Veja o arrebatamento de Elias (2 Rs 2:1-18) e a morte de Eliseu (1 Rs 13:14-21).
E já começa aparecer outros profetas como Oséias (1 Rs 17:1-4; 18:1-9; Isaías (1
Rs 19:1-2; 20:34; 20,1-2). Azarias chamado também de vidente (2 Cr 15:1-16;
1-10). Os falsos profetas e Miquéias (2 Cr 18:1-34).
Aqui é suficiente para você perceber a origem do profetismo israelita. Embora
a própria Bíblia testemunhe a presença de pessoas semelhantes nos povos vizinhos
de Israel (Nm 22:24; 1 Rs18:19-40). Em Israel, eles revelam algumas peculiari-
dades (1 Sm 10:5; 19:20; 1 Rs 18:4; 2 Rs 2:3-18; 4:38; 6:1; 9:1). Moisés é con-
siderado o início da linhagem dos profetas (Dt 18:15.18) e o maior de todos os
profetas (Nm 12:6-8; Dt 34:10-12) porque conheceu Iahweh face-a-face e falou
pessoalmente com ele, recebendo em suas mãos a Lei Santa (Ex 19:20; Dt 5).
No centro da mensagem profética está a fidelidade ao javismo ou monoteísmo
javista, Iahweh é senhor da terra inteira e os ídolos são nada (Is 40:10-20; 41:6-7;
21:24; 46:1-7; 44:9-28; 57:3-13; Os 2:7-15; Jr 2:5-13; 27:28; 5:7; 10:1-16; 16:20).
O tema da transcendência de Deus é muito forte na mensagem profética (Is
1:4; 5:19-24; 6; 10:17-20; 40:25; 41:14-16.20; Jr 50; 29; 51:5; Os 11:9; Hab
1:12; 3:3). Iahweh é mistério (Is 6; Ez 1).
A questão ética e a santidade de Deus nos profetas levam a uma consciência
forte do pecado. O ser humano é impuro (Is 6:5), infiel e por isso será punido
(Is 2:6-22; 5:18-20; Os 5:9-14; Jl 2:1-2; Sf 1:14-18). Para Jeremias anunciar a
desgraça é a verdadeira profecia (Jr 28:8-9). Neste sentido, começa nos profetas o
tema da retribuição pela infidelidade (Jr 31:29-30; Dt 24:16; Ez 18; 33:10-20).
capítulo 4 • 93
Se a condenação é fulminante nos profetas de Israel, a salvação é ainda mais
teologizada. Não obstante, em todas as apostasias Deus quer salvar o seu povo elei-
to, o povo da aliança. Um resto será salvo (Is 4:3; Am 5:15). O tema teológico do
Reino de Israel é paradigmático nos profetas, protagonista da salvação de Iahweh
(Am 5:15; Is 37:31-32).
Portanto, uma teologia da esperança é revelada nos escritos proféticos. No
entanto, com uma séria advertência, não será um final feliz para todos, nem para a
maioria, mas para um pequeno resto, embora Deus queira salvar a todos.
ATENÇÃO
Esta divisão não é teológica, mas didática, ou seja, maior não significa mais importante e
menor menos importante, teologicamente falando. O conteúdo da revelação divina tem é de
igual importância em ambos.
capítulo 4 • 94
Lm 4:21-22; Ez 25:12; 35:1; Ml 1:2 e Jr 49:7. A profecia de Abdias desenvol-
ve-se em dois planos: o castigo de Edom (1b-14, 15b como conclusão); o dia de
Iahweh, em que Israel se desforra de Edom (15a e 16-18), com a seguinte conclu-
são: Yahweh falou. As promessas escatológicas dos versículos 19-21 são adicionais.
A observação sobre maior e menor em relação aos profetas bíblicos é perti-
nente para o leitor não iniciar a leitura com complexo de superioridade ou de
inferioridade leitora.
Uma metodologia interessante para a exegese destes livros sagrados é iniciar
pela vocação do profeta. Então, convido você a fazer esta análise a partir das expe-
riências de Isaias, Jeremias, Amós e Oséias.
Is 6:1-13 segundo o profeta o Deus bíblico chama e qualifica o vocacionado.
A brasa que purifica os lábios do profeta (v. 6). Igualmente Jeremias (Jr 1:1-19),
um profeta chamado antes da concepção: “antes mesmo de te formar no ventre
materno, eu te conheci; antes que saísses do seio, eu te consagrei. Eu te constituí
profeta para as nações” (v. 5). O profeta é um devorador da palavra de Deus:
“quando se apresentavam palavras tuas, eu as devorava: tuas palavras eram para
mim contentamento e alegria de meu coração” (Jr 15:16) que tem a vocação reno-
vada diante dos grandes obstáculos da missão (Jr 18:1-12).
Pela estrutura do relato do próprio Amós que corrobora Jeremias, houve pro-
fetas de famílias proféticas, mas o Deus bíblico também chamou profetas que não
vinham de linhagem profética, veja Am 7:10-17, Amós é um vaqueiro e cultivador
de sicômoros.
Oséias é chamado em circunstância ainda mais especial (Os 1:2-8) para for-
mar sua família com uma prostituta infiel (Os 2:4-3;1 :5), simbolizando a relação
do povo da Aliança com o Deus bíblico.
Na unidade anterior chamamos atenção para a linguagem simbólica, parabóli-
ca (Os 12:11) dos profetas. Neste sentido, o profeta Ezequiel é um paradigma em
seus quarenta e oito capítulos. No capítulo dezoito, temos uma metáfora que obriga
a teologia a repensar o tempo todo a questão do pecado original, que vem a ser este
provérbio usado na terra de Israel: “Os pais comeram uvas verdes e os dentes dos filhos
ficaram irritados” (Ez 18:1-2). É interessante que este provérbio aparece em Jr 31:29,
então, é um convite profético para a teologia refletir sobre a transmissão do pecado
original ou das origens. Como o pecado está passando de geração em geração?
Um excelente trabalho para a teologia bíblica é explicitar o significado deste sim-
bolismo profético: Ez 16 uma recém-nascida é adotada por Deus e se torna uma prosti-
tuta. Ez 20 novamente o profeta volta teologizar sobre a infidelidade do povo de Deus.
capítulo 4 • 95
O profeta usa animais (Ez 32), aves (Ez 17), plantas (Ez 15), esqueletos (Ez
37). Crocodilo (Ez 32, águias (Ez 17), vinhas, (Ez 15) ossada humana (Ez 37),
pastores, recém-nascidos (Ez 16), prostitutas (Ez 16) etc.
O profetismo teve uma longa duração em Israel, iniciando por volta do século
XIII antes de Cristo e chegando até o exílio da Babilônia. Assim como misterio-
samente eles apareceram misteriosamente saíram de cena, deixando um grande
vazio na espiritualidade do povo de Deus. Na época de Jesus de Nazaré, Deus
suscitou um profeta filho de sacerdote, João Batista (Lc 1:67-79), até Jesus o reco-
nheceu como tal (Mt 11:2-15). Nesta época, havia uma expectativa da volta deles
(Mt 17:9-13). Um gênio que deixou saudades.
SAIBA MAIS
Profetas bíblicos
Filmes
• Cid Moreira. A vida do profeta Elias. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=X-
e23hrCvgc>. Acesso em: 15 jan. 2019.
• Elias o profeta. Disponível em: <https://www.bing.com/videos/search?q=video+
sobre+os+profetas+de+israel&view=detail&mid=40CD4FC993676031307640CD4F-
C9936760313076&FORM=VIRE>. Acesso em: 14 jan. 2019.
• Os profetas bíblicos, filme completo dublado. Disponível em: <https://www.bing.com/
videos/search?q=video+sobre+os+profetas+de+israel&view=detail&mid=0C26BA28EAF-
26D86E6500C26BA28EAF26D86E650&FORM=VIRE>. Acesso em: 14 jan. 2019.
LEITURA
A leitura profética da história. Disponível em: <https://books.google.com.br/books?id=1
CwxdCwEDY4C&pg=PA84&dq=a+leitura+profetica+da+historia&hl=pt-BR&sa=X&ved=
0ahUKEwj5g8mf1IbgAhV9ErkGHaQ1BAIQ6AEIKDAA#v=onepage&q=a%20leitura%20
profetica%20da%20historia&f=false>. Acesso em: 14 jan. 2019.
capítulo 4 • 96
sapiencial floresceu em todo Oriente Antigo e na África, o “Egito produziu es-
critos de sabedoria.” Na Mesopotâmia, desde a época suméria, foram compostos
provérbios, fábulas, poemas sobre o sofrimento humano semelhante ao livro de Jó.
No entanto, Israel se vangloria de uma sabedoria mais elevada, sendo Salomão
o paradigma deste saber (1 Rs 5:9-14). Recebendo visitas ilustres de reis e rainhas
que o colocaram à prova (1 Rs 10:1-13). E a própria gestão do povo de Deus
exigiu dele uma sabedoria divina para discernir com justiça até contendas fami-
liares como no caso de duas mães disputando o mesmo filho, a famosa espada de
Salomão (1 Rs 3:16-28).
No entanto, a sabedoria de Israel deve ser pedida a Yahweh acima de qualquer
coisa, como fez Salomão (1 Rs 3:4-15; Sb 9:1-18).
Com exceção de Eclesiástico e Sabedoria, os demais livros da literatura sapien-
cial não abordam os grandes temas do Primeiro Testamento: lei, aliança, eleição,
e a salvação. A oposição sabedoria-loucura da literatura sapiencial dos povos vizi-
nhos é transformada em Israel na oposição justiça-injustiça, piedade-impiedade.
A verdadeira sabedoria é o temor de Deus, sendo este a piedade. O humanismo da
sabedoria oriental é transformado em humanismo devoto.
O termo hebraico de sabedoria é complexo, pode significar habilidade ma-
nual, habilidade profissional, senso político, discernimento, astúcia ou “jeitinho”
e a arte da magia. Portanto, ela pode ser exercida com finalidade boa ou má. Esta
ambiguidade terminológica leva os profetas a fazerem um juízo desfavorável sobre
os sábios Is 5:21; 29:14; Jr 8:9. Jesus de Nazaré também criticou o mau uso da
sabedoria (Mt 11:25-27). E Paulo fala de duas sabedorias (1 Cor 1:17-31).
No pós-exílio, a literatura sapiencial afirmará a transcendência da sabedoria,
somente Deus é sábio (Jó 28; 38-39; Eclo 1:1-10; 16:24; 39:12; 42:15-43; 33).
No prólogo do livro de Provérbios (Pr 1:9) a sabedoria fala como pessoa mas está
desde a eternidade na ação criadora de Deus (Pr 8:22-32). Em Jó 28, a sabedoria
é distinta de Deus que é o único a saber onde encontrá-la. Eclo 24 ela sai da boca
de Deus e é enviada a seu povo. Sb 7:22-8,1 ela é uma efusão da glória de Deus, a
imagem da excelência divina.
A forma mais simples e mais antiga da literatura sapiencial de Israel é mâshâl,
provérbio ou fórmula surpreendente, máxima ou ditado popular. No livro dos
Provérbios aparecem como sentenças breves: o ladrão não fica difamado quando
rouba para saciar a fome (Pr 6:30). É melhor um pedaço de pão seco e a tranquili-
dade do que uma casa cheia de sacrifícios de discórdia (Pr 17:1). A quem retribui
o bem com o mal, a infelicidade não se afastará de sua casa (Pr 17:13). Um filho
capítulo 4 • 97
insensato é uma calamidade para o pai, uma goteira sem fim são as queixas de uma
mulher (Pr 19:13). Ouve teu pai, ele te gerou, e não desprezes tua mãe envelhecida
(Pr 23:22). Agarra um cão pelas orelhas quem se mete em briga alheia (Pr 26:17).
Depois o mâshâl evolui para parábolas, metáforas e raciocínios (Pr 1:9; Jó e
Sb). Sua origem está na família, no clã passado de forma oral de geração em ge-
ração. Diferente dos escritos proféticos e sacerdotais, os sábios não se preocupam
com o culto, as calamidades do povo e a esperança.
A partir do exílio, haverá como que uma fusão destas três classes: sacerdotes,
profetas e sábios. O prólogo do livro de Provérbios e Eclo 44:49 assumem um tom
profético. Sb 10:19 é uma longa e profunda meditação-reflexão sobre a história
da salvação. Eclo 24:23-34 exalta o sacerdócio e o culto, identificando a lei com
a sabedoria.
Conclusão
Ler e estudar a palavra de Deus é como trabalhar com várias páginas abertas
na tela do computador. Você toca num tema e precisa abrir outra janela para uma
nova busca. Cada versículo da Sagrada Escritura faz uma interface com o universo,
dialoga com o cosmo. É a palavra interagindo com a criação por meio da criatura
para a qual ela foi enviada. Portanto, leia-a saboreando, degustando, ruminando.
Estude-a com liberdade de espírito pedindo ao Espírito Santo que ilumine sua fé
e sua razão para uma compreensão global do espírito da palavra que está depois da
letra. Medita a leitura e contempla o seu conteúdo. A palavra não é espelho que re-
flete o que é lido, mas uma transparência que remete o leitor para o transcendente.
O estudo exegético e teológico só terá sucesso se for também lectio, leitura-
-orante. É preciso desmontar o texto, analisá-lo, mas não pode esquecer que é um
texto sagrado. Não pode ser tomado ao pé da letra, fundamentalismo, mas a letra
é o meio, o instrumento, o método, o recurso, o canal, a locomotiva que leva ao
espírito, ao sentido, ao significado.
O labor exegético é imprescindível para a contextualização do texto bíblico,
para o labor teológico. O método histórico crítico não nos deixa fazer uma leitura
estado islâmico do texto, transformando o leitor num homem bomba, num ka-
mikaze. Auxilia na compreensão do sentido primeiro, o sitz im Leben. Contudo,
o sentido analógico, espiritual, místico deve ser buscado no labor teológico. A
capítulo 4 • 98
Teologia não é só conhecimento, é sapiência ou sabedoria, no sentido sapiencial.
A teologia bíblica não pode parar na exegese do texto.
A palavra bíblica disse algo significativo naquele tempo, diz algo importante
hoje, sobretudo para o futuro. Os indígenas da aldeia do Pico do Jaraguá, de São
Paulo, criticando o nosso conhecimento científico tecnológico falam que o século
XXI precisa de Sabedoria. Então, fica o alerta para a necessidade de uma interfa-
ce: conhecimento científico-tecnológico-filosófico-teológico-sabedoria popular na
construção de um mundo melhor, mais justo, fraterno e sustentável para todos.
ATIVIDADES
01. Videoaula sobre o profeta Isaías. Disponível em: <https://difundindoapalavra.blogspot.
com/2018/06/serie-profetas-profeta-isaias.html>. Acesso em: 14 jan. 2019.
Após assistir à videoaula sobre o profeta Isaías, elabore um texto dissertativo de duas a
três laudas, destacando os principais aspectos sobre este tema.
Critérios de avaliação da atividade
• Usar a linguagem padrão;
• Dissertar entre duas e três laudas;
• Citar as fontes consultadas.
02. Leia o texto de Edgard Leite. O livro de Jó e a crítica sapiencial à teologia sacerdotal.
Disponível em: <http://www.dhi.uem.br/gtreligiao/pdf9/02.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019.
Objetivos
• Conhecer a teologia sapiencial;
• Comparar a teologia sapiencial e a teologia sacerdotal;
• Compreender a metodologia da crítica sapiencial à teologia da prosperidade
Critérios de avaliação
• Elabore um texto dissertativo de duas a três laudas, explicitando a importância da teologia
sapiencial na era da teologia da prosperidade neopentecostal;
• Use a norma-padrão da língua;
• A elaboração do texto deve seguir as normas da ABNT;
• Poste sua atividade acadêmica no ambiente de aprendizagem virtual indicado.
capítulo 4 • 99
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRAY, Gerald. A história da interpretação Bíblica. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2017.
EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. Hacnos, 2005.
GOTTWALD, Norman K. As tribos de Iahweh. Uma sociologia da religião de Israel liberto. 1250-
1050 a.C. Ed. Paulus, 2004.
KOSTENBERGER, Andreas J.; PATTERSON, Richard D. Convite à interpretação bíblica. A tríade
hermenêutica: história, literatura e teologia. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2016.
LIMA, Maria de Lourdes Correia. Exegese bíblica. Teoria e prática. São Paulo: Ed. Paulinas, 2014.
OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica. Uma nova abordagem à interpretação bíblica. Ed. Vida
Nova, 2009.
Revista Dominicana de Teologia. Hermenêutica Bíblica. Ano III, 2008, n. 6. Ed. RDT, janeiro/julho 2008.
SILVA, Cássio Murilo dias. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
TERRA, J. E. Martins. Teologia bíblica. São Paulo: Ed. Loyola, 1976.
ARTUSO, Vicente. A teoria documentária do pentateuco. Aplicação e limites na análise de Nm
16:17. Disponível em: <https://www.maxwell.vrac.puc-rio.br/21667/21667.PDF>. Acesso em: 14
dez. 2018.
Código de Hamurábi. Aproximadamente 1780 a.C. Disponível em: <http://historia.seed.pr.gov.br/
arquivos/File/fontes%20historicas/codigo_hamurabi.pdf>. Acesso em: 15 dez. 2018.
Cronologia dos reis e dos profetas de Israel e Judá. Disponível em: <http://www.eclesiastes.pt/
mp_reis.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019.
Escola de formação de agentes de pastoral. Introdução geral à formação literária do pentateuco.
Disponível em: <https://docplayer.com.br/23915938-Introducao-geral-a-formacao-literaria-do-
pentateuco-introducao-geral-a-formacao-literaria-do-pentateuco.html>. Acesso em: 14 dez. 2018.
ESTATE, Ellen G. White. Profetas e reis. Disponível em: <http://centrowhite.org.br/files/ebooks/egw/
Profetas%20e%20Reis.pdf>. Acesso em: 14 jan. 2019.
FATEC. Curso de teologia. Módulo XI. Estudo do velho Testamento. Disponível em: <http://www.
fatecc.com.br/alunos/apostilas/materiaisdidaticos/Teologia/velhotestamentoeapologetica.pdf>.
Acesso em: 12 dez. 2018.
HARRIS, R. Laird; JR, Gleason L. Archer; WALTKE, Ruce K. Dicionário Internacional de Teologia
do Antigo Testamento. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/1049698-Dicionario-
Internacional-de-Teologia-do-Antigo-Testamento/>. Acesso em: 11 dez. 2018.
MARCELO, Márcio. Convite ao pensamento. Javista, eloísta, deuteronomista e sacerdotal. Disponível
em: <http://teconvidoapensar.blogspot.com/2012/11/javista-eloista-deuteronomica-e.html>. Acesso
em: 14 dez. 2018.
capítulo 4 • 100
RIBEIRO, Rafael. Exegese Bíblica. Disponível em: <http://www.ibnvf.com.br/wp-content/
uploads/2014/01/exegese-biblica.pdf>. Acesso em: 10 dez. 2018.
Santo Anselmo. Proslogion seu Alloquium de Dei existentia. Disponível em: <http://www.
lusosofia.net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.
capítulo 4 • 101
capítulo 4 • 102
5
Introdução
à exegese
do Segundo
Testamento (NT)
Introdução à exegese do Segundo
Testamento (NT)
Introdução
Boas-vindas
Olá caro aluno, seja muito bem-vindo ao mundo da compreensão, da in-
terpretação, da vivência e do anúncio da Palavra de Deus revelada nas Sagradas
Escrituras. Vamos iniciar a nossa busca pelo conhecimento exegético do Segundo
Testamento com uma citação do Evangelho de Marcos, pois Jesus de Nazaré, o
Cristo de Deus é a chave hermenêutica com a qual abriremos a porta da com-
preensão e interpretação da palavra sagrada. Ele é o exegeta por excelência, o filho
de Deus que veio anunciar a chegada do Reino e nos chamar à conversão:
capítulo 5 • 104
• Emphatic Diaglott. New Testament. Disponível em: <https://estudoda-
sescrituras.files.wordpress.com/2015/05/the-emphatic-diaglott.pdf>. Acesso em:
ago. 2019.
• Universidade da Bíblia. Kit bíblia em áudio. Português, inglês, espanhol,
hebraico e grego. Disponível em: <https://ub.universidadedabiblia.com.br/ki-
t-biblias-em-audio/?ref=E3948003B&hsrc=R29zcGVsRnJlZV9QdWI%3D.
Acesso em: 14 dez. 2018.
• The Emplhatic Diaglitt New Testament é a versão interlinear do Segundo
Testamento (NT) em grego e inglês. O acesso é gratuito.
• O kit da Bíblia em áudio da Universidade da Bíblia é uma versão em áudio
em cinco línguas: português, inglês, espanhol, hebraico e grego, portanto você
poderá ouvir a palavra de Deus nestas cinco línguas, mas atenção: é uma versão
paga, custa por volta de sessenta reais. Porém, você baixará para ouvir em mp3.
• Bíblia em áudio ellenwhiteaudio é uma versão gratuita em português
de Portugal.
capítulo 5 • 105
Mas que diz? A palavra está junto de ti, na tua boca e no teu coração; esta é a palavra
da fé, que pregamos,
A saber: se com a tua boca confessares ao Senhor Jesus, e em teu coração creres que
Deus o ressuscitou dentre os mortos, serás salvo.
Visto que com o coração se crê para a justiça, e com a boca se faz confissão para a sal-
vação.
Porque a Escritura diz: Todo aquele que nele crer não será confundido.
Porquanto não há diferença entre judeu e grego; porque um mesmo é o Senhor de to-
dos, rico para com todos os que o invocam.
Porque todo aquele que invocar o nome do Senhor será salvo.
Como, pois, invocarão aquele em quem não creram? E como crerão naquele de quem
não ouviram? E como ouvirão, se não há quem pregue?
E como pregarão, se não forem enviados? Como está escrito: Quão formosos os pés
dos que anunciam o evangelho de paz; dos que trazem alegres novas de boas coisas.
Mas nem todos têm obedecido ao evangelho; pois Isaías diz: Senhor, quem creu na
nossa pregação?
De sorte que a fé é pelo ouvir, e o ouvir pela palavra de Deus.
(Romanos 10:8-17)
OBJETIVOS
• Analisar exegeticamente os textos do Segundo Testamento (NT).
• Estudar o processo de continuidade e descontinuidade do Primeiro com o Segundo Tes-
tamento.
• Compreender a diversidade teológica na unidade dos primeiros cristãos.
Introdução
capítulo 5 • 106
O evangelho retrata algo que nem os poetas nem os historiadores da Antiguidade ja-
mais pensaram em retratar; o nascimento de movimento espiritual vindo de dentro das
ocorrências diárias da vida contemporânea, que, assim, assume importância que nunca
teria assumido na literatura antiga. Ele é demasiado sério para ser comédia, demasiado
rotineiro para ser tragédia, politicamente demasiado insignificante para ser história, e a
forma que lhe foi dada tem tal cunho imediato, que nada existe de semelhante a ele na
literatura da Antiguidade. (MYERS, 1992, p. 135)
Quão graciosos, sobre os montes, são os pés do mensageiro, do que anuncia a paz, do
que proclama boas novas e anuncia a salvação, do que diz a Sião: o teu Deus reina.
O espírito do Senhor Iahweh está sobre mim, porque Iahweh me ungiu; enviou-me a
anunciar a boa nova aos pobres, a curar os quebrantados de coração e proclamar a
liberdade aos cativos, a libertação aos que estão presos, a proclamar um ano aceitável a
Iahweh e um dia de vingança do nosso Deus, a fim de consolar todos os enlutados, a fim
de dar-lhes um diadema em lugar de cinta e óleo de alegria em lugar de luto, uma veste
festiva em lugar de um espírito abatido.
capítulo 5 • 107
A Primeira Carta de Paulo aos Tessalonicenses é o primeiro escrito do Segundo
testamento (NT). Esta carta foi escrita entre os anos 50 e 51 da cidade de Corinto,
portanto, aproximadamente vinte anos após a morte de Jesus de Nazaré. Nela, o
Apóstolo usa esta expressão:
Depois que ouvimos acerca da vossa fé em Cristo Jesus e do amor que tendes a todos
os santos, pela esperança que vos está reservada nos céus. Dela já ouvistes o anúncio
da palavra da Verdade, o evangelho, que chegou até vós, e que em todo o mundo está
produzindo frutos e crescendo, como também entre vós, desde o dia em que ouvistes e
compreendestes em sua verdade a graça de Deus. (1 Ts 1:4-6)
Paulo usa muito a expressão evangelho, mas Marcos que trabalhou com Paulo
(At 12:25; Cl 4:10) foi o primeiro a escrever sobre Jesus Cristo usando este gênero
literário. Ele, Marcos exerce um grande protagonismo kerigmático, muito citado
no Segundo Testamento (At 12:12; 25; 13:1; 5; 13; 38; Cl 4:10; 2 Tm 4:11;
Fm 24; Pd 5:13). Então, segundo o kerigma este é o jeito, a linguagem ou o gêne-
ro para falar corretamente sobre Jesus Cristo.
SAIBA MAIS
Você poderá aprofundar seus conhecimentos sobre este tema, lendo as seguintes indi-
cações:
• Giuseppe Barbaglio. As cartas de Paulo. São Paulo: Loyola, 1989, p. 15-30.
• Ched Myers. O Evangelho de São Marcos. Grande comentário bíblico. São Paulo: Paulinas,
1992, p. 25-65.
Embora não possam ser classificados simplesmente a partir dos grandes tipos de escri-
tos (evangelhos, cartas, atos e apocalipse), alguns são mais recorrentes em um ou outro
grupo de livros.
capítulo 5 • 108
Não há uniformidade nem de identificação nem de nomenclatura dos diversos gêneros;
de modo semelhante, falta consistência na classificação de uma passagem num ou nou-
tro tipo de texto. Por outro lado, em virtude de o estudo dos gêneros ter derivado, em
seus inícios, do estudo das formas (como unidades mínimas que veiculam um conteúdo
tradicional), a categorização dos gêneros literários presentes no Novo Testamento inclui
por vezes também formas mais simples (por exemplo: sentenças e normas isoladas).
(LIMA, 2014, p. 193)
capítulo 5 • 109
Discursos
Palavra sapiencial
Palavra profética
Palavra em “Eu”
Discurso de adeus
Argumentação diatribe
capítulo 5 • 110
Lc 16:9-13; Rm 6:15-7; 6; Gl 5:1-15; 1 Cor 6:12-20; 1 Jo 4:77-21). Falando
diretamente ao destinatário o interpela, mas ressalta o falante (Rm 2:1-5; 17 :24;
9:14-33; 11:17-24; 14:4).
Parênese
Normas
capítulo 5 • 111
Parábola
Alegoria
Bem-aventurança
Maldição
capítulo 5 • 112
Catálogo
Discurso in genere
Sentença
Sumário
capítulo 5 • 113
Hinos
Em forma poética, é um louvor a Deus pelos seus feitos (Fl 2:6-11; Cl 1:15-
20; Ef 1:3-14; 1 Tm 3:16; 1 Pe 2:22-24; Ap 4:11; 5:9-10; 11:17-19; 12:10-12;
19:6-8).
Fórmulas de louvores
Doxologias
Confissão de fé
É uma fórmula breve que resume um conteúdo de fé (Rm 1:3-4; 1 Cor 15:3-5).
Por fim, o gênero literário apocalipse ou apocalíptico. Na concepção do senso
comum e até mesmo da religiosidade popular é o gênero das catástrofes, das tragé-
dias que anunciam o fim da criação. Mas segundo Lima:
capítulo 5 • 114
Exegese das cartas paulinas
Paulo nascido em Tarso da Cilícia por volta do ano 10 da nossa era (At 9:11;
21:39; 22:3) de uma família judaica da tribo de Benjamim (Rm 11:1; Fl 3:5).
Cidadão romano (At 16:37; 22:25-28; 23:27). Recebeu uma sólida formação re-
ligiosa de tendência farisaica na Escola de Gamaliel desde sua infância (At 22:3;
26:4; Gl 1:14; Fl 3:5). Perseguidor implacável dos primeiros cristãos (At 22:4;
26:9-12; Gl 1:13; Fl 3:6): a ponto de compartilhar com o assassinato de Estevão
(At 7:58; 22:20; 26:10).
Aos 26 anos, portanto, por volta do ano 36 da era cristã, fez uma experiência
de Jesus ressuscitado que transformou profundamente sua vida de perseguidor da
Igreja Primitiva em apóstolo do reino de Deus para os gentios (At 9:3-19; Gl 1:12-
15; Ef 3:2). A partir desta experiência de profunda conversão (metanoia), foram
31 anos de dedicação ao kerigma (Fl 3:12). Percorreu o Império Romano anun-
ciando a salvação universal do Deus bíblico em Jesus Cristo: tornando-se mártir
desta causa aos 57 anos de idade: no ano de 67 da era cristã na cidade de Roma.
Paulo é o paradigma exegético, apaixonado pela causa do Reino de Deus,
amor incondicional a Jesus Cristo e completa lealdade ao Deus bíblico serviu
aqueles que não pertenciam à antiga Aliança, sobretudo os mais pobres e necessi-
tados (Gl 2:10) a exemplo do mestre (Mt 9:10-13). É modelo também de como
iniciar uma comunidade cristã e mantê-la em permanente formação, formação
continuada, por meio de uma metodologia que os estudiosos da educação à dis-
tância hoje afirmam ser ele o iniciador da EaD. Com Paulo, o cristianismo passa
do kerigma oral para o kerigma escrito. Daí a necessidade da exegese do Segundo
Testamento (NT) iniciar por ele.
As “aparições” de Jesus ressuscitado que devem ser chamadas de revelações e
não aparições, têm uma função pedagógica (Mc 16:9-20; Mt 28:16-20; Lc 24;
Jo 20:21), pois aqueles que conviveram com Jesus de Nazaré por quase três anos
ainda não haviam chegado à fé cristã e estavam abalados pelo escândalo da cruz
(Lc 24,18-24; 1Cor 1,17-25). A revelação de Jesus de Nazaré ressuscitado, mas
Pentecostes (At 2:1-13) dão o toque final para a origem da fé cristã.
Então, aquela revelação de Jesus ressuscitado (“aparição”) é fundamental, se
para Maria Madalena e os onze Apóstolos ele se revelou logo após a morte, para
Paulo foram quase três anos depois (At 9:1-19). Tanto pelo contexto (persegui-
ção da Igreja) quanto pela forma (uma luz vinda do céu) da revelação a Paulo o
transforma no intérprete dos intérpretes. Aos apóstolos e à Maria Madalena, Jesus
capítulo 5 • 115
Cristo se revela ainda com as marcas da crucifixão (Jo 20:19-29). Paulo interpreta
e compreende a partir de uma luz que o cega (At 9:3-9).
Paulo escreveu treze cartas: Romanos (1), Coríntios (2), Gálatas (1), Efésios
(1), Filipenses (1), Colossenses (1), Tessalonicenses (2), Timóteo (2), Tito (1) e
Filemon (1).
As primeiras a serem escritas foram aos Tessalonicenses, comunidade que
Paulo evangelizou no verão do ano 50 (At 17:1-10). De Corinto, no inverno de 50
ou 51, Paulo escreveu a primeira Carta aos Tessalonicenses, enquanto evangelizava
esta comunidade (At 18,1-18). A teologia desta carta está centrada na ressurreição
de Jesus e na sua segunda vinda gloriosa (1 Ts 4:13-18). A segunda vinda de Jesus é
descrita na terminologia apocalíptica judaica e cristã. Em sintonia com o discurso
escatológico dos sinóticos, sobretudo Mt 24:25, Paulo insiste na vigilância (1 Ts
5:1-11), mas acalma a comunidade que está com medo, indicando que haverá
sinais anunciadores deste evento (2 Ts 2:1-12).
Aos coríntios, Paulo escreveu de Éfeso enquanto evangelizava esta comunida-
de, terceira viagem (At 19:1; 20:1), anos 54-57. A motivação foram questões tra-
zidas pelos membros da comunidade de Corinto (1 Cor 16:17), mais informações
por meio de Apolo (At 18:27; 1 Cor 16:12) e da família de Cloé (1 Cor 1:11).
Paulo havia escrito uma primeira carta que se perdeu (1 Cor 5:9-13).
Portanto: por volta da Páscoa de 57 (1 Cor 5:6; 16:5-9; At 19:21), diante de uma
nova crise, Paulo retorna em Corinto “para uma rápida e amarga visita” (2 Cor 1:23-
2; 1; 12:14; 13:1-2), prometendo um breve regresso para permanecer mais tempo (2
Cor 1:15-16). No entanto, um novo incidente que colocava em risco a presença de
Paulo nesta comunidade (2 Cor 2:5-10; 7:12) o levou a escrever uma terceira carta: a
Segunda aos Coríntios: em tom severíssimo e entre lágrimas (2 Cor 2:3-9) que produ-
ziu excelente efeito espiritual (2 Cor 7:8-13): isto no final do ano 57.
Na primeira carta, Paulo aborda temas cruciais para o cristianismo nascente:
divisões entre os fiéis (1 Cor 1:10-16); sabedoria mundana e sabedoria sapiencial
(1 Cor 1:17-31; a humildade do missionário (1 Cor 2:1-16), a verdadeira função
dos pregadores (1 Cor 3:1-4;13); admoestações contra falsos pedagogos e luxúria
(1 Cor 4:14-5;1:13), pureza dos costumes (1 Cor 5:1-13; 6:12-20), matrimônio
e virgindade (1 Cor 7:1-40), organização nas assembleias religiosas e celebrações
(1 Cor 11:12), dons (carismas) (1 Cor 12:1-14; 40), relacionamento com o mun-
do e tribunais pagãos (1 Cor 6:1-11), carnes oferecidas aos ídolos (1 Cor 8:10).
Sobretudo, o primado da caridade (1 Cor 13), o primeiro texto teológico sobre a
ressurreição de Jesus cristo e a ressurreição dos cristãos (1 Cor 15).
capítulo 5 • 116
Segunda coríntios aborda temas fundamentais como o ministério apostólico
(2 Cor 2:12-6;10); o tesouro em vasos de argila (2 Cor 4:7-15); a certeza da res-
surreição diante do temor da morte (2 Cor 4:16-5;10); a coleta (2 Cor 8:9); como
o verdadeiro missionário defende seu ministério (2 Cor 10:13).
Romanos e Gálatas são complementares, em Romanos Paulo aprofunda temas
levantados na epístola aos gálatas. Romanos foi escrita de Corinto, no inverno de 57
ou 58, e Gálatas de Éfeso ou da Macedônia, no ano de 57. Nestas comunidades, os
convertidos do judaísmo e do paganismo então prestes a entrar em rota de colisão.
Paulo acha por bem enviar com uma carta a Roma, comunidade que ele não fun-
dou, a diaconisa Febe (Rm 16:1), na qual explicita temas levantados aos Gálatas que
“representa um grito que parte do coração no qual a apologia pessoal (Gl 1:11-2;
21) se justapõe à argumentação doutrinal (Gl 3:1-4; 31) e às advertências veementes
(Gl 5:6-18)”. Romanos é uma explanação contínua de grandes secções conectadas
harmonicamente por temas como: confirmação de seu ministério (Rm 1:1-7), ações
de graças (Rm 1:8-15), gentios e judeus sob a ira de Deus por pecados iguais (Rm
1:18-2; 1:3-31), a justificação pela fé abraâmica (Rm 4:1-25), a salvação em Cristo
(Rm 5:1-21), a graça pela batismo (Rm 6:1-23), o cristão livre da lei na luta interior
(Rm 7:1-8; 39), a essência de Deus (Rm 9:1-33), a questão judaica diante de Deus
(Rm 10:1-21), o pequeno resto de Israel e a restauração futura (Rm 11:1-36), culto
espiritual e amor universal (Rm 12:1-21), submissão à autoridade civil, a caridade
como plenitude da lei e o cristão como filho da luz (Rm 13:1-14), amor pelos fracos
(Rm 14:1-15; 1 :13), confirmação de sua vocação, projeto de viagem missionária,
saudações, advertências e doxologia (Rm 15:14-16; 27). Romanos, pela sua gran-
deza e profundidade, representa uma bela síntese de quase toda a teologia paulina.
Não é uma síntese completa, mas uma excelente porta de entrada para a exegese e
teologia bíblica do Corpus Paulino.
Filipos era uma importante cidade da Macedônia, colônia do Império
Romano. Paulo evangelizou esta comunidade durante a segunda viagem, ano 50
(At 16:12-40). Retornou lá durante a terceira viagem, por duas vezes, outono
de 57 (At 20:1-2) e Páscoa de 58 (At 20:3-6). Esta comunidade patrocinou seu
trabalho missionário na Tessalônia (Fl 4:16) e em Corinto (2 Cor 11:9). Quando
escreve para agradecer-lhes Paulo está preso (Fl 1:7; 12:17).
Pouco doutrinal, mas com muita efusão do coração, troca informações, faz
advertência contra os maus operários que destroem o autêntico apostolado, so-
bretudo apela à unidade na humildade. Fl 2:1-11 é um hino cristológico sobre
a kenosis, revela o movimento de descida da Terceira Pessoa da Trindade até a
capítulo 5 • 117
humanidade, na encarnação no seio de Maria, a paixão e morte, a ressurreição e
exaltação na glória de Deus.
Efésios, Colossenses e Filemon também são escritos na prisão, provavelmente
a prisão de Roma de 61 a 63 (Fm 1:9.13.23; Cl 4:3.10.18; Ef 3:1; 4:1; 6:20). Estas
três epístolas formam um corpo teológico homogêneo de semelhança no estilo e
na doutrina.
Em Colossas a ameaça à fé cristã vem do que Paulo chama de “argumentos
capciosos” (Cl 2:4), “vãs e enganosas especulações da filosofia de tradição huma-
na” (Cl 2:8), sobretudo especulações judaizantes de poderes celestiais que coman-
dam o ritmo do cosmos (Cl 2:16-17). Paulo não nega esta dinâmica, mas afirma
o primado de Cristo, Kyrios na nova ordem cosmológica, no governo do mundo,
sua exaltação celeste colocou-o acima dos poderes cósmicos (Cl 2:16-23), pois em
Jesus habita corporalmente toda plenitude da divindade e nele fostes levados à
plenitude (Cl 2:9-15).
Cl 1:15-20 é outro hino cristológico que revela a divindade de Jesus e sua su-
perioridade sobre esses poderes celestiais que ameaçavam a fé colossense. Cl 3 foca
na ressurreição como jeito de viver e na força da caridade para o aperfeiçoamento
cristão (Cl 3:14-15). Cl 4 finaliza revelando a importância da oração para um
apostolado eficaz (Cl 4:2).
Filemon é contemporânea de Colossenses e Efésios, e como os escritos dos
profetas Abdias e Ageu é breve, são vinte e cinco versículos, mas o conteúdo é de
uma profundidade teológica imensa (Fl 8:14). Paulo pede a Filemon a reconci-
liação com um ex-escravo que lhe causou transtorno. Além de revelar uma igreja
doméstica que se reunia na casa de Filemon, as igrejas cristãs precisam retomar
esta prática; Paulo cita Marcos e Lucas neste escrito.
Timóteo 1 e 2, e Tito são teologicamente próximas, até porque duas delas
foram escritas da Macedônia (1 Tm 1:3; Tt 1:5). Lucas está com Paulo que soli-
cita também a presença de Marcos para a missão (2 Tm 4:11), imagine este trio
trabalhando pelo reino. Dirigidas a dois de seus mais fiéis discípulos (At 16:1; 1
Cor 2:13) estas epístolas, consideradas pastorais, dão diretrizes para a organização
e direção das comunidades que Paulo lhes confiou. O missionário tem o ofício de
ensinar e de governar na fé (1 Tm 3:2.5; 5:17; Tt 1:7-9), conservar a sã doutrina (1
Tm 1:10), guardar o depósito da fé (1 Tm 6:20; 2 Tm 1:14), evitar pseudoinova-
ções que levam ao enfraquecimento da fé (1 Tm 1:19), evitar fábulas e genealogias
sem fim (1 Tm 1:4-14), evitar também as polêmicas sobre a lei (Tt 3:9) e tomar
cuidado com o falso ascetismo (1 Tm 4:3).
capítulo 5 • 118
Exegese e os Evangelhos sinóticos: Marcos, Mateus, Lucas e Atos
dos Apóstolos
capítulo 5 • 119
Tm 4:11), razão pela qual sua teologia se fundamenta na teologia paulina (2 Cor
8:18).
No entanto, a exegese moderna entende que a ordem é Marcos, Mateus e
Lucas. Marcos teria escrito na Palestina e não em Roma, como afirma a tradição
eclesiástica. Sobre este debate afirma Myers:
No entanto, por motivos que ficarão claros no decorrer da minha leitura, prefiro adotar a
posição do número crescente de estudiosos que situam a produção de Marcos na pales-
tina setentrional ou perto dela; encaminho o leitor para a discussão de H. Kee sobre esta
tese como leitura posterior (1977: 176ss). Interpreto, pois, o significado dos latinismos de
maneira diversa; eles indicam de preferência a penetração linguística esperada nas esfe-
ras socioeconômica e administrativa da cultura colonizada da palestina. Minha descrição
sociopolítica obviamente deve focalizar condições existentes na Palestina agrária, que –
não é preciso dizê-lo – eram muito diferentes do Helenismo urbano. (MYERS, 1992, P.68).
SAIBA MAIS
Sobre este tema, convido você a ler o excelente livro de Ched Myers. O Evangelho de
São Marcos. Grande comentário bíblico. São Paulo: Paulinas, 1992, p. 7-121. Introdução e
capítulos um e dois. É uma sólida argumentação exegética em defesa da tese “moderna”.
Na base de tudo está a pregação oral dos apóstolos centrada em torno do kerigma que
anunciava a morte redentora e a ressurreição do Senhor. Esta pregação, da qual os
discursos de Pedro nos Atos dos apóstolos fornecem resumos típicos, era normalmente
acompanhada de relatos mais detalhados: primeiro, o da paixão, que bem cedo deve
ter adquirido uma forma estereotipada, como o atesta o paralelismo dos quatro relatos
evangélicos; depois, histórias tomadas da vida do Mestre, que ilustravam sua pessoa,
sua missão, seu poder, seu ensino pro meio de algum episódio ou palavra memorável,
milagres, sentença, parábola etc. além dos apóstolos, alguns narradores especializados,
como os “evangelistas” (categoria de “carismáticos”, que não se deve restringir aos qua-
tro autores dos nossos evangelhos; cf At 21:8; Ef 4:11; 2 Tm 4:5) narravam estas recor-
dações evangélicas de uma forma que tendia a fixar-se pela repetição.
capítulo 5 • 120
Sem demora, e sobretudo a partir do momento em que as testemunhas da primeira
hora começaram a desaparecer, surgiu a preocupação de conservar por escrito esta
tradição. Assim, os episódios referidos no começo de modo isolado e independente, ten-
deram a se agrupar, seja em ordem cronológica (o dia de Cafarnaum, Mc 1:16-39), seja
em ordem lógica (cinco controvérsias, Mc 2:1-3; 6), primeiro em pequenas secções,
depois em conjuntos maiores. Um autor, em quem nada impede de reconhecer com a
Tradição o apóstolo Mateus, compôs então um primeiro ’evangelho’, reunindo os feitos
e ditos de Jesus numa narração seguida, que abarcava todo o seu ministério terrestre,
do Batismo à Ressurreição. A este primeiro evangelho veio depois juntar-se a coleção
chamada S, de autor ignorado, que reunia outros ditos do Senhor, ou os mesmos sob
forma diferente. Estas duas obras, compostas em aramaico, foram logo traduzidas para
o grego e de diversos modos. A preocupação de adaptá-los aos irmãos de origem pagã
deve ter produzido uma nova forma do primeiro “evangelho”, que propusemos atribuir a
Mateus, forma nova que constituía um novo documento e que ia servir de base à tradição
marciana. Se a estas duas formas primitivas do evangelho provenientes de Mateus e da
coleção S ajuntarmos um outro evangelho arcaico que se presente na origem dos rela-
tos da Paixão e da Ressurreição em Lc e em Jo, obteremos quatro documentos básicos
para esta primeira das três etapas acima anunciadas. (BIBLIA DE JERUSALÉM, 1973,
p. 1276-1277)
Marcos
• Preparação do ministério de Jesus (Mc 1:1-13).
• Ministério de Jesus na Galiléia (Mc 1:14-7:23).
• Ministério de Jesus fora da Galiléia (Mc 7:24-10; 52).
• Ministério de Jesus em Jerusalém (Mc 11:1-13; 37).
• Paixão-morte: ressurreição e ascensão de Jesus (14:1-16; 20).
ATENÇÃO
O texto do evangelho de Marcos que temos é um segundo texto, pois o original se per-
deu. E Mc 16:9-29 é um acréscimo.
Mateus
• Nascimento e infância de Jesus (Mt 1:1-2; 23).
• “Promulgação do reino dos Céus” (Mt 3:1-7; 29).
• “A pregação do Reino dos Céus” (Mt 8:1-10; 42).
• “O ministério do Reino dos Céus” (Mt 11:1-13; 52).
capítulo 5 • 121
• “A Igreja: primícias do Reino dos Céus” (Mt 13:54; 18:35).
• O advento próximo do Reino dos Céus (Mt 19:1-25; 46).
• Paixão e ressurreição de Jesus (Mt 26:1-28; 20).
Corpus lucano
Lucas é uma obra de cristologia: o evangelho (Lc 1:1-3) no qual ele cita a fonte
oral (Lc 1:1-2) e a pesquisa nas fontes escritas (Lc 1:3). E os Atos dos apóstolos
(At 1:1-5) que é uma obra de eclesiologia e pneumatologia. Do capítulo um até
o doze, a ação do Espírito Santo na comunidade apostólica (At 1:12-2; 1:13; Lc
6:12-16 e Lc 8:1-3) as mulheres discípulas: juntamente com Maria mãe de Jesus.
Do capítulo seis até o capítulo quinze, Lucas revela a organização da comunidade
de Jerusalém e o primeiro Concílio em Jerusalém que abre para as missões com os
não judeus. Então, a partir do capítulo dezesseis até o capítulo vinte e oito, Paulo
assume o protagonismo.
Evangelho
• Prólogo (1:1-4).
• Evangelho da infância de Jesus e o primo João Batista (Lc 1:5; 2:51).
• Preparação do ministério de Jesus (Lc 3:1; 4:13).
• Ministério de Jesus na Galiléia (Lc 4:14; 9:50).
• Subida para Jerusalém (Lc 9:51; 19:27).
• Ministério de Jesus em Jerusalém (Lc 19:28; 21:38).
• Paixão e morte de Jesus de Nazaré (Lc 22:1; 23:56).
• Ressurreição e ascensão de Jesus (24:1-50).
capítulo 5 • 122
perdida, a dracma perdida e o filho perdida (filho pródigo). Esta última deve ser
chamada de parábola do Pai misericordioso. Lucas insiste no perdão (Lc 17:3-
4), na gratuidade (Lc 12:13-32), na bondade samaritana (Lc 10:29-37). Na sua
narrativa da ressurreição de Jesus, Lucas revela uma “aparição paradigmática (Lc
24:13-35). O crucificado ressuscitado caminha com seus discípulos, faz a exegese
dos textos bíblicos e partilha o pão.
capítulo 5 • 123
O quarto evangelho, sobretudo a partir do capítulo quatro desenvolve teolo-
gicamente os acontecimentos: a samaritana (Jo 4), a cura do enfermo na piscina
de Betesda (Jo 5), a multiplicação dos pães (Jo 6), cura do cego de nascença (Jo
9), a “ressurreição de Lázaro” (Jo 11), sobretudo o discurso da despedida, a vinda
do Paráclito (Jo14), a videira (Jo 15), novamente o Paráclito (16) e a oração da
unidade (Jo 17).
As duas conclusões deste evangelho mostram que a exemplo de Marcos
(16:9-20), houve um acréscimo, ou seja, uma segunda autoria (Jo 20:30-31 e Jo
21:24-25).
Segunda epístola
• João está com idade avançada (2 Jo 1:1-3).
• O amor é o centro da vida cristã (2 Jo 1:4-6).
• Os anticristos (2 Jo 1:7-11).
• Conclusão (2 Jo 12:13).
Apocalipse
• Prólogo (Ap 1:13).
• Sete cartas às igrejas da Ásia (Ap 1:4; 3:22).
• Deus entrega o destino do mundo ao cordeiro (Ap 4:1; 16:21).
• A punição da “Babilônia” e das nações pagãs (Ap 17:20).
• O reino de Deus (Ap 21:22).
capítulo 5 • 124
Como afirmamos, a apocalíptica cristã segue a teologia da apocalíptica judaica
(Dn) cristologizando-a. Não são cataclismas, terremotos, maremotos, tsunamis ou
epidemias como as pragas do Egito (Ex 7:8; 10:10). É uma leitura da irrupção do
transcendente no imanente, da presença de Deus na história humana, que pres-
supõe a conversão das pessoas e a transformação da realidade. Talvez sejam estes
dois aspectos que tanto amedrontam as pessoas má informadas teologicamente.
Daí a necessidade da leitura e do estudo deste livro para a orientação espiritual do
povo de Deus. O Apocalipse deve trazer a esperança da realização do reinado de
Deus na história humana, vivido e anunciado por Jesus de Nazaré. Assim somos
convidados a discernir separando o trigo do joio (Mt 13:24-30) ao ler os sinais
divinos nos acontecimentos históricos (Mc 13:24-32).
Esta epístola raramente teve sua canonicidade contestada, no entanto, sua au-
tenticidade foi questionada desde a Antiguidade pelo cristianismo ocidental. Se os
cristãos do Oriente a atribuíram a Paulo, não foi sem suspeitas de teólogos como
Clemente de Alexandria e Orígenes.
Segundo os especialistas, a linguagem e o estilo desta epístola são de uma pu-
reza elegante, que não pertence a São Paulo. Igualmente a metodologia de citação
do Primeiro Testamento (AT) não é de Paulo. Faltam o endereço e o preâmbulo
do início das cartas paulinas. Embora havendo ressonância doutrinal com a teolo-
gia paulina, os críticos católicos e não católicos são unânimes em reconhecer que
Paulo não é o autor desta epístola. Então quem é? São várias hipóteses teológicas:
Barnabé? Silas? Aristião? Apolo?
Há certa tendência em atribuir a autoria a Apolo, judeu alexandrino elogiado
por Lucas como eloquente, zelo apostólico e profundo conhecedor das Escrituras
(At 18:24-28), qualidades estas que aparecem na epístola aos Hebreus, sobretu-
do pela linguagem da cultura alexandrina (filoniana), “apologética de belo vi-
gor oratório”, com argumentação fundamentada na interpretação do Primeiro
Testamento (AT). Provavelmente escrita na Itália (Hb 13:24) entre os anos 63-67
para leitores convertidos do judaísmo.
Os destinatários, sacerdotes neoconvertidos (At 6:7)? deixaram a Cidade
Santa e se refugiaram no literal Cesaréia ou Antioquia, com saudades do culto
levítico do qual eles eram os ministros; e desiludidos com sua nova fé ainda pouco
firme e mal esclarecida, confundidos pelas perseguições que ela lhes causou, são
capítulo 5 • 125
tentados a voltar ao judaísmo. Contra tal apostasia é o objetivo principal do autor
da epístola aos Hebreus.
Além das três Epístolas de São João, outras quatro: Tiago, Pedro 1 e 2 e Judas bem
cedo foram reunidas numa coleção chamada de católicas. Este título é porque elas não
são dirigidas a comunidades ou pessoas particulares, mas aos cristãos em geral.
Tiago
Esta epístola teve sua canonicidade contestada até o século IV por teólogos
como Eusébio de Cesaréia, Tertuliano, Cipriano e Clemente de Roma; embora
Orígenes a reconheceu bem cedo como Escritura inspirada. Fato é que no final do
século quarto ela foi aceita no cânon.
Seu autor é Tiago “irmão do Senhor” (Mt 13:55; cf 12:46), protagonista da
comunidade de Jerusalém (At 12:7-15;13-21; 21:18-26; 1 Cor 15:7; Gl 1:19;
2:9-12) mártir por mãos dos judeus, no ano 62. Não é o Tiago filho de Zebedeu
(Mt 10:2) assassinado por mando de Herodes, em 44. Há controvérsia em identi-
ficá-lo como outro apóstolo de nome igual, o filho de Alfeu (Mt 10:3), os teólogos
antigos são contrários, os modernos ainda debatem. Gl 1:19 “foi interpretada em
ambos os sentidos.”
Outro problema é a questão da data de composição, alguns teólogos argumen-
tam que Paulo quis combater as ideias de Tiago, cuja epístola teria sido composta
entre 45 e 50, data que explica o caráter arcaico de sua cristologia. Outros defen-
dem sua composição no fim do século I ou início do século II, argumentando que
o caráter arcaico de sua cristologia não é pela antiguidade da composição, mas
por ser de ambientes judeu-cristãos, herdeiros da teologia de Tiago, o irmão do
Senhor, e “alheio à evolução da teologia cristã-primitiva.”
capítulo 5 • 126
Sobre o debate em torno da justificação pela fé Tg 2:14-26 versus Gl 2:15-20;
Ef 2:8-10 e Rm 3:27-31, outra hipótese é que Tiago entra em polêmica com Paulo
ou com os cristãos que distorcem o ensinamento paulino, então ele teria escrito
sua epístola pouco antes de morrer em 62, tese que confirma sua autenticidade,
mas o debate está aberto, até porque escrita em grego eloquente e de riqueza voca-
bular com senso de retórica (diatribe) para um galileu que deve ter tido ajuda de
um discípulo de excelente cultura helênica.
Ainda mais, esta epístola apresenta uma afinidade muito grande com escritos
do final do século I e início do século II como Carta de Clemente de Roma e
Pastor de Hermas. Aqui está um excelente tema para o trabalho exegético.
Pedro 1 e 2.
Escritas antes da morte de Pedro, 64 ou 67, mas finalizadas por Silvano (1 Pe
5:12) antigo companheiro de Paulo (At 15:22), depois deste acontecimento, sob
capítulo 5 • 127
as diretrizes de Pedro, dadas antes de sua morte. É escrita em grego aos cristãos da
diáspora das cinco províncias da Ásia menor (1 Pe 1:1).
De uma riqueza doutrinal imensa, é um escrito essencialmente prático cujo
objetivo é sustentar a fé de seus destinatários em meio às provações. É uma teo-
logia que estimula a corajosa perseverança nas tribulações, tendo Cristo como
paradigma (1 Pe 2:21-25; 3:18; 4:1). Os cristãos devem sofrer com paciência,
felizes se suas tribulações são por conta da fé e do estilo de vida cristã (1 Pe 2:19;
3:14; 4:12-19; 5:9). Retribuir o mal com o bem, praticar a caridade e obedecer
aos poderes públicos sérios (1 Pe 2:13-17); sendo mansos para com todos (1 Pe
3:8-17; 4:7-11; 19).
A segunda também se apresenta como sendo de Pedro (2 Pe 1:1), afirma ter
ouvido o anúncio de Jesus sobre sua morte (2 Pe 1:14), ter sido testemunha da
transfiguração de Jesus (2 Pe 1:16-18 e menciona uma primeira carta (2 Pe 3:1).
Dois são os objetivos desta segunda carta: a) alertar os destinatários contra os
falsos doutores (2 Pd 2:1-22; 3:3-10); b) responder à inquietação pela demora da
parúsia (2 Pe 3,8-18).
Judas
Aceita desde o ano 200 como inspirada, Judas irmão de Tiago (Jd 1:1) que
se apresenta também como um dos irmãos do Senhor (Mt 13:55), não necessa-
riamente seja o apóstolo que tem o mesmo nome (Lc 6:16; At 1:13; cf Jo 14:22),
pois ele se distingue do colégio apostólico (Jd 1:17), aqui temos um caso de
pseudonomia.
O objetivo desta epístola é desqualificar os falsos doutores que ameaçam a fé
cristã (Jd 1:5-16) e encorajá-los na fidelidade cristã por meio da oração, da san-
tíssima fé e esperança na misericórdia de Jesus Cristo (Jd 1:17-23). E doxologia
(Jd 1:24-25).
Conclusão
Em 2 Tm 3:16 Paulo afirma que “toda Escritura é inspirada por Deus e útil para
instruir, para refutar, para corrigir, para educar na justiça, a fim de que o homem
de Deus seja perfeito, qualificado para toda boa obra”. Neste voo panorâmico, bus-
camos uma didática que melhor lhe auxilie na leitura e no estudo deste patrimô-
nio espiritual da humanidade, cujo objetivo foi torná-lo um expertise conhecedor
da palavra revelada, para que vivendo-a, possa anunciá-la ao próximo em prol da
capítulo 5 • 128
construção de um mundo melhor, fraterno e justo que possibilite a chegada do reino
de Deus vivido e anunciado por Jesus de Nazaré, o Cristo de Deus.
ATIVIDADES
01. Leia o texto “Estudo sobre o evangelho de Marcos”. Disponível em: <http://docplayer.
com.br/33338681-Estudo-sobre-o-evangelho-de-marcos.html>. Acesso em: 2 fev. 2019.
Elabore um texto dissertativo, no qual você responda às seguintes questões: o que sig-
nifica evangelho? Por que Marcos é chamado de sinótico? Quem são os destinatários deste
evangelho? Qual a data provável de sua redação?
Critérios de avaliação da atividade
• Usar a linguagem padrão;
• Dissertar entre duas e três laudas;
• Citar as fontes consultadas.
02. Leia o texto sobre o quarto evangelho: Claudio Vianney Malzoni. Evangelho Segundo
João. Disponível em: <https://www.paulinas.org.br/pub/loja/livros_degustacao/532010.
pdf>. Acesso em: 4 fev. 2019.
Depois, elabore um texto dissertativo argumentando sobre o estilo literário do quarto
evangelho, sua relação com os sinóticos, diferenças e semelhanças.
Objetivos
• Conhecer a teologia do quarto evangelho;
• Comparar as teologias dos sinóticos e de João;
• Compreender a metodologia de complementariedade entre os quatro evangelhos.
Critérios de avaliação
• Elabore um texto dissertativo de duas a três laudas.
• Use a norma-padrão da língua.
• A elaboração do texto deve seguir as Normas da ABNT.
• Poste sua atividade acadêmica no ambiente de aprendizagem virtual indicado.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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EICHRODT, Walther. Teologia do Antigo Testamento. Hacnos, 2005.
capítulo 5 • 129
GOTTWALD, Norman K. As tribos de Iahweh. Uma sociologia da religião de Israel liberto. 1250-
1050 a. C. Ed. Paulus, 2004.
KOSTENBERGER, Andreas J.; PATTERSON, Richard D. Convite à interpretação bíblica. A tríade
hermenêutica: história, literatura e teologia. São Paulo: Ed. Vida Nova, 2016.
LIMA, Maria de Lourdes Correia. Exegese bíblica. Teoria e prática. São Paulo: Ed. Paulinas, 2014.
OSBORNE, Grant R. A espiral hermenêutica. Uma nova abordagem à interpretação bíblica. Ed. Vida
Nova, 2009.
Revista Dominicana de Teologia. Hermenêutica Bíblica. Ano III, 2008, n. 6. Ed. RDT, janeiro/julho
2008.
SILVA, Cássio Murilo dias. Metodologia de exegese bíblica. São Paulo: Paulinas, 2000.
TERRA, J. E. Martins. Teologia bíblica. São Paulo: Ed. Loyola, 1976.
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com/2015/05/the-emphatic-diaglott.pdf>. Acesso em: 14 dez. 2018.
HARRIS, R. Laird; JR, Gleason L. Archer; WALTKE, Ruce K. Dicionário Internacional de Teologia
do Antigo Testamento. Disponível em: <http://www.youblisher.com/p/1049698-Dicionario-
Internacional-de-Teologia-do-Antigo-Testamento/>. Acesso em: 11 dez. 2018.
RIBEIRO, Rafael. Exegese Bíblica. Disponível em: <http://www.ibnvf.com.br/wp-content/
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Santo Anselmo. Proslogion seu Alloquium de Dei existentia. Disponível em: <http://www.
lusosofia.net/textos/anselmo_cantuaria_proslogion.pdf>. Acesso em: 12 dez. 2018.
GABARITO
Capítulo 1
O aluno deverá elaborar um texto acadêmico entre duas e cinco laudas, demonstrando
que leu o texto de apoio sobre Teologia e Exegese bíblica. Leia o texto da Pontifícia Comis-
são Bíblica A interpretação da Bíblia na Igreja. E pelo menos mais dois textos citados no
corpo do texto de Teologia e Exegese bíblica. Assistindo às seis videoaulas indicadas para
essa atividade acadêmica, você compreenderá teologicamente a questão da leitura, da com-
preensão, da interpretação, da explicação e da aplicação da Palavra de Deus.
capítulo 5 • 130
Capítulo 2
01. O texto deve explicitar a importância da cosmovisão religiosa para os povos antigos, so-
bretudo do período em que os textos bíblicos do Primeiro Testamento (AT) foram elaborados.
Mostrar as semelhanças e diferenças da cosmovisão bíblica com os cosmovisões do
Oriente Próximo.
Capítulo 3
01. Gêneros literários; sinonímico; antitético; sintético; valorativo; sentença; macarismo; retó-
rica; poema didático epopéia; lista enciclopédica; hinos; súplicas; ação de graças.
Função dos textos bíblicos analisados nesta atividade acadêmica
Buscar um comportamento novo; esclarecer ideias; despertar a consciência crítica; apre-
sentar circunstâncias; estima ou reprovação de conduta; convicção generalizada; avaliar con-
duta moral; descrição do caráter; catalogação dos fenômenos da natureza ou das atividades
humanas; orações cúlticas ou celebrativas do povo de Deus.
Observação: ao abordar as funções dos textos bíblicos, o aluno deverá argumentar teo-
logicamente sobre a pertinência e relevância destes ensinamentos no contexto vital (sitz im
Leben). Igualmente explicitar quais ensinamentos são pertinentes e relevantes para os dias
de hoje (contextualização).
02.
• Explicitar a importância da interface teologia-literatura na óptica do autor;
• Esclarecer os pontos sobre os quais tem base o trabalho teológico de aproximação com o
universo literário, bem como o porquê de tal empreendimento;
• Mostrar a importância do humanismo na literatura e a importância do ser humano para
a Teologia;
• Estabelecer uma ponte real entre literatura e teologia, afirmando aspectos epistemológicos
no horizonte da teologia que demonstram seu real interesse em dialogar com a literatura;
• Por fim, explicitar que tanto para a Teologia quanto para a fé cristã Deus se revela na his-
tória da humanidade, e a literatura é uma das formas de compreender tanto o ser humano
quanto a revelação de Deus na história.
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Capítulo 4
01.
• Destacar o sitz im Leben;
• Estrutura do texto: 1 Isaías 1;39; Deutero-Isaías 40:55; Trito-Isaías 56:66;
• Mensagem principal.
02.
• Destacar a diferença entre as teologias sacerdotal e sapiencial.
• Explicitar as semelhanças com fontes literárias egípcias e mesopotâmicas.
• Realçar a natureza crítica do Livro de Jó no âmbito do universo teológico do segundo tem-
plo de Jerusalém, entre 516 a.C e 70 a.C.
Capítulo 5
01.
• Destacar a originalidade do gênero literário evangelho;
• Destinatários: gentios;
• Data da redação final por volta de 64;
• Mensagem principal: Jesus é o filho de Deus.
02.
• Destacar as características do estilo literário de João que são: a) o uso de uma lingua-
gem simbólica; b) a alternância dos gêneros literários poético e narrativo; c) a introdução de
parênteses ou interferências do narrador; d) o jogo de palavras com duplo significado e a
recorrência a mal-entendidos; e) a ironia; f) o uso de inclusões e g) o modo de expressão que
se caracteriza pela antítese;
• Explicitar as semelhanças e as diferenças entre João e os sinóticos: João parte da divinda-
de preexistente de Jesus na Trindade (Jo 1:1-14). Os sinóticos buscam revelar a divindade
de Jesus na sua humanidade.
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ANOTAÇÕES
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