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ESPACO DO CURRICULO, v:3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 MODOS DE GESTAO, CURRICULO E DESEMPENHO ESCOLAR Maria Cecilia Lorea Leite* Alvaro Luiz Moreira Hypolito* RESUMO: Este texto discute 2 relacdo entre democratizacio de gestéo, curriculo e desempenho escolar, com base em uma investigag3o de abordagem qualitativa, que visa analiser 0s modos e préticas de gestéo em escolas puiblicas municipais de Pelotas. Tem- se como referéncia trés estudos de caso, cujos modos de gestio sdo predominantes na rede, desenvolvidos mediante andlise documental, observacdes e entrevistas. Neste trabalho séo focalizados os dados relativos a ume das escolas, ¢ que mais progrediu em seu processo de democratizagio da gestdo. As andlises até o momento desenvolvidas podem indicar que os avangos ne democratizagio da gestéo realizados pela instituicSo escolar focalizada impubionam um curriculo com ceracteristicas de integracdo. Essa integracio pode, a nosso ver, estar implicada com os resultados positivos demonstrados pela escola quanto 20 desempenho escolar. Nese sentido o modo de gestéo democrético construido pela escola, apresenta um conjunto de préticas que podem ser consideradas como emergéncias em termos de democracia e de inovacdo pedagégica, PALAVRAS-CHAVE: gestdo escolar; modo de gestéo democratico; politicas educacionais; curriculo integrado; desempenho escolar. ADMINISTRATION STYLES, CURRICULUM AND EDUCATIONAL PERFORMANCE ABSTRACT: This text discusses the relation between the democratization of the administrative process, curriculum and educational performance, based on an investigation which uses @ {qualitative approach and which aims at analyzing the styles and practices of administration in municipal public schools in Pelotas. We take as a reference three case studies, whose styles of administration are considered dominant in the school system. The case studies involve documental analysis, observations and interviews. In this paper, we focus on data relating to ‘one of the schools, the one which showed more progress in the process of democratizing the process of administration. The analysis developed up to now may indicate that the progress in the democratization of administration achieved by the educational institution investigated promotes a curriculum which is characterized by integration, This integration may be related, in our view, to the positive results shown by the school in terms of educational performance. In this way, the democratic administrative style constructed by the school presents a set of practices that can be considered unsuspected outcomes in terms of democracy and pedagogic innovation, KEYWORDS: School administration, democratic administration styles, educational policies, integrated curriculum, educational performance. * Universidade Federal de Pelotas. ? professor Associado da Universidade Federal de Pelotas. ISSN 1983-1579 535) hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 INTRODUGAO Este texto discute a relaglo entre democratizagéo da gesto escolar, curriculo desempenho escolar, com base em uma investigaco de abordagem qualitativa em desenvolvimento, que visa analisar 0s modos e préticas de gest em escolas publicas —— Eee municipais de Pelotas. uri ees Entendemos por modos de gestdo as formas de produzir a organizac3o escolar, incluindo as relagdes politicas € os mecanismos de poder envolvidos nas préticas pedegdgicas da_comunidade escolar, as concepgies © praticas Curriailerés, bem como todas @ formas de organizagao do processo de trabalho na escola Esta conceituacdo de modos de gestéo pode ser utilizada para diferenciar do uso de termos como modelos e/ou tipos de gestéo, que tendem a uma dlassificago mais rigida ¢ haseada em tiods ideais. A descrigao de modos de gesto enseja uma anélise mais contingente, atenta @ dinamicidade e a0 hibridismo das prétices emergentes e das possivels auséncias nas praticas de gestdo, A pesquisa, em uma primeira etapa, foi desenvolvida por meio da utilizaco de grupos de discussio, privlegiando a coleta de informacdes por meio das interacdes grupais de grupos homagéneos e heterogéneos com a finalidade de explorar aspectos de consenso e conflito, jé conduida, O= participantes da pesquisa foram docentes diretores de escola, coordenadores pedagdgicos, e supervisores da Secretaria de Educacdo. Na segunda etapa, em andamento, esto sendo realizados estudos de caso em trés escolas, cujes préticas de gestéo representam os modos de administracéo escolar predominantes na rede, identificados na primeira etapa da pesquisa. Neste momento, estéo sendo realizadas anélise documental, observacdes ¢ entrevistas com representantes de todos 05 segmentos da COMUNIGEGE Escolar nas trés instituicSes investigadas, tendo como foco os mecanismos de participacao utilizados, considerando as dimensdes administrativa, pedagogica e financeira, Tem-se presente que gestio democrética de educacéo foi, pela primeira vez em nossa historia, estabelecida como um dos principios da educagéo nacional, na Constituicao Federal de 1988 e na Lei de Diretrizes e Bases da Educagio Nacional Lei 9394/96. Os textos legais estabelecem que os sistemas de ensino deverao assegurar as suas unidades escolares graus progr esto financeira, Além disso, prevéem que os sistemas de ensino devem definir as normas da gestéo democrética do ‘ensino public na educa¢o basica, de acordo com as suas peculiaridades e stendendo 20 principio da participacéo dos docentes na elaboracdo do projeto pedagdgico da escola e das ‘comunidades escolar e local em Conselhos Escolares ou equivalentes. © fato da gestio democratica de educagéo ter sido alcangada como dispositivo legal € constitucional, par-sisd. isto ndo garante que esta se efetive na prética, pois ela pode ser reinterpretada, perdendo, seguidamente, . Assim, entende-se que a democratizacéo da gestio escolar, & algo mais _préximo daguila_que resulta dos_embates em torno de seus signficados e aa formas como os preceitos legais e suas Nesse sentido, tem-se como desafio interpreter a implantacdo de politicas que, embors pensadas para um conjunto de unidades que compdem o sistema escolar, séo operacionalizadas em diferentes conteyias 2 por sujeitas diferentemente pasicionaras tanto. no sistemaescolar come nasociedade As andlises dos dados dos grupos de discusse € dos estudos de caso em escolas ‘apontam para essa complexidade e indicam que as politicas propostas foram constantemente ISSN 1983-1579 536 hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 egociadas, contextui r tras _pelavras, articuladas ere ‘articuladas. Foi possivel identificar trés modos de gestio predominantes no conjunto de escoles estudadas de Rede Municipal de Pelotes’. A Escola A, que apresenta um discurso pedagégico progressista, préximo do discurso pedagégico da Secretaria Municipal de Educacio (2001- 2004), propicia e incentiva a participaggo de todos os segmentos da comunidade escolar na tomada de decisdes em diferentes nives na instituigo, abrangendo, entre outras, questdes académicas, administrativas e financeiras. Possui um projeto de Escola e este busce a construgéo prética da democracia, A Escola B apresenta um_disc é¢ico formalmente_democrético _e sua gesto evidencia uma cbordagem tredicional, em que predomina a logica da eficiéncia © da organizacSo. As inicativas de gestio democratica so timidas e formals, predominantemente com base na delegaco, O PPP atende as exigénclas formais; no entanto,sSo observadas dificuldades de sua operacionalizago na pratica. A Escola C, no periodo 2001-2004, desenvolvia praticas de gestdo “indefinidas’, em alguns aspectos gutoritéria, com indicios de uma abordagem acministrativa de base individualsta e casuistica, ‘algm de pouco eficiente. O ambiente da Escola, caracterizado pela desorganizacio e desestrutucacdo, apresentava sinais sensiveis de falta da presenga efetiva d& equipe diretiva. Seu PPP carecia de clareza e de fundamentecéo. Por motivo de uma crise interna e de deficigncies graves na organizago e no controle, @ instituico escolar sofreu um processo de intervencdo da SME. A gestio atual apresenta caracteristicas de uma ptatica tradicional, com ‘acentuada concentraco de poderes, Neste trabalho s80 focalizados os dados relativos & Escola A, a que mais progrediu em ‘seu processo de democratizacao da gesto. Por meio de uma anélise, com base em Stephen Ball, Stuart Halls SasilBorastein, busca-se discutir se os avangos na democratizatao da gestéo podem impulsionar um curriculo integrado e quais as implicacdes dessa relagdo com resultados positivos quanto a0 desempenho escolar. AS POLITICAS DE GESTAO DEMOCRATICA E SEUS EFEITOS EM DIFERENTES CONTEXTOS Se, por um lado, a gest8o democratica esté definida como principio da educacdo nacional e foi incentivada em programas da politica municipal da cidade focalizade, por outro, mediante os dados da pesquisa, percebem-se, nas préticas de _gestéo das Escoles investigedas, diferentes formas e niveis de participago da comunidade escolar, distintos niveis de relagdes/interacdes entre os sujetos Ga Escola © entre esta e outros Orgdos e contextos definidores/produtores de politicas, bem como com a comunidade mais ampla. A implantaggo de determinadas politicas s80 operacionalizadas em diferentes contextos e por sujeltos diferentemente posicionados, tanto no sistema escolar como na sociedade, Ball arguments que as politicas sociais se realizam em diferentes contextos & indica que a anélise dessas politicas implica a avaliacfo de seus efeitos (1994, politicas educativas séo bastante complexas e impdem uma andlise entrelacada, que supere os modelos de anélise linear simples Messa linha de argumentaco, Ball mostra que essas politicas operam em determinados contextos, em trés diferentes contextos analiticos néo hierarquizados: © contexto de influéncia, 0 contexte da produco da politica como texto € 0 contextodapratica. SSS ea 2 as escolas estudadas da Redle Municipal de Pelotas foram as quarenta que estiveram representadas no Curso de POs-Graduagio em Gestdo Educational, realizado mediante convenio entre a Faculdade de Eicac0/UFPel e a Prefeitura de Pelotas, no periodo 2005-2006. ISSN 1983-1579 hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 Ball identifice que se deve atentar pare diferencas entre seus efeitos, de primeira e de segunda ordem, em um contexto de resultados, tanto em termos praticos quanto teéricos (1994, p. 25-26). Os efeitos primérios referem-se a mudangas que ocorrem no contexto da pratica, que podem ser evidenciados nos diferentes locais € no sistema como um todo. Os impactos dessas mudengas sobre os padres de acesso social, justice e oportunidades esto relacionados aos efeitos de segunda ordem. De acordo com o autor, outro contexto deve ser articulado a essa andlise, que é 0 contexto da estratégia politica cujo foco relaciona-se com a formulacdo de estratégias para as atividades sociais e politicas que efetivamente vo lidar com as desigualdades, Como esses contextos atuam em diferentes niveis recontextualizedores, no sentido de que um contexto que para uma politice macro, pode ser considerado contexto da pratica pode se metamorfosear em contexto de influéncie para uma politica mais micro. Os contextos ido so hierarquizados e estdo interrelacionados. No caso da Escola A, @ qual se identifica, como foi mencionado, com um modo de gestéo democratica, @ seguir queremos relacionar conte) ert, 7 de_gestio e curriculo, 0 que nada mais é do que discutir esses aspectos operando no contexto da pratica GESTAO ESCOLAR DEMOCRATICA: O CASO DA ESCOLA A Nos estudos da Escola A, pudemos identificar um forte grau de autonomia escolar em relago as politicas municipais. Nesta instituicéo é fécil de ser identificado a existencia de um -projato_desscote, ums discussdo preocupada com o projeto politico- pedagdgico © com a sua constante reavaliaco. Existe um debate freqiiente na Escola no sentido de caracterizar 0 seu projeto, o qual veri sendo examinado e construido ha mais de quinze anos, sobrevivendo ‘a muitas administragdes municipais. Isso demonstra que a escola faz a sua autonomia operar funcionar a favor da comunidade escolar e do seu projeto pedagd gic. Em nosses observages fice ressaltado que @ autonomia escolar consegue fazer com que a escola se mantenha relativamente independente dos contextos de influéncia gue esto constantemente agindo e mudando de onientacdo, de acordo com as diferentes administragSes. Isso nos leva a formular a hipstese de que quanto maior o greu de autol menor 0 grau de interferéncia do contexto de influéncia, o que ests associado e correlacionado com o grau de definigéo, legitimidade e articulagéo do projeto pedagégico junto & comunidade escolar. Como jé mencionado, essa autonomia exercida e esse distanciamento saudavel do discurso oficial, elaborado no contexto de influéncie, também tem repercussdes na gestéo democratice, ou melhor, é parte integrante da gestdo democrética e talvez no pudesse ser vislumbrado sem uma pratica democrética organizada, A escola em anélise vincula-se a um projeto de educagéo que se anroxima da que se tem chamado escola democrética Damesma forma que outras experiéncias, tais como Escola Plural, em Belo Horizonte, ou Escola Cidad, em Porto Alegre, o ceminho curricular proposto seguiu abordagens mais integradoras e articuladas 4 partir de eixos de interesse, nicleos tematicos, ou outras formas de designacdo para a orgarizacéo curricular (HYPOLITO, 2008). O que importa aqui é que todas essas experiéncias seguem um modo de rupture com a estrutura disciplinar, associado com a partilha do controle das regras de ordem discursiva* * De acordo com BERNSTEIN (2000), dois sistemas de regras regem o enquadramento: as regras de ordem social, que se referem as formas que, nas relagdes pedagdgicas, adotam as relacGes hierdrquicas e as ISSN 1983-1579 538 hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, ¥.3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 entre professores, alunos, coordenadores, ¢ pais. {importante destacer que modos de gestéo podem implicar em diferentes modos de ensinar, e em diferentes discursos pedagogicos. Nessa linha de argumentacao, nos valemos da teorbasiode Beratern (TS5G,ZOOUT pare subsidiar os estudos sobre gestio na instituigg0 escolar. Tendo como foco as regras subjacentes 4 construco social do discurso pedagdgico, a teoria bernsteiniana possibilita a investigacdo de agéncias ou instituigdes educacionais, seus discursos e praticas. Ainda, como afirma Lopes (2006), com base na teoria de Stephen Ball, a5 definicies politicas em uso no contexto da prética, ndo se constituem mera reproduc3o das definicSes politicas pretendidas ou reais, “hd limites e possibilidades nas escolas, para essas produces”, relacionados aos contetidos de mudanga em que atuam, as contingéncias, aos compromissos € 4 sua histéria (Lopes, 2006, p. 149), € complexo © processo de traduzir politicas em préticas, como argumenta Ball, (Mainardes; Marcondes, 2003). Estas s8o compostas de muito mais do que a soma de uma gema de politicas, so permeadas de valores_locais_e pessoais e, assim, envolvem intertextuslidade, implicam em decisées, expectativas, disputas, acordos, estabelecimento de consensos possivels. E interessante, nesta linha, recuperr alguns aspectos da histéria instituicdo escolar em foco. A Escola A foi criada no final dos anos 20 do sécula passada_ como Escola Rural, pelo intendente do municipio de Pelotas, identificando-se atualmente como Escola Municipal de Ensino Fundamental. Durante muitos anos, a Escola viveu a experiéncia de ter seus diretore 0 Poder Public Municipal. Bem conceituada no munkipio, @ Escola destacava-se no ‘cumprimenta de suas tarefas e pelas boas calasies comecomoritade escolar, Em 1982, quando, em Pelotas’, houve a primeira eleicao para diretores das escolas, publicas municipais, a instituico escolar vivenciou periodo de grandes conflitos, destacando- se dificuldades de relagBes com a comunidade, deteriorizaglo do espaco fisico, e indisciplina dosseusestudantes, “SSS Considerando incompativel com as normas estabelecidas @ candidatura da entéo diretora pelo fato de esta ser eposentada, e diante de problemas de relacionamento entre os integrantes da comunidade escolar, a Secretaria Municipal de Educago impugnou a urna interveio na Escole A. No inicio de 1989, a Escola A inicia uma nova fase, 2 partir da designagio de um diretor/interventar que, além de conhecimento e sensibilidade, tinha experiéncia de Educacdo nas classes populares. Com o seu afastamento, em 1990, foi realizado novo processo eleitoral. A diretora eleita, por sua vez, néo sé deu continuidade as inicietives positivas de seu antecessor, mas liderou alguns avangos, como mudancas administratives pedagdgicas, bem como reformas na érea fisica da Escola. A participaco dos pais dos estudantes nos debates sobre a5 dificuldades da instituiclo, nas reflexes sobre novos projegdes em termos de conduta, carater e boas maneiras; @ as regras de ordem discursiva que se referem 23 selego de conhecimentos, seqiiéncia, ritmo e critérios do conhecimento, cidade de Pelotas, como registramos em outros trabalhos, apresenta uma experiéncia historica no campo das politicas puiblicas de democratizagio da gest¥o escolar, Em 1983, no contexto das lutas pela redemocratizagio do pais, e atendendo 3 reivindicago do movimento dos professores, foi instituida, na rede municipal, a elei¢So dos diretores de escola com 2 garticipagio da comunidade escolar. Nos anos 90, atendendo as exigencias do Programa Dinheira Direto na Escola (PDDE), que exigia a participasao da comunidade escolar, na aplicagdo e controle desses recursos, a SME, com forte influ@ncia do Conselho Municipal de Educago (CME), incentivou a criago de onsets Escolares. ISSN 1983-1579 539) hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 projetos, € sobre melhorias, contribuiu para que passassem a se sentir integrantes da instituig80. Tal fato se refletiu de forma positiva na assiduidade dos pai é qualidade das relacdes entre os integrantes da comunidade escalar. Reflexos positivos dessas me &Teas TOTEM TEETRMEEGSS, MeTUsIve, no desempenho dos estudantes. Annova diretora, leita em 1994, inerementou a parceria da Escola com a comunidade € definia ages como Objetive-de-diminuir os indices de evaséo. Assim, foram criados no contexto da Escola A alguns projetos afinados com o cotidiano da instituigo, que propiciassem 4@ participacéo efetiva da comunidade escolar e atendessem as suas necessidades © 20s seus interesses. Como exemplo, uma das professoras entrevistadas da Escola A citou a realizacdo de oficinas pedegdgicas, o trabalho do dube de mées, a gincana do lixo, ¢ campanha da paz, 25 reunides de entrega de boletins, a palestras promovidas com especialistas na érea da educacio e da satide. A Escola seguiu nos anos subseqiientes da década de 90 2 nos anos 2000 sua trajetéria com base na vivéncia de seu Projeto Pedagégico, com énfase na educagso publica de qualidade, na gestio democratica ¢ participative, no pensar e decidir coletivamente, com 0 desenvolvimento de algumas iniciativas e estratégias importantes. Entre as iniciativas, destaca- se que, em 1997, bem antes do Projeto Politico PedagSgico ser exigido pela SME, com base na legislacdo pertinente, a Escola A construiu.o seu primeira Projeto Pedagdgico.o qual, desde entéo, passa por sucessivas periédicas avaliagSes no ambito da instituigéo, de forma a atender suas necessidades e seus novos projetos e desafios. € interessante observer algumes questdes norteadoras da avalia¢io, entre outras que surgem na trajetérie da instituicéo: “ [vu] fortaleceu-se 0 trabalho coletivo? [...] Existe coeréncia entre o que esté escrito no PPP da Escola © 0 que é feitol...]? O projeto leva os agentes da escola & reflexdo sobre [2] cidadania que se constréi no cotidiano? “ (Projeto Pedagégico, 2006). No que se refere estratégias, pode-se citer as reunides que visam a incentiver debates entre os docentes acerca da importénda de sua pratica educativa e de sua qualificacio, as reunides gerais mensais, em que se debatem questdes e problemas relevantes do cotidiano, as reunibes do Projeto Integrado, os conselhos de classe, a promocao de festas, passeios e comemoragées. Nessa sua caminhada, a Escola A tem desenvolvido acées inovadoras, como € 0 caso do Projeto Integrado, o da Lingua Estrangeira, a duracéo dos periodos de aula, a co-participago dos alunos nas aveliacdes das disciplinas e nas definig&es de contetidos. Como se pode perceber, s80 muitos os projetos que a instituico desenvolve. Considerando 0s objetivos e os limites deste trabalho, procurar-se-é focalizar, entre eles, 0 Projeto Integrado. © Projeto Integrado objetiva 0 trabalho coletivo, propondo uma disciplina que oportuniza momentos de integracdo entre diferentes profissionais e contetidos. Busca a transdisciplinaridade, numa escola onde 0 trabalho, de acordo com sua Proposta de Organiza¢ao Curricular, néo precisa ser realizado como mesmo formato (2007, p. 4). © trabalho no Pl. no exige dos professores um cumprimento de contetidos pré- estabelecides, pois quem dé 0 ritmo 2o andamento dos trabalhos so os préprios alunos. A idéia da Escola € de que a preocupacdo néo deve ficar vinculada somente & meta de vencer (05 contetidos, mas dar um significado 20 que é ensinado, ou seja, o que os alunos aprendem e porque aprender. © Projeto Integrado, que, atualmente, consta na base curricular da Escola como matéria obrigatoria, oferecido a partir da St série e estendendo-se também & EIA, teve origem em uma proposta que visava integrar algumas disciplinas a fim de tornar 0 ensino e a aprendizagem mais envolvente para os alunos de 52série. SS © nome, Projeto Integrado, baseia-se da crenga que a Escola possui na integracdo entre professores, disciplinas, contetidos e alunos. Sua proposta de trabalho e formataclo sao ISSN 1983-1579 540 hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 distintas com relago aos demais planos de estudos da organizacéo curricular da Escola, como por exemplo, carga hordria semanal de trés hores-aula, desenvolvida em um nico dia, nos ‘rs primeiros periodos do turno em que a série funcione e regido por cinco professores. Se, por um lado, o projeto interdisciplinar pretende romper berreiras de disciplines, por outro, no que se refere & selegdo de contetidos, dela participam os professores € os alunos ou, ainda, ‘em caso de assunto que for reconhecidemente importante na dinamica de fazer uma escola participative, qualquer membro da comunidade escolar, O trabalho no Projeto prioriza a busca do prazer de_descoberta € da divide no ato de aprender, envolvendo, nesta situago, tanto estudantes como 0s professores, Os contelidos ou temas desenvolvidos so definidos em reunides pedagigicas no final de cada dia de aula do P.l., tendo como base referencial os Temas Transversais e a descoberta de ebtos de discusso comuns entre os participes desse momento de trabalho. E possivel observer, nesse sentido, que, de acordo com a experiéncia focalizada, 0 didlogo entre conhecimentos disciplinares ¢ acompanhado de processos participativos entre professores e estudantes, os quais compartilham do controle da prética pedegdgica, que esta néo fice adstrita &s decisdes dos professores ou de autoridade externa. Atualmente, a Escola A possui, aproximadamente, quatrocentos e onze alunos, ¢ oferece os seguintes graus de ensino e séries: Pré-escola ~ Nivel 8; 12 & 8 série do Ensino Fundamental; Educagéo de Jovens e Adultos, 12/22 e 32 etapas, e 0 Projeto de Aceleraco de Estudos, 52/62 e 72/82 séries. Bernstein (2000) considera a Educago como uma instituicgo publica, basilar para a produce e reprodueao das injustices distributives. Argumenta que aspectos relacionados & forma, 20s contetidos, 20 acesso e 4s oportunidades de educagio trazem consequéncias ndo 6 para @ economia, mas podem enfatizar ou comprometer possibilidades de afirmacéo, motivagao € imaginacéo. Este parece ser 0 caso da Escola A, em que alunos, professores, gestores, pais, evidenciam auto-estima relacionada & possibilidade propicieda de gestdo compartilhada e de projetos construidos conjuntamente. © grupo de familias da comunidade escolar desta instituicdo ¢ bastante diverso, integrado por pessoas de diferentes racas, etnias, situacio econdmica e cultural. Na Escola ha expectativas de que 0 trabalho conjunto possa se traduzir em beneficios para os alunos. Assim, so enfatizadas as participacdes de pais e alunos no Projeto Re- pensando nossa Escala com reunides trimestrais por turmas, onde é realizada uma avaliago da Escola, bem como na avaliac3o anual da instituigao e das relagdes nela desenvolvidas, realizada mediante questionério, No ambito da instituicdo escoler, a teorizacdo de Bernstein contribuiu para descrever 0 modo de gestdo escolar, a dlassificagdo entre seu interior e o exterior, entre seus componentes curriculares, entre os diferentes segmentos da comuridade escolar, e no interior desses, Ainda, permitiy entender a légica interna de préticas pedagogicas desenvolvidas na Escola A, evidenciando a participagdo dos estudantes no controle, por exemplo, da selec3o de conhecimentos de disciplinas curriculares. De acotdo com os argumentos do socidlogo briténico, é possivel afirmar que em uma Escola com dassificagéo fraca entre as categorias de agentes © de categorias discursivas (disciplinas, contetidos curriculeres), os professores dialogam mais sobre o projeto pedagdgico, sobre o préprin— conhecimento, A organizaco dos docentes, estudantes funcionérios propiciada nessa condigo estabelece no contexto da Escola A uma base de poder alternativa, maior autonomia institucional, de forma que as linhas de poder tendem a ser bem mais complexas do que em uma instituiggo escolar cuja classificaclo entre o exterior e © interior seja forte, com demarca¢éo mais firme da hierarquia.do-conbecimento, entre a5 categorias discursivas do curriculo, e a5 relagées entre agentes. Nessa iiltima hipétese, os docentes, por exemplo, no estatiam incentivados @ estabelecer vinculos entre si para dialoger sobre 0 Projeto Pedagdgico da Escola, sobre suas préticas e os contetidos que transmitem, ao contrério do ISSN 1983-1579 S41 hhup://periodicos.ufpb.br/0js2/index php/rec ESPAGO DO CURRICULO, v3, 1.2, pp.535-547, Setembro de 2010 a Margo de 2011 que se observa de forma tio efetiva e produtiva na Escola A. Bernstein define 0 curriculo de integraco, em que as fronteiras entre as categorias discursives do curriculo so ténues, havendo a presenga de uma idéia integradora, como é possivel identificar na Escola A. Nesta, € possivel identificar um curriculo, no qual conhecimento estd composto por contetidos inter-relacionados a partir de um conjunto de idéias centrais e os integrantes da comunidade escolar envolvem-se em tarefes compartilhadas. Dessa forms, é possivel perceber no contexto da Escols A caracteristicas do desenvolvimento de ume prética pedagdgica que tem objetivos comurs, com base em seu projeto pedagdgico, e de critérios de avaliacéo semelhantes, que enfatizam o eprendizado de uma prética de democracia participativa Nessa direcdo, James Beane (2002), com base em sua abordagem investigativa, argumenta que 0 curriculo integrado, elaborado em torno de problemas e questies significativas identificadas tanto pelos docentes quanto pelos discentes, contemplando possibilidades de integra¢do pessoal e social e incentivando o trabalho colaborativo, a participao na prépria selecdo dos contetidos estudados, de forma a enfraquecer fronteiras de categorias que anteriormente se encontravam fortemente dassificadas, tende a resulter, segundo sua experiéncia de pesquisa, em melhores desempenhos dos slunos e em préticas mais democréticas na Escola, Este tem sido um indicedor que tem nos desefiado € no qual temos investido em nossa investigacio. Observarse, entre as trés escolas estudadas, resultados mais positives na Escola A, tanto no que se refere a melhor desempenho, menor evasdo e menores taxas de repeténcia®, quanto 20 que se refere 2 praticas participativas, & gest#o democrética Relacionando o curriculo integrado a outras iniciativas educaconais que aliam préticas « politicas democraticas, Beane (2002, p. 100) observa que estes tendem a superar a forca da autoridade centralizada e a enfatizar a planificaco curricular partilhada pelos professores € estudantes em sala de aula, o que entendemos, em uma gest3o democratica, inclua todos (05 espacos e dmbitos de deciséo da Escola, como se observa no caso da Escola A. Tendo em conta o exposto, é possivel afirmer que as anélises até 0 momento desenvolvidas podem indicar que 0s avangos na democratizacdo da gestéo realizados pela Escola A impulsionam um curriculo com caracteristicas de integragio. Essa integrago pode, a nosso ver, estar implicada com os resultados positivos demonstrados pele escola quanto 20 desempenho escolar. Nesse sentido, 0 modo de gestéo democrético construido pela escola apresenta um conjunto de préticas que podem ser consideradas como emergéncias em termos de democracia e de inova¢o pedagdgica. A escola esté atenta as possiveis auséncias, ‘© que faz com que haja embates constantes no cotidiano escolar, nos processos de articulacdo € re-articulacéo, criando um clima positivo no ambiente escolar que, @ nosso ver, tem favoreddo 0 bom desempenho dos estudantes, comparativamente a outres unidades escolares estudadas. REFERENCIAS BALL, S. J. Education reform: a critical and post-structural approach. Buckingham: Open University Press, 1994. BEANE, J. A. Integrago curricular: @ concepco do niicleo da educacdo democrética. Lisboa: Didéctica Editora, 2002, Vv, Tabela e Grticos anes. 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ISSN 1983-1579 544 hp:!/periodieos ufpb.br/oj32Vindex php/tee ESPACO DO CURRICULO, ¥-3, 1.2, pp.535-S47, Setembro de 2010 a Margo de 2011 GRAFICO 2 ~ INDICES DE APROVACAO, REPROVACAO E ABANDONO NO ENSINO FUNDAMENTAL DA ESCOLA “A” NO PERIODO 2000-2008 FONTE: Secretaria Municipal de Educagao de Pelotas NOTAS: 0 indice de abandono referente aos dados das escolas A, B e C, da Rede Municipal de Pelotas, inclui dados de cancelamento de matricula GRAFICO 3 - INDICE DE APROVAGAO NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS ESTUDADAS, ‘COMPARADOS COM DADOS DE PELOTAS, RS E BRASIL, ZONA URBANA, DEPENDENCIA "ADMINISTRATIVA MUNICIPAL, NO PERIODO 2000-2008 FONTE: Secretaria Municipal de Educagio de Pelotas. ISSN 1983-1579 545 hp://periodieos.ufpb.br/ojs2 ESPACO DO CURRICULO. v3, 2. pp. 7, Setembro de 2010 a Margo de 2011 GRAFICO 4 — INDICE DE REPROVACAO NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS ESCOLAS ESTUDADAS, COMPARADOS COM DADOS DE PELOTAS, RS E BRASIL, ZONA URBANA, DEPENDENCIA ADMINISTRATIVA MUNICIPAL, NO PERIODO 2000-2008 FONTE: Secretaria Municipal de Educacao de Pelotas ISSN 1983. hitp://periodieos ufpb.br 546 sis2/index php rec ESPACO DO CURRICULO. v3, 2. pp. 7, Setembro de 2010 a Margo de 2011 GRAFICO 5 — INDICE DE ABANDONO NO ENSINO FUNDAMENTAL DAS. ESCOLAS ESTUDADAS, COMPARADOS COM DADOS DE PELOTAS, RS E BRASIL, ZONA URBANA, DEPENDENCIA ADMINISTRATIVA MUNICIPAL, NO PERIODO 2000-2008 FONTE: Secretaria Municipal de Educago de Pelotas. NOTAS: 0 indice de abandono referente aos dados das escolas A, Be C, da Rede Municipal de Pelotas, inclui dados de cancelamento de matricula. ISSN 1983. hitp://periodieos ufpb.br S47 sis2/index php rec

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