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O CHARLATANISMO ÉTI- ANO UM

CO DE RENATO ARAGÃO: #0
DIDI QUER SER CRIANÇA.
QUEM CRIOU O RPG
MAKER? UMA QUESTÃO
ALÉM DA LÓGICA.
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O CHARLATANISMO ÉTICO
DE RENATO ARAGÃO:
PANOCU inc, ou Pau no Cu da Concorrência, oferece jornalismo de
qualidade, comprometido com a irrealidade e fidedigno ao absurdo.
Publicação idealizada pela famiglia Zinco, que não possui nenhum laço
com atividades irregulares como jogo do bicho e extorsão, surgimos com
o intuito de demonstrar o compromisso da mais tradicional família do DIDI QUER SER CRIANÇA
bairro da Looca com o bem estar da comunidade, e com o silêncio de
qualquer voz dissidente que a ela se oponha. Especial Cultural por Marcão

SAMA
Nossa equipe é empenhada em campos que não domina, busca o
imbuscável e realiza o surreal com o ímpar intento de trazer ao leitor
uma experiência imersiva nesta poça primordial que nasceu de uma

U
dissertação inacadêmica sobre a origem do queijo.
ma estreia pomposa, em alta glória,

RENATO
A incompatibilidade entre nossas reportagens e o mundo a nossa volta é
inaugura uma obra superficialmente
a substância de nossa ode ao assombroso.
digerível, porém densa e macabra em

FUTUO AEMULUS
seu âmago. Didi quer ser criança. Os
francos, audaciosos, traduziram o título como
“Le Fanfare de la Corruption” ou A fanfarra da
VERUM MENDAX

ARAGÃO
Corrupção. Os franceses, em seus culotes de
grife, conseguiram sintetizar em uma frase, tão
ZINCO DOMINUS ANIMALIBUS seca, incontáveis teses sobre qual seria o ver-
dadeiro intento daquela pitoresca película.
PANOCU INC
A premissa é simples. Didi (Doutor Renato Aragão), um coroa pro-
letário, faz parte da massa laboral de uma fábrica de doces. O patrão,
Seu Tião, o Ganancioso (Elias Gleizer), esculhamba qualquer resquício
NO EPISÓDIO DE HOJE
de legislação trabalhista, forçando seu único operário a produzir man-
03. O Charlatanismo Ético de Renato
ualmente toda a cota necessária para superar a concorrente multina-
Aragão: Didi Quer Ser Criança
cional do ramo de doces caramelados, Pirulito Dourado S.A - dotada de
09. Quadrinhos
linhas de produção automatizadas e algumas centenas de funcionários
10. Zeebo Jinsoo - A Morte de um Artista - que acabara de se instalar nas redondezas. A degradação
11. Paula Fortran: Esportes mental de Renato Aragão não tarda em tomar-lhe. A jorna-
13. Quem Criou o RPG Maker? Uma da de trabalho se torna tão exaustiva que até mesmo os seus
Questão Além da Lógica sonhos são tomados por doces grotescos, representados em
uma cena protagonizada pelo ex-presidente e chocólatra
Entre em contato pelas seguintes arrobas: Itamar Franco, coberto de pães
doces, dançando ao soar
@PanocuInc
das notas de um tango
@famosaducky @Vegeta_d_Bigode @virgulaleal espanhol.
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Em determinado momento, durante sua caminhada matinal em direção


à fábrica, Didi depara-se com o que foi feito um marco para muitos críti- Felipe, por outro lado, almeja alcançar a maioridade,
cos como o Grande Baluarte da Libidinagem Infantil: com intenções puramente egoístas. Sonhando em se debulhar nos
toques de uma fêmea, enquanto mais e mais portais pornográficos se
mostram incapazes de saciá-lo de sua puberdade frenética. O protagoni-
sta toma-se por decidido. Cabe ao trapalhão-mor realizar o ritual de
transfusão de alma, alcançado apenas ao compartilhar do
próprio sangue em sinistra comunhão. Após um frenesi
gore com inspiração clara no clássico A Noite dos Mor-
tos Vivos (George Romero - 1968), o pacto é selado.

felipe A película segue em passos


ébrios, tomando desdo-
brares temerosos, os
Felipe (Pedro Malta), um jovem de roupas largas e desleixadas, não hesita quais não são relevant-
em disparar cantadas invasivas contra damas de qualquer espécie. Seu es para a discussão aqui proposta.
repertório de galanteios cobre todo o espectro, de Show do Tom aos Após uma singela ex- posição do
fóruns de meditação. Não há sequer uma obra ou congregação da qual cerne da trama, é notório que o diretor
não fora extraída toda a malicia e luxúria possível, para que fosse posta busca retratar a existência humana como uma
em uso nas desesperadas investidas púberes do rapaz. Ainda assim, eterna angustia, saciada apenas por um cenário
Felipinho jamais obtém sequer sombra de sucesso em seus cortejos, e surreal criado pelo envelhecimento instantâneo
sobre isso queixa-se ao nosso protagonista durante o curto convívio que ou o retorno covarde à infância. Em verdade, A
então dividem pela primeira vez. obra é refutada por si mesma. As demandas, os
deveres e âmbitos sociais não são iguais para
Banhado de súbitas inspiração e todas as faixas etárias. Na vida de nosso pro-
compreensão, Didi enfim chega tagonista, eventualmente, se formam neces-
à catártica conclusão de que a sidades insaciáveis causadas pela ausência de
raiz de seus problemas é inerente um salário, ou de um par romântico. O mesmo
à sua maturidade. Se ao menos ocorre com Felipe, que ao adentrar a vida adulta
pudesse retomar os doces anos de sem completar sequer o 5º ano do fundamen-
sua infância, poderia livrar-se das tal, desprovido de documentos básicos como
garras de Tião e voltar a sonhar R.G, CPF e PSVITA, e até mesmo de uma fonte
tranquilamente, sem a intromissão de renda estável, se vê em inigualável frustração
de figuras políticas. de seus sonhos eróticos.
Seriam os sonhos de Didi diferentes
dos de qualquer outro assalariado?
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A farsa platônica sustentada pela perspectiva de uma melhora limitada


pela condição do homem é reafirmada nesta obra indigna. Em uma
tentativa de captar o público e forçá-lo a refletir seus mais profundos
sonhos e ambições nas personagens que, através de uma maracutaia
astral, alcançam o pleno êxtase é, no mínimo, uma canalhice doentia:

A tristeza inerente ao capital persegue nossos dois protagonistas. Um


deles, esmigalhado por uma carga de trabalho digna de um estudante
do ensino superior japonês, é moralmente coagido por seu patrão a
abandonar a própria dignidade em troca do sustento da fábrica, que por Em ultima instância, aquele que se
consequência, o sustenta. O outro, inundado por propagandas de cerveja satisfaz com o apresentado pela película
em horário comercial, torna-se aficionado por glúteos, e abandona sua só pode assim ser de dois modos: imerso
infância em uma insana busca pela posição de macho alfa, apenas para em uma nostalgia doentia ao ponto
falhar miseravelmente, abandonando os estudos e qualquer perspectiva de compartilhar dos ideais platônicos
de sucesso capital que não envolva tráfico de órgãos. A decapitação de distorcidos de Renato Aragão, ou envolto
Seu Tião e a estatização da Pirulito Dourado S.A é um horizonte que em um grau de ironia e autodepreciação
traria bem estar muito maior aos nossos heróis do que qualquer poção capaz de fazer da experiência tortuosa
mágica ou ritual carnal. um gracejo ao espectador que busca, no
fundo do poço existencial, divertir-se com
Incontestável contudo é a atenção aos detalhes dada pela equipe de
a decadência de todos os valores éticos
produção. Durante as cenas do jovem Renato Aragão, o diretor não utiliza
que talvez um dia a humanidade já tenha
equipamentos cinematográficos digitais como no resto do filme, preferindo
ostentado.
imagens em preto e branco. A aparelhagem reflete nostalgia
desregrada com maquinário da primeira metade do século.
O único som audível é o dos estalos do titilar do filme
nas roldanas do projetor. Tal discrepância tão dificultou
a edição do filme, que dois terços do orçamento foram
reservados para a equipe de montagem, enquanto o
E COM O QUE NÓS, AGRACIADOS
restante dava sustento às curiosas demandas de Renato
Aragão em seu camarim. Suas vontades consistiam de
COM RESQUÍCIOS DE SANIDADE,
histórias de ninar por antigas celebridades como Belchior
e Sergio Hondjakoff (o famoso cabeção), e carros novos para
PODEMOS SONHAR?
sua coleção de Hotwheels.
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PANOCU APRESENTA:
QUADRINHOS

UMA VEZ SONHEI QUE...


EU E O DIABO TÍNHAMOS APÓS A NOITADA
CONSEGUIDO UMAS FUI VER COMO ESTAVA EU OLHEI NO FUNDO DOS
NAMORADAS... MEU CAMARADA... OLHOS DELE E FALEI...
É FODA!

O FIM DA ERA DIDI


Talvez se tivéssemos mais autores con-
testando o Status Quo cinematográfico, a
Academia perceberia que 6 estatuetas pos-
sam ter sido um pouco demais. Mas afinal
de contas, esse é tão somente um sonho
platônico inconcebível.

O Charlatanismo Ético de Renato Aragão: Didi Quer


Ser Criança.
Texto: Marcão (@Vegeta_d_Bigode)
Arte: Rake (@rakeworld)
Edição: Virgula (@virgulaleal)
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ZEEBO JINSOO BEBÊS NO GERÚNDIO


A MORTE DE UM ARTISTA
Jornalismo investigativo por Betinha Morton
Por Paulo Geraldo
Bebês caminhando Bebês adiando Bebês executando

Q
Bebês brincando Bebês mandando Bebês beligerando
uarta Feira, 02:00, o Instituto Médico
Bebês sorrindo Bebês removendo Bebês tentando
Legal declara a morte de Daniel Miyu-
Bebês sonegando Bebês lendo Bebês observando
ra Oliveira, conhecido no submundo das
Bebês pensando Bebês ninando Bebês aprendendo
redes sociais como “Jinsoo”. Miyura, de
Bebês criando Bebês gritando Bebês querendo
apenas 19 anos, foi encontrado morto em
Bebês esperando Bebês rindo Bebês conquistando
seu apartamento de apenas um quarto na
Bebês praticando Bebês considerando Bebês dormindo
Looca, visívelmente vítima de um crime
violento, uma agulha de crochê cravada em seu peito.
A polícia declarou que o apartamento de Miyura teria sido invadido por
“viciados em busca de algo para vender”, mas o históri-
um co de “Jinsoo” e o estado de seu lar contam uma história ADORNO VENCE O SANTOS
sistema bem diferente. Miyura era um desenvolvedor de jogos Esportes por Paula Fortran
que, talvez pelo valor excêntrico, dedicara o trabalho de Nosso amado Atléticos da Looca conquistou mais um passo rumo à
conhecido sua vida a reviver um fracassado “console brasileiro” saída da série C nesta noite de quarta-feira. Os jogadores estavam
apenas da Tectoy, chamado Zeebo. Miyura, obstinado, trans- cansadinhos, mas concederam entrevista exclusiva no Bar do Amigos
formou o Zeebo, então incapaz de processar gráficos
como superiores aos de um Motorola V3, em uma “consola frente ao campinho.

“Zeebo de última geração” por meio de um sistema conhecido “AH MAS EU GANHAVA DO SANTOS, MANO!”
Jinsoo” apenas como “Zeebo Jinsoo”, o qual Miyura frequente-
mente demonstrava em seus perfis em redes sociais.
Disse Adorno, eterno zagueiro da ilustríssima seleção Looque, entre
copos de cerveja. Pelos índices de desempenho parece ser impossível
No apartamento de Daniel
negar que nossos meninos do Atléticos vão varrer o chão com os
“Jinsoo” Miyura a polícia en-
jogadores do Lepo Lepo da Barra Funda na próxima sexta. Apesar das
controu uma televisão, dois
mudanças na administração, os responsáveis pelo clube se recusam a
computadores portáteis, e
comentar sobre a possível contratação de Tite, então não vamos ficar
mais dezenas de milhares
comentando também.
de reais em eletrônicos in-
tactos. O que foi roubado de Uma nota da Subprefeitura da Looca:
Miyura? No apartamento do Noticiamos com pesar o adiamento da fase regional do Campeonato das
jovem brutalmente assas- Cidades Unidas (o C-U-zinho), devido ao forte período de chuvas no buracão
sinado não havia nenhum da Bavária; o caminho ficou interditado, e ninguém vai conseguir chegar
resquício da presença do lá— exceto o time da Bavária, que ficou ilhado na região e aguarda resgate
console Zeebo Jinsoo. Teria do corpo de bombeiros e/ou da guarda costeira. O Atléticos da Looca, que
o console nunca existido? jogaria contra os Bavários na quarta-feira, foi promovido por ser o único time
Ou estaria ele agora em outras mãos? que não estava ilhado, e segue na rodada para a próxima semana.
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QUEM CRIOU O RPG


MAKER? DA LÓGICA
UMA QUESTÃO ALÉM

Especial Teológico por Virgula, consultoria Paulo Geraldo

Q
uem criou o RPG Maker? Essa se tornou, ao longo dos anos, a prin-
cipal objeção à contracultura maker
global. Objeção aos criadores e joga-
dores, entusiastas e profissionais, servos da
grandeza do RPG Maker no mundo todo, se-
jam XP, VX ou 2k3; filhos e divindades, que
trazem vida, que aquecem
a senão frieza dos eventos
e tilesets que, em comum,
habitam tantos mundos tão diferentes.

A ferramenta provê para aqueles que criam. Mas


quem provê para a ferramenta? Felipe Neto Ro-
drigues (1988 - 2010), um famoso filósofo carioca,
fez essa pergunta pela primeira vez em seu primeiro
panfleto-cartilha, NÃO FAZ SENTIDO. Em sua obra
desorientada, Neto questiona o político e o arcano, e
acaba por retroceder, repetidamente, para a mesma
questão:

“O principal argumento em favor do RPG


Maker é o de que não faria sentido não
existir um período de criação, um começo.
[...] Mas a minha objeção é simples. Se o
RPG Maker 95 foi o começo, quem começou
o RPG Maker? “ [sic] -Rodrigues, 2009
14 15

A origem do Ao Oni precisa então ter sido sobrenatural, além do rpg, um


Maker - uma origem além do tempo-espaço-matéria. Tal origem não se-
ria sujeita às leis da entropia e da limitação de tilesets e eventos, e por-
tanto não necessitaria de um começo. Ou seja, a origem seria um criador
de jogos, um RPG Maker.
Por fim, a origem de Ao
Oni haveria de ser incriv-
E ele estava errado. Netis- elmente poderosa; basta
tas de hoje em dia, a prin- observar a pura extensão
cipal oposição ao movi- e energia que se encontra
mento maker, que usam de nesse jogo para entender
termos como “raciocínio”, a grandeza por trás dele, a
“lógica” e “método cientifi- grandeza de sua origem.
co” nas descrições de suas
crenças, acreditam que
o maior jogo de todos os
tempos - Ao Oni (noprops,
2008) - não teve nenhuma E SABE O QUE É GRANDE PRA UM CARALHO?
origem senão o mero nada!
Alguns admitem que essa é uma falha no dogma de Felipe Neto, mas
ainda defendem que dizer “foi feito no RPG Maker” não explica nada,
pois seria então necessário que se justificasse de onde veio o RPG Mak-
er. Seria essa uma objeção válida? Não, Felipe Neto. Seu imbecil. Asno.

QUAL DEVE SER A ORIGEM DE AO ONI?


A origem do Ao Oni precisa ter sido não-rpg.
Se a origem fosse um rpg, este estaria sujeito
às mesmas limitações materiais e de recursos
de qualquer outro jogo. Isso significa que essa
origem precisa ter sido criada em algum pon-
to, mas enquanto as origens forem rpgs, uma
O RPG MAKER MV
Tem 1800 MB, isso é 1.8 GB. Explica essa, ateu filho da puta.
cadeia insustentável de criação se estabelece.
O infinito não pode ser real, pode?

Quem criou o RPG Maker? Uma questão além da


lógica.
Texto, arte, edição: Virgula (@virgulaleal)
VOCÊ SABIA?
A PANOCU é uma zine mensal, e você
pode ter uma assinatura para recebê-la
em sua casa todos os meses.
Assine a PANOCU em:
www.catarse.me/panocu
Assinantes garantem que possamos
continuar pagando as contas e são
bem-vindos no clubinho secreto da
PANOCU, onde discutimos o futuro da
publicação.

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