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20 WILSON SUZIGAN

estudadas no capítulo 4, por outro lado, são aquelas que se desen-


volveram principalmente no período a partir da Primeira Guerra CAPÍTULO 1
Mundial , que representam o início da diversificação da produção í:
industrial.
Finalmente , a Conclusão apresenta uma reinterpretação geral Origens do
das origens do desenvolvimento industrial brasileiro e resume as
principais descobertas quanto às questões até ent ão pouco esclareci
das na discussão sobre esse assunto. Ao final do trabalho estão
- •
5
desenvolvimento
também incluidos três apêndices: o Apêndice 1 contém os resulta-
dos da estimativa dos indicadores do investimento industrial e a res-
;h
industrial brasileiro:
pectiva metodologia; no Apêndice 2 são apresentados os dados bá-
sicos para a análise empreendida no capítulo 2 sobre a proteção à • • •
principais interpretações
indústria interna de transformação; e, finalmente, no Apêndice 3
estão listadas as f ábricas de tecidos de algodão estabelecidas no
•••

) e questões não resolvidas
Brasil no per íodo anterior a 1905, quando foi publicado o primeiro
levantamento estatístico sistemático da ind ústria t êxtil algodoeira. ..
-
í
1.1 Introdução

Podem-se identificar quatro interpretações principais a res -


peito do desenvolvimento industrial brasileiro a partir de uma base
agrícola-exportadora: 1) a “ teoria dos choques adversos ” ; 2) a óti -
ca da industrialização liderada pela expansã o das exportações; 3) a
interpretação baseada no desenvolvimento do capitalismo no Brasil
(ou o “ capitalismo tardio ” ); 4) a ótica da industrialização intencio
-
nalmente promovida por políticas do governo. A primeira argu-
menta que a industrialização começou como uma resposta às di -
ficuldades impostas às importações pelos choques da Primeira
Guerra Mundial , da Grande Depressão da década de 1930 e da Se-
gunda Guerra Mundial. A ótica da industrialização liderada pela
expansão das exportações, por outro lado , pressupõe a existência
de uma relação linear entre a expansão do setor exportador (princi-
palmente café) e a industrialização; de acordo com esta interpreta-
ção, o crescimento industrial ocorria durante per íodos de expansão
5 das exportações ( principalmente caf é) e era interrompido pelas cri-
ses no setor exportador, as guerras e a Grande Depressão da década
de 1930. A interpretação baseada no “capitalismo tardio” propõe
que o crescimento industrial deu-se como parte do processo de de-
i
$
.
senvolvimento do capitalismo no Brasil De acordo com essa escola
*
de pensamento, a acumulação de capital industrial ocorreu junta-
mente com a acumulação de capital no setor exportador (caf é) nos
i-

.7
22 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 23

períodos de expansão das exportações. Neste sentido, esta interpre- , 1.2 As interpretações correntes sobre
tação poderia ser confundida como uma “ versão dialética ” da in- as origens do desenvolvimento industrial brasileiro:
dustrialização liderada pela expansão das exportações. Contudo,
uma resenha crí tica
ela difere desta ú ltima ao propor uma relação não-linear (ou “ con-
traditória ”) entre o setor exportador (café) e a indústria de trans- 1.2.1 A “teoria dos choques adversos”
formação: ao mesmo tempo que a expansão da economia cafeeira
estimulava o crescimento industrial , també m impunha limites a Os aspectos anal íticos fundamentais da chamada teoria dos
esse crescimento. Argumenta-se que a acumulação de capital indus-
trial era limitada porque estava subordinada à acumulação de capi-
choques adversos podem ser resumidos como segue A ocorrência .
de um choque adverso (crises no setor exportador , guerras, crises
tal no setor exportador , e esta última, por sua vez , estava subordi-
económicas internacionais) afetando o setor externo da economia
nada à acumulação de capital nos países centrais e à respectiva divi-
aumenta os preços relativos das importações e/ou impõe dificulda-
são internacional do trabalho. Além disso, afirma-se que a relação des à importação . Em conseq üencia , a procura interna , sustentada
entre o setor exportador (caf é) e a indústria de transformação era Si
'

por políticas econ ómicas expansionistas, desloca-se para as ativida-


contradit ória de duas outras maneiras: primeiramente , diz-se que '
•!
des internas substituidoras de importação. Duas versões desse argu-
os choques adversos de crises no setor exportador e da Primeira mento podem ser identificadas: a primeira pode ser chamada de
Guerra Mundial estimularam o crescimento da produção industrial “ versão extrema” do argumento dos choques adversos , enquanto
com base em capacidade de produção instalada em per íodos ante- que a outra refere-se específicamente à interpretação do desenvolvi-
riores de expansão das exportações; e, em segundo lugar , a politica
mento industrial brasileiro por Furtado (1963) e Tavares (1972). A
económica sob a égide do capital cafeeiro por vezes favorecia a acu- diferença básica entre as duas versões é que a primeira proclama-se
mulação de capital industrial. Finalmente, a quarta interpretação
erroneamente como uma “ teoria” de aplicação geral, enquanto
das origens do desenvolvimento industrial brasileiro , embora reco- que a an álise de Furtado e Tavares trata apenas do choque da
nheça um mercado para produtos manufaturados, enfatiza o papel
crise do caf é e da Grande Depressão dos anos 30 como um choque
de políticas deliberadas do governo para promover o desenvolvi-
mento industrial, especialmente proteção aduaneira e concessão de
adverso nos termos descritos acima .
No caso do Brasil, a versão extrema do argumento dos
incentivos e subsídios à ind ústria. choques adversos originou -se de estudos dos primeiros escritores e
Este capítulo discute essas interpretações e sua relevância
observadores contemporâneos da economia brasileira, os quais
para explicar as origens do desenvolvimento industrial brasileiro.
afirmaram que a ind ústria interna de transformação reagiu positi-
Essa discussão, no entanto, é necessariamente esquemática, pois
vamente às dificuldades impostas às importações pela Primeira
um estudo detalhado de cada escola de pensamento excederia os Guerra Mundial.2 Mais tarde, outros autores seguiram esse cami-
limites deste trabalho. Pela mesma razão, não é empreendida aqui
nho e estenderam a aplicação desse enfoque simplista a per íodos
a análise da subjacente economia política do desenvolvimento in- similares de choques adversos, como , por exemplo , a Grande De-
dustrial brasileiro .1 Finalmente, as principais questões ainda não pressão da d écada de 1930 e a Segunda Guerra Mundial .3 Entretan
suficientemente esclarecidas na discussão são listadas ao final do to, a proeminência alcançada pelo argumento dos choques adver-
-
capítulo como orientação para a an álise agregada do investimento
sos em sua versão extrema decorreu da influente interpretação do
industrial (capítulo 2) e para os estudos de caso de ind ústrias especí-
desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) latino-americano pela
ficas nos capítulos 3 e 4.

(2) Ver , por exemplo, o trabalho A evolução industrial do Brasil, publicado


em 1939 e reeditado em Simonsen (1973, pp . 5-52; ver particularmente, pp. 20
e 25-26.
(1) Sobre esse ponto , ver Luz (1975), Cardoso e Faletto (1979), Bresser Perei - .
(3) Ver Dean (1976, cap 6) para uma resenha . As cr í ticas de Dean, no entan-
ra (1981) e Aureliano (1981). to, são qualificadas mais adiante, neste trabalho.
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assim, à emergência da teoria da dependência para explicar o
Comissão Económica para a América Latina (CEPAL). A chama- .
4
desenvolvimento (ou subdesenvolvimento) latino-americano 6
da “ doutrina da CEPAL” é bastante conhecida e, para os propósi
- - Essa versão extrema do argumento dos choques adversos cer -
tos desta discussão, é resumida a seguir somente em seus aspectos tamente pode ser , e tem sido , criticada como uma teoria geral para
económicos fundamentais . cs
explicar o desenvolvimento industrial na América Latina , princi-
A base da doutrina económica da CEPAL reside no padrão .
palmente no Brasil 7 Não apenas houve crescimento industrial
de relações de comércio exterior entre os países do centro (indus- durante ciclos de expansão das exportações no per íodo de cresci-
trializados) e os países da periferia (América Latina). Esse padrão, mento voltado para fora , como também os efeitos dos choques ad-
segundo o argumento, criou uma divisão internacional do trabalho versos sobre a produção e o investimento industrial não foram t ão
que impôs aos países da periferia a especialização na produção de diretos quanto subentendido nesta versão extrema do argumento
produtos primários para exportação para os países do centro, os i .
dos choques adversos Na verdade, há muita controvérsia entre as
quais, por sua vez, supriam de produtos manufarurados os países várias escolas de pensamento sobre, por exemplo , os choques da
da periferia. Dentro dessa divisão internacional do trabalho, o Primeira Guerra Mundial, da crise do caf é e da Grande Depressão
padrão de crescimento dos países perif éricos era “voltado para da década de 1930 (por isso, esses períodos são discutidos em maior
fora ” , isto é , o setor exportador era predominante no processo de detalhe nas subseções 1.3.2 e 1.3.3 adiante). Entretanto, deve-se dei-
crescimento da renda interna , com a procura externa funcionando xar claro desde já que a interpretação do desenvolvimento indus-
como o “ motor do crescimento”. Nos termos da economia politi- trial brasileiro por dois expoentes do pensamento cepa íino (Furta-
ca da CEPAL, o “centro de decisão ” da economia dos países peri- do (1963 e 1970) e Tavares (1972)) não corresponde a essa versão
f éricos ficava fora desses paises, caracterizando-os como econo- extrema do argumento dos choques adversos. Ao contrário , a inter -
mias “ reflexas e dependentes ”. A especialização na produçã o e ex- pretação desses autores pode ser considerada como uma versão
portação de produtos primários era incapaz de estimular o desen- diferente desse argumento, e aplicada específicamente à década de
volvimento industrial. Porém , a mudança para um novo padrão de 1930.
crescimento, “ voltado para dentro” , somente seria possível através Tanto Furtado quanto Tavares fazem uma clara distinção
da industrialização. Essa mudança, de acordo com a doutrina da entre o tipo de desenvolvimento industrial ocorrido antes e depois
CEPAL, ocorreu à medida que as economias dos paises perif éricos da crise do caf é e da Grande Depressão da d écada de 1930. O de-
se ajustaram aos sucessivos desequilíbrios externos causados pelos senvolvimento industrial ocorrido antes da década de 1930 é consi-
choques adversos da Primeira Guerra Mundial , da Depressão da derado como um crescimento industrial induzido pelo crescimento
década de 1930 e da Segunda Guerra Mundial. No novo modelo de da renda interna resultante da expansão do setor exportador,
— —
crescimento voltado para dentro , a variável endógena investi-
mento industrial substitui a variável exógena procura externa como
.
principalmente de café. O desenvolvimento industrial que ocorreu
a partir da d écada de 1930, por outro lado, é caracterizado como
principal fonte de dinamismo e crescimento Com essa mudança, o
centro de decisã o da economia dos países perif éricos foi transferido
para dentro desses países. Assim , a industrialização traria 5mudan- (6) A discussão do processo de industrializa ção por substituição de importa-
ças nã o apenas económicas, mas também políticas e sociais. Subse-
ções (ISI), seus resultados e falhas, bem como do surgimento da teoria da dependên -
cia, n ão pode ser realizada dentro dos limites deste trabalho. Para uma análise cr -
íti
qüentemente, argumentou-se que a industrializa ção substitutiva de .
ca de ISI na América Latina, ver Hirschman (1968) e Tavares (1972) Com relação à
importações não efetuou mudanças substanciais, dando ocasião, -
•: í3
teoria da dependência, o enfoque do “desenvolvimento do subdesenvolvimento”
(Frank (1969)) é tido como uma “ mera reprodução radicalizada da problemática
cepalina e, por isso, não representa maior interesse teórico ” (Melo (1975, p. 13,
ênfase no original)). A teoria da dependência formulada por Cardoso e Faletto
(1979), no entanto, é de grande interesse. Para uma resenha cr
ítica dessa teoria, ver
Tavares (1974) e Mello (1975). Ver também Bresser Pereira (1982) , sobre o conceito
(4) Ver UN/ECLA (1951) e também Prebisch (1949) . de “ nova dependência”, e a subseção 1.2.3 adiante.
(5) Prebisch (1949) e UN/ ECLA (1951). Ver também Tavares (1972), Mello (7) Ver particularmente, o trabalho de Mello (1975).
(1975) e Versiani e Barros (1977 , Introdução).
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industrialização substitutiva de importações, estimulada pelo cho- .


atividades internas Na verdade, o crescimento económico estava
que da crise de caf é e da Grande Depressão e pelas polí ticas econó- ligado ao crescimento da demanda externa por produtos primários,
micas adotadas para combater a crise. Antes dos anos 30 havia uma o que caracterizava a economia agr ícola-exportadofa como “refle-
clara interdepend ência entre a expansão do com ércio exterior e o xa e dependente” (Tavares (1972, p. 31)).
desenvolvimento de atividades econ ómicas internas (Furtado A crise do setor externo da economia brasileira em 1929-32,
(1963. pp .^ 267-268)). O crescimento da renda propiciado pela causada pela crise do caf é e pela Grande Depressã o , é enfatizada
expansão das exportações criou um mercado para produtos iñanu- por Furtado e Tavares como um ponto de inflex ão no desenvolvi-
faturados, ocorrendo então um crescimento industrial para fabri- mento industrial brasileiro. Em contraste com o per íodo anterior , a
car bens de consumo para esse mercado. A princípio, a produção industrialização posterior à crise foi induzida principalmente pelas
industrial cresceu rapidamente para ocupar os mercados previa- mudanças estruturais causadas pelo declínio , ou crescimento insu-
mente satisfeitos por importações , dentro do processo que Hirsch- ficiente, do setor exportador (Furtado (1970, p. 131)). De fato, o
man (1961, cap. 7) conceituou como a “dinâ mica do engolir ” papel do setor exportador mudou: sua import ância relativa como
.
( import swallowing ) Subseq üentemente, o crescimento da produ- principal determinante do crescimento da renda interna diminuiu,
ção industrial tornou-se dependente do crescimento do mercado in- mas tornou-se estratégico para criar a capacidade de importar os
terno, o qual, por sua vez, dependia da expansão do setor exporta- bens de capital essenciais para o investimento na ind ústria de trans-
dor. Num est ágio posterior , o crescimento industrial também con- formação. Ao mesmo tempo, o investimento em atividades econó-
tribuiu para o crescimento da renda interna , ampliando assim o mer- micas ligadas ao mercado interno tornou-se o principal determi-
cado interno. Esse crescimento industrial, no entanto, é considera- nante do crescimento da renda. O fato de que tais investimentos
do, tanto por Furtado quanto por Tavares , como meramente uma puderam aumentar na década de 1930, quando a capacidade de
extensão da economia da exportação; seu desenvolvimento era importar declinou , é explicado pela redu ção do coeficiente de
limitado porque dependia, em última instâ ncia, do desempenho da importações em geral, e também pelas mudanças na composição das
economia agrícola-exportadora. Para sobrepujar essa dependência, importações como resultado da industrialização substitutiva de im-
o setor industrial teria que diversificar sua estrutura a fim de criar portações , com uma redução na participação de importações me-
sua pr ópria demanda, isto é, estabelecer as ind ústrias produtoras nos essenciais e um aumento na participação das importações de
de bens intermediá rios e de bens de capital. Por ém, essa diversifica- bens intermediá rios e bens de capital destinadas aos setores ligados
ção somente poderia ter ocorrido durante o período de crescimento ao mercado interno (Furtado (1963, pp. 267-270) e Tavares (1972,
voltado para fora com apoio de medidas adequadas de proteção . .
pp 32-34)) Portanto, é específicamente esta industrialização subs-
e incentivo por parte do governo, mas essas medidas não foram titutiva de importações que Furtado e Tavares caracterizam como
adotadas.8 uma resposta a um choque adverso específico, ou seja, a crise do
Portanto, o enfoque de Furtado e Tavares é essencialmente café e da Grande Depressão da década de 1930.
igual ao enfoque cepalino do crescimento voltado para fora, porém A evidência produzida neste trabalho ( capítulo 2, 3 e 4) ofere-
coma . diferença básica de que, para os dois primeiros autores, ce fortes indicações de que as análises de Furtado e Tavares são es-
a relação entre o setor exportador e as atividades internas é de inter- sencialmente corretas, embora algumas qualificações possam ser
dependência e não de antagonismo , de modo que pôde ocorrer um feitas. Primeiramente , esses autores subestimam o desenvolvimento
crescimento industrial dentro da economia primário-exportadora. industrial ocorrido antes de década de 1930. Embora a interpreta-
Entretanto, esse crescimento industrial, juntamente com o setor ção desse desenvolvimento como um crescimento industrial induzi-
agrícola de subsist ência , era insuficiente para dar autonomia às do pela expansão do setor exportador seja conceitualmente correta,
deve-se considerar que esse crescimento industrial não estava limitado

——
a bens de consumo e materiais de constru ção, como sugerido por
.
(8) Furtado (1970, caps 10 e 11) e Tavares (1972, pp . 29-34 e 59). Ver Furtado (1970) , mas incluía também a produção de insumos e bens
também Mello (1975, pp . 90-97). de capital leves para os setores agrícola-exportador e de transportes e
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.
para o processamento de produtos de exportação De fato, o desen- Quatro contribuições principais a esta escola de pensamento
volvimento industrial ocorrido nesse período provavelmente é mais podem ser mencionadas: as de Dean (1976) , Nicol (1974), Peláez
adequadamente descrito pela teoria do crescimento induzido por (1972) e Leff (1982), embora apenas as duas primeiras sejam real-
produtos básicos de exportação (ver seção 1.4 adiante). Em segun- mente relevantes. O trabalho de Peláez pode ser considerado como
do lugar , embora a ênfase na crise da década de 1930 como um uma interpretação de industrialização liderada pelas exportações
ponto de inflexão no desenvolvimento industrial brasileiro seja em- apenas no sentido em que critica o argumento dos choques adver-
piricamente correta, deve-se observar que a diversificação da pro- sos. No entanto, ele concentra-se na década de 1930 apenas, e espe-
dução industrial durante o período de crescimento voltado para cíficamente na interpretação de Furtado sobre o impacto da crise
fora já havia avançado significativamente, implicando que o cresci- do caf é e da Grande Depressão sobre a economia brasileira e nas
mento industrial já havia adquirido um certo grau de auto- .
políticas económicas adotadas para combater a crise O objetivo de
sustentação, ou seja, que a demanda não dependia inteiramente do Peláez era produzir uma crítica abrangente do argumento dos cho-
crescimento da renda relacionado às exportações (ver capítulo 3). ques adversos mas esse objetivo não foi atingido , uma vez que, co-
Portanto, embora retendo a crise do caf é e da Grande Depressão da mo discutido acima, a década de 1930 constitui o ú nico período que
década de 1930 como um ponto de inflexão na transi ção para uma pode ser satisfatoriamente analisado nos termos do argumento dos
economia industrial, é claro que essa transição começou antes da choques adversos (ver subseção 1.3.3, adiante, para uma discussão
década de 1930. da década e para uma análise detalhada da discussã o originada pela
Um comentário final refere-se à impropriedade de cr íticas ao contribui ção de Peláez). Sobretudo, Peláez n ão oferece explícita-
argumento dos choques adversos com base no impacto da Primeira mente uma interpretação alternativa do desenvolvimento industrial
Guerra Mundial sobre a economia brasileira , tais como aquelas fei- brasileiro, consistente com sua critica ao argumento dos choques
tas por Dean (1976, cap. VI). Fica claro, a partir da discussão aci- adversos. Ao contrário, argumentando com base em taxas relativas
ma, que Dean estava de fato criticando a versão extrema do argu- de retorno entre investimentos no setor exportador e nas atividades
mento dos choques adversos, incluindo indevidamente a análise de internas, Pel áez conclui que os programas de valorização do caf é
Furtado nessas críticas. distorceram essas taxas relativas de retorno em favor do setor ex-
portador , atrasando assim o desenvolvimento industrial brasileiro.
A contribuição de Leff (1982) també m é contradit ória, pois
1.2.2 A ótica da industrialização liderada ele afirma claramente que a expansão das exporta ções e o desenvol-
pela expansão das exportações vimento industrial no Brasil apoiavam-se mutuamente , e que “ o
desenvolvimento industrial do Brasil não necessitou de ‘choques
,

A intepreta ção do desenvolvimento industrial brasileiro ante- externos * como o rompimento das relações normais de comércio
M rior à década de 1930 por Furtado e Tavares poderia, em princípio, durante a Primeira Guerra Mundial” (pp. 178- 179 e 194). De acor-
K ser considerada como idêntica à interpretação desse desenvolvi- do com o mesmo autor , a expansão do setor exportador estimulou
mento como uma industrialização liderada pela expansão das o desenvolvimento industriai, fornecendo os meios para importa-
exportações. No entanto, esta ú ltima interpretação difere da de ção de insumos industriais complementares e os recursos para o de-
ÜÍ Furtado e Tavares ao estabelecer uma relação direta eñtre o desem- senvolvimento da infra-estrutura (principalmente ferrovias) e pro-
5L penho do setor exportador e o desenvolvimento industrial (signifi- movendo o crescimento da renda interna, criando assim um merca-
cando que a indústria se desenvolveu durante períodos de bom do interno para produtos manufaturados. Os choques externos não
desempenho das exportações e se retardou durante períodos de foram fatores determinantes, porque a imposição de tarifas adua-
crise no setor exportador) e ao caracterizar esse desenvolvimento neiras sobre as importações alterou “a relação interna de preços
?
u! industrial como um processo abrangente de industrialização, e não relativos em favor da ind ústria sem um colapso nas condi ções de
!:! limitado à produ ção de bens de consumo como uma extensão do comércio internacional ” (p. 195). Entretanto , Leff continua sua
íi setor exportador . análise fazendo as seguintes argumentações: que o Brasil não de-

«i
ill
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INDÚSTRIA BRASILEIRA 31

-
pendia das condições econ ómicas externas ( pp. 203 204; que o setor
dial favoreceu o crescimento industrial durante a década de 1930
exportador n ão tinha grande participação na procura e oferta agre-
( p. 117).
-
gadas da economia brasileira ( pp. 195 196); que a Primeira Guerra
A forma como o setor exportador (caf é) estimulou o desen -
Mundial estimulou a expansão da ind ústria de transformação
volvimento industrial é similar , é claro, nas an álises de Dean e
brasileira (p. 206); e que o menor impacto da Grande Depressão da
Nicol. O comércio do caf é lançou as bases para o desenvolvimento
década de 1930 sobre a economia brasileira e sua rá pida recupera-
industrial por vá rias razões: em primeiro lugar , ao promover a mo-
ção resultaram da implementação de políticas monetária e fiscal ex -
pansionistas ( p. 206), o que, em essência, corresponde exatamente netizaçã o da economia e o crescimento da renda interna , o caf é
à análise de Furtado para a d écada de 1930 , embora Leff sequer criou um mercado para produtos manufaturados; em segundo, ao
promover o desenvolvimento de estradas de ferro e o investimento
mencione a política de defesa do café. Ele se contradiz ainda mais
ao afirmar que “ a experiência do Brasil durante a guerra (Primeira -
em infra estrutura, ampliou e integrou esse mercado; em terceiro,
Guerra Mundial) demonstrou que, muito antes da década de 1930,
ao desenvolver o comércio de exportação e importação, contribui
o desenvolvimento económico do país poderia ser mantido apesar
para a criação de um sistema de distribuição de produtos manufa -
turados; e , em quarto, ao promover a imigração, aumentou a ofer-
de uma forte contração no setor externo ” (p. 207). Portanto, a
análise de Leff sobre o desenvolvimento industrial brasileiro é -
ta de mão -de obra. Além disso , a exportação de café supria os re-
cursos em moeda estrangeira para a importação de insumos e bens
bastante inconsistente, podendo ser deixada de lado na presente
de capital para o setor industrial (Dean (1976, cap. 1) e Nicol (1974,
discussão.
passim ). Entretanto, Nicol enfatiza o papel do Estado nesse proces-
Dean (1976) e Nicol (1974),9 por outro lado , oferecem contri-
buições consistentes e substanciais, pois estabelecem uma relação
so, ao passo que Dean (p. 17) o minimiza.
A mais significativa contribuição de Dean , no entanto, é o seu
direta entre a expansão das exportações de caf é e o desenvolvimen - estudo das origens do capital e do empresariado industrial. Ele sa-
to industrial no Estado de São Paulo. Afirmam que, em anos de
bom desempenho das exportações, o desenvolvimento industrial
lienta que os cafeicultores investiram em bancos, estradas de ferro,
avançou e que, em anos de fraco desempenho das exportações , o
promoção de imigração e , em menor escala, na ind ústria de trans -
formação. Contudo, o papel mais importante coube aos importa-
-
desenvolvimento industrial atrasou se. Ambos concluem que a Pri - dores e imigrantes ( “ burgueses imigrantes ” , de acordo $om Dean),
meira Guerra Mundial interrompeu um processo de desenvolvi - principalmente ao grupo social formado pela superposição dessas
mento industrial que estava em andamento antes da guerra (ver
subseção 1.3.2, adiante, sobre a controvérsia e a respeito da Pri -
duas categorias. Segundo Dean, o capital estrangeiro não teve par -
ticipação importante no investimento industrial ( pp. 120-121), e o
meira Guerra Mundial e o desenvolvimento industrial). Entretanto,
eles têm pontos de vista diferentes quanto à d écada de 1930 Para . papel do Estado , como mencionado acima , também não foi impor -
tante, segundo ele próprio afirma. Nas décadas de 1920 e 1930, o
Nicol, a relação direta entre o desempenho do setor exportador
(caf é) e o desenvolvimento industrial é vá lida para o período ante-
reinvestimento de lucros industriais foi uma importante fonte adicio-
nal de recursos para formação de capital industrial. No entanto, Dean
rior à década de 1930, que, embora não estudada por esse autor , é
afirma que n ão houve uma r ápida acumulação de capital industrial
vista como um período de industrialização substitutiva de importa
ções. O enfoque de Dean , por outro lado, é mais radical. Ele esten-
- nessas duas décadas (p. 124). Nicol , por outro lado , não oferece
qualquer evid ência convincente sobre as origens do capital e do em-
de a rela ção direta entre café e desenvolvimento industrial à década
presariado industrial , mas argumenta que a participação do capital
de 1930. Consistente com seu ponto de vista , Dean afirma que a cri - estrangeiro foi importante e que o Estado também desempenhou
se do caf é e a Grande Depressão “quase paralisaram as ind ústrias
um papel importante, principalmente no desenvolvimento das
de São Paulo ” em 1930 (p. 194) e critica a idéia de que a crise mun - estradas de ferro e da ind ústria sider ú rgica .
Essa interpretação, especialmente a opiniã o mais radical de
(9) A tese de Nicol foi trazida ao meu conhecimento por Luiz Carlos Bresser Dean, é certamente t ão inaceit ável quanto a versão extrema do
Pereira, pelo que lhe agradeço . argumento dos choques adversos. Ao admitir a exist ência de uma
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relação linear entre o desempenho do setor exportador e o desen- tfincia desta doutrina para o entendimento da peculariedade do de-
volvimento industrial , Dean ignora as mudanças estruturais funda- senvolvimento económico latino-americano, e mesmo aceitando o
mentais causadas pela crise do caf é e da Grande Depressão da dé ca- postulado de que o desenvolvimento industrial latino-americano é
da de 1930, ao passo que Nicol , como mencionado acima, aplica a específico (isto é, de uma economia perif é rica) , a ótica do capitalis-
interpretação da industrialização liderada pelas exportações apenas mo tardio refuta o caráter reflexo atribuído às economias latino-
ao período anterior à década de 1930. Porém, ambos deixam de .
americanas pela doutrina da CEPAL Incorporando o conceito de
notar as mudanças qualitativas estimuladas pela Primeira Guerra dependência 11 formulado por Cardoso e Faletto (1979), a ótica do
Mundial , como discutido adiante (subseção 1.3.2). Em favor de capitalismo tardio sugere que o desenvolvimento latino-americano
Dean e Nicol est á a percepção que tiveram das variadas conexões (particularmente o brasileiro) é um desenvolvimento capitalista ,
entre o comércio de caf é e o desenvolvimento industrial Também . determinado primeiramente por fatores internos e secundariamente
fica a crédito de Dean a sua discussão a respeito das origens do por fatores externos. Assim, enfatizando que a transição do
capital e do empresariado industrial. No entanto , estes pontos de trabalho escravo para o trabalho assalariado dentro da econo-
vista foram qualificados pela interpretação baseada no desenvolvi- mia primá rio-exportadora marca a emergência de um novo modo
mento da capitalismo no Brasil (ou o “ capitalismo tardio ” ), a qual
visualiza o desenvolvimento industrial como parte do processo de
dc produ ção — —
capitalista , a ótica do capitalismo tardio subs
titui a tradicional dicotomia fatores externos versus fatores inter-
-
acumulação de capital no setor cafeeiro, e os cafeicultores e os nos como motores do crescimento, por uma interpretação que
importadores-imigrantes como os agentes sociais desse processo, visualiza o crescimento industrial como primordialmente um resul-
como discutido a seguir. tado do processo de acumulação de capital no setor agrícola expor -
tador , o qual , por sua vez, depende da procura externa Da mesma .
forma, a tradicional periodização cepalina, que propõe um período
1.2.3 A ótica do “capitalismo tardio” de crescimento voltado para fora até 1929 e a transição a partir dos
anos 30 para um crescimento voltado para dentro em conseqiiência
Uma grande contribuição para o estudo do desenvolvimento da crise no setor exportador, é substituída por uma periodização
industrial brasileiro é aquela prestada pela interpretação desse
desenvolvimento em termos da evolução do capitalismo no Brasil.
que enfatiza a transição da economia colonial para a mercantil na -
cional baseada no trabalho escravo e, subseqüentemente, para a
A análise baseia-se na expansão da economia exportadora de café economia capitalista exportadora. Foi nesta última fase, especial-
do Estado de São Paulo. As principais contribuições são as de Silva mente entre fins da década de 1880 e a de 1920, que se deu a origem
(1976), Mello (1975), Tavares (1974), Cano (1977) e Aureliano c consolidação do capital industrial.12
(1981). A discussão que se segue enfatiza o contraste entre esta in- De acordo com esta interpretação, o capital industrial origi-
terpretação e: 1) a tradicional doutrina da CEPAL; e 2) a interpre-
tação da industrialização liderada pela expansão das exportações,
-
nou se na década de 1880, na esteira de um rápido processo de acu-
mulação de capital no setor exportador de café. Por essa época, a
bem como o processo segundo o qual ocorria a acumualação de introdução da máquina de beneficiar caf é e a construção de um sis-
capital industrial e as caracter
ísticas do desenvolvimento industrial tema de transporte ferroviário já haviam contribuído para melho-
alcançado.10 rar a qualidade do caf é e reduzir os custos de transporte, estimulan-
A interpretação do desenvolvimento industrial brasileiro se- do assim a acumulação de capital e aumentando a procura de mão-
gundo a ótica do capitalismo tardio é essencialmente uma revisão
da doutrina cepalina tradicional. Embora reconhecendo a impor-
(11) Particularmente a visão de Cardoso e Faletto com relação ao desenvolvi -
-
mento econó mico latino americano como sendo o desenvolvimento do modo de
produ ção capitalista, e sua sugestão de que esse desenvolvimento, após o per í odo
(10) Esses são tópicos que interessam à presente discussão. Uma resenha colonial , foi determinado, primeiramente, por fatores internos e, secundariamente,
-
detalhada dessa interpretação não poderia , é claro, ser feita de modo adequado den
tro dos limites deste trabalho.
por fatores externos . Ver Mello (1975, pp. 15-16).
(12) Ver , particularmente, Mello (1975, cap. 2).
34 WILSON SÜZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 35

de-obra. Estas duas novas atividades empregavam trabalho assala- Afirma-se também que a relação entre o capital cafeeiro e o
riado, e os cafeicultores estavam crescentemente voltando-se para o capital industrial ê contraditória. As contradições derivam da su-
emprego de trabalho assalariado nas plantações, uma vez que o tra- bordinaçã o do capita] industrial ao capital cafeeiro , e da subordi-
balho escravo era escasso oneroso e já prenunciava a aboli ção da nação deste ao capital internacional. O capital industrial depende
.
escravidã o A solução encontrada para a escassez de mão-de-obras do capital cafeeiro em dois aspectos cruciais: para gerar a capacida-
foi a promoção da imigração de trabalhadores livres , completándo- de de importar máquinas e equipamentos industriais, assim como
se assim a transição para a economia capitalista exportadora de ca- bens dè salário para a reprodução da força de trabalho, e para criar
.
fé Foi esta economia que criou as condições favoráveis para a um mercado para produtos industrializados. O capital cafeeiro,
emergência do capital industrial . Essas condições compreendem a por sua vez , dependia da demanda externa por caf é. Embora a rá-
prévia acumulaçã o de capital para investimento no setor industrial , pida acumulação de capital cafeeiro estimulasse a acumulação de
1
a formação de um mercado de trabalho livre, a criação de um mer- capital industrial, esta era contradit ória à acumulação de capital
cado interno para produtos industrializados e a capacidade de my cafeeiro (o qual é predominantemente mercantil) e à posição subor-
importar bens de salá rio, matérias-primas e maquinaria (Mello dinada da economia brasileira na economia mundial, posição essa
(1975, pp. 79-82 e 101-102) e Silva (1976, pp. 97-100). que implicava a especialização da economia brasileira na produção
Nesse contexto, o capital industrial é visto como uma exten- de produtos prim ários para a exportação, dentro da divisão inter-
são do capital cafeeiro e como parte do “complexo exportador de nacional do trabalho. Assim, o desenvolvimento do capitalismo
caf é ” , o qual inclui a produção e o processamento do caf é , o siste- baseado no comércio do caf é ao mesmo tempo estimulou o desen-
.
ma de transportes (estradas de ferro, portos, etc ), o comércio de volvimento industrial e impôs limites a esse desenvolvimento. As
importação e exportação e os serviços bancá rios.13 Afirma-se que o ind ústrias que se estabeleceram foram principalmente as de bens de
“vazamento” de capital cefeeiro para a ind ústria ocorreu durante consumo.14 A procura de bens de capital era dirigida aos países do
períodos de expansão das exportações. No entanto, diz-se que a re- centro, e a ind ústria interna de bens de capital não se desenvolveu ,
lação entre a expansão do setor exportador (caf é) e o crescimento impedindo assim a autonomia da acumulação de capital industrial.
industrial é não-linear . Nos períodos de crise no setor exportador a É este. crescimento industrial que é caracterizado como
ind ústria de transformação é de inicio negativamente afetada, mas 4
‘específico’ 5 e “ retardatário” porque perif érico , subordinado à
à medida que a proteção ao mercado interno aumenta , como resul- acumulação internacional de capital , e não aut ónomo (Mello
tado da redu ção na capacidade de importar , a produção industrial ( 1975) e Silva (1976)) .
se recupera, absorvendo gradualmente a capacidade de produção Além disso , o desenvolvimento industrial é também explicado
ociosa (Mello (1975, pp. 112-113)). Com relação aos agentes sociais por um outro aspecto contradit ório da relação entre o capital ca-
do processo de acumulação de capital no setor industrial, há alguma feeiro e o capital industrial: os efeitos da política económica (prin-
contrové rsia entre os autores que adotam a ótica do capitalismo cipalmente aduaneira e cambial) sobre a ind ústria. A hegemonia do
tardio. Mello (1975) e Cano (1977) enfatizam o papel dos cafeicul- capital cafeeiro tornava politicamente inviá vel a imposição pelo go-
tores como o grupo social de onde se originou a burguesia indus- M verno brasileiro de um imposto direto sobre a exportação do caf é.
trial, enquanto que Silva (1976), concordando com Dean (1976), Sobretudo, tal imposto contrariaria os interesses dominantes do
afirma que os burgueses-imigrantes importadores desempenharam o capital internacional , já que parte desse imposto seria transferido
papel principal. No entanto, Silva lembra que o que importa não é o para os importadores, dada a inelasticidade da procura do café.
grupo social que forma o n úcleo da burguesia industrial, mas sim a Assim , a cobran ça de direitos aduaneiros sobre as importações foi
origem dessa burguesia, que ele afirma ter sido o comércio de impor-
tação e exportação, no qual predominavam os burgueses imigrantes. (14) Para Cano (1977), no entanto, os est ímulos ao desenvolvimento indus-
trial originados pela acumulação de capital cafeeiro não se limitaram às indústrias
(13) O conceito de “complexo exportador cafeeiro ” é explícitamente defini- dc bens de consumo ( linkages para a frente), mas inclu íram também a fabricação de
do por Cano (1977, cap. 1), mas está também implícito nas aná lises de Mello (1975) rmearia de juta para caf é, máquinas de beneficiar caf é , implementos agr ícolas , etc.
e Silva (1976). ( linkages para trás).
i
i
36 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 37

a solução alternativa. A tarifa aduaneira tornou-se a mais impor- o setor exportador (porém, não apenas café); e a crise do caf é e da
tante fonte de receita para o governo, beneficiando indiretamente a Grande Depressão da década de 1930 constituíram-se, de fato, num
ind ústria interna pela proteção que oferecia. Da mesma forma, a ponto de inflexão no desenvolvimento industrial brasileiro. Além
depreciaçã o da taxa de câmbio quando caíam os preços do café i
disso, a política económica realmente teve , ocasionalmente, efeitos
.
também favorecia a incipiente ind ústria interna Entretanto,
afirma-se que essas políticas (aduaneira e cambial) não podem ser
positivos sobre a ind ústria interna , embora variassem de acordo
com a conjuntura económica.
caracterizadas como protecionistas, uma vez que não eram seletivas No entanto , é possível fazer algumas qualificações sobre pon-
e variavam de acordo com a conjuntura económica (Silva (1976, tos espec í ficos dessa interpretação. Em primeiro lugar , a acumula-
-
pp. 104 107)). ção de capital industrial parece ter-se iniciado bem antes de fins da
Finalmente, a ótica do capitalismo tardio salienta que esse década de 1880 (este ponto é discutido em detalhe na subseção
padrão de acumualção de capital baseado no comércio do caf é
foi 1.3.1, adiante). Em segundo lugar , a não-linearidade da relação
rompido pela crise do café e da Grande Depressão da década entre a expansão das exportações de caf é a acumulação de capital
de
.
1950 A acumulação de capital industrial tornou-se mais indepen
- industrial é provavelmente esquemática demais. Não há d ú vida de
.
dente do capital cafeeiro, ao menos pelo lado da procura Esta não
mais seria determinada primordialmente pela expansão do setor
que essa relação era não-linear , e os efeitos da crise do café e da
Grande Depressão da década de 1930 sobre a acumulação de capi-
exportador, mas sim principalmente pelo crescimento da
renda no tal industrial constituem-se na melhor prova deste argumento.
.
setor industrial-urbano As políticas monetária e fiscal expansionis- Porém , para o período anterior à década de 1930, tal argumento é
tas da década de 1930 e a redução da capacidade de importar esti
mularam o crescimento da produção nas ind ústrias de bens de con
- .
discutível O que parece claro é que havia quanto ao investimento,
sumo previamente estabelecidas e um concomitante processo de
- uma relação direta entre a expansão do setor agrícola-exportador e
o investimento industrial: per íodos de crescimento do investimento
rápida industrialização substitutiva de importações de bens inter
.
mediários e bens de capital No entanto, essa substituição de im-
- industrial coincidiram com fase de expansão das exportações,
enquanto per í odos de declínio do investimento industrial coincidi -
portações não foi suficiente para estabelecer as indústrias produto
ras, de insumos básicos e bens de capital. De fato, a acumulação de
- ram com crises do setor exportador (ver capítulo 2). Quanto à pro -
dução, no entanto, a hipótese de que a produção industrial respon-
capital continuou dependente da capacidade de importar criada deu positivamente a crises no setor exportador não pode ser verifi-
pelo setor exportador para realizar importações de maquinaria
e cada para as crises que ocorreram antes da Primeira Guerra Mun-
insumo básicos industriais. Essas importações somente puderam dial , uma vez que não há dados.suficientes sobre produção indus-
ser aumentadas numa conjuntura de capacidade de importar decli- trial para esse período.15 Dispõe-se apenas de evidência qualitativa,
nante como a da década de 1930, devido a mudan ças na composi- e esta sugere que a produção industrial era negativamente afetada
ção das importações como resultado do processo de industrializa
ção substitutiva de importações. Somente a partir de meados da dé
- pelas crises do setor exportador , como, por exemplo em fins da
- década de 1870 e na virada do século (ver capítulo 3). Deste modo,
cada de 1950 é que a acumulação de capital industrial tomou-se pre- a discussão sobre o desempenho da indústria de transformação du-
dominante e endógenamente determinada, como resultado do esta- rante a Primeira Guerra Mundial torna-se crucial para esclarecer a
belecimento das indústrias pesadas (Mello (1975) e Tavares (1974)) . contovérsia (essa discussão é apresentada na subseção 1.3.2, adian-
A evidência produzida neste trabalho confirma em termos te. Deve-se deixar claro desde logo, porém , que a quebra do comér-
gerais a interpretação do desenvolvimento industrial brasileiro pela
ótica do capitalismo tardio, embora não se estude aqui a dialética
da acumulação de capital industrial. Foi efetivamente nos períodos (15) O ú nico í ndice de produção industrial dispon í vel para o per í odo anterior
à Primeira Guerra Mundial é aquele estimado por Haddad (1978). No entanto, esse
de expansão das exportações que ocorreu a expansão do capital in índice cobre o período a partir de 1900, apenas. Al ém disso, para o per íodo 1900-
dustrial (ver capítulo 2). É também correto que o capital industrial
-. -
1907, esse índice baseia se apenas na produção de tecidos de algodão e, no período
originou-se de atividades direta ou indiretamente relacionadas até 1911, apenas em tecidos de algodão, lã e juta e em produtos de carne Ver .
com Haddad (1978, passim ) .
;?!í

38 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 39

cio exterior não poderia ter sido inteiramente positiva para a ind ús- cipalmente através da proteção tarif ária e da concessão de incenti-
tria de transformação interna, pois esta era altamente dependente vos e subsídios. Não se trata, por ém, de provar que a industrializa-
da importação de matérias- primas e maquinaria. De fato, o impacto ção foi promovida por uma abrangente política deliberada de de-
inicial foi fortemente negativo. Em seguida , a produção industrial se senvolvimento. Há um consenso de que tal política, no sentido em
recuperou rapidamente com base na utilização da capacidade produ- que foi definida por Hirschman,16 não foi implementada no Brasil
tiva existente. Entretanto, o crescimento da produção industrial logo antes da década de 1950. De fato, a intenção declarada desta escola
perdeu ímpeto em conseq íi ência da escassez de insumos e maqui- de pensamento é de contestar a afirmação, usualmente encontrada na
naria , e em 1918 a variação da taxa de crescimento foi negativa . historiografia brasileira , de que o papel do Estado na promoção do
Um terceiro comentário à ótica do capitalismo tardio é o que desenvolvimento industrial no período anterior a 1930 foi mínimo
trata do controvertido ponto acerca das origens da burguesia indus- ou não significativo.37 Argumenta-se que, ao contrá rio, o Estado
trial. Um estudo recente (Mello (1981)) mostra que os cafeicultores desempenhou um papel positivo, pnmeiramente através de uma
participaram ativamente no estabelecimento de ind ústrias no final proteção alfandegá ria deliberada e, em segundo lugar , através da
.
do século XIX Além disso, como será discutido no capítulo 3, os concessão de incentivos e subsídios a ind ústrias específicas. Estes dois
comerciantes desempenharam um papel importante; mas a norma aspectos do papel do Estado são discutidos separadamente a seguir .
geral parece ter sido a de que importadores e imigrantes, e sobretudo Os principais autores que apoiam o ponto de vista de que a
a superposição desses dois grupos, constituíram na origem da bur- .
proteção alfandegária era intencional são F. R Versiani e M. T .
guesia industrial, confirmando assim a análise de Silva (1976). Versiani , que o defenderam inicialmente num artigo conjunto (Ver-
O quarto comentário refere-se à amplitude da diversificação siani e Versiani (1977)) , posteriormente desenvolvido por F. R.
da produ ção industrial durante o período no qual capital industrial Versiani (1979). Estudando o desenvolvimento da ind ústria de
estava subordinado à acumulação de capital cafeeiro. A estrutura tecidos de algodão, esses autores sugerem que tal desenvolvimento
setorial da produção não era t ão rigidamente concentrada em bens ocorreu segundo um padrão cíclico que alternava per íodos de
de consumo . Insumos para o setor agrícola-exportador também já aumento do investimento com per íodos de expansã o da produção.
eram produzidos numa escala significativa e mesmo antes da Pri- 1

Eles atribuem essa alternâ ncia a variações na taxa da câmbio: a so-
meira Guerra Mundial já havia ocorrido alguma diversificação brevalorizaçãó favorecia o aumento do investimento ao reduzir o
para a produção de insumos para o incipiente setor industrial. Na custo da maquinaria importada, mas reduzia a proteção interna; a
verdade, o setor industrial já estava exigindo essa diversificação, depreciação, por outro lado, favorecia o crescimento da produção
como também observou Cano (1977, p. 188), e a necessidade dessa ao aumentar a proteção, mas aumentava o custo da maquinaria im-
diversifica ção tornou-se ainda mais evidente durante a guerra. Em portada, desestimulando assim o investimento. No entanto , esses
conseqíiência, iniciou-se nos anos 20 uma ampla diversificação da autores atribuem à tarifa alfandegária o papel de mais importante
produ ção industrial , em parte apoiada e encorajada pelos governos fator de proteção para o desenvolvimento da ind ústria de tecidos de
federal e estaduais. algod ão. Sobretudo, F. R . Versiani (1979, pp. 30-31) afirma que a
As qualificações feitas acima, no entanto , não diminuem proteção alfandegá ria não era “ ... um mero subproduto de um sis-
a grande contribuição desta escola de pensamento ao estudo das
origens do desenvolvimento industrial no Brasil.
(16) Segundo Hirschman (1968), “uma pol ítica deliberada de desenvolvimen-
to é aquela levada a efeito não mais apenas por meio de proteção aduaneira , mas
1.2.4 A ótica da industrialização intencionalmente através de uma ampla gama de instrumentos de polí tica fiscal e crediticia , através de
promovida por polí ticas do governo pressões sobre as firmas importadoras estrangeiras para que estabeleçam operações
' i industriais , bem como através de ação direta: o estabelecimento de empresas indus-
triais estatais ou , crescentemente, de companhia ou bancos de desenvolvimento que
Uma quarta interpretação das origens do desenvolvimento são então encarregados de promover empreendimentos específicos ”.
industrial brasileiro é a que atribui grande import â ncia a políticas
.
(17) Ver , por exemplo , Dean (1976) e Villela e Suzigan (1973) Para um estu-
do abrangente de intervenção do Estado e do seu papel na economia brasileira no
intencionais do governo para a promoção da industrialização, prin- período 1889-1930, ver Topik (1979 e 1980) .
!!

t
á
40 INDÚSTRIA BRASILEIRA 41
WILSON SUZIGAN

..
tema tarif ário de orientação fiscal. ”, mas pode ter sido “ •• • tam crucial para proteger a produção industrial interna dos efeitos da
i .
bém um objetivo intencional da política de tarifas” Subseq üente-
- valorização cambial. Nos anos seguintes, até 1912, a proteção
=! ! aduaneira diminuiu , enquanto que a taxa de câmbio permaneceu
mente, M. T. Versiani (1981 e 1982), estudando a proteção alfande-
'
:
!l

gária no per íodo anterior à Primeira Guerra Mundial, argumenta 0 praticamente estável, mas o declínio dos direitos aduaneiros foi
que a tarifa aduaneira em vigor no período 1906-1912 favoreceu o I compensado por um aumento no preço relativo das importações. O
i1
crescimento industrial . '
\ resultado global para todo o período anterior à Primeira Guerra
.
Mundial foi a contínua redução da “ proteção (líquida) agregada”
{

Antes de fazer qualquer comentário a esta interpretação, de


ve-se notar que a discussão sobre proteção e sua efetividade para a
- A partir da Primeira Guerra, a proteção decorreu principalmente
defesa do mercado interno em favor do produtor interno n ão pode da desvalorização da taxa de câmbio e de restrições às importações,
ser baseada apenas no estudo das tarifas alfandegárias. É preciso %
o que torna de interesse secundário a discussão sobre proteção ba-
considerar, isto sim, o efeito combinado dos direitos aduaneiros e seada exclusivamente na tarifa aduaneira. Mesmo para o per íodo
de variações na taxa de câmbio, nos preços de importação e nos anterior à Primeira Guerra, as freqüentes variações na proteção
i
preços internos. Uma medida aproximada desse efeito agregado é 1
aduaneira de acordo com a situação económica do momento, e o
caráter não-seletivo dos direitos aduaneiros, tornam dif ícil de acei-

apresentada no capítulo 2 adiante, juntamente com uma discussão If


-I
. .
pormenorizada das opiniões de F R Versiani (1979) sobre a prote- tar a afirmação de que a tarifa aduaneira era intencionalmente pro-
.
ção alfandegária e investimento industrial No entanto, como indi- tf .
tecionista Além disso, o estudo de caso da ind ústria da cerveja fei-
cado no capítulo 2, falta ainda uma informação fundamental , ou $ to por M. T. Versiani (1982), como um exemplo de desenvolvimen -
I seja, uma avaliação da proteção aduaneira efetiva ao produto • f to industrial estimulado pelo aumento da proteção aduaneira no
interno. A importância desta avaliação torna-se evidente quando se I per íodo 1906-1912, é inadequado. De fato , já ao final do século
: Í considera que a ind ústria brasileira era altamente dependente de XIX a cerveja produzida no país havia desalojado quase inteira-
insumos importados, os quais também pagavam direitos aduanei- mente as cervejas importadas (vep ,capítulo 3 , subseção 3.2.6) , O
ros. De qualquer modo , a discussão apresentada no capítulo 2 su- aumento dos direitos aduaneiros sobre cervejas na década de 1900
¡i
- gere que a proteção aduaneira variou segundo diferentes períodos, e vi

i
foi certamente redundante. •
To. -

sua afetividade em proteger o produtor interno dependia de varia- A Quanto à concessão de incentivos e subsídios governamentais
ções em outras variáveis de política comercial. Assim , por exemplo, à ind ústria de transformação, sabe-se que várias formas foram
os direitos aduaneiros aumentaram no período entre fins da década utilizadas, incluindo: empréstimos, garantia de juros sobre o capi-
de 1860 e fins da de 1880, mas esse aumento foi contrabalançado tal investido , isenção de direitos sobre importação de matérias-
por uma redução nos preços de importação. Oscilações na taxa de primas, máquinas e equipamentos, redução de fretes nas ferrovias e
f
câmbio em termos reais foram mais importantes nesse período, e linhas de navega ção de propriedade do governo , etc. No entanto,
l! pode-se dizer que, para esse período em particular , a interpretação com exceção dos incentivos e subsídios à ind ústria do açúcar, a
baseada em alternâncias de fases de valorização da taxa de câmbio g qual era sistematicamente auxiliada (ver capítulo 3, subseção
(e aumento nos investimentos) com fases de depreciação da taxa de • 3 .
3.2 5), a concessão de incentivos e subsídios à ind ú stria de transfor-
câmbio (e aumento na produção) é correta (Versiani e Versiani i
:

mação era espor ádica, não-sistemática, e geralmente ad hoc (como,
!!=
(1977, p. 124-126) e F. R. Versiani (1979, p. 30)). De 1889 a 1895, a por exemplo, a concessão de créditos subsidiados em 1892, após a
proteção aduaneira foi substancialmente reduzida, em conseq üén- crise do Encilhamento, e em 1918, quando a ind ústria de tecidos de
cia da erosão das alíquotas específicas pela inflação, e a deprecia- algodão sofreu uma crise de liquidez devido ao acú mulo de esto-
í!
ção da taxa de câ mbio tornou-se o mais importante fator de prote- ques). A eficácia de tais incentivos e subsídios é, evidentemente,
:
, ção. No final do século XIX e princípios do século atual , a prote- uma questão aberta à discussão. A principal dificuldade era a resis-
ã |6 ncia política a qualquer sistema abrangente de incentivos e subsí-
ção aduaneira aumentou novamente, ao mesmo tempo que a taxa
de câmbio valorizava -se substancialmente devido a uma política de
í ij
dios à indústria numa economia predominantemente agrícola-
deflação. Nesse per íodo em particular , a proteção aduaneira foi exportadora (Luz (1975)).

í
!;
!
4
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í WILSON SUZIGAN IND ÚSTRIA BRASILEIRA 43

No ca í anlo, num trabalho recente, F. R . Versiani (1982) ar- não há d ú vida de que foi a escassez de insumos e mat érias- primas
guinrn í n que as políticas governamentais do per íodo agrícola- básicas durante a guerra que estimulou essa mudança no papel do
n
ç xpoi ú ulor ã o eram sistematicamente
antiindustrialistas e que .
Estado Como foi corretamente observado por Topik (1980, p.
“ . .. 6 duvidoso que se possa afirmar que o sistema de incentivos era 613): “ Percebendo que eram dependentes da importação de armas
ineficaz” ( p. 35) . Para comprovar essa afirmaçã o , F. R . Versiani e materiais básicos tais como aço , carvão , cimento e soda cáustica,
cita depoimentos de observadores contemporâneos, e exemplos de os polí ticos brasileiros resolveram tornar o país mais auto-
ind ústrias cujo desenvolvimento na década de 1920 foi estimulado suficiente nessas áreas ” . Mesmo após a guerra , “ a proteção e o fo-
por incentivos governamentais (cimento, aço, soda
cáustica e mento de ind ústrias básicas ... tornou-se aceita como á rea de ativi-
fiaçã o de seda). . .
dade do Estado .. ” (Topik (1980)) De fato , durante a Primeira
É correta a afirmação de F. R. Versiani no sentido de que Guerra Mundial o governo federal e, em alguns casos, também os
as
pol íticas governamentais durante o per íodo prim ário-exportador i governos estaduais come çaram a estimular a produção interna de
não eram sistematicamente antiindustrialistas , embora ele o aço , soda cá ustica , óleo de caroço de algodão e carnes industriali-

explique as razões . É também correto que a diversificaçã
o da zadas. Na d écada de 1920 os incentivos e subsídios foram estendi-
produção industrial na década de 1920 foi estimulada por dos à produ ção de cimento, papel e pasta , produtos de borracha,
incenti-
vos e subsídios governamentais . No entanto, o autor exagera a fertilizantes e fios e tecidos de seda.
importância e a eficácia desses incentivos e subsídios, particular No entanto , seria um exagero atribuir a diversificação da
mente ao referir -se a eles como um “ sistema ” , algumas qualifica-
- produção industrial ocorrida na década de 1920 aos incentivos e
ções são necessárias para esclarecer esses pontos . subsídios governamentais . Essa diversificação , na verdade, já esta-
Primeiramente , quanto ao fato de que as políticas gover - va sendo requerida para que o desenvolvimento industrial pudesse
namentais não foram inteiramente antiindustrialistas no período avan çar , mesmo sob o modelo de crescimento agrícola-exportador .
primário-exportador, deve ser lembrado que a pol Além disso, no caso de algumas ind ústrias, seu desenvolvimento
ítica económica,
mesmo sob a égide dos interesses agrícola-exportadores, de fato representou a “ ocupação’ do mercado brasileiro pelo capital es-
7

favoreceu o desenvolvimento industrial da maneira descrita na trangeiro (como, por exemplo, em cimento, aço e produto de
subseção 1.2.3 anterior . Isso n ão significa, é claro, que as polí borracha ) , ou o estabelecimento de f ábricas subsidiá rias de firmas
ticas
governamentais estimularam deliberadamente o oligopólicas internacionais para produ ção destinada à exportação
desenvolvimento
industrial. Além disso, é impróprio tratar o per íodo anterior à (como foi o caso da industrialização de carnes). Sobretudo, não se
década de 1930 como tendo sido uniforme . De fato, no que diz justifica a afirma çã o de que o “sistema” de incentivos e subsídios foi
res-
peito ao desenvolvimento industrial, é importante “ bastante eficaz ” , pelo menos não como uma generalização
distinguir o
papel econ ómico do Estado nos per íodos anterior e posterior à Pri- para todos os setores (F. R. Versiani (1982, p. 35)). De fato, os estu-
meira Guerra Mundial. Pode-se afirmar com segurança que o dos de caso das indústrias mencionadas acima (ver capítulo 4) mos-
Esta-
do brasileiro passou a estimular deliberadamente o desenvolvime
n- tram que nem sempre os incentivos e subsídios foram o principal fa-
to de ind ústrias específicas (mas não o desenvolvimento tor determinante a induzir o investimento em vários setores importan -
industrial
em geral ) a partir dos anos da Primeira Guerra. Essa mudança no tes . Em alguns casos , eles foram eficazes na promoção do desenvolvi-
papel do Estado , por ém , não foi abrupta . No caso do mento da ind ú stria , como , por exemplo: papel e celulose (durante
aço, por m
exemplo , o governo federal havia tentado estimular a produçã 3
.

1923-1927 e na década de 1930); produtos de borracha (na década de


o 8
interna mesmo antes da guerra , embora sem sucesso. A decisão de 1920 e, especialmente, na de 1930); óleo de caroço de algodão e fios e
fomentar a produção interna de aço já naquele período foi tomada tecidos de seda (nas décadas de 1920 e 1930 e carnes industrializadas
com a finalidade de reduzir as importações de aço, que estavam (durante e imediatamente após a Primeira Guerra ). Em outros casos ,
sobrecarregando a balança comercial, e também como condiçã
necessá ria para o desenvolvimento industrial e por questões
o i no entanto , ao contrá rio do que afirma F. R . Versiani , os incentivos
tiveram pouca ou nenhuma importância. No caso do cimento, por
de seguran ça nacional (ver capítulo 4, subseção 4.2.2). No exemplo , os incentivos governamentais n ão influenciaram o estabe-
entanto,
44 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 45

lecimento da primeira f ábrica , e quando a segunda foi construída i* períodos a respeito dos quais é mais forte a controvérsia entre as di-
os incentivos e subsídios à ind ústria do cimento já haviam sido abo- ferentes interpretações: primeiro, o período entre fins da década de
lidos. Foi somente a partir de fins de 1932 que os incentivos gover- 1880 e princípios da de 1890; segundo, os anos da Primeira Guerra
namentais, então restabelecidos, de fato estimularam novos investi- Mundial; e, terceiro, o período que cobre os anos da crise do caf é e
mentos na indústria do cimento. Na indústria sider ú rgica, sete em- .
da Grande Depressão da década de 1930 Esses períodos são discu-
presas se beneficiaram de incentivos governamentais na década de tidos em detalhe a seguir.
1920, mas apenas três foram bem-sucedidas; uma dessas três em-
presas, no entanto, já vinha operando desde a década de
1890, e
não aumentou sua capacidade de produção senão no final da déca- 1.3.1 A “génese ” do capital industria!
da de 1930 (Usina Queiroz Jr.). Portanto, apenas duas empresas se e o Encilhamento: 1886-1894
beneficiaram com sucesso dos subsídios governamentais a investi-
mentos na ind ústria siderúrgica durante a década de 1920, embora
uma delas operasse a maior usina siderú rgica estabelecida antes da
A controvérsia sobre esse per íodo concentra se em dois -
pontos: a origem do capital industrial e os efeitos da crise
década de 1930 (Companhia Siderúrgica Belgo-Mineira). Acresce .
do Encilhamento18 sobre a ind ústria Com relação ao primeiro
considerar que diversas outras usinas siderúrgicas foram construí- ponto, alguns autores , tais como Mello (1975), Silva (1976), Cano
das durante a década de 1920, e particularmente na década de 1930, (1977) e Aureliano (1981), afirmam que a “génese ” do capital
sem subsídios governamentais (ver capítulo 4, subseção 4.2.2). Da industrial ocorreu nesse período, durante um ciclo de expansão
mesma foram , os incentivos e subsídios para o estabelecimento de das exporta ções de caf é. Essa afirmativa é baseada na caracte-
f á bricas de soda cáustica (1918) atraíram 11 projetos, dos quais rização dos ciclos do café como “ motores prim ários ” da acu-
quatro foram selecionados. No entanto, apenas uma fábrica foi mulação de capital. De fato, foi nesse período que estabelece-
construída , e mesmo essa veio a falir quando foram reiniciadas as ram grandes f ábricas de tecidos e que outras ind ústrias come-
importações de soda cáustica na década de 1920. Finalmente, os çaram a se desenvolver , incluindo fábricas de sacaria de juta,
incentivos e subsídios para o estabelecimento de f ábricas de fertili- moinhos de trigo , cervejarias , fábricas e alguns ramos das ind ús-
í

zantes qu ímicos foram concedidos para uma empresa apenas, a trias metal-mecâ nicas, tais como os produtores de pregos e pa-
qual não chegou a implementar seus planos. rafusos, canos de chumbo, peças e acessórios para vagões ferro-
Em resumo , no período anterior à Primeira Guerra Mundial viários e bondes, etc.19 No entanto, talvez seja um exagero afirmar
praticamente nenhuma assistência direta foi concedida pelo gover
- que o capital industrial originou -se precisamente entre 1886 e 1894 ,
no à ind ústria de transformação, com exceção da indústria do açú- como Fazem Mello, Cano e Aureliano. Silva , por sua vez, é mais
car e, é claro, das ocasionais isenções de direitos sobre maquinaria exato e menos preocupado com precisão ao afirmar que o capital
importada e outras formas indiretas de apoio do governo, como, industrial originou-se na década de 1880. Mesmo esta afirmativa,
por exemplo, o desenvolvimento do sistema de transportes, da por ém , deve ser qualificada. De fato, os dados e a evidência quali-
infra-estrutura , etc. A partir da Primeira Guerra, o Estado come- i tativa apresentados neste estudo mostram que ocorreram investi-
çou a estimular deliberadamente o desenvolvimento de algumas in
- m mentos substanciais na ind ústria antes de 1886, e mesmo antes da
d ústrias específicas, mas não o desenvolvimento industrial de modo :ê década de 1880, particularmente em fábricas de tecidos (algumas
geral. No entanto , os incentivos e subsídios concedidos não eram m , estabelecidas por cafeicultores) , fábricas de chapéus, f ábricas de
a
sistemáticos e nem sempre foram eficazes. 1 calçados e algumas ind ústrias metal-mecânicas. Embora os autores
acima mencionados tivessem se ocupado principalmente do caso de
1.3 Os períodos mais controvertidos f¡ >! I

í
. s (18) Como discutido adiante, o Encilhamento foi um per íodo de intensa
espe-
A discussã o anterior sobre as diferentes intepretações do
i íodo republicano ( 1890-1891).
culação financeira no in ício do per
(19) Portanto, não se fabricava apenas bens de consumo , como afirmam
desenvolvimento industrial brasileiro evidenciou pelo menos três alguns autores .
WILSON SUZIGAN
INDÚSTRIA BRASILEIRA 47
Silo Paulo, e especifícamente da relação entre café e ind
menosprezar o fato de que a acumulação de capital ústria, não se assim o crescimento da produção industrial.21 Mello (1975, pp.
cafeeiro tam-
bém osimuiou até certo ponto o desenvolvi
mento industrial na cida- -
157-9) e Cano (1977, P. 73 e 145 147), por outro lado , destacam a
de e provincia do Rio de Janeiro, e que outros produtos
básicos de
assistê ncia governamental à agricultura após a aboli ção da escravi-
exportação também estimularam o
desenvolvimento industrial em d ão , a reforma bancária e o conseqüente aumento no estoque de
outras áreas, particularmente no Nordeste e em
Minas Gerais, antes moeda , o direito concedido aos bancos comerciais para investir na
da década de 1880. Provavelmente seria mais
correto se referir aos ind ústria e em outros empreendimentos e a nova legislação sobre
anos de 1886-1894 como um periodo em que a formaçã
o de capital sociedade anónimas. Esses autores argumentam que tais medidas
industrial se acelerou substancialmente, no auge de um provocaram uma intensa acumulação de capital e criaram condi-
ciclo de o er
íi capital
expansão das exportações de caf é (ver capí
tulo 2). ções favoráveis para a transformação de capital cafeeiro
Quanto ao Encilhamento, é geralmente descrito
na durante o auge exportador do início da d écada de 1890.
grafía brasileira como um período de intensa especulaçã historio- Um ponto de vista diferente sobre os efeitos do Encilhamento
o seguido
por urna grave crise no mercado de valores. Esses
eventos são rela- é aquele sustentado por Versiani e Versiani (1977 , pp. 136-138).
cionados com a implementação de urna reforma banc Trabalhando com dados sobre estoque de capital de cinco das
á ria , que
levou a uih maciço aumento no estoque de moeda e a
facilidade maiores fábricas de tecidos de algod ão registradas nas Bolsa de
de
crédito, e com a introdução de normas mais liberais para Valores do Rio de Janeiro, os autores argumentam que, ao contrá-
a forma -
.
ção de sociedades anó nimas 20 Entretanto,
Stein (1979, pp. 97-99 e
104-105), estudando o caso da ind ústria t êxtil algodoeira
ta que , apesar dos abusos cometidos, o fen ô meno
, argumen-
^
rio do que dizem tein e Fishlow, a expansã o real do estoque de ca-
pital industrial durante o Encilhamento foi mínima, uma vez que a
maior parte (72% ) da expansão ocorrida foi resultado da distribui-
do Encilhamento
teve aspectos positivos. Em primeiro lugar , representou m ção de ações a t ítulo de bonificações. Além disso, apenas 57% do
tiva de romper com a tradicional estrutura agrária uma tenta - % total de ações novas emitidas foram subscritos e integralizados
com o regime imperial e a chegada de uma nova era identificada .
durante o período do Encilhamento Assim , Versiani e Versiani
de progresso
baseada no desenvolvimento industrial. Em segundo
lugar, a ex-

concluem que “ ... o Encilhamento parece ter tido, de fato, um im-
pansão do estoque de moeda e as facilidades pacto muito limitado no aumento de capacidade da ind ú stria
ram um efetivo aumento no investimento industrial,
de crédito estimula - têxtil • •” (p. 137). Leff (1982, p. 170) segue Versiani e Versiani e,
fundando-se
novas e maiores f ábricas de tecidos de algodão e expandindo

* com base em evidências adicionais sobre datas de fundação de em-
existentes. Finalmente, a própria crise teve aspectos positivos -se as presas industriais, conclui que essa informação “ não indica que os
timular uma campanha em favor de apoio governamental ao es - anos de 1890, um perí odo em que ocorreram anos de rá pida infla-
tria de transformação, a qual resultou num empré
à indús
stimo especial de
- ção e expansão do mercado de valores (o Encilhamento) foram de
100 000 contos para a ind ústria em 1982, e tamb
ém em favor de especial import â ncia para o in ício da industrialização brasileira ” .
maior proteção à indústria (Stein (1979)). Entretanto, os dados e informações apresentados neste traba-
Outros autores, apoiando a análise original de
Stein , também lho confirmam a análise original de Stein . De fato, há evidência
destacaram os aspectos positivos das políticas segura de que o investimento industrial aumentou substancialmente
inflacion árias dos
primeiros governos republicanos. Fishlow (
1972, pp. 12-13) salien- durante o Encilhamento. Essa evid ência compreende novos dados
ta que o atraso na depreciação da taxa de câ
mbio em relação aos sobre exportação de maquinaria industrial para o Brasil (ver Apên-
preços dom ésticos at é meados de 1891
estimulou a importação de dice 1), bem como informações sobre o estabelecimento de novas
maquinaria industrial , e também que a subseq
üente depreciação do empresas industriais e a expansão da capacidade de produção das
mil-réis aumentou o preço relativo das importaçõ
es, estimulando
(21) Fishlow (1972) aplica indevidamente o conceito de industrialização subs-
titutiva de importa ções ao crescimento industrial ocorrido antes dos anos 30 (ver
crise subseq ü ente.
.
(20) Ver Stein (1979, pp 95-99) para
uma descrição detalhada do boom da Tavares (1974, p. 116). Stein (1979, pp. 98-99) já havia observado a importância da
defasagem na deprecia ção da taxa de câmbio para as empresas que tinham encomen-
dado e pago suas máquinas e equipamentos.
i
4H WIi ,SON SUZIGAN 49
INDÚSTRIA BRASILEIRA

.
Ü tNtiiFfiftN enlá tenles (capítulos 3 e 4) Os dados indicam a ocorrén- to. A controvérsia começou com a revisão da interpretação tradi-
t< i ñ de iim pico no Investimento industrial durante o Encilhamento:
cional , ou seja , o argumento dos choques adversos na sua versão
m n ü poiiiK’Ocs de maquinaria industrial para o Brasil aumentaram extrema. De acordo com essa interpretação, como discutido na
m ói dr 30% em 1890 e mais 70% em 1891! Deve-se observar que
OH uiveis m édios para 1888-1889 já foram 37 % superiores à média subseção 1.2.1 anterior , a guerra foi um evento inteiramente positi-
para 1883-1887 e que, apesar de uma redu çã o a partir de 1892, o vo para a ind ústria interna de transformação, estimulando o pri-
investimento industrial (representado pelas exportações de maqui- meiro e substancial surto de industrialização substitutiva de impor -
naria industrial para o Brasil) manteve-se em n í veis mais de 50% tações. A revisã o dessa interpretação foi inicialmente feita por
superiores aos de 1888-1889. Adicionalmente, como observado por Dean (1976, cap. 6). Argumentando com base num modelo de in-
Stein (1979, p. 97), algumas das maiores empresas industriais brasi dustrialização impulsionada pela expansão do setor exportador,
leiras de todos os tempos foram fundadas durante o Encilhamento.
- Dean refuta a hipótese fundamental da interpretação tradicional ,
isto é, de que a interrupção dos fluxos norínais de comércio exterior
Sobre esse ponto , é importante notar que uma discussão como a
de Versiani e Versiani (1977)
— —
baseada apenas em dados sobre a
tenha sido benéfica para a indústria interna. Esse autor argumenta
que, ao contr á rio , a guerra interrompeu um processo em andamen-
indústria têxtil algodoeira, sobretudo aquela estabelecida no Rio de
Janeiro, pode ser enganosa . De fato, estendendoise a análise para to de desenvolvimento industrial estimulado pela expansão das ex-
portações de caf é no per íodo anterior à guerra e questiona se o de-
incluir outras ind ústrias e outras á reas geográficas, confima-se a
análise original de Stein. Assim, verifica-se que, durante o Encilha senvolvimento industrial não teria avançado mais se não tivesse
mento, foram estabelecidas grandes f á bricas de tecidos de algod ão
- ocorrido a guerra. Além disso, Dean aponta para as dificuldades de
no Nordeste (particularmente na Bahia , em Pernambuco e no Ma- importar matérias-primas e maquinaria como um fator limitativo
ranhão), em São Paulo e na própria área do Rio de Janeiro. Foram do crescimento da produ ção e do investimento industrial durante a
também realizados substanciais investimentos em outras ind ústrias, guerra. Ele sugere que o aumento da produção industrial durante a
tais como sacaria de juta , tecidos de lã , moinho de trigo, cerveja- guerra baseou -se em capacidade de produ ção já existente e que as
rias, fábricas de fósforo e ind ústria metal-mecânicas. Também data ind ústrias que aumentaram sua produ ção foram aquelas que esta-
desse período a construção do alto-forno de Miguel Burnier (Minas vam exportando. Nessa mesma linha de argumentaçã o enquadra-se
Gerais) operado pela Usina Esperança , ú nica companhia a produ a contribui ção de Villela e Suzigan (1973 , cap. 4), embora esses au-
zir ferro-gusa em escala industrial antes da década de 1920.
- tores não adotem explícitamente o ponto de vista da industrializa-
Portanto, a interpretação de Stein sobre o Encilhamento pode ção impulsionada pelo crescimento do setor exportador .
ser considerada correta , bem como aquelas dos autores que segui Em seguida , a revisão de Dean foi ela própria revista. Primei-
ram sua análise. A política monetária expansionista e as reformas
- ramente, Fishlow (1972, p. 8), argumentando que a revisão de
institucionais desse período, apesar dos abusos que levaram à espe- Dean tinha ido longe demais, afirmou que a guerra foi importante pe-
culação no mercado de valores, tiveram resultados positivos em ter los seus efeitos sobre a demanda , estimulando a substituição de im-
mos de investimento industrial e podem mesmo ter facilitado a for-- portações, e que, embora essa susbtitui ção não tenha sido completa-
mação de capital industrial num período de auge exportador. da por um aumento na capacidade de produção, ela possibilitou um
aumento dos lucros que, mais tarde, financiaria novos investimen-
tos. Al ém disso, Fishlow afirma que o crescimento da produção
industrial duranta a guerra (4,4% anuais) foi considerável e prova-
1.3.2 Os anos da Primeira Guerra Mundial velmente subestimado por não incluir a produ ção de carne conge-
lada e açú car . Ele afirma também que Dean exagerou a importân-
Os anos da Primeira Guerra Mundial constituem um período-
chave no debate sobre o desenvolvimento industrial brasileiro. É na cia das “novas” exportações de produtos industrializados e, quan-
análise do impacto da guerra sobre a ind ú stria interna que se tor- to à escassez de insumos importados, argumenta que foi compensa-
nam mais claras as diferenças entre as várias escolas de pensamen- da pelo crescimento da produção interna. Concluindo, Fishlow
(1972, p. 20) afirma que o choque exógeno da guerra permitiu que
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WILSON SUZIGAN
-|»p utiliriuío o CKOCSNO dc capacidade
instalada na ind ústria, pos-
Í O MMhu que a industrialização desse um passo adiante, ao
INDÚSTRIA BRASILEIRA

Com finalidade de tentar resolver os principais pontos da


controvérsia, discute-se a seguir o desempenho da ind ústria de
51

itV. itibãilfuh Imporluções que, no período anterior à guerra, ainda transformação durante a guerra em seus três aspectos principais:
ir KMUjipflmn com bens produzidos no país. Da mesma forma ,
!) iiutl c Vcr.siani (1977),
Ver- investimentos , produção e lucros.
apoiando a análise de Fishlow, afirmam que
H guerra foi importante para o desenvolvimento
por ter estimulado o aumento da produ ção e dos lucros,
da ind ústria têxtil 1) Investimento. Os dados sobre a exporta ção de maquinaria
tendo efeitos positivos sobre a expansão da capacidade
os ú ltimos industrial para o Brasil apresentados neste trabalho (Apêndice 1)
ção nos anos posteriores à guerra. Além disso,
de produ- não deixam d úvidas a respeito do impacto negativo da Primeira
ni (1977, p. 139) afirmam que “condições desfavor
Versiani e Versia- Guerra Mundial sobre o investimento industriado Brasil . Os da-
produtores internos já se vinham manifestando
áveis para os dos agregados mostram um declínio de 59,597o em 1914 e um novo
que “isso coloca em d úvida o argumento ‘
desde 1911... “ , e declínio de 70,9% em 1915. Em 1915-1916 as exportações de ma-
revisionista * de que a Pri- quinaria industrial para o Brasil representaram apenas 12,6% em
meira Guerra teria interrompido um crescimento
industrial ante-
rior, e sugere , ao contrá rio , que a guerra possa ter sido relação ao pico alcançado em 1913. Uma vez que praticamente n ão
de salvação para muitos produtores...** É importante
uma tábua havia produ ção interna de maquinaria industrial nessa época (ver
notar , sobre capítulo 2 e Apêndice 1), é razoável supor que o investimento in-
esse ponto, que tanto Fishlow quanto Versiani e Versiani,
mentarem a respeito do aumento dos lucros industriais
ao argu- dustrial declinou proporcionalmente. Houve uma pequena recupe-
guerra , basearam-se no estudo da ind ústria ê durante a ração (36,7% ) em 1917 em relação aos níveis extremamente depri-
e que, além disso , a evidência apresentada por
t xtil algodoeira apenas midos de 1915-1916, mas em 1918 o investimento voltou a declinar.
baseia-se em dados para uma empresa apenas! (Este ponto
Versiani e Versiani Os dados desagregados mostram tend ências similares para diversos
tido em maior detalhe adiante).
é discu- setoTes industriais. No entanto, h á indica çõ es de recuperação no
Um revisão mais radical da revisão original de investimento a partir de 1917 para alguns setores industrias, tais
feita pelos autores da interpretação baseada no capitalismo
Dean é aquela como papel e polpa, moagem de trigo, fabricação e refino de açú-
dio ” . Em suas cr íticas à revisão de Dean, Silva (1976)“ tar- car e industrializa ção de carnes, assim como também em maquina-
por exemplo , negam que o enfraquecimento
e Cano (1977), ria para geração de eletricidade e em má quinas de costura (estas
da economia últimas destinadas às ind ústrias de vestu ário, chapéus, calçados,
durante a guerra tenha afetado a ind ústria de transformaçã cafeeira
Paulo, argumentando que tanto a produção quanto o
o de São sacaria, produtos de couro, etc.).
investimento As evid ências qualitativas a respeito de ind ústrias específicas
industrial aumentaram durante a guerra. Entretanto,
a evidência (capítulos 3 e 4) confirmam as tendências acima indicadas. O inves-
apresentada por esses autores, é insuficiente , como
te. Mello (1975), por outro lado, visualiza a guerra -
se discute adian timento declinou dramaticamente em todas as ind ústrias durante a
buindo, primeiramente, para a recuperação da ind ú
como contri- guerra , devendo-se notar que nenhuma grande f á brica foi estabele-
-
stria de trans
formação da crise de 1913 1914 e, secundariamente , para
-
cida antes de 1917. Tem sido confirmado que os investimentos em
ção do excesso de capacidade de produçã
a utiliza- frigoríficos ocorreram durante a guerra (Dean (1976, p. 104)), mas
o industrial instalada
en- na realidade esses investimentos foram realizados antes da guerra
tre 1910 e 1913. A demanda aumentou como
resultado da substi-
tuição de importações e das exportações de produtos (ver capítulo 4, subseção 4.2.9). Entretanto , as evid ências qualitati-
dos (alimentícios e outros). Mello enfatiza també
industrializa
- vas confirmam o aumento do investimento em alguns setores indus-
margens de lucro do setor industrial em conseq íi
m o aumento das triais a partir de 1917. Além das ind ústrias mencionadas acima,
gem entre o reajuste dos salários e o
ê ncia da defaza- foram realizados investimentos para a fabricaçã o de produtos quí-
aumento nos preços dos pro-
dutos industriais fabricados no país e, também, micos mais simples (carbureto de cálcio, corantes de anilina , etc.),
em virtude do fato óleo de caroço de algodão e produtos de couro (particularmente
de que os preços internos aumentaram mais que
os preços de 3 insumos para a ind ústria de calçados). '
.
importação (Mello (1975, p 171)).
Esses dados e evidência qualitativa tornam dif ícil de aceitar o
iH
ã
• 52 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 53

argumento de que o investimento industrial aumentou durante


No entanto , a quest ão relevante para a discussão dos efeitos
a guerra , como afirmam Silva (1976, pp. 101-102) e Cano (1977,
da guerra sobre a produção industrial não se resume na estimativa
.
p , 168) listes autores baseiam-se nos dados do Censo Industrial de
de uma taxa de crescimento da produção industrial, mas deve
1920, os quais mostram que 24,2% do capital industrial registrado incluir a comparação dessa taxa de crescimento com aquela que
m 1919 pertenciam a estabelecimentos industriais fundados entre prevaleceu no per íodo anterior à guerra (exceto o ano de 1914).
1915 e 1919. No entanto, esses dados não deveriam ser tomados
pelo seu valor nominal em virtude dos efeitos da inflação
Tal compara ção é possível atualmente graças ao índice de produção
sobre o industrial estimado por Haddad (1978), é mais completo do que
custo hist órico do capital das firmas mais antigas, enquanto que o íodo a partir de 1900, em-
aqueles mencionados acima e cobre o per
capital das firmas mais novas é avaliado aos preços mais
que prevaleceram durante a guerra. Além disso, os dados do
elevados bora para o per íodo 1900-1911 somente esteja incluída a produção
censo das ind ústrias têxteis (algod ão , lã e juta) e de produtos alimentícios
incluem o ano de 1919 (de pós-guerra), no qual houve um grande
(açúcar e carnes industrializadas). A partir de 1912, no entanto, o
aumento no investimento industrial.
índice inclui outros produtos industriais, tais como chapéus, calça-
.
2) Produção A controversia sobre a variação da produção
dos, artigos de couro, produtos de fumo, bebidas (cerveja, refrige -
rantes, vinho e aguardente), produtos químicos (fósforo, farma-
industrial durante a guerra concentra-se praticamente num mesmo
cêuticos e de perfumaria) e outros produtos alimentícios (Haddad
í ndice de produ ção, com ênfase em diferentes per .
íodos Fishlow
(1972) estimulou um índice de produção industrial com
.
(1978, passim ) ) O índice agregado mostra que a taxa anual de cres-
base nos cimento da produção industrial caiu de 9,1 % em média nos cinco
dados provenientes das estatísticas do imposto de consumo, índice
esse que representava “... provavelmente mais de 60% do valor anos anteriores à guerra (1908-1913) para 4,4% durante a guerra.
Mesmo que se faça uma comparação mais rigorosa, incluindo ape-
adicionado industrial ” (p. 19), e avaliou que, no período 1914-
nas os produtos para os quais há dados disponíveis nos dois per ío-
1918, a produ ção industrial cresceu a uma taxa anual de 8,5 %. En
- dos, os resultados mostram um declínio da taxa média anual de

tretanto, reconhecendo que 1914 um ano de recessão não era
adequado como ano-base, Fishlow mudou a base para uma média— crescimento de 9,1% em 1908-1913 para 4,8% em 1912-1913 até
1918.22 Sobretudo, a produção industrial não aumentou continua-
-
dos anos de 1911 1913 e, acrescentando o ano de 1919 ao “ período
de guerra ” , calculou que a produção industrial cresceu à taxa anual
mente durante a guerra. Em 1914, ocorreu uma forte recessão,
caindo a produção industrial em 8,7%. Depois de uma rápida recu-
-
de 4,4% durante a guerra (na verdade, 1911 1913 a 1919), uma taxa
“considerável ” , segundo aquele autor. O índice estimado por Vil
peração em 1915, houve um aumento real da produção industrial
- em 1916-1917. No entanto, a taxa de crescimento reduziu-se em
lela e Suzigan (1973) baseia-se nos mesmos dados utilizados por
Fishlow , e seus resultados são semelhantes, exceto que eles focali-
zaram o per

1917 e teve uma variação negativa ( 1% ) em 1918.
A análise dos dados desagregados (Tabela 1) ajuda a explicar
íodo 1911-1913 a 1918, para o qual a taxa anual de cres-
cimento é de 3,5%. Cano (1977, pp. 218-219), por outro lado, cal-
as tendências da produ ção industriai durante a guerra. Verifica se -
que a produção variou enormemente em todos os setores indus-
culou um índice de produção industrial para o Estado de São Paulo triais. A recuperação em 1915 foi fortemente baseada num grande
a patir do índice estimado por Fishlow, supondo que a participação aumento da produ ção de chapéus, calçados, f ósforos e perfumaria.
da ind ústria paulista no total do valor adicionado da indústria bra
sileira tivesse aumentado de 27,6% em 1911-1913 para 33% em
- Em 1916 a produ ção de tecidos de algodão estagnou , mas aumen-
tou a produção de outras ind ústrias, tais como tecidos de lã, cha-
1919 (este ú ltimo percentual dado pelo Censo Industrial de 1920), o péus, calçados , produtos de fumo, vinho e aguardente , f ósforos,
23
que explica o fato de Cano ter obtido uma taxa de crescimento da
produ ção industrial mais alta para São Paulo. De qualquer modo,
é bastante provável que, durante a guerra, a produção industrial (22) Esse í ndice inclui apenas tecidos e produtos aliment í tios. Ver dados bási-
paulista tenha crescido a uma taxa mais elevada que a do país como cos em Haddad (1978).
um todo. -
(23) Deve se notar que Haddad não explica as taxas extremamente altas de
crescimento da produ ção de vinho e aguardente, aue oodem ser atribu ídas tanto
34 WILSON SUZÍGAN
INDÚ STRIA BRASILEIRA 55

TABELA 1
farmacê uticos, perfumaria, açúcar e carnes industrializadas. Em
Tíixoft anuais de crescimento da produçã o de produtos industriais selecionados 1917 o crescimento da produção industrial foi outra vez baseado
1914 1918 num bom desempenho da ind ústria de tecidos (algod ão , lã e juta) e,
em menor medida , na produ ção de chapéus, bebidas, produtos far-
(Em % ) macêuticos , pef íumaria , açúcar e produtos de carne. Em 1918
a produção industrial voltou a cair em quase todos os setores com
Produtos 1914 1915 1916 1917 1918 exceção de tecidos de seda, calçados, produtos de couro, bebidas,
Tecidos produtos farmacêuticos e açúcar.
de algod ã o - 18,4 50,0 0, 6 15,6 - 9,9 Essas tendências na produ ção industrial são confirmadas pela
de lã - 20 ,0 40,0
de juta
0 28,6 - 2, 8 evidência qualitativa apresentada para as v árias ind ústrias nos capí-
18,4 4,4 - 8,5 39, 5 - 21,7
de seda . - 38,8 46, 7
%
il tulos 3 e 4 . As ind ústrias que processavam principalmente matérias-
Chapéus . - 35,0 15,4 15,6 7,7 - 8,9 1
primas domésticas aumentaram a sua produção , ocupando as
Calç ados - 19,2 1 5, 2 22,1 1 ,2 4,5
margens de mercado que antes da guerra ainda eram supridas por
Couros e Peles 4,2 4,0 3,8
importações. Incluem-se neste caso tecidos de algod ão, chapéus ,
0 3,7
Produtos de Fumo cal çados, produtos de couro, produtos farmacê uticos, perfumaria
charutos - 23,5 - 9,9 14,6 - 4,3 7,8 e cosméticos, bebidas (exceto cerveja) e, provavelmente, outros
cigarros - 5,9 - 3,4 29 , 0 - 24,0 15,8 produtos como vestuário, artefatos de madeira , etc. No caso de
Bebidas
refrigerante -13,7
i
i -
outras indústrias que processavam principalmente matérias primas
cerveja 9,9
- 11,4 2,6 7,5 16,3 domésticas , a produção aumentou também para atender a deman-
- 13,0 - 5,1 - 19,3 2,4
vinho 133,8 54,8 6,2 da externa, como é caso de açúcar , carnes industrializadas e óleo de
aguardente 1 caroço de algodã o. Entretanto, a contribuição destas exportações
109,1 30,4 - 1,7
Produtos Quí micos de produtos industrializados para o crescimento da produção
f ósforo - 1 1,5 18 , 4 10, 8 - 17,7 - 3,2 industrial em gerai não teve a importâ ncia sugerida por Dean
farmacêuticos •
- 12,5 0 42,9 30,0 7,7 (1976), como foi corretamente observado por Fishlow (1972).
perfumaria e
cosméticos .
Prod. Alimentí cios
— 20 , 0 33, 3 25,0 30,0 -11,5 Em praticamente todos os setores industriais, no entanto, o
crescimento da produção durante a guerra foi limitado pela escas-
açúcar 10,0 1,5 13,4 5,3 7,5 sez de matérias-primas e insumos importados e, ao final da guerra,
carne industrializada - 14,7 0,7 6,3
manteiga
1 2,6 - 6,5 também pela falta de maquinaria importada. A ind ústria têxtil , por
3,1 1
torrefação e moagem 1 exemplo , foi afetada pela falta de soda cá ustica e corantes de anili -
de caf é 8,7 na e , no caso específico de tecido de lã e de seda , também pela falta
Total da indústria de fios importados. As ind ústrias de chapé us e calçados também
de transforma ção - 8, 7 12,9 11,4 8,7 -1 ,0 foram afetadas pela falta de corantes e outros insumos importados.
Os moinhos de trigo e as cervejarias tiveram sua produção limitada
Fonte: Haddad ( 1978, passim ) . pela falta de mat érias-primas básicas (trigo, malte e cevada). A fal-
ta de produtos qu ímicos importados dificultou a produção de fós-
foro, e a produ ção de papel foi limitada pela falta de produtos
químicos e pasta de madeira. Finalmente, a redução das importa-
a uma efetiva substituição de importações durante a guerra como ao fato
ções de ferro e aço certamente restringiu o crescimento das ind ús-
de que a
cobrança do imposto de consumo tornou-se mais rigorosa nesse per íodo , aumen trias metal -mecânicas.
tando assim o n ú mero de produtores registrados para o pagamento do imposto que- Em alguns setores, os insumos importados foram parcialmen-
servia de base para as estat ística de produção.
te substituídos por insumos dom ésticos, como por exemplo, lã em
INDÚSTRIA BRASILEIRA 57
56 WILSON SUZIGAN
.
cia da seca nas regiões produtoras do Norte e Nordeste A escassez
bruto, couro curtido superior e outros insumos para calçados e cha-
péus, ferro-gusa e sucata para fabricação de artigos de metal,
de algodão que se seguiu levou à importa ção de algod ão norte-ame -
ricano. Além disso afirma-se que a intensa competição entre as
trapos, papel velho e fibras vegetais para a fabricação de papel de f ábricas brasileiras de tecidos de algodão fez com que os tecidos
embalagem e papelão, alguns produtos químicos leves como carbu- produzidos internamente fossem vendidos a preços inferiores aos dos
.
reto de cálcio e, em menor medida, corantes de anilina, etc Entre- tecidos importados, dificultando assim que as f á bricas brasileiras
-
tanto, essa “substituição de importações ” de matérias primas e
insumos tem sido excessivamente enfatizada por alguns autores.
se beneficiassem do aumento da proteção durante a guerra (ver
.
capítulo 3, subseção 3.2 1). Sobretudo, é importante notar que a
Por exemplo Fishlow (1972) e Cano (1977), procurando, ressaltar a ind ústria brasileira de tecidos de algodão era ainda dependente de
importância do aumento na produção interna de matérias-primas alguns insumos importados, tais como soda cáustica , alvejantes,
tomam como exemplo o aumento na produção doméstica de ferro- corantes de anilina , etc., e em alguns casos também de combustível
gusa, de 3 500 toneladas em 1915 para 11 700 toneladas em 1918 importado . O enorme aumento dos preços de importação , certa-
(Fishlow (1972, p. 20) ou de 4267 toneladas em 1916 para 11 748 mente afetou essa indústria ao elevar seus custos de produção,
.
toneladas em 1918 (Cano 1977, p. 168) Porém , a utilização desses reduzindo assim sua margem de lucros. Finalmente, em 1918 a
dados é enganosa. De fato, a produção e o consumo doméstico ind ústria de tecidos de algod ão entrou novamente em crise em vir-
de ferro-gusa eram insignificantes em comparação com o consumo tude de ac ú mulo de estoques e forte queda nos preços (ver capítulo
.
de ferro e aço laminado Uma vez que não existia usina de lamina- 3, subseção 3.2.1).
ção no Brasil nessa época, todo o ferro e aço laminado para consu- Ademais , mesmo que os lucros da ind ústria de tecidos de
-
mo interno tinha que ser importado, e, em 1912 1913, o consumo algodão tenham aumentado, disso não se depreende que outras in-
interno médio anual de ferro e aço laminado atingiu cerca de d ústrias também tivessem seus lucros aumentados. Ao contrário,
550000 toneladas! (ver capítulo 4, subseção 4.2.2). Durante a guer- muitas outras ind ústrias eram ainda mais dependentes de insumos
ra, essas importações de ferro e aço foram drasticamente reduzi- importados , e quanto maior essa dependê ncia, mais provável que
das, o que certamente restringiu o crescimento da produção das in- os custos de produção dessas indústrias aumentassem, reduzindo
d ústrais metal-mecânicas. Finalmente, deve ser notado que durante I assim suas margens de lucro, uma vez que os preços de importação
a guerra não houve qualquer desenvolvimento significativo na pro- aumentaram mais que os preços domésticos (ver dados no Apêndi-
dução interna de insumos básicos, tais como cimento, aço, produ- ce 2), e não vice-versa, como afirma Mello (1975 , p. 171) ..
tos químicos pesados, fertilizantes químicos, etc., ou na produção No entanto , mesmo a discussão acima é inconclusiva. De
.
de bens de capital (ver Capítulo 4) fato, a controvérsia sobre os níveis de lucro da ind ústria brasileira
3) Lucros, O alegado aumento dos lucros industriais durante durante a guerra só pode ser resolvida com base em dados sobre lu -
a guerra ainda está para ser comprovado. O argumento de que a cros dos v ários setores industriais, mas por enquanto esses dados
Primeira Guerra Mundial foi um período de alta lucratividade para não se encontram disponíveis.
a indústria brasileira, inicialmente colocado por Fishlow (1972, Em resumo, o impacto da Primeira Guerra Mundial sobre a
pp. 18-19), baseia-se no caso específico da indústria de tecidos de ind ústria de transformação no Brasil provocou uma drástica redu-
algodão, sobre o que ele afirma que “ nem os sal ários nem o preço ção nos investimentos. Quanto aos efeitos sobre a produção , duas
do algodão acompanharam a ascenção dos preços dos produtos fases distintas podem ser identificadas: inicialmente, a produção
têxteis. Grandes lucros em 1916 e 1917 foram uma conseqiiência”. industrial recuperou-se da crise em 1913-1914, ocorrendo um
Outros autores apoiaram o argumento de Fishlow, como Versiani e aumento real da produção em 1915-1916 para atender à demanda
. Versiani (1977) e Cano (1977). interna por bens de consumo que nos anos de pré-guerra ainda era
Mesmo que o caso da indústria de tecidos de algodão seja marginalmente satisfeita por importações, bem como a demanda
aceito como representativo, a evidência apresentada por Fishlow externa por produtos alimentícios e outros produtos industrializa-
sobre os lucros dessa indústria não é suficiente. De fato, em 1915- dos; e, em seguida , a taxa de crescimento da produção industrial
1916, o preço do algodão aumentou mais de 100% em consequen ••
-
5fi WILSON SUZIGAN 59
INDÚSTRIA BRASILEIRA
çl çdliuw ( 1917 ) e , subseqèntemente, tornou -se negativa (1918) em
a da escassez de matérias-primas, insumos, máquinas e
goiiNçq ílfincí sua vez , provocou um substancial aumento nos preços relativos das
importações. Essa mudanças, aliadas “ a existência de capacidade
.
equipamentos importados De fato, a ind ústria de transformação
ociosa em algumas ind ústrias que trabalhavam para o mercado in-
doméstica ainda não tinha desenvolvido a capacidade de resistir a
um choque como o causado pela guerra, ao contrário da posição al- termo , e ao fato de que já existia no país um pequeno n úcleo de in-
cançada à época do choque da Grande Depressão da década de d ústrias de bens de capital, explicam a rápida ascensão da produ-
1930. No entanto o efeito mais importante do choque da Primeira ção industrial, que passa a ser o fator dinâmico principal no proces-
Guerra foi o de tornar tanto o governo quanto os industriais mais
.
so de criação da renda ” (Furtado (1963, p 233)).
cônscios da necessidade de promover a diversificação e completar o Com relação à política de defesa do café, Furtado salienta
desenvolvimento do setor industrial, como discutido na subseção que as compras efetuadas pelo governo para futura destruição fize-
1.2.4 anterior. ram com que o ní vel de renda do setor exportador caísse menos que
a queda nos preços do café, e que as compras do produto foram fi-
nanciadas por expansão de crédito. Isto caracteriza essa política
1.3.3 A crise do café e da Grande Depressão da década de 1930 como anticícíica. Assim, a renda (e, portanto, a demanda) do setor
cafeeiro foi mantida em níveis relativamente elevados. Na verdade,
A controvérsia acerca dos efeitos da crise do caf é e da Grande a renda foi reduzida em cerca de 25 a 30% , segundo as estimativas
Depressão da década de 1930 sobre a economia brasileira tem sido de Furtado, em comparação com a queda de 50% nos Estados Uni-
dos e de mais de 60% no preço internacional do caf é entre 1925-
centrada na análise original de Furtado (1963, caps. 31 e 32) De . 1929 e 1932.
tivamente discutidas na literatura, cujos pontos mais importantes
-
fato, a análise desse autor, sua revisão e reabilitação têm sido exaus
Com renda nominal sendo sustentada e com a forte redução
.
já foram esclarecidos 24 Para os propósitos do presente estudo se na capacidade de importar, o desequilíbrio externo foi agravado.
rão discutidos apenas alguns dos pontos principais, ou seja, aqueles
- Para corrigir esse desequilí brio, o governo permitiu que a taxa de
que são cruciais para entender o menor impacto da crise sobre a câmbio fosse depreciada (54% em 1931 e 108 % até 1935, relativa-
economia brasileira e a rápida recuperação dessa economia. Esses mente a 1928-1929), o que provocou um forte aumento nos preços
pontos são: a pol ítica de defesa do caf é, a mudança nos preços rela relativos das importações, criando assim um novo nivel de preços
tivos das importações e a existência de capacidade ociosa na indús
- relativos entre importações e produção doméstica. Segundo Furta-
tria. Primeiramente, porém, faz-se uma breve resenha da análise de
- do, foi com base nesse nivel de preços relativos que se realizou a
Furtado. industrialização substitutiva de importações da década de 1930.
Uma vez que as importações tornaram -se mais caras, a
1) A interpretação de Furtado. Furtado (1963, cap. 32) atri demanda interna foi parcialmente transferida no mercado externo
bui o menor impacto da crise do caf é e da Grande Depressão sobre
- para os produtores domésticos. Assim, com a demanda interna sen-
a economia brasileira, e a r ápida recuperação dessa economia, à do sustentada mais firmemente do que a demanda externa , os seto-
política de defesa do café implementada pelo governo federal a par- res que produziam para o mercado interno tornaram-se mais atrati-
.
tir de 1931 Esse ponto de vista pode ser resumido como segue. vos para investimentos do que o setor exportador . Criou-se então
Através da compra do excedente de produ ção, a política de defesa uma situação praticamente nova na economia brasileira, qual seja,
do caf é manteve a renda nominal (e, portanto, a demanda) do setor a preponder â ncia do setor ligado ao mercado interno no processo
exportador (caf é) em níveis relativamente elevados. Entretanto, es de acumulação de capital. Assim , Furtado salienta a importância
sa política agravou o desequilíbrio externo da economia, que, foi
- da demanda interna como o fator dinâmico fundamental do cresci-
corrigido por uma forte depreciação da taxa de câmbio, a qual, por mento económico dos anos 30 (ele tinha em mente tanto a produ-
ção industrial quanto a produção agrícola para o mercado interno).
(24) Ver Suzigan (1984) para uma resenha.
Furtado prosseguiu em sua análise argumentando que houve
ent ão uma transfer ência de capital do setor cafeeiro para a produ-
I

1
60 WILSON SUZIGAN 61
INDÚSTRIA BRASILEIRA

ção de algodão para exportação (os preços do algodão estavam sobre o


tado, mas principalmente pela cobrança de novos impactos
aumentando no mercado internacional) e para os setores que pro- de gastos do go-
pr óprio setor cafeeiro. Isto significa que a política
duziam para o mercado interno (indústria e agricultura).
verno para a defesa do caf é n ão foi tão importante para a manuten -
Para aumentar a capacidade de produção desses setores, par- ção da renda nominal quanto suposto por Furtado
. Pel á ez calculou
ticularmente da ind ú stria, seria necessá rio importar bens de capital
No entanto , o aumento no preço relativo das importações e a limi-
. então a renda líquida do setor café e concluiu que entre
1928 e 1933
, tinha
ela se contraiu em 41 % . Furtado , como já foi mencionado
tação da capacidade de importar atingiram também os bens de ca- 1929 e o fundo
estimado a contração da renda nominal total entre
.
pital Assim, como foi possível aumentar a produção industrial?
da depressão em cerca de 25 a 30%. Fishlow (1972
) veio em apoio a
Como afirma Furtado, o aumento da produ ção foi possível na pri- es de Pel á ez ) ao
Furtado (embora aceitando parcialmente as revis õ
meira fase de expansão em virtude da exist ência de capacidade
argumentar que parte do novo imposto sobre o caf é foi transferida
ociosa no setor industrial. A utilização dessa capacidade existente para os consumidores externos devido à inelasticidade da demanda
deve ter resultado também em maiores lucros, os quais seriam utili- política de
externa do caf é . Assim , ele conclui que o efeito-renda da
zados para financiar a expansão futura da capacidade de produção.
defesa do caf é, embora não tenha sido tão importante quando ima -
Além disso, o crescimento da demanda por bens de capital, como insignificante quanto su-
ginado por Furtado, também não foi t ão
resultado do crescimento da produção para o mercado interno, os gerido por Peláez. Na mesma direção encontra -se a contribui çã o de
elevados preços dos bens de capital importados e a limitação da à s estimativas de
Silber (1977) , que, acrescentando um ano (1934 )
capacidade de importar criaram condições favoráveis para o desen- não foi da
Peláez, conclui que o financiamento através de impostos
volvimento da indústria de bens de capital no pais. magnitude encontrada por Peláez (65% mas ) de apenas 48 % , sen-
do os 52 restante financiados através da expans ã o de cr é dito . Silber
2) Revisão e restabelecimento da análise de Furtado. Diver- no multiplicador do
foi mais longe ainda ao agrumentar, corn base
sos pontos da interpretação de Furtado foram qualificados por financiada por novos
vários autores. Três desses pontos são particularmente relevantes orçamento equilibrado, que mesmo a parte
, é claro,
impostos sobre o setor cafeeiro foi expansionista (embora
para a presente discussão: em primeiro lugar, o impacto da política
não tanto quanto seria se o financiamento tivesse sido exclusiva -
de defesa do caf é sobre os níveis de renda; em segundo, a proteção
mente por expansão de crédito). Sobretudo , Cardoso ( 1981 b ), tra -
à indústria de transformação; e, em terceiro, a transferência de re-
balhando com um modelo de equilíbrio geral , argumenta convin -
cursos do setor cafeeiro para outras atividades, inclusive indústria. centemente que a política de defesa do caf é expandiu a renda inter -
Outros pontos, levantados principalmente por Peláez (1972),
na, estimulando assim a expansão do produto industrial . Segundo
incluem a suposta importâ ncia de fatores exógenos, tais como o de com-
Cardoso (1981b, p. 1248): “ Ao assegurar preços mínimos
saldo da balan ça comercial e as despesas governamentais não-pla- pra , compensadores para a maioria dos cafeicultores , o programa
nejadas, para a recuperação.25 Peláez argumenta também que as
(de defesa do caf é) efetivamente manteve o n í vel de
emprego do se -
políticas fiscal e monetária foram ortodoxas durante a década de , setores produtores ligados ao
tor exportador e , indiretamente dos
1930. No entanto, vários autores já demonstraram a impropriedade caf é , a produção
mercado interno. Graças à polí tica de defesa do
dessas revisões de Peláez.26 industrial começou a se recuperar do fundo da recess ã o alcan çado
O impacto da política de defesa do café sobre os níveis de ren- de Furtado de que a taxa de câm-
em 1930” . Igualmente, a hipótese
da é um dos pontos mais contestados da an álise de Furtado sobre a
bio depreciou-se em conseqiiência do desequil í brio externo agrava -
década de 1930. Foram feitas duas qualificações principais. Primei-
do pela política de defesa do caf é tamb é m foi fortalecida . No entan -
to, este ponto é qualificado por Cardoso (1981b , p. 1240
ramente, Peláez (1972) argumenta que a pol ítica de defesa do caf é ) ao afir-
não foi financiada através da criação de crédito, como afirma Fur por im-
- mar que, “... quando o acúmulo
, o
de estoques
saldo da balan
foi
ç a
financiado
comercial melho-
postos sobre as exportações
(25) Esse ponto foi enfatizado por Villela e Suzigan (1973).
por cr édito , ocorreu um d é ficit”.
.
(26) Ver , por exemplo, Neuhaus (1975, cap 4, Silber (1977), Abreu (1977, rou , mas, quando foi financiado p
.
pp. 49-58) e Cano (1981, pp 204- 224). que os efeitos sobre a despesa ública
Finalmente , Cardoso conclui
62 INDÚSTRIA BRASILEIRA 63
WILSON SUZIGAN

induzidospelas políticas monetária e fiscal durante os anos 30 Ele aceitou este fato como evid ência de que os recursos foram
foram mais iimportantes do que a depreciação da taxa de câmbio e transferidos do café para o algodão e, portanto, não foram canali-
os efeitos-preço. zados para a ind ústria. A evidência apresentada por Peláez é obvia-
mente insuficiente para confirmar a última parte de sua conclusã .
o
Uma segunda qualificação à análise de Furtado sobre o
efeito-renda da política de defesa do café é a de que ele n ão levou Além disso, deve ser observado que Furtado nã o referiu - se especifi -
em consideração o impacto do Coffee Realization Loan (20 mi camente à transferência de recursos de caf é para a ind ú stria , mas
lhões de libras) (Peláez (1972), Fishlow (1972) e Silber (1977)). No
- sim para o algod ão e para outras atividade s ligadas ao mercado
entanto, este parece ser efetivamente um ponto de menor importân- interno, inclusive indústria e agricultur a .28
Al ém da expansão do
cia. De fato , para financiar o serviço desse empréstimo foi criado cultivo do algod ão, tanto para a exporta çã o quanto para o consu -
um novo imposto sobre o caf é, o que obviamente reduziu o impac mo da ind ú stria doméstica de tecidos de algod ã o , ocorreu também
to do empréstimo sobre o nível da renda. Além disso, informações- nos anos 30 uma grande expans ão na produ çã o de produtos agríco-
dos representantes britânicos contemporâneos no Brasil mostram las para o mercado interno ( Villela e Suzigan ( 1973 , pp . 188)).
que apenas 4 milhões de libras entraram efetivamente no país; o Quanto à indústria de transform a ção , os investime ntos se recupera -
restante foi levantado no Brasil (5 milhões de libras) ou retido para ram em 1933-1935 e aumentaram substancialmente em 1936-1939 .
te qualquer evid ê ncia dispon í vel que
pagar outros débitos, comissões, etc.27 No entanto, não h á atualmen
Quanto à proteção à indústria de transformação , Furtado a permita determinar até que ponto esses investimentos foram finan-
atribui exclusivamente à mudança nos preços relativos em conse — —
ciados se é que o foram pela transferê ncia de recursos do se -
qiiência da depreciação da taxa de câmbio. Este foi, de fato, o
- tor cafeeiro exportador , ainda que através do sistema financeiro
.
mais adicionai s. Algumas evid ê ncias adicionai s
importante fator de proteção, especialmente em 1931-1935, quando 3) Coment rios
á
respondeu integralmente pelo enorme aumento no custo oferecem apoio aos argumento s que restabele ceram a an á lise de
real das
importações
—80% em relação aos níveis de 1928-1929, segundo

Malan et alii (1977, p. 382) , ao mesmo tempo que os preços de
Furtado em seus aspectos essenciais, ainda que qualificad
alguns pontos espec í ficos . Em rela çã o ao impacto
s por
da crise
Haddad
sobre
(
a em

1978
os
)
importação em moeda estrangeira caíam 25%! Entretanto, tem ,
níveis de renda novas estimativa s realizada
sido argumentado (Suzigan (1975), Abreu (1977) e Malan et alii mostram que . a produ çã o total em termos nominais de fato con -
, em
(1977)) que a proteção e o estímulo ao crescimento da produçã
o in- traiu-se em 26% entre 1929 e 1931 e em 22 % entre 1929 e 1932
conseqiiência de uma redu çã o do produto real ( 5 , 3 % no per íodo de

—dustrial decorreram nã o apenas da mudan ça nos preços relativos


em conseqiiência da depreciação da taxa de câmbio, mas também
da intervenção direta do governo no com ércio exterior, através do
1929-1931 e 1,2
vamente, 22 e
em
21 %
1929
nos
-1932
dois
) e de
perí
uma
odos )
queda
.Em
nos
termos
preç
de
os ( respecti
renda real
-
(isto é , ajustando-se os índices de produto real pelas varia es
çõ na
controle das operações cambiais e restrições às importações, e se-
cundariamente da política aduaneira, que elevou os impostos de relação de trocas ) , ocorreu uma queda de 28 % de 1929 a 1932 . Este
correspon de exatamen te à estimativ a de Furtado para
importação em 1930 e em 1934. último dado
Finalmente, a interpretação de Furtado sobre a década de o declínio da renda nominal (entre 25 e 30%)
1930 foi qualificada também com respeito à sugestão de que teria A produção industrial, por outro lado, começou a se recupe-
ocorrido uma transferência de recursos do setor cafeeiro , cuja lu- rar já a partir de 1931, especialmente no Estado de São Paulo, onde
a
cratividade declinou, para outras atividades com melhores perspec- aumentou 8,9% (Suzigan (1971)). De fato , há evidência qualitativ
tivas para a acumulação de capital (Furtado (1963, pp. 228 229)). indicando que a recuperação da produção industrial começou em
Peláez (1972, cap. 3) argumenta que a produção de algodão para
- São Paulo em maio- junho de 1931, e que nessa recuperação esteve
é
exportação no Estado de São Paulo na década de 1930 expandiu se
- estreitamente relacionada aos efeitos da política de defesa do caf
naquelas áreas anteriormente ocupadas pelas plantações de café. sobre a demanda e ao aumento da produção decorrente da prote -
(27) Brazil Annual Report, 1930. PRO/ FO 371 , A /1849/6. ( 28) Sobre esse ponto , ver Cano (1981, pp . 215-217).

s
*
1
64 WILSON SUZIGAN
INDÚSTRIA BRASILEIRA 65
ção da taxa de câmbio e da elevação do imposto de importa
ção
(ver capítulo 3, subseção 3.2.1). No entanto , foi somente a partir
de base nessa diversificação e na utilização da capacidade ociosa exis -
1933 que o crescimento da produção industrial se acelerou , atingin
do taxas anuais de crescimento da ordem de 10% durante o período
- tente na ind ústria têxtil que se deu o r ápido crescimento da produ
ção industrial durante a década de 1930 ( F. R . Versiani (1982)).
-
-
1933-1936 e de 6 % durante 1937 1939. Estas taxas anuais de cresci
mento fizeram com que a produção industrial dobrasse na década
- No entanto , os dados sobre exportações de maquinaria indus -
trial para o Brasil ( Apêndice 1) não confirmam inteiramente esses
de 1930, o que é um desempenho notável em vista da crise que
pontos de vista. Primeiramente , os dados agregados indicam que o
atingiu o setor cafeeiro e da depressão econó mica mundial.
tudo, é importante notar que esse crescimento ocorreu enquanto a
Sobre - investimento industrial recuperou-se em 1933-1934, alcançando
1935-1939 praticamente os mesmos n í veis , em m édia, atingidos em
-
capacidade de importar estagnou se, levando a uma substancial
dução do coeficiente de importação de produtos industriais (de
re- -
1925 1929. É mesmo razoável supor que o investimento industrial
no final da d écada de 1930 foi superior ao do final da década de
45% em 1928 para menos de 20% em 1939) (Malan et alii (1977,
p. 287)). Este é um indicador , embora precário, da
1920, uma vez que na década de 1930 já havia produção interna de
industrialização alguns equipamentos industriais (ver capítulo 4, subseção 4.2.3).
substitutiva de importações ocorrida na d écada de 1930.29 As ind ús-
Sobretudo, deve-se notar que Furtado (1963, p. 229) afirmou clara-
trias mais importantes ainda eram aquelas produtoras de bens de
consumo não-duráveis, principalmente têxteis, vestuário e alimen- -
mente que o crescimento da produção industrial baseou se na utili-
zação de capacidade ociosa “ na primeira fase de expansão” ,
tos . No entanto , as ind ústrias que lideraram o crescimento da pro-
dução foram aquelas que estavam substituindo importações, prin de ociosa “ na primeira fase de expansão ”.
- Os dados desagregados, por outro lado, mostram tend ências
cipalmente de bens intermediários, tais como cimento, aço e produ
- similares para o investimento na ind ústria têxtil. Este , apôs
tos metalú rgicos , produtos quí micos , papel e pasta , produtos de recuperar-se em 1933-1934, alcan çou e , na m édia , at é mesmo ultra -
borracha , etc e, em menor escala, bens de capital .
Um outro comentário refere-se à utilização da capacidade de
-
passou ligeiramente em 1935 1939 os níveis de fins da década de
produção e ao investimento no setor industrial. É geralmente
.
1920 Mesmo antes de expirar a legislação que restringia as impor-
tações de má quinas têxteis, tais máquinas vinham sendo importa -
salientado na literatura que o crescimento da produ ção industrial
das em n íveis compará veis àqueles da década de 1920, exceto o ano
durante os anos 30 baseou-se na utilização de capacidade ociosa -
de 1925. Há três explicações possíveis para esse paradoxo: primei
instalada nos anos anteriores à Depressão, particularmente na in-
ramente , alguma maquinaria moderna estava sendo importada
dústria t êxtil, e que os investimentos foram restringidos pela proibi-
para substituir m áquinas obsoletas na ind ú stria t êxtil de algod ão,
ção de importar máquinas e equipamentos para algumas ind ú
strias como aliás estava previsto na legislaçã o ; em segundo, estava tam-
consideradas em “ superprodução ” (t êxtil, calçados, chapéus, fós
foros e papel).30 Afirma se que esta proibição, que vigorou entre
- - bém sendo importada maquinaria para outros ramos da ind ústria
têxtil , tais como tecidos de seda e raiom , os quais se desenvolveram
março de 1931 e março de 1937, “reservou ” recursos em moeda es-
trangeira para importação de bens de capital para as
consideravelmente na d écada de 1930; e, finalmente, é poss í vel que
“novas ” in - a legislação que proibia as importações de maquinaria para a ind ús-
d ústrias de bens intermediários (Mello (1975 , p. 115) e
Aureliano tria têxtil (e outras) não tenha sido rigorosamente cumprida (ver ca-
. -
(1981, pp 116 117 e 131)). Afirma-se também que o processo de
di- pítulo 3 , subseção 3.2.1 , e capítulo 4, subseção 4.2.8). Na verdade ,
versificação da produ ção industrial durante a dé cada de 1920 foi
foi somente no caso de outras ind ústrias tradicionais que o investi-
muito mais vigoroso do que em geral se acreditava, e que foi com §» mento caiu tornando assim possível realizar maiores importações
de maquinarias para as ind ústrias de bens intermediários e de capi -
(29) Ver Malan et alii (1977, pp. 327-351) para
uma medida mais rigorosa da tal , como foi sugerido por Mello (1975, p. 115) e Aureliano (1981 ,
substituiçã o de importações durante a década de 1930.
-
(30) Ver Stein (1979, pp. 144 157) para uma .
p 131 ).
políticas econó micas que levaram à imposi ção de
análise detalhada das condições I Finalmente, há a quest ão da diversificação da produ ção
naria industrial .
restrições à importação de maqui- » industrial , que realmente começou na década de 1920, como apon -
f
.
tado por F. R. Versiani (1982) O rápido crescimento durante a
i década de 1930 da produ ção de cimento , ferro e aço, papel e celu-
INDÚSTRIA BRASILEIRA 67
66 WILSON SUZIGAN

lose, artigos de borracha, produtos metalú rgicos, químicos , tecidos Embora estes enfoques fossem concebidos tendo em vista
de seda e de raiom , etc., não poderia ter -se baseado apenas na
capacidade de produção instalada durante a década de 1920. De

diferentes cenários económico-sociais o “ país novo” , no caso da
teoria dos produtos básicos , e os países da periferia durante o pe-
ríodo de crescimento voltado para a exportação, no cado dos linka-
fato, a capacidade ociosa dessas ind ústrias foi rapidamente absor-
vida na fase de recuperação, e a partir de 1933 os investimentos au-
mentaram consideravelmente. No caso de algumas indústrias, os

ges generalizados de Hirschman , a abordagem é essencialmente
a mesma. Ela descreve o processo de desenvolvimento económico no
dados sobre exportação de maquinaria industrial para o Brasil período de crescimento voltado para a exportação , ou a experiência
(Apêndice 1) ofereceram uma evidência concreta desse aumento no m de crescimento de um país novo a partir de um produto básico de
investimento. Por exemplo, as exportações de máquinas-ferramen- exportação , nos termos dos efeitos de encadeamento Çlinkage
ta e máquinas para trabalhar metais para o Brasil quase duplicaram effects ) ou dos efeitos de expansão (spread effects ), derivados das
em 1935-1939, em relação aos níveis de 1925-1929. No caso de ma- .
exporta ções de produtos básicos Uma vez que se trata da econo-
quinaria para fabricação de papel e celulose , as exportações para o mia de país perif érico (ou de um país novo) , as condições económi-
Brasil mais que dobraram no mesmo per íodo; e aproximadamente cas internacionais e a posição subordinada do país na divisão inter-
doze vezes mais maquinaria para fábricas de óleo vegetal foi em- nacional do trabalho são dadas. Assim, o principal determinante
barcada para o Brasil em 1935-1939 do que em 1925 1929. Além - da potência de um produto básico para gerar efeitos de encadea-
disso, há evidência qualitativa mostrando que três quartos da capa- mento ou de expansão é a natureza desse produto , ou seja, sua ca-
cidade de produção de cimento existente em 1939 tinham sido insta- pacidade de induzir investimentos no mercado interno através da
lados durante a d écada de 1930; foi também durante essa década demanda de fatores e insumos intermediários para sua produção da
que se realizaram substanciais aumentos da capacidade de produ- possibilidade de processamento ulterior do produto básico, e da
ção de ferro e aço, produtos metalúrgicos e mecâ nicos e tecidos de distribuição da renda proveniente da expansão do produto básico
seda e de raiom. Assim , embora o início da diversificação da pro- de exportação (Watkins (1963, pp. 144-145) e Baldwin (1956)).
dução industrial na d écada de 1920 tenha sido importante para a re- A essê ncia do processo pelo qual a expansão das exportações
cuperação da produção industrial no início da década de 1930, não induz o investimento em outras atividades da economia doméstica é
se pode dizer que foi a base na qual se apoiou o rápido crescimen- o efeito de encadeamento. Nas palavras de Hirschman (1981,
to da produção no restante da década. Na verdade, este crescimen- .
P 75), “ ••* o desenvolvimento é essencialmente o registro de como
to baseou-se principalmente em capacidade de produção instalada uma coisa conduz a outra, e os linkages são esse registro, de um
durante a pr ópria década de 1930. ponto de vista especí fico. Eles enfocam certas características ine-
rentes às atividades produtivas já existentes numa determinada
época. Estas atividades , devido às suas caracter ísticas, impulsio-
1.4 Uma interpretação alternativa m nam ou , mais modestamente, convidam alguns agentes económicos
a iniciar novas atividades. Sempre que isto ocorre há um linkage
As origens do desenvolvimento industrial brasileiro poderiam I entre a atividade existente e a nova atividade •» » Esses efeitos de en-
também ser interpretadas nos termos da “ teoria do crescimento cadeamento são classificados em três tipos diferentes: os linkages
de produção, os de consumo (ou de demanda final) e os fiscais.
ñ
económico induzido por produtos básicos” (Watkins (1963)), ou t
da “ abordagem dos linkages generalizados ao desenvolvimento” Além disso, Hirscham (1981) introduziu um conceito de linkage
‘6
(Hirschman (1981, pp. 59-97)). Essas bordagens são bastante generalizado , dividido em duas grandes categorias: interno ( inside
conhecidas e podem ser resumidas aqui apenas em seus pontos linkage ) e externo ( outside linkage). A seguir faz-se uma breve rese-
principais.31 \ nha de cada tipo de linkage.
Os de produ ção são os conhecidos linkages para frente e para
(31) Para uma discussão mais detalhada, ver Watkins ( 3963), Hirschman .
trás , originalmente descritos por Hirschman (1961, cap. 6) Em ter-
-
(1981, cap. 4) Baldwin (1956) e os trabalhos dos autores mais antigos da escola cana
dense de história econ ómica citados em Watkins (1963). mos da teoria do produto básico, os linkages para trás medem “...
. "
-
rc ã

68 . WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 69


:. . . •• ••«

a indução a investir na produção doméstica de insumos , inclusive sificados por Hirschaman ( 1981 , pp. 75 -83) em dois tipos generali-
bens de capital, para o setor exportador em expansão” ( Watkins —
zados : o interno que compreende as situações em que as novas
(1963 , p . 145)) . Em virtude das “dificuldades para dar o salto tec- atividades económicas induzidas pelos linkages são empreendidas
nológico’ os linkages para trás são mais efetivos “quando necessi -
5
pelos “mesmos agentes económicos que já estão envolvidos na ati-
dades de insumos envolvem recursos e tecnologias que permitem a
produção doméstica ” (Hirschaman (1981, p . 72) e Watkins ( 1963 >
i
j
vidade económica existente” (produto básico de exportação) - e o
externo que ocorre quando as novas atividades são empreendi-

a
p. 145)) . Watkins menciona como o mais importante exemplo de das por estrangeiros ou pelo Estado. Todos os linkages podem ser
linkage para trás “ . . . a construção de sistemas de transportes para internos ou externos, com exceção do linkage fiscal , “o qual é
coleta do produto básico, pois isto pode ter poderosos efeitos adi- externo por definição” (Hirschaman ( 1981 )) .
cionais de expansão” . Os linkages para a frente , por outro lado, . As vantagens desse tipo de abordagem são evidentes . Além de

medem a indução a investir em atividades económicas que usam o ser aplicável a qualquer produto básico, ela ajuda a entender as
produto do setor exportador como insumo ( Watkins ( 1963)). -a diferenças no desenvolvimento económico (particularmente indus-
O linkage do consumo (ou demanda final) é o equivalente do trial) das diferentes regiões (ou países) durante o per í odo de cresci-
fenô meno descrito por Hirschman ( 1961, cap. 7) como “a dinâmi- mento voltado para a exportaçã o / Nas palavras de Hirschman
ca do ‘ engolir ’ , através da industrialização, de sucessivas categorias 1 (1981 , pp . 66-67 :
) “ Uma avalia ção comparativa da existência, . ..

de importa çã o em expansão no decurso do crescimento voltado força e confiabilidade desses vá rios efeitos de encadeamento para
parà exportação” (Hirschman (1981 , p . 65)) . Em termos da teoria diferentes produtos b ásicos em diferentes cená rios só cio-econó mi-
do produto básico , o linkage do consumo mede “ . a indução a in- cos é um caminho para o entendimento do processo de crescimento
vestir em indústrias domésticas produtoras de bens de consumo pa- nos países da periferia , durante o per íodo de crescimento voltado
ra os fatores empregados no setor exportador . Seu principal deter- para a exportação . Uma vantagem considerável desse enfoque é a
minante é o tamanho do mercado doméstico , o qual por sua vez de- de que ele indica desde o início a possibilidade de experiências ca-

pende do nível de renda — agregada e média e sua distribuição” racterísticamente diferentes , de acordo com diferentes constelações
(Watkins (1963)) , A distribuição da renda gerada pela produção e de linkages9 9
exportação do produto básico determinará , portanto , os gastos de As possibilidades de aplicar essa abordagem ao caso do Bra-
consumo . O linkage do consumo “ . . . tenderá a ser tanto maior : í! sil , são imensas, é claro . Diversos produtos básicos no século XIX,
quanto mais elevada a renda média e mais equitativa a sua distri - pelo crescimento da sua renda , induziram alguma diversificação
buição ” (Watkins ( 1963, p . 146)). Geralmente os gastos de consu- das atividades económicas em torno da sua base . O mais importan-
mo são orientados para as importações, as quais, à medida que vão te, como se sabe , foi o caf é. Este produto básico , e seu potencial
se tornando elevadas , tendem a ser substituídas pela produção do- para induzir investimentos em atividades subsidi árias e comple-
méstica, de acordo com a dinâmica do “engolir” , de Hirschman. mentares , é um dos mais detalladamente estudados, particular-
O linkage fiscal ocorre quando o Estado cobra impostos so- mente do ponto de vista do desenvolvimento do modo capitalista
bre a renda gerada pelas exportações do produto básico e canaliza I de produção nas áreas produtoras de caf é (ver subseção 1.2. 3 ante-
os recursos assim obtidos para financiar investimentos em outros rior) . 32 Embora o caf é seja o exemplo t ípico de um “produto básico
setores da economia (Hirschman (1981 , pp . 67V71 , e 1983 , p. 17)) . .%

O linkage fiscal pode ser direto — quando o Estado tem meios de (32) Há similaridades óbvias entre a teoria do produto básico (ou a aborda .
.
-
cobrar impostos diretamente sobre a renda do setor exportador — -
gem dos linkages generalizados) e o enfoque do capitalismo tardio Dève se notar ,
no entanto, que as caracter ísticas do crescimento industrial ocorrido durante o

ou indireto quando o Estado não pode , por questões políticas , m período de crescimento voltado para a exportação (isto é, não apenas produção de
taxar diretamente a renda do setor exportador e , ao invés , cobra
m bens de consumo mas também processamento ulterior do produto básico e fabrica -
-
direitos aduaneiros sobre as importações (Hirschman ( 1983 , M ção de insumosv inclusive bens de capitai, para o setor exportador ) e o in ício da di
pp. 17- 18 )) . / y; .. •
versificação da estrutura industrial mesmo antes da Primeira Guerra Mundial (pro-
dução de insumos industriais) são melhor explicados pela teoria do produto básico

••

Finalmente , esses linkages , como já foi mencionado, são clas- M


do que pelas relações contraditórias entre o capital cafeeiro e o capital industrial
70 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 71

errado” na tipología de produtos básicos de Baldwin (1956), ele di- cultivo do algodão para exportação no Nordeste, que motivou o
fere do exemplo de plantation daquele autor no sentido de que ps estabelecimento de usinas de descaroçamento e prensagem de algo-
cafeicultores brasileiros, principalmente em São Paulo, promove - dão e estimulou investimentos em f ábricas de tecidos de algodão e
ram desde logo a transição para o trabalho assalariado, criando as- de óleo de caroço de algodão naquela região. As exportações de
sim condições para o desenvolvimento de uma economia de merca- fumo, por outro lado, induziram investimentos na ind ústria de cha -
do e a diversificação das atividades económicas domésticas. De fa
to, o crescimento da renda a partir das exportações de café (ou o
- rutos no Nordeste, bem como em f ábricas de tecidos de juta para
1 produzir o material adequado à embalagem das folhas de fumo
processo de acumulação de capital na economia cafeeira) estimulou para exportação. A pecuária no Nordeste, particularmente no Sul,
investimentos em atividades tais como benef íciamento de caf é, fa- certamente induziu o desenvolvimento da indústria de artigos de
bricação de máquinas de beneficiar caf é e outras máquinas e imple - couro e, .mais tarde no sul, da produção de carnes congeladas e
mentos agrícolas e de sacaria de juta para ensacar o produto para i industrializadas. Nos casos do cacau e do mate, os linkages são
exportação, construção de estradas de ferro e portos, bem como in
vestimentos em atividades tais como fabricação de tecidos de algo-
- menos evidentes. Além de tudo, os linkages do consumo em todos
os casos mencionados certamente estimularam o desenvolvimento
dão para vestir a força de trabalho, produtos alimentícios, etc. 1 das ind ústrias têxtil, de vestuário, de produtos alimentícios, etc. No
Além disso, a receita aduaneira, derivada das importações finan
ciadas principalmente pela receita das exportações de café, foi utili-
- entanto, devido aos baixos níveis de renda que geraram e à distri-
buição desigual dessa renda, associada aos respectivos modos de
zada pelo governo para financiar (ou dar garantia de juros para) in- ¿I produção , esses produtos básicos não tiveram o mesmo poder que
vestimentos em infra-estrutura, tais como estradas de ferro, portos,
melhoramentos urbanos, etc.33 Finalmente, em termos dos linkages
teve o caf é para induzir investimentos em outras atividades. A ex -
tração da borracha constitui um caso extremo, tendo seus efeitos
generalizados de Hirschman, a maior parte dos investimentos indu- de encadeamento estimulado principalmente importações de luxo e
zidos pelas exportações de caf é pode ser caracterizada como de de subsistência.
linkages internos, com exceção dos investimentos no comércio de A aplicação em sentido amplo da teoria do produto básico ou
importação e exportação, que foi desenvolvido principalmente por da abordagem dos linkages não é realizada explicit ámente neste tra-
estrangeiros, bem como, em certa medida , do desenvolvimento do balho. No entanto, esses enfoques estão implícitos no estudo das
sistema de transporte, que foi em parte promovido pelo capital origens de diversas ind ústrias específicas e das suas possíveis liga-
estrangeiro com garantia de juros pelo governo brasileiro.
Outros produtos básicos também induziram alguma diversifi-
ções com o produto (ou produtos) básico da região. Isto é mais evi -
dente, por exemplo, nos estados de caso das indústrias têxteis, de
cação das atividades económicas em torno de sua base no século açúcar, de produtos de borracha, de óleo de caroço de algodão e
1
XIX. A cana-de-açúcar , por exemplo, induziu investimentos em metal-mecânicas (ver capítulos 3 e 4).
'

f á bricas e refinarias modernas de açúcar a partir de fins da década A hipótese de trabalho deste estudo é? a de que o desenvolvi-
de 1870 e, também , na produção de moendas e peças para máqui- mento industrial no Brasil no século XIX ^pode ser explicado nos
nas e equipamentos para f ábricas de açúcar. Outro exemplo é o do Vj termos da teoria do crescimento económico induzido por produtos
básicos (ou da abordagem dos linkagesgeneralizados ao desenvol-
vimento), isto é, o crescimetno industrial foi induzido pela expan-
propostas pelo enfoque do capitalismo tardio, as quais implicam uma certa rigidez íi são do setor exportador. Essa relação entre a expansão do setor ex-
estrutural (apenas bens de consumo). A
portador e o crescimento industrial continuou no início do século
’m
XX, mas foi sendo gradualmente reduzida. Até o início da Primei-
.
(33) Uma implicação interessante do conceito de linkage fiscal é a distribuição
regional da receitá das alf ândegas. Por exemplo, o Nordeste pode ter sido indireta -
mente beneficiado pela renda gerada pelo caf é nos periodos em que recebeu assistên
cia governamental para ajuda contra a seca. Vice-versa, a renda da borracha pode
- |
3 ra Guerra Mundial e, em menor escala, daí até o final da década de
ter sido parcialmente transferida para outras regiões através da arrecadação da re-
ceita aduaneira sobre as importações destinadas à área produtora de borracha. Este
i 1920, o crescimento industrial ainda foi estimulado pela expansão
do setor exportador , mas a partir da década de 1900 o incipiene
é, certamente, um tópico muito promissor para trabalhos adicionais de pesquisa. W setor industrial doméstico já estava ele próprio estimulando investi-
m

72 WILSON SUZIGAN
m
£ INDÚSTRIA BRASILEIRA 73

mentos em outras atividades através de linkages para a frente e 1


m básico, e com a indu ção , derivada do produto básico , a investir em
para trás , como , por exemplo, na produção de sacaria de algodão Mm outras atividades , subsidiá rias ou complementares.
para ensacar farinha de trigo, açúcar , etc. , garrafas de vidro para Espera-se que essa relação tenha sido mais importante no
cerveja e outras bebidas, latas para embalar produtos industrializa-
t século XIX e , embora em menor medida , ainda nas três primeiras
4&.
.
dos, maquinaria industrial mais simples , etc A Primeira Guerra W d écadas do século XX. Neste ú ltimo per íodo , os investimentos
acelerou esse processo de diversificação ao tornar evidente a neces- industriais foram também determinados pela criação de mercados
sidade de diversificar a estrutura da produção industrial. Essa I como resultado de relações inter industriais , como mencionado na
diversificação intensificou-se a partir da d écada de 1920, em parte i seção anterior .
estimulada por incentivos e subsídios governamentais. Com a crise f . Outra quest ão importante é a proteção e assistência gover-
do setor exportador e a Grande Depressão da década de 1930, a namental à ind ústria . A discussão sobre a proteção é geralmente
ligação entre a expansão do setor exportador e o crescimento indus- 1 centrada na tarifa aduaneira e/ ou nas oscilações da taxa de câm -
trial foi rompida, embora o setor industrial permanecesse depen- 1
bio. No entanto , é importante considerar o efeito agregado não só
dente do setor exportador quanto à geração de capacidade para im- • V dos direitos de importação e das variações na taxa de câmbio, como
portar as máquinas e equipamentos necessários aos investimentos :?y. também dos preç os relativos (essa medida agregada de proteção é
industriais e insumos para a produção industrial. Iniciou-se, ent ão, discutida no capítulo 2). Em nível mais desagregado , a proteção é
um processo de industrialização substitutiva de importações, o qual

' ¡í també m discutida nos diversos estudos de caso industriais, com
acelerou a diversificação da estrutura do setor industrial. to I : particular atençã o para medidas especí ficas de proteção a essas
indústrias. A assistência governamental é discutida ao nivel de
z-
1 3*

£ ind ústrias especí ficas, com particular interesse nas formas diretas
è de assistência, tais como a concessã o de incentivos e subsídios,
ír
1 5 Questões não resolvidas
, garantia de juros sobre o capital aplicado , empréstimos, etc.
Também importante é a quest ão das origens do capital indus-
A partir da discussão anterior sobre as diferentes interpreta- ,- .. ••• trial, que é discutida nos estudos de caso industriais , com ênfase
ções das origens do desenvolvimento industrial brasileiro, despon- nas seguintes poss íveis origens do capital industrial: capital mer -
tam algumas quest ões que estão a requerer evid ências adicionais. cantil (com ércio de importação e exporta çã o e com ércio interno);
Essas questões são destacadas nesta seção e servem de orientação capital de imigrantes ; investimento direto de capital originalmente
geral para a análise do investimento industrial no capítulo 2 e para acumulado no setor cafeeiro e em outros produtos básicos; reinves-
os estudos de caso de ind ústrias específicas nos capítulos 3 e 4. timento de lucros de empresas industriais; e investimento direto de
A quest ão mais importante, logicamente, é a da possível rela- capital estrangeiro .
ção entre a expansão do setor exportador e o desenvolvimento Outras quest ões relevantes para os estudos de caso são as
industrial. O estudo dessa relação é, de fato, um dos principais seguintes: oferta de trabalho e utilização do trabalho de escravos,
objetivos dos capítulos seguintes. Primeiramente, ela é estudada ao -
de imigrantes ou de nativos; processamento de matérias primas lo -
nível agregado, procurando-se determinar até que ponto o investi- cais ou dependência quanto a matérias-primas importadas; dispo-
mento industrial ( tal como estimado neste trabalho) foi influenci- nibilidade e fontes de energia utilizadas ; e efeitos da política econó-
.
dado pelo desempenho do setor exportador Secundariamente, em 1 mica, particularmente monet á ria e fiscal , e dos eventos na econo-
um n í vel mais desagregado, a relação entre a economia de exporta- mia internacional sobre as ind ústrias espec í ficas.
ção e o desenvolvimento industrial é examinada na base de estudos
de caso de ind ústrias especí ficas , procurando-se relacionar as ori-
gens do desenvolvimento de determinadas ind ú strias com a criação V
de um mercado doméstico pelos produtos dessas ind ústrias , como
resultado da expansão das exportações de um determinado produto
344 WILSON SUZIGAN

comparaçã o com os frigoríficos estrangeiros e produziam apenas


para o mercado interno. Em 1936, os frigorí ficos estrangeiros
ainda detinham cerca de 95% da capacidade de abate de gado bovi-
no para fins de exportação, e 87 % da capacidade de abate de suínos
e ovinos.296 Durante a Segunda Guerra Mundial um novo boom de
exportação daria um novo ímpeto à ind ú stria , o que levou um
observador a notar que, naquela época , o Brasil detinha a quinta
posição mundial como produtor e exportador de carne bovina e o -m
terceiro lugar como produtor e exportador de carnes enlatadas.297
r -


-:4-

4
y.
Conclusão
>

rf

» ,, O presente volume procura contribuir para o estudo do inves-
\vJ

timento na indústria de transformação em uma economia agrícola


Km-
de exportação , considerando o caso do Brasil no perí odo que vai de
& ' meados do século XIX até as quatro primeiras décadas do século
V#
; Í çí J XX. A ênfase do estudo é na extensão do desenvolvimento alcan-
\ çado pela indústria de transformação, na natureza desse desenvol-
%
U vimento e em seus principais determinantes . As principais consta-
•'*’
.x~
*

v
tações são resumidas a seguir, dando-se atenção à evidência produ-
à zida sobre esses t ópicos e sobre as questões até aqui não resolvidas
'

>* :
‘¡

no debate sobre as origens do desenvolvimento industrial brasileiro.


c
m m

1) Conclusão geral

Com base na evidência produzida sobre o investimento na


indústria de transformação e no estudo da relação entre as tendên-
m cias do investimento , o desempenho do setor exportador e as mu-
mi danças nas variáveis de política económica , a conclusão geral deste
m
a ?
> estudo pode ser resumida como segue . O investimento na indústria
mM de transformação estava diretamente relacionado ao desempenho
. . ml do setor exportador até 1913, e em menor grau até 1929. Essa rela-
WV foi interrompida a partir da década de 1930, quando o cresci-
(296) Brazil , MFA (1937, p. 227).
-
(297) Hughlett (1946, pp. 152 153). M \
mento da renda interna nas atividades económicas ligadas ao mer-
cado interno substituiu a demanda externa como o principal deter-
minante da acumulação de capital industrial . Além disso, o investi-
346
INDÚSTRIA BRASILEIRA 347
WILSON SUZIGAN

mento na ind ústria de transformação também estava diretamente tação e exportação, comércio interno, etc. Além disso, e com recur -
sos indiretamente derivados das exportações de produtos básicos, o
relacionado com as variações no estoque real de moeda. Conjunta -
de moeda — —
mente, essas duas variáveis receita de exportações e estoque real.
explicam aproximadamente 80% das tendências do
investimento na indústria de transformação no período antes de
governo brasileiro financiou (ou garantiu juros sobre) investimen-
-
tos em infra estrutura (ferrovias, portos, linhas de navegação, me
lhoramentos urbanos, etc.), na modernização da indústria do açú-
-
car, na promoção da imigração, etc. Ademais, em um estágio pos-
f •

1914, 69% no per íodo 1914-1929 e apenas 33 % quando a década de ê

1930 é adicionada ao per íodo anterior. No que diz respeito às variá- terior, especialmente durante as décadas de 1900 e 1910, o investi
mento na indústria de transformação foi também induzido pelas
-
veis da política comercial, sua relação com o investimento na indús- L.
tria de transformação é ambígüa.
t necessidades de insumos para a própria incipiente indústria de
f transformação. Algumas indústrias “novas” começaram a se de -
senvolver para a fabricação desses insumos, tais como sacos de
2) Reintegração das origens
algodão para farinha de trigo e açúcar
refinado , garrafas de vidro

$ para cerveja e outras bebidas, latas para acondicionar f ósforos,
do desenvolvimento industriai brasileiro ¿M cigarros e alimentos, maquinaria industrial simples como tomos,
'

equipamento têxtil e peças, pequenos motores, etc.


De acordo com essa conclusão geral e acrescentando a evidên
cia produzida pelos estudos de caso de indústrias, as origens do
- \

desenvolvimento industrial brasileiro podem ser reinterpretadas 2.2 Período a partir da Primeira Guerra Mundial. A partir da
Mi Primeira Guerra, por outro lado, embora o investimento na ind ús-
nos seguintes termos: no per íodo anterior a 1914, e em menor grau £
tria de transformação ainda fosse em grande parte induzido pela
até 1929, o desenvolvimento da ind ústria brasileira de transfor
mação pode ser caracterizado como tendo sido induzido pela expan-
- := i
expansão do setor exportador , o padrão de desenvolvimento indus -
são do setor exportador. Entretanto, há uma clara distinção entre
o crescimento industrial que ocorreu antes da Primeira Guerra
m
m
Q
trial tornou-se mais complexo. Isso é explicado pelo fato de que
durante a guerra a escassez de matérias-primas e insumos básicos,
) incluindo maquinaria e equipamento, tomou claro que a produção
Mundial e a partir desta. O desenvolvimento industrial que ocorreu f íiv :
£
a partir da década de 1930, por outro lado, pode ser caracterizado AV industrial interna teria que ser diversificada para abranger esses
.
como industrialização por substituição de importações Esses três
per
it
i produtos. Nesse sentido, a guerra estimulou uma maior diversifi
cação do crescimento industrial induzido pela expansão do setor
-
íodos são discutidos a seguir. ti .
exportador. Essa diversificação, embora tentada mesmo durante a
te guerra, começou realmente na década de 1920. Os investimentos
2.1 Período anterior à Primeira Guerra Mundial. O cresci
mento industrial que ocorreu antes da Primeira Guerra, particular : industriais foram então expandidos para a produção de cimento,
mente no século XIX, pode ser explicado nos termos da teoria do aço, papel e celulose, produtos de borracha, produtos químicos,
crescimento económico induzido por produtos básicos, ou pela & *
maquinaria e equipamento e produtos de seda e raiom. Investi
mentos adicionais foram também realizados para ulterior proces
-
-
abordagem dos linkages generalizados de Hirschman ao desenvol- ;
vimento (ver capítulo 1, seção 1.5). A expansão do setor exportador | samento de “novos” produtos de exportação, tais como óleo de
fj f\ caroço de algodão, carne resfriada e produtos derivados de came, e
induziu investimentos não apenas nas ind ústrias de bens de con MM
sumo (linkages de consumo), mas também, através dos linkages de m
- para a modernização e expansão da capacidade de produção de
algumas das indústrias “ tradicionais” , tais como têxteis de algodão
produção, em: indústrias produtoras de insumos, incluindo maqui
naria e peças, implementos, etc., para o setor exportador; proces-
- e de lã, açúcar, calçados, moagem de trigo e cervejarias.
samento ulterior de produtos de exportação (por exemplo, benefi- m •te
\ ^
2.3 A década de 1930. Com a crise no setor exportador (café)
ciamento de caf é e refinação de açúcar); e outras atividades eco <s - e a Grande Depressão da década de 1930, esse padrão de investi-
nómicas complementares ou subsidiárias, tais como transporte MM- -
(principalmente ferrovias e navegação), bancos, comércio de im
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\ mento industrial induzido principalmente pela expansão da econo -
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348 WILSON SUZIGAN INDÚSTRIA BRASILEIRA 349
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mia de exportação foi descontinuado. Entretanto, o investimento .0 Vi


3.1 Período anterior à Primeira Guerra Mundial. Nesse perío-
na indústria de transformação permaneceu dependente da capaci
dade de importar criada pelo setor exportador para importar ma-
-m do, o mercado para produtos industrializados foi criado pelo setor
exportador em expansão, principalmente através dos linkages de
quinaria e equipamento e, em escala decrescente, insumos básicos. | -f 1 consumo e de produção, como mencionado acima. As indústrias de-
Durante toda a década de 1930 o setor exportador continuou S#
senvolvidas nesse período eram principalmente complementares ou
em profunda crise, enquanto os níveis de renda interna foram man- subsidiárias do setor exportador e dependentes desse setor também
*
tidos pela política de defesa do café e pelas políticas fiscal e mone
tária expansionistas. O crescimento da produção industrial foi,
- -
para importar matérias primas e insumos, incluindo maquinaria e
equipamento. Essas ind ústrias se beneficiaram do crescimento da
assim, estimulado, tendo-se baseado, em parte, no aumento da :
força de trabalho resultante da imigração promovida pelo setor
produção nas indústrias de bens de consumo anteriormente insta - m exportador , especialmente o caf é.
ladas e, em parte, num rápido processo de substituição de impor
tações nas ind ústrias de bens intermediários e de capital. Inicial-
:
- • A proteção à indústria de transformação nacional nesse perío-
mente, o crescimento da produção foi baseado na utilização de â M
do não foi tão alta como geralmente se acreditava e, considerándo
se o efeito agregado das variações nos direitos de importação, na
-
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-
capacidade ociosa, mas a partir de 1933 tornaram se necessários
novos e substanciais investimentos, sem os quais não teria sido
m -
taxa de câmbio e nos preços relativos, verifica se que a proteção
não aumentou nesse período devido a variações compensatórias
possível obter as altas taxas de crescimento da produção alcançadas m nessas variaveis. Além do mais, a proteção foi desigual e instável ao
m
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durante a década. .
nível de indústrias individuais A desigualdade provinha não ape-
Assim , fica evidente que a década de 1930 representa um
ponto de inflexão na transição para uma economia industrial, mas
m
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nas das naturais diferenças nos direitos de importação, mas tam -
bém e principalmente dos diferentes graus de dependência de cada
também é evidente que essa transição começou durante o período indústria quanto a insumos importados, sobre os quais também
de crescimento liderado pelas exportações, após o choque da Pri m t
- .
incidiam direitos de importação A instabilidade era devida às mu-
.
meira Guerra Mundial e particularmente na década de 1920 Entre- Vim m danças nos direitos de importação, como resultado de alterações
,
tanto essa transi o só seria completada no fim da década dé 1950,
çã nas alíquotas específicas ou nos preços oficiais de importação que
quando o processo de industrialização avançou para abranger a serviam de base para o cálculo dos direitos, e ao efeito das varia-
produção interna de insumos básicos e bens de capital. . &\ ' V
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ções nos preços de importação e na taxa de câ mbio sobre esses
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preços oficiais. Assim, devido às freqüentes variações nos direitos
de importação e ao caráter não seletivo, não se pode afirmar que a
3) Principais determinantes do desenvolvimento industrial V..

tarifa alfandegária tenha sido intencionalmente protecionista.
e novas evidências sobre as questões resolvidas Entretanto, há indicações de que, no caso de algumas indústrias
desenvolvidas nesse período, a diferença entre os direitos de impor-
tação sobre o produto final e aqueles sobre os insumos importados

Guerra Mundial
— —
Os fatores que determinaram o desenvolvimento da indústria
de transformação nos dois períodos antes e a partir da Primeira $m
.
eram diferentes; naturalmente A discussão
desses fatores nos capítulos 3 e 4 demonstra as características dis - cNIMf
* era suficientemente grande para garantir um alto nível de proteção
.
i tarif ária efetiva Em outros casos havia uma proteção natural adi
cional em virtudè dos elevados custos de transporte, devido à natu-
-
/ reza volumosa do produto; deve-se considerar também que as
tintas do desenvolvimento industrial em ambos os períodos Ade
mais, essa discussão produziu novas evidências sobre alguns dos
. -
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-
indústrias que processavam matérias primas locais (não tributadas)
pontos mais controvertidos no debate sobre as origens do desen -
í aparentemente recebiam uma proteção acima da média Entre . -
volvimento industrial brasileiro. Os pontos mais relevantes dessa -gfjP ' tanto, a evidência apresentada não é conclusiva, e apenas um estu
do sistemático da proteção tarif ária efetiva pode determinar os
-
discussão são sumariados a seguir
níveis de proteção realmente dados à indústria de transformação
brasileira nesse período
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350 WILSON SUZIGAN
INDÚSTRIA BRASILEIRA 351
A ajuda governamental direta à ind ústria de transformação pamentos para a crescente ind ústria de transformação, e também
no período anterior à Primeira Guerra foi praticamente nula, com para a ind ústria de construção civil e outras atividades económicas
exceção daquela concedida à indústria do açúcar e das ocasionais
ligadas ao mercado interno , particularmente no setor urbano. Além
isenções de direitos sobre matérias-primas e maquinaria industrial
importadas. Entretanto, o desenvolvimento industrial pode ter sido
do mais, a partir da década de 1930 a demanda externa deixou de
ser o principal determinante do crescimento da demanda interna, o
indiretamente favorecido pela atuação do governo em áreas como a
qual se tornou dependente do crescimento da renda interna promo-
construção de ferrovias, o equipamento dos portos, a promoção da
imigração, a urbanização, etc. Os investimentos do governo nessas
vido pelas políticas económicas expansionistas e crescentemente
áreas foram financiados por recursos derivados das exportações de
baseado em atividades ligadas ao mercado interno (ind ústria e agri-
produtos básicos através dos linkages fiscais.
cultura). A dependência da ind ústria de transformação quanto à
capacidade de importar criada pelo setor exportador foi gradual-
O capital investido na ind ústria de transformação nesse per
ío- mente reduzida no que se refere a matérias- primas e insumos, mas
do originou-se principalmente de atividades ligadas aos produtos
não no que se refere à maquinaria. A oferta da mão-de-obra aumen-
básicos de exportação, particularmente as seguintes: o comércio de
exportação e importação, em que os empresários imigrantes eram
tou como resultado do crescimento natural da população, parti-
preponderantes; o comércio interno; e a própria produçã o de pro- .
cularmente da migração interna e do desenvolvimento urbano.
dutos básicos, especialmente caf é. A formação de capital industrial
A proteção à indústria de transformação aumentou substan-
cialmente nesse período como um todo, como resultado de: depre-
em escala significativa aparentemente começou no período entre o
ciação da taxa de câmbio durante todo o per í odo; aumento nos
mente em per íodos de prosperidade das exportações. Os agentes
-
início da década de 1870 e o início da de 1890, e ocorreu principal
preços de importação durante a Primeira Guerra e no final da déca-
da de 1930; e imposição de restrições às importações através do
sociais do processo de acumulação de capital industrial foram pre-
controle do mercado cambial; particularmente na década de 1930.
ponderantemente os imigrantes-importadores, mas um papel impor-
Dessa maneira , a proteção tarif ária nesse período teve importância
tante foi também exercido por empresários do comércio interno e
pelos cafeicultores, estes últimos principalmente no Estado de São
secundá ria.
Paulo. O capital estrangeiro não teve participação significativa no A ajuda governamental direta à ind ústria de transformação
desenvolvimento da indústria de transformação brasileira nesse -
tornou se importante no período. A partir da Primeira Guerra o
governo passou a estimular deliberadamente o desenvolvimento de
período . Apenas umas poucas firmas estrangeiras realizaram inves-
indústrias individuais, embora não o desenvolvimento industrial
timentos em moagem de trigo, na fabricação de calçados, na pro -
dução de f ósforos, de açúcar e de óleo de caroço de algod ão e nas
em geral. No entanto, os incentivos e subsídios concedidos não
-
indústrias metal mecânicas. eram sistemáticos , e nem sempre foram eficazes .
A formação de capital na ind ústria de transformação ainda
Finalmente, as indústrias desenvolvidas nesse per íodo eram era em grande parte baseada no capital originalmente acumulado
diretamente afetadas por mudanças na política económica, parti
cularmente na política monetária, e por crises económicas e finan-
- em atividades ligadas ao setor exportador , pelo menos até o fim da
ceiras internacionais, as quais eram imediatamente transmitidas à
década de 1920. Entretanto, os investimentos diretos de capital
estrangeiro desempenharam um papel importante na diversificação
economia interna através de crises no setor exportador.
dã estrutura industrial que começou nesse período, com partici-
pação substancial na maioria das ind ústrias que começaram a se
3.2 Período a partir da Primeira Guerra Mundial Nesse. desenvolver a partir da década de 1920, e mesmo durante a Pri-
período, o crescimento do mercado para produtos industrializados
meira Guerra. Além do mais, o reinvestimento de lucros das empre-
ainda era fortemente determinado pelo desempenho do setor expor - sas industriais também financiou uma importante parte do aumento
tador , pelo menos até 1929, mas em uma escala decrescente. Um
papel crescentemente importante era exercido pela demanda
do investimento industrial e da diversifica ção da produ ção indus-
trial, com várias empresas instalando fábricas subsidiárias ou esten-
-
interna de matérias primas, insumos básicos e maquinaria e equi-
dendo suas atividades a outros gêneros da ind ústria de transfor-
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352 WILSON SUZIGAN : r V. . :
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mação. Quanto aos agentes sociais do processo de acumulação do


capital industrial nesse per
íodo, há indicações de que os imigrantes :•

tiveram um papel importante. 9 V

: Finalmente, até o final da década de 1920 o investimento e a

produção industrial ainda eram fortemente afetados pelas mudan - •


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í : .. ,

ças na política económica, ditada principalmente pelos interesses V

da agricultura de exportação e pelas crises económicas e financeiras ti


(ou outros acontecimentos) na economia mundial que afetavam o
setor exportador. A partir da década de 1930, entretanto, o investi -
mento e a produção industrial foram favorecidos pela política eco- y .
nómica, e se tornaram menos vulneráveis às crises económicas e
financeiras internacionais. De fato, as principais características da

industrialização brasileira durante a década de 1930 são as seguin-


tes: ela progrediu independentemente da crise no setor exportador;
N
Apêndices
m-
foi estimulada pelas políticas económicas expansionistas; e substi - mift
m
tuiu importações que foram restringidas em decorrência da escassez
de divisas imposta pela crise do setor exportador e da depressão
económica mundial. J —
1 . Tabela 18 Exportações de maquinaria industrial
para o Brasil proveniente da Grá-Bretanha,
dos Estados Unidos , da Alemanha e da França —
y 1855- 1939
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2. Tabela 19 — Brasil , tarifa aduaneira ad valorem
equivalente agregado , e índices de: preços das

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*
-u
importações , taxa de câmbio , taxa de câmbio real ,
f

tf
preço real das importações , e custo real das
m importações
% 3 . Tabela 20 — Fábrica de tecidos de algodão
estabelecidas no Brasil antes de 1905
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