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Resumo: Este artigo discute a preocupaç ão atual com a atribuiç ão de sentido à idé ia de
‘Desenvolvimento’, retrospectivando o itinerá rio teó rico que levou à crise a concepç ão
dominante associada ao urbano-industrialismo. A partir de um contexto e panorama
supostamente Pó s-Moderno, introduz um inventá rio de idé ias que afetam a noç ão de
‘Desenvolvimento’ na atualidade. Atravé s destas idé ias, demonstra as condiç ões de
possibilidade da formulaç ão de um discurso que postula um papel protagonista para a
dinâmica ‘local’ ou ‘localista’ nas estraté gias de ‘Desenvolvimento’ contemporâneas.
Abstract: This paper discusses the present preoccupation about meaning attribution to the
‘development’ idea. First, it reconstructs the theoretical itinerary that was responsible for
the crisis of the prevailing conception associated to urban-industrialism. Then, leaving from
a supposed Post-Modern scenery context, this paper presents an inventory of ideas that
affects the development notion nowadays. So, through these ideas, the paper demonstrates
the possible conditions to formulate a speech that defends a main role to ‘local’ or ‘localist’
dynamics in the contemporaneous strategies of ‘development’.
Introdução:
Parece estar na ordem do dia nas sociedades contemporâneas um vívido interesse
histó rico. Esta discussão transversa tangencia també m a Amé rica Latina e, nela, o Brasil.
Todavia, se a preocupaç ão com o ‘Desenvolvimento’ não é um fato tão novo assim, é bem
verdade que há , na atualidade, uma forte ressurgência de polêmicas ao seu respeito. Neste
caudal, desafia-se e critica-se sentidos até então atribuídos e, em grande parte, busca-se
1
Artigo publicado em Textos CPDA. Rio de Janeiro: CPDA-UFRRJ, n. 7, 1999. e na Revista Paranaense
de Desenvolvimento. Curitiba: IPARDES, n. 94, 1999.
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Prof. do Departamento e do Curso de Mestrado em Extensão Rural-UFSM; doutor em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade. E-Mail: jmfroe@ccr.ufsm.br.
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Cabe observar que a polêmica sobre o significado de ‘Desenvolvimento’ é quase que exclusiva das ciências
sociais e econômicas, não se apresentando de modo tão controvertido nas ciências naturais, de onde, aliá s, sua
noç ão foi importada. Na Ecologia e na Agronomia, por exemplo, designa o processo pelo qual um organismo
cresce e se complexifica em sua integralidade até atingir a plenitude de suas potencialidades (clímax), em
condiç ões gené ticas e ambientais determinadas.
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de reduzir as desigualdades só cio-econômicas. Sob tal crítica, necessá rio e urgente se faz
historicista, as quais tem tido lugar até hoje nas reflexões e aç ões relativas ao assunto (Cf.
prolífica adjetivaç ão do desenvolvimento: integrado, endó geno, sustentá vel, durá vel,
regional, local, rural, etc. Neste processo, o ‘espaç o’ parece vir ganhando maior magnitude
nas preocupaç ões sobre o desenvolvimento, até então hegemonizado pela dimensão do
‘tempo’, verdadeira obsessão da Modernidade, que se traduzia na ânsia pelo futuro e pela fé
projeç ão para o futuro - a categoria do ‘tempo’, hoje se volta a pensar mais no ‘espaç o’ -
concretamente como territó rio: o local, o regional, etc., desde um dado grupo social que,
produzir uma interaç ão dialé tica entre ‘espaç o’ e ‘tempo’ (Cf. Ló pez-Casero, 1996).
autores, deveria merecer mais atenç ão e ser, inclusive, apoiado (Cf. Becker, 1997; Yá ñez,
1998). A esta dinâmica localista e portanto particularista, que afeta aquela de cará ter mais
universalista4, e que está envolvida no espectro de novas oportunidades do pró prio processo
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A tendência universalista seria aquela que, fundamentada nos cânones iluministas da ciência moderna,
acredita em valores gerais universais e na expansão unívoca do processo civilizató rio aos moldes ocidentais.
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se hoje a crer na apariç ão do regime de acumulaç ão flexível, e nesta transiç ão, supõe-se
composta por atores que se relacionam, que tem capacidade de atuaç ão frente aos
problemas a resolver, que contam com recursos e que podem e devem participar em seu
pró prio desenvolvimento. Se lhes reconhece uma certa margem de manobra. Assim:
“ Nã o é mais possível se considerar nem residual nem secundá rio o conjunto de variá veis endógenas
sociais do sistema local porque o desenvolvimento é, em grande medida, o fruto de uma complexa construç ã o
social da economia, saida de sociedades locais com estruturas e hist órias determinadas. Por isso, já aceita-
se hoje em dia um certo consenso que o desenvolvimento local é possível e que se trata de um processo
dinâ mico e global de colocaç ã o em marcha e sinergia dos atores locais para valorizar os recursos humanos e
materiais de um território dado e em relaç ã o negociada com os centros de decisã o do conjunto econômico
social e político em que se inserem.” (Guerrero, 1996:410)
desenvolvimento, logrando alcanç ar, via descentralizaç ão, maior democratizaç ão social,
desenvolvimento regional (Yá ñez, 1998). Poré m, tal atribuiç ão de sentido, tão localista e
Mattos(1989)5. Ao casar localismo com descentralizaç ão, tal autor contesta o argumento de
popular, a justiç a social e o desenvolvimento regional. Aponta que um discurso pautado por
esta retó rica só é do interesse dos que defendem a reforma do estado, visando a aprimorar
estatais orientadas a manter a ordem social capitalista acima dos interesses capitalistas
individuais). Assim, a configuraç ão atual do estado seria vista como um obstá culo para a
Assim, o estado central tem começ ado a ser considerado por certas correntes de ascendente
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Certamente há outros autores críticos ao discurso ‘ localista’ ou ‘descentralizador’ para o desenvolvimento,
mas usaremos somente Mattos(1989) neste tó pico por entendermos ser suas posiç ões emblemá ticas e
sinté ticas dos diversos argumentos que são brandidos contra o
‘desenvolvimento local’.
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reproduç ão do capital, tanto em termos nacionais como internacionais. Para esta dinâmica,
atualidade. Deveria se indicar como se poderia alcanç ar tais objetivos sem modificar a
estrutura e a dinâmica econômica vigente ou, inversamente, como uma nova organizaç ão
ao desenvolvimento nos marcos dos modelos vigentes de acumulaç ão. Segundo Mattos, por
âmbito nacional - que, é claro, não é o mesmo que mudar as bases econômicas, políticas e
ideoló gicas do poder - com isso não se pode pretender alcanç ar modificaç ões essenciais na
excedente econômico.
utopia iluminista que concebe a sociedade como ‘harmônica’, e que menosprezaria a idé ia
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de ‘luta de classes’ como motor da histó ria. Ao parecer acreditar numa unidirecionalidade
da histó ria e do desenvolvimento, Mattos descarta que, apó s as sociedades modernas terem
‘superado’ o localismo, esteja-se hoje propondo a sua consideraç ão efetiva. Argumenta ele
etapa em que uma característica destacada dos proprietá rios do capital era a sua
capitalistas buscam melhorar as condiç ões para a valorizaç ão de seus capitais atravé s de
parte do territó rio. Por tais argumentos presentes na leitura da realidade e na posiç ão
teó rica representativa de Mattos, é que este (e outros) consideram não ter sentido atribuir ao
origens, em uma moldura filosó fica determinada; e o solo cultural onde esta idé ia tem
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raízes é a Modernidade, que por sua vez é criaç ão desta entidade histó rico-geográ fica
denominada Ocidente. Indicia-se, nesta aná lise, a ligaç ão congênita existente entre
explicitando-se a origem etnocêntrica6 de tais noç ões. Ademais, convé m lembrar, como faz
impessoalidade (relaç ão com a ciência). Na luta pela subordinaç ão dos localismos (feudos,
aldeias), a naç ão foi o espaç o de afirmaç ão da Modernidade. Tal embate se deu pautado
naç ão-nacionalidade (identidade nacional) como ‘novidade histó rica’ se fez em detrimento
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Europeicêntrica, para sermos mais exatos.
7
Daí se coloca uma das questões contemporâneas para a noç ão de desenvolvimento, pois a ló gica auto-
atribuída a chamada é poca Pó s-Moderna não seria mais opositiva, mas compositiva, tendo no ecletismo e no
pluralismo elementos por excelência (Cf. Santos, 1988). A Pó s-Modernidade, assim, ao invé s de opor,
compõe o rural com o urbano, o tradicional com o moderno, desvelando novas potencialidades para o
particular/local ao relativizar o universal. Voltaremos a estas questões mais adiante.
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monopó lio em conferir o sentido das aç ões coletivas. Todavia, observa Ortiz(1996), é
justamente a Globalizaç ão em curso que vem romper tal estado de forç as, colocando em
causa o monopó lio do estado nacional em definir o aludido sentido da vida social, pois tal
ló gica totalizante, supondo que se estaria tornando o mundo mais unificado e homogêneo.
informaç ão, finanç as e mercadorias implicariam, como o fizeram, o recuo inevitá vel de
culturas locais. Poré m, pondera, o processo de globalizaç ão pode e deve ser visto també m
como a abertura da percepç ão de que o mundo agora é ‘um só lugar’ com o inevitá vel
aumento de contatos: temos necessariamente, como em nenhuma outra é poca histó rica,
maior diá logo entre naç ões, blocos e civilizaç ões. O processo globalizante abre um espaç o
dialó gico onde ocorrem consensos, mas també m confrontos e conflitos, pois os agentes
estão cada vez mais interligados em crescentes teias de interdependência e correlaç ões de
geralmente mais presentes nas concentraç ões urbanas, e com as dú vidas e ansiedades que
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Contudo, isto não significaria que a atuaç ão do estado nacional seja desnecessá ria ou negligenciá vel; ela é
concreta, possuindo um papel importante no contexto da ‘nova ordem mundial’, mas já não tão ‘fundamental’
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esta gera, uma das razões de por que o ‘localismo’ - ou o desejo de voltar ou permanecer
são indissociá veis na fase atual. Com isso relativiza-se as leituras lineares do processo
comunidades locais, conduzindo, no limite, ao ‘fim do local’. O que se pode perceber é que
um dos efeitos da Globalizaç ão, ao invé s do ‘fim do local’, é levar àconfrontaç ão de uma
complexidade cultural, de lidar com aquilo que, do ponto de vista de categorias bem
organizadas, parece ser desordem, mas que não pode ser adequadamente incorporado na
pluralidade em oposiç ão a uma histó ria unificada e unidirecional, alé m de uma consciência
capacidade de deslocar a moldura, de mover-se entre vá rios focos, de lidar com um leque
de material simbó lico de onde vá rias identidades podem ser formadas e reformadas em
situaç ões diferentes. Tem havido uma extensão de repertó rios culturais e aumento dos
recursos de vá rios grupos para criar novos modos simbó licos de afiliaç ão e pertencimento,
processo o local parece exercer um papel fundamental. É neste sentido que, afirma
“ ...o resultado do aumento da intensidade de con tato e da comunicaç ã o entre naç ões e outros
agentes é produzir um choque de culturas, o que pode levar a tentativas cada vez mais intensas de desenhar
as barreiras entre si e os outros. Nesta perspectiva, pode-se considerar que as mudanç as que estã o
ocorrendo na fase atual da globalizaç ã o intensificada estariam provocando reaç ões que procuram
redescobrir a particularidade, o localismo e a diferenç a que geram uma noç ã o dos limites dos projetos
culturalmente unificadores, ordenadores e integradores associados à modernidade ocidental.” (1996:24)
possibilidade para a ruptura com a visão usual do desenvolvimento como podendo basear-
se em uma receita que seria idêntica para todas as sociedades, independentemente de sua
cultura, de seu ambiente natural, etc. Não aceita-se, neste caudal, nenhum tipo mais de
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Outros, como Jameson(1992), consideram a P ó s-Modernidade meramente como uma ló gica cultural peculiar
ao capitalismo tardio hoje vivenciado.
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Segundo Souza(1997), aná lises marxistas como a de Mattos(1989), també m teriam um reducionismo
econômico-material: fariam a crítica das relaç ões de produç ão capitalistas, mas não das forç as produtivas
herdadas, pois suporiam um aproveitamento da matriz tecnoló gica (e espacial) do capitalismo. Essa matriz,
em si mesma, seria uma conquista da humanidade, o grande problema seria o de se encontrar gerida por mãos
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ou, também, através de bruscas rupturas) das condiç ões gerais de viver em sociedade, em
princípio mais fundamental sobre o qual se poderia assentar a referida noç ão11. Pois ela, a
ou um modo de vida específico, exige a consideraç ão deste grupo não isoladamente, mas no
contexto da relaç ão com outras coletividades, em qualquer escala (da internacional àlocal),
culturais:
erradas, infortú nio a ser eliminado pelo proletariado revolucioná rio. O marxismo seria, portanto, uma variante
da doutrina modernizante, uma doutrina modernizante alternativa. Já diversas vertentes ‘ecoló gicas’ do
desenvolvimento, como o ‘ecodesenvolvimento’ e o ‘desenvolvimento sustentá vel’, muito comumente
resvalariam para um reducionismo de cunho naturalista. Mais discussões importantes sobre estas questões e
outras relacionadas, sobre as raízes da moderna doutrina do desenvolvimento, podem ser encontradas em
Cowen & Shenton(1996).
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Souza(1997:19) també m entende esta noç ão de ‘desenvolvimento’ como “um movimento (sem fim - ou seja,
sem ‘está gio final’ ou mesmo direç ã o concreta predeterminados ou previsíveis e que nã o poderá jamais ser
declarado como ‘acabado’ - e sujeito a retrocessos) em cuja esteira uma sociedade torna-se mais justa e
aceitá vel para seus membros.”.
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plano externo (os interesses legítimos e a autonomia do Outro, nã o importando o quanto ele seja diferente de
nós mesmos), conforme um princípio de nã o-intervenç ã o.” Souza(1997:21)
não é , como desqualificou Mattos(1989), uma utopia idealista, a exigir como premissa uma
autônoma, uma gestão autônoma do espaç o, este produto social que é , a um só tempo,
simbó lico e afetivo e, també m, para a organizaç ão política, alé m de ser uma arena de lutas e
Baseando-se em tais consideraç ões é que passa-se, hoje, a não mais se aceitar o
foi feito nas teorias da modernizaç ão (independente dos matizes), onde ele era apenas
transformaç ões das relaç ões sociais advindas de intervenç ões no espaç o, també m o é
espacial que amparava as velhas relaç ões13. Reconhece-se o efeito do espaç o não apenas
como produto das relaç ões sociais, mas també m como condicionador dessas relaç ões, o que
també m das imagens e representaç ões espaciais, da sua dimensão intersubjetiva portanto14.
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Territó rio pode ser definido como “um espaç o definido e delimitado por e a partir de relaç ões de poder ou,
dito de maneira mais precisa, um ‘campo de forç a’ concernente a relaç ões de poder espacialmente delimitadas
e operando sobre um substrato (espaç o material) referencial.” (Souza, 1997:24).
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Este alerta pode ser adequadamente dirigido às posiç ões de Mattos(1989), antes visitadas.
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O imaginá rio social e a subjetividade de uma é poca passam a contar nas estraté gias do desenvolvimento.
Assim, reivindicaç ões ecoló gicas e ambientais, busca de amplos espaç os e paisagem naturais, etc., aliados a
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Globalizaç ão, via aparatos tecnoló gicos e intensificaç ão de intercâmbios comerciais, não
como afirmam vá rios teó ricos (Mattos, por exemplo), pois certas diferenç as na qualidade
dos lugares (da infra-estrutura ao ‘clima social’) passam a ser mais valorizados entre os
potenciais investidores, ocasionando uma forte competiç ão entre aqueles que disputam
investimentos e buscam atraí-los para os seus respectivos espaç os. A questão está em se
a outras escalas, o que coloca como crucial a capacidade de aç ão autônoma por parte dos
atores locais que devem estabelecer relaç ões de competência e competiç ão para atrair
1998).
muitos lugares o curso de uma substituiç ão do modelo de concentraç ão espacial por outros
modelos, como o da industrializaç ão difusa, em que os territó rios antes ‘perifé ricos’ deixam
de ter um papel passivo, limitado a recepç ão de simples efeitos derivados dos clá ssicos
uma sensaç ão de deterioraç ão da qualidade de vida em grandes metró poles, podem ser elementos importantes
na valorizaç ão e atratividade de localidades (vilas rurais, pequenas cidades, etc.), compondo o
‘desenvolvimento local’. Ao especular sobre o espaç o numa possível ‘teoria aberta’ do desenvolvimento’,
aberta inclusive para a sua dimensão ‘localista’, Souza(1997:29) afirma que “ a organizaç ã o espacial precisa
estar em consonâ ncia com as relaç ões de produç ã o e necessidades tecnológicas, com as relaç ões de poder e
com as representaç ões sociais - enfim, com o imaginá rio instituído - de uma dada sociedade, e precisará ser
modificado para adaptar-se a cada transformaç ã o social. O controle do espaç o e dos processos desenrolados
no interior de um determinado recorte espacial é, de sua parte, uma condiç ã o para o exercício do poder,
quer seja ele heterônomo ou autônomo. Nã o há poder sem base territorial (sem territorializaç ã o), uma vez
que esse é o fundamento do acesso às fontes do poder.(...) Na prá tica, transformaç ões das relaç ões sociais
costumam demandar tanto reestruturaç ões quanto refuncionalizaç ões; e, quanto maior vier a ser a ruptura
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centros de produç ão; agora se lhes atribui uma funç ão mais ativa, que incorpora a
O caso da ‘Terza Itá lia’ demonstra també m na realidade o papel muito importante
sociais pró prios de cada localidade vem atuando como filtros dos processos, relevando-se o
conhecimento e capacidades dos habitantes locais, seu capital social e cultural. Em tal
interrelaç ões e, portanto, uma forte identificaç ão local, constró i e faz passar a aç ão dos
impulsos endó genos e exó genos favorá veis ao desenvolvimento pelo filtro de sua
“Há , portanto, uma importância crucial da ‘ló gica comunitá ria’ articulada atravé s da identidade local
(resultante de uma densa rede de relaç ões econômicas intralocais, forte grau de conhecimento mú tuo,
sociabilidade e abundância de tradiç ões de cará ter lú dico e religioso), pois é bastante significativo o modo
como um mesmo sistema de valores não econômicos reforç a, atravé s da identidade local, os distintos efeitos
de uma cultura econômica diversa.”15
Em grande parte, a forç a desta identidade local ou ‘ló gica comunitá ria’ assenta-se
nas relaç ões vicinais e familiares, cincunscritas a um dado territó rio, que continuam a ser
com as relaç ões sociais instituídas, maior deverá ser a mudanç a, por meio de reestruturaç ões e
refuncionalizaç ões, do espaç o herdado, pressupondo desterritorializaç ões e reterritorializaç ões.”
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Guerrero(1996) alerta, no entanto, que a capacidade de regulaç ão de uma sociedade local e os mecanismos
que se empregam depende do equilíbrio de forç as socio-econômicas que operam no nível local, dos atores que
as representam e de como interatuam entre eles. Depende do tipo de rede social e dos fluxos que a definem.
Tal não inviabiliza, antes até reforç a, o fato de que a sociabilidade (entendida como espaç os de intensificaç ão
das relaç ões sociais mediadas diretamente pela convivência entre pessoas alé m do espaç o de trabalho e do
familiar, incluindo-os) pode ser um interessante vetor para pensar/articular a rede social do desenvolvimento
local. Rede social que pode ser ativada pela sociabilidade local, por exemplo, pelo resgate de festas ou
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mais importantes que as de cará ter nacional ou mundial, mesmo num contexto
motivo para tal é a maior possibilidade e efetivaç ão da interaç ão direta, base para a
campo e cidade: o mundo urbano está redescobrindo os valores do rural para alé m da
rurais, enquanto piora a qualidade de vida nas cidades (trânsito, violência, inseguranç a,
poluiç ão, etc.). Descortina-se, assim, via fenômeno das reivindicaç ões ecoló gicas e maior
qualidade de vida superior do espaç o rural, o que vem alterando o uso do seu territó rio:
e exposiç ões agropecuá rias, leilões agropecuá rios, complexos hípicos, festas religiosas e
folkló ricas, rodeios, lazer, comé rcio, prestaç ão de serviç os (pú blicos, pessoais, auxiliar de
produç ão, etc.) (Cf. Graziano da Silva, 1997; Graziano da Silva et alii, 1998). Em termos
econômicos, por exemplo, segundo Saraceno(1994), pode-se citar como algumas das razões
que favorecem um local bem definido, geralmente uma á rea rural; uma cooperaç ão mais
frequente entre empresas em redes que operam em diferentes locais no sentido de integrar
costumes antigos, etc., ou criada pelos interesses dos mediadores/empreendedores em propor dado projeto de
desenvolvimento.
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diferentes distribuiç ões espaciais de atividades. No caso dos alimentos, por exemplo, tal
setor não pode mais ser encarado somente como operador de ‘commodities’, mas deve ser
economicamente investidos nos espaç os locais e regionais, como partes de sistemas e redes
pode entender em que sentido a globalizaç ão tem trazido a diferenciaç ão dos espaç os locais
Consideraçõ es Finais
Como afirmamos no início, há , na atualidade, uma forte ressurgência de polêmicas
sobre o sentido que se pode ou deve atribuir àidé ia de desenvolvimento. As críticas que se
16
També m são exemplos de estudos sobre experiências locais de desenvolvimento os relatos e aná lises sobre
as chamadas agrocidades mediterrâneas do sul da Europa e as atividades do Programa LEADER da
Comunidade Europé ia. Para detalhes a respeito ver Ló pez-Casero(1991; 1996) e Yruela & Guerrero(1994).
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propondo reflexões que possibilitem ultrapassá -la, atingindo-se uma nova atribuiç ão de
desenvolvimento está ligada aos seus efeitos indesejados e deleté rios, mas també m às
disjunç ões culturais presentes na ló gica da chamada Pó s-Modernidade. As condiç ões para
detrimento das universalizaç ões e oposiç ões, as consequências de amplo alcance e espectro
do dia das reflexões e aç ões sobre o desenvolvimento, relativizando a hegemonia até então
desenvolvimento, pois a pró pria sociedade só é concreta com o espaç o, sobre o espaç o, no
equivocado imaginar ser possível transformar as relaç ões sociais sem modificar o espaç o
social que as condiciona que pensar que a sociedade mudará se as formas e estruturas
espaciais mudarem. É neste âmbito argumentativo que se pode considerar vá lido atribuir
‘Desenvolvimento Local’.
Tanto é assim que, frente a Globalizaç ão, a comunidade local segue se mostrando
desenvolvimento mais ‘endó genas’, centradas nas características e implicaç ões dos atores
processo de Globalizaç ão como as que se geram no pró prio âmbito local, e que são dos
faz, então, administrar o processo tensional entre o local e escalas mais amplas atravé s de
reformas institucionais que dêem vazão a aspiraç ões democrá ticas legítimas e encontrem
novos pontos de equilíbrio entre o local e o nacional/global. Tal é a tarefa que se desenha.
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