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O ‘local’ na atribuição de sentido ao Desenvolvimento 1


José Marcos Froehlich2

Resumo: Este artigo discute a preocupaç ão atual com a atribuiç ão de sentido à idé ia de
‘Desenvolvimento’, retrospectivando o itinerá rio teó rico que levou à crise a concepç ão
dominante associada ao urbano-industrialismo. A partir de um contexto e panorama
supostamente Pó s-Moderno, introduz um inventá rio de idé ias que afetam a noç ão de
‘Desenvolvimento’ na atualidade. Atravé s destas idé ias, demonstra as condiç ões de
possibilidade da formulaç ão de um discurso que postula um papel protagonista para a
dinâmica ‘local’ ou ‘localista’ nas estraté gias de ‘Desenvolvimento’ contemporâneas.
Abstract: This paper discusses the present preoccupation about meaning attribution to the
‘development’ idea. First, it reconstructs the theoretical itinerary that was responsible for
the crisis of the prevailing conception associated to urban-industrialism. Then, leaving from
a supposed Post-Modern scenery context, this paper presents an inventory of ideas that
affects the development notion nowadays. So, through these ideas, the paper demonstrates
the possible conditions to formulate a speech that defends a main role to ‘local’ or ‘localist’
dynamics in the contemporaneous strategies of ‘development’.

Introdução:
Parece estar na ordem do dia nas sociedades contemporâneas um vívido interesse

por discutir a atribuição de sentido ao termo ‘Desenvolvimento’ enquanto produto social e

histó rico. Esta discussão transversa tangencia també m a Amé rica Latina e, nela, o Brasil.

Todavia, se a preocupaç ão com o ‘Desenvolvimento’ não é um fato tão novo assim, é bem

verdade que há , na atualidade, uma forte ressurgência de polêmicas ao seu respeito. Neste

caudal, desafia-se e critica-se sentidos até então atribuídos e, em grande parte, busca-se

uma nova atribuiç ão de sentido ao vocá bulo ‘Desenvolvimento’ 3.

A crítica à concepç ão dominante de desenvolvimento, aquele baseado na

industrializaç ão, urbanizaç ão e burocratizaç ão, ressalta os seus efeitos indesejados:

1
Artigo publicado em Textos CPDA. Rio de Janeiro: CPDA-UFRRJ, n. 7, 1999. e na Revista Paranaense
de Desenvolvimento. Curitiba: IPARDES, n. 94, 1999.
2
Prof. do Departamento e do Curso de Mestrado em Extensão Rural-UFSM; doutor em Desenvolvimento,
Agricultura e Sociedade. E-Mail: jmfroe@ccr.ufsm.br.
3
Cabe observar que a polêmica sobre o significado de ‘Desenvolvimento’ é quase que exclusiva das ciências
sociais e econômicas, não se apresentando de modo tão controvertido nas ciências naturais, de onde, aliá s, sua
noç ão foi importada. Na Ecologia e na Agronomia, por exemplo, designa o processo pelo qual um organismo
cresce e se complexifica em sua integralidade até atingir a plenitude de suas potencialidades (clímax), em
condiç ões gené ticas e ambientais determinadas.
2

deterioraç ão ambiental, concentraç ão urbana, desertificaç ão rural e fracasso nas tentativas

de reduzir as desigualdades só cio-econômicas. Sob tal crítica, necessá rio e urgente se faz

ultrapassar a idé ia de desenvolvimento etnocêntrica, conservadora, economicista e

historicista, as quais tem tido lugar até hoje nas reflexões e aç ões relativas ao assunto (Cf.

Souza, 1996; 1997; Guerrero, 1996).

Todavia, no âmbito da variada produç ão literá ria que se tem elaborado na

tentativa de superar a trajetó ria desenvolvimentista transcorrida, há um processo de

prolífica adjetivaç ão do desenvolvimento: integrado, endó geno, sustentá vel, durá vel,

regional, local, rural, etc. Neste processo, o ‘espaç o’ parece vir ganhando maior magnitude

nas preocupaç ões sobre o desenvolvimento, até então hegemonizado pela dimensão do

‘tempo’, verdadeira obsessão da Modernidade, que se traduzia na ânsia pelo futuro e pela fé

no Progresso. Poré m, se o processo de modernizaç ão tendeu a por em primeiro plano a

projeç ão para o futuro - a categoria do ‘tempo’, hoje se volta a pensar mais no ‘espaç o’ -

concretamente como territó rio: o local, o regional, etc., desde um dado grupo social que,

partindo de suas pró prias características, trata de encarar a contemporaneidade. Se estaria a

produzir uma interaç ão dialé tica entre ‘espaç o’ e ‘tempo’ (Cf. Ló pez-Casero, 1996).

No pró prio desenrolar da Globalizaç ão estaria a engendrar-se també m, fruto de uma

nova estrutura de oportunidades, um movimento de ‘localismo’ que, na ó ptica de diversos

autores, deveria merecer mais atenç ão e ser, inclusive, apoiado (Cf. Becker, 1997; Yá ñez,

1998). A esta dinâmica localista e portanto particularista, que afeta aquela de cará ter mais

universalista4, e que está envolvida no espectro de novas oportunidades do pró prio processo

4
A tendência universalista seria aquela que, fundamentada nos cânones iluministas da ciência moderna,
acredita em valores gerais universais e na expansão unívoca do processo civilizató rio aos moldes ocidentais.
3

de Globalizaç ão, redefinindo governos e sociedades municipais, tem-se comumente

denominado de novo localismo (Yá ñez, 1998).

Com a crise do chamado regime de acumulaç ão fordista, caracterizado por um

processo de produç ão em massa em grandes unidades, concentradas espacialmente e

fomentado e apoiado por um sistema político Keynesiano, que se materializa na existência

de um estado centralizado, intervencionista, planificador e outorgador de bem-estar, passa-

se hoje a crer na apariç ão do regime de acumulaç ão flexível, e nesta transiç ão, supõe-se

abrir uma brecha para a possibilidade do ‘desenvolvimento local’. Segundo

Guerrero(1996), com esta crise, busca-se passar do paradigma funcionalista para o

paradigma territorial, onde a localidade passa a converter-se em suporte de uma sociedade

composta por atores que se relacionam, que tem capacidade de atuaç ão frente aos

problemas a resolver, que contam com recursos e que podem e devem participar em seu

pró prio desenvolvimento. Se lhes reconhece uma certa margem de manobra. Assim:

“ Nã o é mais possível se considerar nem residual nem secundá rio o conjunto de variá veis endógenas
sociais do sistema local porque o desenvolvimento é, em grande medida, o fruto de uma complexa construç ã o
social da economia, saida de sociedades locais com estruturas e hist órias determinadas. Por isso, já aceita-
se hoje em dia um certo consenso que o desenvolvimento local é possível e que se trata de um processo
dinâ mico e global de colocaç ã o em marcha e sinergia dos atores locais para valorizar os recursos humanos e
materiais de um território dado e em relaç ã o negociada com os centros de decisã o do conjunto econômico
social e político em que se inserem.” (Guerrero, 1996:410)

O localismo, assim conformado, teria plenas condiç ões de impulsionar o

desenvolvimento, logrando alcanç ar, via descentralizaç ão, maior democratizaç ão social,

participaç ão popular, justiç a social, vitalidade econômica e, por fim, redundar em

desenvolvimento regional (Yá ñez, 1998). Poré m, tal atribuiç ão de sentido, tão localista e

‘descentralista’, ao desenvolvimento, esbarra em sé rias desconfianç as teó ricas, quando não

prá ticas e articulativas. Senão vejamos.


4

A desconfiança com o Desenvolvimento Local


Um autor exemplar e representativo para ilustrar a desconfianç a, para não dizer a

aversão, sobre as possibilidades e a efetividade do ‘desenvolvimento local’ é

Mattos(1989)5. Ao casar localismo com descentralizaç ão, tal autor contesta o argumento de

que a descentralizaç ão é um instrumento para melhorar a democracia social, a participaç ão

popular, a justiç a social e o desenvolvimento regional. Aponta que um discurso pautado por

esta retó rica só é do interesse dos que defendem a reforma do estado, visando a aprimorar

os processos de acumulaç ão e crescimento do capital. O raciocínio guia-se pela ló gica de

que os processos emergentes tem tendido a acentuar a discrepância estrutural existente

entre os processos controlados pelo valor (capitais individuais que obedecem

exclusivamente ao imperativo do lucro) e processos controlados pelo poder (atividades

estatais orientadas a manter a ordem social capitalista acima dos interesses capitalistas

individuais). Assim, a configuraç ão atual do estado seria vista como um obstá culo para a

superaç ão da ‘crise capitalista’. Se é verdade, para Mattos(1989), que o fortalecimento do

estado nacional desempenhou um papel funcional na constituiç ão e expansão das

sociedades nacionais capitalistas, as mudanç as de percepç ão que se tem produzido com o

avanç o dos processos de transnacionalizaç ão do capital, tem levado a que se considere o

estado como um fator perturbador dos respectivos processos de acumulaç ão e crescimento.

Assim, o estado central tem começ ado a ser considerado por certas correntes de ascendente

5
Certamente há outros autores críticos ao discurso ‘ localista’ ou ‘descentralizador’ para o desenvolvimento,
mas usaremos somente Mattos(1989) neste tó pico por entendermos ser suas posiç ões emblemá ticas e
sinté ticas dos diversos argumentos que são brandidos contra o
‘desenvolvimento local’.
5

gravitaç ão política como um sé rio limitante a dinâmica dos processos de valorizaç ão e

reproduç ão do capital, tanto em termos nacionais como internacionais. Para esta dinâmica,

o estado nacional deveria, então, desmantelar-se em favor do mundial e do local. Mattos

considera, portanto, que todos os postulados de descentralizaç ão do estado nacional

acabam, em ú ltima instância, contribuindo para o jogo de interesses orquestrado pelo

grande capital no seu afã acumulativo.

Para Mattos, quando se afirma que a descentralizaç ão é capaz de alcanç ar mais

democracia, participaç ão, justiç a social e desenvolvimento regional, deveria se demonstrar

como tal seria possível no contexto da dinâmica socio-econômica prevelecente na

atualidade. Deveria se indicar como se poderia alcanç ar tais objetivos sem modificar a

estrutura e a dinâmica econômica vigente ou, inversamente, como uma nova organizaç ão

“meramente territorial de tipo política-administrativa”(345) poderia modificar certas

tendências que seriam congênitas ao desenvolvimento capitalista: a desigualdade

distributiva e a acumulaç ão produtiva.

Dentro de tal ló gica econômica do Desenvolvimento, haveria, aponta Mattos, a

impossibilidade dos “pequenos produtores”, do localismo da pequena escala, de induzirem

ao desenvolvimento nos marcos dos modelos vigentes de acumulaç ão. Segundo Mattos, por

mais que se mude a organizaç ão territorial da administraç ão do poder em um determinado

âmbito nacional - que, é claro, não é o mesmo que mudar as bases econômicas, políticas e

ideoló gicas do poder - com isso não se pode pretender alcanç ar modificaç ões essenciais na

orientaç ão e nas modalidades dos processos de geraç ão, apropriaç ão e utilizaç ão do

excedente econômico.

Deste modo, o Desenvolvimento Local é considerado ou acusado de sinônimo de

utopia iluminista que concebe a sociedade como ‘harmônica’, e que menosprezaria a idé ia
6

de ‘luta de classes’ como motor da histó ria. Ao parecer acreditar numa unidirecionalidade

da histó ria e do desenvolvimento, Mattos descarta que, apó s as sociedades modernas terem

‘superado’ o localismo, esteja-se hoje propondo a sua consideraç ão efetiva. Argumenta ele

que, na Globalizaç ão, o capital se desprende em termos setoriais e territoriais, superando a

etapa em que uma característica destacada dos proprietá rios do capital era a sua

identificaç ão com um determinado setor (comercial, agrícola, industrial), ou com uma

determinada localidade (urbana ou rural); nesta nova etapa, um nú mero crescente de

capitalistas buscam melhorar as condiç ões para a valorizaç ão de seus capitais atravé s de

uma crescente transetorializaç ão e transregionalizaç ão de suas atividades, operando

geralmente mediante mecanismos financeiros cada dia mais impessoais, complexos e

diversificados. Assim, o capital perderia sentido de pertencimento local e os atores sociais

envolvidos deixariam de se identificar exclusivamente com os interesses desta ou daquela

parte do territó rio. Por tais argumentos presentes na leitura da realidade e na posiç ão

teó rica representativa de Mattos, é que este (e outros) consideram não ter sentido atribuir ao

‘local’ papel relevante no desenvolvimento.

O sentido da atribuição localista ao desenvolvimento: condiçõ es de possibilidade


Para se compreender porque se está , de modo crescente, postulando uma tal

atribuiç ão de sentido ao desenvolvimento na atualidade, é necessá rio se resgatar, mesmo

que brevemente, as consideraç ões histó rico-críticas sobre a idé ia de desenvolvimento,

elaboradas por alguns autores preocupados em explicar o vié s espacial/local assumido

atualmente no referido processo.

Como aponta Souza(1996), o ‘desenvolvimento’ é um objeto inscrito, desde as

origens, em uma moldura filosó fica determinada; e o solo cultural onde esta idé ia tem
7

raízes é a Modernidade, que por sua vez é criaç ão desta entidade histó rico-geográ fica

denominada Ocidente. Indicia-se, nesta aná lise, a ligaç ão congênita existente entre

Modernidade - Dominaç ão da Natureza(Ciência) - Capitalismo - Desenvolvimento,

explicitando-se a origem etnocêntrica6 de tais noç ões. Ademais, convé m lembrar, como faz

Ortiz(1996), que a identificaç ão do capitalismo com a Modernidade se fez via

nacionalidade, pois o surgimento da revoluç ão industrial se articula ao do estado-naç ão e

propugnou a superaç ão do ‘localismo’. No feudalismo (feudal = local) estava instalada uma

dominaç ão localista que o projeto da Modernidade prometeu superar, contrapondo uma

aposta no cosmopolitismo (transcendência ao territó rio aldeão e à etnia tribal) e na

impessoalidade (relaç ão com a ciência). Na luta pela subordinaç ão dos localismos (feudos,

aldeias), a naç ão foi o espaç o de afirmaç ão da Modernidade. Tal embate se deu pautado

pela construç ão de uma ló gica opositiva e valorativa: de um lado, identificados e valorados

positivamente, o universal, o nacional, o moderno, o urbano (a cidade); de outro,

negativamente, o particular, o local, o tradicional, o rural (o campo)7. E a constituiç ão da

naç ão-nacionalidade (identidade nacional) como ‘novidade histó rica’ se fez em detrimento

das identidades locais:

“ No processo de construç ã o nacional, as identidades de cada pa ís necessitam superar as


identidades culturais dispersas em seu interior. Eu diria que nos diferentes lugares do planeta, de forma
diferenciada, é claro, este processo se desenvolve ao longo dos séculos XIX e XX. Isso significa que a
identidade nacional se faz em detrimento das identidades locais. Ela nutre -se da sua neutralizaç ã o ou da sua
destruiç ã o. A constituiç ã o da naç ã o é sempre conflitiva. Ao se afirmar a unidade do todo, nega -se a
particularidade das formaç ões específicas.” (Ortiz, 1996:48)

6
Europeicêntrica, para sermos mais exatos.
7
Daí se coloca uma das questões contemporâneas para a noç ão de desenvolvimento, pois a ló gica auto-
atribuída a chamada é poca Pó s-Moderna não seria mais opositiva, mas compositiva, tendo no ecletismo e no
pluralismo elementos por excelência (Cf. Santos, 1988). A Pó s-Modernidade, assim, ao invé s de opor,
compõe o rural com o urbano, o tradicional com o moderno, desvelando novas potencialidades para o
particular/local ao relativizar o universal. Voltaremos a estas questões mais adiante.
8

A integraç ão nacional, então, pressupôs e impôs um equilíbrio hierá rquico das

forç as identitá rias, submetendo as especificidades e atribuindo ao estado-naç ão o

monopó lio em conferir o sentido das aç ões coletivas. Todavia, observa Ortiz(1996), é

justamente a Globalizaç ão em curso que vem romper tal estado de forç as, colocando em

causa o monopó lio do estado nacional em definir o aludido sentido da vida social, pois tal

processo ‘liberaria’ as identidades locais do peso da cultura nacional e possibilitaria a

estruturaç ão de identidades transnacionais8.

É por aceitar tal ló gica de argumentaç ão que Featherstone(1996) també m denuncia

que um dos principais problemas na formulaç ão da Teoria da Globalizaç ão é adotar uma

ló gica totalizante, supondo que se estaria tornando o mundo mais unificado e homogêneo.

Nesta perspectiva, a intensificaç ão da compressão espaç o-temporal pelos processos

universalizantes das novas teconologias de comunicaç ão e o poder dos fluxos de

informaç ão, finanç as e mercadorias implicariam, como o fizeram, o recuo inevitá vel de

culturas locais. Poré m, pondera, o processo de globalizaç ão pode e deve ser visto també m

como a abertura da percepç ão de que o mundo agora é ‘um só lugar’ com o inevitá vel

aumento de contatos: temos necessariamente, como em nenhuma outra é poca histó rica,

maior diá logo entre naç ões, blocos e civilizaç ões. O processo globalizante abre um espaç o

dialó gico onde ocorrem consensos, mas també m confrontos e conflitos, pois os agentes

estão cada vez mais interligados em crescentes teias de interdependência e correlaç ões de

poder, o que implica em maior grau de complexidade. Segundo Featherstone(1996), é

justamente a dificuldade em lidar com níveis ascendentes de complexidade cultural,

geralmente mais presentes nas concentraç ões urbanas, e com as dú vidas e ansiedades que

8
Contudo, isto não significaria que a atuaç ão do estado nacional seja desnecessá ria ou negligenciá vel; ela é
concreta, possuindo um papel importante no contexto da ‘nova ordem mundial’, mas já não tão ‘fundamental’
9

esta gera, uma das razões de por que o ‘localismo’ - ou o desejo de voltar ou permanecer

numa localidade delimitada - torna-se um tema importante na atualidade.

Portanto, não se trata de considerar o local e o global como dicotomia separada no

espaç o ou no tempo, e sim que os processos de globalizaç ão e localizaç ão/regionalizaç ão

são indissociá veis na fase atual. Com isso relativiza-se as leituras lineares do processo

modernizante como industrializaç ão, urbanizaç ão e burocratizaç ão, as quais transformariam

comunidades locais, conduzindo, no limite, ao ‘fim do local’. O que se pode perceber é que

um dos efeitos da Globalizaç ão, ao invé s do ‘fim do local’, é levar àconfrontaç ão de uma

pluralidade de interpretaç ões diferentes do significado do mundo, formulado a partir da

perspectiva de tradiç ões nacionais/regionais e civilizató rias diversas. Eis-nos novamente

aqui confrontados com os aludidos pluralismo e ecletismo pó s-modernos.

Poré m, como já se percebe, não é possível hoje problematizar ou refletir sobre

temas contemporâneos furtando-se à polêmica pó s-moderna. Na questão do

desenvolvimento, aqui abordada, a Pó s-Modernidade pode ser tomada como a consciência

crescente dos limites do projeto de Modernidade9: sugere o problema de lidar com a

complexidade cultural, de lidar com aquilo que, do ponto de vista de categorias bem

organizadas, parece ser desordem, mas que não pode ser adequadamente incorporado na

classificaç ão existente nem ignorado. Aparecem, assim, como marcantes na configuraç ão

pó s-moderna a perda de confianç a nas ‘grandes narrativas’ de Progresso e Iluminismo, a

ênfase na contingência, na incoerência e na ambivalência. Há també m uma ênfase na

pluralidade em oposiç ão a uma histó ria unificada e unidirecional, alé m de uma consciência

crescente e uma legitimaç ão da multicodificaç ão, da hibridizaç ão e do sincretismo cultural,

como o fora antes.


10

acarretando, com isso, o reconhecimento da particularidade legítima do saber local

(Featherstone, 1996; Santos, 1988; Kumar, 1997).

Por esta visada, o que torna-se relevante na situaç ão global contemporânea é a

capacidade de deslocar a moldura, de mover-se entre vá rios focos, de lidar com um leque

de material simbó lico de onde vá rias identidades podem ser formadas e reformadas em

situaç ões diferentes. Tem havido uma extensão de repertó rios culturais e aumento dos

recursos de vá rios grupos para criar novos modos simbó licos de afiliaç ão e pertencimento,

um esforç o para retrabalhar e reformular o significado de signos existentes, e em todo este

processo o local parece exercer um papel fundamental. É neste sentido que, afirma

Featherstone, pode se argumentar que a Globalizaç ão produz o pó s-modernismo, pois:

“ ...o resultado do aumento da intensidade de con tato e da comunicaç ã o entre naç ões e outros
agentes é produzir um choque de culturas, o que pode levar a tentativas cada vez mais intensas de desenhar
as barreiras entre si e os outros. Nesta perspectiva, pode-se considerar que as mudanç as que estã o
ocorrendo na fase atual da globalizaç ã o intensificada estariam provocando reaç ões que procuram
redescobrir a particularidade, o localismo e a diferenç a que geram uma noç ã o dos limites dos projetos
culturalmente unificadores, ordenadores e integradores associados à modernidade ocidental.” (1996:24)

A visão pó s-moderna que postula não mais se recorrer a um elenco de indicadores

pretensamente universais, valorizando a diferenç a, conforma em boa medida a condiç ão de

possibilidade para a ruptura com a visão usual do desenvolvimento como podendo basear-

se em uma receita que seria idêntica para todas as sociedades, independentemente de sua

cultura, de seu ambiente natural, etc. Não aceita-se, neste caudal, nenhum tipo mais de

reducionismo econômico, quer marxista ou liberal, que historicamente tem pontuado a

trajetó ria das reflexões sobre o desenvolvimento (Souza, 1997)10.

9
Outros, como Jameson(1992), consideram a P ó s-Modernidade meramente como uma ló gica cultural peculiar
ao capitalismo tardio hoje vivenciado.
10
Segundo Souza(1997), aná lises marxistas como a de Mattos(1989), també m teriam um reducionismo
econômico-material: fariam a crítica das relaç ões de produç ão capitalistas, mas não das forç as produtivas
herdadas, pois suporiam um aproveitamento da matriz tecnoló gica (e espacial) do capitalismo. Essa matriz,
em si mesma, seria uma conquista da humanidade, o grande problema seria o de se encontrar gerida por mãos
11

Atribuindo sentido ao ‘desenvolvimento local’: calibrando a argumentação


Se tomamos, como faz Souza(1996:9), à luz das críticas até agora expostas e das

condiç ões de sua possibilidade, a noç ão de ‘desenvolvimento’ somente como um princípio

norteador e o entendamos simplesmente como “um processo de aprimoramento (gradativo

ou, também, através de bruscas rupturas) das condiç ões gerais de viver em sociedade, em

nome de uma maior felicidade individual e coletiva.”, a autonomia aparece aí como o

princípio mais fundamental sobre o qual se poderia assentar a referida noç ão11. Pois ela, a

autonomia, propicia uma base de respeito ao direito de cada coletividade de estabelecer,

segundo as especificidades de sua cultura, o conteú do concreto e continuamente mutá vel do

‘desenvolvimento’, podendo assim se conformar as prioridades, os meios e as estraté gias. A

autonomia de uma coletividade para adotar uma concepç ão particular de desenvolvimento

ou um modo de vida específico, exige a consideraç ão deste grupo não isoladamente, mas no

contexto da relaç ão com outras coletividades, em qualquer escala (da internacional àlocal),

tornando-se necessá rio respeitar a alteridade do Outro e a incomensurabilidade de universos

culturais:

“ a autonomia é um princípio que exige a consideraç ã o do plano interno (a igualdade de chances de


participaç ã o na tomada de decisões relevantes para a vida social), mas igualmente que se leve em con ta o

erradas, infortú nio a ser eliminado pelo proletariado revolucioná rio. O marxismo seria, portanto, uma variante
da doutrina modernizante, uma doutrina modernizante alternativa. Já diversas vertentes ‘ecoló gicas’ do
desenvolvimento, como o ‘ecodesenvolvimento’ e o ‘desenvolvimento sustentá vel’, muito comumente
resvalariam para um reducionismo de cunho naturalista. Mais discussões importantes sobre estas questões e
outras relacionadas, sobre as raízes da moderna doutrina do desenvolvimento, podem ser encontradas em
Cowen & Shenton(1996).
11
Souza(1997:19) també m entende esta noç ão de ‘desenvolvimento’ como “um movimento (sem fim - ou seja,
sem ‘está gio final’ ou mesmo direç ã o concreta predeterminados ou previsíveis e que nã o poderá jamais ser
declarado como ‘acabado’ - e sujeito a retrocessos) em cuja esteira uma sociedade torna-se mais justa e
aceitá vel para seus membros.”.
12

plano externo (os interesses legítimos e a autonomia do Outro, nã o importando o quanto ele seja diferente de
nós mesmos), conforme um princípio de nã o-intervenç ã o.” Souza(1997:21)

Deste modo disposta, a autonomia postulada em ‘localismos’ e ‘descentralizaç ões’

não é , como desqualificou Mattos(1989), uma utopia idealista, a exigir como premissa uma

sociedade uniforme e sem conflitos, mas, simplesmente, um horizonte de pensamento e

aç ão. E a autonomia de uma coletividade traz subentendida uma territorialidade12

autônoma, uma gestão autônoma do espaç o, este produto social que é , a um só tempo,

suporte para a vida em sociedade e um condicionador dos projetos humanos; um referencial

simbó lico e afetivo e, també m, para a organizaç ão política, alé m de ser uma arena de lutas e

uma fonte de recursos (como a pró pria localizaç ão geográ fica).

Baseando-se em tais consideraç ões é que passa-se, hoje, a não mais se aceitar o

dé ficit de valorizaç ão do espaç o no âmbito das reflexões sobre o desenvolvimento, como

foi feito nas teorias da modernizaç ão (independente dos matizes), onde ele era apenas

encarado como epifenômeno. Trata-se de considerar o desenvolvimento como só cio-

espacial, pois, como alerta Souza(1996), se é verdade que é tolo acreditar em

transformaç ões das relaç ões sociais advindas de intervenç ões no espaç o, també m o é

negligenciar o entendimento de que a mudanç a social demanda mudanç a na organizaç ão

espacial que amparava as velhas relaç ões13. Reconhece-se o efeito do espaç o não apenas

como produto das relaç ões sociais, mas també m como condicionador dessas relaç ões, o que

envolve não somente os condicionamentos da objetividade material do espaç o herdado, mas

també m das imagens e representaç ões espaciais, da sua dimensão intersubjetiva portanto14.

12
Territó rio pode ser definido como “um espaç o definido e delimitado por e a partir de relaç ões de poder ou,
dito de maneira mais precisa, um ‘campo de forç a’ concernente a relaç ões de poder espacialmente delimitadas
e operando sobre um substrato (espaç o material) referencial.” (Souza, 1997:24).
13
Este alerta pode ser adequadamente dirigido às posiç ões de Mattos(1989), antes visitadas.
14
O imaginá rio social e a subjetividade de uma é poca passam a contar nas estraté gias do desenvolvimento.
Assim, reivindicaç ões ecoló gicas e ambientais, busca de amplos espaç os e paisagem naturais, etc., aliados a
13

Alé m do mais, a queda de barreiras espaciais protagonizada no processo de

Globalizaç ão, via aparatos tecnoló gicos e intensificaç ão de intercâmbios comerciais, não

redunda em decré scimo da significância do espaç o para o capitalismo contemporâneo,

como afirmam vá rios teó ricos (Mattos, por exemplo), pois certas diferenç as na qualidade

dos lugares (da infra-estrutura ao ‘clima social’) passam a ser mais valorizados entre os

potenciais investidores, ocasionando uma forte competiç ão entre aqueles que disputam

investimentos e buscam atraí-los para os seus respectivos espaç os. A questão está em se

aproveitar as novas estruturas de oportunidades promovidas pelo processo de Globalizaç ão,

levando-se em conta que o âmbito local apresenta especificidades interessantes em relaç ão

a outras escalas, o que coloca como crucial a capacidade de aç ão autônoma por parte dos

atores locais que devem estabelecer relaç ões de competência e competiç ão para atrair

setores ‘produtivos’ (não necessariamente industriais ou de ethos produtivista) (Yañez,

1998).

Agregando-se a estas perspectivas as consequências da mencionada crise do regime

de produç ão fordista e a emergência do regime de produç ão flexível, verifica-se já em

muitos lugares o curso de uma substituiç ão do modelo de concentraç ão espacial por outros

modelos, como o da industrializaç ão difusa, em que os territó rios antes ‘perifé ricos’ deixam

de ter um papel passivo, limitado a recepç ão de simples efeitos derivados dos clá ssicos

uma sensaç ão de deterioraç ão da qualidade de vida em grandes metró poles, podem ser elementos importantes
na valorizaç ão e atratividade de localidades (vilas rurais, pequenas cidades, etc.), compondo o
‘desenvolvimento local’. Ao especular sobre o espaç o numa possível ‘teoria aberta’ do desenvolvimento’,
aberta inclusive para a sua dimensão ‘localista’, Souza(1997:29) afirma que “ a organizaç ã o espacial precisa
estar em consonâ ncia com as relaç ões de produç ã o e necessidades tecnológicas, com as relaç ões de poder e
com as representaç ões sociais - enfim, com o imaginá rio instituído - de uma dada sociedade, e precisará ser
modificado para adaptar-se a cada transformaç ã o social. O controle do espaç o e dos processos desenrolados
no interior de um determinado recorte espacial é, de sua parte, uma condiç ã o para o exercício do poder,
quer seja ele heterônomo ou autônomo. Nã o há poder sem base territorial (sem territorializaç ã o), uma vez
que esse é o fundamento do acesso às fontes do poder.(...) Na prá tica, transformaç ões das relaç ões sociais
costumam demandar tanto reestruturaç ões quanto refuncionalizaç ões; e, quanto maior vier a ser a ruptura
14

centros de produç ão; agora se lhes atribui uma funç ão mais ativa, que incorpora a

possibilidade de iniciativas pró prias (como as experiências realizadas na chamada ‘Terceira

Itá lia’)(Ló pez-Casero, 1996; Saraceno, 1994).

O caso da ‘Terza Itá lia’ demonstra també m na realidade o papel muito importante

de outras variá veis, alé m da escala econômica, no processo de desenvolvimento, como a

sociabilidade e a cultura locais. Neste âmbito, os padrões institucionais, normas e valores

sociais pró prios de cada localidade vem atuando como filtros dos processos, relevando-se o

conhecimento e capacidades dos habitantes locais, seu capital social e cultural. Em tal

dimensão, a sociabilidade local que implica em alto grau de conhecimento mú tuo e

interrelaç ões e, portanto, uma forte identificaç ão local, constró i e faz passar a aç ão dos

impulsos endó genos e exó genos favorá veis ao desenvolvimento pelo filtro de sua

constelaç ão de forç as e sistema cultural. Constatando que junto ao aspecto econômico do

desenvolvimento operam entrelaç ados os fatores culturais e estruturais, Ló pez-

Casero(1996:442) assim refere-se a este processo:

“Há , portanto, uma importância crucial da ‘ló gica comunitá ria’ articulada atravé s da identidade local
(resultante de uma densa rede de relaç ões econômicas intralocais, forte grau de conhecimento mú tuo,
sociabilidade e abundância de tradiç ões de cará ter lú dico e religioso), pois é bastante significativo o modo
como um mesmo sistema de valores não econômicos reforç a, atravé s da identidade local, os distintos efeitos
de uma cultura econômica diversa.”15

Em grande parte, a forç a desta identidade local ou ‘ló gica comunitá ria’ assenta-se

nas relaç ões vicinais e familiares, cincunscritas a um dado territó rio, que continuam a ser

com as relaç ões sociais instituídas, maior deverá ser a mudanç a, por meio de reestruturaç ões e
refuncionalizaç ões, do espaç o herdado, pressupondo desterritorializaç ões e reterritorializaç ões.”
15
Guerrero(1996) alerta, no entanto, que a capacidade de regulaç ão de uma sociedade local e os mecanismos
que se empregam depende do equilíbrio de forç as socio-econômicas que operam no nível local, dos atores que
as representam e de como interatuam entre eles. Depende do tipo de rede social e dos fluxos que a definem.
Tal não inviabiliza, antes até reforç a, o fato de que a sociabilidade (entendida como espaç os de intensificaç ão
das relaç ões sociais mediadas diretamente pela convivência entre pessoas alé m do espaç o de trabalho e do
familiar, incluindo-os) pode ser um interessante vetor para pensar/articular a rede social do desenvolvimento
local. Rede social que pode ser ativada pela sociabilidade local, por exemplo, pelo resgate de festas ou
15

mais importantes que as de cará ter nacional ou mundial, mesmo num contexto

caracterizado pela globalizaç ão e o aumento da aç ão a distância. Segundo Yañez(1998), o

motivo para tal é a maior possibilidade e efetivaç ão da interaç ão direta, base para a

manutenç ão de relaç ões constantes e intensas e a criaç ão de uma identidade coletiva

centrada no territó rio.

Outro sintoma importante desta valoraç ão espacial-localista na atribuiç ão de sentido

ao desenvolvimento na atualidade é a alteraç ão do ranking valorativo nas relaç ões entre

campo e cidade: o mundo urbano está redescobrindo os valores do rural para alé m da

agricultura. Constata-se melhorias da infra-estrutura e serviç os pú blicos nos povoados

rurais, enquanto piora a qualidade de vida nas cidades (trânsito, violência, inseguranç a,

poluiç ão, etc.). Descortina-se, assim, via fenômeno das reivindicaç ões ecoló gicas e maior

flexibilidade dos mercados de trabalho/produç ão, uma busca ou reconhecimento da

qualidade de vida superior do espaç o rural, o que vem alterando o uso do seu territó rio:

aumento do nú mero de residências secundá rias, moradia de empregados urbanos e/ou

aposentados, sítios de lazer, pesque-pagues, turismo rural, artesanato, fazendas-hotel, feiras

e exposiç ões agropecuá rias, leilões agropecuá rios, complexos hípicos, festas religiosas e

folkló ricas, rodeios, lazer, comé rcio, prestaç ão de serviç os (pú blicos, pessoais, auxiliar de

produç ão, etc.) (Cf. Graziano da Silva, 1997; Graziano da Silva et alii, 1998). Em termos

econômicos, por exemplo, segundo Saraceno(1994), pode-se citar como algumas das razões

para o aumento da competitividade das á reas rurais o crescimento de ‘nichos’ de mercado

que favorecem um local bem definido, geralmente uma á rea rural; uma cooperaç ão mais

frequente entre empresas em redes que operam em diferentes locais no sentido de integrar

costumes antigos, etc., ou criada pelos interesses dos mediadores/empreendedores em propor dado projeto de
desenvolvimento.
16

as vantagens especializadas de cada um dos membros; e as oportunidades oferecidas por

novas tecnologias de comunicaç ão para o trabalho em á reas descentralizadas. Mesmo no

âmbito do sistema agroalimentar, pode-se constatar um movimento onde os mercados de

alimentos estão sendo re-regulados em torno das demandas de segmentos de consumidores

e de corporaç ões varejistas, reproduzindo diferentes mosaicos de produç ão regional e de

espaç os de consumo, com novos espaç os dinâmicos e dependentes que se constituem em

forç as importantes para a redefiniç ão do desenvolvimento (Marsden, 1995; 1997).

Frente ao processo de Globalizaç ão, tem-se dado ampla aplicaç ão ao ‘mote’

ecologista do “pensar globalmente e agir localmente”, inclusive importando-o em boa

medida para as estraté gias econômicas do desenvolvimento. Entende-se assim que

exigências específicas dos diferentes mercados consumidores estão passando a definir

diferentes distribuiç ões espaciais de atividades. No caso dos alimentos, por exemplo, tal

setor não pode mais ser encarado somente como operador de ‘commodities’, mas deve ser

incorporada a forma pela qual a agricultura e os alimentos possam ser social e

economicamente investidos nos espaç os locais e regionais, como partes de sistemas e redes

mais abrangentes e de complexos agroindustriais. Este é apenas um exemplo pelo qual se

pode entender em que sentido a globalizaç ão tem trazido a diferenciaç ão dos espaç os locais

por meio de demandas distintas e específicas16.

Consideraçõ es Finais
Como afirmamos no início, há , na atualidade, uma forte ressurgência de polêmicas

sobre o sentido que se pode ou deve atribuir àidé ia de desenvolvimento. As críticas que se

16
També m são exemplos de estudos sobre experiências locais de desenvolvimento os relatos e aná lises sobre
as chamadas agrocidades mediterrâneas do sul da Europa e as atividades do Programa LEADER da
Comunidade Europé ia. Para detalhes a respeito ver Ló pez-Casero(1991; 1996) e Yruela & Guerrero(1994).
17

tem desfiado contra a noç ão dominante, baseada na industrializaç ão, urbanizaç ão e

burocratizaç ão, acusam-na de etnocentrismo, conservadorismo e reducionismo econômico,

propondo reflexões que possibilitem ultrapassá -la, atingindo-se uma nova atribuiç ão de

sentido ao vocá bulo ‘Desenvolvimento’.

As condiç ões de possibilidade desta crítica à concepç ão dominante de

desenvolvimento está ligada aos seus efeitos indesejados e deleté rios, mas també m às

consequências da intensificaç ão do processo de Globalizaç ão contemporânea e às

disjunç ões culturais presentes na ló gica da chamada Pó s-Modernidade. As condiç ões para

lidar com crescentes graus de complexidade cultural, a valorizaç ão da diferenç a em

detrimento das universalizaç ões e oposiç ões, as consequências de amplo alcance e espectro

da difusão tecno-científica, etc., colocam a preocupaç ão com a categoria ‘espaç o’ na ordem

do dia das reflexões e aç ões sobre o desenvolvimento, relativizando a hegemonia até então

consagrada da categoria ‘tempo’.

Assim, o espaç o passa hoje a desempenhar um papel crucial para se pensar o

desenvolvimento, pois a pró pria sociedade só é concreta com o espaç o, sobre o espaç o, no

espaç o. Espaç o, agora, multifacetado, porque se considera que só pensado enquanto

multidimensional pode ser autêntico o desenvolvimento. Deste modo, não é menos

equivocado imaginar ser possível transformar as relaç ões sociais sem modificar o espaç o

social que as condiciona que pensar que a sociedade mudará se as formas e estruturas

espaciais mudarem. É neste âmbito argumentativo que se pode considerar vá lido atribuir

um sentido ‘localista’ ao desenvolvimento, podendo-se falar em algo como

‘Desenvolvimento Local’.

Tanto é assim que, frente a Globalizaç ão, a comunidade local segue se mostrando

como o principal referente socio-espacial na vida cotidiana. E, ilustrativamente, de um


18

ponto de vista econômico, pode-se verificar o surgimento de estraté gias de

desenvolvimento mais ‘endó genas’, centradas nas características e implicaç ões dos atores

locais. Estas intentam responder tanto a nova estrutura de oportunidades resultante do

processo de Globalizaç ão como as que se geram no pró prio âmbito local, e que são dos

mais variados matizes.

Não obstante, tal atribuiç ão de um sentido localista ao desenvolvimento deve ser

tratado e explorado como possibilidade, evitando-se de qualquer modo o risco de se

introduzir ló gicas extremadas de particularismos nos sistemas sociais e políticos. Mister se

faz, então, administrar o processo tensional entre o local e escalas mais amplas atravé s de

reformas institucionais que dêem vazão a aspiraç ões democrá ticas legítimas e encontrem

novos pontos de equilíbrio entre o local e o nacional/global. Tal é a tarefa que se desenha.

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