Você está na página 1de 16

A Paisagem Sonora das Imagens

Trabalho Sonoro Transformacional com Imagens dos Sonhos e da Própria Vida

Sven Doehner, PhD

Imagens de sonhos e seus significados podem trazer à tona sons inesperados que podem expressar
as intenções mais profundas da alma.

Certo dia, Julie, uma jovem mulher nos seus vinte e tantos anos, compartilha comigo o seguinte sonho:

Eu estou no pé de um vulcão que está prestes a entrar em erupção... cercada por pessoas correndo
histericamente em todas as direções. Para a minha surpresa (ainda no sonho), percebo que eu estou
calma no meio do caos que me cerca.

Eu a pergunto, “Como era o SOM no seu sonho?”. A pergunta a surpreende. Depois de um momento
de hesitação, seguido de um curto silêncio que permite que ela faça um rápida, mas intensa
recapitulação do sonho, ela abruptamente fala, com mais que um pouco de vergonha, “NÃO HAVIA
SOM”.

Logo em seguida, quase com mesmo som da sua voz, seus gestos e tom, provavelmente com um
discreto senso de dúvida, eu repito mansamente, “NÃO HAVIA SOM?”.

“Não” ela fala mais uma vez, com mais firmeza agora: “NÃO HAVIA SOM”.

Então ela cai num estado concentrado de silêncio. Eu simplesmente aguardo. Quando fala de novo,
ela diz que o silêncio serviu para identificar os aspectos na sua vida que carecem de som - e o quê
realização implica, significa para ela. Dentre outras coisas, Julie está chocada em descobrir que até rir
ela faz em silêncio. “Desde quando?” ela se indaga em voz alta.

Enquanto é provável que prestemos pouca atenção para os sons nos nossos sonhos, e quanto aos
sons nas nossas vida? Esta é uma pergunta com muito mais que pouca importância: com que
freqüência nós realmente levamos o som em consideração quando trabalhamos com nós mesmos?

Não perceber a dádiva do som é intrigante, particularmente porque dependemos tanto dele para nossa
orientação, informação, equilíbrio e comunicação. O preço de banalizar o som é um tipo de
insensibilidade, que leva a uma falta de percepção da forma com os sons podem transformar nossa
relação conosco e com o mundo ao nosso redor.

Mas o fato de que não percebemos um som particular não significa que não há som. Eu pergunto a
Julie, “Se houvesse um som, qual seria ele, possivelmente?”. Eu sinceramente penso comigo mesmo
em que som do sonho ela pode escolher se focar.

Para a minha surpresa, seu corpo reage instantaneamente à minha pergunta, primeiro com uma
simples mudança na postura. Então, enquanto ela tenta imaginar e descrever determinado som, eu
não posso deixar de perceber uma mudança na sua respiração e na cor da sua pele (indicando uma
mudança de temperatura). Não há dúvidas de que algo importante está acontecendo!

Uma vez que descrever um som sem ouvi-lo é como descrever uma visão sem vê-la, eu sugiro que ela
tente fazer o som. A dica a lembrar aqui é simplesmente fazer o primeiro som que lhe acometa,
espontaneamente. Então, enquanto o mantêm, que ela ajuste o som para que combine com o que é
imaginado ou escutado internamente, até que o som que emirja reflita verdadeiramente o que está
sendo imaginado ou vivenciado.
Julie precisa primeiro imaginar o seu som e só então tentar reproduzi-lo. Eu a encorajo a deixar de lado
sua respiração e simplesmente permitir que o som continue fluindo, para que ele mesmo se ajuste. Mais
que fazer um som, o desafio é permitir que o som apareça e que ele seja seu próprio guia. O som que
eventualmente emerge de Julie é um profundo, grave, looooongo lamento, circulando pelas vogais e e i.
eeeeiiieeieeiiieeieeiiiiiiieeeiiiiiiieeeeiiiieeeeeeeiiiiiiieeeeiiieeieeiii...

Yoga Kundalini ensina que um som deve ser feito por pelo menos 12 minutos até que o ego desista do
controle – uma difícil proposta para um novato nesse trabalho. Eu encorajo Julie a manter seu som por
pelo menos 2 minutos, permitindo que seu ego relaxe o suficiente para uma expressão autêntica de seja
lá o que for que ela está vivenciando apareça.

Ela permite que o som continue por três ou quatro minutos até que de repente ele se encerra
abruptamente –que se torna num silêncio fecundo, um espaço claramente feito para reflexão.

São necessários vários minutos produzindo, vivenciando, ouvindo, escutando e seguindo as oscilações
em um som até que ele tome forma com o tom e a nota apropriados – tornando-se firme, sólido, firme
consistente, insistente e uma expressão sincera do que está vibrando dentro da pessoa.

E enquanto tudo isso está acontecendo, todos os diferentes tons, sobretons e nuances no som
transportam e conectam a pessoa produzindo o som e aqueles os ouvindo em lugares profundamente
inconscientes, nos atraindo irresistivelmente a experimentar imagens surpreendentemente diferentes e
aparentemente desconectadas de momentos nas nossas vidas, passada e presente.

Sons nem sempre são aparentes em imagens mas fazer e escutar sons inevitavelmente traz imagens
novas e sempre em transformação para a consciência, revelando a natureza íntima, dinâmica, primária
e a relação do som e da imagem.

Julie explica, depois de longos minutos (para si mesma tanto quanto para mim), que ela reconhece o
som que apareceu inesperadamente no fim como aquele do sua mais secreta, mais profunda, mais
íntima dor.

Descobrindo o som inconfundível daquilo que a vinha ferindo, Julie deu uma voz inequívoca à sua dor.
Através do trabalho com som, sua dor agora tem uma forma palpável e pode ser vivida, escutada,
relacionada e ultimamente transformada: mudar sua forma.

No meu treinamento como psicoterapeuta, eu fui ensinado a encorajar as pessoas a descrever sua dor
em palavras. Palavras são importantes e podem servir de ajuda, particularmente quando são
descritivas, mas elas também podem nos privar da experiência da própria dor. Experiência clínica me
ensinou a evitar palavras que são apenas explicações, tarjas, abstrações e interpretações – em favor
da experiência sentida.

A noção de que nossas experiência interna precisa tomar uma forma para que possamos nos
relacionar com elas é crucial para a psicologia alquímica. C. G. Jung defendeu que devemos nos
relacionar com nossas experiências internas como se fossem seres - sem o “ como se”... porque
nossas mágoas, dores, paixões e emoções de fato SÃO seres autônomos implorando para serem
levados em consideração e relacionados.

Voltando a Julie, eu não posso resistir em perguntá-la pelos outros sons no seu sonho, sem realmente
saber o que esperar.

Desta vez ela me surpreende ao se identificar com o vulcão, gradualmente o som estrondoso de
alguma coisa fervendo no seu âmago: rrrmmrrrgggmmrrrmmgggrrrmmmgggrrrmmggrrr... se torna
dramaticamente evidente que uma explosão não tarda a vir.
Enquanto pode parecer como uma interpretação óbvia, Julie mal estava consciente de quão perto ela
estava de explodir na sua vida. Tomar consciência disso através do som deixou nela um tipo de imprint
que é difícil de esquecer ou ignorar.

Minha última sugestão para Julie é que ela deveria tentar fazer um som que combine ambos os sons
que ela fez, cada um refletindo nela agora um estado de consciência especificamente diferente. Seu
desafio é encontrar uma maneira de ser fiel a cada um dos dois sons, permitindo que eles se mesclem
gradualmente em um terceiro e novo som.

Para a minha surpresa, depois de diversas tentativas indo de um som para o outro, ela realmente
consegue fazê-lo –produzir um som que de fato junta os outros dois de uma forma que reflete ambos
ainda que pareça algo genuinamente novo e inesperadamente poderoso. Sem hesitar, ela mantêm o
som por um longo tempo, agradecidamente aproveitando a experiência.

Depois, sentamos por um bom tempo em silêncio, tomando nota do que aconteceu. Finalmente, Julie
fala sobre como os diferentes sons lhe levaram a encontros inesperados com imagens associadas a
diferentes situações na sua vida, algumas do presente e outras do mais distante e esquecido passado
–mas de alguma forma todos combinando um com o outro para lhe trazer uma sensação diferente de
eu.

Na linguagem da psicologia alquímica, seus pensamentos , emoções, sentimentos e sensações fixos


originais foram dissolvidos com o som e algo novo começou a coagular. Uma experiência
genuinamente nova começou a tomar forma.

Baseado no efeito positive desse trabalho sonoro na experiência de Julie com ela mesma, eu encerrei
a sessão sugerindo que ela tentasse fazer o terceiro som regularmente, como um mantra pessoal. Eu
também recomendei que ela o usasse particularmente quando estressada ou quando acometida com a
ansiedade que lhe aparece em momentos de incerteza ou quando estivesse entre sua dor, seu medo,
sua frustração e a necessidade de mostrar seja o que estiver lhe movendo internamente. Minha
sugestão é que ela se expresse ao invés de explodir.

Muitos anos se passaram e eu ainda mantenho contato com Julie. Eu estou feliz em dizer que depois
do mencionado trabalho sonoro as transformações que começaram a acontecer na sua vida interna e
externa foram dramáticas. A explosão de Julie se transformou em uma mudança de empregos, carreira
e casamento (no momento que escrevo ela está esperando seu terceiro filho) e uma mudança para a
Escócia, onde agora ela canta todo o tempo!

Como esse exemplo ilustra claramente, é possível desenvolver trabalho sonoro com imagens em
sonhos mesmo que não lembremos dos sons. Os sons subentendidos em diferentes cenas em um
sonho, e os sons que expressamos nós mesmos enquanto ressoamos com suas imagens podem
oferecer um espelho de vivências freqüentemente inexplorado –útil para refletir aspectos inconscientes
da nossa relação com os temas nas imagens que de fato estruturam e inspiram nossa vida cotidiana.

Um tipo diferente de trabalho sonoro é ilustrado pelo que aconteceu com Alfonso, um advogado muito
bem sucedido na cidade do México com mais de 40 anos. Um dia ele chega no meu consultório
reclamando por ter machucado seu joelho e portanto não poder participar de uma cavalgada com seus
amigos em uma viagem já planejada.

Enquanto o sintoma de um joelho machucado é interessante por si só, e enquanto o que ele está me
trazendo não é um sonho literalmente, o cenário que Alfonso apresenta é tal qual aparece em sonhos
–cenas que realçam ou sublinham uma situação de conflito emocional na vida de alguém (onde o ego
é frustrado nos seus planos, desejos ou anseios).

Mas O QUE é exatamente o conflito de Alfonso? O Joelho machucado? Ele não poder montar no seu
cavalo? Algo a respeito de seus amigos? Eu lhe peço que me dê uma noção melhor da situação como
um todo. Quase instantaneamente ele deixa escapar que a sua maior preocupação é como dizer para
seus amigos de cavalgada que ele não poderá acompanhá-los na sua trilha.

Surpreso com sua relutância em simplesmente dizer para seus amigos que ele não poderá ir com eles
na viagem, eu faço um pedido: que ele substitua dizer-me sobre sua preocupação por dizer-me sua
preocupação real da maneira mais direta possível. O que se esconde por trás da sua hesitação? Eu o
ajudo um pouco refazendo a pergunta: o que, na essência, está em jogo?

Com algum esforço Alfonso consegue se colocar e se ver na situação com seus amigos.
Repentinamente, com gestos apropriados e linguagem corporal, ele fala:

Não é minha culpa, eu não sinto tanta dor... mas o que posso fazer? O médico ordenou que eu não
fosse à cavalgada. Eu não tenho escolha... Eu realmente gostaria de ir, mas eu não posso, me
desculpe, não é minha culpa.

Ignorando minha surpresa genuína dessa menção à culpa na figura (e à sua maneira não tão sutil
transferir a responsabilidade pela sua situação para o médico), eu imediatamente peço a Alfonso que
pare de modo que ele me observe melhor ao que eu repito vagarosamente sua frase em voz alta. Eu o
imito da melhor forma possível permitindo que a atitude nos seus gestos seus sons e seu sentido: “não é
minha culpa” para que ressoe no espaço entre nós.

Ele não pode conter a risada escancarada, envergonhada, desmascarada, desconfortável, um pouco
envergonhada e obviamente movido por ter se visto e ouvido ser imitado. Apesar das suas defesas, ele
não pode evitar ouvir-se e escutar-se como nunca antes.

Então a diversão começa enquanto eu o guio através de uma exploração da sua frase semi-consciente
“não é minha culpa, eu gostaria de ir, mas não posso – realmente não é minha culpa”. Nós fazemos
isso por cerca de 20 minutos.

Depois de repetir a frase várias vezes, tentando captar a entonação pretendida, quando
completamente envolvido na cena inicial, Alfonso começa a se dividir entre confusão e tentar seguir
adiante para outra coisa. Mas é tarde demais – ele já está comprometido com o exercício!

Meu próximo pedido a ele é para que diga a frase, exatamente a mesma, com diferentes intenções,
sotaques e entonações sabendo que A FORMA com que dizemos alguma coisa lhe dá o sentido- e
carrega o peso DO QUE dizemos. Quando a pessoa fazendo o exercício é sincera no compromisso de
comunicar o verdadeiro sentido da frase através do som com que é expresso, ela experimenta a
mesma frase diferentemente, cada vez de acordo com o tom e atitude com que é dita.

Então faço com que Alfonso tente vivenciar o sentido pleno das suas palavras quando ele as diz com
RAIVA… então, depois de uma pausa, longa o suficiente para registrar a experiência, com
TRISTEZA... pausa... no sentido de ACUSAÇÃO... pausa... com DESESPERO... pausa... com
IMPACIÊNCIA... pausa... com SÚPLICA... pausa... com DÚVIDA... pausa... com DEPRECIAÇÃO...
pausa... SEDUTIVAMENTE... pausa... como uma PERGUNTA... pausa... Convincentemente... pausa...
com PERDÃO… pausa… e finalmente SINCERAMENTE.

Depois de uma longa pausa eu pergunto a Alfonso qual das diferentes experiências com a frase mais o
surpreendeu e o afetou.

Enquanto isto levou a diversas revelações interessantes, eu percebi que o resultado mais significante
desse exercício é que a relação da pessoa com a frase é alterada para sempre. Torna-se praticamente
impossível que a pessoa use a frase ou a estrutura contida nela da mesma forma novamente. Durante
o exercício uma anexação (fixação) semi-consciente é dissolvida.
Antes do fim da sessão Alfonso partilha comigo a experiência de ver e ouvir a si mesmo tão claramente
como a vítima. Foi terrível para ele, e ao mesmo tempo maravilhoso, descobrir algo do que ele estava
apenas meio consciente (apesar de tão óbvio que seria para que outras pessoas percebessem).
Provavelmente, a coisa mais importante, é que ele NÃO GOSTOU de ver-se e ouvir-se sendo a vítima.

Eu descobri que esse sentimento de vergonha –despertado quando nos vemos e ouvimos de maneiras
que parecem vergonhosas ou desvaloradas- são um motivador sem paralelo para modificar a pegada
que um comportamento padronizado tem nas nossas vidas. A experiência desse tipo de vergonha
torna insuportavelmente doloroso continuar com o comportamento extremamente quando nos
pegamos quando nos colocamos novamente na posição, agora consciente, do papel não desejado.

Os efeitos da sessão na vida de Alfonso foram imediatos e um tanto surpreendentes. Na semana


seguinte ele veio para sua sessão ainda estupefato por reconhecer quão freqüente ele vinha
recorrendo ao papel de vítima na sua vida para, inconscientemente, evitar tomar responsabilidade de si
mesmo. Ele se descobriu se fazendo de vítima para todos: sua família, seus empregados, seus
clientes, seus amigos e até mesmo para ele próprio.

Agora a grande pergunta para Alfonso se tornou, “Se eu NÃO sou a vítima, então QUEM SOU EU?”.
Sua procura pela resposta a essa pergunta se tornou agora o foco da sua terapia.

Eu não resisto em dizer que eu acredito que chegar a esse ponto através de uma abordagem mais
tradicional, Jungiana ou outra, teria levado muito mais tempo.

Também usei uma variação do exercício que usei com Alfonso no qual eu peço que a pessoa converta
as palavras de uma frase como não é minha culpa APENAS em sons. A pessoa começa repetindo a
frase várias vezes, cada vez mais rápido até que ela se une e vira um único som, que então eu
encorajo a pessoa a MANTER por vários minutos.

Remover as palavras enfraquece as defesas despertadas pelo seu conteúdo literal e permite que a
pessoa se concentre mais na escuta do som que carrega a intenção e revela o sentido emocional do
que está sendo expressado pelo som.

Uma vez eu usei esse exercício com resultados maravilhosos em uma sessão com um casal que
estavam falando um ao outro do que um com o outro. No momento em que estavam desesperadamente
e raivosamente interrompendo um ao outro, cada um tentando fazer com que o outro escutasse e
entendesse seus argumentos, curiosamente similares, eu grito repentinamente, “Parem! Parem de usar
palavras! Deixe as palavras de fora! Se concentrem nos sons! Talvez os sons, apenas eles, podem
comunicar o que cada um de vocês deseja que o outro escute e entenda.”.

Eles demoraram alguns momentos desconcertantes para parar e escutar a si próprios o suficiente para
se concentrarem no que realmente eles queriam comunicar um ao outro. O homem foi o primeiro a
perceber. De repente ele começa a dizer o que ele estava sentindo usando apenas sons. Eu ouso
dizer que, pela primeira vez em muito tempo, sua esposa foi capaz de começar a escutar e ouvir o que
acabou sendo algo extremamente importante para ambos.

A partir dessa experiência eu tive a idéia de sugerir a casais que trabalham comigo, que durante suas
andanças semanais, eles se comuniquem apenas fazendo e ouvindo ao som de cada um. Aqueles que
têm tentado dão ao hábito crédito por fazer com que as conversas subseqüentes sejam trocas bem
mais ricas. Estas experiências me levaram a focar, tanto na arte de OUVIR quanto no fazer (permitir o
aparecimento), ouvir e vivenciar o poder do trabalho sonoro consciente.

Mónica ofereceu um tipo de oportunidade diferente para explorar a natureza do trabalho sonoro que eu
estou propondo. Um dia ela vem ao meu consultório desesperada, triste, furiosa, cheia de desalento e
tomada por sentimentos que ela chama de a abandono. Ela partilha comigo que esses sentimentos
foram despertados pelas atitudes e comportamento de seu namorado e da sua mãe. E quando eu
aponto que isto parece estar levando ela a se abandonar a si mesma ela se desespera mais ainda.
Dada a minha dedicação a descrições altamente diferenciadas e precisas que nos deslocam do
pensamento conceitual característico das nossas crenças tão entrincheiradas que nos estruturam e
aprisionam nossas vidas –eu peço a Mônica que descreva o que ela quis dizer com abandono sem usar
a palavra em si.

Mónica embarca nessa difícil tarefa, indo da sua percepção inicial do que ela chama de abandono, para
uma descrição mais diferenciada d precisamente o quê ela está sentindo. Seguindo minhas
orientações ela começa a explorar onde ela está o sentindo no seu corpo, que sensações particulares
estão envolvidas e o quê são as emoções e sentimentos específicos que acompanham.

No passado eu teria pedido que ela desse voz a esta sensibilização em palavras. Nesta ocasião eu
peço que ela estabeleça um registro consciente das propriedades vibratórias do que ela está
vivenciando e então dar voz ao seu estado emocional em sons - e gestos, se estes ajudarem.

Enquanto Mónica claramente compreendeu meu pedido, sua resposta imediata foi congelar, engasgar
–nada exceto um barulho baixo e borbulhante na sua garganta. Simultaneamente eu me encontro
experimentando a sensação de uma imagem vívida de Beethoven sentado à sua direita enquanto me
lembro ter lido que nos seus últimos anos ele não podia ouvir externamente os sons que ele mesmo
percebia internamente. Ao mesmo tempo eu percebo um som curiosamente distinto e insistente dentro
do meu ser.
Depois de alguns momentos de desconfortante hesitação –observando Mônica brigar com ela mesma e
eu comigo- eu decido pedi-la permissão para deixar me tentar permitir que o som que eu estou ouvindo
internamente saia da minha boca.

Com seu consentimento eu procedo à tentativa. Na minha primeira tentativa, eu falho. O som que
emerge da minha boca não é o som que eu continuo ouvindo dentro de mim. Minha segunda tentativa
só me traz mais frustração e suor. Mas o olhar de necessidade urgente nos olhos de Mónica me motiva
com um novo senso de concentração.

Então, na minha Terceira tentativa eu tenho êxito! Eu sinto que algo literalmente se abriu na minha
cabeça, permitindo que o som que emerge da minha boca se torne, sem dúvidas, o som que eu escuto
e percebo dentro de mim!

as meu sentimento de maravilha e satisfação imediatamente é frustrado por Mónica, que


repentinamente emerge da sua paralisia para começar a emitir exatamente o mesmo som!

Enquanto ela continua a permitir que o som se manifeste, ele toma controle e se torna uma série de
sons afinados com suas experiências internas e imagens, guiando nós dois em uma jornada longa e
profunda pelo som… durando não menos que 20 minutos. No final, exaustos, nós sentamos, parados
em um estado de profunda reflexão.

A experiência me lembra de um fenômeno que acontece quando a corda de um violão em um canto de


um recindo é tocado, provocando uma respostada mesma corda de outro violão afinado da mesma
forma no outro canto do recinto. Inicialmente o segundo violão parece estar vibrando com o mesmo
som, entretanto, ouvindo com mais cuidado percebe-se que cada violão tem seu próprio som!

Quando eu consegui fazer um som que era exatamente afinado com a dor de Mónica, o fenômeno
conhecido como ressonância a despertou do seu transe e permitiu que ela se conectasse com seu som
–e ao seu sentimento de dor. Enquanto ela continua a permitir que o som a conecte intimamente à sua
mais profunda experiência, Mônica percebeu sua dor transformando a si mesma. Prestar atenção na
dor e dar-lhe voz, pelo som, muda a sua forma!

A mudança na natureza da sua dor foi apenas a ponta do iceberg. Tornou-se imediatamente óbvio –e
ainda mais óbvio com o tempo- que a relação de Mónica com ela mesma e o mundo ao seu redor foi
transformada com o exercício. Esta sessão marcou o começo de mudanças mais positivas na sua vida
do que o foco do que estamos explorando aqui nos permite aprofundar. Eu posso, com confiança, dizer
que Mónica tem sido capaz de participar de forma mais plena nas mudanças que a vida tem lhe
apresentado e se considera hoje muito mais engajada em todos os aspectos da sua vida cada vez
mais rica.

Esta experiência toca em outro aspecto crucial do trabalho com imagens e sons: a importância de
perceber e ouvir ao que acontece conosco em relação aos outros e com o mundo. Essa distinção entre
o foco interno e o foco externo é de suma importância para a arte de escutar e para o trabalho sonoro.

Uma interação que eu tive com um jovem brasileiro chamado Felipe enquanto ele escrevia este
trabalho me proveu uma ilustração dessa distinção. Felipe me conta este simples sonho matutino.

Eu estou na casa de alguns amigos íntimos, um casal, rindo, conversando,


partilhando bons momentos de intimidade juntos, mas para a minha surpresa ele
tem uma criança de um ano de idade, o que não é verdade fora do sonho.

Felipe responde à minha pergunta sobre os sons no sonho dizendo que existem apenas as vozes das
pessoas conversando e o barulho das risadas nada notadamente especial.

Eu peço então que ele descreva a atmosfera da reunião da forma mais específica que ele possa...
incluindo a temperatura, texturas energias, cores, sensações. Ele o faz. Então eu lhe pergunto “O que
essa atmosfera despertou em você?”. Desacostumado a um foco interno enquanto atende a eventos
externos, Felipe olha para mim com perplexidade e diz que não tem certeza.

Ao invés de insistir eu o provoco com um exercício improvisado para ouvir profundamente, pedindo
que ele tome nota da atmosfera na sala em que estamos no momento. À medida que começamos a
descrevê-la, eu peço que ele seja o mais preciso possível em acompanhar as sensações no seu corpo.

Seus olhos se abrem enquanto ele descobre que ele pode mudar mais facilmente do que esperava do
foco externo para um que toma nota de todo o tipo de acontecimentos internos. Assim que Felipe
começa a praticar a arte de ouvir a si mesmo o suficiente para atingir um sentido mais claro do que ele
está vivenciando, eu peço que ele inclua a percepção das propriedades vibratórias do que está se
movendo dentro dele –um passo para que essas mesmas propriedades se tornem um som.

Sua reação de surpresa o leva a cometer um erro não tão incomum que é pensar no som que ele
deveria fazer ao invés de simplesmente deixar o som fluir, ganhando forma enquanto emerge. Então eu
tomo a liberdade de fazer com que diversos sons espontâneos encham o ar entre nós: aaeeeaa (muito
agudo)... oouuuoo (muito grave)... então uma variedade relativamente grande de
iiieeeaaaaeeeooorrreeeeiiiuuuaaooonnnooouueeeiiisssssssvvvveeeeeeeiiieeeooouuuurrrrrrrruuummmnn
naaaos.

Devo confessor que eu sempre me deleito com as expressões de surpresa nas pessoas quando elas
me vêem procurar livremente por um som que realmente expresse um determinado sentimento ou
estado de espírito. Nós devemos ser livres para deixar o som fluir para descobrir o tom específico que
realmente expresse a nossa experiência interna. Felipe não é exceção. Em pouco tempo eu e ele
selecionamos os sons enquanto eu continuo a produzir até que nós dois concordamos naquele que
melhor expressa o sentimento da atmosfera que estamos vivendo no momento.

Aquecidos, nós retornamos ao seu sonho. Eu o pergunto “Quais eram as vibrações internas e sons
despertados pela situação, atmosfera e ação na reunião com seus amigos?”

Com apenas um pouco de incentivo Felipe é capaz de usar a descrição da reunião do sonho para reviver
o momento e com isso descrever as sensações, sentimentos, emoções, pensamentos, desejos, medos e
desejos com especificidade suficiente para reconhecer suas próprias vibrações internas e permitir que
virem som.
Eu o encorajo a continuar a fazer o som pelo tempo que sua expiração permita e por não menos que
três inspirações profundas. Ele se permite afinar com o som da melhor forma possível para que coincida
com quaisquer vibrações internas que ele esteja escutando e ouvindo.

Tentando não distraí-lo, eu o encorajo a não deixar de perceber e aproveitar as novas imagens que
aparecem com o som –sem as interrupções que acompanham os julgamentos e interpretações
desnecessários. Reflexão pode vir depois que a experiência completa termina.
.
Quando ele acaba, Felipe está pasmo com o prazer de ter descoberto inesperadamente o sentimento
interno da imagem do seu simples sonho e da sua relevância para o seu dia a dia fora dele.

Notas para Esta Proposta de Trabalho Sonoro

Esta proposta de trabalho sonoro é diferente de outros trabalhos terapêuticos com som, que
comumente envolvem produzir ou escutar e ouvir a sons que trazem harmonia ou relaxamento ou, de
alguma forma, alteram positivamente o estado de consciência da pessoa.

Esta proposta envolve práticas na arte de OUVIR cuidadosamente e profundamente nossas


experiências internas tanto quanto os estímulos externos. Tal ato de ouvir é indispensável para permitir
que percepções diferenciadas nos guiem para reconhecer as propriedades vibratórias das nossas
experiências físicas, emocionais, mentais e espirituais. Quando nós nos tornamos sensíveis a essas
propriedades vibratórias podemos permitir que eles se tornem sons que dão forma a aspectos menos
conscientes da nossa experiência –indispensável para a nossa conexão e participação mais plena na
nossa vida. A prática mostra que esta é uma experiência profundamente transformacional.

Permitir que os sons apareçam é muito mais útil que simplesmente fazer sons. Torna-se possível um
processo de diferenciação interna que se desdobra em um novo tipo de escutar (vibração e sensação)
e ouvir (percepção)

Uma inspiração antiga para este trabalho foi uma história que eu ouvi de um Norueguês chamado
Alfred Wolfson, que através do trabalho sonoro se salvou de pesadelos que os atormentavam e de
memórias traumáticas das suas experiências durante a primeira guerra mundial.

Como médico nas frentes de batalha, ele foi incumbido de retirar soldados severamente machucados
do campo de batalha na sua maca. Muitos desses homens estavam simplesmente esperando a morte.
Sem anestesia para aliviar suas dores (ainda não havia sido descoberta), Wolfson gastou incontáveis
horas ouvindo o guincho animalesco desses homens enquanto permaneciam deitados nas trincheiras
sem nada para diminuir a dor das suas feridas abertas senão os sons da sua própria agonia.

Muito depois do fim da guerra esses horríveis e lancinantes gritos primitivos continuaram a atormentar
Wolfson, o perseguindo em pesadelos, memórias traumáticas e alucinações auditivas.

Eles não o deixaram em paz –até o dia quando o próprio desespero o levou a tentar permitir que esses
sons, que ele não podia deixar de ouvir dentro dele, saíssem pela sua boca.

Depois de um número desconhecido de tentativas, mantendo o som pelo tempo suficiente para que ele
fosse além do óbvio, além das tentativas fúteis de fazer com que o som saindo da sua boca fosse uma
expressão real do que ele estava ouvindo dentro de si, além dos momentos de alívio catártico, além de
tudo o que ele podia imaginar, ele foi capaz de permitir que os sons que emergiam continuassem o
suficiente para mudar de forma –realmente transformar-se.

O exercício eventualmente o levou além de sí mesmo –no sentido de controle do ego e limites - e
através uma experiência vívida de uma série de imagens, sensações, emoções, sentimentos,
pensamentos, memórias e associações. Estes eventualmente se combinaram uns com os outros de tal
forma a se tornarem cânticos ou músicas e o libertaram das suas memórias traumáticas, pesadelos e
alucinações auditivas que o perseguiam.

Wolfson curou a si mesmo –e descobriu o poder transformacional de permitir que os freqüentemente


terríveis, dissonantes e inesperados sons que emergem das profundezas das nossas almas tem de
nos guiar em mudanças fundamentais nas nossa relação conosco e com o mundo que nos circunda.

Um inglês de nome Roy Hart levou essas descobertas ao mundo do teatro, enquanto o próprio Wolfson
foi desenvolver um método terapêutico baseado no uso da voz para fazer sons espontâneos tais como
aqueles de animais e outros aspectos do mundo natural e dos mundos feitos pelo homem.

Inspirado nos textos de C.G. Jung, Wolfson encorajou a extensão da amplitude vocal humana através
de exercícios de canto – tomando qualquer coisa que emirja ao seu extremo final , e portanto
constelando profundos movimentos internos na direção oposta.

Nos seus textos, Jung reconhece Heraclito como o primeiro a reconhecer –no que Heráclito chama
enantiodromia- que as expressões psicológicas assim como físicas, da nossa existência, tomar o que
aparece até a sua última e mais extrema expressão desperta um movimento contrário.

Nós podemos reconhecer esse princípio da natureza no ato de respirar, onde inspiração pede
expiração. Está presente em qualquer situação na qual a superabundância de qualquer força
inevitavelmente produz sua oposição. É a forma da natureza restaurar o pulso, que é básico para todas
as formas de vida. Mais disso em outra sessão.

A experiência de Wolfson demonstra a possibilidade de um certo tipo de transformação através do


trabalho sonoro, notadamente o valor da sua essência experimental e os limites das abordagens
terapêuticas baseadas na interpretação e entendimento.

Mais notas sobre SOM e Trabalho Sonoro

A maioria das outras terapias sonoras envolve produzir e escutar sons a fim de atingir uma harmonia,
para obter um estado diferente de consciência ou para prover soltura –se livrar de algo. O tipo de
trabalho sonoro transformacional que eu estou descrevendo pede descobrir, emitir, viver, ouvir e
escutar os sons inconscientes, mais profundos, guardados e escondidos e possivelmente sensações
não reconhecidas, sentimentos, emoções e pensamentos de alguém.

Conhecer nossas necessidades, dores, prazeres, medos, mágoas, desejos e paixões através dos
seus sons nos permitem:

~ Nos conectar a eles mais intimamente.

~ Nos relacionar a eles de forma mais plena

~ Descobrir o que eles podem desejar de nós.

~ Transformar nosso relacionamento conosco e com o mundo que nos cerca de maneiras que devem
ser vivenciadas para que possam ser imaginadas.

Esta proposta de trabalho sonoro não depende da capacidade de cantar ou de ser afinado. Também
não é sobre som como catarse – uma liberação de energia. E não é sobre entonação, harmonia ou a
busca pelo equilíbrio.
Ao contrário, este trabalho tem a ver simplesmente com ajudar os outros a:

~ Descobrir os sons que melhor expressam seus conflitos e tensões quando aparecem em
imagens – cenas de sonhos, fantasias ou da própria vida.
~ Permitir que esses sons sejam expressos e mantidos por um intervalo de tempo longo o
suficiente para que seja escutado, ajustado e ouvido.
~ Permitir que esses sons guiem a pessoa emitindo o som e aqueles ouvindo e escutando
através de diferentes processos e níveis de transformação pessoal e transpessonal.

Mais notas sobre SOM e Trabalho Sonoro

A palavra som (sound, em inglês, significa som ou são) também significa saudável, bem, completo,
robusto e é freqüentemente usado para dizer vigoroso, forte, sensível, enérgico, obstinado, intacto,
inteiro.

A proposta que os sons que nós produzimos nos transformam é tão óbvia e simples que é facilmente e
comumente menosprezada. Som simplesmente implica em respirar, que envolve movimento.
Movimento produz som, e som movimenta coisas. Ele tem efeito nas coisas. Abre coisas, desbloqueia,
solta, limpa, organiza e dá forma interna ou externa a qualquer encontro.

Trabalho sonoro simplesmente denota uma relação com o invisível. Através do som, nós
inevitavelmente damos uma forma palpável para aspectos inconscientes e conscientes da nossa
personalidade e ao desconhecido – e nós geramos novas imagens.

Nós nos tornamos conscientes das e comunicamos nossas necessidades, vontades, alegrias, dores,
lugares aprisionados, desejos, mágoas, esperanças, etc. através do som.

Ao comunicar nossos sentimentos mais profundos através do som nós podemos apreciar como o som
é uma energia que nos vivifica, dando forma ao aspecto emocional da situação que produz o som.

A produção do som envolve nossos corpos físicos com nossas vidas emocionais, nossas mentes e
com um nível de experiência que vai além do pessoal e nos conecta a uma dimensão universal,
mística ou transpessoal que encoraja algo verdadeiramente novo a emergir nas nossas vidas.

Som precisa acontecer para que seja escutado, vivenciado, ouvido e permitido que faça efeito, nos
guiar e nos transformar.

Quando libertado da necessidade de ser harmônico, o som é uma estrutura enérgica que converte e
transmuta as coisas em novas formas.

Silêncio é uma pausa, uma abertura, um espaço que convida o som.

Som é vibração. Vibração viaja em ondas que afetam os corpos que encontram. Som afeta o corpo. O
corpo é um instrumento que responde ao som.

Som aparece com a respiração, como um aspecto do nosso ciclo respiratório. A produção do som pela
voz humana depende da respiração.

Respiração é vida, pulsação, um contínuo e persistente processo de expansão e contração. Respirar


torna o som possível. Cada inalação é uma assimilação, cada exalação é uma libertação.

Produzir com é uma maneira de se liberar o que foi assimilado.


Pessoas podem ser tocadas de diferentes maneiras, mas freqüentemente apenas até certo ponto. Som
nos toca em ondas.

Existem sons externos e sons internos.

Existem sons que nós escutamos e ouvimos, e outros que não.

Existem sons que produzimos e dos quais estamos conscientes – e sons que aparecem
inesperadamente, involuntariamente.

O aspectos mais inconscientes do nosso ser aparecem nos sons que parecem mais dissonantes e
menos aceitáveis para nós.

Esta proposta de trabalho sonoro reconhece a natureza e relação fundamentalmente íntima, dinâmica,
interdependente e transformadora entre imagens e som. Esta se torna auto-evidente quando
vivenciada.

Que o som é freqüentemente não óbvio em uma imagem não significa que ele não está presente na
experiência da imagem – entretanto som é uma maneira óbvia, simples, primária e inevitável de gerar
imagens. Imagens aparecem, se apresentam com o som.

Notas sobre TRANSFORMAÇÃO

O objetivo por trás desta proposta de trabalho sonoro é a transformação.

Transformação é uma palavra grande, mas do que mais você poderia chamar algo que muda a forma?

A vida em si nos envolve em contínuas e perpétuas transformações, algumas as quais buscamos, e


muitas outras que nos são impostas. De fato, nossa sobrevivência pessoal requer ajustes contínuos às
demandas do mundo externo, que podem ser vistas como convites contínuos à transformação.

As transformações, que são mais obviamente o principal foco desta proposta, caem em duas categorias.
A primeira tem a ver com o ego, aquele senso de identidade que nós chamamos EU.

É curioso o fato de que gastamos nossos primeiros anos formando um senso de si de modo a
estruturar nossas vidas apenas para então ter de levar em conta e incorporar todas aquelas coisas que
estão além do controle do ego. Cedo ou tarde o ego que heroicamente criamos deve aprender a
desapegar e se relacionar com o misterioso mundo além do seu alcance e controle.

O ego típico resiste à transformação, querendo que tudo mude de forma a acomodar seu desejo de
beneficiar o que é agradável e evitar o que pode ser desagradável.

Isto parece suficientemente sensato até que percebamos que administrar essa acomodação se torna
uma questão de controle ininterrupto. Um ego muito rígido aparece, limitado no seu alcance de
experiência e ultimamente destinado ao fracasso já que cedo ou tarde a vida inevitavelmente impõe
sua vontade.

A segunda categoria de transformações que são possíveis tem a ver com imprints (marcas). Imprints
formam o registro nos nossos corpos físicos, nas nossas estruturas emocionais e nos nossos sistemas
de crenças para os padrões nas nossas respostas às dificuldades básicas, obstáculos e situações
dolorosas nas nossas vidas. Exemplos de imprints que podem ser transformados através do trabalho
sonoro incluem os seguintes:
~ nosso senso básico de proteção, segurança e confiança nos outros, em nós mesmo e na
vida em si.

~ Nossa forma de interagir com o mundo que nos cerca, da comida que comemos à
maneira que lidamos com as expectativas dos outros à nossa abordagem ao desconhecido e
não familiar.

~ Nosso senso de regulação do que permanece conosco e como nos desapegamos do que
precisa ser deixado para trás.

~ Nosso senso de autonomia enquanto nos movemos e nos engajamos com o mundo ao
nosso redor.

~ Nosso senso de rivalidade em relação aos outros e nosso espírito competitivo.

~ Nosso senso de esforço individual e nossa habilidade de colaborar com outros em um


esforço de grupo.

~ Nosso espírito empreendedor e criativo.

A maioria das escolas de psicologia concorda que nossos padrões de resposta são estabelecidos nos
primeiros sete anos das nossas vidas, nos servindo como uma moldura de referência cada vez que
somos confrontados com uma situação ameaçadora que requer uma resposta crítica.

Toda vez que nos deparamos com uma situação de perda ou crise, nós tendemos a reforçar o padrão
freqüentemente inconsciente, ou tomar vantagem da oportunidade de encontrar segurança em uma
nova forma –cambiar nossas necessidades ou a dinâmica do nosso padrão.

Mas como reconhecer nossos padrões freqüentemente inconscientes?

Uma maneira é encontrar clareza sobre o que nos proporciona um senso de segurança ou nos contém
na nossa vida. Saber o que nos dá segurança pode permitir que reconheçamos quais são nossos
medos e como e onde nos somos ameaçados. Finalmente, nós podemos olhar para a forma com que
nos defendemos – a quais são nossos mecanismos de defesa e como eles operam fisicamente,
emocionalmente e mentalmente.

Outra forma é explorar as imagens na vida ou nos sonhos das pessoas, procurando ver e ouvir
padrões subconscientes.

Um lugar onde freqüentemente existem muitas manifestações do subconsciente são os sons que
aparecem nas nossas vidas, muitos dos quais nós estamos a par e muitos que não – eles aparecem
involuntariamente e muito além do controle do ego.

Três ferramentas úteis para explorar as imagens na nossa vida são descrições altamente diferenciadas
de:
~ Atitudes e comportamentos característicos do ego. Esta é mais facilmente feita com
trabalhos com sonhos, onde o fato de que é apenas um sonho torna mais fácil reconhecer
padrões específicos ao ego do sonho em uma situação ou cenário particular.

~ Como as outras figuras na cena nos servem para projetar aspectos desconhecidos ou
indesejados da nossa personalidade.

~ Qual é a essência de que está mais em jogo para nós no conflito apresentado pela cena
crítica da imagem.
Eu usei o termo tintura alquímica para me referir à sentença completa que eu peço para a pessoa –na
primeira pessoa e no tempo presente- que apresente a essência do que está em jogo para ela no
conflito apresentado no sonho ou na cena da vida cotidiana.

Quando essas declarações estiverem precisas, esses ressoam profundamente em muitos níveis e
muito fazem para nos sensibilizar e nos mover em direção à transformação.

Uma vez que descobrimos o padrão, a questão vital é como eles podem ser mudados, cambiados do
seu foco ou simplesmente transformados?

Um objetivo terapêutico pode ser encontrar novos meios de estar no mundo com uma gama maior de
opções e possibilidades por estar realmente presente e engajado nas nossas vidas cotidianas.

O que está acima é um simples delineamento, com a recomendação que essas sugestões precisam
ser vivenciadas para serem plenamente apreciadas.

Notas sobre Psicoterapia e a Linguagem da Psique:

IMAGENS
A definição de psicoterapia usada aqui se baseia no significado grego original das raízes das palavras
pela qual é formada. psique significa alma e therapeia significa atender a.

Portanto psicoterapia significa atender a alma.

No seu trabalho em Psiclogia Arquetipica, James Hillman demonstrou que as linguagens primárias da
alma são, sem sombra de dúvidas, imagens e patologias.

Psicoterapia arquetipica assiste às imagens que são a linguagem pela qual a alma fala. É por meio de
imagens que a alma nos relaciona a nós mesmos e com o mundo ao nosso redor.

Atender às imagens nas nossas vidas envolve ir além da associação comum de imagens apenas com o
visual. C. G. Jung escreveu que imagens são essencialmente experiências sensoriais [corpo],
acompanhadas por uma carga emocional [emoções], que circulam uma idéia central [mente], que todas
juntas apontam para alguma coisa específica [espírito].

Patologia aponta para o que está errado, para o que não se encaixa ou funciona nas nossas vidas,
para o que é doloroso. Não é que a psique queira que soframos dor ou perda, mas através dos
sintomas nos somos iniciados na vida psíquica –forçada a participar em aspectos da vida que o ego
não pode chegar ao fundo nem imaginar, e certamente não iria escolher.

Uma maneira clássica de se reportar ao assunto na Psicologia da Profundidade Jungiana é o


reconhecimento de que, tão importante quanto o quê/querer da vida, é a questão do quê a psique
inconsciente, a própria vida quer de mim!

Apesar do nosso ego resistir e relutar contra a realidade natural, a vida inconsciente tenta comunicar o
que ela quer de nós através de sintomas.

O significado original grego da palavra sintoma é manifestação. Sintomas são manifestações do que a
vida nos demanda na sua necessidade para garantir o pulso, aquele processo em movimento de
expansão e contração que nós já começamos a abordar.
Portanto, um objetivo terapêutico é reconhecer nossos sintomas como as imagens que são e encontrar
maneiras de vivenciá-las terapeuticamente ao invés de tentar nos livrar deelas através de
interpretações e todos os outros meios alopáticos que nos são disponíveis hoje em dia.

Sonhos

Sonhos são imagens (experiências sensoriais com uma carga emocional que circundam um conjunto
de idéias e apontam para algo) que são o resultado de um encontro elusivo entre as realidades
Consciente e Inconsciente.

Sonhos são espelhos experimentais que, assim como sintomas, puxam o ego para outras perspectivas
que as suas próprias, forçando o sonhador a participar de experiências evitadas a todo custo na
realidade acordada.

O espelho que estamos invocando no trabalho sonoro não é o da variedade do banheiro –


freqüentemente um lugar bastante crítico, onde necessidades narcisísticas são atendidas e onde
amaciamos a personalidade que nos leva. Ao mundo. também não é o espelho da rainha mãe má de
Branca de Neve: Espelho, espelho meu...

Sonhos são o espelho de Hermes, o trapaceiro, guia das almas, dizendo àqueles que ousam olhar
dentro dele o que eles querem que seja dito ao invés -como o próprio inconsciente- o que é necessário
para restaurar o movimento nas suas vidas.

O sonho como o espelho de Hermes aparece quando menos é esperado, nos oferecendo uma chance
de escutar, ouvir e de atender ao que por ventura pode ser visto.

~ Indiretamente ou atrás de nós(sombras) –além de nós mesmos adentrando múltiplas perspectivas


que a maioria dos sonhos oferece.

~ Através da literalidade da realidade concreta em direção ao seu sentido metafórico e simbólico.

~ Adentrando o sentido interno (misterioso, místico, eterno) das coisas.

Finalmente imagens (dos sonhos ou da vida) vibram. Elas nos vibram e vibram dentro de nós e
portanto podem ser abordadas também como som –esse sentido fundamental freqüentemente
desconsiderado ou negligenciado.

Querer descobrir aspectos inconscientes das nossas vidas, sons que vem nos nossos sonhos -e ao
trabalhar com eles- oferece oportunidades sem paralelo para encontrar o desconhecido.

Notas sobre C. G. Jung e a Psicologia Alquímica de James Hillman

Na Healing Fiction James Hillman descreve como a cisão de C. G. Jung com Freud foi acompanhada
de um profundo senso de isolamento e crise espiritual indescritível durante a qual Jung foi invadido por
um “incessante rio de fantasias” e “uma multiplicidade de imagens com conteúdo psíquico”.

No seu isolamento, Jung não se voltou para outro grupo ou para uma religião organizada e ele não
encontrou refúgio em uma psicose ou na segurança oferecida por atividades convencionais tais como
trabalho, família, amigos, etc. Ao invés disso ele se voltou para suas imagens internas.

Para lidar com seu tormento de emoções, Jung deu forma às suas imagens através da escrita, desenho,
pintura, escultura e através da sua sensitividade de movimento e sondagem. A experiência mostra que o
trabalho sonoro dá corpo à nossa vida emocional e dá forma aos aspectos mais inconscientes dos
nossos eu físico, emocional, mental e espiritual.

Quando não havia nada para ele se segurar, Jung encontrou apoio na imagem personificada das suas
visões internas. Ele se debruçou sobre seu drama interno e iniciou seu processo de cura. É referido
como seu colapso, sugerindo que a verdadeira transformação implica em permitir que um seja afetado
pelas suas imagens de maneiras que quebram as estruturas que precisam mudar de forma.

Para Jung, conheça a si mesmo significou se abrir para o discernir, reconhecer, levar em consideração,
escutar e ouvir as suas imagens internas.

Esta foi também o momento quando Jung descobriu que ele podia decifrar e entender o sentido
metafórico de muitos textos alquímicos na sua biblioteca. Em uma das introduções ao seu livro
Psicologia e Alquimia ele escreveu que sua experiência o mostrou que ele não estava sozinho, que ele
não foi o primeiro a descobrir os caminhos que a alma toma na sua jornada de desdobramento. Jung
gastou o resto da sua vida (mais de 40 anos) estudando psicologia alquímica.

Alguns princípios básicos da Psicologia Alquímica

~ O trabalho de transformação é um “Opus contra Naturam”: um esforço que vai contra os


hábitos naturais do ego em querer que tudo mude salvo ele.

~ ”Dissolve o que está coagulado e coagula o que está dissolvido”: afrouxa o que está contraído e
preso de modo que possa fluir e dar forma ao que está vago, difuso e ainda não formado.

Notas sobre a Arte de Ouvir

Escutar é o ato físico de registrar determinadas freqüências vibratórias no cérebro no que chamamos de
som.

Ouvir é o resultado de uma atenção focada –de maneira que possa se diferenciar o que está sendo
escutado em um ato de percepção.

Em um nível muito básico, escutar é central ao sistema vestibular nos nossos cérebros, nos permitindo
perceber toda uma gama de coisas e nos dando uma experiência de continuidade na nossa existência.

Ouvir –e ser ouvido- favorece o relacionamento.

Práticas em ouvir:

1. Diferenciar as qualidades do som na voz de uma pessoa:

~ No nível físico: volume, altura, profundidade, extensão, velocidade, direção, ritmo,


ressonância, dissonância e energia.

~ No nível emocional: tom, argumento vocal, intenção.

2. Como um ato de percepção, pratique discernir o que está realmente em jogo no conflito apresentado
por um cenário específico, por um sonho ou da vida cotidiana. Em outras palavras, pratique fazer
sentenças como tinturas alquímicas.
Faça isso através do hábito de formular sentenças que digam –na primeira pessoa do tempo presente-
a essência do que está em jogo no conflito apresentado por um cenário particular.

É mais fácil começar a fazer isso com outra pessoa para ter o feedback sobre se o espelho provido
pela sentença é preciso e útil – ou não.

Eu geralmente tento formular pelo menos três sentenças diferentes, refletindo perspectivas
completamente diferentes (ao invés de simplesmente repetir a mesma idéia básica de formas
diferentes).

Este trabalho está em progresso. Por favor respeite os direitos do autor.

A publicação é esperada para o verão de 2008.

Se você está interessado em prover feedback, fazer perguntas ou colaborar com Sven Doehner, por
favor escreva ou ligue para ele na Cidade do México.

sven@psicologiaprofunda.com

+55155 54324868

.
Sven Doehner, PhD, MFA, é um psicoterapeuta arquetípico da Cidade do México. Treinado por James
Hillman na Psicologia da Profundidade de C. G. Jung, possui um consultório particular e é o diretor de
Instituto de Psicologia Profunda em México.

.
Sven guiou workshops e cursos na Europa, Américas do Norte e sul desde 1981, integrando a
Psicologia Profunda com curas ancestrais e tradições espirituais nativas. Sven trabalha
alquimisticamente com imagens e sons nos sonhos e vidas das pessoas de modos que facilitam
transformações pessoais e transpessoais.

Traduzido para o português por Thiago Serravalle de Sá

Você também pode gostar