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‘Estamos no campo do imponderável e acho difícil que o aumento
da repressão detenha as manifestações’
Colunistas
Ambiente e
dgpjvaU
Gabriel Brito, da Redação
21/02/2014
Já se preparando para a festa da Copa do Mundo e o processo eleitoral subsequente, o governo Cidadania
brasileiro tenta acelerar as pautas de enrijecimento das leis penais. Após a morte do cinegrafista da
Bandeirantes, Santiago Andrade, tal intenção ficou ainda mais evidente, com a tentativa de impulsi- Amyra El Khalili
onar no Congresso projeto de lei que tipifica o terrorismo.
“Precisamos deixar bem claro que é completamente lamentável a morte do Santiago, como são
completamente lamentáveis todas as outras mortes ocorridas em manifestações, assim como todas Cassiano Terra
as demais mortes que ocorrem pela ação violenta do Estado. Mas que existe uma disputa política
sobre o fato é muito claro”, afirmou ao Correio o advogado Rodolfo Valente, que já prestou auxílio ju- Rodrigues
rídico a diversos manifestantes presos nos últimos tempos.
Eduardo
Na conversa, Valente mostrou não ter dúvidas de que estamos em pleno acirramento político em re-
lação ao ano passado. Dessa forma, acredita que a repressão realmente virá com toda a sua força,
Gudynas
uma vez que o governo, em relação aos atuais protestos, “faz uma aposta no conservadorismo”.
Além disso, o advogado também contou como tem sido o trabalho daqueles que defendem os Frei Betto
presos em atos, “praticamente todos a esmo”.
“O Estado age assim cotidianamente. Portanto, já domina essa técnica da seletividade penal. E
também da própria finalidade do sistema penal, que é contingenciar e controlar a pobreza. Quando Fernando Silva
há um momento de ascensão de movimentos sociais, o mesmo Estado Penal se volta contra tais
manifestações e comete exatamente as mesmas ilegalidades”, resumiu.
A entrevista completa com Rodolfo Valente, mais uma realizada ao lado da webrádio Central3, pode Gabriel Brito
ser lida a seguir.
Correio da Cidadania: Primeiramente, como você encara o quadro político brasileiro, com
suas manifestações de rua, neste início de ano? Considera que a conjuntura de 2013 se
Guilherme
acirrou para o novo ano?
Rodolfo Valente: Sem dúvida. Até antes de 2013. A gente já vinha na ascensão do acirramento,
Delgado
desde a entrada do Partido dos Trabalhadores no governo até a estruturação de novos movimentos
Joana Salém
e a guinada à direita, cada vez mais, do governo deste mesmo partido.
No início do ano, sem dúvida nenhuma, com a conjuntura de eleições e toda a movimentação e arti-
Vasconcelos
culações de contestação à Copa do Mundo, com o pano de fundo da completa falta de serviços pú-
blicos básicos para a maioria da população, estamos num nível bastante avançado em termos de Léo Lince
acirramento político.
Correio da Cidadania: O que teria a comentar sobre a atual comoção em torno da morte do ci-
negrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes, por ora atribuída aos manifestantes? Luiz Eça
Considera que sua morte está sendo disputada politicamente – a despeito dos óbitos anteri-
ores verificados de junho pra cá?
Rodolfo Valente: A disputa política é clara e evidente. Em primeiro lugar, precisamos deixar bem Luis Fernando
claro que é completamente lamentável a morte do Santiago, como são completamente lamentáveis
todas as outras mortes ocorridas em manifestações, assim como todas as demais mortes que Novoa Garzon
ocorrem no contexto da ação violenta do Estado. Mas que existe uma disputa política sobre o fato é
Marcelo
muito claro, e a cobertura, por exemplo, da Globo, é muito sintomática.
Em princípio, sequer é possível afirmar com toda a convicção que se expressa por aí que aquele ar-
Castañeda
tefato ou rojão foi atirado por algum manifestante. Não há sequer prova cabal disso. Além do mais,
temos todos os furos da investigação, feita de maneira completamente açodada e obscura. Paulo Metri
Há, portanto, contradições enormes em torno do fato e a disputa política fica ainda mais clara
quando verificamos os interesses em jogo. Há muitos interesses nos próprios atos, e esse ato do
Rio de Janeiro foi justamente contra o aumento da tarifa, a mesma pauta que fez explodir as mani- Paulo
festações de junho de 2013. E há também, sem dúvida, interesse em abafar as manifestações e cri-
minalizar quem participa delas. A disputa política se dá basicamente a partir daí. Tanto é assim que, Passarinho
dias depois de acontecer o lamentável fato da morte do Santiago, já foi discutido no Senado, vol-
tando à ordem do dia, a pauta da tipificação do terrorismo. Ramez Philippe
Maalouf
https://www.correiocidadania.com.br/index.php?option=com_content&view=article&id=9369:manchete210214&catid=34:manchete 1/3
21/09/21, 15:45 Correio da Cidadania
Agora, o governo federal já acena com outros projetos de lei para criminalizar manifestantes que es-
tejam com pano no rosto e aumentar penas para crimes relacionados, ou pretensamente relacio- Telma Monteiro
nados, às manifestações.
Correio da Cidadania: E como você analisa as iniciativas do governo, tanto no campo parla-
mentar como na maneira de lidar com os protestos nas ruas, durante os atos em si, através
Virgílio Arraes
de seus aparatos e também porta-vozes?
Rodolfo Valente: Penso que o governo faz uma aposta política no conservadorismo. Nós estamos
Wladimir Pomar
em ano de eleição e o governo não quer correr riscos. Como garantidor e gestor do capital, e sua
forma política, através do Estado, o governo age nesse sentido. Penso eu que vai se dar mal.
Ex colunistas
Porque as contradições estão cada vez mais claras e esgarçadas. É cada vez mais difícil sustentar a
máscara do pretenso republicanismo e do espírito democrático. Cada vez mais, está claro que o in- Fábio Luís
tento é de criminalizar e desarticular as manifestações.
Correio da Cidadania: Como tem sido a vida dos advogados que tentam defender os manifes-
tantes presos, muitos sabidamente a esmo, e como o Estado tem tratado tais detidos? Estão Henrique Júdice
ocorrendo ameaças extra-legais?
Rodolfo Valente: O Estado já age assim cotidianamente. Nas periferias, contra a juventude pobre e
negra, o padrão de ação do Estado já é esse. Portanto, o Estado já domina a técnica da seletividade Jorge Almeida
penal. E também da própria finalidade material do sistema penal, que é contingenciar e controlar a
pobreza, garantindo as desigualdades produzidas e reproduzidas pelo capital.
Luiz Antonio Magalhães
Quando há um momento de ascensão de movimentos sociais, como vem acontecendo, sobretudo
de junho pra cá, o mesmo Estado Penal se volta contra tais manifestações e comete exatamente as
mesmas ilegalidades.
Mateus Alves
Portanto, o padrão que vemos tanto nas ruas como nas delegacias é de prisões a esmo. Eu não
diria que muitas, eu diria que praticamente todas as prisões são a esmo. Tanto que geralmente elas
acontecem no final das manifestações e no momento da dispersão. Claro que é praticamente impos- Osiris Lopes Filho
sível individualizar qualquer conduta ali. Os policiais simplesmente prendem quem ficou pra trás. E
na delegacia se faz a “distribuição” dos crimes ao alvedrio e bel prazer dos delegados e policiais.
Eu pessoalmente nunca fui ameaçado. O que já aconteceu é tentarem me dar voz de prisão, em ato Waldemar Rossi
pelo transporte público na região do Grajaú. Quando tentei me aproximar das pessoas presas, pe-
diram para eu sair. Pedi a identificação do policial, ele me deu voz de prisão, mas segundos depois
desistiu. Foi o máximo que passei. Ameaça direta nunca recebi e, quanto a outros advogados, sei Consciência Negra
através da imprensa.
Correio da Cidadania: Diante desses fatos, o que você espera para os próximos meses, com a
Dicionário da Cidadania
proximidade da Copa do Mundo, e toda sua blindagem, e do processo eleitoral? Acredita que
a morte do cinegrafista, e o clima de terror que se procura criar em torno a ela, possam deter
de algum modo a força das ruas? Gabriel Perissé
Rodolfo Valente: Nós estamos no campo do imponderável. Sem dúvida nenhuma, é fato que a re-
pressão vem, e vem na sua máxima potencialidade. Sobretudo na organização desse evento desas-
troso que será a Copa do Mundo. Eu acho muito difícil tal tipo de repressão deter as manifestações, Elaine Tavares
bem difícil mesmo. Pelo contrário, penso que a escalada da repressão tende a tornar as manifesta-
ções ainda mais candentes.
Porém, o que acontecerá a partir daí é o imponderável. Espero que aconteça o mínimo possível de
desgraça. Espero que consigamos ter o mínimo de ponderação para levar o processo político adi-
ante. Mas penso ser difícil que as ações do poder público sejam capazes de dissuadir ou desarti-
cular as manifestações.
Clique aqui para ouvir o áudio da entrevista.
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Gabriel Brito é jornalista do Correio da Cidadania.
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