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ARTIGO

APRENDIZADO COLABORATIVO: ENSINO DE


PROFESSORES POR MEIO DE RELACIONAMENTOS
E CONVERSAS*

COLLABORATIVE LEARNING: TEACHERS LEARNING THROUGH


RELATIONSHIPS AND CONVERSATIONS

HARLENE ANDERSON
Doutora
RESUMO: A educação colaborativa baseada nos ABSTRACT: The collaborative education based
Houston Galveston Institute pressupostos pós-modernos e da construção on the assumptions of the postmodern social
Taos Institute social fornece uma orientação para a formação construction and provides guidance for the edu-
e treinamento em que os estudantes estão envol- cation and training where students are actively
vidos ativa e intimamente em seu aprendizado e and intimately involved in their learning and have
SYLVIA LONDON tem voz para determinar e avaliar o que e como a voice in determining and evaluating what and
aprender. Neste artigo apresentamos os pressu- how to learn. This article presents the basic as-
Mestre
postos básicos da nossa abordagem de educa- sumptions of our approach to collaborative edu-
Houston Galveston Institute ção colaborativa. Ilustramos, então, a abordagem cation. Illustrated, then approach with a story
Taos Institute com uma história sobre o desenvolvimento de about the development of a collaborative lear-
uma comunidade de aprendizado colaborativo – ning community – a training project for teachers
um projeto de treinamento para professores em in which they become conversation partners
que eles se tornam parceiros de conversação uns with each other and their students. The story
com os outros e com seus estudantes. A histó- also illustrates the conversational processes and
ria também ilustra os processos conversacionais generative relationships in which knowledge is
e de relações generativas nos quais o conheci- exchanged and generated much more creative
mento é trocado e gerado muito mais criativa e and abundantly and more specifically to the ne-
abundantemente e de modo mais específico às eds of members than could have been achieved
necessidades dos membros do que poderia ter without the collaboration.
sido alcançado sem a colaboração.
KEYWORDS: collaborative education, social
PALAVRAS-CHAVE: educação colaborativa, construction.
construção social.

Nossa abordagem colaborativa da educação é baseada em uma colcha de retalhos


de pressupostos filosóficos práticos (Anderson, 1997, 2007). Essa colcha de reta-
lhos inclui pedaços de tecidos das filosofias hermenêuticas pós-modernas e con-
temporâneas e da construção social, bem como teorias dialógicas. Estes pressu-
postos proporcionam uma linguagem alternativa que, por sua vez, fornecem uma
orientação particular às práticas educacionais nas quais os estudantes estão envol-
vidos ativa e intimamente em seu aprendizado e tem voz para determinar e avaliar
o que e como aprender. Em trabalhos anteriores, referimo-nos a esta orientação
* Uma versão anterior deste
artigo foi publicada em
como aprendizado colaborativo e comunidades de aprendizado colaborativo (An-
Anderson, H. & London, S. derson, 1998, 2000; Anderson & London, 2011; Anderson & Swim, 1993; Fernan-
(2011) “Undervisning som dez, London & Rodriguez, 2006). Discutimos primeiramente esses pressupostos
kollaborativ læring – Lærere,
der lærer gennem relationer e depois ilustramos seu transporte para a educação por meio da história sobre o
og samtaler”. Kognition og desenvolvimento de uma comunidade de aprendizado colaborativo: um projeto
pedagogik nr. 81, AKT og
inklusion. Dansk Psykologisk
de treinamento para professores em que eles se tornam parceiros conversacio-
Forlag. arn nais uns com os outros e com seus alunos. Por sua vez, os alunos tornaram-se
parceiros conversacionais uns com os A colaboração é um meio fértil para Aprendizado colaborativo: ensino
de professores por meio de 23
outros. Por meio dessa relação e ati- fins criativos. A emergência da noção relacionamentos e conversas
vidade – aprendizado colaborativo –, de aprendizado colaborativo – com a Harlene Anderson; Sylvia London

professores e alunos e alunos e alunos utilização de denominações variadas


se dedicam a criar novos tipos e quali- como aprendizado colaborativo, co-
dades de conexões uns com os outros letivo, cooperativo, de ação, de pares,
– comunidade de aprendizado colabo- de parceiros, de grupo e de equipe –
rativo – que melhoram os relaciona- tem sido documentada por mais de
mentos, a cidadania e, claro, o apren- três décadas (Anderson, 1998, 2000;
dizado. Esses parceiros colaborativos, Anderson & Swim, 1993, 1994; Astin,
por meio de suas trocas dinâmicas, 1985; Bonwell & Eison, 1991; Boswor-
geram conhecimento* e outras inova- th & Hamilton, 1994; Bruffee, 1983;
ções muito mais criativas, abundantes Freire, 1970; McNamee, 2007; Shotter,
e específicas ao contexto e necessida- Golub, 1988; Goodsell, Maher, Tinto,
des locais do que qualquer membro da Smith & MacGregor, 1992; Johnson
parceria poderia alcançar sozinho. & Holubec, 1990; John-Steiner, 2000;
Kuh, 1990; Mezirow, 1978; Mezirow &
Associates, 2000; Peters & Armstrong,
CARACTERÍSTICAS DAS COMUNIDADES 1998; Sir Ken Robinson, 2001; Slavin,
DE APRENDIZADO COLABORATIVO 1990; Weiner, 1986). O aprendizado
colaborativo é definido aqui como
O aprendizado colaborativo requer uma abordagem relacional e conver-
um ambiente e atividade de apren- sacional, na qual cada membro da co-
dizagem em que sabedoria, conheci- munidade de aprendizado, educadores
mento e costumes dos membros de e alunos, contribui para a produção de
um contexto educacional local (por um novo aprendizado (conhecimento,
exemplo, uma classe de alunos ou um habilidades, competência), incluindo
grupo de professores) são reconheci- a sua integração e aplicação, dividindo
dos, acessados e utilizados. Esse tipo as responsabilidades de tudo isso. Ba-
de ambiente e atividade de aprendiza- seia-se na suposição de que a constru-
do requer valores e atitudes particula- ção do conhecimento é uma atividade
res do educador em relação a: a) a na- em comunidade, criada no intercâm-
tureza transformadora do diálogo e da bio social e não na interação instrucio-
colaboração, b) confiança e segurança nal e que a experiência de aprendizado
nas competências e no julgamento de coletivo é transformativa. Além disso,
cada membro quanto à sua vida diária o que está sendo aprendido é trans-
e futura, e quanto ao que é crucial para formado no processo de aprendizado.
elas; c) o conhecimento e as experiên- Do mesmo modo, o aprendizado e o
cias que os alunos trazem considera- processo de produção de conhecimen-
dos como valiosos e necessários como to é transformado durante a produção
os que os professores trazem e d) au- e as pessoas envolvidas no processo
torreflexão e abertura das perspectivas de aprendizado também são transfor-
dos educadores sendo examinadas, madas. Os termos “transformador” e
confrontadas e mudadas. Isto requer, “transformativo” referem-se ao pro-
antes de tudo, que o educador, aquele cesso generativo no qual as pessoas se
* Usamos a palavra
designado como “professor”, expresse envolvem umas com as outras e com conhecimento como um
esses valores e atitudes em suas pala- elas próprias no compartilhar e ques- termo amplo que pode incluir
habilidade, verdade, perspectiva
vras, ações e atitudes. tionar sobre a questão do sujeito e suas etc.

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experiências, considerando e refletin- notar que o aprendizado colaborativo
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do de forma crítica sobre as premissas é uma cultura de aprendizado basea-
e quadros de referência familiares e da na crença e no valor de bondade e
novos. O processo transformativo não nos motivos positivos dos professores
é um aprendizado informacional ou e alunos com relação ao aprendizado.
instrutivo. Como o biólogo e filósofo
chileno Humberto Maturana (1978)
sustenta, não existe interação instru- O DESENVOLVIMENTO DA ABORDAGEM
tiva. Não é possível colocar conheci- DE APRENDIZADO COLABORATIVO
mento na cabeça de outra pessoa. Em
outras palavras, não é possível contro- Nosso interesse na colaboração na
lar o que se espera ou se pensa que o educação de crianças e adultos evoluiu
outro está aprendendo. Cada pessoa através da nossa experiência em focar
traz sua história particular e assim na colaboração em nossas práticas
por diante para o encontro educacio- como psicoterapeutas, como consul-
nal. Isto, entre outras coisas, influen- toras e ministrando treinamento em
cia como cada pessoa (por exemplo, o diversos contextos de treinamento clí-
aluno) irá “ouvir”, “ler” ou vivenciar o nico, universitário e de pós-graduação
material educacional e, logo, cada um (Anderson, 1997; Anderson & Gehart,
terá sua própria interpretação e com- 2007; Anderson & Goolishian, 1988;
preensão. A partir desta perspectiva, Anderson & Swim, 1993; Fernández,
o aprendizado é um processo ativo e London & Rodriguez, 2006). Nossa
generativo no qual o que é aprendi- filosofia de educação é baseada em
do é particular a um aprendiz. Como uma colcha de retalhos de pressupos-
educador e psicólogo da Universidade tos abstratos que formam uma visão
de Harvard, Robert Kegan, sugere “...o global de compreensão dos seres hu-
aprendizado genuinamente transfor- manos como participantes singula-
macional é sempre, em alguma ex- res, ativos e engajados na construção
tensão, uma mudança epistemológica de conhecimento, que tem relevância
e não meramente uma mudança no local e fluidez e que suporta a noção
repertório comportamental ou um de colaboração na educação. Manter
aumento na quantidade ou no estoque a congruência entre nossa filosofia de
de conhecimento” (2000, p. 48). De psicoterapia e nossa filosofia de educa-
forma semelhante à noção de mudan- ção e ser capaz de desempenhá-las de
ça epistemológica proposta por Kegan, forma consistente tem sido de primor-
o educador Jack Mezirow (2000) suge- dial importância para nós. Isto exige
re que é a mudança de hábitos mentais que se seja aquilo que o teórico de sis-
que leva à mudança de referência ou temas de aprendizado Donald Schön
de perspectiva. O aprendizado trans- (1983, 1987) descreve como um pro-
formacional tem implicações que vão fissional reflexivo ou reflexão na ação:
além do próprio contexto educacional. refletir, parar e questionar tanto a teo-
É uma oportunidade de pensar de for- ria quanto a prática para entender os
ma diferente sobre nós mesmos e so- aspectos teóricos subjacentes e descre-
bre os outros e de viver de modo dife- ver a própria prática enquanto ela se
rente em nossos mundos educacional realiza. Fazendo isso, a teoria e a práti-
e pessoal e de propagar as sementes da ca são reciprocamente influenciadas à
oportunidade para mudar nosso mun- medida que o profissional retira disso
do para algo melhor. É importante novos sentidos, e assim torna-se mais

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ponderado e responsável em relação a mútua/compartilhada, a criação rela- Aprendizado colaborativo: ensino
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seu trabalho. Por sua vez, a teoria e a cional de competência/conhecimen- relacionamentos e conversas
prática continuam se desenvolvendo. to, não saber, ser público, confiar na Harlene Anderson; Sylvia London

Baseado em sua pesquisa sobre como incerteza, transformar mutuamente e


os profissionais aprendem, Schön su- terapia/educação parecidas com a vida
gere que a incorporação da prática re- cotidiana (Consulte Anderson [2007]
flexiva na educação leva a um aprendi- para uma discussão sobre as caracte-
zado mais profundo. Ele ainda sugere rísticas.). Central a esta estância filo-
que o aprendizado autodescoberto e sófica é a noção de relacionamento
autoapropriado ou o aprendizado que colaborativo e conversação generativa
pertence àquele que aprende é o único que envolve intercâmbios dinâmicos
aprendizado que influencia o compor- de duas vias, compartilhamento, en-
tamento de forma significativa.* trelaçamento e tecelagem de ideias,
Os pressupostos filosóficos acima pensamentos, opiniões e sentimen-
mencionados e os desafios que fluem tos através dos quais o novo emerge.
a partir deles contribuem para uma O modo de ser de um educador, por
maneira diferente de pensar sobre exemplo, estabelece o estágio para e
nosso mundo e nossas experiências de convida esses tipos de relacionamen-
mundo e, logo, como conceituamos e tos e conversações.
organizamos nossas práticas educacio-
nais. Tais pressupostos informam uma Relacionamento colaborativo.
filosofia da educação e uma instância
filosófica do educador: uma maneira St. George e Wulff (2011) da Uni-
de ser, referindo-se a uma maneira de versidade de Calgary sugerem que a
se orientar – como abordamos as pes- colaboração implica em uma maneira
soas e as circunstâncias que encontra- de interagir com os outros tal que to-
mos em nossas práticas educacionais dos contribuem de sua(s) forma(s)
e o que fazer com nossas práticas. Isso preferida(s) e uma nova compreensão,
inclui uma forma de pensar em con- ideia ou processo desenvolve-se, o que
junto, estar em relação em conjunto, seria improvável com um ator indivi-
conversar em conjunto, agir em con- dual. O diálogo é tramado, o que sig-
junto e responder em conjunto. A ex- nifica que os comentários e ações es-
pressão em conjunto enfatiza o envol- tão conectados a outros comentários
vimento compartilhado que põe um e ações. A beleza de se colaborar é que
professor e um aluno em uma parceria não há papéis estabelecidos; há uma
conversacional na qual os membros flexibilidade e fluidez que permitem
se conectam, colaboram e criam uns que tanto o líder quanto o seguidor es-
com os outros. A noção de conjunto é tejam em movimento. Na colaboração,
similar à de Hoffman (2007), influen- todos os participantes apreciam a varie-
ciada pelo teórico da crítica russa Mi- dade de ideias e empenham-se em ser
khail Bakhtin, com foco na noção de inclusivos (St. George & Wulff, 2011).
“conjunção”. A estância filosófica e a Para que a colaboração ocorra, deve
noção de conjunto e conjunção su- haver espaço para cada pessoa e suas
gere uma parceria, uma parceria con- vozes; cada uma deve ser bem recebida
versacional. A educação é um tipo de e autorizada a estar presente de forma
* Embora digamos “auto”,
atividade conversacional de parceria. incondicional e a participar integral- temos em mente que as
As características da estância filosófi- mente. A contribuição de cada um deve pessoas são seres relacionais
(Gergen, selves únicos não
ca incluem: engajar-se na investigação ser igualmente reconhecida, apreciada encapsulados).

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e valorizada. Ter uma sensação plena expressos em palavras ou sem palavras.
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de ser valorizado leva a uma sensação Em outros termos, os participantes não
de pertencimento (por exemplo, à co- presumem que sabem o que o outro
munidade educacional). Uma sensação pretende, não tentam preencher as la-
de pertencimento à comunidade leva a cunas de significados. Por meio desses
uma sensação de participação que, por intercâmbios dialógicos e da investi-
sua vez, leva à contribuição com o pro- gação partilhada, os participantes en-
duto de aprendizado e assim a uma sen- volvem-se em um processo de tentar
sação propriedade e de responsabilidade compreender uns aos outros, por meio
partilhada. Tudo isso se combina para dos quais novos significados, pontos de
promover um aprendizado sustentável. vista e perspectivas (como o aprendiza-
Apenas uma observação: sustentável do) são criados. Novamente, o modo de
não significa que o que é recentemente ser de um educador estabelece o estágio
aprendido permanece estático, mas que para, convida e continuamente supor-
o processo de aprendizado é sustentado ta os relacionamentos colaborativos e
e, portanto, o novo aprendizado conti- conversações dialógicas.
nua a se desenvolver e depois um novo Na educação, a meta do aprendizado
aprendizado pode ocorrer. Esse foco na colaborativo e da conversa generativa é
participação e reconhecimento é visto um aprendizado transformador*. Por
como particularmente fundamental exemplo, o desenvolvimento de novos
para o desenvolvimento das crianças conhecimentos, competências, habili-
– começando com recém-nascidos no dades etc. tem relevância e utilidade para
aprendizado social, de conhecimento além da sala de aula. O processo para al-
e de habilidades (consulte Trevarthen, cançar essa meta tem várias caracterís-
2005 para uma discussão estimulante). ticas. Antes de tudo, aquele designado
como professor deve acreditar e confiar
Conversa dialógica no processo dialógico colaborativo e
deve acreditar e confiar nos seus alunos.
Os termos diálogo ou conversação Se sim, eles agirão de maneira natural
dialógica referem-se a uma forma dinâ- e conversarão de forma coerente com
mica de conversa na qual os participan- a abordagem filosófica do aprendizado
tes envolvem-se uns com os outros (em colaborativo. Em outras palavras, deve-
voz alta) – com ou sem palavras, em rão vivê-lo, ser genuína e naturalmente
uma investigação mútua ou partilhada colaborativos. Isso inclui respeitar, esti-
– conjuntamente examinando, questio- mular e valorizar cada voz a partir do
* Todos os educadores
nando, imaginando, refletindo e assim momento em que se encontram e ao
diriam que sua meta é o por diante sobre o assunto ou a tarefa longo de toda a duração do programa
novo aprendizado. Estamos (como um discurso, conteúdo progra- de aprendizado (por exemplo, um cur-
enfatizando a diferença entre
pensar que um aluno aprende mático, opiniões). O que é apresenta- so, workshop). Isto requer flexibilidade,
o que é dito ou lido da maneira do no diálogo fica sujeito à interação e sensibilidade e capacidade de resposta, e
que é e o pensamento de
que os alunos criam o novo interpretação conjunta, o que implica criatividade para fazer aquilo que a oca-
aprendizado, único para cada um intercâmbio de duas vias e entrela- sião exigir em cada momento. Relacio-
um, a partir de suas interações namentos e aprendizado mais horizon-
e do que escutam e leem.
çamento de ideias, pensamentos, opini-
** É importante, no entanto, ões e sentimentos. Os participantes são tais começam a ser criados,** ao invés
que a diferença não seja tão envolvidos em uma investigação parti- dos relacionamentos professor-aluno e
grande a ponto de abalar
os alunos e estimular o que lhada na qual tentam entender um ao processos de aprendizado hierárquicos
pode ser mal interpretado outro, tentam aprender a singularida- e dualistas, que são geralmente mais fa-
como “comportamentos de
resistência”.
de de sua linguagem, seus significados miliares a educadores e alunos.

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Alunos e professor e alunos e alu- colaborativos em que as necessidades e Aprendizado colaborativo: ensino
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nos desenvolvem conexões nas quais os desejos tanto das instituições como relacionamentos e conversas
o que é aprendido – por exemplo, co- dos aprendizes foram reconhecidos e Harlene Anderson; Sylvia London

nhecimento, habilidades, destrezas – é respondidos e em que os objetivos de


selecionado em conjunto e criado em aprendizado e o modelo de aprendiza-
contraste com a situação de haver um do foram mutuamente construídos (ver
assim chamado conhecedor (por exem- London, St. George, & Wulff, 2009 para
plo, professor) que oferece um conheci- diretrizes para colaboração). A história
mento previamente determinado (por foca no processo de treinamento e não
exemplo, por um professor, instituição em seu conteúdo.
de aprendizado ou por um contexto
maior de aprendizado) àquele (como
o aluno) que não sabe. Isso contrasta PREPARANDO O PALCO PARA AS
com o ensinar e aprender enquanto in- RELAÇÕES COLABORATIVAS E AS
teração instrutiva (já mencionado), em CONVERSAÇÕES DIALÓGICAS: A
que se assume que o conhecimento de HISTÓRIA DE SYLVIA
uma pessoa pode ser transferido para
outra. É importante notar aqui que o Nasci na Cidade do México e cres-
aprendizado em sala de aula sempre ci em comunidade mexicana judaica.
ocorre em múltiplos contextos e gru- Frequentei escolas da Rede de Educa-
pos de interessados, e cada um com sua ção Judaica, fui para a faculdade na Ci-
própria agenda. São respeitados, mas dade do México, completei os estudos
não se tornam camisas de força para a de pós-graduação no exterior, morei
criatividade do professor e do aluno. nos Estados Unidos por oito anos e
O educador colaborativo deseja criar então voltei para o México (20 anos
e facilitar as relações e processos de atrás) para morar e trabalhar. Atual-
aprendizado nas quais os participantes mente dou aulas em universidades
possam identificar, acessar, elaborar e públicas e privadas e em um institu-
produzir suas próprias competências to de formação de pós-graduação que
singulares, cultivando sementes de ino- fundei com colegas. Dou consultas e
vação em suas vidas pessoais e profis- supervisiono terapeutas e psicólogos
sionais, fora do contexto de aprendiza- em escolas, incluindo a Rede de Edu-
do. Querem falar e agir para estimular cação Judaica. A Rede tem 10 escolas,
e encorajar os participantes a se res- variando de Montessori a religiosas.
ponsabilizarem por seu aprendizado e Ela conta com um Conselho de Edu-
serem seus arquitetos. cação composto de representantes do
A seguinte história ilustra a instân- conselho principal de cada escola. O
cia colaborativa de Sylvia quando ela Conselho estabelece políticas e apon-
atenciosamente responde ao convite do ta problemas com relação à qualidade
presidente de uma universidade para da educação, finanças, bolsas de estu-
providenciar um programa de treina- dos, segurança, continuidade da tradi-
mento para professores nas escolas de ção judaica, relações com Israel etc. O
suas redes. O objetivo do presidente era Conselho é uma rede de apoio para as
melhorar as relações entre os profes- escolas e oferece acesso a recursos para
sores e entre eles e a universidade. Ela que possam suprir as necessidades das
ilustra a importância de “preparar o escolas e da comunidade em geral.
palco” para a possibilidade e o estímu- Mas não toma decisões pelas escolas;
lo de relações generativas e processos cada uma é independente.

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UM CONVITE dos professores dentro e fora da sala
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de aula. Concluímos o encontro com a
Recebi uma ligação da presidente ideia de um projeto piloto de 10 sema-
da Universidade Hebraica solicitando nas para professores de escola secun-
uma consultoria. Ela queria fortalecer dária que apresentaríamos ao Con-
as relações entre a universidade e as selho de Educação da Rede para sua
escolas dentro da Rede e pensou que consideração. Decidimos, provisoria-
oferecer treinamento para os professo- mente, chamar o programa de Habi-
res poderia ser uma boa forma de fazê- lidades Tutoriais para Professores. Este
-lo. A missão da universidade é formar nome nos permitiu abordar o assunto
professores para fornecer educação das habilidades tutoriais, não apenas
de qualidade nas escolas da Rede. A para tutores, mas para qualquer pro-
universidade oferece diplomas de ba- fessor interessado em melhorar suas
charelado e mestrado em educação e habilidades de relação e conversação.
estudos judaicos e fornece educação Era importante usar a palavra “tutor”
continuada para professores por meio para torná-lo coerente com a exigência
de uma variedade de estágios e treina- do Conselho de Educação mexicano.
mentos em diferentes assuntos. Pensamos que a melhor faixa etária
Encontrei-me com a presidente e para dar prosseguimento ao projeto es-
descobri que, além do que ela havia tava na escola secundária, visto que pro-
dito por telefone, ela queria oferecer fessores de escola secundária pareciam
um programa para as escolas da Rede ter a grande necessidade de desenvolver
para capacitar professores a se torna- habilidades de relação e conversação,
rem diretores (chamados tutores no dada à faixa etária com que trabalhavam.
sistema de educação nacional mexica-
no) para atender às exigências de uma
nova iniciativa do Conselho de Educa- RELAÇÕES, RELAÇÕES E RELAÇÕES:
ção mexicano que exige que toda esco- OU UMA CONVERSA LEVA À OUTRA E...
la tenha diretores. O papel do diretor
deve incluir monitorar o desenvolvi- De acordo com a filosofia colabo-
mento das crianças na escola, assim rativa, seria importante apresentar o
como apontar problemas acadêmicos projeto ao conselho como uma pro-
e sociais. A presidente via esta inicia- posta para consideração e simultanea-
tiva como parte da missão da univer- mente receber sugestões com relação
sidade: “Para melhorar a qualidade da às suas necessidades definidas e como
educação dentro da Rede, ajudando os abordá-las melhor. A presidente da
professores a desenvolverem habilida- universidade pensou que o próximo
des de ensino e de relacionamento me- passo deveria ser marcar uma reunião
lhores uns com os outros e com seus com o presidente do conselho e con-
alunos” e para oferecer uma oportuni- versar com ele sobre o projeto, receber
dade de trocar ideias entre professores suas sugestões e decidir a melhor ma-
de escolas diferentes. Depois de saber neira de apresentar a ideia do projeto
um pouco mais sobre seus objetivos, ao conselho e depois aos diretores das
propus um modelo de programa de escolas. Eu conhecia bem o presiden-
treinamento que introduziria a filo- te, já que crescemos juntos e nossos
sofia das práticas colaborativas nas filhos frequentaram a mesma escola.
escolas e que ajudaria a desenvolver as Ele ficou feliz em se encontrar com a
habilidades da conversação e relação presidente da universidade e comigo e

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entusiasmado com a ideia do projeto. filosófica. Por sua vez, eles oferece- Aprendizado colaborativo: ensino
de professores por meio de 29
Agendamos uma reunião na mesma ram o conhecimento, a linguagem e a relacionamentos e conversas
semana e descrevi os detalhes do pro- cultura interna para traduzir as ideias Harlene Anderson; Sylvia London

jeto piloto, cujo objetivo era desenvol- em um projeto adequado às suas or-
ver uma atmosfera amigável e dialógi- ganizações. Estava curiosa e respondi
ca dentro do sistema escolar que iria também com o objetivo de saber mais
apontar a questão: “Como os profis- sobre eles e suas situações. E assim,
sionais podem criar tipos de conversa- eles articularam mais e expandiram o
ções e relações que permitam a todos que estavam me contando. Juntos, nós
os participantes acessar sua força, re- três ajustamos os detalhes da propos-
cursos e criatividade para desenvolver ta e, uma vez em acordo, era chegada
possibilidades que pareciam não exis- a hora de encontrar a linguagem e a
tir antes (Anderson, 1997).” descrição apropriadas para apresentar
A comunidade judaica na Cidade a ideia do projeto piloto aos diretores
do México é unida. Conheci o presi- da Rede, tendo em mente que havia si-
dente do conselho por meio das mi- milaridades e diferenças entre as esco-
nhas atividades comunitárias e de ou- las, suas culturas e necessidades e que
tros trabalhos de consultoria em várias a participação no projeto seria volun-
escolas. Quando nos encontramos tária. Decidimos apresentar o projeto
com o presidente, ele foi bastante re- e usamos o título “Projeto Mensch”, do
ceptivo e ficou imediatamente curioso iídiche, que significa “pessoa íntegra,
sobre a abordagem colaborativa e quis decente”. A ideia de usar uma pala-
saber mais detalhes a respeito, minha vra em iídiche e sua ênfase em ser um
história pessoal com essas ideias e de bom ser humano e aprender boas ma-
que maneira trabalhei com elas no neiras poderia ajudar a deixar de lado
ambiente educacional e em outros as diferenças entre as escolas e enfati-
ambientes. Passamos algum tempo zar seus objetivos comuns em educar
trocando ideias em uma vívida con- cidadãos bons e responsáveis dentro
versa, na qual compartilhei a estância da tradição judaica. O presidente do
filosófica e minha experiência com a conselho sugeriu que eu apresentas-
aplicação de práticas colaborativas na se a proposta do projeto no próximo
terapia e na educação. Ele fez muitas Conselho da Rede que estava marcado
perguntas a respeito da aplicação des- para a semana seguinte. A agenda da
sas ideias no desenvolvimento de ha- reunião estava cheia, mas o presidente
bilidades de relação e de conversação pôde ceder 15 minutos para apresen-
para a equipe escolar e as mudanças tar o projeto.
que eu previa na qualidade da educa-
ção, no ambiente de sala da aula e na
administração. A proposta fez sentido AS PERSONAGENS:
para ele e ele queria apresentar o pro- RELAÇÕES NOVAMENTE
jeto logo que possível para o Conselho
de Educação da Rede. Dado o tempo reduzido, o fato
Nossa conversa foi muito colabo- de que a apresentação do projeto foi
rativa, com cada pessoa contribuindo adicionada à agenda no último mi-
com ela de sua perspectiva e área de nuto, e mantendo minha crença na
habilidade. Meu papel na conversa foi importância das conversações e das
apresentar o conteúdo do programa, relações para desenvolver confiança e
incluindo a metodologia e a estância intimidade, decidi chegar mais cedo à

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reunião, esperando ter a oportunida- e-mail e, inclusive, perguntas e comen-
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de de conversar com os membros do tários adicionais. Eles queriam mais
Conselho quando eles chegassem. Eu detalhes sobre o programa, incluindo a
não era uma estranha para a maioria filosofia, metodologia de ensino e con-
das pessoas que iria encontrar, já havia teúdo. Eles também queriam orienta-
tido contato com alguns dos diretores, ção sobre como escolher professores
com os quais havia estudado e traba- candidatos adequados para o progra-
lhado na comunidade, alguns conhe- ma. Fiz uma visita às escolas que me
ciam meu trabalho porque eu tinha solicitaram e conversei com o diretor
sido consultora em algumas escolas, e e alguns dos professores de cada uma.
outros eu não conhecia. Os diretores Pedi sugestões e atendi às perguntas e
que eu conhecia estavam muito curio- preocupações. Estar disponível para
sos sobre minha presença na reunião. reuniões nas escolas e conversar com
Começamos conversas informais sobre eles foi um elemento importante na
mudanças em nossas vidas pessoais construção de relações com confiança,
e pessoas que tínhamos em comum, respeito e segurança.
ou seja, agimos da forma como se age Começamos o programa de treina-
com pessoas que conhecemos, ou seja, mento um mês depois; incluía 18 pro-
falamos sobre amenidades. Esse bate- fessores de oito escolas que decidiram
-papo informal criou um ambiente participar. O grupo estava agendado
relaxado e amigável, e lentamente o para se encontrar em sessões de duas
restante dos membros se juntou e as horas por dez semanas na universidade.
pessoas que eu conhecia me apresen-
taram aos membros do Conselho que
eu não conhecia. Na hora de apresen- A CRIAÇÃO DA NOSSA COMUNIDADE
tar a proposta, senti-me confortável e DE APRENDIZADO COLABORATIVO
o grupo estava curioso e aberto a ou-
vir as ideias. O presidente do conselho De acordo com meus anos de expe-
me apresentou, falou sobre o projeto e riências lecionando em universidades,
seu interesse nele, então mostrou uma era importante para mim começar a
breve apresentação deixando alguns primeira sessão de treinamento forne-
minutos para perguntas e comentá- cendo o horário e o local para encon-
rios. Os diretores gostaram da ideia trar cada participante, como um ser
do projeto e acharam que suas escolas humano único, e para que eles se co-
precisavam disso. No fim da reunião, nhecessem, criando uma comunidade
ofereci-me para encontrar cada dire- de aprendizado colaborativo (Ander-
tor e sua equipe (em suas escolas) para son, 1997). Tomar algum tempo para o
conversar sobre o programa, ouvir suas que chamamos de introduções conver-
necessidades e incorporar suas habili- sacionais ou narrativas faz com que se
dades únicas e valiosas de anos de ex- reconheça a importância de cada par-
periência trabalhando com professores ticipante e não se toma por certo que
no conteúdo e modelo do programa. os membros, apesar de suas histórias
conjuntas, “conhecem” um ao outro.
Cada membro está se apresentando em
A RESPOSTA um novo contexto, cheio de oportuni-
dades de ser conhecido de um modo
Suas respostas ao meu convite che- diferente e conhecer os outros de um
garam no dia seguinte por telefone e modo diferente. Criando o contexto

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em que é possível vivenciar a possibi- incluir sua voz, expressar suas ideias, Aprendizado colaborativo: ensino
de professores por meio de 31
lidade de “conhecer o familiar de outra conhecimento e habilidades bem como relacionamentos e conversas
maneira”. Eu usava um exercício que agendas pessoais, objetivos de aprendi- Harlene Anderson; Sylvia London

começava com três perguntas: Qual o zado e estilos.


seu nome, qual a história do seu nome A partir da perspectiva da prática
e como você quer ser chamado neste colaborativa, o aprendizado acontece
grupo? Esse exercício convidava os par- dentro e fora da sala de aula. Em outras
ticipantes a se apresentarem por meio palavras, o aprendizado em sala de aula
de histórias pessoais que os conectavam é um trampolim ou um convite para
a suas famílias e experiências. No final, continuar o processo de aprendizado,
eles tinham compartilhado e discutido tornando-se um aprendiz reflexivo
suas experiências e eu compartilhado fora da sala de aula, assim como é im-
minhas razões para começar o grupo portante para aquele designado como
com isso. Mais tarde no treinamento, treinador ou professor ajudar a facilitar
discutiríamos as maneiras de eles le- a continuação do aprendizado fora da
varem o conceito do exercício para as sala de aula. Os participantes e eu dis-
salas de aula. Eu segui com um segundo cutimos esse conceito e desenvolvemos
exercício que focava nos objetivos dos a ideia de escrever uma crônica sema-
participantes e estilos de aprendizado e nal no fim de cada sessão. A cada ses-
incluía o seguinte: O que você acha que são um professor designado criaria um
precisa acontecer na formação durante documento escrito resumindo o apren-
nossos dez encontros que faria seu in- dizado juntamente com as reflexões
vestimento em tempo, dinheiro e esfor- deles sobre suas experiências da sessão
ço valer a pena? e ele ou ela compartilhariam isso com
A segunda pergunta era sobre seus o restante do grupo entre as sessões via
estilos de aprendizado e preferências e-mail. Os membros do grupo eram
por formatos de aprendizado. Eles dis- encorajados a responder com comentá-
cutiram essas duas perguntas em três rios, perguntas etc. sobre os documen-
pequenos grupos e, então, cada um tos e reflexões do outro. Essas reflexões
contou os pontos principais de sua con- convidariam os professores a refletir
versa e resumiu seus objetivos e estilos sobre seu aprendizado e a criar inte-
de aprendizado. Depois formamos um rações e conexões uns com os outros.
grupo de discussão sobre os objetivos Eu me ofereci para escrever a primeira
compartilhados e as implicações das crônica para começar o processo e tam-
diferenças a respeito de preferências e bém como um exemplo de uma descri-
estilos de aprendizado. Também com- ção e reflexão que eu esperava que fosse
paramos as experiências nos dois exer- encorajar respostas do grupo. Houve
cícios, de conversar em grupos grandes muito entusiasmo e participação neste
e pequenos e a dificuldade de reportar primeiro encontro: nossa comunida-
e reproduzir o conteúdo das conversas de de aprendizado tinha começado e o
em grupos pequenos. No fim do pri- palco e o tom foram definidos para o
meiro encontro tínhamos desenvolvido restante do treinamento.
o início de uma comunidade de apren-
dizado e contextos de aprendizado e
havíamos começado a conversar sobre A EXPERIÊNCIA
possíveis maneiras de levar os concei-
tos e exercícios para suas salas de aula. Os professores começaram o pro-
Cada professor teve a oportunidade de grama com hesitação, reunindo-se às

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16 horas depois de um dia cheio de Eu queria usar uma ferramenta de
32 NPS 43 | Agosto 2012
avaliação que ajudasse os professores
aulas com nenhum intervalo e pouco
tempo para o almoço. Não eram as a terem consciência de suas forças e
melhores condições para o aprendiza- talentos e que os ajudasse a encon-
do. Depois da primeira reunião, todos trar meios de usá-los em seu trabalho
pareciam empenhados e dispostos a como professores e aprendizes, bem
participar do programa. Eles acharam como criar uma cultura de apreciação
o conteúdo desafiador, mas potencial- e possibilidades. O questionário VIA
mente útil para resolver seus dilemas Signature Strength desenvolvido por
diários. Fazer parte de uma comuni- Seligman e Peterson e disponível on-
dade de aprendizado ativo, ser capaz line (www.authentichappiness.com)
de falar sobre seus dilemas e escutar atendia aos critérios. Eles preenche-
ram o questionário de pesquisa entre
os outros proporcionou um ambiente
a primeira e a segunda sessões e iriam
seguro para compartilhar e perguntar.
retomá-lo entre a nona e a décima.
Exercícios experimentais, entrevistas
Os professores trouxeram os resulta-
e processos reflexivos forneceram um
dos da pesquisa na segunda sessão. As
laboratório interessante para avaliar e
informações foram usadas para falar
praticar sua maneira de ensinar e ha-
sobre os pontos fortes e possibilidades
bilidades de relação. individuais e em grupo. Também criei
exercícios por meio dos quais eles pu-
deram praticar a melhoria de seus pon-
AVALIAÇÃO E APRECIAÇÃO tos fortes em sala de aula. A experiência
do questionário e os exercício nos aju-
Como mencionado antes, o pro- daram a criar uma cultura e uma lin-
grama foi planejado como um projeto guagem baseada nos pontos fortes. Os
piloto e precisávamos avaliar sua apli- professores foram encorajados a levar
cabilidade em outras escolas da Rede. a cultura dos pontos fortes para o seu
A questão básica que direcionou nos- ambiente de ensino e a olhar para os
so trabalho e os objetivos do curso foi seus alunos por meio dessas lentes. No
adaptada a partir da fala de Anderson final de nossas dez semanas de treina-
(1997): mento as informações produzidas no
pós-questionário nos permitiu avaliar
Como os profissionais podem criar tipos as possibilidades de mudança, já que
de conversações e relações que permitam estavam relacionadas às perguntas bási-
a todos os participantes da comunidade cas que direcionaram nossa experiência
escolar acessar sua criatividade, forças e de aprendizado. A seguir encontra-se a
recursos para desenvolver possibilidades comparação dos resultados médios do
onde pareciam não existir antes? grupo, listados em ordem decrescente
de frequência de pontos fortes:
Resultados do questionário:

Pré-questionário Pós-questionário
Curiosidade Criatividade
Valorização da beleza e excelência Curiosidade e senso de humor
Justiça e equidade Trabalho em equipe
Persistência Otimismo e esperança
Gratidão e senso de humor Gratidão

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Podemos apreciar algumas dife- para casa nos seus relacionamentos Aprendizado colaborativo: ensino
de professores por meio de 33
renças ao comparar os resultados dos com os membros da família e então relacionamentos e conversas
pontos fortes do grupo entre os mo- experimentá-los em sala de aula. Dis- Harlene Anderson; Sylvia London

mentos anteriores e posteriores à pes- seram que este não era um programa
quisa. Na pós-pesquisa, vemos que o para aprender habilidades tutoriais,
primeiro ponto forte é a criatividade, mas um programa que os treinava a
e também encontramos trabalho em mudar suas vidas, especialmente as
equipe e esperança, três pontos fortes maneiras de pensar sobre si mesmos,
que não estão presentes na pré-pesqui- seus papéis como professores e seus
sa. Podemos presumir que as mudan- alunos. Eles disseram que recomen-
ças que encontramos no grupo podem dariam este programa para qualquer
ser um resultado do programa de trei- pessoa interessada em melhorar suas
namento, já que parecem representar o relações e fazer um mundo melhor.
conteúdo e o espírito da estância filo- Por outro lado, eles sentiram que o
sófica conforme expressa na pergunta programa era curto demais e não ofe-
básica, embora os próprios professores recia tempo suficiente para praticar a
fossem responsáveis por “explicar” as aplicação das ideias e habilidades. Eles
diferenças. ainda não se sentiam prontos e con-
fiantes para levar as ideias para sala de
aula e compartilhá-las com os colegas.
COMENTÁRIOS DOS PARTICIPANTES Valorizaram a oportunidade de traba-
lhar com professores de outras escolas
• Questionário exigido pela Uni- e perceberam que compartilhavam de-
versidade. Além da avaliação dos safios e dilemas similares. Apreciaram
pontos fortes, a universidade a riqueza dos processos reflexivos e as
também tinha um questionário possibilidades de olhar de várias ma-
padrão que usava para avaliar to- neiras para resolver problemas e valo-
dos os seus programas. Incluía as rizar diversas perspectivas.
seguintes perguntas: O que você Em resposta ao questionário da
valoriza na nossa formação? universidade, os professores decidiram
• O que você aprendeu? escrever uma carta conjunta endereça-
• Como você planeja implementar o da às suas instituições, na qual fizeram
aprendizado em sua vida pessoal e comentários e sugestões em relação a
profissional? o que precisava haver na escola para
• O que você aplicou até agora? que fossem capazes de colocar os
• Para quem você recomendou esta processos de relações colaborativas e
formação e o que você diria ao aprendizado generativo em ação na
recomendá-la? escola em geral e, em particular, com
• Que recomendações você tem para suas relações com seus alunos. Duas
a instituição onde você trabalha? escolas entraram em contato comigo
• O que você sugere para melhorar depois de concluído o treinamento
este programa? e pediram-me para oferecer este tipo
de formação para toda a equipe edu-
Resumo das respostas do questio- cacional deles. Os membros do grupo
nário da Universidade. Os professo- também me contataram no início do
res comentaram que era mais fácil ano letivo seguinte pedindo por um
primeiro levar o aprendizado para curso de reciclagem. Encontramo-nos
suas vidas pessoais, principalmente e revisitamos as ideias apresentadas no

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curso, discutimos como os membros visíveis ou importantes, mas, ao longo
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estavam colocando o aprendizado prazo, elas têm a possibilidade de in-
em ação e desenvolvemos ideias para fluenciar a cultura da escola. Tenho a
aplicar ainda mais seu aprendizado no satisfação de informar que nos quatro
novo ano letivo. anos, desde o projeto piloto, imple-
Como resposta à avaliação e ao su- mentei o treinamento aqui descrito,
cesso do primeiro grupo, a universi- ou similar, em 17 escolas e organiza-
dade decidiu organizar um segundo ções. Trabalhei com aproximadamente
grupo com o mesmo formato e con- 1.500 professores nos setores público e
teúdo para o semestre seguinte. Desta privado no México. O programa con-
vez o grupo estava composto por uma tinua sendo muito importante para
mistura de professores de escolas se- mim e continuo explorando maneiras
cundárias e primárias. Começamos o de melhorar a qualidade das conversas
programa de treinamento com o mes- e relações dentro e fora das salas de
mo conteúdo e os mesmos exercícios. aula.
A natureza do grupo e as característi-
cas individuais dos participantes cria-
ram um ambiente e uma comunidade REFLEXÕES DE HARLENE SOBRE
de aprendizado diferentes. Este grupo A HISTÓRIA DE SYLVIA
estava bastante interessado em apren-
der e praticar processos reflexivos Eu já ouvi Sylvia contar essa história
e no modelo de equipes de reflexão. antes, mas toda vez, como nesta leitu-
Seguindo suas iniciativas, no fim das ra, ouço como se fosse a primeira vez.
dez semanas, a universidade organi- Toda história contada apresenta dife-
zou um grupo de consultoria duas renças sutis ao ser narrada, e o con-
vezes por semana para oferecer um texto e os ouvintes da narração da his-
espaço de consulta para professores tória são geralmente diferentes. Esta
interessados. habilidade de ouvir e ver como se fosse
a primeira vez é fundamental para as
práticas colaborativas: a habilidade de
OBSERVAÇÕES REFLEXIVAS não saber antes do tempo e ser capaz
de ver e ouvir o familiar com novos
Eu estava muito empolgada com a olhos e ouvidos requer o mesmo inte-
possibilidade de levar ideias e práticas resse genuíno na nova narração como
colaborativas para o sistema escolar se fosse a primeira. Na história de Syl-
e para trabalhar com os professores. via, embora fosse familiarizada com
O treinamento com os dois grupos a Rede, suas escolas e seus membros,
proporcionou-me a experiência e a ela abordou a situação de modo novo.
compreensão de que é possível fazer Claro, a experiência anterior com os
mudanças significativas no ambiente sistemas e seus membros a influen-
escolar ajudando os professores a con- ciou, mas seu conhecimento prévio
siderar e mudar o valor que eles con- (que já está lá) não determinou suas
ferem a si mesmos e a maneira que se palavras e ações. Assim como eu ouvia
relacionam uns com os outros e com sua história como se fosse a primeira
os alunos em sala de aula. As mudan- vez, ela foi capaz de encontrá-los e fi-
ças acontecem nos tipos de relações e car curiosa e saber as necessidades e
conversas que eles promovem em inte- expectativas dos membros como na
rações diárias e não parecem ser muito primeira vez.

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Embora um título da história seja Anderson, H., & Gehart, D. (2007). Aprendizado colaborativo: ensino
de professores por meio de 35
“preparando o palco”, preparando não Collaborative therapy: Relationships relacionamentos e conversas
se refere a planejar como em planejar and conversations that make a diffe- Harlene Anderson; Sylvia London

uma estrutura ou etapas antes do tem- rence. New York: Routledge/Taylor


po. Preparando refere-se a estar pronto and Francis Group.
para ver toda e qualquer situação como Anderson, H., & Goolishian, H. (1991).
algo novo, com o qual você nunca se de- Supervision as collaborative con-
parou ou vivenciou antes e estar pronto versation: questions and reflections.
para responder a ele de modo espontâ- In: H. Brandau (Ed.). Von der super-
neo. Estar pronto também é ser capaz de vision zurystemischen vision. Salz-
estar aberto a, estimulado a, apreciador burg: Otto Muller Verlag.
de e ser capaz de trabalhar com o co- Anderson, H., & London, S. (2011)
nhecimento local da outra pessoa – sua “Undervisning som kollaborativ
sabedoria, costumes, linguagem etc. A læring – Lærere, der lærergennem
história de Sylvia ilustra a natureza fun- relationer og samtaler”. Kognition
damental do conhecimento local e sua og pedagogik nr. 81, AKT og inklu-
importância para estimular um sentido sion. Dansk Psykologisk Forlag.
de pertencimento, participação, cria- Anderson, H., & Swim, S. (1993). Lear-
ção e propriedade do que é produzido ning as collaborative conversation:
e como é produzido. Como sempre, ela Combining the student’s and the
tinha em mente, como nesse caso, que o teacher’s expertise. Human systems:
conhecimento local não é estático. Evo- The journal of systemic consultation
lui continuamente. and management, 4, 145-160.
Quando ela começou a consultoria/ Anderson, H. (1998). Collaborative le-
formação, não fazia ideia de para onde arning communities. In: S. McNa-
isso iria. Ela estava aberta a aceitar o mee, & K. J. Gergen (Eds.). Relatio-
lugar para onde as relações e conversas nal responsibility. Sage Publications:
levariam ela e o participante, confian- Newbury Park, CA.
do na inerente incerteza do processo Anderson, H. (2000). Supervision as a
colaborativo. Assim como eu comecei collaborative learning community.
a digitar em Houston e Sylvia come- American Association for Marria-
çou a digitar no México quando co- ge and Family Therapy Supervision
meçamos a escrever este artigo sobre Bulletin, 2000, 7-10.
nosso trabalho com escolas, não tí- Anderson, H. (2009). Collaborative
nhamos nenhuma ideia de para onde practice: Relationships and conver-
nossa jornada colaborativa nos levaria. sations that make a difference. In: J.
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