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Análise Matemática I

e
Cálculo Diferencial e Integral I

Apontamentos teóricos
2019/2020

Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

Cursos: Engenharia Biomédica e Biofı́sica


Engenharia Fı́sica
Fı́sica
Matemática
Matemática Aplicada

Conteúdo

Introdução
1. Sucessões e Séries Numéricas
2. Limites e Continuidade
3. Cálculo Diferencial em R
4. Cálculo Integral em R
5. Complementos sobre Séries Numéricas. Séries de Potências

1
2
Introdução
Cálculo é uma palavra que deriva da palavra latina calculus que significa pedra. A ideia de
associar pedras e cálculos tem origem no facto de se terem usado pedras para fazer contagens,
antes de haver sistemas numéricos (ou por desconhecimento dos mesmos). Assim, numa disci-
plina de Cálculo,“calcula-se”. Partindo das ideias da matemática elementar (álgebra, geometria,
trigonometria), o Cálculo Diferencial e Integral, parte integrante e fundamental da Análise Ma-
temática, permite obter extensões a situações mais gerais, algumas das quais associadas a taxas
de variação. O quadro que se segue ilustra algumas comparações entre o que é feito com cálculo
elementar e com o cálculo diferencial e integral.

Cálculo Elementar Cálculo Diferencial e Integral

Comprimento de um segmento de recta Comprimento de uma curva

Área de um polı́gono Área de uma região limitada por uma curva

Volume de sólido rectangular Volume de um sólido de revolução

a1 + a2 + . . . + an a1 + a2 + a3 + . . .
Soma de um número finito de parcelas Soma de um número infinito de parcelas

Introdução Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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A invenção do Cálculo, tal como o conhecemos hoje, é atribuı́da a I. Newton (1642-1727)
e a G. Leibniz (1646-1716), que o terão desenvolvido independentemente. Diz-se que Newton
foi o primeiro a criar e Leibniz o primeiro a publicar as ideias. Muitos outros matemáticos
contribuı́ram para o seu desenvolvimento, tendo adquirido rigor com A-L Cauchy (1789-1857)
que formalizou o conceito fundamental que é a pedra basilar do Cálculo - o conceito de limite.
O Cálculo Diferencial decompõe alguma coisa em peças cada vez mais pequenas, até ao
limite, para perceber como é feita a variação.
O Cálculo Integral junta (integra) pequenas peças de um todo, até ao limite, para medir o
todo.
Para descrever/prever fenómenos que envolvam taxas de variação de grandezas, como na
fı́sica, biologia, economia, entre outras, o Cálculo Diferencial e Integral é uma ferramenta essen-
cial.
Este curso faz a introdução ao chamado Cálculo Diferencial e Integral real e está estruturado
em cinco capı́tulos, cada um dos quais relacionados, respectivamente, com: cálculo de limites de
sucessões e de “somas infinitas”, cálculo de limites de funções, cálculo de derivadas, cálculo de
integrais, cálculo de “somas infinitas” envolvendo polinónimos.

Introdução Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

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1 Sucessões e séries numéricas
O nome deste capı́tulo é relativo aos dois tópicos que nele abordamos. O primeiro é introduzido
no ensino secundário, pelo que assumiremos conhecidos os principais conceitos e resultados.
Ainda assim, faremos uma revisão cuidadosa dos mesmos, nas aulas teóricas e/ou nas aulas
teórico-práticas.

Neste curso trabalhamos com números reais e, no que a conjuntos de números diz respeito,
utilizaremos as seguintes notações:
N = {1, 2, 3 . . .} números naturais;

N0 = {0, 1, 2, 3 . . .} números naturais e o zero;

Np = {p, p + 1, p + 2, . . .} números naturais a partir de um dado p ∈ N0 ;

Z = {. . . , −2, −1, 0, 1, 2, . . .} números inteiros;


n o
p
Q= q : p, q ∈ Z, q 6= 0 números racionais;

R números reais;

R = R ∪ {−∞, +∞} a recta acabada com a ordenação − ∞ < x < +∞, ∀x ∈ R


e lê-se “erre barra”.

Dado x ∈ R, notamos por [x] a parte inteira de x, ou seja, o maior número inteiro menor
ou igual ao número.
Exemplos. [4] = 4, [4, 76] = 4, [−4, 76] = −5, [π] = 3.

1.1 Revisão de alguns conceitos básicos


Dado um número real x, o módulo ou valor absoluto de x é o número real dado por
(
x, se x ≥ 0
|x| =
−x, se x < 0.

Geometricamente, |x| representa a distância de x à origem.


Proposição 1.1 São válidas as seguintes propriedades:
a) |x| ≥ 0, ∀x ∈ R e |x| = 0 ⇔ x = 0;
b) | − x| = |x|, ∀x ∈ R;
c) |x · y| = |x| · |y|, ∀x, y ∈ R;
d) |x + y| ≤ |x| + |y|, ∀x, y ∈ R (desigualdade triangular);
e) | |x| − |y| | ≤ |x − y|, ∀x, y ∈ R;

f) |x| = x2 , ∀x ∈ R.

Para além das desigualdades listadas em d) e e) na proposição anterior, outras duas que são
importantes e que serão usadas algumas vezes no nosso curso são:
1. 2ab ≤ a2 + b2 , ∀a, b ∈ R;
2. Se x ≥ −1, então (1 + x)n ≥ 1 + nx, ∀n ∈ N. (Desigualdade de Bernoulli)
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Um subconjunto I ⊆ R é um intervalo se, e só se, dados a, b ∈ I com a < b, se a < x < b,
então x ∈ I (isto é, se I contém dois números reais a e b também tem que conter todos os
números reais que estão entre a e b). Dados dois números reais a < b, recordamos que

] a, b [ = {x ∈ R : a < x < b} (intervalo aberto);

[ a, b ] = {x ∈ R : a ≤ x ≤ b} (intervalo fechado);

] a, b ] = {x ∈ R : a < x ≤ b} (intervalo semi-aberto);

[ a, b [ = {x ∈ R : a ≤ x < b} (intervalo semi-aberto).

Os intervalos da forma anterior, com a, b ∈ R, dizem-se intervalos limitados.

Exemplos. Consideremos os conjuntos A1 = [1, 67[, A2 = ] − 9, 0], A3 = {2} ∪ [3, 7[ e


A4 = {7, 8, 9}. A1 e A2 são intervalos; A3 e A4 não são intervalos.

Pergunta 1: A união de dois intervalos é um intervalo?

Seja a ∈ R. Também são intervalos os conjuntos que se seguem

] − ∞, a ] = {x ∈ R : x ≤ a} , ] − ∞, a [ = {x ∈ R : x < a} ,

[ a, +∞[ = {x ∈ R : x ≥ a} , ] a, +∞[ = {x ∈ R : x > a}


e o conjunto dos números reais, que é o intervalo ] − ∞, +∞[ = R.
Os (cinco) intervalos da forma anterior, em que, pelo menos, um dos extremos não é um
número real (é infinito), dizem-se intervalos ilimitados ou intervalos não limitados.

Recordamos ainda que

] − a, a [= {x ∈ R : |x| < a} , [−a, a] = {x ∈ R : |x| ≤ a} ,

] − ∞, −a[ ∪ ]a, +∞[ = {x ∈ R : |x| > a} , ] − ∞, −a] ∪ [a, +∞[ = {x ∈ R : |x| ≥ a} .

Definição 1.2 Um conjunto A de números reais diz-se

i) limitado superiormente ou majorado se, e só se, existe M ∈ R tal que x ≤ M ,


∀x ∈ A; M diz-se um majorante de A;

ii) limitado inferiormente ou minorado se, e só se, existe m ∈ R tal que x ≥ m, ∀x ∈ A;
m diz-se um minorante de A;

iii) limitado se, e só se, for majorado e minorado.

Um conjunto que não é limitado diz-se que é ilimitado. Mais especificamente, diz-se que
um conjunto que não é majorado é um conjunto ilimitado superiormente, e que um conjunto
que não é minorado diz-se que é ilimitado inferiormente.

Observações. Se M é majorante de A, então qualquer elemento de [M, +∞[ também é um


majorante de A. Analogamente, se m é minorante de A, então qualquer elemento de ] − ∞, m]
também é um minorante de A. Da definição anterior resulta também que um conjunto é limitado
se, e só se, está contido num intervalo limitado.

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Exemplos. √
1) Sejam A =]1, 3 + 7] e B = {−12, −π} ∪ [−1, +∞[. O conjunto A é limitado; por exemplo,
−2 é um minorante de A e 6 é um majorante de A. O conjunto B é limitado inferiormente e
−12 é um dos seus minorantes; no entanto, B não é majorado.
√ dos minorantes de A é ]−∞, 1] e o de B é ]−∞, −12]. O conjunto dos majorantes
O conjunto
de A é [3 + 7, +∞[.
2) N é um conjunto ilimitado superiormente, mas limitado inferiormente, sendo ] − ∞, 1] o
conjunto dos seus minorantes.
3) O conjunto C =]−∞, 8] é ilimitado inferiormente, mas limitado superiormente, sendo [8, +∞[
o conjunto dos seus majorantes.
4) Z e (] − ∞, −6[ ∪ N) são conjuntos ilimitados.

Definição 1.3 Se A é um conjunto majorado, ao menor dos majorantes de A, se existir, chama-


se supremo de A, e representa-se por sup A; se o supremo de A for um elemento de A diz-
se máximo de A, e representa-se por max A. Se A é um conjunto minorado, ao maior dos
minorantes de A, se existir, chama-se ı́nfimo de A, e representa-se por inf A; se o ı́nfimo de A
pertencer a A diz-se mı́nimo de A, e representa-se por min A.

Exemplos. Voltando aos√conjuntos dos exemplos anteriores, temos que:


1) sup A = max A = 3 + 7, inf A = 1, A não tem mı́nimo;
inf B = min B = −12, B não é limitado superiormente, logo não tem supremo em R;
2) inf N = min N = 1, N não tem supremo em R;
3) sup C = max C = 8, C não tem ı́nfimo em R.

Proposição 1.4
• (Caracterização do supremo)
Seja A um conjunto de números reais, limitado superiormente. Tem-se:

s = sup A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≤s
e
2) ∀y < s, ∃ x ∈ A : x > y

ou equivalentemente

s = sup A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≤s
e
20 ) ∀ε > 0, ∃ x ∈ A : s − ε < x.

• (Caracterização do ı́nfimo)
Seja A um conjunto de números reais, limitado inferiormente. Tem-se:

m = inf A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≥m
e
2) ∀y > m, ∃ x ∈ A : x < y

ou equivalentemente

m = inf A ⇐⇒ 1) ∀x ∈ A x≥m
e
20 ) ∀ε > 0, ∃ x ∈ A : x < m + ε.

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Princı́pio do supremo - Princı́pio do ı́nfimo
Seja A um subconjunto não vazio de R.

• Se A é majorado, então A tem supremo em R.

• Se A é minorado, então A tem ı́nfimo em R.

O princı́pio do supremo (resp. ı́nfimo) garante a existência de supremo (resp. ı́nfimo) para um
conjunto majorado (resp. minorado) de números reais, e diz-nos que o supremo (resp. ı́nfimo) é
um número real. Observamos que se estivermos a trabalhar num universo menor , os √ princı́pios

anteriores deixam de ser leis gerais. Por exemplo, se o universo for Q, o conjunto ] − 2, 2[ ∩ Q
não tem supremo nem ı́nfimo em Q.
Observação. Seja A ⊂ R. Diz-se que sup A = +∞ se, e só se, A não for majorado em R e que
inf A = −∞ se, e só se, A não for minorado em R.
Seja D um subconjunto de R. Nesta disciplina trabalhamos com funções reais de variável
real, que representamos por f : D ⊆ R → R, que a cada x ∈ D fazem corresponder o número
real y = f (x) que se designa por imagem de x por meio de f . Dizemos que x é a variável
independente e que y é a variável dependente. O conjunto D é o domı́nio da função f . No
caso em que as imagens da função são obtidas por uma expressão da variável independente, então
o domı́nio é o maior conjunto onde a expressão que define f faz sentido (os valores admissı́veis
para a variável independente), a não ser que se explicite uma restrição deste. O contradomı́nio
de f é o conjunto de todas as imagens f (x) para x ∈ D e representa-se por f (D), ou seja,
n o
f (D) = f (x) : x ∈ D .
As primeiras funções com que vamos trabalhar têm domı́nio Np , com p ∈ N0 . Trata-se de funções
reais de variável natural e são as chamadas sucessões de números reais.

1.2 Revisão e complementos sobre sucessões


Definição 1.5 Chama-se sucessão real a uma função real u cujo domı́nio é Np , com p ∈ N0 ,
u : Np → R,
e que notamos por (un )n∈Np ou simplesmente por (un ).
Denotamos por un = u(n) a imagem do valor n, a que chamamos o termo de ordem n ou
enésimo termo (resp. termo de ı́ndice n) da sucessão, se o domı́nio da sucessão é N (resp.
Np , com p 6= 1).
À expressão algébrica, quando existe, da sucessão, chama-se termo geral da sucessão.
Exemplos.

Sucessão Termo geral Conjunto dos termos

(n + 10)n∈N0 un = n + 10 {10, 11, 12, 13, 14, . . .}


  n o
1 1
n−3 n∈N un = n−3 1, 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , . . .
4

  n o
1 1
n+1 n∈N un = n+1 1, 12 , 13 , 14 , 15 , 16 , . . .
0

n o
nπ nπ
1, cos π5 , cos 2π 3π 4π
 
cos 5 n∈N0
un = cos 5 5 , cos 5 , cos 5 , −1

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Por uma questão de simplificação de escrita, ao longo do texto, vamos considerar as sucessões
com domı́nio N, observando-se que tudo permanece válido quando se considera uma sucessão
com domı́nio Np , para qualquer p ∈ N0 .

Definição 1.6 Uma sucessão (un ) diz-se limitada (resp. majorada, minorada) se o con-
junto dos seus termos for limitado (resp. majorado, minorado), ou seja, se existirem m, M ∈ R
tais que m ≤ un ≤ M , ∀n ∈ N (resp. se existir M ∈ R tal que un ≤ M , ∀n ∈ N, se existir
m ∈ R tal que m ≤ un , ∀n ∈ N).
Se uma sucessão não for limitada diz-se ilimitada.

Observação. A designação ilimitada para uma sucessão inclui três situações: uma sucessão
majorada mas não minorada, neste caso também dizemos que a sucessão é ilimitada inferior-
mente; uma sucessão minorada mas não majorada, caso em que também dizemos que a sucessão
é ilimitada superiormente; uma sucessão que não é majorada nem minorada. (Cf. Definição
1.2.)

Exemplos.
1. un = 3(−1)n , n ∈ N. Tem-se −3 ≤ un ≤ 3, ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada.
2. un = 4 + cos n, n ∈ N. Tem-se 3 ≤ un ≤ 5, ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada.
3. un = n + 10, n ∈ N. Tem-se 11 ≤ un , ∀ n ∈ N, logo (un ) é limitada inferiormente; (un ) não
é limitada superiormente, pois qualquer que seja M ∈ R, existe n ∈ N tal que n > M − 10,
ou seja, un > M .
4. un = (−2)n , n ∈ N, é ilimitada (superior e inferiormente).
Observação. Segue-se uma outra caracterização de sucessão limitada, equivalente à da de-
finição.
(un ) é limitada se, e só se, existe L tal que |un | ≤ L, ∀n ∈ N.
Prova. Se (un ) é limitada, então existem m, M ∈ R tais que m ≤ un ≤ M , ∀n ∈ N. Seja
L = max{|m|, |M |}, então |un | ≤ L, ∀n ∈ N.
Reciprocamente, se existe L tal que |un | ≤ L, ∀n ∈ N, então basta considerar m = −L e
M = L. 
Verificar se uma sucessão é limitada usando a definição pode ser uma tarefa difı́cil, no entanto,
com a ajuda de outros conceitos e resultados teóricos podemos concluir mais facilmente. O estudo
da monotonia é uma ajuda preciosa nesse sentido.
Definição 1.7 Uma sucessão (un ) diz-se
i) crescente se, e só se, un ≤ un+1 , ∀n ∈ N;
ii) estritamente crescente se, e só se, un < un+1 , ∀n ∈ N;
iii) decrescente se, e só se, un ≥ un+1 , ∀n ∈ N;
iv) estritamente decrescente se, e só se, un > un+1 , ∀n ∈ N.
Em qualquer dos casos anteriores, a sucessão (un ) diz-se monótona.
Para fazer alusão aos casos i) e ii) usamos a escrita abreviada (un ) %, e para os casos iii)
e iv) usamos a simbologia (un ) &.
Exemplos e observações.
 
1
1) Vejamos que a sucessão 4 + 2n+1 n∈N é estritamente decrescente e é limitada.
1 1 1 −2
Seja un = 4 + 2n+1 , então un+1 − un = 4 + 2n+3 −4− 2n+1 = (2n+3)(2n+1) < 0, logo (un ) &.
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Tratando-se de uma sucessão (estritamente) decrescente, o seu primeiro termo é o máximo
do conjunto dos seus termos, assim
1
un ≤ u1 = 4 + , ∀n ∈ N.
3
Por outro lado, é imediato que un > 0, para qualquer n, temos então
1
0 < un ≤ 4 + , ∀n ∈ N,
3
ou seja, a sucessão dada é limitada.
2) Do exemplo anterior é fácil deduzir que, qualquer sucessão decrescente ou estritamente de-
crescente é limitada superiormente, sendo o seu primeiro termo o máximo do conjunto dos seus
termos. Analogamente, podemos concluir também que qualquer sucessão crescente ou estrita-
mente crescente é limitada inferiormente, sendo o seu primeiro termo o mı́nimo do conjunto dos
seus termos.
3) A sucessão (n5 − 7) é estritamente crescente.
Como n < n + 1, então n5 < (n + 1)5 , logo n5 − 7 < (n + 1)5 − 7, ou seja, un < un+1 , para
todo o n.
4) Se uma sucessão (un ) não muda de sinal (a partir de certa ordem), e un 6= 0, para todo o n,
a monotonia pode ser formulada usando a razão entre um termo e o anterior, isto é,
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos positivos e ≥ 1 (resp. > 1), então (un ) é crescente
un
(resp. estritamente crescente);
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos positivos e ≤ 1 (resp. < 1), então (un ) é decrescente
un
(resp. estritamente decrescente).
Pergunta 2. E se (un ) é uma sucessão de termos negativos, como formalizar a monotonia
usando a razão entre um termo e o anterior?
Definição 1.8 (Cauchy, 1821) Dizemos que o limite de uma dada sucessão (un ) é a(∈ R) e
escrevemos lim un = a ou un → a se, e só se,
∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un − a| < δ.
Assim, dizer que lim un = a significa que os termos da sucessão estão tão próximos de a
quanto se queira, desde que se tome n suficientemente grande.
Se o limite de uma sucessão é um número real (limite finito), a sucessão diz-se convergente,
caso contrário diz-se divergente.
Teorema 1.9 (Unicidade de limite) Se lim un = a e lim un = b, então a = b.

Exemplos.
1
1) Provar, por definição, que lim n+4 = 0.

1
Queremos ver que ∀δ > 0 ∃p ∈ N : n ≥ p =⇒
< δ.
n + 4
1
Fixemos δ > 0. Queremos encontrar uma ordem p, a partir da qual n+4 < δ. Ora


1 1 1
n + 4 < δ ⇔ n + 4 < δ ⇔ n > δ − 4.

Se δ > 14 , a desigualdade anterior verifica-se sempre pois 1δ − 4 < 0 e n é um número natural,


logo é sempre maior do que qualquer número negativo. Se δ ≤ 14 , consideramos p = [ 1δ − 4] + 1
(onde [x] representa a parte inteira do número real x).
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2) As sucessões constantes são convergentes e o seu limite é o valor da constante.
x n
 
3) lim 1 + = ex , com x ∈ R.
n
Proposição 1.10 Sejam (un ) e (vn ) duas sucessões de números reais, a, b, λ ∈ R.

1. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un + vn ) = a + b.

2. Se lim un = a, então lim(λun ) = λa.

O teorema anterior traduz o facto do cálculo de limites ser uma operação linear.

Proposição 1.11 Dizer que lim un = a é equivalente a dizer que lim |un − a| = 0.

Teorema 1.12 Toda a sucessão convergente é limitada.

Do teorema anterior resulta que, se uma sucessão é ilimitada, então não é convergente.
Observe-se que há sucessões limitadas que não são convergentes, por exemplo a sucessão de
termo geral un = (−1)n é limitada e divergente.
Algumas sucessões divergentes destacam-se por apresentarem um comportamento com uma
certa regularidade, a saber, aquelas cujos valores se tornam e se mantêm arbitrariamente gran-
des positivamente ou arbitrariamente grandes negativamente. Estas situações são descritas e
nomeadas na próxima definição.

Definição 1.13

i) Dizemos que uma sucessão (un ) tende para +∞ ou que tem limite +∞, e escrevemos
lim un = +∞ ou un → +∞, se, e só se, ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un > M.
Neste caso (un ) diz-se um infinitamente grande positivo.

ii) Dizemos que uma sucessão (un ) tende para −∞ ou que tem limite −∞, e escrevemos
lim un = −∞ ou un → −∞, se, e só se, ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un < −M.
Neste caso (un ) diz-se um infinitamente grande negativo.

Em oposição às designações das definições anteriores temos os chamados infinitésimos que
são as sucessões que convergem para zero.

Se uma sucessão é tal que existe lim un = ` ∈ R, dizemos que a sucessão (un ) tende para `.
Assim, a expressão “(un ) converge para” vai sempre referir-se a limites finitos e a expressão
“(un ) tende para” engloba os casos finito e infinito.
Exemplos.
1) Temos que lim n = +∞, ou seja, a sucessão de termo geral un = n é um infinitamente grande
positivo.
2) Vejamos que lim(n2 + 3) = +∞. √
Para cada M > 0, basta tomar k = [ M − 3] + 1, se M ≥ 3, e k = 1 caso contrário. Assim,
para n ≥ k, tem-se
√ √
n ≥ [ M − 3] + 1 =⇒ n > M − 3 ⇔ n2 > M − 3 ⇐⇒ n2 + 3 > M, caso M ≥ 3.

Se M < 3, então M − 3 < 0 e, consequentemente, n2 > M − 3, para todo o n, donde n2 + 3 > M .


Conclui-se assim o pretendido.
3) Se lim un = +∞, então lim(−un ) = −∞.
1 1
4) São infinitésimos as sucessões de termo geral: n , n2 +3 .
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Teorema 1.14 (Teorema da Sucessão Monótona) Toda a sucessão monótona e limitada é
convergente. Mais precisamente, se (un ) é uma sucessão limitada
i) e é uma sucessão crescente, então lim un = sup {un : n ∈ N} ;
ii) e é uma sucessão decrescente, então lim un = inf {un : n ∈ N} .
 n 
Exemplo. A sucessão 1 + n1 é monótona e limitada (cf. exercı́cios complementares refe-
rentes ao capı́tulo 1), logo é uma sucessão convergente.
Observação. Seja (un ) uma sucessão monótona e não limitada. Se (un ) não é limitada su-
periormente, então lim un = +∞ e, se (un ) não é limitada inferiormente, então lim un = −∞
(exercı́cio).
Exemplo. Verdadeiro ou falso?
“Seja (un ) uma sucessão crescente e limitada tal que 3 ≤ un ≤ 10, ∀n ∈ N. Então lim un = 10.”
Falso.
Se (un ) é uma sucessão crescente e limitada, então u1 ≤ un ≤ sup un = lim un .
Dizer que 3 ≤ un ≤ 10, ∀n ∈ N, não é dizer que 10 é o supremo da sucessão. Das desigual-
dades dadas apenas podemos concluir que 10 é um majorante dos termos da sucessão (e que
3 é um minorante).
A sucessão de termo geral un = 5 − n1 , para n ∈ N, satisfaz 3 ≤ un ≤ 10 para todo o n ∈ N
(verifique), é uma sucessão estritamente crescente, pois
1 1 1
un+1 − un = 5 − −5+ = > 0,
n+1 n n(n + 1)
e lim un = 5.

Dizemos que uma sucessão está definida por recorrência quando a determinação do valor
de um termo requer o conhecimento prévio de um ou mais termos anteriores da mesma. Por
exemplo, a sucessão que se segue

u1 = 2, u2 = −1, un+2 = 3un − 2un+1 , n∈N

está definida por recorrência. Se quisermos determinar, por exemplo, u5 precisamos de conhecer
u4 e u3 , já que u5 = 3u3 − 2u4 . Tem-se assim

u3 = 3u1 − 2u2 = 8, u4 = 3u2 − 2u3 = −19 ⇒ u5 = 3u3 − 2u4 = 62.

Para estudar rigorosamente as propriedades de muitas destas sucessões necessitamos do chamado


Princı́pio de Indução Matemática, que enunciamos seguidamente.

Princı́pio de Indução
Seja P (n) uma proposição na variável n ∈ Nm , com m ∈ N0 . Então:
Se
1. P (m) é uma proposição verdadeira
2. P (n) =⇒ P (n + 1),
então a condição P (n) é verdadeira para todo o n ∈ Nm .

Observação. Diz-se que uma proposição P (n), de variável natural, é hereditária, se P (n)
implica P (n + 1), isto é, se o facto de ser verificada por um número natural n implica que
também é verificada por n + 1, qualquer que seja n. O número natural n + 1 diz-se o sucessor
de n.
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Proposição 1.15 Seja (un ) uma sucessão tal que lim un = a ∈ R. Dado c ∈ R tal que c < a
(resp. c > a), então existe uma ordem k ∈ N tal que

un > c (resp. un < c), ∀n ≥ k.

Proposição 1.16 (Passagem ao limite das desigualdades) Dadas duas sucessões (un ) e
(vn ), suponha-se que existe uma ordem k ∈ N tal que

un ≤ vn , ∀n ≥ k.

Então, se ambas as sucessões tiverem limite, tem-se

lim un ≤ lim vn .

Corolário 1.17 Seja (un ) uma sucessão e a ∈ R. Se existe uma ordem k ∈ N tal que

un ≤ a (resp. un ≥ a), ∀n ≥ k,

então, se (un ) tiver limite, tem-se

lim un ≤ a (resp. lim un ≥ a).

Teorema 1.18 (Teorema das Sucessões Enquadradas) Dadas três sucessões (un ), (vn ), (wn ),
suponha-se que existe k ∈ N tal que

un ≤ wn ≤ vn , ∀n ≥ k.

Se lim un = a(∈ R) e lim vn = a, então também lim wn = a.

Muitas vezes referenciamos este teorema de forma abreviada, escrevendo simplesmente TSE.

Corolário 1.19 Se lim un = 0 e (vn ) é uma sucessão limitada, então lim(un · vn ) = 0.

Exemplos.
3 + sin n 1
1) Consideremos a sucessão de termo geral an = 2
. Podemos escrever an = 2 (3+sin n);
n n
1
como 2 → 0 e 2 ≤ 3 + sin n ≤ 4, para todo o n ∈ N, então, pelo corolário do TSE, lim an = 0.
n
2) Mostre que a sucessão de termo geral
1 1
+ ... +
n2 (n + n)2

é decrescente e converge para zero.


Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

13
Designando por an o termo geral da sucessão dada, vem
1 1 1 1
an = 2 + 2
+ ... + 2
+ .
n (n + 1) (n + (n − 1)) (n + n)2
Vejamos que a sucessão é decrescente.
1 1 1 1 1
an+1 − an = 2
+ 2
+ ... + 2
+ 2
+
(n + 1) (n + 2) (n + n) ((n + 1) + n) (n + 1 + n + 1)2
1 1 1 1
− 2− 2
− ... − 2
− ,
n (n + 1) (n + (n − 1)) (n + n)2
donde
1 1 1
an+1 − an = 2
+ 2
− 2.
(2n + 1) (2n + 2) n
1 1 1 1
Observando que 2n + 1 > 2n e que 2n + 2 > 2n, vem < e < ,
(2n + 1)2 4n2 (2n + 2)2 4n2
donde
1 1 1 1 1 1
an+1 − an < 2 + 2 − 2 = 2 − 2 = − 2 < 0.
4n 4n n 2n n 2n
Concluimos assim que (an ) é (estritamente) decrescente.
Temos também
1 1 1 1 1
an = 2 + . . . + 2
≥ 2
+ ... + 2
= (n + 1) (1)
n (n + n) (n + n) (n + n) (n + n)2
| {z }
(n + 1) parcelas
e
1 1 1 1 1
an = 2
+ ... + 2
≤ 2 + . . . + 2 = 2 (n + 1).
n (n + n) |n {z n} n
(n + 1) parcelas
Como
n+1 n+1 n+1 n+1
lim 2
= 0 = lim 2
e 2
≤ an ≤ ,
(n + n) n (n + n) n2
pelo Teorema das Sucessões Enquadradas, concluimos que lim an = 0.
Neste caso, temos uma sucessão de termos positivos, pelo que a minoração an > 0, para todo
o n, juntamente com a majoração obtida, é suficiente para obter a conclusão. O procedimento
que usámos em (1) visa ilustar uma técnica menos elementar que usamos muitas vezes.
Teorema 1.20 (Propriedades algébricas dos limites de sucessões) Sejam (un ) e (vn ) duas
sucessões de números reais, a, b, λ ∈ R.
1. Se lim un = a, então lim |un | = |a|.
2. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un + vn ) = a + b.
3. Se lim un = +∞ e (vn ) é minorada, então lim(un + vn ) = +∞.
4. Se lim un = −∞ e (vn ) é majorada, então lim(un + vn ) = −∞.
5. Se lim un = a, então lim(λun ) = λa.
6. Se lim un = a e lim vn = b, então lim(un · vn ) = a · b.
1 1
7. Se lim un = a e a 6= 0, então lim = .
un a
8. Se lim un = ±∞ e lim vn > 0 (resp. < 0), então lim un · vn = ±∞ (resp. ∓∞).
1
9. Se lim |un | = +∞, então lim = 0, e reciprocamente.
un
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14
Observações. 1) As propriedades 2 e 6 anteriores generalizam-se de modo natural à soma e ao
produto de um número finito de sucessões, respectivamente.
2) Observe-se que o caso 3 inclui a situação em que lim vn = +∞ e o caso 4, a situação
lim vn = −∞.
3) A propriedade 8 é válida nos casos lim vn = +∞ e lim vn = −∞, respectivamente. (Verifique.)
4) O teorema anterior não nos dá indicação sobre a existência e o valor do limite (se este existir)
nos casos que se seguem e que são designados por indeterminações:
• ∞ − ∞: quando queremos determinar lim (un + vn ) e
lim un = +∞ e lim vn = −∞;

• 0 × ∞ quando queremos determinar lim (un · vn ) e


lim un = 0 e lim vn = ±∞;

0 un
• quando queremos determinar lim e
0 vn
lim un = 0 = lim vn ;
∞ un
• quando queremos determinar lim e
∞ vn
lim |un | = +∞ = lim |vn |.

Prova do Teorema 1.20. (Prova resumida.)


1. lim un = a ⇔ ∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un − a| < δ.
Ora | |un | − |a| | ≤ |un − a| < δ, logo
∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ | |un | − |a| | < δ,
donde lim |un | = |a|.
2. Observando que |un + vn − (a + b)| < |(un − a) + (vn − b)| < |un − a| + |vn − b|, a Proposição
1.11 e o TSE permitem tirar a conclusão pretendida.
3. lim un = +∞ ⇔ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ un > M . Como (vn ) é minorada, então
existe m ∈ R, tal que vn ≥ m, para todo o n. Fixando M > 0, existe k ∈ N, tal que
un > M > M −m, logo un +vn > M −m+m = M , para n ≥ k, pelo que lim(un +vn ) = +∞.
4. Prova análoga à anterior.
5. Como |λun − λa| = |λ| · |un − a|, o resultado sai pelo Corolário 1.19.
|{z} | {z }
limitada →0

6. |un vn − ab| = |un vn − un b + un b − ab| = |un (vn − b) + (un − a)b| ≤ |un ||vn − b| + |un − a| |b|,
mais uma vez, pelo Teorema 1.12, pelo Corolário 1.19 e pela Proposição 1.11, obtemos o
resultado pretendido.
7. Como lim un = a e a 6= 0, então lim |un | = |a| > 0, donde existe uma ordem k a partir da
qual |un | > |a|
2 . Assim, pela Prop. 1.15, temos, para n ≥ k

1 |a − un |

1 2 1 1

u − = |u | · |a| < |a|2 |un − a| =⇒ u → a .
n a n n
| {z }
→0

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15
8. Vejamos o caso em que lim un = +∞ e lim vn > 0. Seja M > 0, arbitrariamente fixado.
Pela Proposição 1.15 existe uma ordem k1 , tal que, para n ≥ k1 se tem
lim vn
vn > .
2
Como (un ) tende para +∞, dado um número positivo qualquer, existe uma ordem a partir
da qual todos os termos da sucessão são maiores do que esse número. Assim, existe k2 tal
que, para n ≥ k2 , se tem
2
un > M · .
lim vn
Seja k = max{k1 , k2 } e n ≥ k, então
lim vn 2 lim vn
un · vn > un · >M· · = M =⇒ lim un · vn = +∞.
2 lim vn 2
Os restantes casos são análogos.

9.
lim |un | = +∞ ⇐⇒ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ |un | > M

1 1
⇐⇒ ∀M > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ <
|un | M

1
⇐⇒ ∀δ > 0 ∃ k ∈ N : n ≥ k ⇒ <δ
u
n

1
⇐⇒ lim = 0.
un
Definição 1.21 Seja (un ) uma sucessão real. Dizemos que (vn ) é uma subsucessão de (un )
se existe uma aplicação ϕ : N → N estritamente crescente tal que vn = uϕ(n) .

Exemplo. Seja un = n, n ∈ N, então vn = 2n, com n ∈ N é uma subsucessão de (un )


(ϕ(n) = 2n, n ∈ N) e wn = n3 + 2, n ∈ N2 é outra subsucessão de (un ) (ϕ(n) = n3 + 2, n ∈ N2 ),

(vn ) : u2 u4 u6 u8 . . .

(wn ) : u10 u29 u66 u127 . . .

Definição 1.22 Seja (un ) uma sucessão real. Chamamos sublimite de (un ) ao limite de uma
qualquer subsucessão convergente de (un ). Ao maior dos sublimites de (un ) chamamos limite
superior de (un ) e ao menor dos sublimites de (un ) chamamos limite inferior de (un ).

Nota. A definição anterior é coerente, pois prova-se que existem sempre, em R, o maior e o
menor dos sublimites de uma sucessão.

Proposição 1.23 Seja (un ) uma sucessão real, tal que lim u2n = a e lim u2n+1 = a, com a ∈ R,
então lim un = a.

Proposição 1.24 Seja (un ) uma sucessão real. Então lim un = a ∈ R se, e só se, qualquer
subsucessão de (un ) tende para a.

Corolário 1.25 lim un = a ∈ R ⇒ lim un+k = a, ∀k ∈ N.

Usando o chamado Princı́pio do Encaixe (ver livro de M. Figueira, referenciado na biblio-


grafia) pode provar-se o seguinte resultado.
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16
Proposição 1.26 (Bolzano-Weierstrass) Se (un ) é uma sucessão limitada, então (un ) ad-
mite uma subsucessão convergente.

Exemplo. A sucessão (un ) = ((−1)n ) é limitada, não é convergente mas admite subsucessões
convergentes, por exemplo, a subsucessão de termo geral u2n = 1 (subsucessão dos termos de
ordem par) e a subsucessão de termo geral u2n−1 = −1 (subsucessão dos termos de ordem
ı́mpar), são convergentes.
Definição 1.27 Sejam (un ), (vn ), (hn ) três sucessões tais que, a partir de uma certa ordem,
se tem un = hn vn e lim hn = 1. Então diz-se que (un ) é assintoticamente igual a (vn ) e
escreve-se un ∼ vn .

O sı́mbolo ∼ diz-se um sı́mbolo de Landau (há outros que teremos oportunidade de ver neste
curso).
Observação. Na definição anterior, se, a partir de certa ordem, (vn ) não se anula, então
un
un ∼ vn equivale a lim = 1.
vn

É fácil ver que, se (un ), (vn ) e (wn ) são três sucessões tais que un ∼ vn e vn ∼ wn , então
un ∼ wn e que se un ∼ vn então também se tem vn ∼ un (exercı́cio).

Exemplos. 1) Sejam un = 1
n e vn = 1
n+1 . Temos lim uvnn = 1, donde un ∼ vn .
2n7 + 6n2 − 8 3 4
 
2) Sejam un = 2n7 + 6n2 − 8 e vn = 2n7 . Como lim 7
= lim 1 + 5 − 7 = 1,
2n n n
então un ∼ vn .
3) Dados p, q ∈ N, ai ∈ R, com i = 0, . . . , p e ap 6= 0, temos que
ap np + ap−1 np−1 + . . . + a1 n + a0 ∼ ap np
e q
ap np + ap−1 np−1 + . . . + a1 n + a0 ∼ ap np .
q
p
q

Proposição 1.28 Sejam (un ), (vn ), (an ) e (bn ) sucessões.


1. Seja a ∈ R \ {0}. Se lim un = a, então un ∼ a.
2. Seja a ∈ R. Se un ∼ vn e lim vn = a, então lim un = a.
3. Se un ∼ vn e an ∼ bn , então un an ∼ vn bn e un /an ∼ vn /bn (quando os quocientes fazem
sentido).

−7n5 + 8n2 + 4 −7n5 7


Exemplo. lim 5
= lim 5
=− .
3n + n + 8 3n 3
Observações.
1) A proposição anterior diz-nos que a relação ∼ respeita o produto. O exemplo que se segue
ilustra que a relação ∼ não respeita a soma. Considerem-se as sucessões un = n2 + n, vn = n2 ,
an = bn = −n2 . Tem-se un ∼ vn e an ∼ bn , no entanto un + an = n não é assintoticamente igual
a vn + bn = 0.
2) Se lim un = a ∈ R \ {0}, então é óbvio que un ∼ un+1 . No entanto, se a = 0, o resultado
 n un+1 1
anterior pode não ser válido. Por exemplo, se un = 21 , então = , logo un∼/ un+1 .
un 2
A relação assintoticamente igual permite simplificar o cálculo de limites. A abrangência
deste conceito torna-se-á mais visı́vel após o capı́tulo 2, com o estudo das funções.
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17
1.3 Séries numéricas
1.3.1 Introdução
Sabemos fazer uma soma de duas parcelas de números reais, tal como sabemos somar um qual-
quer número finito de parcelas. Quando o léxico infinito entra no nosso vocabulário somos
naturalmente conduzidos à pergunta Como somar um número infinito de parcelas? Outra per-
gunta que se coloca de imediato é: Faz sentido falar numa soma de infinitas parcelas? Eis
o mote para esta secção - dar significado à expressão soma de infinitas parcelas e estudar as
consequências e propriedades desse significado.
Exemplo. Como somar infinitas parcelas que são alternadamente 1 e −1? Designemos por S o
valor dessa soma.
1 − 1 + 1 − 1 + . . . = S.
Observe-se o seguinte
(1 − 1) + (1 − 1) + . . . = 0,
e também
1 + (−1 + 1) + (−1 + 1) + . . . = 1.
Mas ainda podemos escrever
1 − (1 − 1 + 1 + . . .) = S,
ora o que está dentro de parênteses também vale S, assim
1
1 − S = S ⇐⇒ S = .
2
Neste exemplo temos três formas diferentes de calcular a soma de infinitas parcelas e em cada
uma delas obtivemos um valor diferente, o que não é concordante com a unicidade de valor que
pretendemos naturalmente obter. Assim, este caso ilustra, mais uma vez, que trabalhar com o
infinito requer cuidado e que nem sempre podemos aplicar os procedimentos do caso finito.

1.3.2 Séries numéricas - primeiros conceitos e resultados


Qual é o maior
0, 9999 . . . ou 1?
Considere-se a sucessão definida por recorrência
(
u1 = 0, 9
un+1 = u10n + 0, 9 n ∈ N.

Temos
u1 = 0, 9
u2 = 0, 99
u3 = 0, 999
.. ..
. .
un = 0, 9| .{z
. . 9}
n

Nesta sucessão cada termo acrescenta mais uma casa decimal (igual a 9) ao termo anterior.
Assim, no limite temos
0, 99999 . . .

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18
Por outro lado, sabendo que (un ) é convergente, usando as técnicas de cálculo de limites
para sucessões definidas por recorrência, obtemos lim un = 1 (cf. Exercı́cio 27 da Ficha 1).
Concluı́mos então que
0, 9999 . . . = 1,
ou seja, demos significado à soma de infinitas parcelas

0, 9 + 0, 09 + 0, 009 + 0, 0009 + 0, 00009 + . . .

através do conceito central da análise - o limite!

A ideia expressa no exemplo anterior é a usada para definir somas de infinitas parcelas a que
chamamos Série.
Definição 1.29 Dada uma sucessão de números reais (an ), com n ∈ N, chamamos sucessão
das somas parciais (Sn ) à sucessão cujo termo geral é
n
X
Sn = a1 + a2 + . . . + an = ak .
k=1

Chamamos série numérica ao par de sucessões (an , Sn ) e representamos por



X X
an ou an .
n=1 n≥1

À sucessão (an ) chamamos termo geral da série.

Por vezes a sucessão (an ) está definida em Np , onde p é um número inteiro maior ou igual a

X X
zero e nesses casos a série é representada por an ou por an .
n=p n≥p

Exemplos.

X 1
1) O termo geral da série é an = n21+3 e a sucessão das somas parciais é
n=1
n2
+ 3
1 1 1
Sn = a1 + a2 + . . . + an = + + . . . + 2 .
4 7 n +3

(−1)n n
é an = (−1)
X
2) O termo geral da série n 2n e a sucessão das somas parciais é
n=3
2
1 1 (−1)n
Sn = a3 + a4 + . . . + an = − + + ... + .
8 16 2n
∞ 
1
X 
3) O termo geral da série (−1)n sin(n) + n é an = (−1)n sin(n) + 21n e a sucessão das
n=2
2
1 1 1
somas parciais é Sn = a2 + a3 + . . . + an = sin 2 + − sin 3 + + . . . + (−1)n sin(n) + n .
4 8 2
4) (A subsucessão dos termos de ordem par da sucessão das somas parciais de uma série.)

X
Considere-se a série an . O termo geral da sucessão das somas parciais da série é
n=1

Sn = a1 + a2 + . . . + an .

A sucessão (Sn ) tem os termos: S1 , S2 , S3 , S4 , . . .. A subsucessão dos termos de ordem par


de (Sn ) é a sucessão (S2n ) cujo termo geral é

S2n = a1 + a2 + . . . + a2n ,

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19
cujos termos são: S2 , S4 , S6 , S8 , . . ..

X
Vejamos um exemplo concreto. Consideremos a série (n + 2). O termo geral desta série
n=1
é an = n + 2, e o termo geral da sucessão das somas parciais é
Sn = a1 + a2 + . . . + an = 3 + 4 + 5 + . . . + (n + 2).
Atendendo a que a soma anterior é a soma de n termos de uma progressão aritmética vale
3 + (n + 2) n(n + 5)
Sn = n= .
2 2
Assim, S1 = 3, S2 = 7, S3 = 12, S4 = 18, . . .
Temos também
S2n = a1 + a2 + . . . + an + . . . + a2n = 3 + 4 + 5 + . . . + (n + 2) + . . . + (2n + 2).
Observe-se que para obter o termo geral de (S2n ), somamos todos os termos de (an ), desde
a1 a a2n . Obtemos então
3 + (2n + 2)
S2n = 3 + 4 + 5 + . . . + (2n + 2) = 2n = (2n + 5)n.
2
X
Definição 1.30 Dizemos que uma série numérica an é convergente se a sucessão das
n≥p
somas parciais (Sn ) é convergente. Neste caso, ao valor S = lim Sn chamamos soma da série
e escrevemos ∞ X
an = S.
n=p
Caso contrário a série diz-se divergente.

Indicar a natureza de uma série é indicar se a série é convergente ou divergente.

Exemplos.

X
1) A sucessão das somas parciais da série (4 − 2n) é a soma de n termos de uma progressão
n=1
aritmética,
2 + 4 − 2n
Sn = 2 − 2 − 4 − 6 − 8 − 10 − 12 − . . . + (4 − 2n) = n = 3n − n2 ,
2
então Sn → −∞, logo a série é divergente.

X (−1)n
2) Observamos que a sucessão das somas parciais da série é a soma de (n − 2) termos
n=3
2n
 
de uma progressão geométrica, de razão − 12 , pelo que
 n−2
1
1 1 (−1)n 1 1 − −2
Sn = − + + ... + = − ·   .
8 16 2n 8 1 − − 12
1 1
Assim, Sn → − 12 , logo a série é convergente e a sua soma é − 12 .

X
3) Consideremos a série cujo termo geral é a sucessão constante an = 5, 5. A sucessão das
n=1
somas parciais é
Sn = |5 + 5 +{z. . . + 5} = 5n → +∞.
n parcelas

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20
Assim a série é divergente. Observamos que o termo geral é convergente (pois an → 5), mas a
série é divergente, dado que Sn → +∞.

Da álgebra dos limites estudada, são agora óbvias as propriedades que se seguem.

Proposição 1.31 Seja p ∈ N0 .



X ∞
X ∞
X
• Se an e bn são duas séries convergentes, então a série (an + bn ) também é
n=p n=p n=p
convergente e tem-se

X ∞
X ∞
X
(an + bn ) = an + bn .
n=p n=p n=p


X ∞
X
• Dado λ ∈ R \ {0}, as séries an e λan têm a mesma natureza e tem-se
n=p n=p


X ∞
X
λan = λ an .
n=p n=p

Observação. A soma de duas séries divergentes pode ser uma série convergente.

Decidir se uma série é ou não convergente é decidir se a sucessão das somas parciais é convergente.
De uma forma geral e directamente, esta decisão é muito difı́cil, já que o termo geral de (Sn ) tem
um número de parcelas que depende de n, e que na maioria das vezes não conseguimos reduzir
a uma expressão simples, o que dificulta o cálculo do limite. Em muitos casos recorremos a
resultados teóricos (critérios) que, com base na estrutura da série, nos dizem se estamos perante
uma série convergente ou divergente. Porém, esses critérios não nos dão indicação sobre o valor
da soma da série. Há, no entanto, dois tipos de séries em que usando métodos elementares é
possı́vel calcular o valor da soma. Usando séries de funções, como as que vamos aprender no
capı́tulo 5, e com outras (conteúdos de Análise Matemática III/Cálculo Diferencial e Integral
III) é possı́vel determinar a soma de uma maior diversidade de séries. Vejamos então os dois
casos simples.

X
Chamamos série geométrica de razão r ∈ R a uma série da forma rn .
n=p


X
Proposição 1.32 A série geométrica rn é convergente se, e só se, |r| < 1, tendo-se neste
n=p
caso ∞
X rp
rn = .
n=p 1−r


X
Da proposição anterior sai que, se |r| ≥ 1, a série geométrica rn é divergente.
n=p

Exemplos.
X 1 1
30 3
1. é uma série geométrica de razão 13 , logo convergente, e a sua soma é 1 = .
n≥0
3n 1− 3
2

X 1 1
52 1
2. é uma série geométrica de razão 15 , logo convergente, e a sua soma é 1 = .
n≥2
5n 1− 5
20

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21
3. Escrever a dı́zima infinita periódica 2, (51) na forma de fracção irredutı́vel.
Temos

2, (51) = 2+0, (51) = 2+0, 51+0, 0051+0, 000051+. . . = 2+51(0, 01+0, 0001+0, 000001+. . .)

Podemos ainda escrever


1 1 1 1 1 1 1
0, 01+0, 0001+0, 000001+. . . = + + +. . . = 2 + 4 + 6 +. . .+ 2n +. . .
100 10000 1000000 10 10 10 10

Ora ∞ ∞ n
1 1 1 1 1 1
X X 
2
+ 4
+ 6
+ . . . + 2n
+ . . . = 2n
=
10 10 10 10 n=1
10 n=1
102
∞ 
1 n
X 
1
Como é uma série geométrica de razão 102
, é convergente, e a sua soma é
n=1
102
 1
1
102 1
1 = .
1− 102
99

Assim
1
0, 01 + 0, 0001 + 0, 000001 + . . . = ,
99
donde
1 198 + 51 249 83
2, (51) = 2 + 51(0, 01 + 0, 0001 + 0, 000001 + . . .) = 2 + 51 · = = = .
99 99 99 33


X
Chamamos série telescópica ou série de Mengoli a uma série que tem a forma (un −un+1 ),
n=p
onde (un ) é uma sucessão de números reais.

O termo geral da sucessão das somas parciais (Sn ) das séries de Mengoli é Sn = up − un+1
pelo que a série converge se, e só se, (un ) for convergente, tendo-se, neste caso, que a soma da
série é S = up − lim un .

Exemplos.

!
X 2n5 2(n + 1)5 2n5
1) A série − é uma série de Mengoli com un = ,ea
n=2
n5 + 7n (n + 1)5 + 7n + 7 n5 + 7n
sua soma é
26 2(n + 1)5 26 28 14
S = u2 − lim un+1 = 5
− lim 5
= 5
−2=− =− .
2 + 14 (n + 1) + 7n + 7 2 + 14 46 23

2) O termo geral de uma série de Mengoli nem sempre aparece escrito na forma un −un+1 . Nesses
casos é necessário fazer uma manipulação algébrica, para que o reconhecimento seja feito, e para
que mais facilmente se possa determinar a sua soma. O próximo item exemplifica duas formas
de fazer a manipulação.
1 A B
3) Escrever a expressão racional como soma de fracções da forma e ,
(n + 1)(n + 3) n+1 n+3
onde A e B são números reais.
Queremos então que
1 A B
= + . (2)
(n + 1)(n + 3) n+1 n+3
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22
Reduzindo ao mesmo denominador o lado direito de (2) vem
1 A(n + 3) + B(n + 1) (A + B)n + 3A + B
= = .
(n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3)
| {z } | {z }
(∗) (∗∗)

Ora, (*) e (**) são duas fracções com o mesmo denominador, logo são iguais se, e só se, os
numeradores forem iguais, ou seja, se
1 = (A + B)n + 3A + B, ∀n. (3)
A identidade anterior é uma igualdade entre duas expressões polinomiais (em n), pelo que é
verificada, se, e só se,
A+B =0 (não há termo em n do lado esquerdo de (3))
e
3A + B = 1 (o termo independente do lado esquerdo de (3) é 1).
Concluimos então que B = −A, logo A = 1/2 e B = −1/2. Podemos então escrever
1 1
1 1 1 1
 
= 2 − 2 = − . (4)
(n + 1)(n + 3) n+1 n+3 2 n+1 n+3
Existem várias técnicas para escrever a expressão racional dada na forma (4). Ao procedimento
anterior chamamos o método dos coeficientes indeterminados. Vejamos agora outra forma de
obter (4). Os factores do denominador da fracção dada são (n + 1) e (n + 3). Temos então que
a sua diferença é dois ((n + 3) − (n + 1) = 2). Assim escrevemos
1 1 2 1 (n + 3) − (n + 1) 1 (n + 3) (n + 1)
 
= = = − .
(n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3)
Obtemos então
1 1 (n + 3) (n + 1) 1 1 1
   
= − = − .
(n + 1)(n + 3) 2 (n + 1)(n + 3) (n + 1)(n + 3) 2 n+1 n+3
X 1
4) Calcule a soma da série .
n≥1
(3n + 1)(3n + 4)
Temos que (3n+4)−(3n+1) = 3. Aplicando o segundo procedimento descrito no ponto anterior,
vem
1 1 3 1 (3n + 4) − (3n + 1) 1 1 1
 
= = = − .
(3n + 1)(3n + 4) 3 (3n + 1)(3n + 4) 3 (3n + 1)(3n + 4) 3 3n + 1 3n + 4
1 1 1
Seja un = , então un+1 = = . Assim
3n + 1 3(n + 1) + 1 3n + 4
1 1X 1 1 1X
X  
= − = (un − un+1 ).
n≥1
(3n + 1)(3n + 4) 3 n≥1 3n + 1 3n + 4 3 n≥1
X
1
A soma da série de Mengoli (un − un+1 ) é u1 − lim un+1 = 3+1 − 0 = 41 , logo a soma da série
n≥1
dada é
1 1 1
S= · = .
3 4 12

Pergunta 3. Seja (un ) uma sucessão convergente. Dados p, k ∈ N0 , qual é a soma da série

X
(un − un+p )?
n=k
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23

X ∞
X
Proposição 1.33 Seja j um número inteiro positivo. Então an converge se, e só se, an
n=1 n=j

X ∞
X
converge. Tem-se ainda que, no caso em que há convergência, se an = S, então an =
n=1 n=j

X ∞
X
S − (a1 + a2 + . . . + aj−1 ) e se an = M , então an = M + (a1 + a2 + . . . + aj−1 ).
n=j n=1

A propriedade anterior diz-nos que a natureza de uma série não é afectada pelos “primeiros
termos” que se considera da sucessão (an ) e em simultâneo põe em evidência o facto da soma
da série depender de todos os termos, pelo que, quando queremos calcular a soma de uma série
é fundamental indicar onde é que a série começa. Assim, quando estamos apenas a estudar
P
a convergência de uma série, muitas vezes referimo-nos simplesmente à série an , pois a sua
natureza não é afectada pela ordem do termo em que a série começa.
O teorema que se segue dá-nos uma condição necessária (mas não suficiente) para a
convergência de uma série.
Teorema 1.34 (Condição necessária de convergência)

X
Se a série an converge, então lim an = 0 .
n=1

Observações.
1) Do teorema anterior conclui-se que se lim an 6= 0 ou se não existir o limite de (an ), então a

X
série an é divergente.
n=1
2) Se o termo geral de uma série converge para zero, nada se conclui sobre a sua natureza a
X 1
partir apenas desse facto. Por exemplo, a série é uma série divergente e o seu termo geral
n≥1
n
1
an = n converge para zero.
Exemplos.
X
1. 5n , temos an = 5n → +∞, logo a série é divergente (pois o termo geral não converge
n≥1
para zero).
n+5
X 7 
7
n+5
2. 1+ , temos an = 1 + n+5 → e7 6= 0, logo a série é divergente.
n≥6
n+5
(
X 3, se n é par,
3. (2 + cos(nπ)), temos an = então (an ) não é convergente, logo a
1, se n é impar,
n≥2
série é divergente.

X
Definição 1.35 Sendo an uma série convergente, para cada m ≥ p chama-se resto de
n=p
ordem m ao número real rm dado por

X
rm = an .
n=m+1
Tem-se então ∞ m
X X
an = an + rm ,
n=p n=p
o que mostra que rm → 0 e também que rm é o erro cometido ao aproximar a soma da série
pela soma parcial Sm .
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24
1.3.3 Critérios de convergência para séries de termos não negativos
“Divergent series are the invention of the Devil, and it is shameful to base on them any demons-
tration whatsoever.”

N. H. Abel (1802-1829)

Nesta secção vamos apresentar resultados que só se aplicam a séries cujo termo geral é uma
sucessão de números não negativos.

Teorema 1.36 Sejam p ∈ N e n≥p an uma série de termos não negativos. Então a série
P

converge se, e só se, a sucessão das somas parciais é majorada.


P
Prova. Começamos por mostrar que (Sn ), a sucessão das somas parciais de an , é uma
sucessão monótona crescente, já que a série é de termos não negativos. Ora

Sn+1 − Sn = ap + ap+1 + . . . + an+1 − (ap + ap+1 + . . . + an ) = an+1 ≥ 0, ∀n ≥ p.

Concluimos também que


Sp ≤ Sn , ∀n ≥ p. (5)
P
Se an é convergente, então, por definição, (Sn ) é convergente. Como toda a sucessão
convergente é limitada, então, em particular (Sn ) é majorada.
Reciprocamente, suponhamos que (Sn ) é majorada. Atendendo a (5), (Sn ) também é mino-
rada. Assim, a sucessão das somas parciais é monótona e limitada, logo é convergente, pelo que
P
a série an é convergente.

Nota. Observe-se que numa série de termos positivos (não negativos) a sucessão das somas
parciais é estritamente crescente (crescente).
X 1
Prova-se que a série , designada por série harmónica, é divergente. Esta série pertence
n
n≥1
à classe das chamadas séries de Dirichlet, que são séries da forma
X 1
,

sendo válido o resultado que se segue.
X 1
Proposição 1.37 A série de Dirichlet é convergente se, e só se, α > 1.

O conhecimento da natureza das séries de Dirichlet é fundamental no estudo da natureza
das séries numéricas, já que alguns critérios, como vamos ver, decidem a natureza de uma série
por algum tipo de comparação com séries cujo comportamento é conhecido. Assim, estas séries
conjuntamente com as séries geométricas e as séries de Mengoli vão constituir a nossa base de
dados para as comparações que necessitamos fazer.

Notação. Escrevemos abreviadamente an ∼ bn sempre que an e


P P P P
bn forem duas séries
com a mesma natureza.
Por exemplo
X 1 X 87 X 1 X 12
5
∼ 5
e −√
3
∼ −√3
.
n n n n

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25
Teorema 1.38 (1.o Critério de comparação) Sejam an e
P P
bn duas séries de termos não
negativos e suponha-se que a partir de certa ordem se tem

an ≤ bn .

Então
P P
1. se bn converge, então também an converge.
P P
2. se an diverge, então também bn diverge.

Prova. Tratando-se de séries de termos não negativos, as sucessões das somas parciais são
convergentes se, e só se, são majoradas (cf. Teorema 1.36).
P P
Designemos por (An ) e (Bn ) as sucessões das somas parciais de an e bn , respectivamente.
Sem perda de generalidade, suponhamos que an ≤ bn , para todo o n (caso contrário basta
considerar as séries que começam no ı́ndice a partir do qual a desigualdade se verifica). Assim,

An ≤ Bn , ∀n. (6)
P
1. Se bn converge, então, pelo Teorema 1.36, (Bn ) é majorada, ou seja, existe M > 0 tal
que Bn ≤ M , para todo o n, logo, por (6), também (An ) é majorada. Novamente pelo
Teorema 1.36 concluimos que (An ) é convergente, portanto, por definição, também a série
P
an é convergente.
P
2. Suponhamos agora que an é divergente. Então, pelo Teorema 1.36, a sucessão (An ) não
é majorada. Temos que (An ) é uma sucessão monótona crescente (An+1 −An = an+1 ≥ 0),
e como não é majorada, então tende para +∞.
De (6) concluimos que também Bn → +∞ e, consequentemente,
P
bn é divergente. 

O critério anterior permite tirar conclusões sobre a natureza de uma série, através da com-
paração do termo geral da série em estudo, com o termo geral de uma série cuja natureza é
conhecida, desde que esteja estabelecida uma relação de ordem conveniente entre os dois termos
gerais. Nem sempre essas relações são fáceis de obter. Uma forma alternativa de obter as con-
clusões do critério, consiste no cálculo do limite do quociente entre os termos gerais em causa,
como nos diz o próximo resultado.

Corolário 1.39 (2.o Critério de comparação) Sejam


P P
an e bn duas séries de termos
an
não negativos e suponha-se que existe lim = L ∈ R. Então
bn
1. se 0 < L < +∞, (em particular tem-se an ∼ Lbn ), as duas séries são da mesma natureza,
isto é, ambas convergem ou ambas divergem.
P P
2. se L = 0 (em particular, an < bn a partir de certa ordem) e bn converge, então an
converge.
P
3. se L = +∞, (em particular tem-se, an > bn a partir de certa ordem), e bn diverge,
P
então an diverge.
P P
Observe-se que, no teorema anterior, se L = 0 e bn diverge, ou se L = +∞ e bn converge,
P
não se pode concluir nada acerca da natureza de an .
De forma análoga à prova do corolário anterior, prova-se que, dadas sucessões (an ) e (bn ) de
termos não negativos tais que an ∼ Lbn , com L ∈ R+ , então as séries an e bn são da mesma
P P

natureza. Frequentemente as séries que pretendemos estudar estão na situação do 2.o critério
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26
de comparação, mas usamos esta última formulação, por ser mais expedita. Vejamos o exemplo
que se segue. Como
5n2 + n 5n2 5
√ ∼ 4 = 2,
8
n + 4n − 1 n n
X 5n2 + n X 1
então as séries √ e5 são da mesma natureza, como a segunda é convergente
n8 + 4n − 1 n2
(série de Dirichlet com α = 2) a primeira também o é.

1.3.4 Outros critérios de convergência


Nesta secção vamos considerar séries em que o termo geral é uma sucessão que pode ter termos
positivos e termos negativos, sendo o enfoque naquelas em que o termo geral muda de sinal uma
infinidade de vezes.
Observe-se que, se o termo geral de uma série a partir de certa ordem só assume valores
negativos, então estuda-se a série dos termos simétricos (portanto, uma série de termos positivos),
a partir dessa ordem.

|an | converge, então o mesmo sucede com


P P
Teorema 1.40 Dada uma série an , se a série
P
a série an .

|an | é uma série de termos não negativos pelo que a sua natureza pode
P
Observe-se que
eventualmente ser determinada recorrendo a um dos critérios estudados na secção anterior.

Definição 1.41 À série |an | chamamos a série dos módulos da série an .


P P
P
A série an diz-se absolutamente convergente se a série dos módulos for convergente.
Uma série convergente que não seja absolutamente convergente diz-se simplesmente conver-
gente, ou seja, an é simplesmente convergente quando a série |an | diverge e a série an
P P P

converge.

Toda a série absolutamente convergente é convergente, mas o recı́proco não é necessariamente


verdadeiro.
O quadro que se segue resume as definições anteriores.

|an | convergente
P P P
an convergente então an Absolutamente Convergente.

|an | divergente e
P P P
an convergente então an Simplesmente convergente.

P
q da Raiz ou de Cauchy, 1821) Seja
Teorema 1.42 (Critério an uma série e suponha-se
n
que existe o limite lim |an |.
q
n
|an | < 1, então
P
1. Se lim an é absolutamente convergente.
q
n
|an | > 1, então
P
2. Se lim an é divergente.

q
n
Observação. Nas condições do critério anterior, se lim |an | = 1 nada se pode concluir. A
|an | → 1+ , então pode concluir-
P p
n
série an pode ser convergente ou divergente. No entanto, se
se que a série é divergente.

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27
P
Teorema 1.43 (Critério da Razão ou de D’Alembert) Seja an uma série e suponha-se
an+1
que existe o limite lim
.
an

an+1 P
1. Se lim
< 1, então an converge absolutamente.
a n


an+1 P
2. Se lim
> 1, então an diverge.
a n

Observação. 1) À semelhança do critério da raiz,


também o critério da razão é inconclusivo
an+1 an+1 +
se o limite lim a → 1 , pode concluir-se que a série em estudo
= 1. No entanto se
an n
diverge.
an+1 q
2) Pode mostrar-se que se lim = L, então também lim n |an | = L pelo que, se o critério
an P
da razão for inconclusivo para determinar a natureza da série an , o critério da raiz também
o é.

Como aplicação do teorema anterior e da sua prova temos as propriedades que se seguem.

an+1
• Se lim
< 1, então lim an = 0.
a
n

an+1
• Se lim
> 1, então lim |an | = +∞.
a
n
P
Teorema 1.44 (Abel, Dirichlet) Seja bn uma série cuja sucessão das somas parciais é
limitada e seja (an ) uma sucessão decrescente e com lim an = 0. Então an · bn é convergente.
P

Definição 1.45 Chama-se série alternada a uma série da forma (−1)n an onde an ≥ 0,
P

∀n ∈ N. Assim, os termos de uma série deste tipo são alternadamente positivos e negativos.

Corolário 1.46 (Critério de Leibniz, 1682) Seja (an ) uma sucessão decrescente de números
positivos tal que lim an = 0. Então a série (−1)n an é convergente.
P

Observações relativas a séries alternadas.


  n
 1 , se n é par,
 2 n+1
X
1. Considere a série alternada (−1)n an , onde an = Temos
 1 , se n é impar.
n≥1 3
que
 n
1
|an | ≤ , ∀n. (7)
2
X  1 n
Como é uma série geométrica de razão 12 , é convergente. Então, de (7), pelo 1.o
2
critério de comparação, a série dada é absolutamente convergente.

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28
2. A sucessão (an ) do exemplo anterior não é uma sucessão monótona, pois

a1 < a2 > a3 < a4 > a5 . . .

(a1 = 19 , a2 = 14 , a3 = 1
81 , a4 = 1
16 , a5 = 1
279 .)
Assim, temos um exemplo de uma série alternada que é convergente e a sucessão (an )
não é decrescente. Esta situação ilustra que há séries alternadas que não estão nas
condições do Critério de Leibniz ( (−1)n an , com an ≥ 0, (an ) & e lim an = 0) e que são
P

convergentes, ou seja, a condição no Corolário 1.46 que pede que sucessão (an ) seja de-
crescente, não é uma condição necessária para a convergência da série, é apenas suficiente.

3. A prova do Critério de Leibniz pode ser feita directamente, sem recorrer ao Teorema de
Abel-Dirichlet, verificado os passos que se seguem. Seja (Sn ) a sucessão das somas parciais
da série do Corolário 1.46, que supomos começar em n = 1.

(a) Calcule S2n+2 − S2n e conclua que (S2n ) é decrescente.


(b) Mostre que −a1 ≤ S2n ≤ 0, para todo o n.
(Sugestão: Observe que ak − ak+1 ≥ 0, para todo o k, e que

S2n + a1 = a2 − a3 + a4 − a5 + . . . + a2n−2 − a2n−1 + a2n .)

(c) De (a) e (b) conclua que (S2n ) é convergente.


(d) Observando que S2n+1 = S2n + (−1)n+1 an+1 , conclua que também (S2n+1 ) é conver-
gente e que lim S2n = lim S2n+1 .
(−1)n an é convergente.
P
(e) Conclua que (Sn ) é convergente, ou seja, que a série

Terminamos esta secção com um resultado que nos permite estimar o erro que se comete
quando numa série alternada convergente, de soma S, se usa a soma parcial de ordem n para
aproximar S.

X
Proposição 1.47 Seja (−1)n an uma série alternada convergente, com (an ) decrescente, e
n=p
seja S a sua soma. Então

|rn | = |Sn − S| ≤ an+1 , ∀n ∈ Np .

A escolha do critério - alguns indicadores


Quando se pretende determinar a natureza de uma série a pergunta que surge naturalmente é
“Que critério usar?”. Nalguns casos a estrutura do termo geral tem indicadores que nos ajudam
nessa escolha e que listamos seguidamente.
1) Se o termo geral (an ) (an ≥ 0) for uma função racional, então devemos usar o corolário 1.39,
escolhendo uma série de Dirichlet cujo termo geral seja assintoticamente igual a (an ).
Exemplo:
4n5 + 7 4
an = 8 ∼ 3.
9n + 2 9n
X 4 4X 1 X 4n5 + 7
Como a série de Dirichlet = é convergente também é convergente.
9n3 9 n3 9n8 + 2
2) Se termo geral for do tipo an = unn , então, em geral o critério da raiz é o mais indicado.
Exemplo: n
2 + sin n 1 √ 2 + sin n 1

an = 2
+ , n an = 2
+ → 0,
n n+4 n n+4
P
logo, pelo critério da raiz a série an é convergente.
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29
3) Se termo geral (an ) envolver produtos, em que o número de factores envolvido varie com n,
como por exemplo, factoriais, ou envolva potências, então a escolha deve recair sobre critério da
razão. Veja-se o exemplo seguinte.

(2n)! an+1 10n (2n + 2)! (2n + 2)(2n + 1)


an = , = = → +∞
10n an 10n+1 (2n)! 10
P
então, pelo critério de D’Alembert, a série an é divergente.
4) Se (an ) não for uma sucessão de termos positivos, começamos por estudar a série dos
módulos. No caso em que esta última é divergente, o critério de Abel-Dirichlet e o de Leibniz
dão resposta a algumas situações. Veja-se o próximo exemplo.
n n 1 X1 X
an = (−1)n 2
, |an | = ∼ e é divergente, então |an | é divergente.
n +1 n2 + 1 n n
Como n2n+1 → 0 e é uma sucessão decrescente, pelo critério de Leibniz, a série
P
an é conver-
gente. Trata-se, portanto, de uma série simplesmente convergente ( |an | divergente e
P P
an
convergente).

Exemplos. Vamos determinar a natureza das séries que se seguem.


X 5 + (−1)n
1. √ .
n7 + 1 + n
5 + (−1)n
Seja an = √ . Temos que
n7 + 1 + n
6 6
0 < an ≤ √ ∼ 7/2 , para todo n ∈ N.
(1) n7 + 1 + n (2) n
X 6 X 1 X 1
Ora = 6 ∼ , e como esta última série é uma série convergente
n7/2 n7/2 n7/2
7
(série de Dirichlet com α = > 1), de (2), pelo 2.o critério de comparação, concluı́mos
2
X 6
que √ é convergente. Atendendo a (1), o 1.o critério de comparação permite
n7 + 1 + n
concluir que a série dada é convergente.
X n4 + 3n2 − 1
2. cos(n6 + 4) .
2n8 + 6n + 4

Como o termo geral muda de sinal uma infinidade de vezes, começamos por estudar a série
dos módulos. Designando por an o termo geral da série vem

n4 + 3n2 − 1 n4 + 3n2 − 1 n4 1
|an | = | cos(n6 + 4)| · 8
≤ 8
∼ 8
= 4. (8)
| {z } 2n + 6n + 4 2n + 6n + 4 2n 2n
≤1

1
é uma série convergente (série de Dirichlet com α = 4 > 1), logo de (8), pelos 1.o
P
Ora n4
o
e 2. critérios de comparação, concluı́mos que |an | é convergente, ou seja, a série an
P P

é absolutamente convergente.

Nota. Quando o termo geral de uma série muda de sinal uma infinidade de vezes e a série
é convergente, devemos indicar qual o tipo de convergência: simples ou absoluta.

Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

30
Ainda os restos
O próximo resultado diz-nos como estimar o resto de ordem m de uma série convergente que se
encontre nas condições do critério da razão.
X
Proposição 1.48 Seja an uma série de termos positivos convergente e suponha-se que, dado
n≥p
um inteiro m ≥ p, existe uma constante 0 < λ < 1 tal que
an+1
< λ, ∀n > m.
an
Então o resto rm da série verifica as condições
am+1
am+1 < rm < .
1−λ

Exercı́cio. Estime o erro de ordem m das seguintes séries


+∞
X 2n
1. ;
n=0
n!
+∞
X 3n
2. .
n=0
(n + 1)!

Respostas às perguntas numeradas


√ √ √
Resposta 1. Nem sempre. [1, 7] ∪ [7, 103] é o intervalo [1, 103], mas [1, 7] ∪ [8, 103]
não é um intervalo (7 e 8 pertencem ao conjunto união, mas nenhum número entre 7 e 8 está
no conjunto).

Resposta 2.
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos negativos e ≥ 1 (resp. > 1), então (un ) é decrescente
un
(resp. estritamente decrescente);
un+1
• se (un ) é uma sucessão de termos negativos e ≤ 1 (resp. < 1), então (un ) é crescente
un
(resp. estritamente crescente).

Resposta 3. A soma é S = uk + uk+1 + . . . + uk+p−1 − p lim un .

Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

31
Sı́ntese da secção

• converge para S se Sn = ap + ap+1 + . . . + an → S;


P
n≥p an

n P∞ n rp
• Série geométrica: converge sse |r| < 1, tendo-se neste caso
P
n≥p r n=p r = 1−r ;

X
• Série de Mengoli: (un − un+1 ), Sn = up − un+1 ;
n=p

• Condição necessária de convergência: Se


P
n≥p an converge, então lim an = 0;
P 1
• (Séries de Dirichlet) nα é convergente se α > 1, e divergente se α ≤ 1;

• 1.o Critério de comparação: 0 ≤ an ≤ bn


P P
– se bn converge, então an converge;
P P
– se an diverge, então bn diverge;

• 2.o Critério de comparação: lim abnn = L ∈ R

– se 0 < L < +∞ (an ∼ Lbn ),


P P
an e bn são da mesma natureza;
P P
– se L = 0 e bn converge, an converge;
P P
– se L = +∞ e bn diverge, an diverge;

• se |an | converge, então


P P
an converge (série absolutamente convergente);

• se |an | diverge e
P P P
an converge, an diz-se simplesmente convergente;

• Critério da Raiz ou de Cauchy:


p
n
|an | < 1, então
P
– se lim an é absolutamente convergente;
p
n
|an | > 1, então
P
– se lim an é divergente;

• Critério da Razão ou de D’Alembert:



an+1 P
– se lim < 1, então an converge absolutamente;
an

an+1 P
– se lim > 1, então an diverge;
a
n

• Critério de Abel-Dirichlet:
P
bn com as somas parciais limitada, (an ) decrescente e
lim an = 0. Então an · bn é convergente.
P

• Critério de Leibniz: (an ) decrescente, an ≥ 0, lim an = 0, então (−1)n an é conver-


P

gente.
P∞ n
• n=p (−1) an uma série alternada convergente, com (an ) decrescente. Então
|rn | = |Sn − S| ≤ an+1 , ∀n ∈ Np .

Sucessões e séries numéricas Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

32
2 Limites e continuidade
Neste capı́tulo damos inı́cio ao estudo das funções reais de variável real. Começamos por estudar
as chamadas noções topológicas. Estes conceitos prendem-se com noções de proximidade e estão
fortemente relacionados com o comportamento das ditas funções contı́nuas. Estão integrados
num ramo da matemática chamado Topologia e que é muito importante, nomeadamente quando
precisamos de falar de limites de funções, o conceito central da Análise Matemática.

2.1 Noções topológicas


Definição 2.1 (Vizinhança de um número real) Dados a ∈ R e um número real δ > 0,
chama-se vizinhança de centro em a e raio δ ao conjunto (intervalo)
n o
Vδ (a) = x ∈ R : |x − a| < δ = ]a − δ, a + δ [.

Uma vizinhança do ponto a é qualquer conjunto que contenha uma vizinhança de centro em
a e raio δ, para algum δ > 0.

Definição 2.2 (Vizinhança do infinito) Seja δ ∈ R.


Chamamos vizinhança de +∞ e de raio δ ao intervalo ]δ, +∞] e denotamos por Vδ (+∞).

Chamamos vizinhança de −∞ e de raio δ ao intervalo [−∞, δ[ e denotamos por Vδ (−∞).

Definição 2.3 (Noções topológicas) Seja D um conjunto de números reais.


Um ponto a ∈ R diz-se ponto interior a D se existe um número real δ > 0 tal que
Vδ (a) ⊂ D, ou seja, se existe uma vizinhança de a contida em D. Ao conjunto dos pontos
interiores a D chamamos interior de D e escrevemos int D.
Um ponto a ∈ R diz-se ponto exterior a D se existe um número real δ > 0 tal que
Vδ (a) ∩ D = ∅. Ao conjunto dos pontos exteriores a D chamamos exterior de D e escrevemos
ext D.
Um ponto a ∈ R diz-se um ponto fronteiro a D se qualquer vizinhança de a contém pontos
de D e do seu complementar. A fronteira de D, denotada por fr D ou ∂D, é o conjunto dos
pontos fronteiros a D.
Um ponto a ∈ R diz-se um ponto de acumulação de D se existe uma sucessão (xn ) de
pontos de D \ {a} tal que lim xn = a. O conjunto dos pontos de acumulação de D representa-se
por D0 e diz-se o derivado de D. Os pontos de D que não são pontos de acumulação dizem-se
pontos isolados.

Um conjunto diz-se aberto se todos os seus pontos forem pontos interiores. Um conjunto
diz-se fechado se contiver todos os seus pontos fronteiros. Observe-se há conjuntos conjuntos
que não são abertos nem fechados. Por exemplo, os intervalos abertos são conjuntos abertos,
os intervalos fechados são conjuntos fechados e os intervalos semi-abertos não são abertos nem
fechados.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

33
Dado um conjunto X ⊂ R, observe-se que
·
[ ·
[
R = int X fr X extX,
·
[
onde o sı́mbolo denota a união disjunta.
Proposição 2.4 (Critérios de ponto de acumulação) Dados um conjunto de números re-
ais D e um ponto a ∈ R, são equivalentes as seguintes condições
1. a é ponto de acumulação de D;
2. em toda a vizinhança de a existe uma infinidade de pontos de D;
3. em toda a vizinhança de a existem pontos de D \ {a}.
Exemplos. Vamos determinar o interior, o exterior, a fronteira, o derivado e os pontos
isolados dos conjuntos que se seguem.
1. A =]5, 10[
• Int A =]5, 10[
• Ext A =] − ∞, 5[∪]10, +∞[
• Fr A = {5, 10}
• A0 = [5, 10]
• Pontos isolados - ∅
A é um conjunto aberto.
2. Seja X um conjunto finito.
• Int X = ∅
• Ext X = R \ X
• Fr X = X
• X0 = ∅
• Pontos isolados - X
X é um conjunto fechado.
3. B = {−3}∪]5, 12]
• Int B =]5, 12[
• Ext B =] − ∞, −3[∪] − 3, 5[∪]12, +∞[
• Fr B = {−3, 5, 12}
• B 0 = [5, 12]
• Pontos isolados - {−3}
B não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.
1
4. C = {5 + , n ∈ N}
n
• Int C = ∅
• Ext C = R \ (C ∪ {5})
• Fr C = C ∪ {5}
• C 0 = {5}
• Pontos isolados - C
C não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

34
5. Q

• Int Q = ∅
• Ext Q = ∅
• Fr Q = R
• Q0 = R.
• Pontos isolados - ∅

Observe-se que entre dois racionais há sempre racionais e irracionais, e também entre dois
irracionais há sempre racionais e irracionais.
Q não é um conjunto aberto, nem um conjunto fechado.

2.2 Limites e suas propriedades


Definição 2.5 (Heine) Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que a ∈ D0 . Dizemos
que f tem limite b no ponto a, ou que b é limite de f (x) quando x tende para a, e
escrevemos lim f (x) = b, se, para toda a sucessão (xn ) de pontos de D \ {a} tal que lim xn = a,
x→a
for lim f (xn ) = b.

Da definição anterior resulta que, se existir limite de uma função num ponto ele é
único. Resulta também que a existência e o valor do limite de uma função num ponto só
dependem dos valores que a função toma nalguma vizinhança desse ponto (excluindo o ponto):
diz-se, por este motivo, que o conceito de limite tem carácter local.

Definição 2.6 (Cauchy) Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que a ∈ D0 . Dizemos


que f tem limite b no ponto a, ou que b é limite de f (x) quando x tende para a, e
escrevemos
lim f (x) = b,
x→a
se, e só se,
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Observações. Na definição anterior, se


1) b ∈ R, dizer que lim f (x) = b é dizer que
x→a

∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ |f (x) − b| < δ,

isto significa que a distância entre f (x) e b pode ser arbitrariamente pequena desde que se
tome a distância entre x e a suficientemente pequena (mas não nula);

Esquematização do limx→a f (x) = L

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

35
2) b = +∞, dizer que lim f (x) = +∞ é dizer que
x→a

∀M > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) > M,

e isto significa que, dado M > 0 qualquer, desde que se tome a distância entre x e a
suficientemente pequena (mas não nula), f só assume valores maiores do que o valor M ;

3) b = −∞, dizer que lim f (x) = −∞ é dizer que


x→a

∀M > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x − a| < ε ⇒ f (x) < −M,

o que significa que f só assume valores menores do que qualquer −M < 0 que se considere,
desde que se tome para x valores cuja distância a seja suficientemente pequena (mas não
nula).

Exemplos. (
1, se x 6= 2
1) Seja f (x) = , então lim f (x) = 1.
3, se x = 2. x→2

2) Seja f (x) = 2x + 3, x ∈ R.
Usando a definição de limite segundo Cauchy, vejamos que lim f (x) = −1.
x→−2
Queremos provar que

∀δ > 0 ∃ ε > 0 : x ∈ D ∧ 0 < |x+2| < ε ⇒ |2x + 3+1| < δ.

Seja δ > 0, arbitrariamente fixado. Temos que

|2x + 3 + 1| = 2|x + 2|. (9)

Tomando ε = 2δ , então, se 0 < |x + 2| < ε, de (9), vem

δ
|2x + 3 + 1| < 2 · ε = 2 · = δ.
2
Fica então provado o pretendido.
1
3) É fácil provar que lim = +∞.
x→0 x2

− 1 ,

se x < 0
4) Seja f (x) = x
4 − x2 , se x ≥ 0.

O limite de f no ponto zero não é +∞ (não existe), pois para valores de M > 0 suficien-
temente grandes, há sempre valores de f abaixo desse valor, quando tomamos x em qualquer
vizinhança de zero, como é ilustrado no gráfico que se segue.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

36
A existência de limite de uma função, num ponto, garante que a função goze de algumas
propriedades. Por exemplo, uma função é limitada numa vizinhança de um ponto onde tem
limite, em R, situação enunciada na próxima proposição.

Proposição 2.7 Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ R, b ∈ R, tais que a ∈ D0 e b = limx→a f (x).


Então f é limitada numa vizinhança do ponto a, isto é, existem M > 0 e ε > 0 tais que

∀x ∈ D, 0 < |x − a| < ε ⇒ |f (x)| < M.

Temos várias formas equivalentes de dizer que o limite de uma função f , num ponto a, é b, no
caso em que b ∈ R, como listamos seguidamente.

Proposição 2.8 Dados a, b ∈ R, tem-se

lim f (x) = b ⇐⇒ lim f (a + h) = b ⇐⇒ lim (f (x) − b) = 0 ⇐⇒ lim |f (x) − b| = 0.


x→a h→0 x→a x→a

Teorema 2.9 As definições de limite de uma função segundo Heine e segundo Cauchy são
equivalentes.

Da definição de limite de uma função num ponto segundo Heine conclui-se que, se existirem
duas sucessões que convergem para a por valores diferentes de a e cujas imagens por meio de
f têm limites diferentes, então não existe o limite lim f (x). Temos assim um critério de não
x→a
existência de limite de uma função num ponto. O exemplo que se segue ilustra a utilidade
prática desta definição.
Exemplo.
1
Seja f (x) = cos e consideremos as sucessões de termos gerais
x
1 1
xn = →0 e yn = → 0.
2nπ (2n + 1)π

Temos
1 1
f (xn ) = cos 1 = cos 2nπ = 1 e f (yn ) = cos 1 = cos(2n + 1)π = −1,
2nπ (2n+1)π

assim lim f (xn ) = 1 6= −1 = lim f (yn ), logo não existe lim f (x).
x→0

Seguidamente vamos ver dois conceitos que estão na base de um outro critério de existência/não
existência de limite de uma função num dado ponto.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

37
Definição 2.10 Seja f : D ⊆ R → R e suponhamos que existe p > 0 tal que ] a − p, a [ ⊂ D.
Dizemos que b (∈ R) é o limite lateral à esquerda de f no ponto a, e escrevemos

lim f (x) = b ou f (a− ) = b,


x→a−

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ ε > 0 : a − ε < x < a ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).
Se existe p > 0 tal que ] a, a + p [ ⊂ D, dizemos que b é o limite lateral à direita de f no ponto
a, e escrevemos
lim f (x) = b ou f (a+ ) = b,
x→a+

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ ε > 0 : a < x < a + ε ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Notas.
1) Por abuso de linguagem, dizemos frequentemente limite à direita/à esquerda de a.
2) As definições anteriores não estão enunciadas na sua forma mais genérica, pois, na noção de
limite lateral à esquerda (resp. à direita) não é necessário que ]a − p, a[ (resp. ]a, a + p[) esteja
contido em D, mas apenas que a ∈ (D ∩ ] − ∞, a[)0 (resp. a ∈ (D ∩ ]a, +∞[)0 ). A D ∩ ] − ∞, a[
(resp. D ∩ ]a, +∞[) chama-se domı́nio de f à esquerda (resp. à direita) de a e representa-se
por Da− (resp. Da+ ).
3) Tal como o conceito de limite de uma função num ponto, o conceito de limite lateral pode
ser dado em termos de vizinhanças (como está enunciado) ou em termos de sucessões (como na
definição de limite segundo Heine), bastando para tal tomar sucessões no domı́nio da função à
esquerda (resp. à direita) do ponto a, quando se pretende determinar o limite lateral à esquerda
(resp. à direita).

Teorema 2.11 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ Da0 + ∩ Da0 − Então

lim f (x) = b se, e só se, lim f (x) = lim f (x) = b.


x→a x→a− x→a+

Um teste prático para provar a descontinuidade de certas funções, em certos pontos, está
expressa no próximo corolário.

Corolário 2.12 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ Da0 + ∩ Da0 − .

Se lim f (x) 6= lim f (x), então não existe lim f (x).


x→a− x→a+ x→a

Exemplo.

Não existe limite da função no ponto x = 1, pois os limites laterais são distintos.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

38
Definição 2.13 Seja f uma função definida num intervalo da forma ] a, +∞ [ para um certo
a ∈ R. Dizemos que o limite de f quando x tende para +∞ é b ∈ R, e escrevemos

lim f (x) = b,
x→+∞

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ M > 0 : x > M ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Se f está definida num intervalo da forma ] − ∞, a [ para um certo a ∈ R, dizemos que o limite
de f quando x tende para −∞ é b ∈ R, e escrevemos

lim f (x) = b,
x→−∞

se, e só se,


∀δ > 0 ∃ M > 0 : x < −M ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).

Nota: Sejam f : D ⊆ R → R, a ∈ D0 (em R), b ∈ R. Dizer que lim f (x) = b é equivalente


x→a
a dizer que
∀δ > 0, ∃ ε > 0 : x ∈ Vε (a) ∩ D \ {a} ⇒ f (x) ∈ Vδ (b).
Esta forma de escrever engloba de uma vez só todos os casos de limite definidos.

Os próximos resultados estão relacionados com a comparação de limites de funções que são
comparáveis (numa relação de ordem) na vizinhança de um determinado ponto.
Teorema 2.14 Sejam f, g : D ⊆ R → R, a ∈ D0 . Suponhamos que existe δ > 0 tal que

f (x) ≤ g(x), ∀x ∈ Vδ (a) \ {a}.

1. Se existirem os limites lim f (x) e lim g(x), então lim f (x) ≤ lim g(x).
x→a x→a x→a x→a

2. Se lim f (x) = +∞, então lim g(x) = +∞.


x→a x→a

3. Se lim g(x) = −∞, então lim f (x) = −∞.


x→a x→a

Exemplos.
1) Analogamente a situações já estudadas com as sucessões, a desigualdade estrita entre duas
funções, na vizinhança de um ponto, onde ambas têm limite finito, não implica a desigualdade
estrita entre os respectivos limites. Por exemplo, para f (x) = 1 − x2 e g(x) = 1 + x2 , tem-se
f (x) < g(x), ∀x ∈ R \ {0} e, no entanto, limx→0 f (x) = limx→0 g(x) = 1.

2) Sejam f (x) = x e g(x) = x + sin2 x. Temos que f (x) ≤ g(x), para todo x ∈ R, e
limx→+∞ f (x) = +∞, logo limx→+∞ g(x) = +∞.

O próximo resultado traduz uma propriedade importante dos limites: o sinal do limite de
uma função num ponto determina o sinal da função numa vizinhança do mesmo ponto.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

39
Teorema 2.15 Seja f uma função definida em Vp (a) \ {a}, p > 0 e tal que lim f (x) = b.
x→a
Se b > 0 (respectivamente, b < 0), então existe ε > 0 tal que f (x) > 0 (respectivamente,
f (x) < 0) para todo x ∈ ] a − ε, a + ε [ \ {a}.

Teorema 2.16 (Teorema do Enquadramento) Sejam a, L ∈ R, p > 0 e suponhamos que


f (x) ≤ g(x) ≤ h(x), ∀x ∈ Vp (a) \ {a}.
Se lim f (x) = lim h(x) = L, então lim g(x) = L.
x→a x→a x→a

Observações.
1) O teorema anterior também é válido para o caso de limites laterais.
2) Se limx→a f (x) = +∞, basta a desigualdade f (x) ≤ g(x) para concluir que também
limx→a g(x) = +∞. Analogamente, se limx→a h(x) = −∞, basta a desigualdade g(x) ≤ h(x)
para concluir que também limx→a g(x) = −∞. Estas situações são justificadas pelo Teorema
2.14.
Aplicação. Usando o teorema anterior e as desigualdades
sin x π π sin x
   
cos x < < 1, x ∈ − , 0 ∪ 0, , deduz-se que lim = 1.
x 2 2 x→0 x

Corolário 2.17 Sejam p > 0, a ∈ R, f e g funções definidas em Vp (a) \ {a} tais que
∃ M > 0 : |f (x)| ≤ M, ∀x ∈ Vp (a) \ {a} e lim g(x) = 0.
x→a

Então lim (f (x) · g(x)) = 0.


x→a

Teorema 2.18 (Propriedades algébricas dos limites de funções)


Sejam f, g : D ⊂ R → R, a ∈ D0 , b, c ∈ R. Então
1. lim f (x) = b ∈ R ⇒ lim |f (x)| = |b|;
x→a x→a

2. lim f (x) = b e lim g(x) = c ⇒ lim (f (x) + g(x)) = b + c;


x→a x→a x→a

3. lim f (x) = +∞ e g minorada ⇒ lim (f (x) + g(x)) = +∞;


x→a x→a

4. lim f (x) = −∞ e g majorada ⇒ lim (f (x) + g(x)) = −∞;


x→a x→a

5. lim f (x) = b ∈ R ⇒ lim (αf (x)) = α b, ∀α ∈ R;


x→a x→a

6. lim f (x) = b e lim g(x) = c ⇒ lim (f (x) · g(x)) = b · c;


x→a x→a x→a

7. lim f (x) = ±∞ e lim g(x) > 0 (resp. < 0) ⇒ lim (f (x) · g(x)) = ±∞ (resp. ∓∞);
x→a x→a x→a

1 1
8. lim f (x) = b ∈ R \ {0} ⇒ lim = ;
x→a x→a f (x) b
1
9. lim |f (x)| = +∞ ⇒ lim = 0 e reciprocamente.
x→a x→a f (x)

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

40
Observações.
1) O teorema anterior verifica-se analogamente para o caso dos limites laterais.
2) As propriedades 2 e 6 anteriores generalizam-se de modo natural à soma e ao produto de um
número finito de funções, respectivamente.
3) Note-se que no teorema anterior os casos em que a = +∞ e a = −∞ estão incluı́dos.
4) Observe-se que o caso 3 (resp. 4) inclui a situação em que lim g(x) = +∞ (resp. −∞).
x→a
5) A propriedade 7 é válida nos casos lim g(x) = +∞ e lim g(x) = −∞, respectivamente.
x→a x→a
6) Tal como no caso das sucessões, o teorema anterior não nos dá indicação sobre a existência e o
valor do limite (se este existir) nos casos que se seguem e que são designados por indeterminações:

• ∞ − ∞: quando queremos determinar lim (f (x) + g(x)) e


x→a

lim f (x) = +∞ e lim g(x) = −∞;


x→a x→a

• 0 × ∞ quando queremos determinar lim (f (x) · g(x)) e


x→a

lim f (x) = 0 e lim g(x) = ±∞;


x→a x→a

0 f (x)
• quando queremos determinar lim e lim f (x) = 0 = lim g(x);
0 x→a g(x) x→a x→a

∞ f (x)
• quando queremos determinar lim e lim |f (x)| = +∞ = lim |g(x)|.
∞ x→a g(x) x→a x→a

À semelhança das sucessões, vamos definir a relação assintoticamente igual nas funções.

Definição 2.19 Sejam D ⊂ R, a ∈ D0 e f, g, h : D → R três funções tais que, numa certa


vizinhança de a (excepto eventualmente em a), se tem f (x) = h(x)g(x) e lim h(x) = 1. Então
x→a
diz-se que f (x) é assintoticamente igual a g(x) quando x → a e escreve-se

f (x) ∼ g(x) (x → a).

Observação. Na definição anterior, se g não se anula em Vδ (a) \ {a}, para algum δ > 0, então

f (x)
f (x) ∼ g(x) (x → a) equivale a lim = 1.
x→a g(x)

Proposição 2.20 Sejam D ⊂ R, a ∈ D0 , b ∈ R e f, g, f0 , g0 : D → R quatro funções.

1. Seja b ∈ R \ {0}. Se lim f (x) = b, então f (x) ∼ b (x → a).


x→a

2. Se f (x) ∼ g(x) (x → a) e lim g(x) = b, então lim f (x) = b.


x→a x→a

3. Se f (x) ∼ f0 (x) (x → a) e g(x) ∼ g0 (x) (x → a), então

f (x)g(x) ∼ f0 (x)g0 (x) (x → a) e f (x)/g(x) ∼ f0 (x)/g0 (x) (x → a)

(quando os quocientes fazem sentido).

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

41
Exemplos.
10x7 + x − 4
1. 10x7 +x−4 ∼ 10x7 , (x → +∞), pois lim = 1 e 10x7 +x−4 ∼ −4, (x → 0).
x→+∞ 10x7
2. Dados n ∈ N, ai ∈ R, com i = 0, . . . , n e an 6= 0, temos que

an xn + an−1 xn−1 + . . . + a1 x + a0 ∼ an xn , (x → +∞).

sin x
3. sin x ∼ x, (x → 0), pois lim = 1.
x→0 x
4. sin x ∼
/ x, (x → +∞).

5. Sejam m e b dois números reais não simultaneamente nulos. Diz-se que a recta y = mx + b
é uma assı́ntota, em +∞, ao gráfico da função f , se limx→+∞ (f (x)−(mx+b)) = 0. Temos
então
f (x) f (x)
 
lim (f (x) − (mx + b)) = lim (mx + b) − 1 = 0 ⇐⇒ lim = 1,
x→+∞ x→+∞ mx + b x→+∞ mx + b
logo
f (x) ∼ mx + b, (x → +∞).

2.3 Continuidade
Definição 2.21 Sejam f : D ⊆ R → R e a ∈ D. A função f diz-se contı́nua no ponto a se,
e só se,
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : ∀x ∈ D |x − a| < ε ⇒ |f (x) − f (a)| < δ.
Caso contrário f diz-se descontı́nua em a.
A função f diz-se contı́nua se for contı́nua em todos os pontos de D.

Proposição 2.22 Nas condições da definição anterior, f é contı́nua em a se, e só se, para toda
a sucessão (xn ) ⊂ D convergindo para a, lim f (xn ) = f (a).

O próximo resultado caracteriza a continuidade de uma função em pontos do domı́nio que são
pontos de acumulação.

Proposição 2.23 Seja f : D ⊂ R → R e a ∈ D ∩ D0 . Então f é contı́nua no ponto a se, e só


se,
lim f (x) = f (a).
x→a

Observações.
1) Uma função é contı́nua nos pontos isolados do seu domı́nio e nos pontos onde o limite da
função nesse ponto é igual ao valor da função no mesmo ponto.
2) De definição anterior resulta que a função identidade (f (x) = x) e a função módulo
(f (x) = |x|) são contı́nuas.
3) Também são contı́nuas, em R, as funções definidas por x 7→ sin x, x 7→ cos x, x 7→ ex e, em
x > 0, a função x 7→ log x.
Vejamos que a função seno é contı́nua em R. Seja a ∈ R. É sabido que
x−a x+a
sin x − sin a = 2 sin cos .
2 2

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

42
Atendendo a que | sin x| ≤ |x|, ∀x ∈ R e a que o cosseno em módulo é menor ou igual a 1,
vem
x−a x − a

x + a
| sin x − sin a| ≤ 2 sin
cos ≤ 2
= |x − a|.
2 2 2
Como |x − a| → 0, quando x → a, então, do Teorema 2.16, concluimos que
lim | sin x − sin a| = 0 ⇐⇒ lim sin x = sin a,
x→a x→a

logo a função seno é contı́nua em a. Como a foi tomado arbitrariamente, esta função trigo-
nométrica é contı́nua em R.
A continuidade da função cossenopode ser provada sabendo que a função seno é contı́nua e
tendo presente que cos x = sin π2 − x .
A menção à prova da continuidade das outras funções referidas será feita no último capı́tulo.
4) Se (xn ) é uma sucessão de pontos do domı́nio de uma função f e (xn ) converge para um ponto
onde f é contı́nua, temos então que
lim f (xn ) = f (lim xn ).
Assim, dada uma sucessão (xn ) convergente, temos, por exemplo,
lim sin xn = sin(lim xn ) e lim exn = elim xn .
Adoptando as convenções
e+∞ = +∞ e e−∞ = 0,
podemos, mais geralmente, escrever
lim exn = elim xn para toda a sucessão (xn ) com limite em R.
Analogamente com as convenções
log(+∞) = +∞ e log 0 = −∞,
podemos escrever
lim log(xn ) = log(lim xn ) para toda a sucessão (xn ) positiva com limite em R.

Definição 2.24 Seja f : D ⊂ R → R, a ∈ D0 e a ∈


/ D. Se lim f (x) ∈ R podemos definir uma
x→a
˜
nova função f : D ∪ {a} → R dada por
(
f (x), se x ∈ D
f˜(x) = lim f (x), se x = a.
x→a

Pela proposição anterior a função f˜ assim construı́da é contı́nua em a. Diz-se, por isso, o
prolongamento por continuidade de f ao ponto a.

sin x
Aplicação. O prolongamento por continuidade de x 7→ ao ponto 0 é a função f˜ definida
x
por
 sin x , se x ∈ R \ {0}

f˜(x) = x

1, se x = 0.
Sendo (xn ) uma sucessão arbitrária tal que xn → 0, como sin xn = f˜(xn )xn (mesmo se xn = 0)
e f˜ é contı́nua no ponto 0, temos que lim f˜(xn ) = 1, donde se conclui
sin xn ∼ xn , se xn → 0.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

43
Proposição 2.25 Sejam f : D ⊂ R → R, a ∈ D ∩ Da0 + ∩ Da0 − . Então, f é contı́nua no ponto a
se, e só se,
lim f (x) = f (a) = lim f (x).
x→a− x→a+

Um ponto onde uma função não é contı́nua diz-se um ponto de descontinuidade da função.
Existem descontinuidades com caracterı́sticas diferentes. Vamos atribuir diferentes designações
às diferentes situações.
De acordo com a proposição anterior, uma função f pode ser descontı́nua num ponto
a ∈ D ∩ Da0 + ∩ Da0 − se lim f (x) não existe ou se lim f (x) existe em R mas o seu valor é diferente
x→a x→a
de f (a). No segundo caso diz-se que f tem uma descontinuidade removı́vel no ponto a.

A designação anterior prende-se com a ilustração da situação. Com efeito, redefinindo a função
f no ponto a do seguinte modo
(
f (x), se x 6= a
g(x) = lim f (x), se x = a
x→a

obtemos uma função contı́nua no ponto a. Assim, ao mudarmos convenientemente o valor da


função no ponto, “remove-se” a descontinuidade.

Se os limites laterais de f no ponto a existirem ambos, em R, mas lim f (x) 6= lim f (x)
x→a− x→a+
dizemos que f tem uma descontinuidade por salto no ponto a.

As descontinuidades removı́veis e por salto constituem as chamadas descontinuidades de 1.a


espécie.
A função f pode ainda ser descontı́nua no ponto a pelo facto de pelo menos um dos limites
laterais de f nesse ponto ser infinito ou não existir (em R). Neste caso dizemos que temos uma
descontinuidade de 2.a espécie.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

44
b desc. de 1.a espécie, c desc. de 2.a espécie 0 desc. de 2.a espécie

Teorema 2.26 Se f e g são funções contı́nuas no ponto a, então as funções f + g e f · g são


f
contı́nuas no ponto a, assim como desde que g(a) 6= 0.
g

Observação. As propriedades anteriores generalizam-se, respectivamente, à soma, produto e


quociente de um número finito de funções.

Usando a continuidade das funções constantes e da função identidade resulta que toda a
função polinomial é contı́nua. Logo, também as funções racionais (quocientes de funções poli-
nomiais) são contı́nuas nos pontos que não anulam os respectivos denominadores, ou seja, nos
seus domı́nios.
Da continuidade do seno e do cosseno deduz-se também a continuidade da tangente, da
cotangente, da secante e da cossecante, nos seus domı́nios.
As operações algébricas entre funções permitem, como observado no parágrafo anterior,
aumentar a lista de funções contı́nuas. O próximo resultado permite incrementar consideravel-
mente essa lista, usando a composição de funções. É, portanto, um resultado muito importante
no contexto do cálculo de limites.

Teorema 2.27 Sejam g : D1 → R e f : D2 → R funções tais que g(D1 ) ⊆ D2 e a ∈ D1 ∩ D10 .


Se g é contı́nua no ponto a e f é contı́nua no ponto g(a), então f ◦ g é contı́nua no ponto a.

Aplicações. Dado a > 0, a função exponencial de base a definida em R por ax = ex log a é


contı́nua.
Dado α ∈ R, a função potência de expoente α definida em R+ por xα = eα log x é contı́nua.

Teorema 2.28 (Limite da função composta) Sejam g : D1 → R e f : D2 → R funções tais


que g(D1 ) ⊆ D2 e seja a ∈ D10 . Suponha-se que lim g(x) = b (∈ R) e que existe o lim f (x). Se
x→a x→b

1. b ∈ R e f é contı́nua em b,
ou

2. b = +∞ ou b = −∞,

então
lim f (g(x)) = lim f (t).
x→a t→b

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45
Aplicações.
1) Se lim g(x) existe (em R), tem-se
x→a

lim g(x)
lim eg(x) = ex→a ,
x→a

com as já mencionadas convenções relativas a e±∞ .


2) Se lim g(x) = 0, tem-se
x→a
sin g(x) ∼ g(x) (x → a).

3) Para calcular um limite do tipo lim f (g(x)) com f contı́nua, pode fazer-se a mudança de
x→a
variável t = g(x). Supondo que lim g(x) = b, o limite a calcular transforma-se em lim f (t).
x→a t→b

Teorema 2.29 Dados a > 1 e α ∈ R tem-se


ax
lim = +∞.
x→+∞ xα

Demonstração. Se α ≤ 0 o resultado é imediato. Consideremos então α > 0.


Como a > 1, existe b > 1 tal que a = b2α . Seja h > 0 tal que b = h + 1. Temos então
 x 2α
ax (b2α )x (bx )2α b
= √ = √ = √ .
xα ( x)2α ( x)2α x

bx
Vejamos que lim √ = +∞.
x→+∞ x
Usando a desigualdade de Bernoulli vem

bx = (h + 1)x ≥ (h + 1)[x] ≥ 1 + [x]h,

logo
bx (h + 1)x 1 [x]h (x − 1)h
α
= √ ≥√ + √ ≥ √ → +∞,
x x x x x
logo
ax
lim = +∞.
x→+∞ xα

Teorema 2.30 Dado α > 0 tem-se



lim = +∞.
x→+∞ log x

Teorema 2.31 Tem-se


log(1 + x)
lim = 1.
x→0 x
Corolário 2.32 Tem-se
ex − 1
lim = 1.
x→0 x

Aplicações. Conjungando os resultados anteriores com a definição de limite segundo Heine e


também com o Teorema 2.28 obtemos as conclusões que se seguem.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

46
1) Tem-se
log(1 + xn ) ∼ xn e e xn − 1 ∼ x n se xn → 0.
2) Se lim g(x) = 0, tem-se ainda
x→a

log(1 + g(x)) ∼ g(x) (x → a) e eg(x) − 1 ∼ g(x), (x → a).

3) De 1) obtém-se
log xn ∼ xn − 1 se xn → 1.

4) lim xα log x = 0, para todo α > 0.


x→0+

Estes resultados facilitam o cálculo de limites, já que permitem simplificar de alguma forma
as expressões das funções com que se trabalha.

Exemplos. Vamos calcular os limites que se seguem.

ex − e−x
1. lim .
x→0 sin x
Trata-se de uma indeterminação do tipo 00 . Temos

ex − e−x e−x (e2x − 1) 1 · 2x


lim = lim = lim = 2,
x→0 sin x x→0 sin x x→0 x
já que
e−x ∼ 1 (x → 0), pois lim e−x = 1;
x→0
2x
e − 1 ∼ 2x (x → 0), pois 2x → 0, quando x → 0;
e sin x ∼ x (x → 0).

e3x − esin x
2. lim .
x→0 2x
Temos novamente uma indeterminação do tipo 00 . Vem então
!
e3x−sin x − 1 3x − sin x 3 1 sin x
 
sin x
lim e = lim = lim − = 1,
x→0 2x x→0 2x x→0 2 2 x

já que
esin x → 1, x → 0;
e
e3x−sin x − 1 ∼ 3x − sin x, (x → 0), pois lim (3x − sin x) = 0.
x→0

log x
3. lim (indeterminação 00 ).
x→1 ex − e

log x 1 log (1 + (x − 1)) 1x−1 1


lim = lim = lim = ,
x→1 e(ex−1 − 1) x→1 e x−1 x→1 e x − 1 e
pois
log(1 + (x − 1)) ∼ x − 1, (x → 1) e ex−1 − 1 ∼ x − 1, (x → 1).

Munidos destes novos resultados, podemos estudar mais algumas séries numéricas, como se
ilustra nos exemplos que se seguem.
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47
Exemplos de aplicação ao estudo das séries numéricas.
X 1
1. Vamos determinar a natureza da série (−1)n sin .
n
Seja an = sin n1 . Como
1 π
0< ≤1 e ]0, 1] ⊂]0, [,
n 2
então an > 0, para todo o n.
|(−1)n an | = sin n1 .
P P
Começamos por pensar na série dos módulos,
sin x sin n1 1
Atendendo a que lim = 1, vem lim 1 = 1, pois n → 0, ou seja, sin n1 ∼ n1 . Então
x→0 x
n

X 1 X1
sin ∼ ,
n n
sin n1 é uma série divergente (pelo 2.o critério de comparação de termos gerais).
P
ou seja,
Sendo a série dos módulos divergente, é necessário estudar a natureza da série dada.
Temos
1 1 1 1
> , logo sin > sin ,
n n+1 n n+1
já que a função seno é crescente em ]0, π2 [. Assim, an > an+1 , para todo o n, ou seja, (an )
é uma sucessão decrescente. Além disso, lim sin n1 = sin 0 = 0. Nestas condições o critério
de Leibniz permite concluir que a série dada é convergente. Como já sabemos que a série
dos módulos diverge, então podemos afirmar que a série converge simplesmente.

2. Vamos determinar a natureza da série (de termos não negativos)


  n
3
X n3 sin n5 +2n−1 (e n2 +6 − 1)
.
n2 + 6
3 3 3
 
Tem-se 5 → 0, logo sin 5
∼ 5 .
n + 2n − 1 n + 2n − 1 n + 2n − 1
3 3 3 3
 
Como 5 ∼ 5 , vem que sin 5
∼ 5.
n + 2n − 1 n n + 2n − 1 n
Tem-se também
n n 1 n 1
→0 e ∼ , logo e n2 +6 − 1 ∼ .
n2 +6 n2 +6 n n

Por último, temos n2 + 6 ∼ n2 . Aplicando então a Proposição 1.28 vem que


  n
3
n3 sin n5 +2n−1
(e n2 +6 − 1) n3 n35 n1 3
∼ = 5. (10)
n2 + 6 n 2 n
X 1
Como a série de Dirichlet é convergente (α = 5 > 1), e atendendo a (10), o Corolário
n5
1.39 permite concluir que a série dada é convergente.

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48
Definição 2.33 Sejam f, g : D ⊂ R → R duas funções tais que f (x) > 0, ∀x ∈ D. Define-se,
em D, a função f g do seguinte modo
f (x)g(x) = eg(x) log f (x) .
Nas condições da definição anterior, existem algumas situações que, existindo os limites
lim f (x) e lim g(x), com a ∈ D0 , conduzem a novas indeterminações, a saber
x→a x→a

00 quando lim f (x) = 0 = lim g(x),


x→a x→a

∞0 quando lim f (x) = +∞ e lim g(x) = 0,


x→a x→a

1∞ quando lim f (x) = 1 e lim g(x) = ±∞.


x→a x→a
g
Ora atendendo à definição de f , cada uma das situações anteriores advém do facto de termos
a indeterminação 0 × ∞ no expoente da exponencial.
Observamos que 0∞ não é indeterminação, pois, se lim f (x) = 0 e lim g(x) = +∞, então
x→a x→a
lim log f (x) = −∞, donde lim g(x) log f (x) = −∞ e atendendo às convenções já estabelecidas
x→a x→a
vem
lim f (x)g(x) = elimx→a g(x) log f (x) = e−∞ = 0.
x→a
Analogamente, se lim f (x) = 0 e lim g(x) = −∞, então lim g(x) log f (x) = +∞ e atendendo
x→a x→a x→a
às convenções já estabelecidas vem
lim f (x)g(x) = elimx→a g(x) log f (x) = e+∞ = +∞.
x→a

Nos casos não incluı́dos nos anteriores, sempre que existem lim f (x) e lim g(x), tem-se que
x→a x→a
  lim g(x)
lim f (x)g(x) = lim f (x) x→a .
x→a x→a

Exemplo. Vamos calcular o limite


x+π
x−2

lim .
x→+∞ x+4
Começamos por observar que temos uma indeterminação do tipo 1+∞ . Escrevemos
x−2
 

x−2
x+π (x + π) log
=e x+4
x+4
e começamos por estudar o limite da função que se encontra no expoente. Temos
x−2 x+4−6 6
= =1−
x+4 x+4 x+4
6
e como − → 0, quando x → +∞, vem
x+4
x−2 6 6
   
log = log 1 − ∼− , (x → +∞),
x+4 x+4 x+4
logo
x−2 6
    
lim (x + π) log = lim − (x + π) = −6.
x→+∞ x+4 x→+∞ x+4
Assim, o limite pedido é
x−2 x−2
   

x−2
x+π (x + π) log lim (x + π) log
lim = lim e x+4 = ex→+∞ x+4 = e−6 .
x→+∞ x+4 x→+∞

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49
2.4 Teorema de Bolzano
O supremo e o ı́nfimo do contradomı́nio de uma função dizem-se muitas vezes, abreviadamente,
o supremo e o ı́nfimo da função. Do mesmo modo, se o contradomı́nio de uma função tiver
elemento máximo ou elemento mı́nimo, ele diz-se, também e respectivamente, o máximo ou o
mı́nimo da função.

Teorema 2.34 (Teorema de Bolzano ou do Valor Intermédio, 1817) Se f é uma função


contı́nua no intervalo [ a, b ], com f (a) 6= f (b), e k é um número real compreendido entre f (a) e
f (b), então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ] a, b [ tal que f (c) = k.

Nas condições do teorema anterior, dependendo da função e do valor de k, pode existir mais
do que um c, tal que f (c) = k.

Nota. O teorema anterior pode ser enunciado da seguinte forma (mais geral).
Seja I um intervalo real e f : I → R uma função contı́nua. Então, dado k ∈ R estritamente
compreendido entre o ı́nfimo e o supremo da função em I, existe c ∈ I tal que f (c) = k.

Corolário 2.35 Seja f uma função contı́nua no intervalo [ a, b ]. Se f (a)·f (b) < 0, então existe
(pelo menos) um ponto c ∈ ] a, b [ tal que f (c) = 0.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

50
Corolário 2.36 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função contı́nua. Então f (I) é
um intervalo.

Exemplos.

1. Vejamos que as funções que se seguem se anulam nos intervalos indicados.

(a) f (x) = cos x − x, em [0, 1].


A função dada é contı́nua, pois é a diferença de duas funções contı́nuas (x 7→ cos x e
x 7→ −x). Como f (0) = 1 > 0 e f (1) = cos 1 − 1 < 0 (observe-se que cos x = 1 se, e
só se, x = 2nπ, com n ∈ Z e cos x < 1, caso contrário), então f (0) · f (1) < 0. Estão
então reunidas as condições do Teorema de Bolzano que permite concluir que existe
c ∈ ]0, 1[, tal que f (c) = 0.
(b) f (x) = ex (1 + cos2 x) − log(x2 + 1), em R.
Estamos perante a soma de produtos e compostas de funções contı́nuas, pelo que
f é contı́nua em R. Para aplicarmos o Teorema de Bolzano precisamos de garantir
que f assume, pelo menos, um valor positivo e outro negativo, o que pode ser feito
por experimentação de valores e/ou por análise do comportamento da função nos
extremos do intervalo (cálculo do limite no (+ e −) infinito). Neste caso é fácil ver
que f (0) = 2 > 0. Temos também

ex (1 + cos2 x) − log(x2 + 1)) = −∞.


lim f (x) = lim (|{z}
x→−∞ x→−∞ | {z }| {z }
→0 →−∞
limitada
Então, da definição de limite no −∞, ser −∞, existe a < 0, tal que f (a) < 0.
Assim, pelo Teorema de Bolzano, aplicado ao intervalo [a, 0], garantimos a existência
de c ∈]a, 0[, tal que f (c) = 0.
A justificação dada, permite escrever f (−∞)·f (0) = −∞ < 0 e concluir directamente,
sem passar pelo intervalo [a, 0].

2. Seja g(x) = x2 + 20 sin x. 2019 pertence ao contradomı́nio da função g?


A função dada é contı́nua em R e verifica limx→+∞ g(x) = +∞, pois x2 +20 sin x ≥ x2 −20 e
limx→+∞ (x2 −20) = +∞. Deste resultado, garantimos que existe b > 0 tal que g(b) > 2019.
Para podermos aplicar o Teorema de Bolzano e garantir que g assume o valor 2019, é
preciso encontrar um valor onde a função seja menor do que 2019. Ora, g(0) = 0, pelo que
a resposta à pergunta inicial é afirmativa.

3. Seja (
−2, se x ∈ [−3, 0[
f (x) =
1, se x ∈ [0, 2].

Temos f (−3) · f (2) < 0, no entanto f não se anula. O que é que falha?
Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

51
4. Seja g(x) = x, com x ∈ [−4, −1] ∪ [2, 4].

À semelhança do exemplo anterior, g(−4) · g(4) < 0 e g não se anula. O que é que falha?

Vamos terminar este capı́tulo com um resultado referente à continuidade da função inversa de
uma dada função. Recordamos que, dada uma função injectiva f : D ⊆ R → f (D) ⊆ R,
chamamos função inversa de f , e representamos por f −1 , à função f −1 : f (D) → D que
verifica
(f −1 ◦ f )(x) = x, ∀x ∈ D e (f ◦ f −1 )(y) = y, ∀y ∈ f (D).

Teorema 2.37 Seja f uma função contı́nua e injectiva definida num intervalo I de R. Então
f −1 é contı́nua no seu domı́nio.

É fundamental que f esteja definida num intervalo pois caso contrário a função inversa pode
apresentar descontinuidades.

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

52
Classificação das Descontinuidades

• 1.a espécie
- descontinuidade removı́vel
(existe em R o limite da função no ponto, mas é diferente do valor da função no ponto),

- descontinuidade por salto


(existem os limites laterais no ponto, em R, mas são diferentes entre si).

• 2.a espécie,
Pelo menos um dos limites laterais da função no ponto é infinito ou não existe (em R).

Quadros-resumo dos Limites estudados

sin x log(1 + x) ex − 1
lim =1 lim =1 lim =1
x→0 x x→0 x x→0 x

a>1 α>0 α>0

ax xα
lim = +∞ lim = +∞ lim xα log x = 0
x→+∞ xα x→+∞ log x x→0+

Se lim g(x) = 0, sin g(x) ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 0, log(1 + g(x)) ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 0, eg(x) − 1 ∼ g(x) (x → a)


x→a

Se lim g(x) = 1, log g(x) ∼ g(x) − 1 (x → a)


x→a

Indeterminações (são sete)

0 ∞
∞−∞ 0×∞ 00 ∞0 1∞
0 ∞

Limites e continuidade Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

53
54
3 Cálculo Diferencial em R
3.1 Noção de derivada, propriedades gerais

Definição 3.1 Seja f : D ⊆ R → R e seja c ∈ D ∩ D0 . Dizemos que f é diferenciável em c


se, e só se, existe e é finito o limite
f (c + h) − f (c)
lim .
h→0 h
Neste caso, o limite anterior, que se denota por f 0 (c), diz-se a derivada de f no ponto c.
Note-se que, fazendo a mudança de variável h = x − c no cálculo do limite anterior, se obtém
f (x) − f (c)
f 0 (c) = lim .
x→c x−c
Ao quociente
f (x) − f (c)
,
x−c
chama-se razão incremental, por ser a razão entre os incrementos ∆y = f (x) − f (c) e
∆x = x − c, este quociente representa o declive da recta secante ao gráfico de f que passa nos
pontos P (c, f (c)) e Q(x, f (x)). Assim, se f for diferenciável em c, define-se a recta tangente
ao gráfico de f no ponto P (c, f (c)) como a recta de declive f 0 (c) que passa no ponto P . Os
pontos de coordenadas (x, y) desta recta satisfazem, pois, a equação y − f (c) = f 0 (c)(x − c).

Exemplo. Sendo f (x) = x2 − 3x calcular f 0 (2).


Tem-se
f (x) − f (2) x2 − 3x − 4 + 6
f 0 (2) = lim = lim
x→2 x−2 x→2 x−2
2
x − 3x + 2 (x − 2)(x − 1)
= lim = lim = lim (x − 1) = 1.
x→2 x−2 x→2 x−2 x→2

Vejamos agora as noções de derivadas laterais.


Definição 3.2 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ Dc0 − . A derivada lateral esquerda (ou
derivada à esquerda) de f no ponto c é dada por
f (c + h) − f (c) f (x) − f (c)
f−0 (c) = lim = lim
h→0− h x→c− x−c
desde que este limite exista e seja finito. Neste caso f diz-se diferenciável à esquerda em c.
Analogamente, se c ∈ D ∩ Dc0 + , f diz-se diferenciável à direita em c se existir e for finito o
seguinte limite
f (c + h) − f (c) f (x) − f (c)
f+0 (c) = lim = lim ,
h→0 + h x→c + x−c
a que se dá o nome de derivada lateral direita (ou derivada à direita) de f no ponto c.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

55
Resulta imediatamente das definições anteriores e do Teorema 2.11 o seguinte
Teorema 3.3 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ Dc0 − ∩ Dc0 + . A função f é diferenciável em
c se, e só se, existirem e forem iguais as suas derivadas laterais no ponto c, tendo-se então
f 0 (c) = f−0 (c) = f+0 (c).
Assim, se f−0 (c) 6= f+0 (c), então f 0 (c) não existe.
A existência da derivada lateral esquerda (respectivamente, direita) de uma função num
ponto c permite definir a recta tangente à esquerda (respectivamente, à direita) ao gráfico de f
no ponto P (c, f (c)) como a recta de declive f−0 (c) (respectivamente, f+0 (c)) que passa em P .
Exemplo. A função f (x) = |x| não é diferenciável em x = 0 pois
f (x) − f (0) x f (x) − f (0) −x
f+0 (0) = lim = lim = 1 e f−0 (0) = lim = lim = −1.
x→0+ x−0 x→0 x
+ x→0 − x−0 x→0 − x

A recta tangente à direita ao gráfico de f no ponto x = 0 é a recta y = x, no mesmo ponto


a recta tangente à esquerda é a recta y = −x.
Vamos agora estender a noção de diferenciabilidade a intervalos de números reais.
Definição 3.4 Seja f : D ⊆ R → R. f é diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ ⊆ D
se, e só se, f é diferenciável em todos os pontos de ]a, b[. f é diferenciável no intervalo
fechado [a, b] ⊆ D se, e só se, f é diferenciável em todos os pontos de ]a, b[ e é diferenciável à
esquerda em b e à direita em a, identificando-se, neste caso, a derivada nos pontos a e b com
a derivada lateral correspondente. Analogamente para o caso dos intervalos semi-abertos. Em
geral, f diz-se diferenciável se for diferenciável em todos os pontos do seu domı́nio.
Pondo y = f (x) usamos por vezes a chamada notação de Leibniz para indicar a derivada de
f no ponto c, f 0 (c) = y 0 (c):
dy df
(c) ou (c).
dx dx
Se a função f for diferenciável num subconjunto D1 do seu domı́nio, a função derivada de f
é a função f 0 : D1 → R que a cada ponto x ∈ D1 faz corresponder f 0 (x).
É fácil mostrar, a partir da definição, que as funções constantes são diferenciáveis com
derivada identicamente nula. Resultam também as conhecidas regras de derivação:
1
x0 = 1; (ex )0 = ex ; (log x)0 = ; (sin x)0 = cos x; (cos x)0 = − sin x
x
que mostram que as funções identidade, exponencial, logarı́tmica, seno e cosseno são dife-
renciáveis. Provemos a terceira destas igualdades: sendo f (x) = log x, tem-se para x > 0,
 
h
log(x + h) − log x log 1 + x
h
1
0 x
f (x) = lim = lim = lim = ,
h→0 h h→0 h h→0 h x
h h
 
onde usámos a relação log 1 + ∼ (h → 0).
x x
Teorema 3.5 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ D0 . Então f é diferenciável em c se, e só se,
existem l ∈ R e ϕ : D ⊆ R → R tais que lim ϕ(x) = 0 e
x→c
f (x) = f (c) + l(x − c) + ϕ(x)(x − c), ∀x ∈ D.
Neste caso o número l é único e tem-se l = f 0 (c).

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

56
Conclui-se assim que se f é diferenciável em c, então

f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + ϕ(x)(x − c), onde lim ϕ(x) = 0.


x→c

Isto significa que uma função diferenciável no ponto c pode ser aproximada, numa vizinhança
desse ponto, pelo polinómio P1 (x) = f (c)+f 0 (c)(x−c), sendo o erro cometido nesta aproximação,
R1 (x) = ϕ(x)(x − c), um infinitésimo de ordem superior a x − c, quando x → c, isto é,
R1 (x)
lim = 0. Voltaremos a este assunto mais tarde.
x→c x − c
O resultado anterior permite-nos mostrar que a noção de diferenciabilidade é mais forte que
a noção de continuidade, no sentido expresso no corolário que se segue.

Corolário 3.6 Sejam f : D ⊆ R → R e c ∈ D ∩ D0 . Se f é diferenciável em c, então f é


contı́nua em c.

Repare-se que o recı́proco do corolário anterior é falso. Por exemplo, a função f (x) = |x| é
contı́nua em c = 0 mas não é aı́ diferenciável uma vez que, como já vimos, as suas derivadas
laterais nesse ponto têm valores distintos.
Existem também funções contı́nuas que nem sequer possuem derivadas laterais em determi-
nados pontos. Por exemplo, a função

x sin 1 ,
 
se x 6= 0

f (x) = x
0, se x = 0

 
1
x sin x
é contı́nua em c = 0 mas não existe f+0 (0) = lim (e analogamente para f−0 (0)).
x→0+ x
Vejamos agora algumas propriedades algébricas da derivação.

Teorema 3.7 Sejam f, g : D ⊆ R → R funções diferenciáveis no ponto c ∈ D ∩ D0 , então


i) f + g é diferenciável em c e (f + g)0 (c) = f 0 (c) + g 0 (c);
ii) αf é diferenciável em c e (αf )0 (c) = α f 0 (c), ∀α ∈ R;
iii) f · g é diferenciável em c e (f · g)0 (c) = f 0 (c) · g(c) + f (c) · g 0 (c);
 0
f f f 0 (c)g(c) − f (c)g 0 (c)
iv) se g(c) 6= 0, é diferenciável em c e (c) = .
g g g 2 (c)
Os resultados de i) e de ii) mostram que a operação de derivação é linear. As propriedades
anteriores generalizam-se, por indução, à soma, ao produto e ao quociente de um número finito
de funções. A partir delas podemos mostrar, por exemplo, que (xn )0 = nxn−1 se n ∈ Z (com
1
x 6= 0 se n < 0), que (tan x)0 = sec2 x e que (sec x)0 = sec x tan x, onde sec x = . Na figura
π
cos x
encontra-se representado o gráfico da função x 7→ sec x cujo domı́nio é R \ { 2 + kπ : k ∈ Z}.

.
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57
O teorema que se segue diz-nos como determinar, nas condições indicadas, as derivadas
laterais para certos tipos de funções, ditas funções definidas por ramos, nos pontos em que a
função muda de expressão.

Teorema 3.8 Sejam g, h funções definidas numa vizinhança de c e diferenciáveis em c, e seja


f a função dada por (
g(x), se x ≤ c
f (x) =
h(x), se x > c.
Se f for contı́nua em c, tem-se f−0 (c) = g 0 (c) e f+0 (c) = h0 (c).

Nas condições enunciadas, se as derivadas g 0 (c) e h0 (c) puderem ser calculadas usando as
regras de derivação, o cálculo das derivadas laterais de f pode ser feito sem ser necessário
recorrer à definição. Note-se que f não é necessariamente diferenciável em c, isso só acontece
quando g 0 (c) = h0 (c). Convém também frisar que este resultado só é válido no caso de f ser
contı́nua em c, como mostra o exemplo que se segue.
(
−1, se x < 0
Exemplo. Seja f a função definida em R por f (x) =
x, se x ≥ 0.
f tem uma descontinuidade por salto em x = 0. Pondo g(x) = x e h(x) = −1 tem-se
g 0 (x) = 1, h0 (x) = 0, ∀x ∈ R, no entanto
f (x) − f (0) −1
f−0 (0) = lim = lim 6 h0 (0).
= +∞ =
x→0− x x→0 − x

Exemplo. Calcular a e b de modo a que a função f : R → R definida por


(
x2 , se x < 2
f (x) =
ax + b, se x ≥ 2
seja diferenciável no ponto x = 2.
Começamos por mostrar que f é contı́nua em x = 2 se, e só se,
f (2) = lim f (x) = lim f (x) ⇔ 2a + b = 4.
x→2+ x→2−

Se a condição anterior não se verificar, f não será diferenciável em x = 2. Assumindo então


que 2a + b = 4, pelo Teorema 3.8 com g(x) = x2 e h(x) = ax + b, tem-se f−0 (2) = g 0 (2) = 4 e
f+0 (2) = h0 (2) = a pelo que f é diferenciável em x = 2 se, e só se,
( (
2a + b = 4 a=4

a=4 b = −4.

Voltemos a considerar a razão incremental


f (x + h) − f (x)
. (11)
h
Uma vez que esta representa o quociente entre a variação de f , f (x + h) − f (x), e a variação
de x, (x + h) − x, para h 6= 0, ela dá-nos o que se chama a taxa de variação média de f em
relação a x. Se existir, o limite desta razão incremental, quando h → 0, é a derivada f 0 (x) que
corresponde à chamada taxa de variação instantânea de f relativamente a x. Se a função f
representar a posição de um objecto que se move, num único sentido, ao longo de uma recta e
a variável x representar o tempo, o quociente (11) dá-nos a distância que o objecto percorreu a
dividir pelo tempo que levou a percorrê-la, ou seja, o que chamamos a velocidade média do
objecto. A derivada f 0 (x) é a taxa de variação instantânea da posição em relação ao tempo a
que se dá o nome de velocidade (instantânea) do objecto.
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58
Foi visto atrás que se f : D ⊆ R → R é diferenciável podemos definir a sua função derivada
através da correspondência x 7→ f 0 (x). Se esta nova função for diferenciável, define-se a segunda
derivada de f por f 00 (x) = (f 0 )0 (x). Desde que as derivadas sucessivas existam, este processo
pode ser iterado de modo a definir a terceira derivada, a quarta, e assim sucessivamente, sendo
a derivada de ordem n (n ∈ N) de f dada por
dn f
(x) = f (n) (x) = (f (n−1) )0 (x).
dxn
Exemplo. Sendo f (x) = x2 + 5x − 2 + cos x, com x ∈ R, calcular f (4) (x).
Derivando sucessivamente temos f 0 (x) = 2x + 5 − sin x, f 00 (x) = 2 − cos x, f 000 (x) = sin x e
f (4) (x) = cos x, para x ∈ R.
Por convenção, f (0) (x) = f (x). Assim, dado n ∈ N, f diz-se n vezes diferenciável no ponto
c se existir e for finita a derivada f (n) (c). Dizemos que f é de classe C n (n ∈ N) no ponto c se f
for n vezes diferenciável em c e se f (n) for contı́nua em c. Uma função diz-se de classe C 0 se for
uma função contı́nua. f diz-se de classe C ∞ , ou infinitamente diferenciável, num ponto se
tiver derivadas finitas de qualquer ordem nesse ponto. Estas noções estendem-se, naturalmente,
a conjuntos contidos no domı́nio de f . São exemplos de funções de classe C ∞ , em R, as funções
polinomiais e as funções definidas por ex , sin x e cos x, em R+ , a função x 7→ log x e, em R \ {0},
a função definida por x1 .
Repare-se que se f é de classe C n+1 em c, então f é n + 1 vezes diferenciável em c, pelo que
f é de classe C n no ponto c. Em particular, toda a função de classe C 1 é diferenciável mas o
recı́proco é falso. Por exemplo, a função

x2 sin 1 ,
 
se x 6= 0

f (x) = x
0, se x = 0

tem derivada dada por



2x sin 1 − cos 1 ,
   
se x 6= 0

f 0 (x) = x x
0, se x = 0

mas f 0 é descontı́nua em c = 0.
Se f e g são n vezes diferenciáveis em c, prova-se, por indução, que as funções f + g, f · g e
f
(se g(c) 6= 0) também são n vezes diferenciáveis em c.
g

3.2 Derivação da função composta e da função inversa

O próximo resultado diz respeito à diferenciabilidade da composta de funções diferenciáveis.


Teorema 3.9 (Derivação da Função Composta) Sejam
g : D1 ⊆ R → R e f : D2 ⊆ R → R
funções tais que g(D1 ) ⊆ D2 e seja c ∈ D1 ∩ D10 tal que g(c) ∈ D20 . Se g é diferenciável no ponto
c e f é diferenciável no ponto g(c), então f ◦ g é diferenciável no ponto c e tem-se
(f ◦ g)0 (c) = f 0 (g(c))g 0 (c).
Pondo y = f (t) e t = g(x) a fórmula anterior, escrita na notação de Leibniz, toma a forma
dy dy dt
= .
dx dt dx
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59
Deste teorema resulta, por exemplo, que (xα )0 = αxα−1 , ∀x > 0 e ∀α ∈ R, e, se u é uma
u0 (x)
função diferenciável tal que u(x) 6= 0, (log |u(x)|)0 = .
u(x)
Nas condições do teorema anterior, se f, g, h são funções tais que h é diferenciável em c, g é
diferenciável em h(c) e f é diferenciável em g(h(c)), então f ◦ g ◦ h é diferenciável em c e tem-se
(f ◦ g ◦ h)0 (c) = f 0 (g(h(c)))g 0 (h(c))h0 (c).
Este resultado generaliza-se à composição de n funções diferenciáveis e pode ser demonstrado
por indução. 
x3 cos 1 , se x 6= 0
 

Exemplo. Seja f (x) = x2
0, se x = 0.

Calcule f (x), se x 6= 0 e, se existir, f 0 (0).


0

Para x 6= 0 temos, usando a regra de derivação de um produto e a derivação da função


composta,
1 1
    
f 0 (x) = 3x2 cos 2
+ x 3
− sin (x−2 )0
x x2
1 1 1 1
       
−3
= 3x2 cos 2
− x 3
sin 2
(−2)x = 3x 2
cos 2
+ 2 sin .
x x x x2
Recorrendo à definição vem
 
1
f (x) − f (0) x3 cos x2

1

0 2
f (0) = lim = lim = lim x cos = 0,
x→0 x x→0 x x→0 x2
 
uma vez que lim x2 = 0 e que cos 1
x2
é uma função limitada.
x→0
É de salientar que é falso que = lim f 0 (x). Neste caso f 0 (0) = 0 e não existe lim f 0 (x)
f 0 (0)
x→0 x→0
1
 
por não existir lim sin .
x→0 x2
Relativamente à função inversa é válido o seguinte
Teorema 3.10 (Derivação da Função Inversa) Seja f : D ⊆ R → R uma função injectiva
e seja c ∈ D ∩ D0 . Se f é diferenciável em c, com f 0 (c) 6= 0, e se f −1 é contı́nua em f (c), então
f −1 é diferenciável no ponto f (c) e tem-se
1
(f −1 )0 (f (c)) = 0 .
f (c)
Nota. Observe-se que, se no teorema anterior, o domı́nio de f for um intervalo I de R, a
continuidade de f −1 é assegurada pelo Teorema 2.37 do Capı́tulo 2.
Pondo y = f (x), x = f −1 (y) a fórmula anterior, escrita na notação de Leibniz, toma a forma
dx 1
= .
dy dy
dx
0
Note-se ainda que a hipótese f (c) 6= 0 é fundamental, caso contrário o resultado pode ser falso.
Por exemplo, considerando a bijecção f : R → R definida por f (x) = x3 tem-se √ f 0 (0) = 0 e a
√ 3
x
função inversa f −1 (x) = 3 x não é diferenciável em x = 0 uma vez que lim = +∞.
x→0 x
Exemplo. Considerando a bijecção f : R+ + 2
0 → R0 dada por f (x) = x , a função inversa de f
+ + √
é f −1 : R0 → R0 definida por f −1 (y) = y. Como em R+ se tem f 0 (x) = 2x 6= 0, concluimos
que f −1 é diferenciável em R+ e, dado y > 0 tal que y = f (x), tem-se
1 1 1
(f −1 )0 (y) = 0 = = √ .
f (x) 2x 2 y
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60
3.3 Funções circulares inversas

É bem conhecido que a função f (x) = sin x não é injectiva e, portanto, não é invertı́vel.

No entanto, se restringirmos o domı́nio desta função ao intervalo − π2 , π2 a função resultante


 

já é injectiva. Assim, dado y ∈ [ −1, 1 ], existe um e um só x ∈ − π2 , π2 tal que sin x = y. A
este x damos o nome de arco cujo seno é y e escrevemos x = arcsin y. Podemos assim definir
a função inversa de
π π
 
f: − , → [ −1, 1 ]
2 2
x 7→ sin x,

gráfico de f
por
π π
 
−1
f : [ −1, 1 ] → − ,
2 2
y 7→ arcsin y.

gráfico de f −1
Sendo funções inversas uma da outra, os seus gráficos são a reflexão um do outro na recta
y = x, e tem-se
sin(arcsin y) = y, ∀y ∈ [ −1, 1 ]
e
π π
 
arcsin(sin x) = x, ∀x ∈ − , .
2 2
√ !! √
2 2
Exemplos. Tem-se sin arcsin − =− ; sin(arcsin 7) não faz sentido uma vez que
2 2
π π
 
7∈
/ [−1, 1]; arcsin sin = .
3 3
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61
13π π π
 
Como ∈
/ − , obtemos
6 2 2
13π π π π
      
arcsin sin = arcsin sin + 2π = arcsin sin = ,
6 6 6 6
dado que x 7→ sin x é periódica de periodo 2π.
Uma vez que a derivada da função seno, y = cos x, não se anula no intervalo aberto − π2 , π2 ,
 

resulta do teorema da derivação da função inversa que a função arcsin é diferenciável no intervalo
aberto ] − 1, 1 [, tendo-se
d 1
(arcsin y) = p , ∀y ∈ ] − 1, 1 [.
dy 1 − y2
De modo análogo, se restringirmos o domı́nio da função y = cos x ao intervalo [ 0, π ],
g : [ 0, π ] → [ −1, 1 ]
x 7→ cos x,

gráfico de g
obtemos uma bijecção sobre [ −1, 1 ]. Assim, dado y ∈ [ −1, 1 ], existe um e um só x ∈ [ 0, π ] tal
que cos x = y. A este x damos o nome de arco cujo cosseno é y e escrevemos x = arccos y.
Podemos assim definir a função inversa da função g por
g −1 : [ −1, 1 ] → [ 0, π ]
y 7→ arccos y.

gráfico de g −1
Tem-se assim,
cos(arccos y) = y, ∀y ∈ [ −1, 1 ]
e
arccos(cos x) = x, ∀x ∈ [ 0, π ] .
Uma vez que a derivada da função cosseno, y = − sin x, não se anula no intervalo aberto
] 0, π [, resulta do teorema da derivação da função inversa que a função arccos é diferenciável no
intervalo aberto ] − 1, 1 [, tendo-se
d 1
(arccos y) = − p , ∀y ∈ ] − 1, 1 [.
dy 1 − y2
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62
Embora não seja injectiva no seu domı́nio, a restrição da função tangente ao intervalo
− π2 , π2 é uma bijecção sobre R. Assim, para cada número real y existe um e um só x ∈ − π2 , π2
   

tal que tan x = y. A este x damos o nome de arco cuja tangente é y e escrevemos x = arctan y.
A inversa da função
π π
 
h: − , → R
2 2
x 7→ tan x,

gráfico de h
é a função dada por
π π
 
−1
h :R → − ,
2 2
y 7→ arctan y

gráfico de h−1
tendo-se
tan(arctan y) = y, ∀y ∈ R
e
π π
 
arctan(tan x) = x, ∀x ∈ − , .
2 2
Uma vez que a derivada da função tangente, y = sec2 x, não se anula em R, resulta do
teorema da derivação da função inversa que a função arctan é diferenciável em R, tendo-se
d 1
(arctan y) = , ∀y ∈ R.
dy 1 + y2

Exemplos. Calcular as derivadas das funções f (x) = arctan(2x2 − 5) e h(x) = arcsin(ex ) de


domı́nios R e R−0 , respectivamente.
Pondo g(x) = 2x2 − 5 e k(x) = ex , notamos que f (x) = arctan(g(x)) e h(x) = arcsin(k(x)).
Assim, pelas fórmulas anteriores e pela regra de derivação da função composta, vem
1 4x
f 0 (x) = 2
· g 0 (x) = , ∀x ∈ R
1 + g (x) 1 + (2x2 − 5)2
e
1 ex
h0 (x) = p · k 0
(x) = √ , ∀x ∈ R− .
1 − k 2 (x) 1−e 2x

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63
(
x3 + arctan (x − 1) , se x ≥ 1
Exemplo. Considere a função definida em R por f (x) =
log(2 − x) + x, se x < 1.

a) Verifique que f é diferenciável em R \ {1} e calcule f 0 (0) e f 0 (2).

b) Estude a diferenciabilidade de f no ponto x = 1.

a) Pondo g(x)= x3 + arctan (x − 1), h(x) = log(2 − x) + x e usando as regras de derivação,


1
g 0 (x) = 3x2 + , se x > 1


obtemos f 0 (x) = 1 + (x − 1)2
−1
h0 (x) = + 1, se x < 1.


2−x
Portanto, f 0 (0) = h0 (0) = − 12 + 1 = 12 e f 0 (2) = g 0 (2) = 12 + 12 = 25
2 .
b) Note-se que f é contı́nua em x = 1 uma vez que
 
lim f (x) = lim x3 + arctan (x − 1) = 1 = f (1)
x→1+ x→1+

e
lim f (x) = lim (log(2 − x) + x) = 1
x→1− x→1−

pelo que lim f (x) = f (1). Assim, o cálculo das derivadas laterais de f no ponto x = 1 pode ser
x→1
feito recorrendo ao Teorema 3.8. Tem-se então

f+0 (1) = g 0 (1) = 3 + 1 = 4 e f−0 (1) = h0 (1) = −1 + 1 = 0.

Como f+0 (1) 6= f−0 (1) conclui-se que f não é diferenciável em x = 1.

3.4 Teoremas de Rolle e do valor médio de Lagrange

Nesta secção vamos estudar dois teoremas importantes envolvendo funções diferenciáveis. Co-
meçamos por recordar as noções de extremo local, de extremo absoluto e de função monótona.

Definição 3.11 Seja f : D ⊆ R → R.

i) f diz-se crescente (respectivamente, estritamente crescente) em D se, e só se, para


quaisquer x, y ∈ D tais que x ≤ y se tiver f (x) ≤ f (y) (respectivamente, para quaisquer
x, y ∈ D tais que x < y se tiver f (x) < f (y)).

ii) f diz-se decrescente (respectivamente, estritamente decrescente) em D se, e só se,


para quaisquer x, y ∈ D tais que x ≤ y se tiver f (x) ≥ f (y) (respectivamente, para
quaisquer x, y ∈ D tais que x < y se tiver f (x) > f (y)).

Em qualquer dos casos anteriores f diz-se monótona em D.

Definição 3.12 Uma função f : D ⊆ R → R tem um máximo local (ou relativo) num ponto
c ∈ D se, e só se, existe δ > 0 tal que f (c) ≥ f (x), ∀x ∈ Vδ (c) ∩ D. f tem um mı́nimo local
(ou relativo) num ponto c ∈ D se, e só se, existe δ > 0 tal que f (c) ≤ f (x), ∀x ∈ Vδ (c) ∩ D.
A estes valores f (c) damos o nome de extremos locais (ou relativos) de f e dizemos que
c é um ponto de extremo local de f (maximizante, no caso em que f (c) é máximo, e
minimizante, no caso em que f (c) é mı́nimo).

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

64
Para a função cujo gráfico está representado na figura anterior, f (a), f (c) e f (e) são mı́nimos
locais de f , f (b) e f (d) são máximos locais.
Definição 3.13 Seja f : D ⊆ R → R. Diz-se que f atinge um máximo (absoluto) em D se
existe x0 ∈ D tal que f (x) ≤ f (x0 ), ∀x ∈ D. Diz-se que f atinge um mı́nimo (absoluto) em
D se existe x0 ∈ D tal que f (x) ≥ f (x0 ), ∀x ∈ D.
Note-se que, se f atinge um máximo e um mı́nimo em D então f é limitada, mas f pode ser
limitada e não ter máximo ou mı́nimo em D. Vamos ver um teorema que estabelece condições
suficientes para que possamos garantir a existência de máximo e de mı́nimo de uma função.
Começamos por enunciar resultados auxiliares que permitem provar esse teorema.
Proposição 3.14 (Caracterização de compactos por sucessões) Um conjunto K ⊂ R é
compacto se, e só se, toda a sucessão em K admite uma subsucessão convergente em K.
Proposição 3.15 Uma função contı́nua transforma conjuntos compactos em conjuntos com-
pactos.
Em particular, se I é um intervalo compacto (fechado e limitado) de R e f : I → R é uma
função contı́nua, então f (I) é um intervalo compacto.
Teorema 3.16 (Teorema de Weierstrass) Se f é contı́nua num intervalo compacto [ a, b ],
então f atinge um máximo e um mı́nimo em [ a, b ].

Exemplo. A função f (x) = x + 2 é contı́nua em R. f não tem extremos absolutos no intervalo


]0, 5[ mas em [0, 5] o máximo de f é 7 e o mı́nimo é 2.
Definição 3.17 Chamamos pontos crı́ticos de f : D ⊆ R → R aos pontos c ∈ int D para os
quais f 0 (c) = 0.
Teorema 3.18 (Teorema de Fermat, 1637) Se f : D ⊆ R → R tem um extremo local num
ponto c ∈ int D e f é diferenciável em c, então c é um ponto crı́tico de f .
Observe-se que no teorema anterior é importante que c seja um ponto interior a D. Se c
for ponto fronteiro (e de acumulação) de D, e se existir uma das derivadas laterais de f em c,
c pode ser ponto de extremo local sem que essa derivada lateral se anule. Voltaremos a este
assunto mais tarde. Observe-se ainda que o recı́proco deste teorema é falso. Por exemplo, para
f (x) = x3 tem-se f 0 (0) = 0, no entanto f não tem um extremo local em x = 0 pois é estritamente
crescente em R.

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65
Teorema 3.19 (Teorema de Rolle, 1691) Sejam a, b ∈ R tais que a < b e f uma função
diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ e contı́nua no intervalo fechado [a, b]. Se f (a) = f (b),
então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f 0 (c) = 0.

Este resultado diz-nos que, nas condições enunciadas, existe pelo menos um ponto no inter-
valo aberto ]a, b[ onde a recta tangente ao gráfico de f é horizontal.

Nestas condições, se f representar a posição de um ponto em movimento no eixo real, e


se este ocupou a mesma posição nos instantes a e b, então houve um instante em que a sua
velocidade foi nula.

Corolário 3.20 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função contı́nua. Se f é dife-


renciável em int I e f 0 não se anula, então f não pode ter mais do que um zero em I. Mais
geralmente, se f é k vezes diferenciável em int I e f (k) não se anula, então f não pode ter mais
do que k zeros em I.

Resulta ainda do Teorema de Rolle que se f : I → R é diferenciável, entre dois zeros


consecutivos de f 0 não pode haver mais de um zero de f e não pode haver mais do que um zero
de f maior (respectivamente, menor) que todos os zeros de f 0 .
5
Exemplos. 1) Mostremos que o polinómio x5 + x − 3 tem um zero no intervalo [0, 1] e que
2
não tem mais zeros para além deste.
5 5
Seja p(x) = x5 + x − 3, x ∈ R. Uma vez que p é diferenciável em R e p0 (x) = 5x4 + > 0,
2 2
∀x ∈ R, conclui-se, pelo Teorema de Rolle, que a equação p(x) = 0 tem no máximo uma solução
real. Por outro lado, p(0) = −3 < 0, p(1) = 12 > 0. Como p(0) · p(1) < 0, e uma vez que p é
contı́nua em [0, 1], o Teorema de Bolzano garante a existência de pelo menos um zero de p no
intervalo ]0, 1[. Resulta então que a equação p(x) = 0 tem uma, e uma só, solução real, solução
essa que pertence ao intervalo ]0, 1[.
2) Mostremos que a equação ex − a − bx3 = 0 não pode ter mais de quatro raı́zes reais,
quaisquer que sejam a, b ∈ R.
Seja f (x) = ex − a − bx3 , x ∈ R. f tem derivadas contı́nuas de qualquer ordem por ser a
soma da função x 7→ ex com uma função polinomial. Por outro lado, como o grau do polinómio
−a − bx3 é menor ou igual a 3 a sua derivada de quarta ordem é nula. Assim, f (4) (x) = ex > 0,
∀x ∈ R, pelo que a equação f (4) (x) = 0 não tem soluções em R. Pelo Corolário 3.20 conclui-se
que f tem, no máximo, quatro zeros reais, independentemente dos valores de a, b ∈ R.

Teorema 3.21 (Teorema do Valor Médio de Lagrange, 1797) Sejam a, b ∈ R tais que
a < b e f uma função diferenciável no intervalo aberto ]a, b[ e contı́nua no intervalo fechado
f (b) − f (a)
[a, b]. Então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que f 0 (c) = .
b−a

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

66
Geometricamente, este teorema diz-nos que, nas condições enunciadas, existe pelo menos um
ponto no intervalo aberto ]a, b[ onde a recta tangente ao gráfico de f é paralela à recta que passa
nos pontos A = (a, f (a)) e B = (b, f (b)).

Nestas condições, se f representar a posição de um ponto em movimento no eixo real, o


Teorema de Lagrange diz-nos que há um instante c onde a velocidade instantânea do ponto é
igual à sua velocidade média entre os instantes a e b.
O Teorema de Lagrange é muito utilizado na demonstração de desigualdades. Pode, por
exemplo, ser usado para mostrar que sin x ≤ x, ∀x ≥ 0. Com efeito, a função f (t) = sin t é
diferenciável em R, logo é contı́nua, pelo que satisfaz as hipóteses do Teorema de Lagrange em
qualquer intervalo compacto de R. Se x = 0 a desigualdade anterior é trivialmente verificada.
Para x 6= 0 aplicamos o teorema à função f no intervalo [0, x]. Concluimos que existe c ∈ ]0, x[
tal que
sin x − sin 0 sin x
= = cos c ≤ 1,
x x
donde, como x > 0, resulta que sin x ≤ x.
Exemplo. Usar o Teorema de Lagrange para provar as seguintes desigualdades:
π
 
a) tan x ≥ x, ∀x ∈ 0, ;
2
b−a b−a
b) 2
< arctan b − arctan a < , para quaiquer 0 < a < b;
1+b 1 + a2
c) 0 < x − log(1 + x) < x2 , se x > 0.

a) Começamos por notar que a desigualdade é claramente verificada se x = 0. Suponhamos


então que 0 < x < π2 e consideremos a função f (t) = tan t. f é contı́nua em [0, x] ⊂ [0, π2 [ e
diferenciável em ]0, x[ ⊂ ]0, π2 [ logo, pelo Teorema de Lagrange, existe c ∈ ]0, x[ tal que

f (x) − f (0) 1 tan x


f 0 (c) = ⇔ 2
= . (12)
x−0 cos c x
π 1
Como 0 < c < x < 2 tem-se cos2 c < 1 donde > 1 e portanto, dado que x > 0, resulta de
cos2 c
(12) que tan x > x.
b) Desta vez aplicamos o Teorema de Lagrange à função f (t) = arctan t, que é diferenciável
em R, no intervalo [a, b] onde 0 < a < b. Garantimos assim a existência de um ponto c ∈ ]a, b[
tal que
f (b) − f (a) arctan b − arctan a 1
= f 0 (c) ⇔ = . (13)
b−a b−a 1 + c2
Uma vez que a função x 7→ x2 é estritamente crescente em R+ e 0 < a < c < b tem-se
a2 < c2 < b2 donde
1 1 1
2
< 2
< . (14)
1+b 1+c 1 + a2
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

67
De (13) e de (14) vem então
1 arctan b − arctan a 1 b−a b−a
< < ⇔ < arctan b − arctan a < ,
1 + b2 b−a 1 + a2 1 + b2 1 + a2
pois b − a > 0.
c) Seja f (t) = t − log(1 + t) definida em ] − 1, +∞[. Uma vez que f é diferenciável no seu
1
domı́nio, tendo-se f 0 (t) = 1 − , ∀t > −1, f está nas condições do Teorema de Lagrange em
1+t
qualquer intervalo compacto contido em ] − 1, +∞[. Podemos assim aplicar o referido teorema
a f no intervalo [0, x], com x > 0. Concluimos que existe c ∈ ]0, x[ tal que
f (x) − f (0) 1 x − log(1 + x) c x − log(1 + x)
f 0 (c) = ⇔1− = ⇔ = . (15)
x−0 1+c x 1+c x
Ora 0 < c < x pelo que
c
0< < c < x. (16)
1+c
Por (32) e (16) obtemos
x − log(1 + x)
0< < x ⇒ 0 < x − log(1 + x) < x2 ,
x
dado que x > 0.

3.5 Regra de Cauchy

Nesta secção estudaremos um resultado muito útil que nos permite levantar indeterminações do
tipo 00 ou ∞
∞ . Começamos com uma generalização do Teorema do Valor Médio de Lagrange.

Teorema 3.22 (Teorema do Valor Médio de Cauchy, 1821) Sejam a, b ∈ R tais que
a < b e sejam f e g funções contı́nuas em [a, b], diferenciáveis em ]a, b[ e tais que
g 0 (x) 6= 0, ∀x ∈ ]a, b[. Então existe (pelo menos) um ponto c ∈ ]a, b[ tal que
f 0 (c) f (b) − f (a)
= .
g 0 (c) g(b) − g(a)

O Teorema de Lagrange é um caso particular do teorema anterior quando g(x) = x. Chama-


-se também a atenção para o facto de, nas condições enunciadas, se ter g(b) 6= g(a) e, portanto,
o quociente anterior fazer sentido. Com efeito, se g(b) = g(a), pelo Teorema de Rolle existiria
d ∈ ]a, b[ tal que g 0 (d) = 0, o que seria contrário à hipótese g 0 (x) 6= 0, ∀x ∈ ]a, b[.

Proposição 3.23 (Regra de L’Hôpital) Sejam f, g : D ⊆ R → R funções diferenciáveis


num ponto c ∈ D ∩ D0 e suponhamos que existe δ > 0 tal que g(x) 6= 0, ∀x ∈ (Vδ (c) \ {c}) ∩ D.
f (x)
Se f (c) = g(c) = 0 e g 0 (c) 6= 0, então existe lim tendo-se
x→c g(x)

f (x) f 0 (c)
lim = 0 .
x→c g(x) g (c)

f (c + h) − f (c)
O resultado anterior estende-se aos casos em que f 0 (c) = lim = ±∞ e
h→0 h
g(c + h) − g(c)
g 0 (c) ∈ R, ou f 0 (c) ∈ R e g 0 (c) = lim = ±∞. Se g 0 (c) = 0 e f 0 (c) 6= 0 podemos
h→0 h
f (x)
concluir que lim
= +∞.
x→c g(x)

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

68
cos π4 + x

Exemplo. Calcular o limite limπ .
x→ 4 cos(2x)
= cos π4 + x e g(x) = cos(2x). Note-se que f e g são diferenciáveis em R, que

Pomos f (x)
f 4 = g 4 = cos π2 = 0 e que existe uma vizinhança de π4 onde g não se
π π
 
anula, excepto no
π 0 0 π π

próprio ponto 4 . Mais ainda, g (x) = −2 sin(2x), donde g 4 = −2 sin 2 = −2 6= 0. Assim,
pela proposição anterior temos

cos π4 + x f0 π
− sin π2
  
f (x) 4 1
limπ = limπ = 0 π = = .
x→ 4 cos(2x) x→ 4 g(x) g 4 −2 2

Teorema 3.24 (1a Regra de Cauchy) Sejam I um intervalo de R, c ∈ I 0 e f, g : I \ {c} → R


funções diferenciáveis tais que g 0 não se anula em I \ {c} e

lim f (x) = 0 e lim g(x) = 0.


x→c x→c

f 0 (x) f (x)
Se existe, em R, o limite lim , então também existe lim e tem-se
x→c g 0 (x) x→c g(x)

f (x) f 0 (x)
lim = lim 0 .
x→c g(x) x→c g (x)

Analogamente nos casos em que x → c− , x → c+ , x → +∞ ou x → −∞.

π
 
Exemplos. 1) Calcular o limite limπ sec(2x) cos +x .
x→ 4 4
Atendendo à definição da função x 7→ sec x temos

cos π4 + x

π
 
limπ sec(2x) cos + x = limπ .
x→ 4 4 x→ 4 cos(2x)

Uma vez que estamos na presença de uma indeterminação do tipo 00 aplicamos a regra de Cauchy:
derivando o numerador e o denominador do quociente acima, obtemos

− sin π4 + x

1
limπ = .
x→ 4 −2 sin(2x) 2

Da existência deste último limite concluimos que

cos π4 + x − sin π4 + x
 
1
limπ = limπ = .
x→ 4 cos(2x) x→ 4 −2 sin(2x) 2


3 + x3 log x
2) Calcular o limite lim .
x→1 sin(πx)
Podemos novamente aplicar a regra de Cauchy dado que temos uma indeterminação do tipo 00 .

Uma vez que 3 + x3 ∼ 2, (x → 1), obtemos
√ 2
3 + x3 log x 2 log x x 2
lim = lim = lim =− .
x→1 sin(πx) x→1 sin(πx) x→1 π cos(πx) π

Mais uma vez a existência do último limite garante a existência do primeiro e a igualdade entre
ambos.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

69
√ (
cos x , se x ≥ 0
3) Considere a função definida em R por f (x) = −2x
a + be , se x < 0.
Determine os valores de a e de b de modo a que f seja diferenciável no ponto x = 0.
Começamos por estudar a continuidade de f no ponto x = 0. Tem-se
√ 
lim f (x) = lim cos x = 1 = f (0)
x→0+ x→0+
e  
lim f (x) = lim a + be−2x = a + b.
x→0− x→0−
Assim, f é contı́nua em x = 0 se, e só se, a + b = 1. Portanto, se a + b 6= 1 f não é contı́nua em
x = 0, pelo que também não é diferenciável nesse ponto.
Supondo que se tem a + b = 1, e recorrendo ao Teorema 3.8, temos f−0 (0) = h0 (0), onde
h(x) = a + be−2x . Dado que h0 (x) = −2be−2x vem f−0 (0) = h0 (0) = −2b.
√ 1 √ 
Por outro lado, pondo g(x) = cos ( x) tem-se g 0 (x) = − √ sin x , ∀x > 0. Uma vez que
2 x
a expressão anterior não está definida em x = 0, para calcularmos f+0 (0) recorremos à definição:

0 f (x) − f (0) cos( x) − 1
f+ (0) = lim = lim
x→0+ x x→0+ x
√ 1 √ 1 1
= lim − sin( x) √ = lim − x √ = − ,
x→0 + 2 x x→0 + 2 x 2
√ √
onde fizémos uso da regra de Cauchy e do facto de sin( x) ∼ x (x → 0+ ). Portanto f é
diferenciável em x = 0 se, e só se,
1 3
 
 a+b=1  a=1− =
( 
a+b=1 4 4
⇔ 1 ⇔ 1
f−0 (0) = f+0 (0)  −2b = −  b= .

2 4

Teorema 3.25 (2a Regra de Cauchy) Sejam I um intervalo de R, c ∈ I 0 , e f, g : I \{c} → R


funções diferenciáveis tais que g 0 não se anula em I \ {c} e lim g(x) = ±∞. Se existe, em R, o
x→c
f 0 (x) f (x)
limite lim 0 , então também existe lim e tem-se
x→c g (x) x→c g(x)

f (x) f 0 (x)
lim = lim 0 .
x→c g(x) x→c g (x)

Analogamente nos casos em que x → c− , x → c+ , x → +∞ ou x → −∞.


Nas aplicações mais usuais deste resultado tem-se também lim f (x) = ±∞ e a regra usa-se
x→c

para estudar indeterminações do tipo ∞ .
Como foi visto no Capı́tulo 2, há sete tipos de indeterminações: 00 , ∞ ∞ , 0 · ∞, ∞ − ∞, e
ainda 1∞ , 00 e ∞0 . Para levantarmos indeterminações destes últimos três tipos começamos por
usar as propriedades das funções exponencial e logarı́tmica para fixarmos a base e obtermos no
expoente indeterminações da forma 0 · ∞. Se necessário, estas podem ser manipuladas para as
transformar em indeterminações da forma 00 ou ∞ ∞ e assim podermos usar a regra de Cauchy.

Exemplos. 1) Calcular o limite lim log x log(log x).


x→1+
Trata-se de uma indeterminação do tipo 0·∞, para aplicarmos a regra de Cauchy começamos
por escrever o produto anterior na forma de quociente:
log(log x)
lim log x log(log x) = lim 1 .
x→1+ x→1+
log x

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

70

Temos agora uma indeterminação do tipo ∞ pelo que, derivando o numerador e o denomi-
nador do quociente anterior, vem
1
log(log x) x log x
lim = lim = lim (− log x) = 0.
x→1+ 1 x→1+ −1 1 x→1+
2 ·
log x log x x

2) Calcular o limite lim (sin x)sin(2x) .


x→π −
Neste caso estamos na presença de uma indeterminação do tipo 00 ; pelas propriedades das
funções exponencial e logarı́tmica podemos escrever

(sin x)sin(2x) = esin(2x) log(sin x) .

Assim, pela continuidade da função exponencial, para calcularmos o limite inicial basta
calcular lim sin(2x) log(sin x), que é uma indeterminação do tipo 0·∞. Tem-se então, aplicando
x→π −
a regra de Cauchy e usando as relações cos x ∼ −1, (x → π) e cos(2x) ∼ 1, (x → π),

log(sin x)
lim sin(2x) log(sin x) = lim
x→π − x→π − 1
sin(2x)
cos x
sin x cos x sin2 (2x)
= lim = lim
x→π − −2 cos(2x) x→π − −2 sin x cos(2x)
2
sin (2x)
(2 sin x cos x)2
= lim = lim 2 sin x cos2 x = 0.
x→π − 2 sin x x→π −

Portanto,
lim (sin x)sin(2x) = e0 = 1.
x→π −

Nos dois exemplos anteriores, a existência dos últimos limites calculados, obtidos por apli-
cação da regra de Cauchy, garantem a existência dos limites iniciais e as igualdades indicadas.

3.6 Funções monótonas, extremos locais e absolutos

Nesta secção vamos relacionar a monotonia de uma função diferenciável f com o comporta-
mento da sua primeira derivada. Começamos por notar que se f é crescente (respectivamente,
decrescente) e diferenciável no conjunto aberto D, então f 0 (x) ≥ 0 (respectivamente, f 0 (x) ≤ 0),
∀x ∈ D, uma vez que
f (y) − f (x)
≥0
y−x
f (y) − f (x)
(respectivamente, ≤ 0). Observe-se, no entanto, que se f é estritamente monótona
y−x
e diferenciável a sua derivada não é necessáriamente positiva (ou negativa). Por exemplo, a
função f (x) = x3 é estritamente crescente mas f 0 (x) = 3x2 pelo que f 0 (0) = 0.
O teorema que se segue é uma consequência imediata do Teorema do Valor Médio de La-
grange.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

71
Teorema 3.26 Seja f uma função contı́nua num intervalo I e diferenciável em int I.

i) Se f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ int I (respectivamente, f 0 (x) > 0, ∀x ∈ int I), então f é crescente


(respectivamente, estritamente crescente) em I.

ii) Se f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ int I (respectivamente, f 0 (x) < 0, ∀x ∈ int I), então f é decrescente
(respectivamente, estritamente decrescente) em I.

iii) Se f 0 (x) = 0, ∀x ∈ int I, então f é constante em I.

É de salientar que o resultado anterior é válido apenas em intervalos. Por exemplo, para a
1 1
função f (x) = , definida em D = R \ {0}, tem-se f 0 (x) = − 2 < 0, ∀x ∈ D. No entanto f não
x x
é (estritamente) decrescente em D pois, por exemplo, −1 < 1 e f (−1) < f (1), mas podemos
afirmar que f é estritamente decrescente em cada um dos intervalos ] − ∞, 0[ e ]0, +∞[.

Atendendo ao Teorema de Fermat, quando procuramos os extremos locais de uma função


diferenciável f , num aberto onde esteja definida, basta-nos testar os seus pontos crı́ticos. Para
esse efeito estudamos o sinal de f 0 à esquerda e à direita desses pontos, de acordo com o seguinte
resultado:

Teorema 3.27 (Teste da Primeira Derivada) Seja f : D ⊆ R → R e seja c ∈ int D um


ponto crı́tico de f . Se existe δ > 0 tal que

i) f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c[ e f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ ]c, c + δ[, então f atinge um máximo local em c;

ii) f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c[ e f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ ]c, c + δ[, então f atinge um mı́nimo local em c;

iii) f 0 (x) não muda de sinal em ]c − δ, c[ ∪ ]c, c + δ[, então c não é um ponto de extremo local
de f .

Demonstração. O resultado é consequência imediata do Teorema 3.26. Com efeito, para o


caso i) tem-se que f é contı́nua em ]c − δ, c] e em [c, c + δ[ e é diferenciável em ]c − δ, c[ e em
]c, c + δ[. Como f 0 (x) ≥ 0, ∀x ∈ ]c − δ, c[ e f 0 (x) ≤ 0, ∀x ∈ ]c, c + δ[, pelo Teorema 3.26 concluimos
que f é crescente em ]c − δ, c] pelo que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ ]c − δ, c], e f é decrescente em [c, c + δ[
pelo que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ [c, c + δ[. Segue-se então que f (x) ≤ f (c), ∀x ∈ ]c − δ, c + δ[ o que
prova que f atinge um máximo local no ponto c.
Analogamente se provam os casos ii) e iii). 

Como é claro a partir da demonstração, o resultado anterior estende-se aos casos em que
f 0 (c) não existe, desde que f seja diferenciável numa vizinhança Vδ (c) \ {c} e seja contı́nua em
c. A hipótese de continuidade de f em c é fundamental, como mostra o seguinte exemplo.

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

72
(
2x2 + 1, se 0 ≤ x < 1
Consideremos a função f (x) =
2(x − 2)2 , se 1 ≤ x ≤ 2.

(
0 4x, se 0 ≤ x < 1
f é descontı́nua em x = 1, f (x) = , logo f 0 (x) > 0, se 0 < x < 1, e
4(x − 2), se 1 < x ≤ 2
f 0 (x) < 0, se 1 < x < 2, no entanto f não atinge um máximo local em x = 1.
Por vezes pode ser difı́cil determinar o sinal de f 0 à esquerda e à direita de um ponto crı́tico
c. Nesses casos, como veremos mais tarde, há outro modo de determinar se c é ou não um ponto
de extremo de f que envolve estudar o sinal de uma derivada de ordem superior à primeira de
f no próprio ponto c, veja-se o Teorema 3.43 e o Corolário 3.44.
No caso de uma função f estar definida num intervalo fechado ou semi-aberto (ou numa união
de intervalos deste tipo), os extremos locais de f podem ser atingidos em pontos da fronteira
do seu domı́nio. Uma vez que não são pontos interiores, estes não são pontos crı́ticos de f .
Observe-se que se f atinge um extremo local num ponto fronteiro do seu domı́nio a derivada
lateral correspondente não tem que se anular. Para estes casos tem-se o resultado que se segue.
Teorema 3.28 Seja f : [a, b] → R.
i) Se f+0 (a) < 0 (respectivamente, f+0 (a) > 0) ou se lim f (x) = f (a) e f 0 (x) < 0,
x→a+
∀x ∈ ] a, a + δ [ (respectivamente, f 0 (x) > 0, ∀x ∈ ] a, a + δ [), então f atinge um máximo
(respectivamente, mı́nimo) local em a.
ii) Se f−0 (b) < 0 (respectivamente, f−0 (b) > 0) ou se lim f (x) = f (b) e f 0 (x) < 0,
x→b−
∀x ∈ ] b − δ, b [ (respectivamente, f 0 (x)
> 0, ∀x ∈ ] b − δ, b [), então f atinge um mı́nimo
(respectivamente, máximo) local em b.
O facto de uma função f atingir um extremo local num ponto c ∈ D depende do com-
portamento de f numa vizinhança de c. No caso dos extremos absolutos temos que ter em
consideração o comportamento de f em todo o seu domı́nio. Nem todas as funções têm extre-
mos absolutos, no entanto, o Teorema de Weierstrass garante-nos que toda a função contı́nua
definida num intervalo compacto atinge nesse intervalo um máximo e um mı́nimo absolutos (cf.
Teorema 3.16). Note-se, por fim, que os extremos absolutos de f , quando existem, são atingidos
em pontos crı́ticos de f , ou em pontos onde f 0 não existe ou, ainda, em pontos da fronteira do
domı́nio.
Exemplo. Determinar os extremos da função f (x) = x5 − 5x + 7, definida no intervalo [0, +∞[.
Comecemos por notar que f é diferenciável em [0, +∞[, já que se trata de uma função
polinomial, e que
f 0 (x) = 5x4 − 5 = 5(x2 − 1)(x2 + 1).
Os pontos crı́ticos de f são as soluções da equação f 0 (x) = 0 ⇔ x4 = 1 que pertencem ao seu
domı́nio; neste caso, apenas x = 1 é ponto crı́tico. Estudando o sinal de f 0 observamos que
f 0 (x) > 0, se x > 1, e que f 0 (x) < 0, se 0 ≤ x < 1. Os Teoremas 3.27 e 3.28 permitem concluir
que f atinge um máximo local em x = 0 e um mı́nimo local (que é absoluto) em x = 1, sendo
f (0) = 7 e f (1) = 3. Por outro lado, limx→+∞ f (x) = +∞ pelo que f (0) não é máximo absoluto
de f .
Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

73
O estudo dos extremos de uma função tem inúmeras aplicações práticas em problemas de
optimização onde se pretende maximizar ou minimizar funções (diferenciáveis). Vejamos um
exemplo.
Exemplo. Pretende-se construir uma caixa com a forma de um paralelepı́pedo de base quadrada
e com volume V = 1250 dm3 . O material para fazer a base custa 35 cêntimos por dm2 , para o
topo da caixa custa 15 cêntimos por dm2 e o material para os lados da caixa tem o preço de 20
cêntimos por dm2 . Determinar as dimensões da caixa que minimizam o seu custo.
Designando por x a medida do lado da base quadrada da caixa e por y a da sua altura, o
1250
volume V é dado por V = x2 y = 1250, donde y = . Podemos assim exprimir o custo da
x2
base, do topo e dos lados da caixa, em função da variável x, respectivamente por 35x2 , 15x2 e
80 × 1250 105
4 × 20 × xy = = . O custo total c(x) a ser minimizado é, pois,
x x
105 105
c(x) = 35x2 + 15x2 + = 50x2 + , x > 0.
x x
105 102 (x3 − 103 )
Como c0 (x) = 100x − 2 = , esta função anula-se apenas em x = 10, tendo-
0
x 0
x2
-se c (x) < 0, se x < 10, e c (x) > 0, se x > 10, donde c atinge um mı́nimo absoluto em
x = 10. Assim, as dimensões da caixa que minimizam o seu custo são x = 10 dm = 1 m,
1250 105
y= = 12, 5 dm = 1, 25 m, sendo o custo mı́nimo dado por c(10) = 50 × 102 + cêntimos,
100 10
ou seja 150 euros.

3.7 Concavidades do gráfico de uma função e pontos de inflexão

Recorde-se que, dada uma função f : D ⊆ R → R, chamamos gráfico de f ao conjunto


n o
(x, f (x)) ∈ R2 : x ∈ D .

Definição 3.29 Seja f : D ⊆ R → R uma função diferenciável num ponto c ∈ D ∩ D0 e seja


yc (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c)
uma equação da recta tangente ao gráfico de f no ponto c. Dizemos que o gráfico de f tem a
concavidade virada para cima (respectivamente, para baixo) em c se, e só se, existe δ > 0
tal que
f (x) ≥ yc (x), ∀x ∈ Vδ (c)
(respectivamente, f (x) ≤ yc (x), ∀x ∈ Vδ (c)).
Dizemos que o gráfico de f tem a concavidade virada para cima (respectivamente, para
baixo) num conjunto C ⊆ D, se tem a concavidade virada para cima (respectivamente, para
baixo) em todos os pontos de C.
Assim, geometricamente, o gráfico de f tem a concavidade virada para cima (respectiva-
mente, para baixo) num ponto c se o gráfico de f ficar acima (respectivamente, abaixo) da
respectiva recta tangente no ponto c.

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74
Definição 3.30 Seja f : D ⊆ R → R uma função contı́nua em c ∈ int D. O ponto c diz-se um
ponto de inflexão se, e só se, existe δ > 0 tal que o gráfico de f tem a concavidade virada
para cima em ]c − δ, c[ e virada para baixo em ]c, c + δ[ ou vice-versa.
Se a função f for duas vezes diferenciável podemos determinar a concavidade do gráfico de
f estudando o sinal da sua segunda derivada.
Teorema 3.31 Seja f uma função duas vezes diferenciável num intervalo aberto I.
i) Se f 00 (x) > 0, ∀x ∈ I, então f 0 é estritamente crescente em I e a concavidade do gráfico
de f é virada para cima em I.
ii) Se f 00 (x) < 0, ∀x ∈ I, então f 0 é estritamente decrescente em I e a concavidade do gráfico
de f é virada para baixo em I.
iii) Se f 0 muda o tipo de monotonia no ponto c, então f tem um ponto de inflexão em c.
Observação. Dizer que uma função muda o tipo de monotonia num ponto c significa que numa
vizinhança de c, o tipo de monotonia à esquerda do ponto é diferente da monotonia à direita,
sendo decrescente e passando a crescente ou vice-versa.
O resultado que se segue permite-nos identificar possı́veis pontos de inflexão.
Teorema 3.32 Se o ponto c ∈ int D é um ponto de inflexão de f : D ⊆ R → R, então f 00 (c) = 0
ou f 00 (c) não existe.
Note-se que o recı́proco do teorema anterior é falso. Por exemplo, para f (x) = x4 tem-se
f 00 (0)
= 0, no entanto x = 0 não é ponto de inflexão uma vez que o gráfico de f tem sempre
a concavidade virada para cima. Neste caso, f 0 é uma função estritamente crescente, pelo que
não há alteração do seu tipo de monotonia em x = 0.
5
Exemplo. Determinar as concavidades apresentadas pelo gráfico da função f (x) = 3x 3 − 5x.
2
A função f é contı́nua no seu domı́nio que é R. Derivando duas vezes obtemos f 0 (x) = 5x 3 −5,
10 − 1 10
para x ∈ R, e f 00 (x) = x 3 = √ , se x 6= 0. Concluimos que f 00 (x) < 0, se x < 0, e
3 33x
f 00 (x) < 0, se x < 0, pelo que o gráfico de f tem a concavidade virada para baixo no intervalo
] − ∞, 0[ e tem a concavidade virada para cima no intervalo ]0, +∞[. Uma vez que f é contı́nua
em x = 0, este ponto é um ponto de inflexão.

3.8 Assı́ntotas ao gráfico de uma função

Definição 3.33 Seja f : D ⊆ R → R e seja c ∈ D = D ∪ ∂D. Dizemos que a recta x = c é


uma assı́ntota vertical ao gráfico de f se, e só se, lim f (x) = ±∞ ou lim f (x) = ±∞.
x→c+ x→c−

Nota. A D chamamos a aderência do conjunto D.


1
Por exemplo, a recta x = 0 é uma assı́ntota vertical ao gráfico da função f (x) = e as
x
π
rectas x = (2k + 1) , k ∈ Z, são assı́ntotas verticais ao gráfico da função x 7→ tan x.
2

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75
Definição 3.34 Seja f : D ⊆ R → R tal que o domı́nio D de f contém um intervalo da forma
[M, +∞[ (respectivamente, ] − ∞, M ]), para um certo M ∈ R. Dizemos que a recta y = mx + b
é uma assı́ntota ao gráfico de f em +∞ (respectivamente, em −∞) se, e só se,

lim [f (x) − (mx + b)] = 0


x→+∞

(respectivamente, lim [f (x) − (mx + b)] = 0). Se m = 0, a assı́ntota diz-se horizontal.


x→−∞

Nas condições da definição anterior é fácil de ver que a recta y = mx + b é uma assı́ntota ao
gráfico de f em +∞ se, e só se,
f (x)
m = lim e b = lim (f (x) − mx),
x→+∞ x x→+∞

tendo-se f (x) ∼ mx + b (x → +∞). Analogamente em −∞.


3x2
Exemplo. Determinar as assı́ntotas ao gráfico da função definida em R \ {2} por f (x) = .
x−2
Uma vez que
3x2 3x2
lim f (x) = lim = +∞ e lim f (x) = lim = −∞,
x→2+ x→2+ x−2 x→2− x→2− x−2
segue-se que a recta x = 2 é assı́ntota vertical ao gráfico de f . Não há outras assı́ntotas verticais
dado que f é contı́nua em R \ {2}.
Por outro lado,
f (x) 3x
lim = lim = 3,
x→±∞ x x→±∞ x − 2
e !
3x2 3x2 − 3x2 + 6x
lim (f (x) − 3x) = lim − 3x = lim = 6,
x→±∞ x→±∞ x − 2 x→±∞ x−2
donde se conclui que a recta y = 3x + 6 é assı́ntota ao gráfico de f em +∞ e em −∞.
Juntando a informação desenvolvida ao longo deste capı́tulo podemos agora esboçar, com
algum rigor, gráficos de funções. Para esse efeito devemos ter em conta os seguintes aspectos:
• determinar o domı́nio de f e estudar a continuidade de f nos pontos do seu domı́nio;

• verificar se f tem propriedades de simetria ou de periodicidade;

• determinar os pontos crı́ticos de f , os extremos locais e os intervalos de monotonia, estu-


dando f 0 ;

• determinar o sentido das concavidades do gráfico de f e os pontos de inflexão, estudando


f 00 ;

• determinar as assı́ntotas ao gráfico de f .

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76
3.9 Fórmula de Taylor

A classe de funções mais simples que conhecemos é a das funções polinomiais. De facto, é muito
simples adicionar e multiplicar polinómios e estes também são muito fáceis de derivar. Para
além disso, qualquer uma destas operações produz novamente um polinómio.
Veremos agora como aproximar uma dada função por polinómios e qual o erro que se comete
quando se faz essa aproximação (em geral, o erro diminui à medida que se aumenta o grau dos
polinómios usados).
Antes de prosseguirmos vamos apresentar uma notação, dita de Landau, que será particu-
larmente útil para o que se segue.

Definição 3.35 Sejam D ⊂ R, c ∈ D0 e f, g, h : D → R três funções tais que, numa certa


vizinhança de c, se tem f (x) = h(x)g(x). Se lim h(x) = 0, diz-se que f (x) é desprezável
x→c
relativamente a g(x), quando x → c, e escreve-se f (x) = o(g(x)) (x → c).

Observação. Na definição anterior, se g não se anula em Vδ (c) \ {c}, para algum δ > 0, então
f (x)
f (x) = o(g(x)) (x → c) equivale a lim = 0.
x→c g(x)

x2
Exemplos. Tem-se x2 = o(x) (x → 0), pois lim = 0 e x7 = o(ex ) (x → +∞), pois
x→0 x
x7
lim = 0.
x→+∞ ex

É um exercı́cio simples provar o resultado que se segue.

Proposição 3.36 Seja c ∈ R.

1. o((x − c)n ) + o((x − c)n ) = o((x − c)n ), (x → c);

2. λ o((x − c)n ) = o((x − c)n ), (x → c), ∀λ ∈ R \ {0};

3. (x − c)p o((x − c)n ) = o((x − c)n+p ), (x → c), ∀n, p ∈ Z.

Consideremos uma função f , diferenciável num intervalo aberto contendo o ponto c, e seja
P1 (x) o polinómio cujo gráfico é a recta tangente ao gráfico de f no ponto c, ou seja,

P1 (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c).

Repare-se que P1 tem grau menor ou igual a 1 (se f 0 (c) = 0 e f (c) 6= 0, P1 é constante e não
nulo, logo tem grau 0) e satisfaz as condições

P1 (c) = f (c) e P10 (c) = f 0 (c).

Recordemos que, do Teorema 3.5 e usando a notação da Definição 3.35, se tem

f (x) = f (c) + f 0 (c)(x − c) + o(x − c) = P1 (x) + o(x − c), (x → c),

ou seja a função f pode ser aproximada pelo polinómio P1 sendo o erro cometido nesta apro-
ximação um infinitésimo de ordem superior a x − c numa vizinhança do ponto c. Vamos agora
generalizar esta ideia, construindo um polinómio de grau menor ou igual a n, Pn (x), que seja
uma melhor aproximação de f próximo do ponto c, isto é, de forma a que o erro cometido nessa
aproximação seja o((x − c)n ), e de tal modo que Pn e f , bem como as suas derivadas até à ordem
n tenham o mesmo valor em c.

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77
Definição 3.37 Seja f : D ⊆ R → R uma função com derivadas até à ordem n num ponto
c ∈ D ∩ D0 . Ao polinómio
n
f (k) (c) f 00 (c) f (n) (c)
(x − c)k = f (c) + f 0 (c)(x − c) +
X
Pn (x) = (x − c)2 + . . . + (x − c)n
k=0
k! 2! n!

damos o nome de polinómio de Taylor de ordem n, da função f , no ponto c. Os coeficientes


f (k) (c)
ak = designam-se coeficientes de Taylor da função f , no ponto c.
k!
O polinómio dado na definição anterior é o único polinómio de grau menor ou igual a n que
verifica
Pn (c) = f (c), Pn0 (c) = f 0 (c), Pn00 (c) = f 00 (c), . . . , Pn(n) (c) = f (n) (c).

Exemplo. Determinar o polinómio de Taylor de ordem 2, da função f (x) = log x, no ponto


c = 2.
1 1
Calculando as derivadas de f até à ordem 2 obtemos f 0 (x) = e f 00 (x) = − 2 , pelo que,
x x
no ponto c = 2, vem f (2) = log 2, f 0 (2) = 21 e f 00 (2) = − 14 . Portanto o polinómio pedido é
1 1
P2 (x) = log 2 + (x − 2) − (x − 2)2 .
2 8

Proposição 3.38 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função n vezes diferenciável em


c ∈ I. Se f (c) = f 0 (c) = . . . = f (n) (c) = 0, então
f (x)
lim = 0.
x→c (x − c)n

Teorema 3.39 (Fórmula de Taylor) Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função n


vezes diferenciável no ponto c ∈ I. Então, para qualquer x ∈ I, tem-se

f (x) = Pn (x) + Rn (x),

onde
n
f (k) (c) f 00 (c) f (n) (c)
(x − c)k = f (c) + f 0 (c)(x − c) +
X
Pn (x) = (x − c)2 + . . . + (x − c)n
k=0
k! 2! n!

e Rn (x) = o((x − c)n ), (x → c), isto é,


Rn (x)
lim = 0.
x→c (x − c)n

À função Rn chamamos resto de ordem n e o erro que se comete, quando se aproxima f (x)
por Pn (x) (polinómio de Taylor relativo ao ponto c), é dado por

|f (x) − Pn (x)| = |Rn (x)|.

Note-se que o erro referido depende, em geral, de n e de c.


À fórmula de Taylor no ponto c = 0,

f 00 (0) 2 f (n) (0) n


f (x) = f (0) + f 0 (0)x + x + ... + x + o(xn ), (x → 0),
2! n!
dá-se o nome de fórmula de MacLaurin.
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78
Proposição 3.40 (Unicidade do Desenvolvimento de Taylor) Sejam I um intervalo de
R e f : I → R uma função n vezes diferenciável no ponto c ∈ I. Se existem constantes
b0 , b1 , . . . , bn ∈ R tais que

f (x) = b0 + b1 (x − c) + . . . + bn (x − c)n + R
e n (x),

e n (x) = o((x − c)n ), (x → c), então b0 = f (c), b1 = f 0 (c), . . . , bn = f (n) (c)


onde R .
n!
Proposição 3.41 Sejam I um intervalo de R e f : I → R uma função de classe C n (I) e n + 1
vezes diferenciável no interior de I. Dado c ∈ I tem-se

f (x) = Pn (x) + Rn (x),

onde Pn (x) é o polinómio de Taylor de ordem n, de f , no ponto c, e

f (n+1) (ξ)
Rn (x) = (x − c)n+1 ,
(n + 1)!

para um certo ponto ξ estritamente compreendido entre c e x, para x 6= c.

A esta expressão de Rn (x) chamamos resto de Lagrange. Observe-se que para n = 0 se


tem f (x) = f (c) + f 0 (ξ)(x − c), que coincide com a expressão do Teorema de Lagrange aplicado
à função f , no intervalo de extremos c e x.

Exemplo 3.42 Registamos aqui alguns desenvolvimentos de MacLaurin que nos serão úteis no
que se segue:
x2 xn
i) ex = 1 + x + + ... + + o(xn ), (x → 0), ∀x ∈ R;
2! n!
x3 x5 x2n+1
ii) sin x = x − + + . . . + (−1)n + o(x2n+1 ), (x → 0), ∀x ∈ R;
3! 5! (2n + 1)!
x2 x4 x2n
iii) cos x = 1 − + + . . . + (−1)n + o(x2n ), (x → 0), ∀x ∈ R;
2! 4! (2n)!
x2 xn
iv) log(1 + x) = x − + . . . + (−1)n−1 + o(xn ), (x → 0), ∀x > −1.
2 n
As figuras que se seguem representam os gráficos das funções x 7→ ex e x 7→ sin x, bem como
alguns dos seus polinómios de Taylor em torno do ponto c = 0.

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79
Exemplo. Seja f (x) = sin(log x). Determinemos o polinómio de Taylor de ordem 1, de f ,
em torno do ponto x0 = 1, e mostremos que esse polinómio fornece um valor aproximado de
f (1, 05), com erro inferior a 0,0025.
Tem-se f (1) = sin(log 1) = 0 e, pela regra de derivação da função composta,
1
f 0 (x) = cos(log x) , f 0 (1) = 1.
x
Assim, o polinómio pedido é

P1 (x) = 0 + 1 · (x − 1) = x − 1,

sendo P1 (1, 05) = 1, 05−1 = 0, 05. Pela fórmula de Taylor sabemos que |f (x)−P1 (x)| = |R1 (x)|.
f 00 (c) 2

Pondo x = 1, 05, vamos majorar |R1 (1, 05)| = (1, 05 − 1) para algum c verificando
2!
1 < c < 1, 05. Uma vez que, pelas regras de derivação do produto e da função composta, se tem
1 1
f 00 (x) = − sin(log x) 2
− 2 cos(log x),
x x
resulta que
−1

1 2

|R1 (1, 05)| = 2 sin(log c) + cos(log c) (0, 05)

c 2
1
< 0, 0025 |sin(log c) + cos(log c)|
2
1 
≤ 0, 0025 |sin(log c)| + |cos(log c)| ≤ 0, 0025,
2
1
onde usámos o facto de ser c > 1, donde c2
< 1. Podemos então concluir que

f (1, 05) ' P1 (1, 05) = 0, 05

com erro inferior a 0,0025.


Exemplo. Calcular os seguintes limites, usando desenvolvimentos de Taylor adequados:
log(1 + 2x3 )(1 + x5 )
1) lim ;
x→0 sin x − x
1 1
 
2) lim 2 − 2 ;
x→0 sin x x
x4 ex + 1 − cos(x2 )
3) lim 3 .
x→0 sin(x4 ) − 2x(ex − 1)

1) Atendendo a que log(1 + 2x3 ) ∼ 2x3 , (x → 0), e usando o desenvolvimento ii) do Exemplo
3.42, temos

log(1 + 2x3 )(1 + x5 ) 2x3 (1 + x5 )


lim = lim
x→0 sin x − x x→0 sin x − x
2x3 (1 + x5 ) 2x3 (1 + x5 ) 2+0
= lim = lim = = −2 · 3! = −12.
x→0 x 3
3 x→0 x3
3
−1
x− + o(x ) − x − + o(x ) + 0
3! 3! 3!

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80
1 − cos(2x)
2) Usando a identidade sin2 x = , a relação sin2 x ∼ x2 , (x → 0), e ainda o
2
desenvolvimento iii) do Exemplo 3.42, vem sucessivamente
1 1 x2 − sin2 x
 
lim − = lim
x→0 sin2 x x2 x→0 x2 sin2 x
1 − cos(2x)
x2 − 2x2 − 1 + cos(2x)
= lim 2 = lim
x→0 x4 x→0 2x4
(2x) 4
2x2 − 1 + 1 − 2x2 + + o(x4 ) 24 1
= lim 4! = = .
x→0 2x 4 2 · 4! 3
3) Pelos casos i), ii) e iii) do Exemplo 3.42 substituindo, respectivamente, x por x3 , x4 e x2 ,
tem-se
3
ex = 1 + x3 + o(x3 ), (x → 0);
sin(x4 ) = x4 + o(x4 ), (x → 0);
x4
cos(x2 ) = 1 − + o(x4 ), (x → 0),
2
donde
x4 ex + 1 − cos(x2 )
lim 3
x→0 sin(x4 ) − 2x(ex − 1)

x4 1
x4 + o(x4 ) + 1 − 1 + 1+
= lim 4 2 = 2 = −3,
x→0 x + o(x4 ) − 2x(x3 + o(x3 )) 1−2 2
uma vez que −2x · o(x3 ) = o(x4 ).

Vejamos agora outra aplicação da fórmula de Taylor que se prende com a caracterização dos
pontos crı́ticos de uma função diferenciável.
Como vimos atrás, se uma função real f , definida e diferenciável num intervalo I, atinge um
extremo local num ponto c ∈ intI, então f 0 (c) = 0. No entanto, como já observámos, o recı́proco
é falso. Interessa, assim, ter um critério que permita determinar se num certo ponto c ∈ intI
onde a derivada de f se anula, é atingido um extremo local. Tem-se então o seguinte resultado
Teorema 3.43 Sejam n ∈ N, n ≥ 2, I um intervalo aberto contendo o ponto c e f : I → R uma
função com derivadas contı́nuas até à ordem n em I e tal que f 0 (c) = 0. Suponhamos ainda que
f (n) (c) é a primeira das sucessivas derivadas de f que não se anula em c. Então:
i) se n é ı́mpar, f não tem extremo local em c;
ii) se n é par e f (n) (c) > 0, então f tem um mı́nimo local em c;
iii) se n é par e f (n) (c) < 0, então f tem um máximo local em c.

Exemplo. Seja f (x) = x6 − x5 − x4 + 2. Mostremos que f 0 (0) = 0 e vejamos se f atinge um


extremo local em x = 0.
Derivando sucessivamente temos
f 0 (x) = 6x5 − 5x4 − 4x3 , f 0 (0) = 0,
f 00 (x) = 30x4 − 20x3 − 12x2 , f 00 (0) = 0,
f 000 (x) = 120x3 − 60x2 − 24x, f 000 (0) = 0 e
f (4) (x) = 360x2 − 120x − 24, f (4) (0) = −24 < 0.

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81
Como a primeira das sucessivas derivadas de f que não se anula no ponto x = 0 é a de
ordem 4, e 4 é um número par, concluimos, por aplicação do teorema anterior, que f atinge um
extremo local em x = 0. Dado que f (4) (0) < 0, f (0) = 2 é um máximo local.

Corolário 3.44 (Teste da Segunda Derivada) Sejam I um intervalo de R, f : I → R uma


função de classe C 2 (I) e c um ponto crı́tico de f . Então se f 00 (c) > 0, c é ponto de mı́nimo
local de f , e se f 00 (c) < 0, c é ponto de máximo local de f .

Chama-se a atenção para o facto do corolário anterior não permitir tirar qualquer conclusão
acerca da natureza do ponto crı́tico c, no caso em que f 00 (c) = 0. Com efeito, é fácil ver que
x = 0 é ponto crı́tico de ambas as funções f (x) = x3 e g(x) = x4 e que se tem f 00 (0) = g 00 (0) = 0.
Dado que g(x) ≥ g(0) = 0, g(0) é mı́nimo absoluto de g, no entanto x = 0 não é ponto de
extremo local de f .
3 x3 x2
Exemplo. Verificar que x = 1 é ponto crı́tico da função p(x) = x5 + x4 − −5 −x+1 e
5 3 2
determinar se é ponto de extremo local de p.
p é uma função polinomial, logo é de classe C ∞ (R). A sua primeira derivada é dada por
p0 (x)= 3x4 + 4x3 − x2 − 5x − 1, donde p0 (1) = 0 e, portanto, x = 1 é ponto crı́tico de p. Uma
vez que não conhecemos as outras raı́zes do polinómio p0 não é fácil estudar o sinal de p0 numa
vizinhança de x = 1. Assim, em alternativa ao teste da primeira derivada, vamos usar o teste
da segunda derivada para determinar se x = 1 é ponto de extremo local de p. Derivando mais
uma vez obtemos p00 (x) = 12x3 + 12x2 − 2x − 5. Como p00 (1) = 17 > 0 concluimos que p atinge
um mı́nimo local em x = 1.

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82
Tabela de Derivadas
No que se segue, u representa uma função da variável x.

f (x) f 0 (x)

[u(x)]α , α ∈ R αu0 (x)[u(x)]α−1

eu(x) u0 (x)eu(x)

u0 (x)
log(|u(x)|)
u(x)

sin(u(x)) u0 (x) cos(u(x))

cos(u(x)) −u0 (x) sin(u(x))

u0 (x)
tan(u(x)) u0 (x) sec2 (u(x)) =
cos2 (u(x))

−u0 (x)
cotan(u(x)) −u0 (x)cosec2 (u(x)) =
sin2 (u(x))

u0 (x)
arcsin(u(x)) p
1 − u2 (x)

u0 (x)
arccos(u(x)) −p
1 − u2 (x)

u0 (x)
arctan(u(x))
1 + u2 (x)

Cálculo Diferencial em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

83
84
4 Cálculo Integral em R
4.1 Integral definido de uma função contı́nua

Usando apenas matemática elementar sabemos calcular áreas de polı́gonos, fazendo, por exem-
plo, a sua decomposição em triângulos e rectângulos. Neste capı́tulo vamos aprender a calcular
áreas de regiões do plano mais gerais, limitadas por gráficos de determinadas funções contı́nuas.
Consideremos então uma função real, contı́nua e não negativa, f , definida no intervalo [a, b],
onde a < b. O nosso objectivo é ver como se pode calcular a área da região Ω do plano, limitada
pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b e pelo gráfico de f , ou seja, da região dada por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b ∧ 0 ≤ y ≤ f (x) . (17)

figura 1
Para definirmos o que se entende por área de Ω, consideramos uma partição P do intervalo
[a, b], isto é, consideramos pontos xi , i = 0, . . . , n tais que
a = x0 < x1 < x2 < . . . < xn−1 < xn = b.
A localização dos pontos xi , i = 1, . . . , n − 1, é arbitrária, em particular eles não têm que estar
igualmente espaçados. Estes pontos dividem o intervalo [a, b] em n subintervalos [xi−1 , xi ] para
i = 1, . . . , n. Chamamos diâmetro da partição P , e representamos por |P |, ao comprimento
do maior destes subintervalos:
|P | = max |xi − xi−1 |, i = 1, . . . , n.
Uma vez que f é contı́nua no intervalo limitado e fechado [xi−1 , xi ], f atinge um máximo e um
mı́nimo absolutos em [xi−1 , xi ], que designamos, respectivamente, por Mi e mi , i = 1, . . . , n.
Consideramos agora os rectângulos que têm por base o segmento de recta de extremos xi−1
e xi e com altura Mi e mi , respectivamente. Cada um destes rectângulos tem área dada por
(xi − xi−1 )Mi e (xi − xi−1 )mi , respectivamente, e a soma das áreas destes dois conjuntos de
rectângulos, dada por
n
X n
X
(xi − xi−1 )Mi e (xi − xi−1 )mi ,
i=1 i=1
pode ser tomada como uma aproximação por excesso e por defeito, respectivamente, da área
da região Ω. Note-se que a aproximação é tanto melhor quanto menores forem as bases dos
rectângulos considerados, ou seja, quanto menor for o diâmetro da partição considerada.

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85
Estas considerações motivam a definição de integral (definido) que veremos de seguida.

Definição 4.1 Seja f uma função contı́nua em [a, b]. Chamamos soma superior (respectiva-
mente, inferior) de Darboux de f , relativa à partição P do intervalo [a, b], à soma
n
X
S(f, P ) = (xi − xi−1 )Mi
i=1

n
X
(respectivamente, S(f, P ) = (xi − xi−1 )mi ), onde Mi = max f e mi = min f .
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
i=1

Podemos ainda definir somas superiores (respectivamente, inferiores) de Darboux para fun-
ções f limitadas em [a, b], e não (necessariamente) contı́nuas, substituindo na definição anterior
máximo (respectivamente, mı́nimo) por supremo (respectivamente, ı́nfimo).
Assim, se m ≤ f (x) ≤ M , ∀x ∈ [a, b], tem-se

m(b − a) ≤ S(f, P ) ≤ S(f, P ) ≤ M (b − a), (18)

qualquer que seja a partição P de [a, b] que se considere. Portanto, o conjunto de todas as somas
superiores de Darboux de f , e o de todas as somas inferiores, são limitados donde, pelo princı́pio
do supremo e do ı́nfimo existem sup S(f, P ) e inf S(f, P ). Se sup S(f, P ) = inf S(f, P ) a função
P P P P
f diz-se integrável (à Riemann) em [a, b] e ao valor comum do supremo das somas inferiores
e do ı́nfimo das somas superiores chamamos integral (de Riemann) de f , em [a, b].

Definição 4.2 Seja f uma função limitada em [a, b]. A função f diz-se integrável em [a, b]
se existir um e um só número real I que satisfaz as desigualdades

S(f, P ) ≤ I ≤ S(f, P ),

qualquer que seja a partição P do intervalo [a, b] que se considere. Neste caso, ao número I
damos o nome de integral (definido) de f , no intervalo [a, b] (ou o integral, entre a e b, de f )
e escrevemos Z b
I= f (x) dx.
a
Os números a e b chamam-se limite inferior e limite superior de integração (ou do inte-
gral), respectivamente, e à função f dá-se o nome de função integranda.
Z b
Dizemos que a variável x que aparece em f (x) dx é uma variável aparente ou muda pois
a
pode ser substituı́da por qualquer outra sem que isso altere o valor do integral, temos então
Z b Z b Z b
f (x) dx = f (y) dy = f (t) dt.
a a a

Pode-se mostrar que se f é contı́nua em [a, b], então existe um e um só número real I que
satisfaz as desigualdades
S(f, P ) ≤ I ≤ S(f, P ),
qualquer que seja a partição P de [a, b] que se considere. Conclui-se, portanto, que

Teorema 4.3 Toda a função contı́nua em [a, b] é integrável em [a, b].

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86
Há também funções que, não sendo contı́nuas, são apesar disso integráveis: se f é limitada,
então f é integrável se não tiver “demasiados” pontos de descontinuidade. Em particular, se f
é limitada em [a, b] e tiver um número finito de pontos de descontinuidade, então f é integrável
em [a, b].

Exemplos. 1) Sejam (
a, b ∈ R, a < b, e seja c ∈ [a, b]. Consideremos a função f : [a, b] → R
0, se x 6= c
definida por f (x) =
1, se x = c.
Z b
A função f é descontı́nua no ponto c; vejamos que é integrável em [a, b] e que f (x) dx = 0.
a
Com efeito, dada uma particão P de [a, b] determinada pelos pontos xi , i = 0, . . . , n, tem-se
sup f = inf f = 0, se c ∈ / [xi−1 , xi ], e sup f = 1, inf f = 0, se c ∈ [xi−1 , xi ]. Assim,
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
S(f, P ) = 0 e S(f, P ) = xi − xi−1 . Uma vez que os pontos da partição podem ser escolhidos
arbitrariamente próximos uns dos outros, resulta que sup S(f, P ) = 0 e inf S(f, P ) = 0, pelo que
P P
Z b
f (x) dx = 0.
a (
1, se x ∈ Q
2) Consideremos a chamada função de Dirichlet dada por f (x) =
0, se x ∈ R \ Q.
f é descontı́nua em todos os pontos c de R, uma vez que não existe lim f (x). Sejam a, b ∈ R
x→c
tais que a < b. Para qualquer subintervalo [xi−1 , xi ] de [a, b], tem-se sup f = 1 e inf f = 0,
[xi−1 ,xi ] [xi−1 ,xi ]
donde, sendo P uma partição de [a, b] determinada pelos pontos xi , i = 0, . . . , n,
n
X
S(f, P ) = 0 e S(f, P ) = (xi − xi−1 ) = b − a.
i=1

Portanto, sup S(f, P ) = 0 e inf S(f, P ) = b − a > 0, logo f não é integrável em [a, b].
P P

Seja Ω a região do plano limitada pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b e pelo gráfico
de f . Se f for contı́nua e não negativa em [a, b], Ω é a região considerada em (17) e do tipo
representado na figura 1. Neste caso define-se a área de Ω como sendo o valor do integral de f
entre a e b, isto é,
Z b
A(Ω) = f (x) dx.
a
Se f for contı́nua e negativa em [a, b], define-se a área de Ω por
Z b
A(Ω) = −f (x) dx.
a

Resulta imediatamente da Definição 4.2 e das desigualdades (18) que, se m ≤ f (x) ≤ M ,


∀x ∈ [a, b], então
Z b
m(b − a) ≤ f (x) dx ≤ M (b − a).
a
Assim, se f ≥ 0, concluimos que a área da região Ω está enquadrada entre as áreas de dois
rectângulos de base com medida b − a e de alturas com medida M e m, respectivamente.

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87
Note-se que o integral de uma função contı́nua nem sempre representa uma área, e o seu
valor pode ser negativo. Com efeito, se uma função contı́nua f mudar de sinal no intervalo [a, b],
então o integral de f entre a e b corresponde à soma das áreas, entre as rectas x = a e x = b,
limitadas pelo gráfico de f e pelo eixo dos xx, que ficam acima do eixo dos xx, indicadas a azul
na figura que se segue, à qual se subtraem as áreas indicadas a rosa, que correspondem a regiões
onde f ≤ 0.

Um modo alternativo de obter o integral de uma função f : [a, b] → R é considerar as


chamadas somas de Riemann.

Definição 4.4 Seja P uma partição do intervalo [a, b] definida pelos pontos xi , i = 0, . . . , n, e
para cada i = 1, . . . , n seja x∗i um ponto arbitrário do intervalo [xi−1 , xi ]. Chamamos soma de
Riemann de f , relativa à partição P e à escolha dos pontos x∗i , i = 1, . . . , n, à soma
n
S(f, P, x∗i ) = f (x∗i )(xi − xi−1 ).
X

i=1

A soma de Riemann de f , relativa à partição P e à escolha dos pontos x∗i , corresponde assim
à soma das áreas dos rectângulos de base com medida (xi − xi−1 ) e altura dada por f (x∗i ), com
i = 1, . . . , n.

Definição 4.5 Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Diz-se que o número real I é o limite
das somas de Riemann S(f, P, x∗i ), quando o diâmetro da partição P tende para zero, se I
satisfaz a seguinte condição:
∀δ > 0 ∃ ε > 0 : |S(f, P, x∗i ) − I| < δ,
para toda a partição P de [a, b] tal que |P | < ε, qualquer que seja a escolha dos pontos
x∗i ∈ [xi−1 , xi ], i = 1, . . . , n.

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88
Teorema 4.6 Seja f : [a, b] → R uma função limitada. Então existe o limite I ∈ R das somas
de Riemann S(f, P, x∗i ), quando o diâmetro da partição P tende para zero, se, e só se, f é
Z b
integrável (à Riemann) em [a, b] e, nesse caso, tem-se I = f (x) dx.
a
Z b Z b
Na definição de f (x) dx suposemos que a < b. O significado de f (x) dx quando a ≥ b
a a
é dado pela seguinte definição.
Z a
Definição 4.7 Para qualquer a ∈ R define-se f (x) dx = 0. Se b < a e f é integrável em
a
[b, a], então define-se
Z b Z a
f (x) dx = − f (x) dx.
a b
Proposição 4.8 i) Seja f (x) = k ∈ R, ∀x ∈ [a, b], uma função constante em [a, b]. Então
Z b
f (x) dx = k(b − a).
a
Z b
1
ii) Seja f a função definida em [a, b] por f (x) = x. Então f (x) dx = (b2 − a2 ).
a 2
Se k > 0 e a < b, o integral indicado em i) é o valor da área do rectângulo com base no eixo
do xx, e com medida b − a, e com altura k.

Se 0 < a < b, o integral de ii) é o valor da área do trapézio com lado maior b, lado menor a
1 1
e altura b − a: (b + a)(b − a) = (b2 − a2 ).
2 2

Para as duas regiões poligonais consideradas na proposição anterior o conceito de área já era
conhecido da matemática elementar. Verificamos, assim, que a noção de área definida através
do integral conduz ao valor já conhecido.
Exemplos.
Z 5
3 dx = 3 · (5 − (−2)) = 21,
−2
Z 7 √ √ √
− 6 dx = − 6 · (7 − 0) = −7 6,
0
Z 3
1 2  5
x dx = 3 − 22 = .
2 2 2
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89
4.2 Propriedades do integral definido, teorema do valor médio

Vejamos agora algumas propriedades do integral definido.

Teorema 4.9 i) Se f é integrável num intervalo I e a, b, c ∈ I, então


Z b Z c Z b
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
a a c

ii) Se f é integrável no intervalo de extremos a e b e k ∈ R, então kf é integrável no mesmo


intervalo e Z b Z b
kf (x) dx = k f (x) dx.
a a

iii) Se f e g são integráveis no intervalo de extremos a e b, então f + g é integrável no mesmo


intervalo e Z b Z b Z b
(f + g)(x) dx = f (x) dx + g(x) dx.
a a a
Este resultado generaliza-se por indução a uma soma de n funções.
Pelo facto do integral verificar as propriedades ii) e iii) dizemos que é linear.
Nas propriedades que se seguem vamos assumir que a < b.
Z b
iv) Se f é integrável em [a, b] e f (x) ≥ 0 em [a, b], então f (x) dx ≥ 0.
a

v) Se f e g são integráveis em [a, b] e f (x) ≤ g(x), ∀x ∈ [a, b], então


Z b Z b
f (x) dx ≤ g(x) dx.
a a

vi) Se f é integrável em [a, b], então |f | é integrável em [a, b] e tem-se


Z Z
b b
f (x) dx ≤ |f (x)| dx.


a a

A figura que se segue ilustra a propriedade i) no caso em que f ≥ 0 e a < c < b.

Repare-se que a recı́proca da propriedade vi) é falsa. Por exemplo, para a função
(
1, se x ∈ Q
f (x) =
−1, se x ∈ R \ Q,

cálculos análogos aos do Exemplo 2) da página 87, permitem concluir que sup S(f, P ) = −1
Z 1 P

e inf S(f, P ) = 1, pelo que f não é integrável em [0, 1], no entanto |f (x)| dx = 1, pois
P 0
|f (x)| = 1, ∀x ∈ R.
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90
As propriedades do Teorema 4.9, aliadas aos resultados da Proposição 4.8, permitem-nos
calcular o valor de mais alguns integrais.
Z 3 Z 3 Z 3
1 2 
Exemplos. 4 − 2x dx = 4 dx − 2 3 − 12 = 8 − 8 = 0.
x dx = 4(3 − 1) − 2 ·
1 1 1 2
2
Dado que, no intervalo [0, 1], se tem 0 ≤ x ≤ x, por aplicação das propriedades iv) e v) do
Teorema 4.9, obtemos
Z 1 Z 1
1 2  1
0≤ x2 dx ≤ x dx = 1 − 02 = .
0 0 2 2
Z 1
1
Veremos mais adiante que x2 dx = .
0 3

Teorema 4.10 (Teorema do Valor Médio do Cálculo Integral) Sejam a, b ∈ R tais que
a < b e f uma função contı́nua no intervalo [a, b]. Então existe (pelo menos) um ponto c ∈ [a, b]
tal que
Z b
f (x) dx = f (c)(b − a).
a
Z b
1
Ao valor f (c) = f (x) dx damos o nome de valor médio ou média de f em [a, b].
b−a a

Se f ≥ 0 em [a, b], este teorema diz-nos que existe um ponto c ∈ [a, b] para o qual a área da
região do plano limitada pelo gráfico de f , pelas rectas x = a, x = b e pelo eixo dos xx, é igual
à área do rectângulo indicado na figura, com base de medida b − a e altura dada por f (c).

4.3 Integral indefinido, noção de primitiva, o teorema fundamental do cálculo


integral

Mesmo para funções integrandas muito simples, o cálculo de integrais através do estudo das
somas de Darboux ou das somas de Riemann torna-se muito complicado. Veremos nesta secção
um método mais prático para calcular integrais que relaciona as noções de integrabilidade e
diferenciabilidade. Começamos com a noção de primitiva.

Definição 4.11 Seja f uma função definida num intervalo I de R. Se existe uma função
diferenciável F : I → R tal que F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I, então a função f diz-se primitivável em
I e chama-se a F uma primitiva de f .

A função, definida em R por f (x) = 1, é primitivável em R e F (x) = x é uma primitiva de


f em R. Como a derivada de F (x) = sin x é f (x) = cos x, para todo o x em R, a função f é
primitivável em R e F é uma primitiva de f em R.
Como veremos (cf. Teorema 4.13), se f admite uma primitiva F , então admite uma infinidade
de primitivas.
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91
Nem todas as funções são primitiváveis, por exemplo,
(
1, se x ≥ 0
f (x) =
0, se x < 0
não é primitivável em R. Com efeito, se F fosse uma primitiva de f ter-se-ia
(
x + C1 , se x > 0
F (x) =
C2 , se x < 0.

Para que F fosse contı́nua em x = 0 teria que ser C1 = C2 = F (0) mas é impossı́vel atribuir um
valor a F (0) de modo a que F seja diferenciável em x = 0 pois F−0 (0) = 0 e F+0 (0) = 1.
De um modo geral tem-se o seguinte resultado.

Teorema 4.12 Sejam I ⊆ R um intervalo e f : I → R. Se f for descontı́nua num ponto c ∈ I


onde existem os limites laterais, então f não tem primitiva em I.

Como vimos acima, nem todas as funções são primitiváveis, no entanto, se uma função for
primitivável ela admite um número infinito de primitivas que diferem entre si por uma constante,
como mostra o teorema seguinte.

Teorema 4.13 Seja f : I ⊆ R → R, onde I é um intervalo, e seja F : I ⊆ R → R uma


primitiva de f . Então:
i) todas as funções da forma F + C, com C ∈ R, são primitivas de f ;
ii) qualquer primitiva G de f é da forma G = F + k para um certo k ∈ R.
Z
Usamos a notação f (x) dx para representar a expressão geral de todas as primitivas da
função f num intervalo contido no seu domı́nio. Assim, se F for uma primitiva de f , tem-se
Z
f (x) dx = F (x) + C, C ∈ R.

Exemplos. Resulta imediatamente das regras de derivação e da definição de primitiva que


Z
2x dx = x2 + C, C ∈ R;
Z
ex dx = ex + C, C ∈ R;
Z
sin x dx = − cos x + C, C ∈ R.

Definição 4.14 Seja f uma função contı́nua num intervalo I de R e seja x0 ∈ I. Chama-se
integral indefinido de f , com origem em x0 , à função
Z x
x 7→ F (x) = f (t) dt, x ∈ I.
x0

Exemplos. 1) Dado k ∈ R, seja f (x) = k, ∀x ∈ R. Então o integral indefinido de f , com


origem em x0 ∈ R, é a função
Z x
F (x) = k dt = k (x − x0 ) , x ∈ R.
x0

1) Para a função definida por f (x) = x, ∀x ∈ R, o integral indefinido de f , com origem em


x0 ∈ R, é a função Z x
1 2 
F (x) = t dt = x − x20 , x ∈ R.
x0 2
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92
Teorema 4.15 (Teorema Fundamental do Cálculo, Parte 1) Seja f uma função contı́-
nua num intervalo I de R e seja x0 ∈ I. Então o integral indefinido de f com origem em
x0 , Z x
F (x) = f (t) dt, x ∈ I,
x0

é uma função diferenciável em I e tem-se F 0 (x) = f (x), ∀x ∈ I. Portanto F é uma primitiva


de f em I.

Corolário 4.16 Toda a função contı́nua num intervalo I ⊆ R é primitivável em I.


Z x
Exemplos. 1) Para F (x) = cos(t2 ) dt, x ∈ R, de acordo com o Teorema Fundamental do
1
Cálculo, tem-se
F 0 (x) = cos(x2 ), ∀x ∈ R.
Z 0 Z x
2 2
2) Seja G(x) = et dt, x ∈ R. Uma vez que G(x) = − et dt, x ∈ R, o teorema anterior
x 0
permite concluir que
x2
G0 (x) = −e , ∀x ∈ R.
Z √x Z x
2
3) Considere-se a função H(x) = sin(t ) dt, x > 0. Sendo h(x) = sin(t2 ) dt, x ∈ R, e
√ 0 0
g(x) = x, x ≥ 0, observamos que H(x) = h(g(x)) donde, pelo Teorema 4.15 e pela regra de
derivação da função composta, vem
 √   1 sin x
2
H 0 (x) = h0 (g(x)) · g 0 (x) = sin x · √ = √ , x > 0.
2 x 2 x

Chama-se funções elementares da Análise a todas as funções que se podem obter a partir
das constantes, da função identidade, do seno e da exponencial aplicando um número finito de
vezes as operações de adição, multiplicação, divisão, composição e inversão. Atendendo às regras
de derivação, verifica-se que a derivada de uma função elementar é ainda uma função elementar.
Existem, no entanto, funções elementares que não são derivadas de funções elementares, o que
implica que as suas primitivas não sejam funções elementares. Exemplos de funções deste tipo
são as definidas por
2 ex sin x cos x 1
ex , sin(x2 ), cos(x2 ), , , e .
x x x log x
Note-se que, sendo contı́nuas, estas funções são primitiváveis, no entanto as suas primitivas não
são funções elementares. Deste modo a primitivação, ao contrário da derivação, obriga a sair
do âmbito das funções elementares e a considerar outros tipos de funções como, por exemplo,
funções definidas por séries (cf. Capı́tulo 5).
Dada uma função f contı́nua em I, o teorema anterior diz-nos que qualquer integral indefinido
de f é uma primitiva de f em I. O teorema que se segue dá-nos um método para calcularmos
o integral definido de f desde que seja conhecida uma sua primitiva.

Teorema 4.17 (Teorema Fundamental do Cálculo Integral, Parte 2) Seja f uma fun-
ção contı́nua no intervalo [a, b] e seja F uma primitiva de f em [a, b]. Então
Z b
 b
f (x) dx = F (b) − F (a) = F (x) a
(fórmula de Barrow).
a

A fórmula anterior é ainda válida no caso em que a ≥ b.

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93
" #1
x3
Z 1
1 1
Exemplos. 1) x2 dx = = −0= .
0 3 0
3 3
Se tivéssemos usado outra primitiva da função x 7→ x2 obteriamos
" #1
x3
Z 1
1 1
 
2
x dx = +C = + C − (0 + C) = ,
0 3 0
3 3

onde C ∈ R. O resultado, como é claro, é independente da primitiva que se escolhe, sendo mais
prático, em geral, trabalhar com a primitiva para a qual C = 0.
π  π4
1 π
Z 
4
2) dx = tan x = tan − tan 0 = 1.
0 cos2 x 0 4
Z 4
1  4
3) dx = log x 2
= log 4 − log 2 = log 2.
2 x
Z 1
1  1 π
4) 2
dx = arctan x 0 = arctan 1 − arctan 0 = .
0 1+x 4

4.4 Cálculo de primitivas, primitivas imediatas

A partir das derivadas das funções elementares, temos imediatamente a seguinte lista de primi-
tivas, válidas num intervalo I contido nos respectivos domı́nios:
Z
• se k ∈ R, k dx = kx + C;

xα+1
Z
• se α 6= −1, xα dx = + C;
α+1
1
Z
• se 0 ∈
/ I, dx = log |x| + C;
x
1 kx
Z
• se k 6= 0, ekx dx = e + C;
k
Z
• cos x dx = sin x + C;
Z
• sin x dx = − cos x + C;

1
Z Z
• dx = sec2 x dx = tan x + C;
cos2 x
1
Z Z
• dx = cosec2 x dx = −cotanx + C;
sin2 x
1
Z
• dx = arctan x + C;
1 + x2
1
Z
• se I ⊆ ] − 1, 1 [, √ dx = arcsin x + C;
1 − x2
−1
Z
• se I ⊆ ] − 1, 1 [, √ dx = arccos x + C,
1 − x2
onde C ∈ R.
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94
1
Exemplo. Determinemos uma função F que satisfaça a condição F 0 (x) = . Uma vez que o
x
1
domı́nio da função x 7→ não é um intervalo, a função F é dada por
x
(
log x + C1 , se x > 0
F (x) =
log(−x) + C2 , se x < 0,

onde C1 e C2 são constantes reais, não necessariamente iguais. Este exemplo põe assim em
destaque o facto da operação de primitivação ser efectuada em intervalos.
Resulta imediatamente das regras de derivação o seguinte resultado, que se generaliza, por
indução, ao caso da soma de um número finito de funções primitiváveis.

Proposição 4.18 Se f e g Zsão funções primitiváveis


Z emZ I e se k ∈ R\{0},
Z então kf eZ f +g são
primitiváveis em I e tem-se kf (x) dx = k f (x) dx e (f +g)(x) dx = f (x) dx+ g(x) dx,
ou seja, a operação de primitivação é linear.
1
4 x− 2 +1 √
Z Z
− 12
Exemplos. 1) √ dx = 4 x dx = 4 1 + C = 8 x + C, C ∈ R.
x −2 + 1
2 1 1
Z Z Z
2) √ + e3x dx = 2 √ dx + e3x dx = 2 arcsin x + e3x + C, C ∈ R.
1 − x2 1 − x2 3
3) Determinar a função f : R → R, sabendo que f 00 (x) = 2x + 1, que f 0 (0) = 2 e que
f (0) = −1.
Primitivando a igualdade f 00 (x) = 2x + 1 obtemos f 0 (x) = x2 + x + C1 , com C1 ∈ R. A
hipótese f 0 (0) = 2 permite calcular o valor da constante C1 : 2 = 0 + 0 + C1 , logo C1 = 2. Assim,
1 1
f 0 (x) = x2 + x + 2. Primitivando novamente vem f (x) = x3 + x2 + 2x + C2 . Como f (0) = −1,
3 2
1 1
temos −1 = 0 + 0 + 0 + C2 e, portanto, f (x) = x3 + x2 + 2x − 1.
3 2
A próxima proposição resulta da regra de derivação da função composta e permite-nos cal-
cular primitivas de funções com expressões um pouco mais complicadas.

Proposição 4.19 Sejam I e J intervalos de R, u : J → I uma função diferenciável e f : I → R


uma função primitivável. Se F (y) for uma primitiva de f (y), então F (u(x)) é uma primitiva
de f (u(x)) · u0 (x).

1 2
Z  4 5
Exemplos. 1) x2 − 1 · 2x dx =
x − 1 + C, C ∈ R.
5
Com efeito, a função a primitivar pode-se escrever na forma f (u(x)) · u0 (x), sendo as funções
1
f e u definidas por f (y) = y 4 e u(x) = x2 − 1. Como F (y) = y 5 é uma primitiva de f , a
5
Proposição 4.21 conduz ao resultado indicado.
3
1 1 1 4 + x3 2 2 3
Z p Z

2
2) x 4 + x3 dx
= 3x2 4 + x3 2 dx = 3 + C, = 4 + x 3 2
+ C, C ∈ R.
3 3 2
9
Neste caso, usando as notações da Proposição 4.21, temos u(x) = 4 + x3 , u0 (x) = 3x2 ,
√ 2 3
f (y) = y e F (y) = y 2 .
3
1 1
Z
3) sin6 x cos x dx = sin7 x + C, C ∈ R, pois f (y) = y 6 , F (y) = y 7 , u(x) = sin x e
7 7
u0 (x) = cos x.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

95
Como consequência da Proposição 4.21 e das fórmulas que já conhecemos, obtemos uma
nova lista de primitivas. No que se segue u : J → I é uma função diferenciável e C ∈ R.
(u(x))α+1
Z
• se α 6= −1, (u(x))α · u0 (x) dx = + C;
α+1
u0 (x)
Z
• se u(x) 6= 0 em J, dx = log |u(x)| + C;
u(x)
Z
• eu(x) · u0 (x) dx = eu(x) + C;
Z
• cos(u(x)) · u0 (x) dx = sin(u(x)) + C;
Z
• sin(u(x)) · u0 (x) dx = − cos(u(x)) + C;

u0 (x)
Z Z
• dx = sec2 (u(x)) · u0 (x) dx = tan(u(x)) + C;
cos2 (u(x))

u0 (x)
Z Z
• dx = cosec2 (u(x)) · u0 (x) dx = −cotan(u(x)) + C;
sin2 (u(x))
u0 (x)
Z
• dx = arctan(u(x)) + C;
1 + u2 (x)
u0 (x)
Z
• se |u(x)| < 1 em J, p dx = arcsin(u(x)) + C;
1 − u2 (x)
−u0 (x)
Z
• se |u(x)| < 1 em J, p dx = arccos(u(x)) + C.
1 − u2 (x)

Exemplos.
ex
Z
1) dx = log(ex + 2) + C, C ∈ R.
ex + 2
1 1
Z   Z    
2) x3 cos x4 + 1 dx = 4x3 cos x4 + 1 dx = sin x4 + 1 + C, C ∈ R.
4 4
1
Z Z
5
3) sec x tan x dx = sec4 x (sec x tan x) dx = sec5 x + C, C ∈ R.
5
1 1
Z
4) √ arcsin x dx = (arcsin x)2 + C, C ∈ R.
1−x 2 2

5) Neste exemplo, é necessário fazer alguma manipulação algébrica de modo a escrever a


função a primitivar numa forma que permita aplicar uma das primitivas da lista anterior.
3 2
x2 1 x2 1 x2 1 2x
Z Z Z Z
dx = dx =  3 2 dx = dx
6
x +4 4 x6 4 3×2 3 2
 
4 +1 x
+1 x
+1
2 2
!
1 x3
= arctan + C, C ∈ R.
6 2

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96
4.5 Primitivação por partes

Como vimos na Proposição 4.21, há produtos de funções que têm uma primitiva imediata,
nomeadamente aqueles que resultam da derivação de uma função composta. No entanto, há
outros produtos que não são a derivada (directa) de uma função composta. Vamos agora estudar
um método que nos permite primitivar alguns desses produtos como, por exemplo, produtos de
funções polinomiais por funções exponenciais, logarı́tmicas ou trigonométricas.
Dado que a derivada de um produto não é igual ao produto das derivadas de cada um dos
factores, também a primitiva de um produto não é igual ao produto das primitivas das funções
envolvidas. A fórmula para a primitiva de um produto que vamos obter, fórmula de primitivação
por partes, resulta da fórmula da derivação de um produto.

Proposição 4.20 (Primitivação por Partes) Sejam I um intervalo de R e u, v : I → R


funções diferenciáveis. Então o produto u0 · v é primitivável se, e só se, o produto u · v 0 o for e
tem-se Z Z
u (x) · v(x) dx = u(x) · v(x) − u(x) · v 0 (x) dx.
0

Quando queremos primitivar um produto de duas funções, usando a fórmula de primitivação


por partes, temos que encarar um dos factores como a derivada de uma função, esse será o factor
a que chamamos u0 , e o outro como uma função v a derivar. A fórmula da primitivação por
partes só é útil para calcularmos a primitiva do produto u0 · v se soubermos determinar u a partir
de u0 e se a primitiva do produto u · v 0 for mais fácil de calcular do que a do produto u0 · v. Para
este efeito, a escolha que fazemos para as funções u e v, em geral, não é arbitrária. Assim, para
primitivar o produto de uma função polinomial p por uma função cujas primitivas são simples
de determinar (por exemplo, as funções y = sin x, y = cos x ou y = ex ) deve-se escolher na
fórmula anterior v = p de forma a reduzir o grau do polinómio p.
Exemplo. A função definida por f (x) = 4x cos x é o produto da função polinomial p(x) = 4x
pela função g(x) = cos x. Uma vez que sabemos primitivar a função g, para calcularmos as
primitivas de f aplicamos a Proposição 4.20 com a escolha u0 (x) = cos x e v(x) = p(x). Como
u(x) = sin x é uma primitiva de u0 (x) = cos x e v 0 (x) = 4, tem-se
Z Z
4x cos x dx = 4x sin x − 4 sin x dx = 4x sin x + 4 cos x + C, C ∈ R.

Repare-se que, se tivéssemos escolhido u0 (x) = 4x e v(x) = cos x, obterı́amos u(x) = 2x2 e
v 0 (x) = − sin x, donde a fórmula de primitivação por partes conduziria a
Z Z
4x cos x dx = 2x2 cos x + 2x2 sin x dx,

sendo esta primitiva mais difı́cil de calcular do que a inicial pois envolve um polinómio de grau
mais elevado.
Exemplo. A função definida por f (x) = 8x log x é o produto da função polinomial x 7→ 8x
pela função x 7→ log x. Dado que ainda não aprendemos a calcular uma primitiva da função
logaritmo, vamos aplicar a fórmula de primitivação por partes com a escolha u0 (x) = 8x e
v(x) = log x. Obtemos então
1
Z Z
2
8x log x dx = 4x log x − 4x2 · dx
Z x
= 4x2 log x − 4x dx = 4x2 log x − 2x2 + C, se x > 0.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

97
Vejamos então como primitivar a função g(x) = log x. Escrevendo log x = 1 · log x, a fórmula
de primitivação por partes permite calcular
1
Z Z Z
log x dx = 1 · log x dx = x log x − x · dx = x log x − x + C, se x > 0.
x
Este é também o argumento usado para primitivar as funções circulares inversas.
Exemplo. Uma vez que arcsin x = 1 · arcsin x, tem-se
Z Z
arcsin x dx = 1 · arcsin x dx
1
Z
= x arcsin x − x√ dx
1 − x2
1
Z
1 p
= x arcsin x + −2x(1 − x2 )− 2 dx = x arcsin x + 1 − x2 + C.
2
Nalguns casos pode ser necessário usar a fórmula de primitivação por partes mais do que
uma vez. Isto é o que acontece, por exemplo, quando pretendemos primitivar o produto da
função y = ex por um polinómio de grau superior a 1.
Exemplo. Aplicando a Proposição 4.20 três vezes, escolhendo em cada caso a função x 7→ ex
como função a primitivar e as funções polinomiais como funções a derivar, obtemos sucessiva-
mente
Z Z
(x3 + 2x)ex dx =(x3 + 2x)ex − (3x2 + 2)ex dx
Z
x x
3
= (x + 2x)e − (3x + 2)e + 2
6xex dx
Z
= (x3 − 3x2 + 2x − 2)ex + 6xex − 6ex dx

= (x3 − 3x2 + 8x − 2)ex − 6ex + C = (x3 − 3x2 + 8x − 8)ex + C, C ∈ R.

Terminamos esta secção com outro exemplo onde se aplica a fórmula de primitivação por par-
tes duas vezes, e que diz respeito ao cálculo de primitivas envolvendo as funções trigonométricas
x 7→ sin x e x 7→ cos x.
Exemplo. Pretendemos primitivar a função y = ex cos(2x). Aplicamos a Proposição 4.20 com
a escolha u0 (x) = ex e v(x) = cos(2x); em alternativa, também poderı́amos considerar v(x) = ex
e u0 (x) = cos(2x) uma vez que, neste caso, ambas as opções conduzem a cálculos de grau de
dificuldade semelhante. Vem então
Z Z Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) − ex (−2 sin(2x)) dx = ex cos(2x) + 2 ex sin(2x) dx. (19)

A função que resta primitivar, y = ex sin(2x) é, tal como a função inicial, o produto de y = ex por
uma função trigonométrica, neste caso y = sin(2x). Assim, aplicamos novamente a Proposição
4.20, mantendo a escolha u0 (x) = ex , e obtemos
Z Z
x x
e sin(2x) dx = e sin(2x) − 2 ex cos(2x) dx. (20)

A segunda aplicação da fórmula de primitivação por partes levou-nos de volta à primitiva inicial
pelo que, aparentemente, não resolveu o problema. No entanto, substituido (20) em (19), vem
Z Z
x x
e cos(2x) dx = e cos(2x) + 2 ex sin(2x) dx
 Z 
= ex cos(2x) + 2 ex sin(2x) − 2 ex cos(2x) dx
Z
= ex cos(2x) + 2 sin(2x) − 4 ex cos(2x) dx,


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98
donde se conclui que, Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) + 2 sin(2x)

5
o que dá, finalmente,
1
Z
ex cos(2x) dx = ex cos(2x) + 2 sin(2x) + C, C ∈ R.

5
Como mencionámos, neste exemplo, é indiferente escolher a função y = ex para u0 (x) ou para
v(x). No entanto, o método de resolução apresentado funciona apenas se se fizer a mesma escolha
em ambas as aplicações da fórmula de primitivação por partes.

4.6 Primitivação de funções racionais

Nesta secção veremos como primitivar funções racionais, isto é, funções que são quociente de
P (x)
funções polinomiais. Consideremos então uma função racional da forma , onde P (x) e
Q(x)
Q(x) são polinómios em x, tais que o grau de Q(x) é maior ou igual a 1 (ou seja, Q(x) não é
uma constante) e o grau de P (x) é menor que o grau de Q(x).
No caso em que o grau de P (x) é maior ou igual ao grau de Q(x), começamos por dividir os
polinómios de modo a obter
P (x) R(x)
= S(x) + ,
Q(x) Q(x)
onde S(x) e R(x) são polinómios, sendo o grau de R(x) menor do que o grau de Q(x). Dado
P (x) R(x)
que já sabemos primitivar S(x), reduzimos a primitivação de à primitivação de , que
Q(x) Q(x)
está nas condições mencionadas acima. Por exemplo,
2x3 + x2 + 4 x2
= 2 + .
x3 + 2 x3 + 2
Seguidamente determinamos, se possı́vel, as raı́zes de Q(x). De acordo com a factorização
de Q(x), vamos considerar três casos distintos e analisar separadamente cada um deles.

Caso 1.
Suponhamos que o polinómio Q(x) se escreve como produto de factores de grau 1 distintos,
isto é, Q(x) é um produto de polinómios de grau 1 que não têm raı́zes em comum. Assim,
bi bj
existem números reais ai , bi , com ai 6= 0, i = 1, . . . , k e 6= se i 6= j, tais que
ai aj
Q(x) = (a1 x + b1 )(a2 x + b2 ) . . . (ak x + bk ).
Neste caso, pode-se provar que existem constantes reais Ai , i = 1, . . . , k, tais que
P (x) A1 A2 Ak
= + + ... + . (21)
Q(x) a1 x + b1 a2 x + b2 ak x + bk
A primitivação de cada uma das parcelas anteriores, chamadas fracções simples ou fracções
parciais, é imediata tendo-se, em cada intervalo contido no respectivo domı́nio,
Ai Ai ai Ai
Z Z
dx = dx = log |ai x + bi | + Ci , Ci ∈ R, i = 1, . . . , k.
ai x + bi ai ai x + bi ai
P (x)
Assim, para calcularmos uma primitiva de basta determinarmos os valores das cons-
Q(x)
tantes Ai o que se pode fazer reduzindo ao mesmo denominador a expressão do lado direito de
(21) e tendo em conta que dois polinómios são iguais se, e só se, os coeficientes dos termos do
mesmo grau forem iguais.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

99
x−1
Z
Exemplo. Calcular dx.
x2 + x
x−1 x−1 A B
Pelo que foi exposto, sabemos que é possı́vel escrever 2
= = + ,
x +x x(x + 1) x+1 x
onde A e B são duas constantes a determinar. Reduzindo ao mesmo denominador, pretendemos
calcular A, B ∈ R tais que
Ax + B(x + 1) x−1
2
= 2 , ∀x ∈ R \ {−1, 0},
x +x x +x
ou seja, tais que
Ax + B(x + 1) = x − 1, ∀x ∈ R \ {−1, 0}. (22)
Um polinómio de grau n da forma an xn + . . . + a1 x + a0 , an 6= 0, é univocamente determinado
pelos seus n + 1 coeficientes a0 , . . . , an . Então, para que dois polinómios de grau n sejam iguais,
basta que coincidam em n + 1 pontos. Assim, se a igualdade (22) se verificar para todo o
x ∈ R \ {−1, 0}, também será válida para todo o x ∈ R. Portanto, para determinarmos os
valores de A e B, podemos substituir x = −1 em (22) e obtemos −A = −2, donde A = 2.
Fazendo x = 0 em (22), vem B = −1.
Outro processo para encontrar as constantes A e B que satisfazem (22) é igualar os coeficien-
tes dos termos em x, e os termos constantes, dos dois polinómios intervenientes nessa igualdade
(cf. o método dos coeficientes indeterminados, já utilizado no Capı́tulo 1). Obtém-se
( (
A+B =1 A=2

B = −1 B = −1.

Portanto,
x−1 2 1
Z Z
dx = − dx = 2 log |x + 1| − log |x| + C, C ∈ R.
x2 + x x+1 x

Caso 2.
Suponhamos agora que o polinómio Q(x) se escreve como produto de factores de grau 1,
alguns dos quais repetidos, isto é, existem números reais ai , bi , com ai 6= 0, i = 1, . . . , k e
existem constantes ni ∈ N, i = 1, . . . , k, tais que
Q(x) = (a1 x + b1 )n1 (a2 x + b2 )n2 . . . (ak x + bk )nk .
P (x)
Neste caso, pode-se provar que no quociente , cada factor da forma (ax + b)n de Q(x) dá
Q(x)
origem a uma expressão do tipo
A1 A2 An
+ + ... + ,
ax + b (ax + b)2 (ax + b)n
para certas constantes reais Ai , i = 1, . . . , n. Uma vez que a primitivação de cada uma das par-
celas anteriores é imediata, obtendo-se logaritmos ou potências, para calcularmos uma primitiva
P (x)
de basta determinarmos os valores de todas as constantes envolvidas, o que pode ser feito
Q(x)
pelos métodos descritos no caso anterior.

x2 + 4
Z
Exemplo. Calcular dx.
x3 (x + 2)
Neste caso, existem constantes A, B, C, D ∈ R tais que
x2 + 4 A B C D
3
= + 2+ 3+ , ∀x ∈ R \ {−2, 0}.
x (x + 2) x x x x+2

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100
Reduzindo ao mesmo denominador, procuramos constantes A, B, C, D ∈ R tais que
x2 + 4 Ax2 (x + 2) + Bx(x + 2) + C(x + 2) + Dx3
= , ∀x ∈ R \ {−2, 0},
x3 (x + 2) x3 (x + 2)
ou seja, tais que
Ax2 (x + 2) + Bx(x + 2) + C(x + 2) + Dx3 = x2 + 4, ∀x ∈ R,
(vejam-se os comentários feitos a propósito do exemplo anterior). Igualando os coeficientes
dos termos em x3 , em x2 , em x, e os termos constantes, dos dois polinómios intervenientes na
igualdade anterior, obtemos
 

 A+D =0 
 A=1

 2A + B = 1 
 B = −1


 2B + C = 0 
 C=2
 

2C = 4 
D = −1.
Assim,
x2 + 4 1 1 2 1 1 1
Z Z
dx = − 2+ 3− dx = log |x| + − 2 − log |x + 2| + C, C ∈ R.
x3 (x + 2) x x x x+2 x x

Caso 3.
Vejamos finalmente o caso em que o polinómio Q(x) tem factores quadráticos irredutı́veis
(isto é, polinómios de segundo grau sem raı́zes reais) distintos. Neste caso, pode-se provar que
cada factor irredutı́vel de Q(x) do tipo ax2 + bx + c, com b2 − 4ac < 0, dá origem a um termo
da forma
Ax + B
,
ax2 + bx + c
P (x)
no quociente , para determinadas constantes reais A e B. A primitivação destes termos
Q(x)
conduzem-nos a expressões envolvendo log e arctg. Portanto, tal como nos casos anteriores,
P (x)
para calcularmos uma primitiva de basta determinarmos os valores das constantes que
Q(x)
nos surgem nas fracções simples.

Exemplos. 1) De acordo com o que vimos, a decomposição em fracções simples da função


3x4 − 5x2 + 7x + 1
racional 5 é dada por
x (x + 2)2 (x2 + 4)(x2 + 1)
A1 A2 A3 A4 A5 A6 A7 A8 x + A9 A10 x + A11
+ 2 + 3 + 4 + 5 + + 2
+ + .
x x x x x x + 2 (x + 2) x2 + 4 x2 + 1
1
Z
2) Calcular dx.
x(x2
+ x + 1)
O polinómio x2 + x + 1 não tem raı́zes reais, é, portanto, irredutı́vel. Assim, é possı́vel
escrever
1 A Bx + C
2
= + 2 ,
x(x + x + 1) x x +x+1
para certas constantes A, B, C ∈ R. Reduzindo ao mesmo denominador, queremos determinar
A, B, C ∈ R de tal modo que
1 A(x2 + x + 1) + x(Bx + C)
= , ∀x ∈ R \ {0},
x(x2 + x + 1) x(x2 + x + 1)
isto é, de forma a que
A(x2 + x + 1) + x(Bx + C) = 1, ∀x ∈ R.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

101
Igualando, nos dois polinómios da igualdade anterior, os coeficientes dos termos do mesmo
grau, vem  
 A+B =0
  A=1

A+C =0 ⇔ B = −1

 A=1  C = −1,

donde
1 1 x+1
Z Z
2
dx = − 2 dx
x(x + x + 1) x x +x+1

1 2x + 2
Z
= log |x| − dx
2 x2 + x + 1

1 2x + 1 1 1
Z Z
= log |x| − dx − 2 dx
2 x2 + x + 1 2

1 3
x+ 2 + 4
1 1 1
Z
= log |x| − log(x2 + x + 1) −   2  dx
2 2 3 4 1
4 3 x+ 2 +1
1 2 1
Z
= log |x| − log(x2 + x + 1) − i2 dx
2 3
h 
√2 x+ 1
+1
3 2
√2
1 1
Z
3
= log |x| − log(x2 + x + 1) − √ 2 dx
2

3 √2 x + √1 +1
3 3
1 1 2 1
 
= log |x| − log(x2 + x + 1) − √ arctan √ x + √ + C, C ∈ R.
2 3 3 3

4.7 Primitivação por substituição

O método de primitivação por substituição, também dito por mudança de variável, é uma
aplicação da Proposição 4.21 e, por isso, é uma consequência da regra de derivação da função
composta.
Sendo I e J intervalos de R, u : J → I uma bijecção diferenciável e f : I → R uma função
primitivável, a Proposição 4.21 diz-nos que, se F é uma primitiva de f , então F ◦ u é uma
primitiva de (f ◦ u) · u0 . Já usámos esta proposição no cálculo de primitivas da forma (f ◦ u) · u0 ,
sendo conhecida F .
Vamos agora aplicar a mesma proposição, mas no sentido contrário. O nosso objectivo é
determinar uma primitiva F de f supondo que é (relativamente) fácil determinar uma primitiva
G de (f ◦ u) · u0 . Dado que F ◦ u e G são ambas primitivas de (f ◦ u) · u0 , sabemos que existe
C ∈ R tal que F ◦ u − G = C, donde se conclui que F − G ◦ u−1 = C, o que mostra que G ◦ u−1
é uma primitiva de f . Este método permite-nos então determinar uma primitiva de f (que será
G ◦ u−1 ) quando é conhecida uma primitiva de (f ◦ u) · u0 (a função G). Fica assim demonstrado
o seguinte resultado.

Teorema 4.21 (Primitivação por Substituição) Sejam I e J dois intervalos de R,


f : I → R e u : J → I uma bijecção diferenciável. Se f for primitivável em I, então
Z Z 
f (x) dx = f (u(t))u0 (t) dt ◦ u−1 (x).

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

102
Portanto, para calcularmos
Z uma primitiva por meio da mudança de variável x = u(t),
começamos por calcular f (u(t))u0 (t) dt que, usando a notação de Leibniz, pode ser escrita na
dx
Z
forma f (u(t))
dt. Obtemos uma função da variável auxiliar t. Substituindo na expressão
dt
obtida t por u−1 (x), regressamos à variável original x para obtermos a primitiva pretendida,
isto é, Z
f (x) dx.
Z √
x
Exemplo. Calcular e dx.
√ √
Para o cálculo da primitiva de f (x) = e x é conveniente fazer a mudança de variável x = t,
pelo que consideramos a bijecção diferenciável u : R+ → R+ dada por u(t) = t2 . Tem-se

u−1 (x) = x e u0 (t) = 2t, pelo que o Teorema 4.21 nos conduz ao cálculo da primitiva da função
f (u(t)) · u0 (t) = et · 2t. Primitivando por partes esta última função vem
Z Z
et · 2t dt = et · 2t − et · 2 dt = et 2t − 2 + C, C ∈ R,



portanto, substituindo t = x na expressão anterior, conclui-se que
Z √ √ √
e x dx = e x 2 x − 2 + C, C ∈ R.


Veremos agora algumas mudanças de variável que são adequadas para calcularmos determi-
nados tipos de primitivas. Começamos com uma definição.
Definição 4.22 Seja n ∈ N. Chamamos função racional de n variáveis x1 , x2 , . . . , xn , e
representamos por R(x1 , x2 , . . . , xn ), a uma função que se pode escrever como quociente de
somas finitas de parcelas do tipo αxs11 xs22 . . . xsnn (ou seja, de polinómios nas indeterminadas
x1 , . . . , xn ) onde α ∈ R e s1 , s2 , . . . , sn ∈ N.
Compondo funções racionais com outras funções obtemos funções dadas por quocientes. Por
x2 + 2xy
exemplo, considerando R(x, y) = 3 obtemos
y − 5x
sin2 x + 2 sin x cos x
R(sin x, cos x) =
cos3 x − 5 sin x
x+y−1
e dizemos que esta é uma função racional de sin x e de cos x. Para R(x, y) = obtemos
x3
√ √
√ √ x+ 3x−1
R( x, 3 x) = √
x x
√ √
e dizemos que esta é uma função racional de x e de 3 x.

Vamos ver como se primitivam algumas destas funções, fazendo substituições apropriadas
que conduzem a primitivas de funções racionais de uma só variável como as que foram estudadas
na secção anterior.
1 1 1
• Primitivação de uma função da forma R(x, x n1 , x n2 , . . . , x nk ):
neste caso pode-se considerar a mudança de variável
1
t = x p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk ),
o que possibilita o cálculo da primitiva através das técnicas já estudadas, uma vez que os
expoentes fraccionários passam a expoentes inteiros.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

103
1 1
Z Z
Exemplo. Calcular √ √ dx = 1 dx. 1
x+ 4x x + x4 2
1
Atendendo a que m.m.c.(2, 4) = 4, fazemos a substituição t = x 4 , isto é, x = u(t) = t4 .
√ 4t3
Como u0 (t) = 4t3 e x = t2 , de acordo com o Teorema 4.21, vamos primitivar 2 :
t +t
4t3 4t2
Z Z
dt = dt
t2 + t t+1
Z 2
t −1+1 (t − 1)(t + 1) + 1
Z
=4 dt = 4 dt
t+1 t+1 !
1 t2
Z
=4 t−1+ dt = 4 − t + log |t + 1| + C, C ∈ R.
t+1 2
1 √
Substituindo, na expressão anterior, t = x 4 e t2 = x, vem
Z
1 √ √ √
√ √
4
dx = 2 x − 4 4 x + 4 log( 4 x + 1) + C, C ∈ R.
x+ x

x x x
• Primitivação de uma função da forma R(e n1 , e n2 , . . . , e nk ):
nesta situação pode-se considerar a mudança de variável
x
t = e p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk ).

• Primitivação de uma função da forma R(sin x, cos x):


se se puder pôr em evidência sin x, podemos fazer t = cos x, se se puder pôr em evidência
cos x, podemos pôr t = sin x.
Em geral, podemos fazer a mudança de variável
x x π π
   
t = tan , ou seja, = arctan t ∈ − , .
2 2 2 2
Neste caso, a partir de certas fórmulas trigonométricas, resulta que
1 − t2 2t
cos x = e sin x = .
1 + t2 1 + t2
x 1 t
e sin x2 = √
 
Comecemos por mostrar que se tem cos 2 = √ . Ora, da
1 + t 2 1 + t2
x x x
igualdade 1 + tan2 = sec2 resulta que sec2 2
 
2 2 2 = 1 + t , donde

x 1
 
cos2 = , (23)
2 1 + t2
e, da fórmula fundamental da trigonometria, vem
x x 1 t2
   
sin2 = 1 − cos2 =1− = . (24)
2 2 1 + t2 1 + t2
Como x2 ∈ − π2 , π2 , cos x x x
    
2 > 0 e sin 2 tem o mesmo sinal que tan 2 = t. Assim, de
(23) e (24) segue-se que
x 1 x t
   
cos =√ e sin =√ .
2 1 + t2 2 1 + t2

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

104
Assim, obtemos as seguintes expressões para sin x e cos x em função de t:
x x 1 t2 1 − t2
   
2
cos x = cos − sin2 = − = ,
2 2 1 + t2 1 + t2 1 + t2
x x t 1 2t
   
sin x = 2 sin cos = 2√ √ = .
2 2 2
1+t 1+t 2 1 + t2

cos x
Z
Exemplos. 1) Calcular dx.
(sin x + 1)2
Esta primitiva pode ser calculada fazendo a mudança de variável sin x = t, mas é muito mais
simples verificar que se trata de uma primitiva imediata. Com efeito,
cos x 1
Z Z
dx = cos x(sin x + 1)−2 dx = −(sin x + 1)−1 + C = − + C, C ∈ R.
(sin x + 1)2 sin x + 1
sin x
Z
2) Calcular dx.
4 − cos2 x
Fazemos a mudança de variável cos x = t, ou seja, consideramos a bijecção diferenciável
1
u :] − 1, 1[→]0, π[ dada por u(t) = arccos t, tendo-se u0 (t) = − √ . Como em ]0, π[ se tem
1 − t2
sin x > 0, da fórmula fundamental da trigonometria vem,
p p
sin x = | sin x| = 1 − cos2 x = 1 − t2 .

Somos assim conduzidos ao cálculo da primitiva


Z √
1 − t2 1 1
  Z
− √ dt = dt
4 − t2 1−t 2 t2−4

1 1 1 1
Z Z
= dt = − dt
(t − 2)(t + 2) 4 t−2 t+2
t − 2

1 1 1
= log |t − 2| − log |t + 2| + C = log
+ C, C ∈ R.
4 4 4 t + 2
Substituindo na última expressão t = cos x, vem finalmente
cos x − 2
+ C = 1 log 2 − cos x

sin x 1
Z  
2
dx = log + C, C ∈ R.
4 − cos x 4 cos x + 2 4 cos x + 2
1
Z
3) Calcular dx.
1 + cos x − sin x
x
 
Neste caso fazemos a substituição t = tan , ou seja, x = u(t) = 2 arctan t. Como foi
2
provado atrás, tem-se
1 − t2 2t
cos x = e sin x = ,
1 + t2 1 + t2
2
e u0 (t) = . Vamos então calcular
1 + t2
1 2 2
Z Z
1−t2
dt = dt
1+ − 2t 1 + t2 1+ t2 + 1 − t2 − 2t
1+t2 1+t2
2 1
Z Z
= dt = dt = − log |1 − t| + C, C ∈ R.
2 − 2t 1−t
Portanto,
1 x
Z  

dx = − log 1 − tan + C, C ∈ R.
1 + cos x − sin x 2

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

105
4) Vejamos agora como primitivar a função y = sec x. A primitiva pode ser obtida através
da mesma mudança de variável usada no exemplo anterior, mas um pequeno artifı́cio de cálculo
permite concluir de forma mais simples. Com efeito, tem-se
sec x(sec x + tan x)
Z Z
sec x dx = dx
sec x + tan x
sec x tan x + sec2 x
Z
= dx = log | sec x + tan x| + C, C ∈ R,
sec x + tan x
d d
onde usámos o facto de se ter (sec x) = sec x tan x e (tan x) = sec2 x.
dx dx
1
Z
5) Calcular dx.
cos x sin x
Fazendo uso da fórmula fundamental da trigonometria, podemos escrever
1 cos2 x + sin2 x
Z Z
dx = dx
cos x sin x cos x sin x
cos x sin x
Z
= + dx = log | sin x| − log | cos x| + C = log | tan x| + C, C ∈ R.
sin x cos x

Como os dois últimos exemplos mostram, em certos casos, na primitivação de funções en-
volvendo funções trigonométricas, o recurso a certas fórmulas trigonométricas pode facilitar o
cálculo e evitar fazer mudanças de variável que conduzam a contas mais elaboradas.

• Primitivação de uma função da forma R(x, a2 − x2 ):
neste caso podemos fazer
x = a sin t ou x = a cos t,
e√ usamos a fórmula fundamental da trigonometria, sin2 t + cos2 t = 1, para escrever
a2 − x2 em função de t.
x
Z
Exemplos. 1) Calcular √ dx.
9 − x2
O cálculo pode ser feito recorrendo às mudanças de variável x = 3 sin t ou x = 3 cos t mas é
mais simples observar que a primitiva pedida é imediata.
x
Z Z
1
√ dx = x(9 − x2 )− 2 dx
9 − x2
1
Z
1 p
=− −2x(9 − x2 )− 2 dx = − 9 − x2 + C, C ∈ R.
2

4 − x2
Z
2) Calcular dx.
x2
Os cálculos que se seguem são válidos num intervalo I contido em [−2, 2] \ {0} que é o
domı́nio da função que pretendemos primitivar. Fazemos a substituição x = u(t) = 2 sin t,
ou seja, consideramos a bijecção diferenciável u : J → I, onde J é um intervalo contido em
− 2 , 2 \ {0}. Tem-se u0 (t) = 2 cos t e t = u−1 (x) = arcsin x2 ∈ J. Assim,
 π π 

p p √
4 − x2 = 4 − 4 sin2 t = 2 cos2 t = 2| cos t| = 2 cos t,
uma vez que no intervalo considerado se tem cos t ≥ 0. Vamos então calcular
2 cos t cos2 t
Z Z
2 2 cos t dt = 2 t dt
4 sin t sin
1
Z Z
= cotan2 t dt = − 1 dt = −cotan t − t + C, C ∈ R.
sin2 t
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

106
√ √
cos t 4 − x2 2 4 − x2
Como cotan t = = · = , resulta que
sin t 2 x x
Z √ √
4 − x2 4 − x2 x
 
dx = − − arcsin + C, C ∈ R.
x2 x 2

• Primitivação de uma função da forma R(x, a2 + x2 ):
podemos pôr
x = a tan t,

e usamos o facto de que 1 + tan2 t = sec2 t para escrever a2 + x2 em função de t.
1
Z
Exemplo. Calcular √ dx.
4x2 + 9
√ p
Dado que 4x2 + 9 = (2x)2 + 32 , fazemos a mudança de variável 2x = 3 tan t, isto é,
x = 23 tan t = u(t), sendo u0 (t) = 32 sec2 t. Tem-se t = u−1 (x) = arctan( 32 x) ∈ − π2 , π2 , donde,


p p √
4x2 + 9 = 9 tan2 t + 9 = 3 sec2 t = 3| sec t| = 3 sec t,
atendendo a que cos t > 0 no intervalo − π2 , π2 . Somos então conduzidos ao cálculo da primitiva
 

1 3 1 1
Z Z
· sec2 t dt = sec t dt = log | sec t + tan t| + C, C ∈ R,
3 sec t 2 2 2
pelo exemplo 4) da página 106. Conclui-se, pois, que

Z
1 1 4x2 + 9 2
√ dx = log

+ x + C, C ∈ R.
4x2 + 9 2 3 3


• Primitivação de uma função da forma R(x, x2 − a2 ):
neste caso podemos fazer a substituição
a
x = a sec t = ,
cos t

e usamos o facto de que 1 + tan2 t = sec2 t para escrever x2 − a2 em função de t.
1
Z
Exemplo. Calcular √ dx, para x < −2.
x x2 − 4
Para este cálculo consideramos a bijecção diferenciável u : π2 , π →] − ∞, −2[ dada por
 

x = u(t) = 2 sec t. Então u0 (t) = 2 sec t tan t e


p √
x2 − 4 = 2 tan2 t = 2| tan t|.
 
Uma vez que t = u−1 (x) = arccos 2
π 
x ∈ 2,π , e neste intervalo tan t < 0, vem
p
x2 − 4 = 2| tan t| = −2 tan t.
A mudança de variável efectuada leva-nos a calcular
1 1 t
Z Z
· 2 sec t tan t dt = − dt = − + C, C ∈ R,
2 sec t(−2 tan t) 2 2
e, consequentemente,
1 1 2
Z  
√ dx = − arccos + C, C ∈ R,
x x2 − 4 2 x
supondo que x < −2.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

107
Estudámos neste capı́tulo vários métodos que permitem primitivar diversas classes de fun-
ções. Nalguns casos, é possı́vel obter primitivas de uma mesma função por aplicação de mais de
uma das técnicas aprendidas, conduzindo cada uma delas a expressões aparentemente diferentes
(vejam-se, por exemplo, os exercı́cios 28. c) e 30. c) da Ficha 4). Devemos ter em conta, porém,
que se as técnicas tiverem sido correctamente aplicadas, os resultados finais, embora possam
estar escritos de forma diferente, correspondem a funções que diferem entre si apenas por uma
constante (por vezes, essa evidência só se torna aparente após alguma manipulação algébrica
nas expressões obtidas).

4.8 Integração por partes e por substituição

Como consequência das fórmulas de primitivação por partes e por susbtituição obtemos resul-
tados semelhantes para integrais. Temos então os seguintes teoremas.

Teorema 4.23 (Integração por Partes) Sejam a, b ∈ R tais que a < b e u, v duas funções
de classe C 1 ([a, b]). Então
Z b Z b
b
u0 (x) · v(x) dx = u(x) · v(x) u(x) · v 0 (x) dx.

a

a a

Z 2
Exemplo. Calcular x3 log x dx.
1
Aplicando o teorema anterior, escolhendo u0 (x) = x3 e v(x) = log x, obtemos
" #2
x4
Z 2 Z 2 4
3 x 1
x log x dx = log x − · dx
1 4 1 1 4 x
" #2
x4 1 15
 
= 4 log 2 − = 4 log 2 − 1 − = 4 log 2 − .
16 1
16 16

Teorema 4.24 (Integração por Substituição) Sejam a, b ∈ R tais que a < b, I um inter-
valo de R, f : I → R uma função contı́nua e u : [a, b] → I uma função de classe C 1 ([a, b]).
Então Z u(b)
Z b
f (x) dx = f (u(t)) · u0 (t) dt.
u(a) a

Note-se que, contrariamente ao que sucede quando se calculam primitivas por mudança de
variável, no cálculo do integral por este processo não é preciso voltar à variável original x, o que
está relacionado com o facto de se fazer a alteração nos limites de integração como indicado.
Qualquer um dos resultados anteriores permanece válido no caso em que a ≥ b.
Z 1
1
Exemplo. Calcular dx.
0 (x2 + 1)2
Fazemos a mudança de variável x = u(t) = tan t, tendo-se u0 (t) = sec2 t. Como 0 = u(0) e
1 = u( π4 ), resulta do teorema anterior que
Z 1 π
1 1
Z
4
dx = · sec2 t dt
0 (x2 + 1)2 0 sec4 t
π Z π
1
Z
4 4
= 2
dt = cos2 t dt
0 sec t 0
π π
1 + cos(2t) t sin(2t) 4 π 1
Z 
4
= dt = + = + .
0 2 2 4 0 8 4

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

108
Como aplicação do Teorema 4.24 é fácil mostrar a seguinte proposição (cf. exercı́cio 34 da
Ficha 4).
Proposição 4.25 Seja a > 0 e seja f uma função contı́nua no intervalo [−a, a].
Z a
i) Se f é uma função ı́mpar, f (x) dx = 0.
−a
Z a Z a
ii) Se f é uma função par, f (x) dx = 2 f (x) dx.
−a 0

A figura que se segue ilustra o resultado anterior, para uma função que verifica f (x) ≥ 0,
∀x ∈ [0, a].

No primeiro caso, como f é ı́mpar, os integrais em [−a, 0] e em [0, a] são simétricos pelo
que o integral de f no intervalo [−a, a] é nulo. No segundo caso, uma vez que f é par, as duas
regiões indicadas a azul claro e a azul escuro na figura do lado direito têm áreas iguais.

4.9 Aplicações do cálculo integral

Nesta secção vamos estudar algumas aplicações do cálculo integral, nomeadamente ao cálculo
de áreas planas e ao cálculo de alguns volumes.
Vimos no inı́cio deste capı́tulo que se f é uma função contı́nua e positiva, então a área da
região Ω do plano, representada na figura 1, limitada pelo eixo dos xx, pelas rectas x = a, x = b
e pelo gráfico de f , ou seja, a área do conjunto
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x)
Z b
é dada pelo valor do integral f (x) dx.
a
Vamos agora ver como calcular áreas de regiões mais gerais usando integrais definidos. Co-
meçamos por supor que f e g são funções contı́nuas em [a, b] e tais que
f (x) ≥ g(x) ≥ 0, ∀x ∈ [a, b],
e consideremos a região Ω definida por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, g(x) ≤ y ≤ f (x) . (25)

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

109
Sendo Ω1 a região do plano limitada pelo gráfico de f , pelo eixo dos xx e pelas rectas x = a
e x = b, n o
Ω1 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x) ,
e Ω2 a região do plano limitada pelo gráfico de g, pelo eixo dos xx e pelas rectas x = a e x = b,
n o
Ω2 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, 0 ≤ y ≤ g(x) ,
é claro que a área de Ω é a diferença entre as áreas de Ω1 e de Ω2 donde, pelo exposto acima, e
pelas propriedades dos integrais,
Z b Z b Z b
A(Ω) = A(Ω1 ) − A(Ω2 ) = f (x) dx − g(x) dx = f (x) − g(x) dx.
a a a
Mais geralmente, se f e g forem funções contı́nuas em [a, b], podendo eventualmente tomar
valores negativos, e tais que f (x) ≥ g(x), ∀x ∈ [a, b], a área da região Ω considerada em (25) é
dada por
Z b
A(Ω) = f (x) − g(x) dx.
a
Com efeito, seja C ∈ R tal que g(x) + C ≥ 0, ∀x ∈ [a, b], e considere-se o conjunto
n o
Ω0 = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ b, g(x) + C ≤ y ≤ f (x) + C .

Pelo caso anterior vem


Z b Z b
A(Ω0 ) =
 
f (x) + C − g(x) + C dx = f (x) − g(x) dx.
a a
Dado que a região Ω0 é a translacção de Ω associada ao vector (0, C) tem-se A(Ω) = A(Ω0 ), logo
também neste caso se conclui que
Z b
A(Ω) = f (x) − g(x) dx.
a

Se f e g forem duas funções contı́nuas em [a, b] cujos gráficos se intersectam num número
finito de pontos do intervalo [a, b], a região Ω do plano, limitada pelas rectas x = a e x = b e
pelos gráficos de f e de g, pode ser escrita como uma união finita de conjuntos do tipo (25).
Assim, a área de Ω pode ser calculada somando um número finito de áreas de regiões desse tipo.
Este processo é ilustrado na figura seguinte,

tendo-se A(Ω) = A(S1 ) + A(S2 ) + A(S3 ).


Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

110
Exemplo. Calcular a área da região do plano limitada pelos gráficos das funções y = sin x e
y = cos x, para 0 ≤ x ≤ π2 .

A área pedida pode ser calculada somando as áreas das regiões indicadas por A1 e A2 na
figura. Assim,
Z π Z π
4 2
A= cos x − sin x dx + sin x − cos x dx
π
0 4
  π4   π2
= sin x + cos x + − cos x − sin x
π
0 4
√ √ √ √
2 2 2 2 √
= + −1−1+ + = 2 2 − 2.
2 2 2 2
Se o conjunto Ω for dado por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : c ≤ y ≤ d, G(y) ≤ x ≤ F (y) ,
onde F e G são funções contı́nuas no intervalo [c, d] tais que F (y) ≥ G(y), ∀y ∈ [c, d], a sua área
é dada por
Z d
A(Ω) = F (y) − G(y) dy.
c
Este caso está representado na figura que se segue.

Exemplo. Calcular a área da região do plano limitada pelas curvas x = y 2 − 4y e x = 2y − y 2 .

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

111
É fácil verificar que as referidas curvas se intersectam nos pontos (0, 0) e (−3, 3). Assim, a
região do plano cuja área pretendemos determinar pode ser escrita na forma
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : 0 ≤ y ≤ 3, y 2 − 4y ≤ x ≤ 2y − y 2 ,
pelo que a sua área é dada por
Z 3 Z 3
A(Ω) = (2y − y 2 ) − (y 2 − 4y) dy = 6y − 2y 2 dy
0 0
3
2

= 3y 2 − y 3 = 27 − 18 = 9.
3 0

Vejamos agora como usar integrais definidos para calcular volumes de certos tipos de sólidos.
Consideremos um sólido cilı́ndrico como o representado na figura seguinte, de base dada por uma
região plana Ω. Note-se que, neste caso, qualquer corte no sólido segundo um plano perpendicular
ao eixo indicado na figura, produz uma região de área igual à área da base Ω, uma vez que essa
região é apenas uma translacção desta.

Assim, se o sólido tiver altura h o seu volume é dado por


V = A(Ω)h.
Por exemplo, se o cilindro tiver uma base circular de raio r o seu volume é dado por V = πr2 h,
se a base for um rectângulo de lados a e b o volume é V = abh.
Vamos generalizar esta ideia. Fixando um eixo e considerando secções de corte no sólido
segundo planos perpendiculares a esse eixo, supomos agora que o sólido S é tal que estas secções
de corte têm áreas variáveis. Designamos por A(x) a área de cada secção de corte para a ≤ x ≤ b.

Supondo que A é uma função contı́nua da variável x, o volume de S obtém-se integrando


A(x) para x entre a e b:
Z b
V (S) = A(x) dx.
a
Com efeito, considerando uma partição do intervalo [a, b] em intervalos [xi−1 , xi ], i = 1, . . . , n, e
tomando o máximo Mi e o mı́nimo mi da função A em cada subintervalo, o volume de S pode
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

112
ser aproximado, por excesso e por defeito, respectivamente, pela soma dos volumes das placas
de áreas Mi e mi , e de espessura xi − xi−1 , isto é,
n
X n
X
mi (xi − xi−1 ) ≤ V (S) ≤ Mi (xi − xi−1 ).
i=1 i=1

Dado que as somas anteriores são somas superiores e inferiores de Darboux para a função
Z b
contı́nua A, no intervalo [a, b], concluimos que V (S) = A(x) dx.
a

Exemplo. A base de um sólido é a região do plano limitada pelas parábolas x = y 2 e x = 3−2y 2 .


Determinar o volume do sólido sabendo que as secções de corte perpendiculares ao eixo Ox são
quadrados.

Por simetria da base do sólido relativamente ao eixo Ox, os quadrados correspondentes às
secções de corte referidas têm lado 2y e área 4y 2 . Para cada 0 ≤ x ≤ 1, o segmento de recta,
perpendicular ao eixo Ox, correspondente ao lado do quadrado, tem extremidades na parábola
y 2 = x, pelo que A(x) = 4x. Para 1 ≤ x ≤ 3, esse segmento de recta tem extremidades na
parábola y 2 = 3−x
2 , donde A(x) = 6 − 2x. Portanto, o volume do sólido é dado por
Z 1 Z 3
V = 4x dx + 6 − 2x dx
0 1
 1  3
2 2
= 2x + 12 − x = 2 + 12 − 9 + 1 = 6.
0 1

Seja f uma função não negativa e contı́nua no intervalo [a, b] e consideremos o sólido, dito
de revolução, que se obtém por rotação da região do plano limitada pelo gráfico de f , pelo
eixo dos xx e pelas rectas x = a e x = b em torno do eixo dos xx.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

113
Como as secções de corte deste sólido, segundo planos perpendiculares ao eixo dos xx, são
cı́rculos de raio f (x) e, portanto, de área π(f (x))2 , para a ≤ x ≤ b, o volume deste sólido é dado
por
Z b
V = π(f (x))2 dx.
a

Exemplo. Calcular o volume do sólido obtido por rotação, em torno do eixo Ox, da região do

plano limitada pelo gráfico da função y = x e pelo eixo Ox, para 0 ≤ x ≤ 1.

Pelo que foi exposto tem-se


 2 1
Z 1
√ 2
Z 1
x π
V = π( x) dx = π x dx = π = .
0 0 2 0 2

Sendo g uma função não negativa e contı́nua da variável y no intervalo [c, d], se considerarmos
o sólido de revolução que se obtém por rotação da região do plano limitada pelo gráfico de g,
pelo eixo dos yy e pelas rectas y = c e y = d em torno do eixo dos yy,

as secções de corte deste sólido, segundo planos perpendiculares ao eixo dos yy, são cı́rculos de
raio g(y) e portanto de área π(g(y))2 , para c ≤ y ≤ d, logo o volume deste sólido é dado por
Z d
V = π(g(y))2 dy.
c

Exemplo. Seja Ω a região do plano limitada pelos gráficos das funções y = x e y = x2 .


Calcular o volume dos sólidos que se obtêm por rotação de Ω em torno dos eixos Ox e Oy,
respectivamente.
Os dois gráficos referidos intersectam-se nos pontos (0, 0) e (1, 1). Portanto, o volume do
sólido que se obtém por rotação de Ω, em torno de Ox, é dado por
 3 1
x5
Z 1
x 1 1 2π
 
V = π(x2 − x4 ) dx = π − =π − = .
0 3 5 0 3 5 15
Fazendo a rotação em torno de Oy, obtém-se um sólido de volume
 2 1
y3
Z 1 Z 1
√ y 1 1 π
 
V = π(( y)2 − y 2 ) dy = π y − y 2 dy = π − =π − = .
0 0 2 3 0 2 3 6

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114
4.10 Integrais Impróprios
O conceito de integral (integral de Riemann) que introduzimos no inı́cio deste capı́tulo foi dado
para funções limitadas em intervalos compactos. No entanto, a noção de integral pode-se estender
ao caso em que os intervalos de integração são ilimitados e também ao caso em que a função
integranda é ilimitada ou não está definida num número finito de pontos de um intervalo limitado.
Esses integrais, que passamos a definir, dizem-se integrais impróprios.
Observação. Em rigor, a função integranda pode não estar definida num número infinito
de pontos, desde que esses pontos constituam um conjunto que seja suficientemente pequeno.
Esta extensão não será considerada nesta disciplina mas será abordada em Análise Matemática
II/Cálculo Diferencial e Integral II. No que se segue assume-se que a função integranda é contı́nua
mas, na verdade, os conceitos e resultados enunciados admitem versões mais gerais.

Definição 4.26 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua. Definimos o integral
impróprio Z +∞
f (x) dx
a
como sendo Z L
lim f (x) dx,
L→+∞ a

se este limite existir e for finito. Neste caso, o integral impróprio diz-se convergente. Se o
limite anterior for infinito, ou não existir, o integral impróprio diz-se divergente.
Analogamente, se f : ] − ∞, a] → R for uma função contı́nua define-se
Z a Z a
f (x) dx = lim f (x) dx,
−∞ L→−∞ L

se este limite existir e for finito e, neste caso, o integral impróprio diz-se convergente, caso
contrário diz-se divergente.

Os integrais considerados na definição anterior dizem-se integrais impróprios de 1a


espécie.
Determinar a natureza de um integral impróprio é determinar se o referido integral é con-
vergente ou divergente. Note-se a semelhança com os conceitos e a nomenclatura usada nas
séries numéricas.
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
Z +∞ Z +∞
−2x 1
1) e dx; 3) dx, a > 0;
0 a x2
Z +∞ Z 1
1
2) dx, a > 0; 4) cos x dx.
a x −∞

Z +∞ Z L L
1 1 1 1
  
−2x −2x
1) e dx = lim e dx = lim − e−2x = lim − e−2L + = ,
0 L→+∞ 0 L→+∞ 2 0 L→+∞ 2 2 2
portanto este integral impróprio é convergente.
Z +∞ Z L L
1 1

2) dx = lim dx = lim log x = lim (log L − log a) = +∞,
a x L→+∞ a x L→+∞ a L→+∞
pelo que este integral impróprio é divergente.
Z +∞ Z L L
1 1 1 1 1 1
  
3) dx = lim dx = lim − = lim − + = ,
a x2 L→+∞ a x2 L→+∞ x a L→+∞ L a a
donde o integral impróprio dado é convergente.
Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

115
Z 1 Z 1  1
4) cos x dx = lim cos x dx = lim sin x = lim (sin 1 − sin L).
−∞ L→−∞ L L→−∞ L L→−∞
Uma vez que o limite anterior não existe, o integral impróprio dado é divergente.
Z +∞
No caso da função integranda ser não negativa, se o integral impróprio f (x) dx for
a
convergente, este pode ser interpretado como sendo a área da região ilimitada do plano dada
por n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : x ≥ a, 0 ≤ y ≤ f (x) .
Com efeito, uma vez que f é contı́nua em cada intervalo compacto da forma [a, L], sabemos que
a área da região limitada definida por
n o
ΩL = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x ≤ L, 0 ≤ y ≤ f (x)
Z L
é dada por A(ΩL ) = f (x) dx. Assim, é natural definir a área de Ω como o limite lim A(ΩL ),
a L→+∞
Z +∞
caso este exista. No caso em que f (x) dx = +∞ dizemos que a área de Ω é infinita, fazen-
a Z a
do-se assim a extensão do conceito. Analogamente para o caso f (x) dx.
−∞

Definição
Z +∞ 4.27 Chamamos integrais de Dirichlet de 1a espécie aos integrais da forma
1
p
dx, onde p ∈ R e a > 0.
a x
1
Como f (x) = p > 0, ∀p ∈ R, ∀x > 0, os integrais anteriores representam a área da região
x
(ilimitada) do plano dada por
1
 
Ω = (x, y) ∈ R2 : x ≥ a, 0 ≤ y ≤ p .
x
A figura que se segue representa o conjunto Ω no caso em que a = 1.

a1−p
É fácil ver que a área de Ω é finita e é dada por se, e só se, p > 1, logo os integrais de
p−1
Dirichlet de 1a espécie convergem se, e só se, p > 1.
Note-se que a mudança de variável x = −t conduz a
Z a Z L
lim f (x) dx = lim f (−t) dt
M →−∞ M L→+∞ −a
Z a
o que permite reduzir o estudo dos integrais impróprios do tipo f (x) dx ao caso dos integrais
Z +∞ −∞

do tipo f (x) dx. Assim, os resultados que se seguem são apenas enunciados para o caso
a
de integrais definidos em [a, +∞[ embora eles permaneçam válidos, com as modificações óbvias,
para o caso dos integrais definidos em ] − ∞, a].
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116
Listamos de seguida algumas propriedades dos integrais impróprios, semelhantes às que
referimos no Teorema 4.9.

Teorema 4.28 Sejam a, k ∈ R e f, g : [a, +∞[→ R funções contı́nuas.


Z +∞ Z +∞
i) Se f (x) dx converge, então kf (x) dx também converge e tem-se
a a
Z +∞ Z +∞
kf (x) dx = k f (x) dx,
a a
Z +∞ Z +∞
assim, se k ∈ R \ {0}, os integrais f (x) dx e kf (x) dx têm a mesma natureza.
a a
Z +∞ Z +∞ Z +∞
ii) Se f (x) dx e g(x) dx forem ambos convergentes, então (f +g)(x) dx também
a a a
converge e tem-se
Z +∞ Z +∞ Z +∞
(f + g)(x) dx = f (x) dx + g(x) dx.
a a a

A demonstração do teorema anterior é imediata a partir da linearidade do integral de Rie-


mann e da operação de passagem ao limite quando L → +∞. No caso ii), uma vez que os
integrais impróprios de f e g são ambos convergentes por hipótese, nunca iremos obter uma
indeterminação do tipo ∞ − ∞ quando efectuamos a soma referida.

Teorema 4.29 Z +∞
Sejam a ∈ ZR, f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua e c ∈ [a, +∞[. Então
+∞
os integrais f (x) dx e f (x) dx têm a mesma natureza e, em caso de convergência, é
a c
válida a igualdade Z +∞ Z c Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
a a c

Teorema 4.30Z Sejam a ∈ R, f, g : [a, +∞[→ R funções contı́nuas tais que f (x) ≤ g(x), ∀x ≥ a.
+∞ Z +∞
Se os integrais f (x) dx e g(x) dx forem convergentes, então
a a
Z +∞ Z +∞
f (x) dx ≤ g(x) dx.
a a

Os próximos critérios permitem determinar a natureza de certos integrais impróprios nos


casos em que não é possı́vel, ou se torna muito complicado, primitivar a função integranda.
Note-se que estes critérios se aplicam apenas a funções não negativas e são semelhantes aos
critérios de comparação já estudados para séries numéricas de termos não negativos.

Teorema 4.31 (1o Critério de Comparação) Sejam a ∈ R, f, g : [a, +∞[→ R+ 0 funções


contı́nuas. Suponhamos que existe c ∈ [a, +∞[ tal que f (x) ≤ g(x), ∀x ≥ c.
Z +∞ Z +∞
i) Se g(x) dx converge, então f (x) dx também converge.
a a
Z +∞ Z +∞
ii) Se f (x) dx diverge, então g(x) dx também diverge.
a a

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117
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
7ex
Z +∞ Z +∞
cos x + 2
1) dx; 2) dx.
2 x3 5 x−2
cos x + 2 3 +∞ 1 Z
1) Uma vez que 0 ≤ ≤ , ∀x ∈ [2, +∞[, e o integral impróprio dx é
x3 x3 2 x3
o
convergente (por ser um integral de Dirichlet com p = 3 > 1), concluimos, pelo 1 Critério de
Comparação, que o integral impróprio dado também converge.
7ex 7
2) Para x ≥ 5 a função integranda, é minorada por > 0. Portanto o integral
x−2Z x
+∞ 1
impróprio dado é divergente, por ser divergente dx (integral de Dirichlet com p = 1).
5 x

Corolário 4.32 (2o Critério de Comparação) Sejam a ∈ R, f, g : [a, +∞[→ R+ 0 funções


f (x)
contı́nuas tais que g(x) 6= 0, ∀x ∈ [a, +∞[. Suponhamos que existe lim = l.
x→+∞ g(x)
Z +∞
i) Se 0 < l < +∞ (ou seja, se f (x) ∼ lg(x) (x → +∞)), então os integrais f (x) dx e
Z +∞ a

g(x) dx são da mesma natureza.


a
Z +∞ Z +∞
ii) Se l = 0 (isto é, se f = o(g) (x → +∞)) e g(x) dx converge, então f (x) dx
a a
também converge.
Z +∞ Z +∞
iii) Se l = +∞ (ou seja, se g = o(f ) (x → +∞)) e g(x) dx diverge, então f (x) dx
a a
também diverge.
Z +∞
Note-se que, no teorema anterior, se l = 0 e g(x) dx diverge, ou se l = +∞ e
Z +∞ a Z +∞
g(x) dx converge, nada se pode concluir acerca da natureza do integral f (x) dx.
a a

Uma vez que a natureza dos integrais de Dirichlet é conhecida, eles podem ser usados, em
conjunto com os critérios de comparação acima, para estudar a natureza de outros integrais
impróprios. Mais uma vez, sublinhe-se a semelhança com as séries.
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios:
ex
Z +∞
2x2 − x + 1
Z +∞
1) dx; 2) dx.
3 x4 + x3 + 5x2 − 2 1 x+2

2x2 − x + 1 2
1) Sabemos que ∼ 2 (x → +∞) pelo que os integrais impróprios
x4
+ x3 + 5x2 − 2 x
2x2 − x + 1
Z +∞ Z +∞
1
4 + x3 + 5x2 − 2
dx e 2
dx têm a mesma natureza. Dado que este último é um
3 x 3 x
integral de Dirichlet convergente (p = 2), segue-se que são ambos convergentes.
2) Dado que
ex
xex
l = lim x + 2 = lim = lim ex = +∞,
x→+∞ 1 x→+∞ x + 2 x→+∞
x
Z +∞
1
pois x + 2 ∼ x (x → +∞), e dx diverge, o integral impróprio dado também diverge.
1 x
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118
Teorema 4.33 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua. Se o integral impróprio
Z +∞ Z +∞
|f (x)| dx for convergente, então f (x) dx também converge.
a a

Definição
Z +∞
4.34 Sejam a ∈ R e f : [a, +∞[→ R uma função contı́nua.
Z +∞
O integral impróprio
f (x) dx diz-se absolutamente convergente se o integral |f (x)| dx for convergente.
a Z +∞ Z +∞ a

Se f (x) dx for convergente mas |f (x)| dx for divergente, então o integral impróprio
Z +∞a a

f (x) dx diz-se simplesmente convergente.


a
Z +∞
cos x
Exemplo. O integral impróprio dx é absolutamente convergente uma vez que a
2 x2
1 +∞ 1 Z
função integranda, em módulo, é majorada por 2
e 2
dx converge. O 1o Critério de
x
Z +∞ 2 x
| cos x|
Comparação garante assim a convergência de dx.
2 x2

O Teorema 4.33 diz-nos que todo o integral absolutamente convergente é convergente, o


recı́proco, porém, é falso. Por exemplo, integrando por partes e invocando o 1o Critério de
Z +∞
sin x
Comparação, não é difı́cil mostrar que o integral dx é convergente, no entanto é
Z +∞ 1 Z x
+∞

sin x sin x
possı́vel mostrar que x dx diverge. O integral dx é, portanto, simplesmente

1 1 x
convergente.

Definição 4.35 Seja f : R → R uma função contı́nua. Definimos o integral impróprio


Z +∞
f (x) dx (26)
−∞

através da relação Z +∞ Z 0 Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx, (27)
−∞ −∞ 0

se ambos os integrais no segundo membro de (27) forem convergentes. Neste caso, o integral
impróprio (26) diz-se convergente. Se, pelo menos, um dos integrais no segundo membro de
(27) for divergente, o integral impróprio (26) diz-se divergente.

Observe-se que a definição anterior não é equivalente a definir


Z +∞ Z L
f (x) dx = lim f (x) dx.
−∞ L→+∞ −L

Com efeito, existem funções para as quaisZ o limite anterior existe, em R, mas tais que, pelo
Z 0 +∞
menos, um dos integrais f (x) dx ou f (x) dx diverge. Por exemplo, para f (x) = x
−∞ 0
tem-se " #L
x2 L2
Z +∞
f (x) dx = lim = lim = +∞
0 L→+∞ 2 0
L→+∞ 2
Z +∞ Z L
pelo que o integral f (x) dx diverge. No entanto, lim f (x) dx = 0 uma vez que a
−∞ L→+∞ −L
função f é ı́mpar (cf. Proposição 4.25).

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119
Z +∞
1
Exemplo. Mostrar que dx = π.
−∞ 1 + x2
Atendendo à definição anterior tem-se
Z +∞ Z 0 +∞
1 1 1
Z
dx = dx + dx
−∞ 1 + x2 −∞ 1 + x
2
0 1 + x2
Z 0 Z L
1 1
= lim dx + lim dx
L→−∞ L 1 + x2 L→+∞ 0 1 + x2
0 L
π π
   
= lim arctan x + lim arctan x =0− − + − 0 = π.
L→−∞ L L→+∞ 0 2 2

Z +∞
O resultado que se segue mostra que, na definição do integral f (x) dx, se poderia ter
−∞
considerado, em vez de 0, qualquer outro número real a uma vez que o valor do integral impróprio
não depende do ponto a ∈ R escolhido.
Z +∞
Teorema 4.36 Sejam a ∈ R e f : R → R uma função contı́nua. Então f (x) dx é con-
Z a Z−∞
+∞
vergente se, e só se, forem convergentes ambos os integrais f (x) dx e f (x) dx sendo,
−∞ a
neste caso, válida a igualdade
Z +∞ Z a Z +∞
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx.
−∞ −∞ a

Terminamos este capı́tulo com uma breve menção aos chamados integrais impróprios de 2a
espécie.

Definição 4.37 Sejam a, b ∈ R e f : [a, b[→ R uma função contı́nua, não necessariamente
Z b
limitada. Definimos o integral impróprio f (x) dx como sendo
a
Z L
lim f (x) dx,
L→b− a

se o limite anterior existir e for finito. Neste caso, o integral impróprio diz-se convergente.
Se o limite anterior for infinito, ou não existir, o integral impróprio diz-se divergente.
Analogamente, se f : ]a, b] → R for uma função contı́nua define-se
Z b Z b
f (x) dx = lim f (x) dx,
a L→a+ L

se este limite existir e for finito e, neste caso, o integral impróprio diz-se convergente, caso
contrário diz-se divergente.

Os integrais considerados na definição anterior dizem-se integrais impróprios de 2a


espécie. É claro que, se f for contı́nua em [a, b], f é integrável neste intervalo donde, por
continuidade do integral indefinido, os limites dados na definição anterior existem sempre. As-
sim, os casos novos que estamos agora a estudar são aqueles para os quais a função integranda f
não é limitada numa vizinhança dos pontos b ou a, respectivamente, ou não tem limite quando
x → b− ou x → a+ , respectivamente.

Cálculo Integral em R Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

120
Exemplos. Determinar a natureza dos seguintes integrais impróprios de 2a espécie:
Z 1 Z 2
1 1
1) 2 dx; 2) dx.
0 (1 − x) 3 0 x

Z 1 Z L
1 2
1) 2 dx = lim (1 − x)− 3 dx
0 (1 − x) 3 L→1− 0
 L
1 1
 
= lim − 3(1 − x) 3 = lim −3(1 − L) 3 + 3 = 3,
L→1− 0 L→1−

logo o integral impróprio é convergente.


Z 2 Z 2 2
1 1

2) dx = lim dx = lim log x = lim (log 2 − log L) = +∞,
0 x L→0+ L x L→0+ L L→0+

pelo que o integral impróprio dado é divergente.

Tal como para os integrais impróprios de 1a espécie, se a função integranda for não negativa,
os integrais impróprios de 2a espécie definem a área da região do plano dada por
n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a ≤ x < b, 0 ≤ y ≤ f (x)

ou n o
Ω = (x, y) ∈ R2 : a < x ≤ b, 0 ≤ y ≤ f (x) ,
área essa que pode ser finita ou infinita.

Definição 4.38 Chamamos integrais de Dirichlet de 2a espécie aos integrais impróprios


da forma Z a
1
p
dx
0 x
onde p ∈ R e a > 0.

É fácil mostrar que os integrais de Dirichlet de 2a espécie convergem se, e só se, p < 1.
Os resultados dos Teoremas 4.28 a 4.33 permanecem válidos para integrais impróprios de
2a espécie, substituindo nos respectivos enunciados o intervalo [a, +∞[ pelo intervalo [a, b[ (ou
]a, b]) e a condição L → +∞ por L → b− (ou L → a+ ).
Finalmente, se a função f for contı́nua no intervalo [a, b] excepto num ponto interior c tal
Z b
que f tenha uma descontinuidade de 2a espécie em c, o integral impróprio f (x) dx diz-se
Z c Z ab
convergente se, e só se, forem convergentes ambos os integrais f (x) dx e f (x) dx tendo-
a c
se, por definição,
Z b Z c Z b
f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx;
a a c
e diz-se divergente se, pelo menos, um dos integrais impróprios anteriores for divergente. Esta
definição generaliza-se ao caso em que f tem um número finito de pontos de descontinuidade de
2a espécie no intervalo [a, b]. Por exemplo, para o integral impróprio
Z 5
1
dx
0 x(x − 2)(x − 4)
ser convergente teriam que convergir todos os integrais impróprios que se seguem
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121
Z 1 Z 2 Z 3
1 1 1
dx, dx, dx,
0 x(x − 2)(x − 4) 1 x(x − 2)(x − 4) 2 x(x − 2)(x − 4)
Z 4 Z 5
1 1
dx, dx
3 x(x − 2)(x − 4) 4 x(x − 2)(x − 4)
o que não acontece (são todos divergentes).
Z 4
1
Exemplo. Estudar a natureza do integral 2
dx.
1 (x − 2)
O integral anterior é um integral impróprio de 2a espécie pois a função integranda é ilimitada
numa vizinhança de x = 2. Assim temos,
Z 4 Z 2 Z 4
1 1 1
dx = dx + dx,
1 (x − 2)2 1 (x − 2)2 2 (x − 2)2

e o integral dado converge se, e só se, forem convergentes os dois integrais do segundo membro
da igualdade anterior. Ora,
Z 2 Z L L
1 1 1
  
dx = lim (x − 2)−2 dx = lim − = lim − − 1 = +∞,
1 (x − 2)2 L→2− 1 L→2− x−2 1 L→2− L−2
Z 4
1
portanto o integral dx é divergente.
1 (x − 2)2

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122
Tabela de Primitivas
No que se segue, I e J são intervalos de R, u : J → I é uma função diferenciável da variável
x e C é uma constante real, arbitrária. As expressões dadas são válidas num intervalo contido
no domı́nio de f .

Z
f (x) f (x) dx

(u(x))α+1
u(x)α u0 (x), α ∈ R \ {−1} +C
α+1

eu(x) u0 (x) eu(x) + C

u0 (x)
, u(x) 6= 0 em J log(|u(x)|) + C
u(x)

cos(u(x))u0 (x) sin(u(x)) + C

sin(u(x))u0 (x) − cos(u(x)) + C

u0 (x)
sec2 (u(x))u0 (x) = tan(u(x)) + C
cos2 (u(x))

u0 (x)
cosec2 (u(x))u0 (x) = −cotan(u(x)) + C
sin2 (u(x))

u0 (x)
p , |u(x)| < 1 em J arcsin(u(x)) + C
1 − u2 (x)
ou

− arccos(u(x)) + C

u0 (x)
arctan(u(x)) + C
1 + u2 (x)

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123
Quadro Resumo de Mudanças de Variável

1 1 1 1
R(x, x n1 , x n2 , . . . , x nk ) t = x p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk )

x x x x
R(e n1 , e n2 , . . . , e nk ) t = e p , onde p = m.m.c.(n1 , n2 , . . . , nk )

x

R(sin x, cos x) t = sin x ou t = cos x ou t = tan 2


R(x, a2 − x2 ) x = a sin t ou x = a cos t


R(x, a2 + x2 ) x = a tan t

√ a
R(x, x2 − a2 ) x = a sec t =
cos t

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124
5 Complementos sobre Séries Numéricas. Séries de Potências
Completamos agora o estudo das séries numéricas introduzindo mais um critério que advém da
comparação entre integrais e séries, daı́ só agora podermos falar nele. A aplicação directa deste
critério permite determinar a natureza de algumas séries, cujo estudo com os critérios anteriores
(do Capı́tulo 1) não é conclusiva, ou permite uma análise mais simples.
Os conteúdos teóricos leccionados sobre as séries numéricas vão ser evidênciados no es-
tudo das chamadas séries de funções. Estas têm inúmeras aplicações, permitindo que se lide
com situações em que as funções elementares não dão resposta, embora num primeiro curso de
Análise/Cálculo não seja possı́vel mostrar e compreender toda a sua abrangência.
Sabemos que toda a função contı́nua é primitivável (cf. Capı́tulo 4), mas foi referido que nem
sempre é possı́vel expressar as primitivas de tais funções em termos das funções elementares.
2
Que função é uma primitiva de f (x) = ex ? No final do nosso programa estaremos aptos a
responder a esta questão.
Neste último (e pequeno) capı́tulo fazemos uso de muitos dos conceitos com que trabalhámos
ao longo do curso. Sempre que pertinente recordaremos alguns desses conceitos, aproveitando-se
a ocasião para enfatizar a sua importância.

5.1 Critério do Integral


X 1
Como já sabemos, a série harmónica é divergente. Recordemos a prova realizada no
n n≥1
Capı́tulo 1. Seja (Sn ) a sucessão das somas parciais da série anterior. Temos que
2n n
X 1 X 1
S2n − Sn = −
k=1
k k=1
k
1 1 1 1 1 1
   
= 1+ + ... + + + ... + − 1 + + ... +
2 n n+1 2n 2 n
1 1 1 1
= + ... + = + ... +
n+1 2n n+1 n+n
1 1 n 1
≥ + ... + = = . (28)
n+n
| {z
n + n} n + n 2
n parcelas

Se a série fosse convergente, existiria ` ∈ R tal que lim Sn = ` e, consequentemente, lim S2n = `
(qualquer subsucessão de uma sucessão convergente é convergente e converge para o mesmo
valor). Então lim(S2n − Sn ) = 0, o que contrariaria (28). Conclui-se assim que a série harmónica
é divergente. Z +∞
1
Vamos ver uma prova alternativa a esta, analisando o integral dx. Podemos escrever
1 x
Z +∞ Z 2 Z 3 Z n
1 1 1 1
dx = dx + dx + . . . + dx + . . . ( n ∈ N)
1 x 1 x 2 x n−1 x
e atendendo a que o intervalo de integração em cada integral da soma do lado direito tem sempre
comprimento 1, e a que a função integranda é decrescente, para cada k ∈ N, o integral kk+1 x1 dx
R

é majorado por maxx∈[k,k+1] x1 = k1 (área do rectângulo com medidas de base 1 e de altura k1 ),


o que implica que a soma é majorada por (ver a figura da página seguinte)
1 1 1 X 1
1+ + + ... + + ... = .
2 3 n n≥1
n

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

125
Z +∞
1
Vimos no capı́tulo anterior que dx = +∞, logo a série harmónica é divergente. Recorde-
x 1
se que o termo geral desta série tende para zero e, no entanto, a série diverge.
A ideia da prova da natureza da série anterior generaliza-se a outras séries, sendo válido o
resultado que se segue.

Teorema 5.1 (Critério do Integral - MacLaurin, 1742) Seja f uma função contı́nua, po-
sitiva e decrescente no intervalo [p, +∞[, com p ∈ N0 . Considere-se a sucessão de termo geral
an = f (n), para n ∈ Np . Então
X Z +∞
a série an converge, se, e só se, o integral impróprio f (x) dx converge.
n≥p p

Para provar este teorema é útil começar por verificar que (exercı́cio 3 da Ficha 5):
Z +∞ Z n
f (x) dx converge se, e só se, un = f (x) dx converge. (29)
p p

Por uma questão de simplificação de notações, no que se segue tomamos p = 1. Para cada n ∈ N,
consideremos a decomposição do intervalo [1, n] em n − 1 subintervalos, todos de comprimento
1, ou seja, vamos considerar os intervalos

[1, 2], [2, 3], [3, 4], . . . , [n − 1, n],

e usando uma das propriedades dos integrais podemos escrever


Z n Z 2 Z 3 Z n
un = f (x) dx = f (x) dx + f (x) dx + . . . + f (x) dx.
1 1 2 n−1

Seja k ∈ {1, . . . , n − 1}. Como f é decrescente, verifica-se que

f (k + 1) ≤ f (x) ≤ f (k), ∀x ∈ [k, k + 1],

logo
Z k+1 Z k+1 Z k+1
f (k + 1) = f (k + 1) dx ≤ f (x) dx ≤ f (k) dx = f (k).
k k k
Somando estas desigualdades de k = 1 a k = n − 1 obtemos (ver as figuras para a interpretação
geométrica)

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

126
f (2) + f (3) + . . . + f (n) ≤ un ≤ f (1) + f (2) + . . . + f (n − 1),
ou seja,
Sn − a1 = a2 + a3 + . . . + an ≤ un ≤ a1 + a2 + . . . + an−1 = Sn−1 ,
P P
onde (Sn ) é a sucessão das somas parciais de n≥1 an (= n≥1 f (n)). Como a sucessão (un )
é crescente (porquê?), ela é convergente se, e só se, for limitada, o que acontece, atendendo à
desigualdade anterior, se, e só se, a sucessão (Sn ) o for. A conclusão resulta da conjunção do
Teorema 1.36 com (29). (A prova detalhada fica como exercı́cio.)
Desta prova concluı́mos ainda que p+∞ f (x) dx ≤ n≥p an .
R P

+∞
X 1
Exemplo. Qual a natureza da série 4 ?
n=2 (5n + 7) log (5n + 7)
Em primeiro lugar observamos que
1 1
∼ ,
(5n + 7) log4 (5n + 7) 5n log4 (5n)
donde, pelo 2.o critério de comparação de termos gerais, estudar a natureza da série dada é
+∞
X 1
equivalente a estudar a natureza da série 4 , o que vamos fazer usando o critério
n=2 5n log (5n)
do integral. Consideremos então a função
1
f (x) = , x ∈ [2, +∞[,
5x log4 (5x)
e designando por (an ) o termo geral da série, é óbvio que an = f (n), para n ∈ N2 . É também
óbvio que f é contı́nua e positiva em [2, +∞[. Por outro lado, f é decrescente neste intervalo,
pois
5 log4 (5x) + 4(5x) log3 (5x) x1 5 log(5x) + 20
f 0 (x) = − 8 = − < 0,
(5x)2 log (5x) (5x)2 log5 (5x)
e como
Z +∞ Z t
1 1
dx = lim dx,
2 5x log4 (5x) t→+∞ 4
2 5x log (5x)
1 t 1
Z
= lim log−4 (5x) dx
t→+∞ 5 2 | x
{z } |{z}
u−n
u0
#t
log−3 (5x)
"
1
= lim
5 t→+∞ −3 2
!
1 1 1 1
=− lim 3 − 3 = ,
15 t→+∞ log (5t) log (10) 15 log3 (10)
concluı́mos que o integral impróprio em estudo é convergente. Assim, também a série
+∞ +∞
X X 1
f (n) = 4
n=2 n=2 5n log (5n)

e a série dada são convergentes.

Usando o critério anterior podemos agora concluir a prova relativa à natureza das séries de
Z +∞
1
Dirichlet, atendendo a que já conhecemos o comportamento dos integrais impróprios α
dx
1 x
(cf. Capı́tulo 4, pag. 116).
Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

127
X 1
Proposição. (Proposição 1.37) A série de Dirichlet é convergente se, e só se, α > 1.

Demonstração. Se α ≤ 0, o termo geral da série não converge para zero, logo a série é
divergente.
Consideremos agora o caso em que α > 0.
1
A função f (x) = α , com x ∈ [1, +∞[, é contı́nua, positiva e decrescente no intervalo
x
considerado (a primeira derivada é negativa, pois f 0 (x) = −αx−α−1 ) , então, pelo critério
X 1 Z +∞ Z +∞
X 1
do integral, a série f (n) = α
e o integral f (x) dx = dx têm a mesma
n 1 1 xα
natureza. Sabemos que este último converge se, e só se, α > 1, pelo que a prova fica concluı́da.
.

Observamos que a prova da natureza do integral impróprio envolvido na demonstração an-


terior é muito simples, pois o cálculo do integral impróprio é elementar, e que recordamos
seguidamente. Se α 6= 1,
" #t
x−α+1
Z +∞ Z t Z t
1 1
dx = lim dx = lim x−α dx = lim
1 xα t→+∞ 1 xα t→+∞ 1 t→+∞ −α + 1 1
(
1 1
 
+∞, se α < 1
= lim α−1
−1 = 1
1 − α t→+∞ t α−1 , se α > 1,
e, se α = 1, Z +∞
1
dx = lim [log x]t1 = lim log t = +∞.
1 x t→+∞ t→+∞

A situação anterior ilustra que o estudo da natureza de algumas séries pode ser feito mediante
o estudo de um integral impróprio que saibamos efectivamente determinar, ou seja, quando, nas
condições do critério do integral, saibamos primitivar a função f (x), tal que f (n) é o termo
geral da série em causa (ou saibamos primitivar uma outra função g(x) cuja natureza do integral
Z +∞
impróprio g(x) dx permita determinar a natureza do integral impróprio de f ). De uma
1
forma geral, é mais fácil calcular um integral do que calcular a soma de uma série.
No entanto, também podemos determinar a natureza de alguns integrais impróprios, através
do estudo de séries adequadas. Nas condições do referido critério, se não conseguimos deter-
Z +∞
minar a natureza do integral impróprio f (x) dx, usando um dos critérios de comparação,
p
nem o conseguimos calcular directamente, por não conseguirmos primitivar a função f (ou o
P
cálculo seja muito complicado), podemos pensar na série f (n). Ora, para além dos critérios
de comparação de termos gerais para as séries, estudámos também os critérios da razão e o da
raiz. Assim, se um deles permitir tirar conclusões relativamente à natureza da série, a mesma
natureza é exibida pelo integral impróprio em causa.
2x
Z +∞
Exemplo. Determinemos a natureza do integral impróprio dx.
1 (x + 1)x
Consideremos a função positiva e contı́nua
x
2x 2

2 x+1
f (x) = = = ex log( x+1 ) = e−x log( 2 ).
(x + 1)x x+1
com x ≥ 1. Como
x+1 x
   
x+1
0
f (x) = − log − e−x log( 2 ) < 0, ∀x ≥ 1,
2 x+1
f é decrescente (no intervalo considerado). Assim, f está nas condições do critério do integral,
pelo que
Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

128
x n
2x
Z +∞ Z +∞ 
2 X 2
dx = dx ∼ ,
1 (x + 1)x 1 x+1 n≥1
n+1

i.e., o integral e a série têm a mesma natureza. Neste caso, é muito simples determinar a natureza
q
n 2
da série, pois lim f (n) = lim = 0 < 1, logo, pelo critério da raiz, a série é convergente,
n+1
donde o mesmo se passa com o integral em estudo.

5.2 Séries de potências


No Capı́tulo 3 vimos que uma função f com derivadas até uma ordem n ∈ N num ponto x0
do seu domı́nio pode ser aproximada, na vizinhança desse ponto, pelo polinómio de Taylor
n
X f (k) (x0 )
Pn (x) = (x − x0 )k , tendo-se
k=0
k!

Rn (x) = f (x) − Pn (x) = o((x − x0 )n ), (x → x0 ). (30)

No caso em que a função f tem derivadas de todas as ordens em x0 , coloca-se a questão de saber
se f pode ser aproximada por
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!
O objecto anterior é uma série de funções. Para responder à pergunta efectuada e a outras que
com ela se relacionam, vamos começar por estudar a classe das chamadas séries de potências,
das quais esta faz parte.
Exemplo. Vimos no Capı́tulo 3 que
n
X xk
ex = + Rn (x), tendo-se Rn (x) = o(xn ), (x → 0).
k=0
k!

+∞
X xn
Usando a Fórmula de Lagrange para o resto de ordem n, é fácil mostrar que ex = , ∀x ∈ R.
n=0
n!

Definição 5.2 Seja x ∈ R. Chamamos série de potências a toda a série de funções da forma
+∞
X
an (x − x0 )n , (31)
n=0

em que x0 ∈ R e (an ) é uma sucessão numérica cujos termos se dizem os coeficientes da


série. A este tipo de série também chamamos série de potências de x − x0 .

Nota. Na definição anterior convenciona-se que 00 = 1, de modo a que a0 + +∞


n=1 an (x − x0 )
n P
P+∞ n
possa ser escrita na forma abreviada n=0 an (x − x0 ) , já que no caso em que x = x0 , nesta
segunda forma, o primeiro termo da série é a0 · 00 .
Exemplos.
+∞
X
1) 2n (x − 3)n é uma série de potências de (x − 3).
n=0
+∞
X n+5
2) 2 + 8)
(x + 1)n é uma série de potências de (x + 1).
n=0
n + log(n

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

129
Numa série de potências, para cada concretização da variável x, obtemos uma série numérica,
cuja natureza pode ser estudada por métodos que incluem os estudados no Capı́tulo 1. Assim,
nalgumas situações vamos obter uma série convergente e noutras uma série divergente. Dizemos
que a série de potências (31) é convergente (resp. divergente) em c, se é convergente (resp.
divergente) a série numérica +∞ n
n=0 an (c − x0 ) . Analogamente para a convergência simples e
P

absoluta. Dizemos que (31) é convergente (resp. divergente) num conjunto D, se para
cada concretização da variável x por todos os elementos de D a respectiva série numérica é
convergente (resp. divergente). No caso em que a série de potências é convergente num conjunto
D, a sua soma é uma função de x (∈ D). Interessa-nos então saber como estudar estas funções,
definidas através de séries de potências, por exemplo, no que à continuidade, diferenciabilidade
e integrabilidade diz respeito.
Se em (31) considerarmos x0 = 0 e an = 1, ∀n ∈ N0 , obtemos a série de potências de x,
+∞
X
xn .
n=0

Uma vez que esta é uma série geométrica de razão x, sabemos que é convergente se, e só se,
1
|x| < 1 e, neste caso, a sua soma é dada por . Assim,
1−x
+∞
X 1
xn = , se − 1 < x < 1.
n=0
1−x

1
Observa-se então que a função f (x) = é igual à soma de uma série de potências no
1−x
intervalo ] − 1, 1[, no entanto o domı́nio de f é R \ {1}, um conjunto maior do que aquele onde
se tem a igualdade. Este exemplo evidencia duas situações com que temos de lidar; por um
lado, saber para que valores da variável x a série de potências é convergente, e por outro, saber
quando (e onde) é que uma função de classe C ∞ é soma de uma série de potências. Vamos
começar por responder à primeira. Dada uma série de potências, o próximo resultado diz-nos
qual a natureza da série numérica obtida, para quase todas as concretizações da variável x.
Recordamos que o limite superior de uma sucessão (un ) (cf. Definição 1.22) é o maior dos
seus sublimites (limites das subsucessões) e usamos a notação lim. Observamos ainda que no
caso das sucessões convergentes lim un = lim un .
+∞
X
Teorema 5.3 (Raio de Convergência) Dada uma série de potências an (x − x0 )n existe
n=0
R ∈ [0, +∞] tal que
1. a série é absolutamente convergente se |x − x0 | < R (neste caso R 6= 0);

2. a série diverge se |x − x0 | > R;

3. se R = 0, a série só converge em x = x0 ;

4. se R = +∞, a série converge absolutamente em R.


R diz-se o raio de convergência da série de potências e o seu valor é dado por
1
R= p
n
lim |an |

an
(e ainda por R = lim , se este último limite existir).
an+1

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

130
1
Observações. 1) A relação R = p é conhecida por fórmula de Hadamard (1892) e nela
lim n |an |
estão implı́citas as convenções
1 1
= +∞ e = 0.
0 ∞

an+1
2) Já foi referido que, se existe, em R, o limite lim
= `, então também existe o limite
p an

n
lim |an | e o seu valor é igualmente `. Fica assim justificada a última frase do teorema anterior.
3) O conjunto de convergência de uma série de potências é um intervalo. Se R ∈ R \ {0} a série
converge num intervalo de extremos x0 − R e x0 + R.

4) O teorema anterior diz-nos que a série de potências diverge no exterior do intervalo de


convergência, mas nada nos diz se |x − x0 | = R. Nestes casos, x = x0 ± R o estudo da natureza
da série que se obtém tem de ser feito recorrendo a algum dos critérios para as séries numéricas,
que não seja o da raiz ou o da razão (porquê?).
5) Chamamos intervalo de convergência de uma série de potências ao maior intervalo onde
a série converge.
6) No caso em que R ∈ R+ temos quatro possibilidades para o intervalo de convergência:
]x0 − R, x0 + R [, ]x0 − R, x0 + R ], [x0 − R, x0 + R [ ou [x0 − R, x0 + R ].
Se R = +∞, o integral de convergência é R =] − ∞, +∞[.
7) Por uma questão de simplificação de linguagem, e sempre que não houver risco de ambigui-
dade, referimo-nos às séries de potências apenas como séries.

Exemplos. Vamos determinar o intervalo de convergência das séries de potências que se seguem.
+∞
X 1
1. n
(x + 1)n . Neste caso temos an = (−4)
1
n e x0 = −1 e vamos determinar o raio de
n=0
(−4)
convergência, calculando o limite que se segue
1 1
lim r = lim 1 = 4.
n 1 4
(−4)n

O raio de convergência é, portanto, 4, pelo que, se |x + 1| < 4, ou seja, se x ∈ ] − 5, 3[ a


série converge absolutamente, e se |x + 1| > 4, isto é, se x ∈ ] − ∞, −5[ ∪ ]3, +∞[, diverge.
Falta dar resposta ao que se passa nos casos x = −5 e x = 3. Ora, se x = −5, obtemos a
série
+∞ +∞
X 1 n
X
n
(−4) = 1, que é uma série divergente ( o termo geral não converge para zero).
n=0
(−4) n=0

Se x = 3, obtemos
+∞ +∞
X 1 n
X
n
(4) = (−1)n , que também é uma série divergente, pela razão da anterior.
n=0
(−4) n=0

O intervalo de convergência da série dada é ] − 5, 3[.

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

131
+∞
X 3n 3n
2. (x − 1)n . Temos an = e x0 = 1 e vamos determinar o raio de convergência,
n=0
n! n!
calculando o limite que se segue

an
n
= lim an = lim 3 (n + 1)! = lim n + 1 = +∞.

lim
a
n+1
an+1 3n+1 n! 3
Neste caso o raio de convergência é +∞, o que significa que a série de potências converge
absolutamente em todo o R.
+∞
X (3x − 1)n
3. A série não está escrita como uma série de potências de (x − x0 ), para algum
n=0
2n + 1
x0 . Assim, começamos por manipular algebricamente para fazermos o reconhecimento de
an e x0 , de acordo com a Definição 5.2. Vem então
+∞ +∞ +∞ n
(3x − 1)n X (3(x − 1/3))n X 3n 1
X 
= = x− .
n=0
2n + 1 n=0
2n + 1 n=0
2n + 1 3

3n
Obtemos an = , x0 = 31 , donde
2n + 1
an 3n (2n + 3) 1
R = lim = lim n+1 = .
an+1 3 (2n + 1) 3
an
Observe-se que não há necessidade de pôr módulo da razão an+1 , pois an > 0, para todo
o n ∈ N.
Se |x − 13 | < 31 , ou seja, se x ∈ ]0, 23 [, a série converge absolutamente, e se |x − 31 | > 13 ,
diverge. Vejamos o que se passa nos casos x = 0 e x = 23 . No primeiro caso obtemos a
+∞
X (−1)n
série . Como
n=0
2n + 1

+∞ n +∞ +∞
(−1) = 1
X X X 1
∼ (∼ entre séries significa que têm a mesma natureza),
n=0
2n + 1
n=0
2n + 1 n=0 n

a série em estudo não converge absolutamente em x = 0. Temos então de estudar a série


1
directamente. Como se trata de uma série alternada e a sucessão ( 2n+1 ) é decrescente e
converge para zero, o critério de Leibniz garante que a série é convergente.

Finalmente, analisando o comportamento da série de potências em x = 23 , obtemos a série


+∞
X 1
, que, como já vimos, é divergente. Assim, o intervalo de convergência da série
n=0
2n + 1
dada é [0, 32 [.

Alternativamente, podemos fazer a mudança de variável y = 3x − 1 e estudar a série


+∞
X yn
, cujo raio de convergência é 1 (exercı́cio), tendo-se que o intervalo de con-
n=0
2n + 1
vergência desta série de potências de y é [−1, 1[ (exercı́cio). Daqui se conclui que a série
+∞
X (3x − 1)n
converge se, e só se,
n=0
2n + 1

2
3x − 1 ∈ [−1, 1[ ⇔ −1 ≤ 3x − 1 < 1 ⇔ 0 ≤ x < .
3

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

132
Podemos ainda efectuar uma terceira abordagem. Encarando a série de potências como
uma série numérica, calculamos o limite da razão do termo geral. Vem então

(3x − 1)n+1 2n + 1
lim · = |3x − 1|.

2n + 3 (3x − 1)n

Pelo critério da razão concluı́mos que, se |3x − 1| < 1, ou seja, se x ∈ ]0, 23 [, a série converge
absolutamente; se |3x − 1| > 1, a série diverge.
Se |3x − 1| = 1 é necessário fazer o estudo directamente. Caso 3x − 1 = 1 obtemos a série
+∞ +∞
X (−1)n
X 1
divergente e caso 3x − 1 = −1 obtemos a série convergente .
n=0
2n + 1 n=0
2n + 1
Concluı́mos então que a série de potências converge se, e só se, x ∈ [0, 23 [.
Os três métodos apresentados são equivalentes e a escolha para o estudo da série que temos
em mãos recai no gosto de cada um, já que, de uma forma geral, nenhum deles tem um
carácter de aplicação mais simples, relativamente aos outros.
+∞
X x2n+1
4. Na série (−1)n apenas os coeficientes de ordem ı́mpar são não nulos, já que
n=0
4n log n
apenas figuram as potências de x com expoente ı́mpar. Podemos então escrever a série
dada na forma
+∞ +∞
X x2n+1 X (x2 )n
(−1)n n =x (−1)n n ,
n=0
4 log n n=0
4 log n

e considerando x2 = y, estudamos a série de potências de y


+∞
X yn
(−1)n .
n=0
4n log n

(−1)n
Para esta nova série temos an = , donde
4n log n

an
n+1 log(n + 1) log n
= lim 4

R = lim n log n
= 4 lim = 4,
a n+1
4 log n

já que log(n + 1) ∼ log n, pois n + 1 ∼ n e n → +∞ (cf. Exercı́cio 14. a) da Ficha 2).
Assim, se |y| < 4, a série de potências de y converge absolutamente, e se |y| > 4, diverge.
Consequentemente (porquê?), se x2 < 4, a série inicial converge, e se x2 > 4, a série inicial
+∞ +∞
X 4n X (−1)n
diverge. Se x2 = 4, obtemos as séries ±2 (−1)n n = ±2 , (as constantes
n=0
4 log n n=0
log n
antes da série são referentes aos valores x = 2 e x = −2) que são séries simplesmente
convergentes (exercı́cio). Concluı́mos então que o intervalo de convergência da série de
potências de x é [−2, 2].
A justificação do procedimento realizado (mudança de variável) encontra-se na fórmula de
Hadamard. Seja (un ) a sucessão dos coeficientes da série de potências de x, temos que
u2n = 0, para todo o n ∈ N, logo
q q q  q 1/2
n 2n+1 2n+1
1 1
· n n
lim |un | = lim |u2n+1 | = lim |an | = lim |an | 2n+1 = lim |an | n 2n+1 = lim |an |

an
(an = u2n+1 ), e, neste exemplo, o último limite é dado por lim an+1 .

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

133
+∞
X xn
5. . Nesta série temos
n=0
[4 + (−1)n ]2n

1

 25n

 , se n é par,
1
an = = e x0 = 0.
[4 + (−1)n ]2n 
 1 ,

se n é ı́mpar,

9n
Nesta situação determinamos o raio de convergência usando a fórmula de Hadamard.

1


 25
, se n é par,


1 1 1
Como n
an = = então R = = 1 = 9.
[4 + (−1)n ]2 
p
n
 1 lim |an | 9
 ,

se n é ı́mpar,
9
Assim, se x ∈ ] − 9, 9[, a série converge absolutamente, se x ∈ ] − ∞, −9[ ∪ ]9, +∞[, a série
diverge. Nos casos x = −9 e x = 9 obtemos, respectivamente, as séries
  n
9

 , se n é par,
25
X X 
(−1)n bn e bn , com bn =


1, se n é ı́mpar,

que são divergentes, pois bn→


/ 0. O intervalo de convergência é, portanto, ] − 9, 9[.

Em suma, o procedimento para o cálculo do intervalo de convergência de uma série de


potências segue os passos que se descrevem seguidamente.

1. Determinar o intervalo aberto de convergência, o que pode ser feito:

(a) determinando o raio de convergência, ou


(b) fazendo o estudo directo da série, usando o critério da razão ou o critério da raiz;

2. de acordo com a opção feita no passo anterior,

(a) estudar a série nos pontos x0 ± R, ou


(b) estudar nos casos em que o critério usado é inconclusivo;

3. concluir, indicando o intervalo de convergência.

Apresentamos seguidamente a demonstração do Teorema 5.3.

Prova do Teorema 5.3. Começamos por referir que o critério da raiz (cf. p Teorema 1.42) é
válido quando se substitui lim por lim. Assim, dado x ∈ R, seja ` = lim n |an (x − x0 )n | (este
limite existe sempre em R). Pelo critério da raiz, se ` < 1, a série converge absolutamente, e se
` > 1 a série
p diverge.
Se lim n |an | ∈ R,
q
n
q 1
` < 1 ⇔ lim |an (x − x0 )n | < 1 ⇔ |x − x0 | lim n |an | < 1 ⇔ |x − x0 | < p
n
,
lim |an |

e analogamente,
1
` > 1 ⇔ |x − x0 | > p .
lim n |an |

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

134
p
Se lim n |an | = +∞, então

` < 1 ⇔ |x − x0 | = 0 ⇔ x = x0 ,

e q
` > 1 ⇔ |x − x0 | lim n |an | > 1 ⇔ x ∈ R \ {x0 }.
1
Assim, considerando que R = p
n
, obtêm-se as asserções do teorema. 
lim |an |
No intervalo de convergência, a soma de uma série de potências define uma função f dada por
+∞
X n
X
f (x) = an (x − x0 )n = lim ak (x − x0 )k = lim (a0 + a1 (x − x0 ) + . . . + an (x − x0 )n ),
n→+∞ n→+∞
n=0 k=0

a que chamamos a soma da série de potências ou a função soma (da série de potências).

Operações algébricas com séries de potências


+∞
X +∞
X
Teorema 5.4 Consideremos as séries de potências an (x − x0 )n e bn (x − x0 )n , com raios
n=0 n=0
de convergência R1 e R2 , respectivamente, e cujas funções soma são, respectivamente, f e g.
Então, para quaisquer α, β ∈ R e para R = min{R1 , R2 }, tem-se
+∞
X
(αan + βbn )(x − x0 )n = αf (x) + βg(x),
n=0

para todo o x tal que |x − x0 | < R.

Exemplos. Sejam
X 1 X 1 1
f (x) = xn = , se |x| < 1, e g(x) = (−3)n xn = , se |x| < ,
n≥0
1−x n≥0
1 + 3x 3

então
2(1 + x) 1 1
X  
f (x) + g(x) = (1 + (−3)n )xn = , se |x| < = min 1, .
n≥0
(1 − x)(1 + 3x) 3 3

O resultado anterior generaliza-se à combinação linear de um número finito de séries de


potências de (x − x0 ).

Operações analı́ticas com séries de potências


Pode provar-se que a função soma de uma série de potências é contı́nua no interior do intervalo de
convergência. A ferramenta que permite fazer esta prova não está no âmbito deste curso e prende-
se com o tipo de convergência, em intervalos compactos contidos no intervalo de convergência,
que as séries de potências exibem - chama-se convergência uniforme. Assim, se
+∞
X
f (x) = an (x − x0 )n , x ∈ I,
n=p

onde I é um intervalo contido no interior do intervalo de convergência, então f é contı́nua em I.


O próximo resultado diz respeito à forma como podemos derivar e primitivar (ou integrar)
uma série de potências.
Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

135
+∞
X
Teorema 5.5 Seja R ∈ ]0, +∞] e suponhamos que f (x) = an (x − x0 )n para todo o x em
n=0
] x0 − R, x0 + R [.
1. A função f é diferenciável em ] x0 − R, x0 + R [ e tem-se
+∞
0
X
f (x) = nan (x − x0 )n−1 , ∀x ∈ ] x0 − R, x0 + R [.
n=1
A série anterior diz-se a série das derivadas da série inicial.
2. A função f é primitivável em ] x0 − R, x0 + R [ e tem-se
+∞
(x − x0 )n+1
Z X
f (x) dx = C + an , C ∈ R.
n=0
n+1
A série da expressão anterior diz-se a série das primitivas da série dada.
Observação. O resultado anterior traduz-se dizendo que toda a série de potências, com
raio de convergência em ]0, +∞], pode ser derivada e primitivada termo a termo, no interior do
intervalo de convergência, obtendo-se, respectivamente, a derivada e uma primitiva da função
soma da série de potências.

Exemplos.
X 3n − 1
1) Seja f (x) = (x − 2)n , com x ∈ ]1, 3[. Temos que
n≥0
n+2

3n − 1 X 3n2 − n
f 0 (x) =
X
n (x − 2)n−1 = (x − 2)n−1 , x ∈ ]1, 3[.
n≥1
n+2 n≥1
n + 2

2) Seja
X 4n 42
f (x) = (x + 5)2n+1 = (x + 5) + 2(x + 5)3 + (x + 5)5 + . . . , com x ∈ R.
n≥0
(2n)! 4!
Derivando termo a termo, obtemos
4n 42
f 0 (x) =
X
(2n + 1) (x + 5)2n = 1 + 6(x + 5)2 + 5 (x + 5)4 + . . . , x ∈ R.
n≥0
(2n)! 4!
Observe-se que neste caso a série das derivadas começa no ı́ndice zero, pois o primeiro termo da
série inicial não é uma constante.
+∞
X
Corolário 5.6 Considere-se a função f (x) = an (x − x0 )n com x ∈ ] x0 − R, x0 + R [ e
n=0
R ∈ ]0, +∞]. Então f admite derivadas finitas de todas as ordens no interior do respectivo
intervalo de convergência e tem-se, para cada inteiro m ≥ 1,
+∞
X
f (m)
(x) = n(n − 1) · . . . · (n − m + 1)an (x − x0 )n−m .
n=m

Exemplo. Já sabemos que


1 X
= (−1)n xn , |x| < 1.
x + 1 n≥0
O teorema anterior diz-nos que
1 xn+1
Z X
dx = (−1)n , |x| < 1.
x+1 n≥0
n+1

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

136
Assim,
X xn+1
log(x + 1) + C = (−1)n , |x| < 1, C ∈ R.
n≥0
n+1
Fazendo x = 0 na expressão anterior obtemos C = 0, logo
X xn+1 X xn
log(x + 1) = (−1)n = (−1)n−1 , |x| < 1. (32)
n≥0
n + 1 n≥1 n

Sabemos que a igualdade anterior é válida em ] − 1, 1[. Por outro lado, a série anterior é
convergente em x = 1 (série harmónica alternada) e observamos que 1 pertence ao domı́nio de
x 7→ log(x + 1). Também vamos ter a igualdade (32) neste ponto? (Não faz sentido fazer a
pergunta em x = −1, pois apesar de ser um dos extremos do intervalo de convergência da série,
não pertence ao domı́nio da função x 7→ log(x + 1).)
O teorema anterior garante as igualdades entre as séries obtidas por derivação e por inte-
gração termo a termo e a derivada e as primitivas, respectivamente, da função soma, no interior
do intervalo de convergência. O comportamento destas séries nos extremos do intervalo não é
regulado por resultados gerais, podendo a série ser divergente, ou convergir para valores dife-
rentes dos valores da derivada e/ou das primitivas da função soma. O próximo resultado dá-nos
informação relativa ao comportamento das séries em causa nos extremos do intervalo, quando
estão reunidas determinadas condições. A sua prova está fora do âmbito desta disciplina.
+∞
X
Teorema (Abel) Se an (x − x0 )n converge no intervalo ]α, β[ para uma função f e se f é
n=0
contı́nua em α (resp. em β) e a série converge em x = α (resp. em x = β), então tem-se
+∞ +∞
!
X X
n n
f (α) = an (α − x0 ) resp. f (β) = an (β − x0 ) .
n=0 n=0

Voltando ao exemplo (32), podemos concluir que a igualdade é válida em ] − 1, 1], tendo-se
em particular
X 1
log 2 = (−1)n−1 .
n≥1
n

cos x
Exemplo. À função x 7→ , com x ∈ {x ∈ R : x 6= kπ, k ∈ Z}, chama-se função
sin x
cotangente e representa-se por cotg ou por cotan.

Parte do gráfico da função x 7→ cotg x


Tem-se que (exercı́cio)
• cotg (]0, π[) = R;
• a função cotangente é invertı́vel em ]0, π[.
Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

137
À inversa da restrição da função cotangente ao intervalo ]0, π[ chama-se arcocotangente e
representa-se por arccotg ou por arccotan.

Parte do gráfico da função x 7→ arccotg x


Prova-se que esta função é diferenciável e que
1
(arccotg x)0 = − , ∀x ∈ R.
1 + x2
Vamos agora obter o desenvolvimento em série de Taylor de f (x) = arccotg x, no ponto zero, a
partir do desenvolvimento de Taylor de f 0 , no ponto zero.
Ora, se |x2 | < 1 ⇔ |x| < 1, temos que
+∞ +∞ +∞
1 1 X
2 n
X
n 2n
X
− 2
= − 2
= − (−x ) = − (−1) x = (−1)n+1 x2n .
1+x 1 − (−x ) n=0 n=0 n=0

Primitivando de ambos os lados (ver Teorema 5.5 e a observação que se lhe segue), obtemos
+∞ +∞
1 (−1)n+1 2n+1
Z X Z X
arccotg x = − 2
dx = (−1)n+1 x2n dx = x + C, C ∈ R.
1+x n=0 n=0
2n + 1

Calculando agora a identidade anterior em x = 0 vem


π
arccotg 0 = 0 + C ⇔ C = .
2
α∈ ]0,π[
(Observar que arccotg 0 = α ⇔ cotg α = 0 ⇐⇒ α = π2 .) Podemos então escrever

π +∞
X (−1)n+1
arccotg x = + x2n+1 , com x ∈ ] − 1, 1[. (33)
2 n=0 2n + 1

Como −1 e 1 pertencem ao domı́nio da função arcocotangente (o domı́nio é R) e esta é uma


função contı́nua, faz sentido estudar a série em (33) nos extremos do intervalo de convergência.
+∞
X (−1)n
Se x = −1, obtemos a série , que é simplesmente convergente (esta série já foi
n=0
2n + 1
estudada no exemplo 3, da página 132). O Teorema de Abel garante que a igualdade em (33)
também é válida em x = −1. Analogamente se conclui a igualdade em x = 1, pelo que o
desenvolvimento obtido é válido no intervalo [−1, 1].
Vejamos que a partir de (33) se conclui que
+∞
X (−1)n π
= .
n=0
2n + 1 4
π
Como cotg 4 = 1, então arccotg 1 = π4 . Assim, substituindo x por 1 em (33), obtemos

π +∞
X (−1)n+1 π π +∞
X (−1)n (−1) π +∞
X (−1)n
arccotg 1 = + ⇔ − = ⇔− =− ,
2 n=0 2n + 1 4 2 n=0 2n + 1 4 n=0
2n + 1

donde sai a conclusão pretendida.


Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

138
5.3 Série de Taylor
Num exemplo anterior vimos que
+∞
1 X
= xn , x ∈ ] − 1, 1[,
1 − x n=0
1
ou seja, f (x) = é, no intervalo ] − 1, 1[, soma de uma série de potências de x. Dizemos,
1−x
por esse facto, que f é analı́tica em x0 = 0.
Definição 5.7 (Função analı́tica) Dizemos que uma função f é analı́tica num ponto x0 se
é soma de uma série de potências de x − x0 , convergente num intervalo |x − x0 | < R, isto é, se
existe uma série de potências +∞ n
n=0 an (x − x0 ) , com raio de convergência não nulo e tal que
P
P+∞
f (x) = n=0 an (x−x0 )n , para todo o x tal que |x−x0 | < R. f diz-se analı́tica num intervalo
aberto I se f é analı́tica em cada ponto de I.

Voltando ao nosso exemplo, observe-se o seguinte


1 1 1 1
= = =2 .
1−x 1 − (x − 1/2 + 1/2) 1/2 − (x − 1/2) 1 − 2(x − 1/2)
1
Ora, a fracção anterior é da forma , com r = 2(x − 1/2), assim, se |2(x − 1/2)| < 1, isto é,
1−r
se |x − 1/2| < 1/2, tem-se
n n
1 1 1 1
X   X 
n+1
=2 =2 2 x− = 2 x− .
1−x 1 − 2(x − 1/2) n≥0
2 n≥0
2

Então, f é analı́tica em x0 = 12 . O procedimento anterior pode ser reproduzido para qualquer


x0 ∈ ] − 1, 1[, donde se conclui que f é analı́tica no intervalo ] − 1, 1[. A próxima proposição
descreve a situação acabada de ilustrar.
Proposição 5.8 Se f é analı́tica em x0 , f é analı́tica em qualquer ponto do intervalo onde f é
soma de uma série de potências de x − x0 .
Exemplo. A função x 7→ ex é analı́tica em R.

O que vimos sobre séries de potências (cf. Corolário 5.6) garante que uma função analı́tica é
indefinidamente diferenciável. Vamos ver que existe uma única forma de escrever estas funções
como soma de uma série de potências de x − x0 .
Definição 5.9 (Série de Taylor) Dada uma função real de variável real f de classe C ∞ num
ponto x0 ∈ R, chamamos série de Taylor de f no ponto x0 à série
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!
Trata-se duma série de potências de x − x0 cujos coeficientes são designados por coeficientes
de Taylor de f em x0 . No caso particular em que x0 = 0 à série anterior damos, por vezes, o
nome de série de MacLaurin de f .
Teorema 5.10 (Unicidade da representação em série de potências (1715)) Sejam I
um intervalo real, x0 um ponto interior de I e f : I → R. Se f é soma de uma série de
potências de x − x0 numa vizinhança de x0 (ou seja, f é analı́tica em x0 ), então f é necessari-
amente de classe C ∞ nessa vizinhança e a série tem a forma
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

139
Como obter a série de Taylor de uma função em geral? Como obter a soma de uma
série de Taylor?
A série de Taylor de uma dada função f no ponto x0 é
+∞
X f (n) (x0 )
(x − x0 )n .
n=0
n!

Assim, escrever a série de Taylor de uma função passa por conhecer f (n) (x0 ), para todo o n ∈ N0 .
Genericamente, o procedimento implica determinar a expressão geral da derivada de ordem n
de f e provar a sua validade (por indução). Esta tarefa pode ser algebricamente árdua. Para
funções que se obtêm por soma, por produto por uma constante, por derivação, por primitivação
e/ou por composição com um polinómio a partir de desenvolvimentos dados (ver pág. 143 e 144)
o procedimento é fácil.
Exemplos.
1. (Exponencial) Seja f (x) = 5e2x . Vejamos como obter o desenvolvimento de Taylor em
x0 = 6. Podemos escrever
e2x = e2(x−6+6) = e12 · e2(x−6) , ∀x ∈ R.
+∞
X xn
Como ex = , ∀x ∈ R, então
n=0
n!
+∞ +∞
X (2(x − 6))n X 2n (x − 6)n
e2(x−6) = = ,
n=0
n! n=0
n!
donde
+∞ +∞
X 2n (x − 6)n X 5e12 2n
f (x) = 5e2x = 5e12 = (x − 6)n , ∀x ∈ R.
n=0
n! n=0
n!
Atendendo ao Teorema 5.10 a série anterior é o desenvolvimento de Taylor pedido.
1
2. (Função racional) Seja f (x) = . Vejamos como obter o desenvolvimento de
(x + 2)(x − 3)
Taylor em x0 = −1.
Vamos começar por decompôr a fracção dada na soma de fracções simples. Recordamos
detalhadamente uma das técnicas de o fazer. Observando que (x + 2) − (x − 3) = 5 vem
1 1 5 1 (x + 2) − (x − 3)
 
= =
(x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3)
donde
1 1 (x + 2) (x − 3) 1 1 1
   
= − = − .
(x + 2)(x − 3) 5 (x + 2)(x − 3) (x + 2)(x − 3) 5 x−3 x+2
Agora trabalhamos cada uma das fracções separadamente, tendo em mente que o que nos
interessa é escrever cada uma delas como soma de uma série geométrica de razão r, com
1
r adequado ( 1−r ). Genericamente, interessa-nos escrever cada fracção na seguinte forma
1
c1 , com c1 , c2 ∈ R, m ∈ N,
1 − c2 (x − x0 )m
onde x0 é o ponto em torno do qual se pretende o desenvolvimento de Taylor. Temos então
1 1 1 1 1 1 1
= = = = =− · ,
x−3 −3 + x −3 + (x+1 − 1) −3−1 + (x+1) −4 + (x + 1) 4 1 − (x+1)
4

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

140
pelo que já temos a fracção escrita na forma pretendida. Assim, se | x+1 4 | < 1, a fracção
da última expressão é a soma da série geométrica de razão x+1
4 , que tem inı́cio em n = 0,
podemos então escrever
1 1 X x+1 n X 1
 
=− = − n+1 (x + 1)n , se |x + 1| < 4. (34)
x−3 4 n≥0 4 n≥0
4
Analogamente, mostra-se que
1 X
= (−1)n (x + 1)n , se |x + 1| < 1. (35)
x + 2 n≥0
Atendendo ao Teorema 5.4, de (34) e (35), vem
X1 1

f (x) = (−1)n+1 − n+1 (x + 1)n , se |x + 1| < min{1, 4} = 1.
n≥0
5 4
Este é um procedimento genérico, embora haja situações particulares que possam ser
resolvidas de outras formas (cf. Exercı́cio 16. h) da Ficha 5).
3. (Produto de um polinómio por uma exponencial) Vamos agora obter os desenvolvimentos
2−x
de Taylor da função f (x) = x−2 , nos pontos x0 = 2 e x0 = 5.
e
Começamos por escrever a função dada na seguinte forma f (x) = (2 − x)e2−x .
+∞ +∞
X xn X (2 − x)n
Como ex = , ∀x ∈ R, vem e2−x = , pelo que o desenvolvimento no
n=0
n! n=0
n!
ponto x0 = 2 é dado por
+∞ +∞ +∞
X (2 − x)n X (2 − x)n+1 X (−1)n+1
(2 − x)e2−x = (2 − x) = = (x − 2)n+1 , ∀x ∈ R.
n=0
n! n=0
n! n=0
n!

Observando agora que 2 − x = 5 − x − 3 vem


(2 − x)e2−x = [(5 − x) − 3]e(5−x)−3 = e−3 [(5 − x) − 3]e5−x = e−3 [(5 − x)e5−x − 3e5−x ]. (∗)
Analogamente ao caso anterior temos

+∞
X 3(−1)n
3e5−x = (x − 5)n , ∀x ∈ R, (36)
n=0
n!
e
+∞ +∞
X (−1)n+1 X (−1)n
(5 − x)e5−x = (x − 5)n+1 = (x − 5)n , ∀x ∈ R. (37)
n=0
n! n=1
(n − 1)!
+∞
3(−1)n X
Podemos escrever a série em (36) na forma 3 + (x − 5)n (deixamos de “fora” a
n=1
n!
primeira parcela do somatório para que as séries em (36) e em (37) comecem no mesmo
ı́ndice e assim as possamos somar). De (∗) vem então
" +∞  #
(−1)n 3(−1)n

−3
X
(2 − x)e 2−x
=e − (x − 5)n − 3
n=1
(n − 1)! n!
+∞
(−1)n 3
 
−3 −3
X
= −3e +e 1− (x − 5)n
n=1
(n − 1)! n
+∞
−3
X (−1)n e−3 (n − 3)
= −3e + (x − 5)n , ∀x ∈ R,
n=1
n!

sendo este o desenvolvimento pedido em x0 = 5.


Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

141
O Teorema 5.10 diz-nos que uma função analı́tica num intervalo aberto I é de classe C ∞ (I),
tal como já tı́nhamos referido, e é soma da sua série de Taylor em cada ponto de I. No entanto,
uma função real de variável real pode ser de classe C ∞ e não ser analı́tica. Por exemplo, a
função (exemplo dado por Cauchy em 1823)
( 2
e−1/x , x 6= 0,
f (x) =
0, x=0

Gráfico de f e das suas derivadas


é de classe C ∞ no ponto x0 = 0, tendo-se f (n) (0) = 0, para todo n ∈ N0 . Assim, a sua série de
Taylor no ponto x0 = 0 é a série nula ( +∞ n
n=0 0 · x = 0, para todo o x ∈ R), pelo que f não é
P

analı́tica, uma vez que apenas no ponto zero a função coincide com a soma da série de Taylor.
Este exemplo ilustra uma das propriedades que permite distinguir as funções analı́ticas das
funções de classe C ∞ que não são analı́ticas e que é formalizada no resultado que se segue.

Propriedade. Sejam I um intervalo real e f : I → R uma função analı́tica em I. Se existe


um ponto a ∈ I onde f e todas as suas derivadas se anulam, então f anula-se em todos os
pontos de I.

Vamos agora ver desenvolvimentos de Taylor de algumas funções (analı́ticas) com que lidamos
frequentemente. Para tal precisamos do próximo resultado, conhecido como critério geral de
desenvolvimento em série de Taylor.

Proposição 5.11 É condição necessária e suficiente para que f seja a soma da sua série de
+∞
X f (n) (x0 )
Taylor (x − x0 )n , numa vizinhança V de x0 , que Rn (x) → 0, quando n → +∞ (cf.
n=0
n!
(30)), para todo o x ∈ V.

Uma condição suficiente para que uma função seja analı́tica é fornecida na proposição que se
segue.

Proposição 5.12 Sejam I um intervalo real e f : I → R uma função indefinidamente dife-


renciável em I. Se existem constantes M, K ≥ 0 tais que, numa vizinhança V de x0 ∈ I, se
tenha
|f (n) (x)| ≤ M K n , ∀x ∈ V, para n > p, p ∈ N, (38)
então f é analı́tica em x0 (ou seja, f é soma da sua série de Taylor em x0 ).

Dizer que uma função é indefinidamente diferenciável, num dado conjunto, é uma outra forma
de dizer que é de classe C ∞ , nesse conjunto.

Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

142
Demonstração. Sejam n > p e Rn o resto de Lagrange de f , de ordem n, relativo ao ponto
x0 . Temos assim
f (n+1) (ξ)
Rn (x) = (x − x0 )n+1 , com ξ entre x e x0 ,
(n + 1)!
logo
M K n+1 M |K(x − x0 )|n+1
|Rn (x)| ≤ |(x − x0 )|n+1 = , ∀x ∈ V. (39)
(n + 1)! (n + 1)!
!
M |K(x − x0 )|n+1
Com K e x fixos, observamos que é o termo geral de uma série numérica
(n + 1)!
convergente (é um exercı́cio simples, usando o critério da razão, mostrar que dado a ∈ R, a série
P an
n! é absolutamente convergente), logo

M |K(x − x0 )|n+1
→ 0, n → +∞ (o termo geral de uma série convergente tem limite zero).
(n + 1)!
Então, de (39), concluı́mos que Rn (x) → 0, n → +∞, para qualquer x ∈ V . O critério geral de
desenvolvimento em série de Taylor (Proposição 5.11) permite agora concluir que f é analı́tica
em x0 .

Como acabámos de ver, a condição do resultado anterior permite concluir, usando o resto de
Lagrange, que Rn (x) → 0, quando n → +∞, para cada x na vizinhança V . Donde, partindo da
fórmula de Taylor em x0 , obtemos a série de Taylor, em x0 , para as funções que se encontram
nas condições anteriores.
Corolário 5.13 Sejam I um intervalo real e f : I → R uma função indefinidamente diferen-
ciável em I. Se existe uma constante M ≥ 0 tal que, numa vizinhança de x0 ∈ I, se tenha

|f (n) (x)| ≤ M, ∀x ∈ V, para n > p, p ∈ N,

então f é analı́tica em x0 (ou seja, f é soma da sua série de Taylor em x0 ).

Algumas séries de Taylor

Seguem-se séries de Taylor, no ponto zero, assim como parte dos gráficos das funções soma
e de alguns dos respectivos polinómios de Taylor.

+∞
X xn x2 x3
1) ex = =1+x+ + + . . . , ∀x ∈ R.
n=0
n! 2 3!

Em particular,
+∞
X 1
e= .
n=0
n!

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143
+∞
X x2n+1 x3 x5
2) sin x = (−1)n =x− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n + 1)! 3! 5!

Em particular,
+∞
X (−1)n
sin 1 =
n=0
(2n + 1)!

+∞
X x2n x2 x4
3) cos x = (−1)n =1− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n)! 2! 4!

+∞
1 X
4) = xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 [;
1 − x n=0

+∞
X xn x2 x3 x4
5) (Mercator) log(1 + x) = (−1)n−1 =x− + − + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 ].
n=1
n 2 3 4

Em particular
+∞
X 1
log 2 = (−1)n−1 .
n=1
n

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144
+∞
X (−1)n 2n+1
6) (Gregory-Leibniz) arctan x = x , ∀x ∈ [−1, 1].
n=0
2n + 1

Em particular
+∞
X (−1)n
π
= .
4 n=0 2n + 1

+∞
!
X α
7) (Binomial) (1 + x)α = xn , ∀x ∈ ] − 1, 1[, onde α ∈ R
n=0
n

! !
α α α · (α − 1) · . . . · (α − n + 1)
=1e = , n ≥ 1.
0 n n!

Este desenvolvimento generaliza a fórmula do Binómio de Newton.

Exemplos. 1) Qual é a série de Taylor da função f (x) = arccos x no ponto zero?


Considerando f (x) = arccos x, com x ∈ ] − 1, 1[, observamos que
1
f 0 (x) = − √ = −(1 − x2 )−1/2 , x ∈ ] − 1, 1[.
1−x 2

Assim, vamos usar o desenvolvimento da Binomial para obter a série de Taylor, de f 0 , no ponto
zero, e depois, por primitivação desta, e recorrendo ao Teorema 5.5, obteremos a série pedida.
Considerando α = − 21 no desenvolvimento da Binomial, e se |−x2 | < 1, ou seja, se x ∈ ]−1, 1[,
vem
+∞
"
− 21 · (− 12 − 1) · . . . · (− 12 − n + 1)
#
2 −1/2
X
−(1 − x ) = − 1+ (−x2 )n
n=1
n!
+∞
X − 21 · (− 32 ) · . . . · (− 2n−1
2 ) 2n
= −1 − (−1)n x
n=1
n!
+∞
X (−1)n 1·3·...·(2n−1)
2n
= −1 − (−1)n x2n
n=1
n!
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) 2n
= −1 − x , x ∈ ] − 1, 1[.
n=1
2n n!

Primitivando de ambos os lados a identidade anterior e recordando que as séries de potências


podem ser primitivadas termo a termo, no interior do seu intervalo de convergência, vem, para
x ∈ ] − 1, 1[,
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) x2n+1
arccos x = −x − + C, C ∈ R.
n=1
2n n! 2n + 1
Vamos determinar o valor da constante C calculando a identidade anterior no ponto x = 0
(ponto onde sabemos calcular a soma da série). Vem então
π
arccos 0 = 0 + C ⇔ C = .
2
Temos então
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) x2n+1
π
arccos x = −x− , x ∈ ] − 1, 1[. (40)
2 n=1
2n n! 2n + 1

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145
Está fora do âmbito desta disciplina o estudo nos extremos do intervalo de convergência,
das séries de potências que se relacionam com a Binomial, pelo que a resposta à pergunta feita,
termina aqui.
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)
2) Qual é a soma da série ?
n=1
23n+1 n!(2n + 1)
Atendendo a que
+∞
1 · 3 · . . . · (2n − 1) +∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
X 1
= ,
n=1
2 3n+1 n!(2n + 1) n=1
2n n!(2n + 1) 2

observamos que a soma da série anterior pode ser obtida a partir de (40), quando consideramos
x = 12 . Vem então

π 1 +∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
1 1
arccos = − − ,
2 2 2 n=1 2n (2n + 1)n! 2

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+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1)  2n+1
π π 1 1
− + =− ,
3 2 2 n=1
2n (2n + 1)n! 2
pelo que,
+∞
X 1 · 3 · . . . · (2n − 1) π 1
3n+1 n!(2n + 1)
= − .
n=1
2 6 2

Aplicações
Entre as várias aplicações das séries de Taylor destacamos as seguintes.

1. Cálculo de derivadas
1.1) Como calcular a derivada de ordem 2018, no ponto x0 = 0, da função f (x) = log(x+2)?
Observando que
x x
    
log(x + 2) = log 2 1 + = log 2 + log 1 + ,
2 2
e usando o desenvolvimento de Taylor da função x 7→ log 1 + x2 em torno do ponto zero,


é possı́vel tirar informação sobre todas as derivadas da função e concluir, em particular,


que
(2017)!
f (2018) (0) = − 2018 .
2
X 5n + 1
1.2) Consideremos a função f (x) = (3x − 1)n . Vamos ver que
n≥0
2n

• o domı́nio de f é I =] − 31 , 1[;
 
• f é de classe C ∞ em I, e vamos calcular f (100) 1
3 .

Determinar o domı́nio de uma função que é soma de uma série de potências é determinar
o intervalo de convergência da série. Seja y = 3x − 1. O raio de convergência da série
X 5n + 1
n
y n é
n≥0
2
an 5n + 1
R = lim , com an = > 0.
an+1 2n

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146
Assim, !
5n + 1 2n+1
R = lim · = 2,
2n 5n + 6
pelo que a série converge se |y| = |3x − 1| < 2, ou seja, se
1
−2 < 3x − 1 < 2 ⇔ −1 < 3x < 3 ⇔ − < x < 1,
3
e diverge se |y| = |3x − 1| > 2, ou seja, se x < − 31 ou x > 1. Voltamos agora à série
original.
X 5n + 1 X
Se x = − 31 , obtemos a série n
(−2)n = (−1)n (5n + 1) que é uma série diver-
n≥0
2 n≥0
gente, pois o seu termo geral não converge para zero.
X 5n + 1 X
Se x = 1, obtemos a série n
2n = (5n + 1) que também é divergente, pela
n≥0
2 n≥0
mesma razão.
Concluı́mos então que o domı́nio de f é I =] − 13 , 1[.
Escrevendo
X 5n + 1   n  n  n
1 X 3 1
f (x) = 3 x− = (5n + 1) x− ,
n≥0
2n 3 n≥0
2 3
 
obtemos f como soma de uma série de potências de x − 13 , convergente num intervalo
I não degenerado (ou seja, um intervalo com interior não vazio), logo f é analı́tica em I,
e, consequentemente, de classe C ∞ , em I. Além disso, a série assim obtida é a série de
Taylor de f , no ponto 13 , pelo que
 
X  n 
3 1
n X f (n) 13  1
n
(5n + 1) x− = x− .
n≥0
2 3 n≥0
n! 3

Daqui concluı́mos que


 
1
f (n) 3
 n
3 1
   n
3
= (5n + 1) ⇔ f (n) = (5n + 1) n!,
n! 2 3 2
para cada n ∈ N0 .
Sai agora que
 100
1 3 501 · 100! · 3100
 
f (100) = (5 × 100 + 1) 100! = .
3 2 2100

2. Soma de séries de potências


+∞
X (3x)n
2.1) Qual é a função soma de ?
n=2
n!
Observando que
+∞ +∞
X (3x)n X (3x)n
= − 1 − 3x,
n=2
n! n=0
n!
e tendo presente o desenvolvimento em série de Taylor da função exponencial em torno do
ponto zero, vem
+∞
X (3x)n
= e3x − 1 − 3x.
n=2
n!

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147
+∞
X xn+2
2.2) Qual a função soma da série ?
n=0
n+2

Seja
+∞
X xn+2 x2 x3 x4
f (x) = = + + + ...
n=0
n+2 2 3 4
É fácil ver que o intervalo de convergência da série de potências anterior é [−1, 1[. Podemos
então derivá-la em ] − 1, 1[ e obtemos
!0 +∞
x2 x3 x4
f 0 (x) =
X
+ + + ... = x + x2 + x3 + . . . = xn+1 , x ∈ ] − 1, 1[.
2 3 4 n=0

Ora
+∞ +∞
X X x
xn+1 = x xn = , se x ∈ ] − 1, 1[.
n=0 n=0
1−x
Concluı́mos então que
x 1
f 0 (x) = = −1 + , x ∈ ] − 1, 1[.
1−x 1−x
Primitivando a função anterior obtemos
1
Z Z
f (x) = f 0 (x) dx = −1 + dx = −x − log |1 − x| + C = −x − log(1 − x) + C,
1−x
se x ∈ ] − 1, 1[ e com C ∈ R. Temos então
+∞
X xn+2
= −x − log(1 − x) + C, x ∈ ] − 1, 1[.
n=0
n+2
Calculando a identidade anterior em x = 0 vem 0 = 0 + C, logo
+∞
X xn+2
= −x − log(1 − x), x ∈ ] − 1, 1[. (41)
n=0
n+2

A série anterior é convergente em x = −1 e a função do lado direito de (41) é contı́nua em


x = −1, então, pelo Teorema de Abel, a identidade em (41) é válida em [−1, 1[. (Observe-
se que x = 1 não pertence ao domı́nio da função, nem esta é prolongável por continuidade
ao ponto.)
3. Determinação da primitiva de funções elementares sem primitiva elementar
Vimos que as séries de potências são primitiváveis termo a termo no interior do seu inter-
valo de convergência, assim, a partir do desenvolvimento de Taylor em torno de um ponto
adequado no domı́nio dessas funções, é possı́vel expressar as suas primitivas em termos de
uma série de potências.
Já foi observado que há funções elementares cuja primitiva não é uma função elementar
(cf. Capı́tulo 4), por exemplo, a função f (x) = cos(x3 ) é uma dessas funções. Como
+∞ +∞
X x2n X x6n
cos x = (−1)n , x ∈ R, vem cos(x3 ) = (−1)n , x ∈ R.
n=0
(2n)! n=0
(2n)!
Primitivando de ambos os lados a última identidade vem
+∞
x6n+1
Z X
3
cos(x ) dx = (−1)n + C, x ∈ R, C ∈ R.
n=0
(6n + 1)(2n)!

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148
Z 1
Podemos então calcular um valor aproximado para cos(x3 ) dx usando a série anterior.
0
Vamos determinar um valor para esse integral com erro inferior a 0, 005.
Atendendo ao que já vimos, temos
+∞
" #1 +∞
x6n+1
Z 1 X
n
X 1
3
cos(x ) dx = (−1) = (−1)n .
0 n=0
(6n + 1)(2n)! 0 n=0
(6n + 1)(2n)!

Assim, o valor do integral é a soma de uma série alternada, nas condições do critério
de Leibniz, pelo que sabemos que o seu valor aproximado pode ser dado pelo valor do
termo de ordem n da sucessão das somas parciais, com erro inferior a an+1 , considerando
1
an = . Ora
(6n + 1)(2n)!
1 1
a0 = 1, a1 = ≈ 0, 07, a2 = < 0, 005,
14 312
então
1 13
S1 = 1 −
=
14 14
é um valor aproximado para o integral dado, com erro inferior a 0, 005.

4. Outras
Como mostrar que e é um número irracional?

Do desenvolvimento em série de Taylor da função exponencial em torno do ponto zero,


+∞
X 1
concluı́mos que e = .
n=0
n!
Suponhamos que e é um número racional. Então existe um p0 ∈ N tal que, para p ≥ p0 ,
p!e ∈ N. Assim, considerando p ≥ p0 , temos
1 1 1
e=1+1+ + + . . . + Rp ,
2 3! p!
donde
p! p!
p!e = 2p! + + + . . . + 1 + p!Rp .
2 3!
Usando a Proposição 1.48, podemos estimar p!Rp . Ora, com an = n! 1
, vem an+1
an =
1
n+1 ,
1
pelo que basta considerar, na proposição referida, λ = p+2 , concluindo-se que

1 1 p+2
< Rp .p! < , para n ≥ p + 1,
p+1 p+1p+1
donde, para p adequado,
0 < Rp .p! < 1,
o que é absurdo, já que, por hipótese, Rp .p! é um número natural! Assim, e é um número
irracional.

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149
5.4 Complementos
As séries numéricas não são muito importantes a nı́vel de aplicações, mas as séries de funções sim,
em particular, as séries de potências. No entanto, como vimos, as séries numéricas constituem a
base do estudo destas últimas. Abordámos alguns critérios de convergência, mas muitos outros
existem (cf. [3],[6]). Vamos referir mais um, que foi obtido por um matemático português -
Anastácio da Cunha (1744-1787), embora seja referido na literatura como o critério de Cauchy
(1789-1857), e que envolve uma importante noção em análise - as chamadas sucessões de Cauchy.
Definição 5.14 Uma sucessão (un ) diz-se uma sucessão de Cauchy se
∀δ > 0 ∃p ∈ N : m, n ≥ p ⇒ |um − un | < δ.
Proposição 5.15 (Critério de convergência de Anastácio da Cunha, 1790) Uma série
an é convergente se, e só se, para cada δ > 0 existe p ∈ N tal que, para qualquer n ≥ p e para
P

qualquer k ∈ N se tem
|an+1 + an+2 + . . . + an+k | < δ,
ou seja, se a sucessão das somas parciais da série é uma sucessão de Cauchy.
Das séries de funções apenas estudámos as séries de potências, que são as mais simples.
No entanto, muitas outras são importantes. Durante muito tempo pensou-se que as funções
contı́nuas eram diferenciáveis em quase todos os pontos, no entanto, em 1872, Weierstrass mos-
trou que existe uma função contı́nua que não tem derivada em nenhum ponto, essa função é
dada pela seguinte série de funções
+∞ n
X 1
f (x) = cos(2n x).
n=1
2

Parte do gráfico de x 7→ Sn (x) (suc. das somas parciais da série anterior), para algum n ∈ N

Não é difı́cil (usando a ferramenta adequada, mas não estudada neste curso) mostrar que
existe o limite
1 1 1
 
lim cos(2x) + 2 cos(22 x) + . . . + n cos(2n x) ,
n→+∞ 2 2 2
e que é uma função contı́nua. No entanto, a prova em como não é diferenciável em nenhum
ponto é muito árdua. Em 1916 G. Hardy mostrou que qualquer função soma de uma série da
forma
+∞
X
f (x) = an cos(bn x)
n=1
é contı́nua em R e não tem derivada em nenhum ponto, desde que 0 < a < 1, b > 1 e ab ≥ 1.
Estes exemplos alertam-nos para o facto da nossa intuição estar associada às funções ele-
mentares e de estas apenas representarem uma pequena parcela do universo das funções. Assim,
as séries de potências abrem uma janela sobre o muito que a análise tem para ensinar...
Séries Ana Rute Domingos e Ana Cristina Barroso

150
Sı́ntese do capı́tulo
X Z +∞
• Critério do Integral. f contı́nua, positiva e decrescente. Então f (n) ∼ f (x) dx.
n≥p p

+∞
X
• Série de potências: an (x − x0 )n .
n=0

P+∞ 1
an
• Raio de convergência de n=0 an (x − x0 )n : R= √
n
ou R = lim
, se este
lim |an | an+1
limite existir.
• Operações analı́ticas com séries de potências: no interior do intervalo de con-
+∞
X
vergência de f (x) = an (x − x0 )n
n=0
P+∞
– f é diferenciável e f 0 (x) = n=1 nan (x − x0 )
n−1 (série das derivadas);
n+1
= C + n=0 an (x−x 0)
R P+∞
– f é primitivável e f (x) dx n+1 (série das primitivas).
+∞
X
• Teorema de Abel: Se an (x − x0 )n converge no intervalo ]α, β[ para uma função f e
n=0
se f é contı́nua em α (resp. em β) e a série converge em x = α (resp. em x = β), então
tem-se
+∞ +∞
!
X X
f (α) = an (α − x0 )n resp. f (β) = an (β − x0 )n .
n=0 n=0
+∞
X f (n) (x0 )
• Série de Taylor de f , no ponto x0 : (x − x0 )n .
n=0
n!

+∞
X xn x2 x3
• ex = =1+x+ + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
n! 2 3!

+∞
X x2n+1 x3 x5
• sin x = (−1)n =x− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n + 1)! 3! 5!

+∞
X x2n x2 x4
• cos x = (−1)n =1− + + . . . , ∀x ∈ R;
n=0
(2n)! 2! 4!

+∞
1 X
• = xn = 1 + x + x2 + x3 + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 [;
1 − x n=0

+∞
X xn x2 x3 x4
• log(1 + x) = (−1)n−1 =x− + − + . . . , ∀x ∈ ] − 1, 1 ];
n=1
n 2 3 4

+∞
!
α
X α
• (1 + x) = xn , ∀x ∈ ] − 1, 1[, onde α ∈ R
n=0
n
! !
α α α · (α − 1) · . . . · (α − n + 1)
=1e = , n ≥ 1.
0 n n!

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Referências
[1] Apostol, T., Cálculo, Blaisdell Publishing Company

[2] Courant, R., John, F., Introduction to Calculus and Analysis,

[3] Figueira, M., Fundamentos de Análise Infinitesimal, Colecção “Textos de Matemática”,


volume 5, Dep. de Mat., 1996.
(https://ciencias.ulisboa.pt/sites/default/files/fcul/dep/dm/05-MFigueira.pdf)

[4] Lima, E.L., Curso de Análise, Vol. 1, Projeto Euclides, IMPA.

[5] Salas, Hille, Etgen, Calculus, One and Several Variables, John Wiley and Sons

[6] Sarrico, C., Análise Matemática, Gradiva, 1997.

[7] Stewart, J., Calculus, Brooks/Cole

Análise Mat. I e Cálculo Dif. e Int. I Ana Cristina Barroso e Ana Rute Domingos

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