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Compilado e organizado em 2017 por
Adelino Esteves Tomás, Ph.D.
Que embora composta por indivíduos, funciona como uma entidade autónoma que
imprime o seu próprio carácter às suas criações sociais.
Assim, os indivíduos integrados numa sociedade são submetidos às relações sociais,
sendo socializados e interiorizando sentimentos, crenças e valores que os identificarão
com a sociedade em causa, evidenciando-se nas suas práticas individuais. Ou seja, a
acção da sociedade sobre os indivíduos molda-os, determina os seus comportamentos e
as suas práticas, podendo existir influências benéficas e maléficas que dimanam da
sociedade.
Exercício de reflexão:
a) Por que é que podemos asseverar que o ser humano é um produto e um produtor
da sociedade?
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dizer, como um conjunto de normas jurídicas que questionam a legitimidade das normas
e valores sociais.
Podemos, então, afirmar que os valores constituem-se em sistemas de crenças e
linhas orientadoras das acções que influenciam as escolhas dos indivíduos entre
diversas alternativas de acções possíveis. Por conseguinte, os valores podem ser
partilhados por uma colectividade, passando a integrar o sistema cultural da sociedade.
Assim, a função social dos valores é fulcral na manutenção da ordem social, porque
toda a acção é vinculada a um valor. Por conseguinte, o envolvimento dos indivíduos
com os valores é de tal magnitude que pela defesa dos valores, fazem sacrifícios, lutam,
matam e morrem. Deste modo, durante a luta de libertação nacional, os valores de
liberdade, de independência e de soberania levaram centenas de moçambicanos a
sacrificarem as suas vidas. Por outro lado, pelos seus valores religiosos, as pessoas
renunciam a tudo para os defenderem a qualquer custo. Em suma, os valores têm
diferentes graus de importância social, entre os mais notáveis: o heroísmo, o
patriotismo, a justiça, a honra pessoal, a honestidade, entre outros.
A vida social está submersa numa miríade de normas que respondem a diversos
imperativos: morais, religiosos, de etiqueta, de convencionalismos culturais, etc. Ora,
quando estes imperativos se tornam repetitivos e rotineiros, transformam-se em
costumes.
Por sua vez, os costumes aparecem nas primeiras acções colectivas da sociedade
como formas simples de normativização da vida social. De facto, eles inspiram as leis,
porque as leis são feitas para acomodar os costumes das sociedades, embora existam
leis que não decorrem dos costumes ou que se opõem a estes. Os costumes são obras da
acção popular, expressões da vontade colectiva, mas nem sempre da vontade do
legislador. Daí que algumas leis promovam o combate a certos costumes da sociedade.
A lei difere do costume porque é o fruto do pensamento crítico e racional e de uma
reflexão positivada e plasmada em documentos, enquanto o costume representa práticas
consuetudinárias não escritas, repetitivas e empiricamente enraizadas na consciência
popular.
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Desta forma, as insuficiências dos costumes na regulação do social dão origem à lei
que tem por finalidade a gestão dos conflitos de interesse, a prevenção do caos e a
eliminação da anarquia. Seja como for, alguns dos costumes populares são reconhecidos
pelo legislador e incorporados na lei.
Assim, nos seus primórdios, o Direito teve uma origem empírica e não racional, foi
instituído das experiências e vivências do quotidiano, e não retirado da razão. Porém, ele
permitiu organizar racionalmente a sociedade, estabelecer as bases do poder político e
redigir as leis.
É nesse sentido que os costumes se constituem na forma mais antiga de
regulamentação da vida colectiva, pois estes eram reguladores da conduta social. Neles
encontravam-se contidos os preceitos religiosos, os imperativos morais e a organização
jurídica. Ou seja, os homens regulavam a sua vida social exclusivamente pelos costumes,
que tinham um significado religioso, moral e jurídico sem estabelecer uma distinção
clara entre a religião, a moral e o Direito.
O Direito somente torna-se uma prática excepcionalmente secular e laica na
sociedade moderna, porque só nela os homens foram capazes de separar o sagrado do
profano; a moral da legalidade; foram capazes de praticar a tolerância política, a
tolerância religiosa e a harmonia social que não existiam em nenhuma formação social
anterior. O Direito torna-se, assim, uma prática correspondente ao estágio mais evoluído
da sociedade moderna, estando condicionado e vinculado às exigências da vida social, e
fazendo com que o perfil da estrutura de qualquer sociedade seja o resultado da acção
do Direito, que hoje exerce uma importante função de regulação social.
O Direito nasceu da ideia de justiça, pelo que quando os homens tiveram a
consciência de justiça começaram a lutar por ele. Hoje, o desejo de assegurar a justiça dá
origem à luta pelos direitos humanos, pelo direito a uma melhor qualidade de vida, pelo
direito à diversidade racial, pelo direito do consumidor, etc.
Em suma, com a emergência do Direito nasce a organização política do Estado e
apresentam-se conflitos entre grupos humanos nos quais a presença do Direito vai
sendo inevitável. A vida social não resistiria à ausência do Direito, nem este poderia ser
concebido fora do contexto da vida social.
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Exercício de reflexão:
Exercícios de reflexão:
a) Comente acerca da pertinência da ordem social na cidade ou bairro onde vive.
b) Discuta sobre a importância do controlo social para garantia da ordem social
da eficácia das normas jurídicas e dos efeitos sociais que tais normas possuem.
dos instrumentos humanos de realização da ordem jurídica, neles incluídas as
instituições e organizações que nele actuam.
da opinião pública em relação à normatividade jurídica e às instituições jurídicas,
compreendendo a opinião pública sobre as estruturas e as dinâmicas da ordem
jurídica.
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Em síntese, podemos afirmar que a Sociologia Jurídica estuda as causas e os efeitos
sociais das normas jurídicas que influenciam as interacções que ocorrem na vida social,
procurando analisar as formas pelas quais o subsistema jurídico se articula com os
outros subsistemas sociais; as formas como estão estruturadas as diferentes posições
sociais, o modo como os diferentes indivíduos desempenham os seus papéis sociais, ou
ocupam estas posições em função das normas jurídicas.
Neste sentido, a Sociologia Jurídica deve simultaneamente ser uma disciplina
independente e interdisciplinar. A independência deve ser em relação ao aparelho
político, pois as investigações nesta área sempre comportam riscos, uma vez que o seu
objecto de estudo são as pessoas, que podem mal-interpretar os seus resultados ou
interpretá-los de forma destorcida. Enfim, a independência permite que a Sociologia
Jurídica conheça as implicações do Direito na sociedade e busque soluções aos
problemas de interacção entre estes elementos.
Quanto à interdisciplinaridade, a Sociologia Jurídica deve ser desenvolvida
conjuntamente por sociólogos e por juristas, ou por especialistas formados nas duas
disciplinas, pois a riqueza e a densidade das relações interpessoais carece
necessariamente do recurso da interdisciplinaridade1 das ciências, sob pena de se correr
o risco de obter informações desligadas da realidade social, caso se insista em abordar
as questões numa única óptica científica.
Exercício de reflexão:
a) Discuta sobre a pertinência da disciplina “Sociologia Jurídica” para a sua
formação enquanto futuro jurisconsulto.
b) Que consequências há na morosidade processual para a vida das pessoas
implicadas?
c) Qual a importância da interdisciplinaridade para o estudo do fenómeno jurídico?
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Por interdisciplinaridade, entende-se a atitude metodológica que tem em vista a integração dos contributos
das várias disciplinas no sentido de encontrar uma explicação mais profunda e exaustiva da realidade social que
hoje se pretende mais complexa.
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1.6- A origem e os fundadores da Sociologia Jurídica
A Sociologia Jurídica remonta aos finais do século XIX e princípios do século XX, da
aplicação dos métodos da sociologia geral à área jurídica. Nessa altura, a Filosofia do
Direito constituía um factor de mudança significativa na pesquisa da jurisprudência que,
então, permitia que se falasse de uma concepção sociológica do Direito, mas não ainda
de uma Sociologia Jurídica.
No entanto, foram Émile Durkheim (1858-1917) em França e Max Weber (1864-
1920) na Alemanha que deram os passos mais notáveis para que a Sociologia Jurídica se
tornasse uma disciplina autónoma com um sistema conceptual próprio no campo
jurídico.
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obrigamo-la a obedecer aos costumes e às tradições, bem como respeitar os outros. Este
facto é, portanto, geral porque é característico das sociedades.
Impessoal: a sua origem não se pode atribuir a uma pessoa específica, nem a uma
causa singular. O facto social decorre da interacção social, ou seja, das relações entre os
indivíduos.
Objectivo e exterior ao individuo: o facto social resulta da influência da sociedade
e não da vontade nem da consciência individuais. A prática social determina maneiras de
pensar, sentir e agir que acabam por moldar o comportamento dos membros da
sociedade. O comportamento impõe-se do exterior ao indivíduo que se vê forçado a
adequar a sua actuação aos modelos socialmente convencionados. À transgressão de tais
modelos, Durkheim designa anomia social.
Neste sentido, existe objectivamente uma coerção social que ameaça o indivíduo e
obriga-o a assimilar comportamentos ajustados aos modelos sociais vigentes, o que
torna o facto social um garante da ordem e da coesão sociais.
Coercivo: o indivíduo nasce e encontra uma série de preceitos, normas e valores
sociais existentes, e não sendo capaz de os fazer existir de maneira diferente daquela já
existente, vê-se coagido a levá-los em consideração na sua actuação.
Relativo: o facto social é influenciado pela prática cultural em relação à qual adquire
um significado particular e diferente do mesmo facto social se tivesse ocorrido noutras
sociedades ou noutras circunstâncias. Por exemplo, a poligamia é rotulada como uma
prática conjugal censurável nas sociedades ocidentais, mas legitimada nas relações
conjugais islâmicas.
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condicionantes causais (factores económicos, políticos, religiosos, culturais, etc.), bem
como os seus feitos na actuação dos indivíduos.
Digamos que para Max Weber, o método dogmático-jurídico estuda as normas de
Direito em si mesmas, ao passo que o método sociológico-empírico se esforça por
descobrir as causas sociais que as originam e os efeitos sociais que elas produzem.
Coloquemo-nos a seguinte questão: que jurista estudaria textos legais separados da
vida real ou isolados tanto da sua génese social como do campo da sua aplicação (o
campo do social)?
Não sendo possível separar o estudo das leis do contexto social onde se originam,
cabe ao jurista analisar o Direito como um conjunto de factos normativos e coercivos,
mas sem os dissociar da realidade social onde ocorrem, pois o Direito só tem sentido se
analisado num determinado contexto social.
Em suma, a diferença entre o dogmático-jurídico e o método sociológico-empírico
não é de objecto, mas de pontos de vista, de ângulos de visão. Tal objecto é observado do
interior pelo Direito e do exterior pela Sociologia jurídica. O Jurista interroga-se sobre o
que pede vir a ser o Direito no interior de um sistema jurídico, no sistema jurídico de um
Estado. Em contrapartida, o sociólogo jurídico mantém-se fora do sistema que observa.
Ainda que ele faça parte do sistema observado, a observação que faz não pode em nada
influenciar o seu funcionamento. Por outras palavras, o sociólogo jurídico conhece a
separação entre o observador e o objecto observado.
Trabalho independente
Em grupos de dois ou três colegas, os estudantes deverão escolher uma tema,
resumi-lo num texto e apresentá-lo numa actividade prática a ocorrer numa data por
anunciar. Os temas mais curtos não devem ter mais do que dois estudantes. Finda a
apresentação, os resumos deverão ser entregues ao professor que os avaliará.
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vida colectiva e/ou incida sobre os factores que determinam a vida social. Desta forma, o
Direito age na vida social como um facto social igual à política, à religião, à cultura, entre
outros.
Na dimensão normativa do Direito (objecto da ciência jurídica), o Direito actua na
vida social como regulador dos comportamentos individuais. O próprio Direito é
definido pela sua função de estabelecer o que deve ser feito, e/ou o que deve ser evitado
dentro de um sistema de relações sociais.
Na dimensão valorativa do Direito (objecto da Filosofia do Direito), a função
primária do Direito é questionar os valores que norteiam a convivência e a organização
sociais. Assim, tanto a convivência social como a própria estrutura normativa do Direito
exigem que essa função seja exercida tomando em consideração determinados valores
que a orientam. Isto significa que qualquer norma jurídica está por detrás de um valor,
de tal modo que a dimensão valorativa surge como um dos elementos que dá origem ao
Direito. A legitimidade do Direito justifica-se quando ele defende valores nos quais os
cidadãos acreditam. Por isso, uma norma jurídica pode ser legítima num dado sistema
jurídico e ter um sentido oposto noutro sistema jurídico. Um exemplo concreto é a
prática da pena de morte, que é legítima na China, na Arábia Saudita, no Irão, etc., mas
considerada ilegítima em França, em Portugal, em Moçambique, etc.
Em suma, as três dimensões do Direito não podem existir uma independentemente
das outras. Todas elas coexistem em cada sistema jurídico concreto, e qualquer sistema
jurídico tem a função de criar e manter a ordem social em determinada época, e segundo
as exigências e os valores morais então vigentes. Portanto, a análise separada destas
dimensões obedece apenas a um critério de organização metodológica dos conteúdos,
pois na prática uma norma jurídica não pode ser analisada à margem dos valores que
procura defender, ou do facto social que representa.
Exercícios de reflexão:
1. Face à dificuldade de acesso à linguagem jurídica pelo povo, deverão então os
jurisconsultos ir ao encontro da linguagem popular, ou é o povo que se deve
procurar aproximar da linguagem jurídica?
2. Apresente argumentos que enfatizem a pertinência da análise tridimensional do
Direito.
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CAPÍTULO-II: AS NORMAS SOCIAIS
O ser humano, desde que nasce até que perece, encontra-se inserido num meio
psicossocial que o molda, o limita ou abre-lhe possibilidades infinitas. Este cenário
configura o fenómeno pelo qual o comportamento dos indivíduos é socialmente
estabelecido, através de exigências, regras e normas.
O fenómeno normativo é o resultado de uma miríade de factores que constituem a
manifestação de uma tendência para a socialização e consolidação do padrão de
comportamento aceite pela sociedade. No entanto, nem sempre o padrão desse
comportamento é respeitado, havendo, portanto, indivíduos que o transgridem, e
constituindo o desvio do padrão socialmente estabelecido.
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são espontâneos e, geralmente, respondem a sentimentos emocionais dos grupos que os
usa, sendo imprecisos e carentes de rigor.
Em suma, o objectivo das normas (jurídicas, morais, de convenção social) é o
evitamento do conflito e do caus, assegurando que seja possível a convivência social.
Portanto, os indivíduos submetem-se às ordens normativas através da aprendizagem do
seu conteúdo durante o processo de socialização.
Por último, as normas sociais podem ser agrupadas em três espécies: normas
jurídicas, normas morais e normas de convenção social.
As normas jurídicas estão explicitamente codificadas e têm origem no poder político,
e cuja infracção implica uma punição.
As normas morais dizem respeito fundamentalmente ao senso de justiça e ao
respeito pelos direitos humanos. São normas estabelecidas e partilhadas entre os
indivíduos e têm como referência a questão ética, os valores e os bons costumes da
sociedade a que pertencem.
Finalmente, entre as normas de convenção social encontram-se a cortesia, as formas
de saudação, as maneiras de vestir, de manusear os talheres, a relação com os mais
velhos, etecetera. No fundo, este conjunto de normas estabelece a forma como os
indivíduos se relacionam no quotidiano.
De qualquer forma, os indivíduos agem de uma ou de outra forma sob a influência
simultânea das várias espécies de normas que regulam um caso concreto, ou seja, as
pessoas evitam cometer homicídio, por exemplo, porque é imoral, mas, também, porque
é ilícito.
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praticar outros actos, como a corrupção, os assaltos, os estupros, etc., desse modo, os
dois extremos da acção jurídica são expressos através de noções de licitude e ilicitude.
As consequências decorrentes das duas noções são bastante diferentes, estando
reservados aos comportamentos ilícitos, por exemplo, a perda de bens, a privação da
liberdade ou a pena de morte. As normas jurídicas pressupõem a interacção de dois ou
mais indivíduos, os quais assumem entre si deveres e direitos, cujo incumprimento se
traduz na possibilidade de os interessados recorrerem a um órgão do Estado (tribunal)
para requererem a reposição do dano daí resultante.
Em suma, as normas jurídicas cumprem dois objectivos fundamentais:
As normas jurídicas, por outro lado, são referentes às relações mútuas dos
indivíduos; dimanam de uma autoridade exterior reconhecida (o Estado); e uma
coercividade ou obrigatoriedade assegurada por aquele órgão de onde dimanam.
As normas jurídicas são estabelecidas e/ou revogadas em conformidades com as
circunstâncias históricas e/ou políticas de cada país. Seja como for, enquanto não
tiverem sido revogadas e não se sobrepuserem à Constituição, as normas jurídicas são
sempre válidas, aliás, “a validade de uma norma jurídica não pode ser questionada sob o
pretexto de o seu conteúdo ser incompatível com algum valor moral ou político. Uma
norma jurídica é válida em virtude de ter sido criada, segundo uma regra definida, e
apenas em virtude disso” (Kelsen, 2005: 166).
Em suma, as normas jurídicas são normas sociais, porém, adquirem certa autonomia
que lhes permitem funcionar mesmo sem um consenso geral da sociedade. Também, as
normas jurídicas permitem que cada membro da sociedade saiba quais os
comportamentos exigidos, quais os reprovados e quais os autorizados.
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2.3- As normas morais: o Direito e moral
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das raparigas na Guiné Bissau, na Nigéria, na Costa do Marfim que é considerada
moralmente legítima, apesar de a lei nesses países ser contrária a esta prática.
Portanto, algumas diferenças podem ser estabelecidas entre as normas jurídicas e a
as normas morais na medida em que as primeiras são formais, codificadas e têm como
fonte o poder público, ao passo que as normas morais são informais, não codificadas e
que têm origem nas convicções pessoais dos indivíduos. Outras diferenças entre os dois
tipos de normas são:
As normas morais valorizam o comportamento em si mesmo, o significado que tem
para a vida dos indivíduos. Estão directamente relacionadas com a consciência do
indivíduo e a sua intimidade; ao passo que as normas jurídicas valorizam o
comportamento do ponto de vista da sua relação com os demais integrantes da
sociedade. A área de actuação das normas jurídicas é a acção do indivíduo em relação
aos outros.
Tanto as normas morais como as jurídicas buscam a adaptação à ordem social. No
entanto, as normas morais exercem o seu efeito sobre o íntimo do indivíduo, procurando
orientar o comportamento deste através da prática de virtudes, da caridade e da justiça.
Regulam comportamentos internos dos indivíduos. Pelo contrário, as normas jurídicas
actuam sobre as relações objectivas entre as pessoas, procurando julgar as intenções
destas. Regulam comportamentos externos dos indivíduos.
As normas morais são subjectivas e unilaterais, ao passo que as normas jurídicas são
objectivas e bilaterais, ou seja, a sua acção orienta-se para a regulação de
comportamentos de um indivíduo em relação aos outros.
A norma moral é autónoma no sentido de que o indivíduo a impõe a si mesmo, pois
tem origem numa convicção própria. Em compensação, as normas jurídicas são
heterónomas no sentido de que são impostas ao indivíduo pelo Estado.
Por outro lado, as normas morais estabelecem deveres cujo incumprimento não
inclui necessariamente a aplicação da força. De qualquer forma, este tipo de normas tem
um carácter coercivo (uso da força) apenas para aqueles que aceitam o seu poder
vinculativo; ao passo que o incumprimento das normas jurídicas envolve sempre a
possibilidade de utilização da coercividade (força), independentemente da sua aceitação
pelos seus destinatários.
Por último, a finalidade das normas morais é obter a realização subjectiva do
indivíduo, ou seja, elas respondem à necessidade psicológica de o indivíduo estar em paz
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consigo próprio, com a sua consciência, através da submissão individual a essas normas.
Em contrapartida, as normas jurídicas têm como finalidade obter a harmonização dos
interesses individuais à vida colectiva.
As normas de convenção social constituem outro tipo de normas que dão forma ao
comportamento humano. Consubstanciam-se na forma de exigências, pressões ou
influências do círculo de relações sociais ao qual o indivíduo pertence. Trata-se de
normas de urbanidade, de bons costumes, de cortesia, de protocolo, referentes ao
comportamento a ser adoptado no quotidiano durante o convívio social, como as regras
sobre a saudação entre as pessoas, a higiene, a civilidade, a amabilidade, o respeito
mútuo, etecetera. Por exemplo, um senhor que traja calções, camisa sem mangas e
chinelos para ir à uma cerimónia governamental chamaria muita atenção dos presentes
devido à formalidade do evento. Por outro lado, uma senhora que enverga saias curtas e
blusa pouco discreta no mesmo evento poderia estar a violar as normas de etiqueta
apropriadas ao evento.
De qualquer forma, dificilmente o senhor ou a senhora estariam a violar as normas
jurídicas, por isso, não deverá ocorrer uma punição no sentido legal, mas poderá haver
um repúdio dessa indumentária por parte da audiência, por considerar que aqueles dois
terão violado uma norma de convenção social.
Constituem convenções importantes na sociedade, o modo de manusear os talheres
durante uma refeição, a forma de lidar com os outros em eventos sociais, a maneira de
se vestir, etecetera, De facto, vários eventos sociais exigem que os convidados se vistam
a rigor, sob pena de não ser permitida a sua participação, caso não obedeçam à
exigência.
Seja como for, as normas de convenção social diferem das normas morais no sentido
de que as primeiras dizem respeito às manifestações de etiqueta e de formalidade dos
indivíduos na interacção com os outros. As normas de convenção são impostas ao
indivíduo pelo meio social, gerando adesão externa. Em compensação, como já se disse,
as normas morais são uma imposição da própria consciência individual e exigem uma
adesão íntima. De facto, um indivíduo pode ter um comportamento moral exemplar e, no
entanto, não estar adaptado às regras convencionadas de relacionamento.
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Convém frisar que as normas de convenção social se assemelham e simultaneamente
diferem das normas jurídicas. Por um lado, elas assemelham-se entre si no sentido de
que ambas são impostas ao indivíduo por uma força exterior a ele. No caso das normas
de convenção social, essa força é a sociedade em que o indivíduo reside e no caso das
normas jurídicas, a força é o Estado. Por outro lado, a diferença entre ambos os tipos de
norma radica no facto de que aqueles que infringem as normas de convenção social se
sujeitam a punições, que podem ser ou não cumpridas pelo infractor. Pelo contrário,
quem infringe uma norma jurídica sujeita-se necessariamente a uma penalização que
deve ser cumprida nos termos da lei e, caso seja necessário, com recurso à coerção.
Exercícios de reflexão:
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CAPÍTULO-III: O DESVIO SOCIAL
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Exercícios de reflexão:
1. Por que podemos considerar que o desvio social é inerente a todas as sociedades
que operam mudanças sociais?
2. Justifique a relevância do conceito de anomia na análise do fenómeno jurídico.
3. Distinga as diferenças entre norma e desvio social?
4. A sociedade moçambicana actual é caracterizada pela crescente corrupção e falta
de brio profissional. Trata-se de uma sociedade onde o interesse próprio se
sobrepõe aos valores do nacionalismo e do patriotismo. É uma sociedade em que as
pessoas trocam as suas consciências, os seus corpos e as suas dignidades por alguns
meticais. Ali, os valores da honestidade e da rectidão apenas encontram-se
plasmados nos documentos normativos, mas não correspondem à vida real.
a) Estabeleça algum paralelismo entre o conceito de anomia aguda e a realidade
descrita acima.
b) Fundamente a pertinência do estudo da noção de anomia para si, enquanto
futuro jurista.
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CAPÍTULO-IV: AS FONTES DO DIREITO
De qualquer forma, é importante referir que na origem das normas jurídicas existem
sempre forças sociais e diferentes interesses que, de modo geral, pressionam o Estado e
a sociedade para darem vazão a essas normas.
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Em cada ordenamento jurídico há fontes históricas notáveis que contribuem para a
explicitação da sua condição actual. No caso moçambicano, são relevantes o Direito
Romano, o processo de produção legislativa português e a Declaração Universal dos
Direitos Humanos.
Este tipo de fonte é referente aos grupos sociais nos quais o Direito tem origem,
nomeadamente as igrejas, os partidos políticos, a comunidade internacional, as
organizações empresariais, os grupos socioprofissionais, os cidadãos particulares, a
sociedade propriamente dita, etc. Aqui incluem-se também todos os elementos que
directa ou indirectamente concorrem para a produção de normas jurídicas, como os
ideais morais, religiosos e políticos dos legisladores, dos juristas, dos empresários e do
povo.
As fontes reais ou materiais do Direito são constituídas por agentes criadores das
normas que determinam a organização social, podendo também ser os diversos tipos de
forças sociais que intervêm neste processo. Por conseguinte, os diversos actores sociais
que actuam/actuaram como fonte de produção legislativa são múltiplos,
designadamente os deuses, os monarcas, a comunidade local, a comunidade
internacional (SADC, UA, ONU), a religião, os municípios, os parlamentos, os grupos
socioprofissionais, os Estados, os juristas, etc.
Desta forma, a predominância desta ou daquela fonte real ou material do Direito
poderá variar de uma época para a outra e de sociedade para sociedade. Ao longo do
devir histórico, essa predominância foi-se deslocando dos deuses, aos monarcas, e
destes aos órgãos do Estado (Parlamento e Governo). No caso de Moçambique, o Estado
é a mais alta fonte material do Direito, mas não é a única. Paralelamente ao Estado,
existem actores sociais que desenvolvem acções geradoras de normas jurídicas. No
entanto, a validade dessas normas só pode ser reconhecida pelo ordenamento jurídico
estatal (por exemplo, a validade de um contrato matrimonial ou de outro tipo de
contrato entre particulares carece da sua autenticação pelo notário, que é um órgão
estatal).
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Portanto, em Moçambique, o Estado constitui o órgão que sustenta a efectividade
jurídica de todas as normas, pois ele é o único agente social que dispõe de uma
organização suficientemente capaz de garantir a eficácia da normatividade jurídica.
Em suma, as fontes reais ou materiais do Direito são inúmeras. Elas têm a ver com os
diversos aspectos da vida em sociedade. Assim, o tratamento desigual dos seres
humanos deu lugar à Declaração Universal dos Direitos Humanos; o problema da
poluição ambiental e da exploração indiscriminada dos recursos naturais favoreceu o
surgimento da Lei do Ambiente/Lei de Terras; os maus-tratos entre os cônjuges abriram
espaço à Lei sobre a Violência Doméstica Praticada contra a Mulher; assim
sucessivamente.
a) A Constituição
No sentido lato, as leis são todas as normas jurídicas de origem estatal, que se
encontram codificadas por escrito, incluindo a própria Constituição, os decretos, os
diplomas ministeriais, os regulamentos e demais resoluções oficiais, excepto as
sentenças dos tribunais.
As leis são uma importante fonte do Direito em todos os sistemas jurídicos do
mundo. Contudo, mantêm-se algumas diferenças. Nos países não federativos
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(Moçambique, Cuba, China, Portugal, etc.), as leis, como fonte formal do Direito, são
aplicáveis a toda a sociedade. Nos Países organizados em Estados federativos (Brasil,
México, Estados Unidos, Alemanha, etc.), embora haja leis federais (aplicáveis a todos os
Estados da federação), na prática, cada Estado federativo possui as suas leis específicas
por meio das quais regula a convivência social.
No sentido restrito, as leis são o conjunto de normas jurídicas que dimanam do
Poder Legislativo2, com as seguintes características:
São regras sociais que têm a finalidade de regular o comportamento da vida em
sociedade.
São regras de cumprimento obrigatório (coercividade), que ajustam e orientam a
acção dos cidadãos.
São de um carácter mais ou menos duradouro, embora existam leis de curta duração
(ex: a lei do orçamento de um dado ano fiscal).
São reforçadas pelo poder do Estado (ex: através da aplicação de medidas de coacção
contra os seus infractores).
São de domínio público, pois para que surtam o efeito desejado é preciso que elas
sejam do conhecimento daqueles a quem serve.
c) Os costumes
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Embora também algumas leis dimanem do Poder Executivo.
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São de uma formação mais lenta e São de uma formação mais rápida e
informal formal
Respondem a sentimentos emocionais do Respondem a sentimentos racionais do
grupo que os usa grupo que as usa
São imprecisos e carentes de rigor Apresentam um maior grau de precisão e
rigor
d) A jurisprudência
e) Os tratados internacionais
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Portanto, os tratados internacionais são fontes do Direito, porque permitem produzir
normas jurídicas de extrema importância para a regulação das relações internacionais, a
pacificação regional ou mundial e a convivência harmoniosa entre os Estados.
De qualquer forma, as normas do Direito Internacional não se bastam a si próprias,
para a sua aplicação carecem de um complemento, que se obtém da ordem jurídica
nacional, através da Constituição da República. Cabe à Constituição da República
autorizar o Chefe do Estado a dirigir a política externa e celebrar tratados
internacionais.
No entanto, convém esclarecer que não existe um tratado único para toda a
comunidade internacional. É por isso que existe um Direito Internacional Geral,
(aplicável a todos os Estados que perfazem a comunidade internacional; ex: os tratados
a nível da ONU) e, um Direito Internacional Particular, (que somente vale para alguns
Estados e compreende as normas criadas entre esses Estados; ex: os tratados a nível da
SADAC, da NATO, da NAFTA3, etc.).
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North America Free Trade Area.
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Exercícios de reflexão:
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CAPÍTULO- V: AS FUNÇÕES SOCIAIS DO DIREITO
“Se os seres humanos fossem todos amigos,
as leis seriam desnecessárias”.
Aristóteles
Qualquer grupo social carece de normas para regrar o comportamento dos seus
membros, pois de outra forma reinaria o caos e a lei do mais forte. No sentido aqui
referido, a função primária do Direito é assegurar as condições sociais de acesso ao bem
comum e à felicidade colectiva, que se materializam à medida que cada indivíduo vai
satisfazendo as suas próprias necessidades, desde que tal não infrinja as normas de
convivência colectiva.
Uma das funções sociais do Direito é garantir a segurança da organização social por
meio da qual, cada indivíduo é chamado a se comportar de determinada forma,
esperando este que os outros se comportem da mesma forma, e havendo garantias de
que, caso não o façam, serão accionadas medidas de controlo social.
Para a Sociologia Jurídica, existem várias funções sociais do Direito, as quais serão
doravante descritas e analisadas:
Esta é uma função muito importante e a mais reconhecida de todas, sendo aceite
como a principal razão de ser do Direito.
Há muitas formas de o Direito resolver os diferendos: 1) regulando-os, quando o
que motivou os conflitos encontra um certo apoio da opinião pública. Por exemplo,
vários diferendos que opõem a Frelimo à Renamo foram/são resolvidos regulando-os,
isto é, criando normas que acomodam os interesses de cada uma dessas forças políticas;
2) reprimindo-os, quando a razão do diferendo não condiz com o sentimento da
sociedade, ou com o regime político instituído; 3) gerando novos diferendos, quando
não há uma adaptação do Direito à generalidade dos sectores onde é aplicado, ou
quando não existe uniformidade no cumprimento das prescrições do Direito (ex. os
concursos públicos, que visam erradicar a corrupção na Administração Pública, mas que
acabam por criar altos custos para o Estado, ou gerar morosidade na tramitação de
expedientes).
Ora, a influência exercida pelas normas jurídicas é uma realidade tanto para os seus
destinatários como para aqueles que não são destinatários directos dessas normas.
Disto, depreende-se que o Direito representa um factor forte de orientação social,
sobretudo a nível ético, pois o Direito é associado ao ideal de justiça. Neste sentido, as
normas jurídicas e os valores éticos coexistem/convivem, pois o fenómeno jurídico
(jus/ius) coincide com o fenómeno ético (ethos). Por outro lado, mesmo quando o
fenómeno jurídico não coincide com o fenómeno ético, o Direito prevalece, porque
possui uma força de persuasão que infunde medo, por causa do seu poder coercivo. Um
exemplo ilustrativo da prevalência do Direito sobre a questão ética é o adultério, que
apesar de ser eticamente repreensível não é um crime, e, portanto, ninguém pode ser
julgado por adultério.
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g) Função de legitimação dos poderes políticos
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A sociedade é aqui entendida como um todo coeso e equilibrado, no qual a missão do
Direito consiste na facilitação das relações sociais, prevenindo e reprimindo os desvios
de comportamento e reduzindo as possibilidades de conflito. Assim, visto na sua relação
com a sociedade, o Direito não aparece como um factor de transformação e de mudança
social, mas como um instrumento de conservação do status quo.
O estatuto social (ou posição social) define-se com base nos direitos, regalias e
privilégios tanto sociais, como jurídicos que os indivíduos têm e as expectativas que
esses indivíduos têm dos outros face a essa posição. Ou seja, é o lugar que um indivíduo
ocupa na colectividade, bem como o conjunto de comportamentos que esse indivíduo
espera dos demais em virtude do lugar ocupado. Por sua vez, o papel social é o
comportamento ou a função desempenhada por um indivíduo, e de que resultam
obrigações, deveres e exigências impostas ao indivíduo pela colectividade.
Em suma, digamos que o estatuto social cria expectativas (direitos, honras, regalias e
privilégios) no indivíduo em relação aos outros, ao passo que o papel social gera
exigências dos outros em relação ao indivíduo. Por exemplo, um mesmo indivíduo pode
desempenhar simultaneamente vários papéis como chefe de família, pai, esposo,
dirigente político, crente, militante partidário, etc. Ora, cada um destes papéis exigirá o
desempenho de um dado comportamento que é socialmente esperado pelos outros.
Embora nem todos os estatutos e nem todos papéis sociais apresentem
condicionamentos normativo-jurídicos, há estatutos e papéis sociais que estão sujeitos a
normas jurídicas, que estabelecem sanções para aqueles que não desempenham
adequadamente os papéis esperados ao ocuparem determinadas posições.
Mas, por outro lado, os indivíduos que ocupam determinados estatutos têm a
possibilidade de accionar mecanismos legais para repor os seus direitos, quando em
virtude da ocupação desses estatutos não estejam a desfrutar dos privilégios/ honras
/regalias associados a essa posição.
Em suma, o Direito legitima os papéis e os estatutos sociais na medida em que
concede àqueles que deles devem beneficiar a possibilidade de intentar acções legais
para ressarcir os seus direitos, caso estejam a ser transgredidos.
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j) Função de fortalecimento do processo de socialização
l) Função distributiva
Outra função do Direito que se revela relevante é a que se refere à distribuição de
benefícios, vantagens e perdas entre os cidadãos e os grupos sociais. Nesse caso, o
Direito procura redistribuir os recursos finitos para minimizar as assimetrias no
domínio social. É uma função destacada, por meio da utilização do Direito no
estabelecimento de formas de redistribuição dos rendimentos nacionais, através de
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medidas estatais como cobrança de imposto, atribuição do subsídio social básico, a
edificação de infra-estruturas de utilidade pública como hospitais, escolas, pontes,
estradas, etc.
Em suma, as funções sociais do Direito são múltiplas e elas são condicionadas pela
percepção que se tem do próprio Direito e da relação que porventura este estabelece
com a sociedade.
Exercícios de reflexão:
1. Descreva as condições que resultaram da passagem do estado natural ao contrato
social, vincando a qualidade de vida sociojurídica que adveio do contrato social.
2. Disserte sobre os perigos da retroactividade de uma norma jurídica que, por
natureza, é desfavorável aos cidadãos.
3. Qual é a pertinência da participação do Estado na garantia do acesso universal à
justiça?
4. Justifique a importância do controlo social, enquanto uma das funções do Direito.
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CAPÍTULO-VI: O DIREITO E A MUDANÇA SOCIAL
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Ser um fenómeno permanente, pois um fenómeno passageiro e efémero não
conduz à mudança social, uma vez que os seus efeitos desaparecem sucessivamente com
a adaptação funcional do sistema cultural vigente. Por exemplo, a epopeia do dia 25 de
Junho de 1975 só se tornou um facto de mudança social, porque resistiu às pressões do
regime colonial e do apartheid, que não conseguiram inverter o projecto de
Independência nacional.
Resumindo, a mudança social é uma transformação cultural, das estruturas sociais e
dos comportamentos colectivos. Constitui uma realidade permanente e ocorre de
diferentes modos nas diferentes sociedades. Nalguns casos, as mudanças são lentas e
imperceptíveis, e noutros casos, elas são muito aceleradas e radicais, como aconteceu
em 1917, na Rússia e em 1975, em Moçambique.
Há uma multiplicidade de causas das mudanças sociais, entre as quais sobressaem o
crescimento demográfico, as alterações no meio ambiente, as migrações, as alterações
tecnológicas, o crescimento económico, as reformas legais, as convulsões políticas, etc.
Por outro lado, há factores de resistência às mudanças, designadamente os
segmentos sociais que procuram manter o status quo, ou actuam para restaurar as
condições anteriores às mudanças ocorridas. Esses segmentos retardam as mudanças.
São disto exemplo, aqueles que se opõem ao aborto, à clonagem de seres humanos, ao
uso de métodos contraceptivos, ou às alterações legislativas e/ou políticas.
Em suma, a mudança social é inevitável e resulta das sucessivas alterações da
estrutura social, porém, a sua intensidade e impacto podem variar no espaço e no tempo
em que ocorre.
a) O desenvolvimento económico
b) As transformações sociais
c) As forças políticas
d) As tecnologias
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humanidade, inseminação artificial, eutanásia e terapêuticas que implicam discussões
éticas e necessidade de legislação formal sobre esses procedimentos.
Com frequência, os valores religiosos/éticos colidem com os aspectos jurídicos e o
que é juridicamente lícito (legal) nem sempre é religiosa ou eticamente aceite. Em
determinados países, por exemplo, o aborto e a eutanásia são juridicamente lícitos
(legais), mas são contestados por certos segmentos sociais como os clérigos e as
confissões religiosas que não encontram qualquer moralidade nesses actos.
Por sua vez, os recursos digitais invadem cada vez mais a privacidade dos cidadãos
em transacções bancárias, comerciais ou de outra índole. É nesse contexto que urge a
regulamentação do uso desses recursos para assegurar a protecção de dados pessoais
ou institucionais, criminalizando a pirataria informática e outros delitos electrónicos.
Assim, a positivação destes preceitos aparece como um factor que influencia o
Direito, modernizando-o e adequando-o às reivindicações dos seus utentes.
e) A evolução cultural
Ora, o Direito é uma matéria eminentemente complexa que apresenta uma natureza
em ebulição, podendo adoptar posições de reconhecimento, anulação, canalização ou
transformação da mudança social.
Pela posição de reconhecimento, o Direito reconhece e ampara com as suas normas
as realidades sociais novas; pela anulação, ele opõe-se à mudança, enfrentando-a
directamente e criando-lhe entraves; pela posição de canalização, o Direito orienta e
regula a mudança já produzida ou que esteja na iminência de ser produzida; e pela
posição de transformação, cabe ao Direito provocar mudanças nas realidades sociais,
quer lentamente (através de reformas e transições), quer rapidamente (através de
movimentos revolucionários).
No entanto, se é certo que as mudanças jurídicas impulsionam as mudanças sociais,
não é menos certo que estas últimas interferem naquelas. Com efeito, se não existissem
automóveis não haveria necessidade de Código de Estradas; se não houvesse crimes
nem criminosos não existiria o Código Penal, etc. Isto significa que as normas tornam-se
necessárias quando ocorrem mudanças sociais que passam a integrar o quotidiano dos
indivíduos.
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Desta maneira, podemos referir que as mudanças sociais impulsionam as mudanças
jurídicas, porque enquanto se processam geram situação que acabam por reivindicar a
presença do Direito para dirimir e acautelar a natureza dessas mudanças sociais. Por
outro lado, da convivência entre os indivíduos podem emergir situações novas que
requererão a adaptação do Direito a essas situações. Um exemplo elucidativo disso é a
emergência no novo Código Penal que decorreu da necessidade de tipificar figuras
criminais que não constavam no anterior Código Penal.
Exercícios de reflexão:
1. Discuta sobre os factores que explicam a lentidão da mudança do Direito.
2. Por que é que determinados segmentos da sociedade se opõem quer às
mudanças jurídicas quer às mudanças sociais?
3. Explique sobre os riscos que podem advir da falta de adaptação das normas
jurídicas às mudanças sociais.
4. Argumente sobre os factores que estão na origem das mudanças sociais.
5. Que consequências podem advir de uma fraca aceitação popular de um
projecto de mudança legislativa?
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