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LINGUÍSTICA I

Professora Dra. Vera Lucia da Silva

GRADUAÇÃO

Unicesumar
Reitor
Wilson de Matos Silva
Vice-Reitor
Wilson de Matos Silva Filho
Pró-Reitor Executivo de EAD
William Victor Kendrick de Matos Silva
Pró-Reitor de Ensino de EAD
Janes Fidélis Tomelin
Presidente da Mantenedora
Cláudio Ferdinandi

NEAD - Núcleo de Educação a Distância


Diretoria Executiva
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Gerência de Produção de Conteúdo
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Supervisão de Produção de Conteúdo
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Coordenador de Conteúdo
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Designer Educacional
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Projeto Gráfico
Jaime de Marchi Junior
José Jhonny Coelho
Arte Capa
C397 CENTRO UNIVERSITÁRIO DE MARINGÁ. Núcleo de Educação a Arthur Cantareli Silva
Distância; SILVA, Vera Lucia da. Editoração
Robson Yuiti Saito
Linguística I. Vera Lucia da Silva.
Maringá-Pr.: UniCesumar, 2018. Reimpresso em 2019. Qualidade Textual
192 p. Cintia Prezoto Ferreira
“Graduação - EaD”. Ilustração
Bruno Cesar Pardinho
1. Linguística. 2. Linguagem. EaD. I. Título.

ISBN 978-85-459-1154-8

CDD - 22 ed. 411


CIP - NBR 12899 - AACR/2

Ficha catalográfica elaborada pelo bibliotecário


João Vivaldo de Souza - CRB-8 - 6828
Impresso por:
Em um mundo global e dinâmico, nós trabalhamos
com princípios éticos e profissionalismo, não so-
mente para oferecer uma educação de qualidade,
mas, acima de tudo, para gerar uma conversão in-
tegral das pessoas ao conhecimento. Baseamo-nos
em 4 pilares: intelectual, profissional, emocional e
espiritual.
Iniciamos a Unicesumar em 1990, com dois cursos
de graduação e 180 alunos. Hoje, temos mais de
100 mil estudantes espalhados em todo o Brasil:
nos quatro campi presenciais (Maringá, Curitiba,
Ponta Grossa e Londrina) e em mais de 300 polos
EAD no país, com dezenas de cursos de graduação e
pós-graduação. Produzimos e revisamos 500 livros
e distribuímos mais de 500 mil exemplares por
ano. Somos reconhecidos pelo MEC como uma
instituição de excelência, com IGC 4 em 7 anos
consecutivos. Estamos entre os 10 maiores grupos
educacionais do Brasil.
A rapidez do mundo moderno exige dos educa-
dores soluções inteligentes para as necessidades
de todos. Para continuar relevante, a instituição
de educação precisa ter pelo menos três virtudes:
inovação, coragem e compromisso com a quali-
dade. Por isso, desenvolvemos, para os cursos de
Engenharia, metodologias ativas, as quais visam
reunir o melhor do ensino presencial e a distância.
Tudo isso para honrarmos a nossa missão que é
promover a educação de qualidade nas diferentes
áreas do conhecimento, formando profissionais
cidadãos que contribuam para o desenvolvimento
de uma sociedade justa e solidária.
Vamos juntos!
Seja bem-vindo(a), caro(a) acadêmico(a)! Você está
iniciando um processo de transformação, pois quando
investimos em nossa formação, seja ela pessoal ou
profissional, nos transformamos e, consequentemente,
transformamos também a sociedade na qual estamos
inseridos. De que forma o fazemos? Criando oportu-
nidades e/ou estabelecendo mudanças capazes de
alcançar um nível de desenvolvimento compatível com
os desafios que surgem no mundo contemporâneo.
O Centro Universitário Cesumar mediante o Núcleo de
Educação a Distância, o(a) acompanhará durante todo
este processo, pois conforme Freire (1996): “Os homens
se educam juntos, na transformação do mundo”.
Os materiais produzidos oferecem linguagem dialógica
e encontram-se integrados à proposta pedagógica, con-
tribuindo no processo educacional, complementando
sua formação profissional, desenvolvendo competên-
cias e habilidades, e aplicando conceitos teóricos em
situação de realidade, de maneira a inseri-lo no mercado
de trabalho. Ou seja, estes materiais têm como principal
objetivo “provocar uma aproximação entre você e o
conteúdo”, desta forma possibilita o desenvolvimento
da autonomia em busca dos conhecimentos necessá-
rios para a sua formação pessoal e profissional.
Portanto, nossa distância nesse processo de cresci-
mento e construção do conhecimento deve ser apenas
geográfica. Utilize os diversos recursos pedagógicos
que o Centro Universitário Cesumar lhe possibilita.
Ou seja, acesse regularmente o Studeo, que é o seu
Ambiente Virtual de Aprendizagem, interaja nos fóruns
e enquetes, assista às aulas ao vivo e participe das dis-
cussões. Além disso, lembre-se que existe uma equipe
de professores e tutores que se encontra disponível para
sanar suas dúvidas e auxiliá-lo(a) em seu processo de
aprendizagem, possibilitando-lhe trilhar com tranqui-
lidade e segurança sua trajetória acadêmica.
CURRÍCULO

Professora Dra. Vera Lucia da Silva


Professora Formadora responsável pelas disciplinas de Linguística I e II
do Centro Universitário Maringá (UNICESUMAR). Por meio da área de
concentração em estudos linguísticos e linha de pesquisa em estudos do
texto e do discurso, possui pós-doutorado pela Universidade Estadual de
Maringá (UEM-PR/CAPES 5, 2016), doutorado pela Universidade Estadual
de Campinas (UNICAMP-SP/CAPES 7, 2014), mestrado pela Universidade
Estadual de Maringá (UEM-PR/CAPES 5, 2006) e graduação em Letras
(Português/Francês) pela Universidade Estadual de Maringá (UEM-PR/CAPES
5, em 2002). Especialista em Gestão Pública com ênfase em Direitos Humanos,
pela Universidade Estadual de Ponta Grossa (UEPG-PR, 2015). Pesquisadora
e integrante do grupo de pesquisa GEPOMI/CNPQ-UEM. Atualmente, os
interesses de pesquisas estão pautados teoricamente na Análise de Discurso
de linha francesa, com dedicação às questões relacionadas à educação a
distância, novas tecnologias e ensino de língua materna.
Link de acesso: <http://lattes.cnpq.br/3139374696864904>.
APRESENTAÇÃO

LINGUÍSTICA I

SEJA BEM-VINDO(A)!
O advento da Linguística, no início do século XX, mediante o lançamento da obra Curso
de Linguística Geral, de Ferdinand de Saussure, inovou os estudos da lingua(gem) huma-
na, que sempre estiveram presentes, desde a Antiguidade, na pauta dos debates dos
estudiosos interessados em desvendar seus mistérios. No entanto, a partir desse acon-
tecimento, foi possível pensar em um conjunto de disciplinas que compõem o arcabou-
ço das ciências da lingua(gem).
A teoria, no entanto, mesmo sendo básica, é capaz de iniciar (ou mesmo instigar) você
a percorrer, cientificamente, o mundo da língua, prepará-lo para se dedicar à produção
de novos conhecimentos nesses domínios, bem como pensar a língua longe do senso
comum. E, aqui, é preciso iniciar uma travessia complexa, vislumbrando um desnudar-se
de preconceitos e ousar ir adiante, perante uma ciência que pensa, exclusivamente, a
língua na sociedade e que, por conta disso, não se sujeita ficar à sombra de conceitos
cristalizados, como a velha definição de que no campo da língua somente há dois lados:
o certo e o errado. Estamos diante de algo muito maior e precisamos saber que a nossa
sociedade é líquida (não concreta, fixa, imutável), ou seja, a língua também é fluída e nos
acompanha em todos os momentos (bons ou ruins) da nossa vida.
Por isso, precisamos saber um pouco mais sobre ela e seus mistérios e isso será feito no
percurso das cinco unidades que compõem este material que foi feito para você ousar a
pensar a língua, a partir de um mergulho na teoria, mas sem deixar para trás seu conhe-
cimento vivido e adquirido cotidianamente.
A primeira Unidade - O campo teórico da Linguística: conceitos gerais - situará você
a partir da resposta sobre o que é linguística e qual é a sua função social, perpassan-
do uma reflexão sobre o seu objeto de estudo - a língua - e as diferenças entre elas, a
linguagem e a fala. Momento em que algumas reflexões sobre a(s) gramática(s) serão
suscitadas como convite a se desconstruir de alguns paradigmas, bem como assumindo
postura acadêmica sobre seu papel social e no sistema educacional, especificamente,
nas aulas de ensino de língua.
Na segunda Unidade - Estudos da linguagem humana: percurso histórico - faremos uma
viagem de retorno pelo túnel do tempo, com parada programada na Antiguidade Clás-
sica, para abordarmos o modo como se conceberam tais estudos e, por conseguinte, os
reflexos desses estudos nos dias atuais, em lugares pontuais, como: Egito, Índia, Arábia,
Grécia e Roma. O objetivo maior aqui é não só contar uma história sobre os estudos da
linguagem em tempos tão distantes do nosso, mas também despertar em você algumas
reflexões sobre o fato de que a língua sempre foi (e é) uma ferramenta estratégica no
funcionamento social, político, cultural e religioso dos povos. Você já sabe, mas não
custa lembrar que a língua também é um instrumento utilizado nas divisões de classes
e relações de poder.
APRESENTAÇÃO

Na terceira Unidade - Os estudos pré-saussurianos da linguagem: da gramática espe-


culativa à neogramática - iniciaremos nosso retorno no túnel do tempo e agendamos
a primeira parada no século XIII para refletirmos sobre os estudos da lingua(gem). Para
tanto, será selecionada a gramática de cada período como ferramenta de discussão
sobre o modo como a língua era pensada em cada momento, a saber: gramática espe-
culativa, de Port-Royal, histórico-comparativa e a neogramática, no final do século XIX.
Nesse entremeio, faremos uma parada rápida para relatar alguns fatos históricos que
contribuíram para a formação da nossa Língua Portuguesa Brasileira, pois ela é o tema
central das nossas reflexões, e precisamos compreendê-la para além do público leigo.
Na quarta Unidade - Ferdinand de Saussure: o breve século XX e a fundação da
Linguística - nossa parada tem como objetivo compreender as bases teóricas que
deram suporte ao início do movimento denominado Estruturalismo, responsável
pela reconfiguração dos estudos sobre a língua até então desenvolvidos, a partir
das reflexões de Saussure, o pai da Linguística Moderna. Passaremos a pensar a
língua, considerando a biografia da vida acadêmica desse mestre preocupado em
desvendar os segredos de uma habilidade exclusivamente humana, resumida na
importante obra denominada Curso de Linguística Geral (CLG) e nos avanços geo-
gráficos da teoria do continente europeu para o americano, incluindo o Brasil e seus
desdobramentos posteriores.
Na quinta Unidade - Os principais conceitos da Linguística sincrônica de Ferdinand
de Saussure - a nossa última parada é inteiramente dedicada à apresentação das di-
cotomias saussurianas e às implicações destas nas teorias subsequentes, pois é por
meio delas - língua e fala, significado e significante, diacronia e sincronia, sintagma
e paradigma - que os linguistas tentam simplificar a base teórica saussuriana que
revolucionou os estudos acerca da língua, bem como provocou os desdobramentos
teóricos e metodológicos, culminando em vários campos de saberes sob diferentes
perspectivas, as denominadas teorias linguísticas pós-estruturalistas. Alguns desses
campos serão apresentados em Linguística II, mas não nos preocupemos com essa
viagem agora, pois o momento pede uma preparação para um mergulho em um
mar teórico que nunca termina de dizer o que tem para ser dito.
Por isso, convido você, aluno(a), a iniciar a leitura deste material e espero que ele
seja bastante proveitoso, atinja o objetivo de apresentar a ciência linguística, bem
como instigar e provocar você a aceitar o desafio de continuar refletindo sobre e
por meio desta corrente teórica denominada Linguística. Sucesso e bons estudos!
09
SUMÁRIO

UNIDADE I
O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS

15 Introdução

16 Linguística? O Que é Isso?

21 Delimitação do Objeto de Estudo da Linguística

23 Linguagem, Língua e Fala: Diferenças Conceituais

30 A(s) Gramática(s): Consensos, Dissensos e Limites

36 Linguagem Humana e de Outros Animais: A Dança das Abelhas

42 Afinal, Para que Serve a Linguística?

46 Considerações Finais

53 Referências

54 Gabarito

UNIDADE II

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO

57 Introdução

58 A Linguagem Humana no Túnel do Tempo

61 Os Estudos da Linguagem no Egito

62 Os Estudos da Linguagem na Índia

65 Os Estudos da Linguagem na Arábia

68 Os Estudos da Linguagem na Grécia

73 Os Estudos da Linguagem em Roma

77 Considerações Finais
10
SUMÁRIO

85 Referências

86 Gabarito

UNIDADE III
OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM: DA GRAMÁTICA
ESPECULATIVA À NEOGRAMÁTICA

89 Introdução

90 Os Estudos da Linguagem na Idade Média: A Gramática Especulativa

92 Os Estudos da Linguagem na Idade Moderna: A Gramática Geral ou de


Port-Royal

93 Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira

102 Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática


Histórica-Comparativa e a Neogramática

114 Considerações Finais

122 Referências

123 Gabarito

UNIDADE IV
FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA
LINGUÍSTICA

127 Introdução

128 Ferdinand de Saussure: Sinopse Biográfica

130 História e Desenvolvimento do Estruturalismo: o Corte Saussuriano


11
SUMÁRIO

135 O Curso de Linguística Geral (CLG): (in)Certezas Sobre um Apócrifo

137 Expansão do Estruturalismo: Europa e AméricA

142 Jovem Linguística à Brasileira: Breve Percurso Histórico

145 Um Mergulho nos Conceitos Teóricos Saussurianos

146 Considerações Finais

153 Referências

154 Gabarito

UNIDADE V
OS PRINCIPAIS CONCEITOS DA LINGUÍSTICA SINCRÔNICA DE
FERDINAND SAUSSURE

157 Introdução

158 O Movimento Teórico de Ferdinand de Saussure: as Dicotomias

162 A Dicotomia Língua e Fala

166 Teoria do Signo Linguístico e a Dicotomia Significado e Significante

172 A Dicotomia Diacronia e Sincronia

176 A Dicotomia Sintagma e Paradigma

180 Considerações Finais

188 Referências

189 Gabarito

190 Conclusão

191 Anotações
Professora Dra. Vera Lucia da Silva

I
O CAMPO TEÓRICO DA

UNIDADE
LINGUÍSTICA: CONCEITOS
GERAIS

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a ciência da língua e o seu objeto de estudo.
■ Promover reflexões sobre a língua dentro da Linguística.
■ Estabelecer a distinção entre linguagem, língua e fala.
■ Conhecer a(s) gramática(s).
■ Refletir sobre as diferenças entre linguagem humana e de outras
espécies.
■ Contextualizar a aplicabilidade da linguística por meio de seus
campos de saberes.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Linguística? O que é isso?
■ Delimitação do objeto de estudo da linguística
■ Linguagem, língua e fala: diferenças conceituais
■ A(s) gramática(s): consensos, dissensos e limites
■ Linguagem humana e de outros animais: a dança das abelhas
■ Afinal, para que serve a linguística?
15

INTRODUÇÃO

Caro(a) aluno(a), o objetivo principal desta Unidade I é inseri-lo no conte-


údo que será abordado em Linguística I, enquanto ciência que se preocupa em
desvendar os segredos do seu objeto de estudo, ou seja, a língua. Esta merece
que seja refletida, como uma característica exclusivamente humana, indepen-
dentemente do lugar onde nascemos e/ou a cultura em que vivemos e o nosso
grau de escolaridade.
Por isso, nossa pretensão é inserir você no mundo da ciência da língua, por
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

meio de informações teóricas básicas que servirão como suporte na compreen-


são das unidades posteriores. Diante de um conteúdo multifacetado, foi preciso
fazer recortes e escolhas teóricas que, inicialmente, buscará uma resposta para
a questão: o que é linguística?
Trataremos, também, de temas essenciais para compreender essa ciência
e, por isso, apresentaremos as diferenças básicas entre linguagem, língua e fala,
priorizando um item para o seu objeto específico de estudo, ou seja, a língua
que não é estanque e vai acompanhando a evolução da sociedade - um dado
que justifica uma ciência própria para se pensar sobre ela, além de conceitos já
cristalizados pela nossa gramática normativa tradicional. Esta não deixa de ser
um importante instrumento de estudo, nas aulas de língua portuguesa brasi-
leira, mas não deve ser o único, pois há outras gramáticas oriundas de projetos
ousados de pesquisadores inovadores que romperam a tradição, as quais serão
apresentadas neste espaço.
Ademais, a língua, muito mais do que qualquer outra característica, distin-
gue o ser humano de outros animais, pois consegue adaptar-se às mais diversas
situações, encontrando formas eficientes para se comunicar com seus pares. É
sobre tais ideias que iremos discutir, no percurso desta unidade, e para dar ares
de fecho, encerraremos com algumas questões que justificam a importância da
linguística para você que optou em manejar a língua de forma profissional.

Introdução
16 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
LINGUÍSTICA? O QUE É ISSO?

Para definir a linguística, é necessário, inicialmente, refletir sobre dois aspectos


ligados ao fator temporal:
a) A linguística enquanto campo do conhecimento.
b) A linguística enquanto disciplina atual do curso de Letras e outras áreas
que necessitam dela para desenvolver suas teorias.

Enquanto campo do conhecimento, Altmann (2013, on-line)1 afirma que a lin-


guística é muito antiga, pois, a partir do momento em que as pessoas passaram
a refletir sobre sua língua e a de outros povos, já é possível estabelecer um marco
histórico para o conhecimento da linguagem humana.
Esta abordagem histórica é a temática deste material de estudo, na Unidade
II, mas é necessário registrar, sucintamente, suas fases neste momento em que
estamos iniciando este percurso. De acordo com Saussure (1993, p. 7), “a ciên-
cia que se constitui em torno dos fatos da língua passou por três fases sucessivas
antes de reconhecer qual é o seu verdadeiro e único objeto”. Segundo o autor,
tais fases subdividem-se em:
a) Gramática: um modelo de estudo normativo, baseado na lógica e des-
tituído de visão científica, inaugurado pelos gregos com o objetivo de
formular regras para estabelecer o modo certo e errado de usar a língua.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


17

b) Filologia: um modelo de estudo voltado para os textos produzidos em


diferentes épocas, buscando as peculiaridades dos autores, bem como
explicando e decifrando as produções textuais redigidas em língua arcaica
e obscura.
c) Gramática comparativa: iniciou-se quando se descobriu que línguas,
como o sânscrito, o germânico, o grego e o latim poderiam ser compara-
das entre si e se concluiu que elas pertenciam a uma única família.

Tais fases são denominadas, por Câmara Júnior (2011), como pré-linguística e
trouxeram contribuições importantes para os estudos linguísticos estudados na
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

atualidade. No entanto, o propósito desta unidade é produzir reflexões sobre as


condições teóricas e práticas da linguística moderna apresentada no início do
século XX, a partir do lançamento da obra Curso de Linguística Geral (CLG) do
linguista Ferdinand de Saussure. Informações que nortearão este percurso ini-
cial, bem como as reconfigurações em que passaram os estudos do campo da
linguagem e seus desdobramentos posteriores serão parcialmente apresentados
durante a disciplina de Linguística II.
A linguística, enquanto campo do conhecimento que fazia parte das reflexões
sobre a língua, desenvolvida pelos povos da antiguidade clássica até o século XIX,
foi, primordialmente, constituída para atender as necessidades sociais, políticas,
culturais e econômicas daquele momento histórico. Como tais fatores serão tra-
tados nas Unidades II e III, o foco, neste momento, será dedicado aos conceitos
gerais desenvolvidos a partir do início do século XX, para que você seja capaz
de se situar nas trilhas desta disciplina.
Enquanto tema atual, Weedwood (2012) afirma que a palavra linguística
começou a ser utilizada, em meados do século XIX, para estabelecer as diferen-
ças entre uma abordagem inovadora sobre a linguagem que estava começando
a se desenvolver naquele momento e uma abordagem tradicional. Diante da
pergunta que abre este tópico e, portanto, exige uma resposta, a maioria dos
materiais teóricos, referente ao assunto, define a linguística como a ciência que
estuda a linguagem humana em sua fase atual ou em um período determinado,
denominado sincrônico (a dicotomia, diacronia e sincronia, que veremos na
Unidade V).

Linguística? O Que é Isso?


18 UNIDADE I

Rememorando: estamos lidando com uma ciência que tem como objetivo
estudar, cientificamente, a linguagem humana e que foi, oficialmente, inaugu-
rada apenas no início do século XX, precisamente em 1916, com o lançamento
do CLG, obra que trouxe no seu arcabouço o pensamento póstumo e inovador
do linguista Ferdinand de Saussure (a Unidade IV será dedicada à teoria estru-
turalista saussuriana, que compôs a linguística moderna).
A linguística foi concebida por Saussure, a partir de um projeto amplo, pois
ela faz parte da semiologia (do grego semion, que significa estudo dos signos/
sinais), um campo de conhecimento que estuda a ciência geral dos signos. Para

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Cunha, Costa e Martelotta (2013), a semiologia não se interessa somente pela lin-
guagem humana, mas por qualquer sistema de signos naturais - fumaça, nuvens
etc. - e culturais - sinais de trânsito, gestos, dança etc. A linguística é um ramo
da semiologia que tem interesse particular em pesquisas voltadas para as lín-
guas naturais: português, inglês, francês, italiano, alemão etc.
Para os autores, o termo “linguagem” é socialmente praticado a partir de uma
multiplicidade de sentidos, diante de qualquer situação de comunicação - lingua-
gem gestual, sonora, visual, artística, de sinais, de programação, escrita, verbal
etc. - produzindo dúvidas no iniciante. Por isso, para se compreender a comple-
xidade da linguagem humana, estudada cientificamente a partir do século XX,
é preciso depreender suas diferentes vertentes de estudo apresentadas por meio
de métodos e pesquisas diversas que estabelecem diferentes formas de conside-
rar suas unidades básicas de análise.
Apesar de a linguística configurar-se como uma ciência autônoma, pois
determinou um objeto de estudo e uma metodologia própria para estudar esse
objeto (a língua), não deixou de estabelecer relações com outras ciências, a fim
de demarcar o lugar da linguagem na hierarquia de campos do conhecimento,
como: filosofia, psicologia, filologia, sociologia etc.
Por isso, sua postura teórica implica, apenas aparentemente, um isolamento
de outras disciplinas, pois tal autonomia se configura como relativa e isso esta-
belece relações ainda mais próximas e bastante frutíferas com outras áreas do
conhecimento. Isto é:
[...] isso não significa dizer que a linguística encontra-se isolada das
demais ciências e de outras áreas de pesquisa. Ao contrário, existem

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


19

relações bastante estreitas entre elas, o que faz com que, algumas vezes,
seus limites não se apresentem nitidamente. Desse modo, a caracteriza-
ção dessas disciplinas é útil na medida em que permite delimitar mais
claramente o campo de atuação da linguística, contrastando-o com o
de outras ciências (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2013, p. 22).

Essa autonomia relativa estabelece relações tanto com outras áreas científicas
quanto dentro dos seus próprios limites, provoca discussões internas entre pen-
sadores exclusivos da linguagem humana, resultando em diversas ramificações de
pesquisas dentro do campo da linguística. Apresentamos as principais ramifica-
ções que compõem o arcabouço teórico, hoje estudado por meio das disciplinas
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

norteadas pela linguística, subdivididas, de acordo com Weedwood (2012), em:


microlinguística e macrolinguística.
a) Microlinguística: refere-se a uma visão restrita da língua analisada em si
mesma. As disciplinas desse campo são pertencentes ao chamado “núcleo
duro” da linguística: fonética, fonologia, sintaxe, morfologia, lexicologia
e semântica.
b) Macrolinguística: trata-se das diversas áreas reconhecidas da linguística
que abrangem temáticas diversas: linguística histórica, análise da conver-
sação, psicolinguística, neurolinguística, linguística do texto, dialetologia,
linguística computacional, estilística, gerativismo, sociolinguística, prag-
mática, análise de discurso etc.

A referida subdivisão fornece pistas concretas sobre as diferentes vertentes de


estudos da linguagem em uma ordenação hierárquica e métodos de pesquisa
diversos, bem como diferentes formas de considerar as suas unidades básicas de
análise. Desse modo, a linguística, com sua diversidade teórica, é afirmada no
meio acadêmico como uma ciência com objeto e metodologia de estudo próprio:
[...] reivindica sua autonomia em relação às outras áreas do conheci-
mento. No passado, o estudo da linguagem se subordinava, por exem-
plo, às investigações da Filosofia através da Lógica. Sobretudo a partir
do século XX, com a publicação do Curso de linguística geral (marco
inicial da chamada lingüística moderna), obra póstuma do linguista
suíço Ferdinand de Saussure, instaura-se uma nova postura, e os es-
tudiosos da linguagem adquirem consciência da tarefa que lhes cabe:
utilizando-se de uma metodologia adequada, estudar, analisar e des-
crever as línguas a partir dos elementos formais que lhes são próprios
(CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2013, p. 22).

Linguística? O Que é Isso?


20 UNIDADE I

Essa postura teórica implica apenas, aparentemente, um isolamento de outras


disciplinas. No entanto, com isso são estabelecidas relações ainda mais próximas
e bastante frutíferas com outras áreas do conhecimento. Isto é:
[...] isso não significa dizer que a lingüística encontra-se isolada das
demais ciências e de outras áreas de pesquisa. Ao contrário, existem
relações bastante estreitas entre elas, o que faz com que, algumas vezes,
seus limites não se apresentem nitidamente. Desse modo, a caracteriza-
ção dessas disciplinas é útil na medida em que permite delimitar mais
claramente o campo de atuação da linguística, contrastando-o com o
de outras ciências. Temos, assim, duas faces da relação entre linguística
e as demais ciências (CUNHA; COSTA; MARTELOTTA, 2013, p. 22).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Aprendemos, até aqui, do que se trata a ciência linguística e algumas das suas rami-
ficações (gerativismo, sociolinguística, semântica, pragmática e Análise do Discurso,
que serão estudadas durante o percurso da disciplina de Linguística II), mas ainda
falta uma questão essencial para avançarmos no nosso aprendizado, pois estamos
lidando com uma temática que tem um interesse específico dentro dos temas relacio-
nados à linguagem humana, fazendo-se necessário apresentar seu objeto de estudo.

Profissão? Linguista.
Os cursos de Letras devem proporcionar aos estudantes a possibilidade de
refletir sobre os fatos linguísticos, por meio de reflexões críticas fundamen-
tadas teoricamente. O objetivo é fazer com que o futuro linguista aproprie-
-se de conceitos que o capacite a operar com os fatos da linguagem huma-
na, pelas observações investigativas que permitam ultrapassar as barreiras
do senso comum.
O linguista, ao se estabelecer profissionalmente, elabora diferenças ele-
mentares entre a linguagem e a língua e elege esta como sua ferramenta
de trabalho. Na condição de cientista, observa a estrutura e os aspectos das
línguas naturais, especificamente, os processos que estão na base de sua
utilização enquanto instrumentos de comunicação.
Fonte: adaptado de Fiorin (2012) e Cunha; Costa e Martelotta (2013).

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


21
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

DELIMITAÇÃO DO OBJETO DE ESTUDO DA


LINGUÍSTICA

Já afirmamos que a linguística é uma ciência que tem como objetivo central estu-
dar a linguagem humana, manifestada em forma de línguas naturais (português,
inglês, francês, italiano etc.), com o propósito de depreender suas leis, regras e
tendências gerais que regulam seu sistema imanente, ou seja, tais leis, regras e
tendências estão contidas, inseparavelmente, na sua natureza.
A linguística oficialmente inaugurada com o registro do pensamento saussu-
riano no CLG e apresentada, geograficamente, aos pensadores de alguns países
do continente europeu, por intermédio de conferências denominadas Círculos
Linguísticos, apresenta-se, enquanto ciência, com características próprias que
delimita um objeto de estudo. No entanto, é preciso tecer algumas considerações
sobre esse objeto de estudo da linguística, enquanto componente essencial das
pesquisas desenvolvidas pelos linguistas que encontrou, nessa ciência, um lugar
“[...] para uma hipótese, para um ‘ponto de vista’, e a indicação de um objeto e
de um método. Esse objeto é a ‘língua’, componente social da linguagem, que se
impõe ao indivíduo e se opõe à ‘fala’ [...]” (DUBOIS et al., 2001, p. 391).

Delimitação do Objeto de Estudo da Linguística


22 UNIDADE I

Embora compartilhando o mesmo objeto de estudo, ou seja, a língua, as


diferentes teorias linguísticas não partilham da mesma concepção de língua,
havendo, portanto, diferentes orientações teóricas sobre o mesmo objeto. A lin-
guística apresenta múltiplas concepções acerca do que é e de como se constitui
a língua enquanto sistema que se apresenta como o objeto de estudo dessa ciên-
cia. A respeito disso, Neves (2002, p. 11) mostra que, depois de
Organizada a ciência linguística, passa a língua a ser verdadeiro objeto
de estudo, constituindo-se um método próprio de investigação linguís-
tica. Diferentes correntes, então, se sucedem, assentadas em diferentes
concepções de linguagem e governadas por diferentes finalidades. Cen-

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tradas nas estruturas, ou centradas em princípios gerais, centradas no
conhecimento linguístico do falante, ou centradas no uso, as diversas
correntes explicitam seus princípios e oferecem suas análises, seguindo
tais princípios.
Dessa maneira, relativamente ao seu objeto de estudo e às metodologias empre-
gadas, já registramos as fases dos estudos sobre a linguagem humana, mas, para
atender aos objetivos propostos neste tópico, que é definir o objeto de estudo
da linguística atual, cabe registrar a fase da linguística que se refere ao início do
século XX até os dias atuais, que se caracteriza pelo seu caráter sincrônico e pela
sua diversidade teórica.
Após a publicação do CLG, de Ferdinand de Saussure, a investigação linguís-
tica voltou sua atenção para o caráter sistêmico da língua, e as teorias linguísticas
contemporâneas dedicam-se a questões bastante pontuais sobre seu objeto de
estudo, apresentado mediante definições multifacetadas, em conformidade aos
objetivos da ramificação estudada, dentro deste campo de estudos.
Isso significa que há um único objeto de estudo para a linguística, enquanto
ciência geral, mas suas definições são heterogêneas para atender as especificida-
des dos objetivos propostos para cada corrente da linguística. Você terá acesso
a algumas dessas definições, durante a disciplina de Linguística II, pois, neste
momento inicial, apresentaremos seu objeto, por meio de Saussure e a oficiali-
zação da linguística como ciência. Pela concepção saussuriana, tratar do objeto
da linguística é mergulhar em um dilema, pois:
[...] se estudarmos a linguagem sobre vários aspectos ao mesmo tempo,
o objeto da Linguística nos aparecerá como um aglomerado confuso
de coisas heteróclitas, sem liame entre si. Quando se procede assim,
abre-se a porta a várias ciências - Psicologia, Antropologia, Gramática

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


23

normativa, Filologia, etc. -, que separamos claramente da Linguística


(SAUSSURE, 1993, p. 16).

É por conta dessa afirmação que Saussure nomeia a língua como o objeto de estudo
da linguística com o objetivo de tomá-la como norma de todas as outras manifesta-
ções da linguagem, pois, segundo ele, mesmo diante de tantas dualidades, somente
ela parece suscetível de uma definição que a caracteriza como um sistema de sig-
nos convencional e articulado, ocupando o primeiro lugar no estudo da linguagem.
Delimitamos o objeto de estudo da linguística, pois essa informação é essen-
cial para avançarmos neste campo do conhecimento que tem como objetivo o
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

estudo da linguagem humana. Portanto, precisamos depreender, neste momento


do curso, que, na linguística, a língua ocupa posição diferenciada em relação, por
exemplo, à gramática tradicional e em outros campos do saber e, para compre-
endê-la de um modo mais amplo, é necessário, também, abordar as diferenças
entre linguagem, língua e fala.

LINGUAGEM, LÍNGUA E FALA: DIFERENÇAS


CONCEITUAIS

Como estamos tratando de uma ciência que tem por objetivo refletir, cienti-
ficamente, sobre a linguagem humana, é necessário estabelecermos algumas
subdivisões tanto para auxiliar na compreensão quanto para didatizar a apresen-
tação de elementos básicos constituintes da linguística e que causam “confusão”
entre os leigos que se apropriam dos referidos termos como algo unificado
(tomam um pelo outro). Há uma indagação saussuriana que confirma a existên-
cia de outros elementos, além da língua, para a ciência linguística:
Mas o que é a língua? Para nós, ela não se confunde com a linguagem; é
somente uma parte determinada, essencial dela, indubitavelmente. É, ao
mesmo tempo, um produto social da faculdade de linguagem e um con-
junto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social para permi-
tir o exercício dessa faculdade nos indivíduos (SAUSSURE, 1993, p. 17).

Linguagem, Língua e Fala: Diferenças Conceituais


24 UNIDADE I

Desse modo, para entender o objeto


de estudo da linguística, é necessário
distinguir os conceitos de linguagem,
língua e fala e lembramos que, na vida
cotidiana, tais conceitos diluem-se na
nossa condição de seres sociais que têm
a língua como instrumento principal de
comunicação a ser transmitida pela fala.
A linguagem refere-se, de

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forma bastante ampla, a sistemas
de comunicação, e isso justifica sua
impossibilidade de ser eleita o objeto
de estudo da linguística, pois:
[...] o termo ‘linguagem’ apresenta mais de um sentido. Ele é mais co-
mumente empregado para referir-se a qualquer processo de comuni-
cação, como a [...] linguagem corporal, a linguagem das artes, a lin-
guagem da sinalização, a linguagem escrita, entre outras (CUNHA,
COSTA e MARTELOTTA, 2013, p. 15) .

Isso posto, o conceito de linguagem é mais amplo do que aparenta ser à primeira
vista, pois se refere não somente à linguagem verbal, mas também a todo e qualquer
conjunto de sinais empregados pelo ser humano para estabelecer comunicação, seja
por meio de sinais auditivos, visuais, seja por meio de linguagem corporal ou verbal.
Esses sinais são convencionados por determinada comunidade, a fim de permi-
tir o entendimento mútuo ou, em certos casos, também o sentimento de exclusão.
Os autores salientam que, dentro desta concepção teórica, as línguas naturais,
como o português, o inglês, o francês, o italiano etc., são formas de linguagem
pelo fato de constituírem enquanto instrumentos capazes de possibilitar o pro-
cesso de comunicação entre os membros de uma comunidade.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


25

Essa divisão entre o que é língua e o que é linguagem apresenta implicações


no momento de compreender cientificamente esse fenômeno, pois há teorias
que se voltam para o todo, procurando encontrar, na linguagem, o que há de
universal. Outras teorias, por sua vez, analisam as línguas em particular, com o
objetivo de encontrar estruturas comuns entre elas, de modo a definir como se
estabelece o todo que é a linguagem.
Para Saussure (1993), a linguagem é multiforme, heteróclita, possuidora
de elementos físico (ondas sonoras), fisiológica (fonação e audição) e psíquica
(imagem acústica e conceito). Podemos caracterizá-la como pertencente ao domí-
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nio individual (o embrião) e social (de modo aproximado, todos reproduzem os


mesmos signos, unidos aos mesmos conceitos)isto é, há um conhecimento lin-
guístico que todos os falantes encontram, ao nascer, bastando aprendê-lo.
A língua é a parte essencial, integral e capaz de permitir o exercício da facul-
dade da linguagem no indivíduo. Segundo o autor, ela se define como o produto
que o indivíduo registra e é o objeto bem definido no conjunto heteróclito dos
fatos da linguagem. Neste sentido, a língua é “a parte social da linguagem, exte-
rior ao indivíduo, que, por si só, não pode nem criá-la nem modificá-la; ela não
existe senão em virtude de uma espécie de contrato estabelecido entre os mem-
bros da comunidade” (SAUSSURE, 1993, p. 22).
Os conceitos apresentados operam diferenças entre a linguagem, aqui definida
como heterogênea, e a língua, concebida como de natureza homogênea, defi-
nindo-se como um sistema de signos convencionados que estabelece a união do
sentido (conceito/significado) e da imagem acústica (significante). Retomaremos,
com mais informações explicativas sobre o signo linguístico, na Unidade V).
Entretanto, para compreendermos as definições já apresentadas sobre a lingua-
gem e a língua, precisamos, também, refletir sobre algumas considerações sobre
a fala, esta se define como ato individual de vontade e inteligência, utilizado para
transmitir, por intermédio do aparelho fonador ou articulatório, o pensamento
pessoal do falante.

Linguagem, Língua e Fala: Diferenças Conceituais


26 UNIDADE I

Tais concepções levam-nos a pensar que há modos diferentes de se falar uma


língua, pois, segundo a teoria saussuriana, ela “se altera ou, melhor, evolui, sob
a influência de todos os agentes que possam atingir quer os sons, quer os signifi-
cados” (SAUSSURE, 1993, p. 91). Embora haja uma resistência social em aceitar
que a língua evolui mediante a atribuição de valores como certo ao modelo padrão
canonizado e errado para as demais formas de expressão, o autor afirma ainda que
“essa evolução é fatal; não há exemplo de uma língua que lhe resista. Ao fim de
certo tempo, podem-se sempre comprovar deslocamentos sensíveis” (SAUSSURE,
1993, p. 91), conforme observaremos no item sobre variação linguística.

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VARIAÇÃO LINGUÍSTICA: É PRECISO ELIMINAR PRECONCEITOS

A língua constitui-se como um constructo sócio-histórico, que nunca perma-


nece estanque, posto que está sempre a sofrer alterações em todos os seus níveis,
de modo a se adaptar à sociedade, à cultura e à situação em que é empregada.
Esse caráter social e histórico é nitidamente percebido, se entrarmos em contato
com diversos falantes e notarmos que nenhum deles fala da mesma forma. Essas
diferenças encontradas em uma mesma língua constituem o que se denomina
variação linguística, pois, assim como a sociedade muda (os costumes, a moda,
as profissões, as tecnologias etc.), a língua também está em constante mutação.
Para didatizar a questão aqui apresentada, amparamo-nos nos tipos de varia-
ções apresentadas por Guimarães (2012). No entanto, na prática, tais variações
são interdependentes, ou seja, podem ser refletidas, simultaneamente, nos vários
tipos que serão apresentados. Vejamos brevemente quais são os tipos de varia-
ção linguística mais usuais:
a) Variação histórica (ou diacrônica): define-se pelo uso de palavras con-
sideradas antigas e, portanto, já em desuso (fora da moda, arcaicas) por
alguns grupos de falantes. Desse modo, diante das alterações que vão
acontecendo na língua, ao longo do tempo, há grupos de pessoas (idosos,
comunidades isoladas, grupos pertencentes a estratos sociais, culturais e
economicamente excluídos por causa da pouca oportunidade de escola-
rização plena) que continuam usando tais palavras no seu cotidiano. De

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


27

acordo com a autora, um exemplo muito comum dessa variação é deno-


minado rotacismo (a troca do l pelo r). Exemplo: chicrete, praca, frauta,
frecha (em vez de chiclete, placa, flauta e flecha).

Outro exemplo dessa variação encontra-se consagrado na literatura portuguesa,


por meio de Os Lusíadas, de Luiz Vaz de Camões: a) Canto I: E não de agreste
avena ou frauta ruda e b) Canto X: Doenças, frechas, e trovões ardentes. Neste
contexto, a forma como tais palavras foram registradas atendia aos padrões da
norma culta da língua portuguesa de Portugal daquela época.
A explicação científica dessa variação (antes considerada correta, hoje vista
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como “errada” e, por conta disso, aqueles que falam e escrevem desse modo, são
vítimas de preconceito) ocorre mediante um retorno histórico à língua latina e
às origens da língua portuguesa. As palavras latinas, como placere, clavu e blandu
foram incorporadas à língua portuguesa como prazer, cravo e brando, justifi-
cando, por analogia, os motivos que levam os falantes da nossa língua materna
a enunciar dessa forma.
Outros fatores que podem ser registrados nesta variação são os avanços tec-
nológicos que, em pouco tempo, torna uma palavra obsoleta. Como exemplo,
basta tentar um diálogo com um adolescente envolvendo assuntos sobre disco
de vinil, fita magnética, disquete para perceber que a maioria não tem conheci-
mento sobre o significado de tais palavras.
b) Variação diatópica (ou regional): refere-se à região onde o falante nasceu
ou reside, possibilitando variações na pronúncia, na morfologia ou sin-
taxe e no vocabulário (lexical) de um mesmo objeto. Essa variação pode
estigmatizar quando é capaz de distinguir o falante como pertencente à
zona rural ou falares urbanos de pessoas que habitam nas periferias e que
não conseguem ascender socialmente, por não ter acesso à escolarização
e aos serviços públicos básicos. Para Guimarães (2012), o preconceito
não está ligado ao fato linguístico propriamente dito, mas às condições
sociais e econômicas dos falantes. Como exemplo, apresentamos as seguin-
tes situações:
1. Variação na pronúncia: o r retroflexo, considerado caipira, comumente
enunciado por pessoas das zonas rurais de São Paulo, sul de Minas e
do Paraná. Ex: po[ ]ta, ve[ ]de, ma[ ], ca[ ]ta.

Linguagem, Língua e Fala: Diferenças Conceituais


28 UNIDADE I

2. Variação na morfologia e na sintaxe: as formas tu visse e sei não (em


vez de tu viste e não sei) em regiões do Nordeste.
3. Variação lexical: dada a extensão territorial brasileira, há diferentes
formas para designar um mesmo objeto ou alimento. Como exemplo:
abóbora e mandioca, no Paraná, ou jerimum e macaxeira, no nordeste;
menino, no Paraná, ou guri, no Rio Grande do Sul.
c) Variação diastrática (ou social): essa variação, segundo Guimarães (2012),
vai além dos pares popular e culto ou pouco escolarizados e muito esco-
larizados, pois, além de considerar o registro de fala de acordo com a

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camada social e cultural do indivíduo, há também os seguintes fatores:
1. Escolaridade: quanto maior o grau de escolarização, maior é a proba-
bilidade de fala ou escrita aproximar-se da norma culta. Ex.: o falante
escolarizado diminui a possibilidade de cometer a síncope da conso-
ante d em verbos no gerúndio (cantano, andano, correno em vez de
cantando, andando, correndo).
2. Faixa etária: por um lado, falamos diferente do modo como nossos
pais ou avós falam e, por outro, do modo como nossos sobrinhos,
filhos ou netos falam.
3. Gênero: há pesquisas sociolinguísticas voltadas à questão de gênero,
e já se comprovou que homens e mulheres apresentam diferenças
notáveis no modo de se expressarem. De uma forma geral e diante
do mesmo nível de escolarização, as mulheres tendem a obedecer à
norma culta com mais regularidade do que os homens. Como exem-
plo, elas comumente mantém com mais regularidade o s e o m como
marcas de plural no final das palavras (as crianças nadam).
4. Profissão e grupos sociais: cientistas (descobrimos que Bauhinia for-
ficata - árvore com nome popular de pata de vaca - é uma planta
eficaz para reflorestamento de áreas degradadas), policiais (os 3 ele-
mentos roubaram o banco e saíram em fuga) , médicos (infelizmente,
o paciente não resistiu e veio a óbito). Há também marcas linguísticas
- comumente denominadas gírias - de grupos específicos como surfis-
tas, skatistas, fãs de música sertaneja etc. - que se unem por afinidades.
d) Variação diafásica (ou de registro formal e informal): é a alteração do registro
de fala condicionada ao grau de formalidade da situação comunicativa em que

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


29

a pessoa encontra-se. Independentemente do grau de escolarização que temos,


nosso comportamento linguístico altera diante das diversas situações a que esta-
mos submetidos. Há situações de oralidade ou escrita que exigem um grau de
formalidade maior que outras em que o linguajar informal é cabível. Vejamos
os seguintes exemplos:

1) Situação informal: conversa entre familiares ou amigos, recado no


whatsapp no grupo de amigos íntimos etc.
2) Situação formal: conferência, reunião de departamento, sermão, cor-
respondência oficial, sentença judicial etc.
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Nessa variação, é importante destacar que, independentemente do seu grau de


escolarização, seu comportamento linguístico em um encontro de amigos da
faculdade é diferente da sua participação em uma reunião com os professores
do curso que você coordena. Na primeira situação, é comum e aceitável você
dizer: “Galera das antigas, hoje é só festança e momento de relembrar os velhos
tempos”, e na segunda, faz parte do protocolo você iniciar a reunião da seguinte
maneira: “Boa noite, hoje, precisamos rever o projeto pedagógico do curso de
Letras e alinhar seu escopo às novas demandas exigidas pelo contexto social”.
e) Variação diamésica (ou de oralidade e escrita): de acordo com Guima-
rães (2012), entre os campos da oralidade e da escrita também há variações
que apresentam vantagens e desvantagens, pois há diferentes habilidades
de atuação exigidas para cada modalidade. Diante de um texto oral, a pro-
dução e a recepção ocorre simultaneamente e vem acrescido por gestos,
expressões faciais, olhares, entonação da voz etc. que podem auxiliar o
locutor para que sua mensagem seja compreendida.

Na modalidade escrita, a relação entre o autor e o leitor ocorre pela intermedia-


ção do texto disponibilizado no papel ou na tela para captar a mensagem emitida,
por meio da escrita. Nesse caso, o texto pode ser revisado, antes de ser publicado
e, diferentemente do texto oral, o autor pode fazer pesquisas durante o processo
de escrita, possibilitando a produção de texto bem acabados.
Já sabemos distinguir e conceituar os três elementos básicos da linguística
(linguagem, língua e fala) e também descobrimos que as variações são trata-
das, cientificamente, por meio da sociolinguística, é importante destacar que,
entre tais elementos, língua, foi eleita o objeto de estudo oficial desta ciência.

Linguagem, Língua e Fala: Diferenças Conceituais


30 UNIDADE I

Além das distinções aqui registradas, é preciso, também, pensar sobre a(s) gra-
mática(s) enquanto instrumento de ensino de língua materna e estrangeira, mas
vislumbradas a partir de conceituações pertencentes ao senso comum e que pre-
cisam ser, urgentemente, desfeitas por aqueles que atuarão profissionalmente no
campo da docência.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Você já parou para pensar que somente as línguas mortas são estáticas, imu-
táveis e petrificadas? Já percebeu que a nossa língua portuguesa brasileira é
flexível, variável e mutável?
(Pedro Celso Luft)

A(S) GRAMÁTICA(S): CONSENSOS, DISSENSOS E


LIMITES

Ao se estudar a linguagem, deparamo-nos, fre-


quentemente, com o termo gramática, e as
concepções veiculadas por esse termo podem
ser bastante variadas, tendo seguido, também,
o desenvolvimento da linguística. Embora haja
diversas concepções de gramáticas que, por
vezes, parecem incompatíveis entre si, pois apre-
sentam diferentes metodologias e terminologias
para considerar o mesmo fato – a língua(gem) –
estas também mantêm pontos comuns entre si.
Verificaremos isso nos parágrafos seguintes, em
que descreveremos, brevemente, sua evolução his-
tórica, bem como as diferenças epistemológicas
entre as diferentes acepções que o conceito gra-
mática traz para este campo de saberes.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


31

Na Antiguidade, incluindo-se aí não somente a Grécia Antiga e Roma, mas


também a China, a Índia e outros países dos continentes ocidental e oriental, a
noção de gramática representava um conjunto de regras a serem seguidas para
falar e escrever de forma clara e racional, com o objetivo de preservar a forma
original da língua enquanto instrumento principal dos acordos políticos, ati-
vidades administrativas, preservação da cultura de uma nação e, também, o
principal instrumento de celebração dos rituais religiosos, pois era considerada
uma dádiva dos deuses.
Para Martelotta (2013), refletir sobre a gramática é algo que perdura desde a
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Antiguidade Clássica, quando os estudiosos debruçaram-se no ofício de interpre-


tar a natureza e o funcionamento das línguas. As ressignificações desses estudos
foram ocorrendo, sobretudo, com a evolução dos estudos linguísticos, pois “essas
interpretações foram sendo aperfeiçoadas, abandonadas e até mesmo retoma-
das em função de novas descobertas científicas” (MARTELOTTA, 2013, p. 44).
Por isso, ao lidar com este tema, devemos estar cientes do conjunto de inter-
pretações e descrições, simultaneamente, multifacetadas e singulares, movediças
e fixas na tarefa de interpretação e descrição da língua. Entretanto, diante de uma
pergunta aparentemente simples, como: O que é gramática?, obteremos como
resposta de um público leigo algo em torno de que se trata de um manual que
ensina as pessoas a falar e escrever de modo correto (certo), merecendo uma
reflexão acurada sobre o referido termo que trará respostas diversificadas, resul-
tando em diversas concepções tipológicas.

TIPOS DE GRAMÁTICAS

Pensar sobre a(s) gramática(s) requer conscientização de que se trata de um campo


vasto de delimitações que, grosso modo, pode ser definida, segundo Possenti
(1996) como um “conjunto de regras” que serve como um guarda-chuva que,
ao ser aberto, apresenta algumas gramáticas: tradicional, descritiva, estrutural,
gerativa, funcional, pedagógica, do português falado, internalizada etc. Dentre
as registradas, teceremos alguns comentários sobre as gramáticas tradicional,
prescritiva e internalizada.

A(s) Gramática(s): Consensos, Dissensos e Limites


32 UNIDADE I

a) Gramática tradicional (normativa ou prescritiva): surgiu sob os precei-


tos da tradição iniciada na Grécia antiga, em que filósofos, como Platão,
interessavam-se em estudar a relação entre a língua, a realidade e o pensa-
mento. Segundo Martelotta (2013), Aristóteles também nutria uma visão
que relacionava a linguagem à lógica, enquanto componente que descrevia
a forma pura e geral do pensamento, sem se preocupar com os conteúdos
veiculados. Seu objetivo principal seria prescrever o que seria a língua cor-
reta, apresentando características altamente regulatórias e distintivas da
noção do que é certo ou errado na língua, perdurando até os dias atuais,
sobretudo, entre o público leigo.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Segundo o autor, a cultura grega daquele tempo tinha como preocupação ditar
padrões que refletissem o uso ideal da língua grega, por meio da imposição do
dialeto ático, que passou a ser o dialeto oficial da Grécia como consequência da
hegemonia política e cultural de Atenas, conquistada nas guerras contra os persas.
A base dessa gramática fundamenta-se em textos literários de escritores do
passado, negligenciando o tratamento dado ao uso efetivo da língua. Assim, as
características do estado atual da língua são deixadas de lado, apresentando,
no lugar delas, arcaísmos que não se usam na língua atual. Segundo Martelotta
(2013), ela apresenta uma visão preconceituosa do uso da linguagem e, por isso,
não fornece aos estudiosos uma teoria adequada para descrever o funcionamento
das línguas, justificando, portanto, a ausência de caráter científico.
É nessa questão que se pode perceber o caráter prescritivista (prescreve, dita
as regras a serem seguidas) da gramática tradicional, visto que ela se preocupa
mais em elencar exceções, a fim de que o falante evite “erros”, resultando em um
conjunto de regras esparsas e complexas. Além disso, ela nutre definições vagas,
impossibilitando a compreensão dos fatos da língua que, normalmente, resumem
nas tradicionais classes de palavras, fazendo parte dos projetos pedagógicos para o
ensino de língua portuguesa brasileira como um conjunto de regras que devem ser
seguidas (ao menos deveriam, segundo a gramática tradicional). Mas a realidade
cotidiana dos falantes da nossa língua materna apresentam outros resultados, na
produção de regras que, de fato, são seguidas, explicada pela gramática descritiva.
b) Gramática descritiva: a língua, devido ao seu caráter sistêmico, apresenta
regularidade e organização estrutural. Tais características são passíveis
de análise e, consequentemente, de descrição das regras que são segui-

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


33

das pelos falantes, surgindo daí o conceito de gramática descritiva. Por


conseguinte, ela se difere da gramática normativa, pois tem por objetivo
descrever as possibilidades combinatórias e discursivas de uma língua
sem atribuição de juízos de valores sobre elas (se são certas ou erradas).

Para Possenti (1996), nesse tipo de trabalho, a preocupação central do linguista


é explicitar as regras que, de fato, são utilizadas pelos falantes e, por esse motivo,
todas as variedades da língua podem servir como objeto de estudo para o lin-
guista, prevalecendo, nesse tipo de gramática, o caráter científico. Para o autor,
pode haver diferenças entre as regras que devem ser seguidas e as que
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

são seguidas, em parte como consequência do fato de que as línguas


mudam e as gramáticas normativas podem continuar propondo regras
que os falantes não seguem mais (POSSENTI, 1996 p. 65).

Para exemplificar, o autor apresenta algumas situações, dispostas a seguir:


1) As segundas pessoas do plural desapareceram nas situações práticas dos
falantes, mas continua nas gramáticas. Dificilmente alguém diz “vós fos-
tes”, pois, hoje, o usual é dizer “vocês foram”.
2) A forma infinitiva tem a consoante “r” suprimida, ou seja, dificilmente,
hoje, diz-se “vou dormir”, mas “vou dormi”.
3) Apenas algumas regiões ainda usam o pronome pessoal “tu”. Na maior
parte do país, o pronome de segunda pessoa é “você”. Um fato interpretado
como problema pela gramática normativa e para a gramática descritiva
trata-se apenas de um fato regular e constante.
4) No lugar do pronome da primeira pessoa do plural “nós”, frequente-
mente, usa-se a forma “a gente” tanto na posição de sujeito “a gente foi”
quanto na forma de complemento “ela viu a gente”.

Conforme salienta o autor, em se tratando do português do Brasil, a questão


pronominal é outro aspecto relevante que deve ser estudado, pois, apesar dos
pronomes átonos – me, te, o, a, lhe, nos, vos, os, as, lhes – serem encontrados
nas gramáticas e ensinados nas escolas, sua aplicabilidade somente se justifica
por saudosismo a Portugal, pois lá, eles são recorrentes e usuais pela população,
independentemente do seu grau de instrução escolar.

A(s) Gramática(s): Consensos, Dissensos e Limites


34 UNIDADE I

Enfim, a descrição de uma língua pode abranger diferentes níveis, partindo


de unidades mínimas, como os fonemas e os morfemas, passando pelo estudo
das palavras, dos sintagmas, das orações, dos enunciados, para chegar, por fim,
ao texto e ao discurso. A descrição gramatical objetiva demonstrar a forma como
essas unidades exteriorizam-se em forma de sons (fonologia); como diferentes
unidades combinam-se para expressar novos significados e formar novas palavras
(morfologia); como elas são dispostas e organizadas nas orações e nos enuncia-
dos (sintaxe), além de procurar explicar os diferentes valores e significados de
uma mesma palavra de acordo com o contexto em que está situada (semântica).

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
c) Gramática internalizada: independentemente das regras que devem
ser seguidas pela gramática tradicional e as que são realmente segui-
das e apresentadas pela gramática descritiva, há também as regras que o
falante domina, estabelecidas de forma natural e paulatina na memória
dos usuários, por meio das relações sociais com os demais membros da
sua comunidade linguística. Segundo Possenti (1996), é por meio dessa
gramática que os falantes são habilitados a produzir frases compreensí-
veis e reconhecíveis como pertencente a uma língua – no nosso caso, a
língua portuguesa brasileira.

Nesse tipo de gramática, consideram-se as línguas como sistemas que regulari-


zam e possibilitam o emprego e a consequente combinação das unidades e das
estruturas linguísticas que as compõem. São possibilidades linguísticas, das quais
se servem os falantes de determinada comunidade. O conjunto de possibilida-
des linguísticas a que aludimos anteriormente se efetiva de maneira espontânea,
bastando a criança estar em contato com determinada língua e receber estímu-
los positivos que contribuam para que ela a aprenda.
Por esse motivo, todo ser humano, em condições normais, domina sua lín-
gua com eficiência, capacitando-o a exteriorizar seu pensamento, embora nem
sempre tenham consciência desse conhecimento. Pela gramática internalizada,
a língua está no falante e, por conta disso, ele conhece muito bem a gramática
dessa língua. Vamos exemplificar:
Você estranharia (ou não) os seguintes enunciados?
1) Quero sorvete um gostoso.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


35

2) Adoro passear com a minha pai.


3) Me dá um doce aí.

A situação 1, certamente, causa estranhamento, pois pelas regras da nossa língua


materna, o artigo (um) deve preceder o nome (substantivo sorvete), ou seja, pela
regra é: quero um sorvete gostoso. A situação 2 também causa estranhamento,
pois houve uma violação da regra, já que na nossa língua o pronome possessivo
minha, no contexto desse exemplo, é designado para referir-se à mãe (adoro pas-
sear com minha mãe). Nesses casos, há duas justificativas: ou o falante possui
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

alguma patologia, ou é um estrangeiro que está aprendendo a nossa língua. A


situação 3 não causa estranhamento, mesmo estando em desacordo com a norma
culta da língua portuguesa que orienta não se iniciar uma frase com pronome
oblíquo átono, exigindo, nesse caso, a ênclise (Dê-me um doce).
A gramática internalizada permite explicar a noção de gramaticalidade
(aceitabilidade) e agramaticalidade (não aceitabilidade) da elocução linguística
dos falantes. Assim, a língua internalizada pelos falantes não é homogênea e
apresenta diferenças quanto ao seu uso em determinada região, nível social. A
língua apresenta determinado grau de fixidez, no sentido de que não podemos
alterá-la completamente para obter determinado propósito, pois temos sempre
de nos valer de estruturas, formas e palavras estabelecidas em uma espécie de
acordo implícito entre os falantes de uma comunidade linguística. A gramática
internalizada define-se como um saber linguístico completo dos falantes que se
explica como um:
[...] sistema de todas as regras necessárias para se poder falar. Mesmo a
criança de cinco ou seis anos que já fala com desembaraço, e o mais hu-
milde dos analfabetos, necessariamente dominam a gramática completa
que preside a seus atos de fala. Do contrário, não haveria como falar. Para
a mais simples elocução, para juntar sílabas que seja, é indispensável do-
minar uma gramática (conjunto de regras) interior (LUFT, 1985, p. 41).

Além das questões já postas, o fato de a linguagem pertencer, exclusivamente, à


raça humana é tema que sempre faz parte dos debates entre os linguistas, haja vista
que as outras espécies também possuem habilidades para interagir, ou mesmo,
estabelecer situações de ameaça e defesa com seus pares e às demais espécies. A
respeito desse assunto, teceremos alguns comentários no tópico seguinte.

A(s) Gramática(s): Consensos, Dissensos e Limites


36 UNIDADE I

LINGUAGEM HUMANA E DE OUTROS ANIMAIS: A


DANÇA DAS ABELHAS

As questões voltadas para a linguagem humana e outros modos de interação ocor-


ridas entre demais espécies fazem parte da pauta de discussões entre profissionais
da língua e de outros campos do conhecimento. Para nós, enquanto estudiosos
que buscam compreender a língua como algo inerente e exclusivo da espécie
humana, é importante compreender algumas características que justificam essa
exclusividade. Por isso, iniciamos este tópico, apresentando as seguintes reflexões:

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a) Quais são as propriedades definidoras da linguagem humana?
b) As outras espécies também possuem capacidade inata de linguagem?

O domínio da linguagem é intrínseco à nossa espécie, ou seja, onde há pessoas, há


linguagem, justificando o marco estruturador de toda a nossa existência. Assim,
a linguagem, estruturadora do ser humano, é onipresente, pois, ao ser submetido
a condições apropriadas e com o devido estímulo cognitivo, desenvolve lingua-
gem articulada. É por ela que se estabelece as relações sociais, conforme afirma
Neves (2002, p. 17):
[...] Por natureza racional, dotado de linguagem, o animal ho-
mem estrutura seu pensamento em cadeias faladas. Codifica-as e
decodifica-as porque, independentemente de alguém que anun-
cie isso, ele é senhor das regras que regem a combinação dos
elementos das cadeias que tem a faculdade de
produzir. A partir dessa faculdade que
lhe dá sua natureza, o homem cum-
pre sua vocação de animal políti-
co [...] comunicando-se com voz
articulada que produz sentido e,
assim, criando uma sociedade
política (NEVES, 2002, p. 17).

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


37

Tais afirmações que caracterizam a linguagem como uma exclusividade


humana é embasada por um estudo que o linguista francês Émile Benveniste
(1902-1976) desenvolveu, a partir de uma pesquisa elaborada pelo professor de
zoologia Karl Von Frisch, da Universidade de Munique, sobre o modo como as
abelhas são avisadas quando a operária descobre uma fonte de alimentos.
Para o linguista, não interessava a logística das abelhas, mas o modo como
conseguiam se comunicar de maneira tão eficiente, umas com as outras, na indi-
cação da distância e da direção da fonte alimentícia, mediante dois movimentos
sincronizados (dança em círculo para avisar que a fonte de alimento está a um
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

raio de 100 metros, ou vibrando o ventre e fazendo movimentos em forma de


número oito para avisar que a fonte está entre cem metros e seis quilômetros de
distância e também para apontar a direção).
As informações postas fizeram Benveniste (2005, p. 60) chegar à conclu-
são de que as outras espécies possuem códigos de sinais que as capacitam a se
comunicarem e, apesar dessa característica, o termo linguagem do mundo ani-
mal “só tem crédito por abuso de termos”. Dessa forma, registramos aqui mais
uma indagação: as informações ocorridas entre as abelhas como uma forma efi-
ciente de indicar o néctar pode ser considerada uma forma de comunicação ou
mesmo uma linguagem?
As experiências com as demais espécies têm mostrado que os outros ani-
mais também são capazes de exteriorizar sentimentos, como medo, fome, cólera,
dor, alegria etc. Por isso, as pesquisas atuais têm os designados como seres sen-
cientes (capazes de sentir as mesmas sensações primárias dos seres humanos).
Por esse motivo, quaisquer outras características biológicas e, inclusive,
comportamentais aplicadas aos animais podem também ser aplicadas aos seres
humanos. No entanto, a linguagem é característica única de nossa espécie e se
diferencia das ditas “linguagens” animais por meio de algumas características,
baseadas em Benveniste (2005):

Linguagem Humana e de Outros Animais: A Dança das Abelhas


38 UNIDADE I

LINGUAGEM HUMANA CÓDIGO DOS ANIMAIS (EX.: ABELHAS)


Canal: aparelho vocal. Canal: dança (gestual).
Limitação: não há limites de fuso Limitação: percepção visual e somente à
horário. luz do dia.
Provoca e produz respostas, Não exige resposta, mas conduta. Re-
transmite e retransmite a mesma produz a mesma informação a partir da
mensagem. realidade experimentada.
Uso ilimitado, criativo e variável de Uso limitado a um mesmo dado: direção e
conteúdos no tempo e no espaço. distância da fonte de alimento.
Predisposição físico-biológica, herdada

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Predisposição inata, mas precisa ser
como programação genética de ação e
aprendida (aspecto cultural).
reação.
Compõe-se de signos linguísti-
Compõe-se de dados físicos, mediante cau-
cos arbitrários, convencionados
salidade natural e seu conteúdo é global,
e articulados, decomponíveis em
não articulado e indecomponível.
elementos menores.
Quadro 1-Linguagem humana e códigos dos animais
Fonte: a autora.

Algumas características apresentadas sobre a linguagem humana, no referido


quadro, precisam ser exemplificadas em relação à questão dialogista, ao tempo
e ao espaço de sua produção, à predisposição inata e cultural e sobre os signos
arbitrários, convencionais e articulados.
a) Os deslocamentos temporais e espaciais da linguagem humana: os seres
humanos, em qualquer língua, conseguem se referir a momentos que
não se situam somente no presente, fazendo referências tanto ao passado
quanto ao futuro que está por vir. Ex.:
1) Viajarei só depois de amanhã.
2) Comprei esse livro na semana passada.

Ademais, essa característica também se refere à capacidade do ser humano em


produzir novas expressões linguísticas por meio da manipulação e da alteração do
inventário linguístico que possui, com o intuito de descrever novos fatos, objetos e
situações a partir de um número finito de elementos (as 26 letras do alfabeto brasi-
leiro), pois a capacidade de criação de novas expressões pelo ser humano é infinita.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


39

b) Predisposição inata e transmissão cultural da linguagem humana: dife-


rentemente de outras características herdadas geneticamente, a linguagem
tem de ser transmitida culturalmente. Embora tenhamos predisposição a
aprender uma língua, nossa capacidade de produzir expressões linguísti-
cas precisa ser estimulada.
c) Arbitrariedade, convencionalidade e articularidade dos signos linguísticos:
ao afirmar a arbitrariedade e a convencionalidade dos signos linguísticos,
significa que não há uma relação natural entre a forma linguística e o seu
significado. Assim, se compararmos a palavra árvore em várias línguas,
percebemos que nenhuma delas apresenta traços icônicos de motivação
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

natural, remetendo a um objeto com tronco, galhos, ramos e folhas, geral-


mente verdes, que pode produzir flores e/ou frutos:
Português Alemão Inglês Russo Japonês Francês
árvore Baum tree djerevo ki arbre
Quadro 2 - Árvore(s)
Fonte: a autora.

Veja que, diante da palavra “árvore”, não há traço comprobatório que caracterize
as palavras registradas nas diversas línguas e isso comprova sua arbitrariedade.
No que concerne às onomatopeias – sons que parecem lembrar objetos ou ani-
mais: o tic tac do relógio e o cri cri do grilo etc. –, elas não são consideradas
naturais, pois, se compararmos a título de exemplo o som do latido do cachorro
em várias línguas, logo perceberemos sua arbitrariedade:
Português Inglês Alemão Russo Espanhol Chinês Japonês
woof- guau- wou-
au-au wau-wau gav-gav wan-wan
-woof -guau -wou
Quadro 3 - Código canino
Fonte: a autora.

Por esse motivo, afirma-se que as palavras são arbitrárias e convencionais, ou seja,
estabelecidas, mediante uma espécie de acordo, por uma comunidade linguís-
tica. Além das características já apresentadas, a linguagem humana também se
define como duplamente articulada, sendo, pois, organizadas, simultaneamente,
em dois níveis distintos: o morfema e o fonema. Segundo Benveniste (2005):

Linguagem Humana e de Outros Animais: A Dança das Abelhas


40 UNIDADE I

[...] cada enunciado se reduz a elementos que se deixam combinar li-


vremente segundo regras definidas, de modo que um número bastante
reduzido de morfemas permite um número considerável de combina-
ções [...] que é a capacidade de dizer tudo. Uma análise mais aprofun-
dada da linguagem mostra que esses morfemas, elementos de signifi-
cação, se resolvem, por sua vez, em fonemas, elementos articulatórios
destituídos de significação [...] (BENVENISTE, 2005, p. 66).

Para compreendermos essa importante característica da linguagem humana,


é necessário o acesso à definição dos seguintes termos: articulação, morfema
e fonema. De acordo com Martelotta (2013), a noção de articulação deriva do
diminutivo articulus, do latim artus e quer dizer articulação dos ossos, membros

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ou partes do corpo. Ressignificando tal termo dentro do campo da linguagem,
ao afirmar que a língua é articulada, significa que os enunciados produzidos em
uma língua são divisíveis em partes/unidades menores, pois eles resultam da
união de elementos encontrados em outros enunciados.
Vamos exemplificar com a metáfora da locomotiva, por meio do enunciado:
as malas são bonitas. Cada elemento/parte (os vagões da locomotiva) de As-malas-
são-bonitas é autônomo e pode ser retirado ou deslocado para outros enunciados,
dependendo do interesse comunicativo do falante e das regras de formação da sua
língua (neste caso, a língua portuguesa brasileira). Se retirar o elemento -s- de -as-,
-malas-, -bonitas- passa a ser -a-, -m-a-l-a-, -bonita-. Neste caso, a retirada do
elemento -s- fez o enunciado perder sua marca de plural (denominado como desi-
nência de número), passando para o singular. Nesse exemplo, o -s- é denominado
um morfema, pois possui a menor unidade significativa da estrutura gramatical
de uma língua, determinando seu estado de plural (mais de um).
Ao observar o adjetivo -bonita-, verifica-se que a vogal -a- é uma desinên-
cia que marca o gênero feminino (bonito, bonita). Neste caso, o -a- de bonita
é um morfema, pois é a menor unidade significativa que marca o gênero do
enunciado. O morfema, ao ser identificado nos enunciados por meio de radi-
cais, vogais temáticas, prefixos, sufixos e desinências, faz parceria com outro

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


41

elemento denominado fonema. Este é definido, por Martelotta (2013), como inte-
grante da parte fonológica das línguas e é utilizado para formar o corpo sonoro
do vocábulo, possuindo função distintiva, pois, se trocar o som /a/ de -mala- e
acrescentarmos o som -u-, obteremos um novo enunciado (-mula-).
O exemplo capacita-nos a compreender a linguagem humana como dupla-
mente articulada, porque sua manifestação ocorre mediante a união de elementos
menores: o morfema que possui unidades significativas mínimas e o fonema (do
grego som, voz) que significa o menor elemento sonoro capaz de estabelecer a
distinção das palavras (de mala para mula, de pote para bote).
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Por meio dos pressupostos teóricos apresentados por Martelotta (2013),


a caracterização da linguagem como duplamente articulada resume-se em: a)
primeira articulação ou morfologia: constitui-se de elementos dotados de sig-
nificação (morfemas) e b) segunda articulação ou fonologia: constitui-se de
elementos não dotados de significado ou fonemas. Como exemplo dessa articu-
lação, o autor apresenta os fonemas /g/, /a/, /l/ e /a/ (gala). Se substituir o fonema
/g/ pelo /m/, gala transforma-se em mala, /a/ por /u/, transforma-se em gula, /l/
por /t/ em gata, /a/ por /o/, em galo.
De acordo com Benveniste (2005), as características elencadas no quadro
estabelecem as diferenças básicas entre a linguagem humana e as formas intera-
tivas e comunicacionais das outras espécies. Fato que justifica a inexistência de
uma linguagem, mesmo rudimentar, entre os outros animais, mas um conjunto
de código de sinais que os capacitam a interagir entre si e com outras espécies.
Para linguistas, como Lopes (2003), por mais eficiente que seja o sistema de
comunicação das abelhas, não pode afirmar que se trata de uma linguagem com-
parável à humana, haja vista que a comunicação entre animais irracionais está
voltada a questões de comportamento; enquanto a dos seres humanos, realizada
por meio de signos vocais, está voltada tanto para a questão comportamental
quanto para a intelectual e é desta última que a linguística se ocupa.

Linguagem Humana e de Outros Animais: A Dança das Abelhas


42 UNIDADE I

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
AFINAL, PARA QUE SERVE A LINGUÍSTICA?

Diante de algumas opiniões ancoradas em máscaras teóricas, mas repetidoras


de um senso comum que defende, irrefletidamente, a ineficácia da linguística
perante o contexto educacional de ensino de línguas, o referido tópico pauta-se
na busca de argumentos científicos que defendem esta ciência.
Vimos, no tópico 1 desta unidade, que a linguística é estudada em um âmbito
micro – fonética, fonologia, sintaxe, morfologia, lexicologia, semântica etc. – e
macro – linguística histórica, análise da conversação, psicolinguística, neurolin-
guística, linguística do texto, dialetologia, linguística computacional, estilística,
gerativismo, sociolinguística, pragmática, análise do discurso etc. Veremos o
modo de aplicação de algumas dessas correntes, a título de exemplificação prática.
Por se tratar de uma disciplina essencial para se refletir a língua em sua
dimensão social e também como guia para marcar limites culturais, ou mesmo
sua difusão por migração ou empréstimo, conforme afirma Borba (1998), ao pen-
sar em nós enquanto seres sociáveis e amparados na linguagem como o carro
chefe para guiar nossa vida em sociedade, a linguística é uma grande parceira
para estudar a cultura de um povo, por meio de observações do modo como a
realidade é representada pela língua, ou seja, pela visão peculiar que cada grupo
tem do mundo, por intermédio, por exemplo, da antropologia linguística e da
psicolinguística, além das já citadas.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


43

Para o autor, a antropologia linguística subsidiará o pesquisador a refletir


sobre como cada povo comporta-se diante de um objeto e, como exemplo, ele
cita o caso do beija-flor. Para nós, brasileiros, a denominação é dada pela ativi-
dade da ave (beijar as flores), para os franceses a ave é oiseau-mouche (pássaro
mosca) por causa do seu tamanho, e para os ingleses é humming bird (pássaro
que zumbi) por causa do ruído que produz.
Segundo Cagliari (2001), a linguística fornece subsídios para estudar a língua
por meio de várias áreas que compõem seu vasto campo teórico, a depender do
ponto de vista e do interesse de cada pesquisador. Este pode desenvolver pesqui-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sas amparadas na fonética, fonologia, morfologia, sintaxe, semântica, pragmática,


análise do discurso etc. Para o autor, por um lado, pode se estudar a língua pela
fonética que se preocupa com sons da fala e os seus mecanismos de produção
e audição, dando ênfase no aspecto descritivo da realidade fônica de uma lín-
gua, nas mais variadas situações. Por outro, ela também pode ser estudada por
meio da fonologia que estuda os sons, a partir da sua estrutura funcional. Veja o
seguinte exemplo: diante da pronúncia de potxi, txia, tudu e tapa por um falante,
a fonética constata e descreve a diferença notada, e a fonologia interpreta essa
diferença, atribuindo um valor único a esses dois sons, pois tx somente ocorre
antes da vogal i e t antes de outras vogais, que não seja o i.
Por intermédio da morfologia, estuda-se as unidades mínimas dotadas de
significados (morfemas) e suas possíveis combinações na formação de unidades
maiores. Como exemplo: a palavra casinhas têm três morfemas: casa + inha + s.
A sintaxe também é uma área da linguística que fornece suporte teórico para
explicar a estrutura sintática das construções das frases pela língua portuguesa
brasileira. Exemplo: em eu achei a bola, há um sujeito (eu) + um predicado (achei
a bola). A semântica também é uma área da linguística que se preocupa com o
significado das palavras contextualizadas em textos falados e escritos, de uma
forma diferente do modo como os dicionários atribui significados a ela. Cagliari
(2001) exemplifica esta à aplicação dessa corrente teórica com a palavra manga:
[...] a palavra manga é ambígua quando tomada isoladamente, mas
que, inserida numa frase real, num contexto linguístico verdadeiro,
tem chances mínimas de ser interpretada como ambígua, ficando claro
se se trata da fruta ou da parte do vestuário” (CAGLIARI, 2001, p. 45).

Afinal, Para que Serve a Linguística?


44 UNIDADE I

Pensar sobre a língua, a partir da análise de discurso, vai além das regras gra-
maticais e dos estudos das frases, pois se considera sua opacidade e incompletude
capazes de produzir diferentes efeitos de sentidos, diante de enunciados produzidos
por indivíduos (sujeitos) atrelados à história e ao social. Um assunto rico para com-
preender as posições ocupadas pelos seus sujeito e, como exemplo, apresentamos
o enunciado “ocupar”. Apesar da neutralidade (inocência) desse verbo, ele possui
diferentes efeitos se for enunciado por um grupo sem terra ou sem teto, já que para
os proprietários de tais terras ou moradia, o mesmo ato se torna uma “invasão”.
A linguística também oferece subsídios para se estudar a sociedade, por meio

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
da sociolinguística, que permite promover uma confluência entre a sociedade que
se serve da língua, sobretudo, a influência dos fatores sociais sobre ela que “se inte-
ressa particularmente pelos dialetos sociais ou registros, procurando caracterizá-los
e compreendê-los dentro do estatuto social de seus usuários” (BORBA, 1998, p. 80).
Para Bagno (2013), essa disciplina do campo da linguística fornece subsídios
teóricos para eliminarmos os preconceitos cristalizados em nossa sociedade que
também faz da língua um instrumento de manutenção da desigualdade social e
das permanentes lutas de classes. No dizer de Borba (1998), a variante linguística
que empregamos pode tanto nos valorizar quanto nos depreciar e, para exem-
plificar, ele cita a variante carioca enquanto sinônimo de sofisticação chique e o
dialeto caipira (principalmente do sul de São Paulo) como grosseiro.
Tais situações fazem-nos refletir que estudar a diversidade da língua em um
mesmo território (ou mesmo de outros países) também aprimora não só as questões
culturais, mas também as políticas que mantém, veladamente, o analfabetismo fun-
cional tal qual aqui no Brasil, Haiti e em muitas regiões africanas, e a manutenção de
preconceitos em relação a línguas de povos desvalorizados pela cultura capitalista.
Por intermédio da psicolinguística, Borba (1998) afirma que se estuda o com-
portamento do indivíduo por meio de sua participação do processo comunicativo,
procurando desvendar suas intenções – sensações, percepções, recordações, pen-
samentos, conceitos. Para o autor:
[...] codificar, decodificar, interpretar, responder são atitudes psicoló-
gicas dos usuários do sistema linguístico, e é essa área de atuação da
psicolinguística que abrange, então, os processos ligados à aquisição da
linguagem, ao desenvolvimento da linguagem infantil, à aprendizagem
de uma segunda língua (BORBA, 1998, p. 82).

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


45

As informações apresentadas subsidiam a importância da linguística para o ensino


da língua materna e de línguas estrangeiras, como o inglês, que faz parte do plano
pedagógico do curso de letras da UNICESUMAR. Para tratar desse campo do conhe-
cimento com foco no ensino, o autor salienta que a linguística contribui, enquanto
material básico, para atividades educacionais elementares e, por isso, ela deve ser ins-
trumento de ensino da leitura e da escrita, das habilidades de uso oral e de apreciação
literária. Para o autor, “ninguém desconhece que o desenvolvimento nacional em ter-
mos de civilização se mede pelo grau de educação do povo e esta inclui, em grande
parte, a habilidade no uso adequado das formas de expressão” (BORBA, 1998, p. 86).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

É neste contexto que defendemos a atuação de professores com formação e


conhecimento capazes de aplicarem a linguística (linguística aplicada) de forma
consistente no ensino tanto da língua materna quanto estrangeira aos educandos.
Pela linguística aplicada, é possível ir além da memorização sem sentido e sem
o adestramento focado no uso irrefletido de um conjunto de regras gramaticais.
Para Borba (1998), a instituição escolar deve motivar seus educandos nos
seguintes quesitos:
a) A língua falada é a mais constante, portanto, ela deve ser prioridade para
o desenvolvimento da leitura.
b) Conhecer a estrutura fonológica da língua ajudará a compreender e criti-
car o sistema ortográfico, produzindo efeitos no ensino de leitura e escrita.
c) Reconhecer e transmitir aos educandos que a língua é dinâmica, varia
no tempo e no espaço, fornecendo subsídios para o ensino da gramática.
d) Transmitir a natureza e a significação da língua auxilia na seleção do
vocabulário, desenvolvendo, no educando, a capacidade de compreen-
der e interpretar textos.

Nós, linguistas, não somos os causadores da derrocada da pureza da língua e muito


menos disseminadores de valorização de uma língua feia e errada, mas aqueles
que refletem sobre ela, em funcionamento, ou seja, no cotidiano das pessoas. Por
isso, não podemos esquecer da nossa função social, diante de uma disciplina que
não é “fogo de palha” e tem avançado, nos últimos anos, provocando mudanças
nos processos pedagógicos de ensino e aprendizagem da nossa língua materna,
em um contexto social brasileiro ainda permeado pelo ranço colonialista.

Afinal, Para que Serve a Linguística?


46 UNIDADE I

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, foi apresentado a você, aluno(a) do Curso de Letras, a linguística


enquanto disciplina voltada, exclusivamente, para o estudo científico da linguagem
humana. Para iniciar o processo de compreensão crítica, apresentamos alguns
conceitos e práticas relevantes do seu campo de estudo. Para iniciar a discussão,
fez-se necessário apresentar um questionamento sobre o que é a linguística, para
situar você nesse campo do saber que elegeu a língua como seu objeto de estudo.
Essa área do conhecimento também exige um profissional com uma qualifica-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ção específica para um mercado de trabalho que oferece várias oportunidades
de atuação, principalmente, o ofício de professor(a) e/ou pesquisador(a).
Por isso, fez-se necessário desestabilizar o senso comum, na apresentação
de diferenças conceituais entre linguagem, língua e fala, explicitando suas dife-
renças teóricas como fonte de compreensão que, entre outras coisas, tem na
variação justificativas de que elas não ocorrem ao acaso, imobilizando as causas
inócuas de mais um preconceito que vitimiza milhares de pessoas: o preconceito
linguístico (não esqueçam de assistir ao vídeo do linguista Marcos Bagno, dis-
ponível na leitura complementar).
As gramáticas tradicional, descritiva e internalizada também foram apre-
sentadas no intuito de não só de exemplificar algumas das diversas gramáticas
existentes, mas também desmistificar discussões que apresentam somente a gra-
mática tradicional como a única fonte de saber dessa língua inerente (exclusiva)
da espécie humana, conforme foi apresentado no tópico que tece diferenciações
entre ela e os códigos de interação emitidos por outras espécies.
Agora que somos detentores desse conhecimento, precisamos ampliar nos-
sas reflexões, por meio de um retorno histórico e temporal sobre os estudos da
linguagem humana dos nossos ancestrais e que será apresentado na Unidade II.

O CAMPO TEÓRICO DA LINGUÍSTICA: CONCEITOS GERAIS


47

1. A respeito da Linguística, redija sobre as seguintes questões:


a) O que é Linguística?
b) Qual é o seu objeto de estudo?

2. Defina as seguintes características da linguagem humana:


a) Deslocamentos temporais e espaciais:
b) Predisposição inata e transmissão cultural:
c) Arbitrariedade e convencionalidade:

3. Leia o seguinte anúncio de compra e venda de objetos:


Vitrola Zilomag e rádio Johnson operacionais. A vitrola funciona perfeitamen-
te, inclusive a função “automático”, que coloca os discos automaticamente no
prato. A máquina passou por revisão há 3 anos com técnico especializado em
som antigo [...]. Sou o segundo dono.
Considerando a palavra negritada “vitrola” como uma variação linguística, ava-
lie as informações a seguir e assinale a alternativa correta:
a) A palavra vitrola pode ser considerada uma variação linguística diastrática,
pois somente a classe média possui esse aparelho eletrônico na atualidade.
b) A palavra vitrola pode ser considerada uma variação linguística diatópica,
pois ela é denominada somente por pessoas que nasceram na capital pau-
lista.
c) A palavra vitrola pode ser considerada uma variação linguística diastrática e
diatópica, pois somente pessoas pertencentes à classe média alta da região
sul da Bahia possuem-na.
d) A palavra vitrola é definida, de um modo geral, como aparelho de reprodu-
ção de disco de vinil e, por estar oficialmente registrada em dicionários, não
se pode estudá-la como uma variedade linguística.
e) A palavra vitrola pode ser considerada uma variação linguística histórica,
pois a evolução tecnológica já superou esse aparelho, hoje considerado
uma relíquia.
48

4. A língua não é assunto somente de uma gramática, mas de gramáticas que


possuem objetivos específicos para se refletir sobre ela enquanto ferramenta
principal da comunicação humana. Diante da diversidade existente para essa
temática, atente-se ao enunciados propostos:
I. A gramática tradicional (ou normativa/prescritiva) é uma forma de se pensar
sobre a língua amparada em pesquisas científicas atuais que desconsideram
qualquer exemplo de arcaísmos.
II. A gramática descritiva, como o nome sugere, prescreve como se fosse uma
receita médica, a forma como devemos usar a língua, enquanto membro de
uma comunidade de fala.
III. A gramática internalizada pode ser definida como as regras usadas natural-
mente por falantes que a dominam e a compreendem em qualquer situa-
ção de fala e/ou escrita.
IV. A gramática tradicional remonta ao contexto da Grécia antiga amparada na
necessidade de imposição de uma língua ideal, fundamentada em textos
literários e sem preocupação de uso efetivo da língua.
É correto o que se afirma em:
a) I, apenas.
b) I e II, apenas.
c) III, apenas.
d) III e IV, apenas.
e) II e III, apenas.
5. Linguística? O que é isso? Diante dessa reflexão, podemos apresentar as se-
guintes respostas: não é um lixo acadêmico e muito menos tese absurda que
presta um desserviço aos jovens estudantes do curso de Letras. Ela vai além de
respostas pautadas no senso comum. Considere as assertivas como verdadei-
ras e falsas:
I. A linguística define-se como uma ciência, oficialmente inaugurada no início
do século XX, por meio do lançamento da obra Curso de Linguística Geral, de
Ferdinand de Saussure.
49

II. A linguística, ao se estabelecer como uma ciência autônoma, reflete sobre a


língua pelo viés das tradições grega e romana, considerando as bases filosó-
ficas e lógicas para se estabelecer.
III. A linguística passou por desdobramentos teóricos, resultando em ramifica-
ções que refletem sobre a língua, a partir de campos de estudos específicos,
como: fonética, sintaxe, morfologia, sociolinguística e análise do discurso.
IV. A linguística é preconceituosa, pois, ao considerar a imutabilidade da lín-
gua, não acompanha a evolução social, justificando sua condenação a toda
e qualquer possibilidade de variação.
A sequência correta está em:
a) V, V, V, V.
b) F, F, F, F.
c) V, F, V, F.
d) F, V, F, V.
e) V, V, F, F.
50

O QUE É LINGUÍSTICA?
Eni Orlandi é uma linguista que, ao longo de sua carreira, publicou várias obras para tra-
tar, especificamente, da língua. Dedicamos o espaço para uma obra que traz importan-
tes elucidações sobre a história da linguística, desde o desenvolvimento do pensamento
linguístico, por meio de abordagens que retratam seus precursores, até a linguística mo-
derna, a sua aplicação, bem como as suas concepções acerca do objeto de estudo que
têm em comum: a língua.
Assim, no primeiro capítulo, a autora discute a necessidade humana de obter conheci-
mento que, por sua vez, ocorre, sobretudo, via linguagem. Por isso, segundo ela, o inte-
resse do homem pela linguagem remonta aos tempos mais longínquos, embora tenha
alcançado status de ciência somente a partir dos estudos de Ferdinand Saussure, com o
advento da Linguística Moderna.
Antes de se ater, contudo, a esse momento em si, a autora destaca obras e autores cujas
contribuições foram decisivas: tratam-se, por exemplo, das gramáticas gerais do século
XVII e das gramáticas comparadas do século XIX, que constituem os alicerces sobre os
quais se assentaram as bases de duas tendências dos estudos linguísticos: o Formalismo
e o Sociologismo.
Já no terceiro capítulo, a autora dá prosseguimento à sua obra destacando como marco
inicial da Linguística Moderna o Curso de Linguística Geral, de Ferdinand Saussure. Den-
tre os principais postulados dessa obra está o estabelecimento de quatro disciplinas que
correspondem, por seu turno, a diferentes níveis de análise: fonologia, morfologia, sin-
taxe e semântica. A partir dessas definições, Saussure apresenta, também, as chamadas
dicotomias (língua X fala; sincronia X diacronia; sintagma X paradigma; significado X sig-
nificante). Assim, segundo o estudioso, a linguística deveria se dedicar, primeiramente,
ao estudo da Langue, ou seja, da língua, e, por extensão, deveria considerar a sincronia.
Definia-se, então, aquilo que Ferdinand denominou Sistema e que, posteriormente, foi
definido por seus sucessores por Estrutura.
Orlandi ensina-nos que o estudo das estruturas linguísticas deu origem a outra linha de
pensamento linguístico, que é o Funcionalismo. Essa linha, por seu turno, considera as
funções dos elementos desempenhadas sob qualquer um de seus aspectos.
51

Na sequência, agora no quarto capítulo, a autora dá continuidade ao assunto afirmando


a existência de mais de um Funcionalismo e destaca aquele para o qual as funções que
constituem a natureza da linguagem devem ser consideradas, pois caracterizam o papel
de cada elemento no processo comunicativo: expressiva (centrada no emissor), conativa
(centrada no receptor), referencial (centrada no referente), fática (centrada no canal),
poética e metalinguísticas (centradas no código).
No quinto e último capítulo, Orlandi deixa entrever a importância de a linguagem não
ser engessada a uma única teoria, pois não há apenas uma maneira de pensá-la.
Destarte, a autora aponta algumas linhas de pensamento que ligaram diferentes épocas
no único objetivo, que é compreender a linguagem. Para tanto, ela ainda faz algumas
indicações bibliográficas que, com certeza, são muito importantes para a compreensão
mais exaustiva e abrangente dessa ciência que é a Linguística.
Fonte: adaptado de Orlandi (2009).
MATERIAL COMPLEMENTAR

No vídeo indicado, o linguista Marcos Bagno discute questões sobre a língua e suas
variações, o preconceito linguístico e suas consequências sociais. Acesse: <https://
www.youtube.com/watch?v=UbdSNWv9XDQ&feature=youtu.be>.
53
REFERÊNCIAS

BAGNO, M. Preconceito linguístico: o que é, como se faz. 55. ed. São Paulo: Loyola,
2013.
BENVENISTE, E. Problemas de linguística geral I. Tradução de Maria da Glória No-
vak e Maria Luisa Neri. 5. ed. Campinas: Pontes, 2005.
BORBA, F. S. Introdução aos estudos linguísticos. 12. ed. Campinas: Pontes, 1998.
CAGLIARI, L. C. Alfabetização & linguística. 10. ed. São Paulo: Scipione, 2001.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. História da linguística. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
CUNHA, A. F.; COSTA, M. A.; MARTELOTTA, M. E. Linguística. In: MARTELOTTA, M. E.
Manual de linguística. 2. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2013, p. 15 - 30.
DUBOIS, J. Dicionário de linguística. São Paulo: Cultrix, 2001.
FIORIN, J. L. Prefácio. In: ______.(Org.) . Introdução à linguística. 6. ed. 2. reimp. São
Paulo: Contexto: 2012.
GUIMARÃES, T. C. Comunicação e linguagem. São Paulo: Pearson, 2012.
LUFT, P. C. Língua & liberdade: por uma nova concepção da língua materna e seu
ensino. Porto Alegre: L&PM, 1985.
LOPES, E. Fundamentos da linguística contemporânea. São Paulo: Cultrix, 2003.
MARTELOTTA, M. E. Conceitos de gramática. In: ______. Manual de linguística. 2.
ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2013, p. 43 - 70.
ORLANDI, E. P. O que é Linguística. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009.
NEVES, M. H. M. A gramática: história, teoria e análise, ensino. São Paulo: UNESP,
2002.
POSSENTI, S. Por que (não) ensinar gramática na escola. Campinas: Mercado das
Letras, 1996.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo
Paes e Izidoro Blikstein. 17. ed. São Paulo: Cultrix, 1993.
WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. Tradução de Marco Bagno. São
Paulo: Parábola, 2012.

REFERÊNCIA ON-LINE
1
Em: <https://www.youtube.com/watch?v=9LA-8nzO9XE>. Acesso em: 27 dez. 2017.
GABARITO

1.
a) A linguística é uma ciência que tem o objetivo de estudar a linguagem humana.
b) O objeto de estudo da linguística é a língua.
2.
a) Refere-se à linguagem humana, considerando o deslocamento temporal e
espacial, significa que o falante, de qualquer idioma, consegue se referir ao
momento presente, passado ou futuro. Além disso, ele também consegue se
locomover em diferentes espaços (aqui, lá, na rua, cinema etc.).
b) O ser humano saudável (sem nenhuma patologia) nasce pronto para se comu-
nicar. No entanto, para que tal habilidade seja desenvolvida (apesar da predis-
posição inata), ele precisa estar inserido em uma comunidade com pessoas que
fazem uso prático dessa habilidade, justificando a transmissão entre as gerações.
c) A arbitrariedade e a convencionalidade é uma característica dos signos lin-
guísticos que justifica a relação não natural (artificial) e, portanto, convencio-
nal (uma espécie de acordo entre os falantes) entre a forma linguística e o seu
significado.
3. Alternativa E.
4. Alternativa D.
5. Alternativa C.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva

II
ESTUDOS DA LINGUAGEM

UNIDADE
HUMANA: PERCURSO
HISTÓRICO

Objetivos de Aprendizagem
■ Apontar, cronologicamente, os primeiros estudos linguísticos.
■ Apresentar como os estudos da linguagem ocorreram no antigo
Egito.
■ Compreender o modo como ocorreu os estudos da linguagem na
Índia antiga.
■ Conhecer o método dos estudos da linguagem na Arábia antiga.
■ Compreender o modo como se desenvolveu os estudos da
linguagem na Grécia antiga.
■ Refletir sobre os estudos da linguagem na antiga Roma e estabelecer
relações entre esta e a língua portuguesa de Portugal.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ A linguagem humana no túnel do tempo
■ Os estudos da linguagem no Egito
■ Os estudos da linguagem na Índia
■ Os estudos da linguagem na Arábia
■ Os estudos da linguagem na Grécia
■ Os estudos da linguagem em Roma
57

INTRODUÇÃO

Nesta unidade, faremos uma incursão nos períodos históricos dos estudos da
linguagem, apresentando a forma como os povos antigos, a saber, os egípcios,
hindus, árabes, gregos e romanos, desenvolviam seus estudos sobre a linguagem,
conforme os interesses de cada civilização.
O objetivo principal é iniciar uma reflexão sobre os referidos estudos, de
modo a anunciar os preceitos básicos sobre como eles ocorreram e se desen-
volveram, possibilitando a você, aluno(a), o início de um pensamento científico
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

sobre a linguagem, a partir da contribuição dos povos antigos, estabelecendo os


fundamentos posteriores da linguística moderna de Ferdinand de Saussure, no
início de século XX.
Esta unidade será dividida em partes que contemplam os estudos da lingua-
gem nas principais civilizações antigas, considerando, principalmente, as que
tiveram influência direta na formação da nossa língua materna (a portuguesa
brasileira). Apresentaremos um panorama geral de como se deu a formação da
escrita na antiguidade, pois foi a partir desse acontecimento que iniciaram tais
reflexões, antes somente ocorridas no nível do oral.
Cada tópico apresentará a essência dos estudos realizados por um campo
de saber que vislumbrava compreender a língua, bem como aplicá-la nos pro-
cessos de expansão e dominação de outros povos e na manutenção da cultura,
religião, coesão política e continuidade da divisão de classes entre os povos da
própria nação.
A dedicação aos estudos gramaticais, na Grécia Antiga, justifica-se por ser
considerada o berço da civilização ocidental, resultando, portanto, em impor-
tantes pesquisas que originaram compêndios gramaticais tradicionais e, por
conseguinte, respaldando a formação da língua latina (romana). Esta será abor-
dada na sequência, pela sua importância na constituição da língua portuguesa,
que atuou diretamente na formação da língua que hoje praticamos, devido à
colonização do Estado brasileiro ter ocorrido pelos portugueses.

Introdução
58 UNIDADE II

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
A LINGUAGEM HUMANA NO TÚNEL DO TEMPO

A compreensão dos fatos científicos que compõem os estudos sobre os fenômenos


da linguagem humana, hoje, requer um retorno sobre os primeiros manifestos
registrados nesse campo do saber, que surgiram em sociedades com interes-
ses voltados aos segmentos políticos, culturais, religiosos e econômicos no seu
modelo de governança. Tais interesses necessitavam de conhecimento sobre os
saberes da língua, pois ela se concebia como uma grande aliada para atender
um modelo de gestão sobre:
[...] a administração dos grandes Estados, a literarização dos idiomas e
sua relação com a identidade nacional, a expansão colonial, o proseli-
tismo religioso, as viagens, o comércio, os contatos entre línguas, [...]. O
purismo e a exaltação da identidade nacional com seu acompanhamen-
to de constituição / preservação de um corpus literário (seja religioso
ou profano) (AUROUX, 1992, p. 28).
Por esse motivo, os estudos sobre a linguagem se caracterizavam, primordial-
mente, por seu grande enfoque na escrita, havendo escassos conhecimentos
sobre a estrutura da linguagem, que estavam intimamente associadas com o
surgimento da escrita. É importante mencionar que os sistemas de escrita desen-
volvidos nesses locais, primordialmente sistemas hieroglíficos, evoluíram para

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


59

sistemas alfabéticos, tendo sido adaptados pelos gregos, chegando aos nossos
dias. Por conseguinte, tais estudos nas diferentes civilizações se desenvolveram
à medida que surgia a necessidade de preservar e descrever a língua, bem como
unificar os territórios conquistados.
Antes de chegarmos às questões relacionadas às teorias linguísticas moder-
nas, que serão apresentadas nas unidades IV e V, ou seja, para a fase da linguística
propriamente dita, faremos uma incursão nos diferentes períodos históricos deno-
minados como pré-linguísticos, de acordo com Câmara Júnior (2011). Isso se
faz necessário pelo fato de as obras e tratados, criados em tais épocas, apresen-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tarem grande repercussão e exercerem enorme influência ainda hoje, tal qual a
gramática normativa prescritivista, pensada, pelos estudiosos da Grécia antiga,
há mais de 2000 anos e que ainda perdura nas aulas de ensino de língua portu-
guesa, apesar dos inúmeros debates em torno da pouca aplicabilidade, diante
das mutações em que passaram o português brasileiro.
Para o autor, o interesse das nações em desenvolver tais estudos justifica-se
na trivialidade da linguagem em nossa vida social, pois as pessoas, já nos primei-
ros anos de suas vidas, começam a falar de um modo tão natural, espontâneo e
inconsciente, quanto o ato de caminhar. No entanto, conforme a sociedade foi se
desenvolvendo e, por conta disso, tornando-se mais complexa, houve necessidade
de registrar acontecimentos, preservar culturas, religiões, estabelecer acordos polí-
ticos etc. Para que isso ocorresse, fez-se necessário inventar a escrita, percebendo:
[...] existência de formas linguísticas, à medida em que eles tentam re-
duzir os sons da linguagem à modalidade escrita convencional. É uma
nova atitude social que faz com o pensamento humano focalize, com
atenção, as maneiras como falamos [...]. Cria-se, desse modo, um novo
clima na vida social em relação à linguagem e seu estudo pode desen-
volver-se através do impacto de fatores sociais e culturais (CÂMARA
JÚNIOR, 2011, p. 16).

Tais conceituações legitimam a importância do registro desse papel fundador


dos estudos sobre a linguagem na prática contemporânea, seja para disseminá-
-los por aqueles que se propuseram a pensar cientificamente sobre ela, seja para
fins de curiosidade pessoal, justificando, segundo Auroux (1992) as formas que
constituem o saber linguístico no tempo e como tais formas se criam, evoluem,
se transformam ou desaparecem.

A Linguagem Humana no Túnel do Tempo


60 UNIDADE II

As mutações ocorridas em torno da linguagem encontraram, na escrita,


a condição necessária para se produzir um saber linguístico que registrava as
reflexões de nações como, por exemplo, os babilônios, egípcios, sumerianos, acá-
dios, chineses, hindus, árabes, gregos e romanos. O primeiro sistema de escrita
de que se tem notícia surgiu no Oriente Médio e, segundo Higounet (2003), sua
importância se justifica por meio do seu mecanismo de expressão permanente,
bem como da reprodução da linguagem articulada que tanto apreende o pensa-
mento quanto atravessa o tempo e o espaço, fazendo parte da base da civilização
e dos avanços já registrados.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Por isso, os estudos sobre a linguagem sempre fez (e faz) parte da nossa
história e vai sendo reconfigurada, conforme as necessidades e evoluções do
momento social. Para exemplificar, basta pensar um pouco sobre a escrita nos
aparelhos eletrônicos, por meio dos teclados, mecanismos de captura de voz etc.
A criação da escrita consequentemente também deu origem à necessidade de
ensiná-la, surgindo inúmeras escolas de escribas, sobretudo no Egito, na Suméria
e na Babilônia, diante da necessidade de se aprender a ler e escrever, bem como
da preservação de aspectos básicos de manutenção da unicidade, nacionalidade,
religiosidade e cultura das civilizações.
Segundo Janson (2015), estamos lidando com questões a serem pensadas
por meio de suposições, pois conforme a maioria dos autores que pesquisam a
temática acreditam, tais estudos sobre a linguagem, provavelmente, originaram-
-se com a invenção da escrita pelos povos sumérios, na Mesopotâmia, em uma
região entre os rios Tigre e Eufrates, por volta de 3.000 a.C. Para o autor, o povo
sumério, antes de desaparecer e serem sucedidos pelos acadianos e estes pelos
assírios, deixou um sistema de escrita denominado cuneiforme (caracteres em
forma de cunha) registrado em tabuinhas de argila e, posteriormente, dissemi-
nados e reconfigurados segundo as necessidades sociais dos povos. Ademais, à
medida que as nações iam conquistando outros territórios e tendo contato com
outras civilizações e suas línguas, consequentemente surgiu a necessidade de
desvendar textos desconhecidos, conforme será relatado nos tópicos seguintes.

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


61
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NO EGITO

Segundo Janson (2015), a civilização egípcia, por ser um Estado forte, centra-
lizado e populoso, que controlava parte da região do rio Nilo, disseminava sua
cultura, os monumentos, obras de artes e resquícios arqueológicos. A língua egíp-
cia, e seu registro pela escrita hieroglífica, era um instrumento imprescindível,
utilizado em acordos políticos, econômicos e administrativos do faraó. Outro
fato registrado pelo autor está no empreendimento de construção das pirâmides
que, diante da necessidade de milhões de operários para construí-las e toda uma
logística de gestão dessas pessoas, era essencial falar a mesma língua.
Já temos informações sobre o fenômeno da variação linguística e sua perma-
nente possibilidade de mudanças e fragmentações, conforme foi apresentado na
Unidade I. Fato que faz emergir alguns questionamentos sobre como um Estado
manteve seu povo falando a mesma língua, sem deixar predominar os diversos
dialetos constituintes de todas as nações. Para o autor, a língua falada egípcia
mudou (como todas mudam), mas foi impedida de se subdividir pela homoge-
neidade política do Estado, e a necessidade de uma comunicação unificada por
todo o país manteve-se por meio do sistema hieroglífico, pois:
[...] aqueles que habitavam o Império do Egito simplesmente tinham
de ficar apegados à língua egípcia. Esse país é o primeiro exemplo de
como um povo falando uma língua estabeleceu um grande Estado e o
dominou por muito tempo. A língua e o Estado se tornaram, por assim
dizer, aliados, apoiando-se reciprocamente (JANSON, 2015, p. 67).

Os Estudos da Linguagem no Egito


62 UNIDADE II

O autor afirma que, diante de um Estado populoso e com grandes e ousados


projetos arquitetônicos, as suposições apresentadas é de que havia altos tributos
impostos à população, resultando na necessidade de se criar um sistema com
datas de entrega, fiscalizações, listas de impostos, recibos, contribuintes etc., ou
seja, não há outra possibilidade de administrar, senão pelo registro de figuras
(hieróglifos/signos) para representar os sons da língua, o sentido abstrato ou gra-
matical e, consequentemente, o objeto e a ideia a ser transmitida.
Um empreendimento complexo e para poucos especializados, pertencentes
ao mais alto escalão da sociedade egípcia, que tinham como ofício a leitura e a

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
escrita de documentos oficiais. Para a maioria da população analfabeta, além de
pagar os impostos, restava apenas visualizar as “diversas inscrições, em geral glo-
rificando o faraó ou alguma outra pessoa importante, e inúmeros monumentos
funerários. Mas, afora isso, eram raríssimos os textos que o público geral pudesse
ler” (JANSON, 2015, p. 70).
Conforme o registro do autor, a língua egípcia foi oficialmente utilizada
pelo Estado por cerca de 2.700 anos, perdurando até a conquista do Egito por
Alexandre, em 323 a.C. Um acontecimento que deu início ao seu enfraqueci-
mento, em virtude da concorrência com a língua grega. Mas há outras civilizações
que é importante termos acesso, para compreendermos aspectos que influen-
ciaram direta e indiretamente na formação de uma conjuntura sobre os estudos
da linguagem como, por exemplo, a Índia e a Arábia.

OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA ÍNDIA

Segundo Kristeva (1969), os estudos da linguagem, na Índia, datam do século V


a.C. e apresentam um diferencial, pois a construção da sua teoria deu-se pelo regis-
tro da literatura sacra de hinos sagrados, cantados em língua sânscrita védica (de
vedas e que significa saber sacro). A especificidade desses rituais religiosos está na
transmissão oral dos documentos sagrados, e os sacerdotes hindus acreditavam

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


63

que a pronúncia original do


sânscrito védico deveria ser
preservada, devido ao seu
caráter sagrado e divino. Por
conta disso, quando essa lín-
gua deixou de ser falada, ou
seja, passou a ser considerada
uma língua morta, os estudio-
sos foram obrigados a decifrar
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

os registros orais que eram


transmitidos, justificando a
função primordial dos estu-
dos da linguagem indiana.
Diante da primazia da fala imposta pelos sábios e, por conta disso, ocu-
pante de um lugar privilegiado nos hinos védicos que sistematizaram a fala, o
discurso religioso védico era subdividido em quatro partes, mas somente uma
era considerada a língua dos homens e acessível a eles, oriunda de uma rami-
ficação denominada brahman (fala sagrada, palavra mágica), pois, segundo os
preceitos indianos, os humanos somente têm capacidade de reconhecer a parte
mínima da língua sânscrita védica.
Assim, diferentemente do que ocorreu em outros lugares, a prioridade dos estu-
dos da linguagem, ocupante de um lugar de honra no contexto social indiano, fora
desvendar o que se falava nos textos religiosos e, consequentemente, sua transforma-
ção em outras línguas cuja pronúncia estava sofrendo grandes alterações, havendo,
pois, a necessidade de registro, por meio de uma ciência materializada em gramáticas.
De acordo com Kristeva (1969), entre as gramáticas mais conhecidas está a
do hindu Pãnini, pois, além de ser considerada a primeira gramática de que se
tem notícia, ela registrou, detalhadamente, o sânscrito em uma obra subdividida
em 8 livros, denominada ashtadhyahyi. Uma grande produção formada a partir
de quatro mil máximas ou sutras com regras gramaticais capazes de reunir as
teorias linguísticas anteriores, transmitidas oralmente nos rituais religiosos do
povo indiano, contemplando a organização fônica da língua, os sons, a articu-
lação e sua ligação com a significação (o sentido/som da fala).

Os Estudos da Linguagem na Índia


64 UNIDADE II

A complexidade de sua obra, no que tange ao tratamento dado à sintaxe, à


morfologia e à fonologia, foi empregada, ainda que indiretamente, pelas teorias
linguísticas modernas, dado o seu estágio avançado; além disso, estudavam-se
as leis da melodia, do ritmo, da métrica e da fonética. Sobretudo, no estudo dos
sons da fala e na sua classificação com base em características articulatórias, os
antigos hindus fizeram um progresso significativo.
A gramática de Pãnini representa, portanto, o apogeu do pensamento grama-
tical hindu, constituindo-se em modelo a ser imitado pelos gramáticos seguintes,
por meio de uma construção metodológica própria e uma metalinguagem alta-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
mente formalizada, demonstrando, desde aquela época, uma preocupação com a
linguagem. Essa gramática apresentava um caráter descritivo e, apesar de apresen-
tar um rigor lógico notável, a sua importância seria apenas considerada por volta
do século XIX, quando a gramática histórico-comparativa estava em seu apogeu.
Pãnini parte do significado e do objetivo comunicativo, passando pela mor-
fologia voltada às raízes dos verbos sânscritos, culminando com o tratamento
da sintaxe e preciosas informações sobre a fonética do sânscrito que se encon-
tram diluídas no corpo do texto principal da gramática. As explicações de Pãnini
apresentam-se como breves aforismos (ou sutras), de modo a facilitar a sua memo-
rização, dado que a gramática era voltada para fins de rituais religiosos. Além de
terem sido revolucionários relativamente à descrição gramatical, os hindus tam-
bém obtiveram realizações notáveis no campo da lexicografia e da etimologia.
Outros pensadores hindus, por sua vez, voltaram a sua atenção para a filo-
sofia da linguagem, tratando, inicialmente, dos contos mitológicos e dos textos
religiosos e, posteriormente, dos trabalhos filosóficos e gramaticais. A língua era,
por eles, reconhecida como a divindade suprema, e a discussão dos problemas
da linguagem era característica comum a praticamente todos os representantes
dos principais sistemas filosófico-religiosos hindus. Essas ideias, que formaram
a base das tradições linguísticas védicas hindus, espalharam-se muito além das
fronteiras da Índia, muitas vezes atreladas ao budismo, e continuaram sendo
desenvolvidas na Idade Média e na Índia moderna.
Posteriormente, ou seja, com os estudos sobre a linguagem desenvolvidos
pelos comparatistas, durante o século XIX, a língua sânscrita, incluindo-se aí a
obra de Pãnini, exerceu uma influência significativa na formação da linguística

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


65

histórico-comparativa, pois os pensadores comparatistas acreditavam que a antiga


língua sânscrita era o ancestral de todas as línguas indo-europeias (a língua mãe
de todas as línguas europeias) pelo fato de ela apresentar uma grande perfeição
e abundância de formas parecidas com as línguas estudadas.
O período védico perdurou até o século VI a.C., quando surgiram novas ide-
ologias e religiões que transformaram o ambiente intelectual do país mediante o
pensamento de reformadores, entre os quais, citamos o filósofo e reformador social
Buda. Embora os estudos da linguagem hindu sejam considerados como de influ-
ência indireta na formação da nossa língua portuguesa brasileira, é notável sua
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

importância pela dedicação no campo da fonética, hoje um ramo da linguística de


grande importância, e também pelo fato de se ter produzido a primeira gramática.

OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA ARÁBIA

Segundo Kristeva (1969), a língua foi um importante componente para a história


da civilização árabe, pois representava a sabedoria da nação, sendo, pois, concebida
como um dever nacional e uma exigência religiosa. Essa concepção de língua, atre-
lada à expansão rápida desse povo, fez dele uma grande nação capaz de constituir
o Califado Árabe, levando consigo o Alcorão, livro sagrado do Islã, fundado oral-
mente pelo religioso e líder político Maomé e que, posteriormente, serviu de base
para fixar as normas do árabe clássico escrito, vindo a ser “a língua da religião, da
administração e da cultura no império recém-estabelecido” (JANSON, 2015, p. 120).
A língua árabe difundiu-se nas regiões conquistadas, assumindo o papel de
língua da religião, do estado, da educação e da ciência, de modo semelhante a
como se sucedeu com a língua latina no Ocidente. A situação econômica e política
obrigaram os árabes a se interessarem cientificamente pelas questões linguísticas,
bem como atribuir, à língua, um lugar de honra, marcando o início dos empre-
endimentos para estabelecer uma tradição de estudos gramaticais na Arábia.
Dentro do aspecto religioso, o Alcorão define-se como “[...] monumento

Os Estudos da Linguagem na Arábia


66 UNIDADE II

escrito da língua que é necessário


saber decifrar e pronunciar corre-
tamente para ter acesso aos seus
ensinamentos” (KRISTEVA, 1969,
p. 153). Uma questão que justifica a
luta dos árabes em traduzi-lo para
as nações conquistadas, sem alte-
rar a palavra sagrada, respeitando
a preservação do texto original e

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
a pureza da língua e um interesse
extremo pela fonética. Isto é, um
trabalho considerado como a mais
importante tarefa nacional, diante
das necessidades de imposição da
língua, da cultura e da religião do império árabe às nações invadidas e, por conta
disso, obrigadas a se submeterem aos costumes do invasor. Sobre essa questão,
argumenta-se que:
[...] nas sociedades conquistadas pelo império árabe começa-se a
aprender a língua, e a escrita árabe torna-se juntamente com o Corão
o objeto de uma sacralização. Já não se escreve apenas para fixar uma
fala: a escrita é um exercício ligado à prática da religião, é uma arte, e
cada povo utiliza o seu estilo ornamental próprio na execução dessas
grafias (KRISTEVA, 1969, p. 155).
Uma das ações da política de conquista árabe era substituir as línguas dos povos
conquistados e aplicar a língua árabe nos campos administrativos, comerciais
militares, de ficção, filosóficos e, principalmente, no religioso. Esse interesse
expansionista em disseminar sua língua e religião permitiu, a partir do século
II, a criação das primeiras escolas linguísticas, entre as quais, as mais importan-
tes é de Basra e, posteriormente, a de Cufa.
O registro da primeira gramática árabe é dedicado ao fundador Abu l-Aswad
al-Du’ali, mas foi somente por meio da obra Al-Kitab, redigida por um aluno
de Siibawayhi que se pôde considerar como o primeiro tratado gramatical da

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


67

língua árabe de que se tem notícia, datado do século VIII d.C. O que se percebe
no objetivo principal dessa obra é: ensinar o árabe, língua do Alcorão, a outros
povos e também preservar a forma do árabe clássico.
Entre as escolas de Basra e de Cufa, ocorriam constantes debates a respeito
da gramática da língua árabe. Basra apresentava uma visão analogista, com ten-
dências puristas, aderindo às normas clássicas da língua poética e do Alcorão
Cufa, por sua vez, apresentava uma visão anomalista, admitindo a existência de
anormalidades, especialmente no campo da sintaxe e enfatizando a língua falada.
Assim, a gramática tinha um objetivo primordialmente pedagógico, pois
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visava a ensinar a língua árabe. Nessa obra, Siibawayhi procura detalhar muitos
fenômenos sintáticos, morfológicos e fonéticos com base nos conhecimentos
desenvolvidos por vários antecessores e contemporâneos. A sua gramática repre-
senta o modelo gramatical para o mundo árabe, da mesma forma como a obra
de Pãnini representa o modelo gramatical para o mundo hindu.
A escrita árabe, segundo Janson (2015), tornou-se tão imutável e estável
quanto o latim e tinha uma autoridade incontestável por ter sido baseada em
texto sagrado, mantendo-se o modelo arcaico ainda nos tempos atuais e provo-
cando problemas por causa da variação oralizada, dialetos locais, neologismos
etc. Sobre essa divergência, o autor faz o seguinte relato:
a situação linguística sem dúvida se transformará. Atualmente, o árabe
clássico escrito está em uso mais geral do que jamais esteve antes, visto
que o letramento se tornou a regra e as sociedades estão mudando. O
padrão escrito não pode permanecer inalterado, mas terá que se adap-
tar aos novos usuários e aos novos tipos de usuários. Já é evidente que
novos registros da língua escrita estão se desenvolvendo nas mensagens
eletrônicas, nos blogs e em outras instâncias (JANSON, 2015, p. 129).

Os dados sobre os estudos da linguagem árabe, apresentados neste tópico, nos


situam sobre os procedimentos realizados em outras regiões, os quais tiveram
influência apenas indireta na formação da nossa língua materna que tem sua ori-
gem pautada nas línguas grega, latina e portuguesa. Ademais, percebemos que
os objetivos assemelham-se, pois os interesses das nações em estudar e dissemi-
nar sua língua pautam, geralmente, em causas políticas, econômicas e religiosas,
conforme veremos nos tópicos seguintes.

Os Estudos da Linguagem na Arábia


68 UNIDADE II

OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA GRÉCIA

Já sabemos que, desde a inven-


ção da escrita (e talvez muito
antes disso), vem se pensando
sobre a linguagem, justifi-
cando o retorno histórico aqui
apresentado para auxiliar na
compreensão das reflexões

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científicas sobre a linguística
dos nossos dias. Por isso, retor-
naremos até a Grécia Antiga,
pois a base da nossa língua
portuguesa brasileira tem sua
origem fundamentada no alfa-
beto grego, posteriormente
ressignificada pelos romanos (latinos), vindo a ser a língua oficial de Portugal. Fato
que justifica a importância deste tópico, pois, durante muitos séculos, as reflexões
filosóficas dos gregos serviram de base para os estudiosos europeus sistematiza-
rem seus estudos, corroborando, sem dúvida, para o pensamento linguístico atual.
Segundo Kristeva (1969), o sistema de escrita do povo fenício serviu de base
e inspiração para os gregos criarem o seu alfabeto, adaptando a sua língua cujo
diferencial está na inserção das vogais e a designação de um nome para cada
letra (a: alfa; b: beta etc.), qualificando o povo grego como o primeiro a utilizar
uma escrita alfabética e também como o inventor da gramática como sinônimo
da “arte de bem escrever”.
Weedwood (2002) afirma que os gregos atribuíram à língua um lugar de
extrema importância diante das necessidades econômicas, sociais e de um voca-
bulário técnico e conceitual para solucionar os problemas daquela época.

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


69

Neste direcionamento, cabe registrar duas reflexões importantes de base


platônicas para os estudos linguísticos posteriores que nortearão os estudos das
unidades IV e V deste material:
a) A linguagem tem caráter natural ou convencional?
b) A linguagem está vinculada à realidade ou é arbitrária?

Para responder tais questões, apropriamo-nos, teoricamente, de Weedwood (2002)


para afirmar que os estudos da linguagem pelos gregos remontam ao século V a.C.
como um ramo da filosofia que tivera seu primeiro embasamento em um texto,
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escrito por Platão (429-347 a.C), denominado Crátilo. Essa obra pode ser conside-
rada o primeiro tratado sobre a origem e a natureza da linguagem, apresentando
vários questionamentos e controvérsia entre naturalistas e convencionalistas.
Foi um tempo de muitos questionamentos na cidade de Atenas, pois os filó-
sofos pré-socráticos, entre eles Platão, identificaram duas forças vitais, ou seja, a
phýsis que significa a natureza, o poder inexorável que governa o mundo visível
e o nómos (ou thésis) que significa convenção. Pensando exclusivamente sobre
a linguagem “os gregos se perguntavam se a conexão entre as palavras e aquilo
que elas denominavam provinham da natureza, phýsei, ou era imposta por con-
venção, thései” (WEEDWOOD, 2002, p. 25).
Tais questões permearam a obra Crátilo produzida a partir do diálogo de três
filósofos – Crátilo, Hermógenes e Sócrates – que debatiam sobre a especificidade
da língua. Crátilo sustenta que a língua espelha exatamente o mundo; Hermógenes
defende que ela é arbitrária; e Sócrates considera a posição dos dois. O pensamento
socrático defende que “as palavras são ferramentas: assim como uma lançadeira defei-
tuosa não pode ser usada para tecer, também as palavras precisam ter propriedades
que as tornem apropriadas ao uso” (WEEDWOOD, 2002, p. 25), para questionar
o pensamento de Hermógenes, pois, do contrário, ela não cumpriria sua função.
Nessa obra, Sócrates expressou uma visão comum aos gregos daquele perí-
odo, a de que, em algum tempo remoto, havia um legislador que dera a todas as
coisas o seu nome correto e natural, e de que as palavras imitavam a essência de
seus significados. Os naturalistas viam, nas relações entre as palavras e as coisas
às quais elas davam nomes, uma relação de similitude com os fatos do mundo e,
assim, as palavras constituíam, segundo eles, uma imagem exata deste.

Os Estudos da Linguagem na Grécia


70 UNIDADE II

Os convencionalistas, por sua vez, procuravam demonstrar que não havia qual-
quer forma de relação entre as palavras e as coisas por elas denominadas, e que as
palavras eram meras criações arbitrárias dos seres humanos. Essas considerações
levaram Aristóteles a defender uma forte relação entre linguagem e lógica, o que
deu origem à tendência de considerar o estudo da gramática como uma disciplina
subordinada à lógica e, por esse motivo, a linguagem passou a ser considerada um
reflexo da organização do pensamento humano cujas regras internas estavam subor-
dinadas à lógica. Pelo fato de o pensamento ser considerado hegemônico, a lógica
aristotélica não estava preocupada em descrever aquilo que a linguagem expressava,

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ou seja, a forma era colocada em primeiro plano, e o conteúdo em segundo plano.
Sócrates afirma que as palavras devem ter sido inventadas por alguém humano
ou divino (um legislador denominado nomoteta), raramente encontrado entre
os humanos. Pelo pensamento platônico, cabia ao legislador:
estabelecer o nome conhecendo a forma ou a matriz ideal da coisa [...].
O nome imposto pelo legislador não se aplica diretamente à coisa, mas
sim através de um intermediário: a sua forma ou a sua ideia [...] por
mais natural que o nome possa ser, ‘a convenção e o uso, de certa ma-
neira, têm de contribuir necessariamente para a representação daquilo
que temos no espírito quando falamos’ (KRISTEVA, 1969, p. 131).
Sócrates apresenta alguns exemplos para explicar a possibilidade dual da língua tanto
ser natural quanto convencional/arbitrária: sôma (corpo) é assim chamado porque é
interpretado como um túmulo (sêma), justificando, por um lado, o caráter natural da
língua, segundo o pensamento de Crátilo. Por outro lado, o L representa algo como
deslizar, por meio das palavras liparón (liso) e glískheron (viscoso), justificando, tam-
bém, seu caráter natural e, por conseguinte, as conclusões de Crátilo. No entanto,
o L, em uma palavra que significa dureza (sklérótés), coloca em dúvida as reflexões
sobre a naturalidade plena da língua, justificando os preceitos de Hermógenes.
Segundo a autora, a pretensão de Platão foi conscientizar o leitor de que há
um elemento de verdade nas duas posições (naturalista de Crátilo e arbitrária/
convencional de Hermógenes), pois há palavras que possuem correções intrín-
secas naturais (phýsis) e há outras em que esse aspecto não é detectado seja por
má formação, seja por terem sido corrompidas pelo tempo e, por isso, são enten-
didas como arbitrárias/convencionais (thései).
Segundo Kristeva (1969), Platão considera tanto o caráter natural quanto o

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


71

convencional da língua, pois a defende como uma criação humana (convencio-


nal), mas que provém da essência das coisas que representa (natural).
O pensamento que predominou foi de que a relação entre a palavra e a coisa
não é direta (natural) e para se configurar como indireta (arbitrária/conven-
cional) era preciso, ainda, determinar a natureza exata dessa relação, tal como
elaborou o discípulo de Platão, Aristóteles (384-322 a. C.), em sua obra deno-
minada De interpretatione. Nesta obra, o filósofo defende que:
a) os signos falados representam impressões na alma (pathemata);
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b) as impressões na alma significam a aparência das coisas reais;


c) as impressões e as coisas são as mesmas para todas as pessoas, mas as
palavras que representam tais interpretações são diferentes.
As ideias aristotélicas apresentaram muitas dificuldades de compreensão, fazendo
os estóicos (século III-II a.C.) acrescentarem a noção de conceito, estabelecen-
do-se entre a recepção passiva da impressão e a fala, sendo, portanto, passível
de ser verbalizado. Isto é,
embora todos os homens possam receber as mesmas impressões das
coisas que percebem, como sustentava Aristóteles, os conceitos que eles
formam dessas impressões diferem, e são eles que estão representados
na fala (WEEDWOOD, 2002, p. 27).

Segundo Kristeva (1969), coube aos estóicos elaborar uma teoria completa do
discurso, apresentando uma gramática pormenorizada, sem deixar de conside-
rar a filosofia e a lógica. A Grécia, já no prenúncio da sua decadência, cria os
gramáticos – sábios, mas sem grande estatura intelectual – e professores cons-
cienciosos que ensinavam às novas gerações o difícil idioma de Homero.
Entre os vários mestres da língua, cabe apresentar Dionísio da Trácia (século II
a.C.), um alexandrino e autor da primeira gramática grega, na esfera filológica da
Escola de Alexandria, uma importante colônia grega instalada no Egito, definindo-a
como uma arte e um saber empírico da linguagem dos poetas e dos prosadores.
A preocupação desse momento era, predominantemente, literária e estética,
motivada pela intenção de ler as obras clássicas, sobretudo, as de Homero, e as
tornar acessíveis aos estudiosos daquela época. Além disso, diante da preocupa-
ção em preservar o grego clássico, as gramáticas gregas passaram a ser marcadas

Os Estudos da Linguagem na Grécia


72 UNIDADE II

por um caráter normativo e prescritivista, ou seja, elas procuravam estabelecer um


padrão para o que seria uma linguagem correta e precisa, surgindo o conceito de
certo e errado. Tal concepção normativa favoreceu um único dialeto grego - o ático
- rejeitando outros, como o dórico, o aqueu, arcado-cipriota, o eólico e o jônico.
De acordo com Kristeva (1969), a famosa e conhecida gramática tradicio-
nal foi sendo refinada, chegando até nós por intermédio de versões elaboradas
pelos romanos. Dos estudos gramaticais gregos e romanos que hoje conhece-
mos, citamos, como exemplo, as classes de palavras, ainda estudada nas aulas
de língua portuguesa brasileira: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome,

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verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição.
Como já foi dito, a base do que estudamos até hoje foi elaborada pelos gregos.
No entanto, a disseminação dos estudos da linguagem do povo grego somente tor-
nou-se parte da tradição ocidental dominante, por intermédio dos romanos. Para
Weedwood (2002, p. 33):
[...]embora tenham sido os gregos os elaboradores do sistema das partes
do discurso e de vários dos conceitos associados que ainda desempe-
nham um papel essencial na linguística moderna, o trabalho deles não se
transmitiu ao Ocidente por via direta, mas por intermédio dos romanos.

Desse modo, segundo Kristeva (1969), os estudos da linguagem pelos gregos


originou o pensamento linguístico na Europa do final do século XIX, vindo a
se concretizar na primeira metade do século XX (conforme estudaremos nas
Unidades IV e V). Trata-se de uma questão crucial para o desenvolvimento
cultural e linguístico de toda a civilização grega e, posteriormente, a europeia,
enquanto acontecimento que deixou um importante legado para a posteridade,
marcando a história da escrita e da nossa civilização, pois:
[...] além de ter servido para notar a mais rica língua de cultura do mun-
do antigo e de ter transmitido a mensagem de um pensamento incom-
parável, ele foi também o intermediário ocidental entre o alfabeto semí-
tico e o alfabeto latino, intermediário não apenas histórico, geográfico e
gráfico, mas estrutural, pois foram os gregos os primeiros a ter a ideia da
notação integral e rigorosa das vogais (HIGOUNET, 2003, p. 85).
A gramática tradicional herdaria, séculos mais tarde, todos os conceitos filo-
sóficos e gramaticais desenvolvidos pelos gregos e refinados pelos romanos,
incluindo a noção de certo e errado das gramáticas latinas. Veremos esse assunto

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


73

de forma mais aprofundada na próxima seção, que trata dos estudos gramati-
cais sobre a língua latina.

Como falante pertencente a uma comunidade, você defende que as pala-


vras representam o produto direto das coisas, segundo Crátilo e Heráclito,
ou que cada comunidade tem o poder de nomear as coisas de modo con-
vencional ou arbitrário?
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OS ESTUDOS DA LINGUAGEM EM ROMA

Segundo Janson (2015), os romanos caracterizavam-se como um povo determi-


nado a capturar mais terras e subjugar os Estados vizinhos, vindo a crescer sua
influência, tornando-se a força dominante da Península, por volta do século IV
a.C., permanecendo até o século V d.C., quando a parte ocidental se desintegrou.
Para Kristeva (1969), os estudos da linguagem no território romano iniciam
sob influência do conhecimento produzido na Grécia, a partir do deslocamento
do grego Dionísio da Trácia para o território
romano, com o objetivo de ensinar arte. Outro
personagem importante foi Crates de Malos,
enviado à Roma como embaixador do rei Átalo
e que transmitiu aos romanos a ciência da gra-
mática, por meio da criação da escola dos
gramáticos romanos.
Foi neste lugar que despontaram estudiosos
célebres, como Quintiliano, Donato, Prisciano e
Varrão, este último considerado o primeiro dos
gramáticos latinos que elaborou a teoria da lin-
guagem, por meio da obra De língua latina, escrita
em 25 volumes. Sobre a transposição da teoria da
linguagem grega para a latina, vale ressaltar que:

Os Estudos da Linguagem em Roma


74 UNIDADE II

[...] os eruditos romanos, preocupados sobretudo com a elaboração de


uma retórica, no domínio estritamente linguístico, limitaram os seus
esforços à transposição das teorias e das classificações gregas para as
necessidades da língua latina, sem procurarem elaborar proposições
originais sobre a linguagem. Esta transposição fez-se por vezes de um
modo puramente mecânico: considerando a língua grega como mode-
lo universal da língua em geral, era necessário a todo o custo descobrir
suas categorias na língua latina (KRISTEVA, 1969, p. 140).

O fato de a Grécia representar um modelo cultural para os romanos se estendeu,


também para os estudos da linguagem e, sobre esse aspecto, a autora salienta que
surgiu um debate sobre o estado natural ou convencional da língua, por meio da

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obra Crátilo de Platão (elaborada no contexto grego) em Roma. Varrão inicia um
debate entre analogistas e anomalistas, tentando fazer uma conciliação entre eles
e esboça uma teoria normativa da linguagem - obviamente herdada dos gregos
– capaz de elaborar uma gramática contendo as regras consideradas corretas, ou
seja, conforme as categorias lógicas do grego, deixando de lado a possibilidade
de elaboração de uma teoria descritiva capaz de descobrir as particularidades da
sua língua materna romana. Seguindo os preceitos dos estóicos, Varrão defende
que a língua não é natural, mas anômala (anomalista) e sua primeira ação foi a
busca pela relação das palavras com as coisas, denominada etimologia.
De acordo com Kristeva (1969), é a segunda parte dos estudos da gramática
de Varrão que nos interessa, pois é nela que está registrado parte das classes de
palavras estudadas ainda hoje. Ele ocupou, neste espaço, das flexões das palavras
(morfologia), distinguindo as palavras variáveis das invariáveis, classificando-a
em cinco categorias: nomes, verbos e seus tempos – presente, passado e futuro
–, particípios, conjunções e advérbios.
Para a autora, todas as nações passam por situações positiva e negativa e,
quando a Roma daquele tempo começou a fase de declínio, os estudos da lin-
guagem reconfiguraram-se, atingindo sua glória por meio de gramáticos tardios,
como Donato (século IV da nossa era). Pela obra De partibus orationis Ars Minor,
o gramático tornou-se célebre na Idade Média, favorecendo um estudo para fins
didáticos e pedagógicos, ao elaborar um verdadeiro tratado de fonética. Entretanto,
a autora afirma que é por meio do gramático de Constantinopla Prisciano e sua
obra Institutiones grammaticae que a gramática latina chega ao seu apogeu, pois
foi capaz de adaptar para o latim os ensinamentos dos gramáticos gregos, vindo

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


75

a ser considerado o primeiro europeu a elaborar uma sintaxe, sob a perspectiva


grega da lógica, vislumbrando a obtenção de uma oração perfeita.
Em relação ao pensamento de Prisciano, a autora ressalta que seus estudos,
mesmo sem deixar de considerar o caráter lógico da língua, deve ter observado
a diferença e a inadequação entre as categorias lógicas que permanecem sem-
pre as mesmas e sua construção linguística que sempre varia. Esse modelo de
pensamento serviu de inspiração aos gramáticos da Idade Média (a gramática
de Port-Royal será estudada na Unidade III).
No império romano, assim como na Grécia, reinava o caráter normativo e
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prescritivo nas gramáticas. Esse posicionamento tinha respaldo no seu caráter


expansionista, que tinha o intuito de se unificar por uma só língua, facilitando a
comunicação com os povos conquistados, bem como mantê-los sob seu domínio.
Para nós, falantes da língua portuguesa brasileira, é importante adquirirmos
um conhecimento básico sobre os estudos da linguagem em Roma, pois foi dessa
cidade-estado, localizada na Península itálica, que surgiu o latim, a língua mãe
da nossa língua. Esta é a língua romana oficial e, a título de curiosidade, recebe
o nome de latina – em vez de romana – porque sua origem, segundo os histo-
riadores, veio de um grupo de falantes denominados latinos, por morarem na
antiga região italiana de Lácio (do latim látio).
Em relação à língua latina, é importante salientar que os autores romanos
utilizavam-na de modo homogêneo, ou seja, somente o modo falado no centro
da cidade de Roma pelos políticos e intelectuais que sabiam escrever e falar de
acordo com as necessidades do alto escalão. Segundo o autor, tais intelectuais:
alcançaram posições de prestígio em parte porque sabiam escrever e
falar muito bem. Em Roma, era fundamental ser capaz de pronunciar
discursos persuasivos diante de grandes assembleias. Dominar a língua
latina falada e escrita era a chave para o sucesso na sociedade romana
(JANSON, 2015, p. 108).

Desse modo, a língua era uma aliada íntima do Estado romano e, por isso, propa-
garam por toda a Itália, o latim oficial e falado pelos imperadores, obscurecendo
as diversas línguas faladas pelas classes baixas das províncias e outras regiões
conquistadas da Europa ocidental (hoje: França, Espanha, Portugal etc.), justifi-
cando o francês, o espanhol e o português como línguas descendentes do latim.

Os Estudos da Linguagem em Roma


76 UNIDADE II

Uma prova de que a visão prescritivista herdada dos gregos continua pre-
sente nos dias atuais é a descomedida valorização de alguns gramáticos tra-
dicionais pela imprensa em geral, relegando os estudos linguísticos a um
segundo plano, por parecerem, aos olhos de leigos, demasiadamente ino-
vadores, complexos e, até mesmo, reacionários.
Na sociedade, essa forma de pensar transfigura-se em preconceito linguís-
tico: aquele que fala diferente é menosprezado, constituindo esta uma das

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mais nefastas consequências do obscurantismo apregoado por muitos
adeptos da gramática tradicional. Desconsiderar a diversidade linguística,
onipresente no fenômeno da linguagem humana, atribuindo-a à ignorância
dos falantes é, além de politicamente incorreto, uma atitude anticientífica.
Fonte: a autora.

A língua latina, no projeto expansionista de Roma, era a língua do imperador,


dos coletores de impostos, dos juízes, dos fiscais, dos aduaneiros, dos merca-
dores, dos oficiais do exército e dos soldados, e isso justifica seu predomínio
hegemônico, mesmo após a invasão do império romano ocidental pelos povos
germânicos, no século V. Obviamente que, a partir desse momento, começa-
ram a despontar vários dialetos regionais e locais, mas o latim continuou sendo
a língua escrita oficial, sobretudo, pela sua íntima relação com o cristianismo.
Conforme salienta o autor:
[...] os pouquíssimos que escreviam [...] nos séculos VII e VIII sempre
usavam o latim do melhor modo que conseguiam. [...]. Por volta do sécu-
lo XII, o latim era usado extensamente na escrita, por toda a Europa [...].
Era a língua dominante por toda a parte e, em diversos países, nenhuma
outra língua era escrita. Embora àquela altura já não fosse definitivamen-
te a língua materna de ninguém, o latim era falado em vários contextos,
particularmente entre as pessoas da Igreja (JANSON, 2015, p. 114).

Com o advento do cristianismo, a igreja foi predominante na organização social


que, ao escolher o latim como a língua da disseminação da fé cristã, manteve-a
também como a língua de outras áreas, como podemos perceber ainda hoje em
terminologias do direito, da medicina, da biologia, da filosofia, da teologia etc.

ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


77

A hegemonia da língua latina perdurou como a língua escrita oficial comum da


Europa e, em relação à Igreja, ela prevaleceu até a Reforma Protestante, no início do
século XVI e o incentivo do uso das línguas nacionais, nos rituais litúrgicos. Na área
da ciência e da educação superior, o latim também prevaleceu até o século XVIII,
quando passou a aceitar a escrita de textos científicos e eruditos em outras línguas.
Apesar de o latim, hoje, ser intitulado como língua morta, não se pode menospre-
zar sua importância histórica e também como a origem de diversas línguas faladas
no mundo, entre as quais não podemos deixar de destacar a origem da nossa língua
materna, conforme dedicaremos uma parte da Unidade III, deste material de estudo.
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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, apresentamos o percurso histórico dos estudos sobre a lingua-


gem na Antiguidade e, ao tratar das diferentes culturas que realizavam estudos,
pudemos oferecer uma introdução aos conceitos teóricos que, séculos mais tarde,
constituiriam o fundamento da linguística moderna. Contemplamos tais estudos
em civilizações antigas, como os mesopotâmicos, acádios e egípcios, para regis-
trar as bases teóricas estudadas pela maioria dos estudiosos que abordam essa
temática. Ademais, apresentamos, também, algumas características dos estudos
sobre a linguagem, desenvolvidos pelos hindus e árabes, para que você amplie
seu conhecimento sobre o tema em tais civilizações que, indiretamente, fizeram
parte da formação da língua portuguesa.
Pensamos sobre o percurso em tais estudos; como se desenvolveram em civi-
lizações; como a grega e romana é de suma importância, pois foram suas reflexões
que sustentaram as fontes de conhecimento de um campo de saber que, poste-
riormente, sustentou a formação da nossa língua portuguesa brasileira; como o
desenvolvimento do alfabeto, das vogais e das partes do discurso, hoje, nomea-
das como as classes de palavras: substantivo, artigo, adjetivo, numeral, pronome,
verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjeição.

Considerações Finais
78 UNIDADE II

Ademais, foram os gregos e os romanos que iniciaram um projeto que culmi-


nou na gramática tradicional e, consequentemente, proporcionou aos estudiosos
posteriores reflexões que os capacitaram a pensar sobre a linguagem por meio
de obras que foram sendo desenvolvidas em virtude de posições contrárias ao
modo de ensinar a língua por intermédio de escritores da antiguidade e de um
projeto pedagógico amparado no logicismo. Podemos considerar que tais pre-
missas originaram o que se reflete hoje por diversas linhas de pensamento, entre
as quais, não poderia deixar de mencionar, a linguística.

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ESTUDOS DA LINGUAGEM HUMANA: PERCURSO HISTÓRICO


79

1. Observe a figura e leia o texto a seguir:

A tentativa de se desenvolver um sistema de escrita é uma preocupação das civi-


lizações antigas, como mesopotâmicos, acádios e egípcios, historicamente regis-
trados como povos existentes antes da nossa era cristã. Diante das necessidades
de governança e de uma vida em sociedade, as civilizações antigas foram desen-
volvendo sistemas de representações gráficas, denominadas cuneiforme ou hie-
roglífica, com o objetivo de reproduzir, de forma simplificada, coisas e conceitos.
De acordo com a imagem, o texto e as informações apresentadas nos Tópicos 1
e 2, desta unidade de estudos, assinale a alternativa correta:
a) Os registros cuneiformes dos povos sumérios e acádios e os hieróglifos egíp-
cios, descobertos por arqueólogos, pressupõem interesse pelos estudos da
linguagem, embora desconsidere sua importância para os estudos atuais.
b) O interesse das civilizações antigas pela escrita e, consequentemente, por
desenvolver estudos sobre a linguagem ocorriam por questões pessoais dos
reis interessados em compreender os diferentes dialetos dos seus súditos.
c) Pensar sobre a escrita de hoje e os estudos recentes sobre a linguagem, em
comparação aos registros das civilizações antigas, supõe-se a homogenei-
dade da língua e um sistema de escrita pouco evolutivo.
d) A característica básica dos registros de escrita de civilizações anteriores a
nossa era, como os mesopotâmicos, os acádios e os egípcios, pauta-se em
interesses políticos, econômicos, culturais e religiosos.
e) O acesso ao sistema de escrita dos povos antigos era universal, ou seja, havia
uma educação formalizada que instruía e incluía todas as pessoas para lerem
e escreverem para terem autonomia na compra e venda dos seus produtos.
80

2. Quando fazemos um estudo histórico sobre a linguagem humana, nos depa-


ramos com línguas hoje consideradas mortas, mas que deixaram seu legado,
por meio de registros escritos capazes de instituir um saber, o qual justifica sua
importância até os dias de hoje. Em se tratando da língua sagrada sânscrita da
Índia do século V a. C., leia as afirmativas seguintes e as analise:
I. Os estudos da linguagem hindu pautaram-se no registro escrito da língua
oral sânscrita que transmitia oralmente os rituais sagrados (vedas).
II. A função principal dos sacerdotes hindus era preservar a pronúncia perfeita
da língua sânscrita, pelo seu caráter sagrado e de revelação divina.
III. A necessidade da preservação da língua sânscrita, por meio de um registro
sistemático escrito, significa que ela estava passando por transformações.
IV. Se o objetivo do registro do sânscrito era manter sua originalidade, pode-
mos afirmar que a intenção era preservar sua interpretação primária.
Assinale a resposta correta quanto às afirmações:
a) Somente a afirmação IV está correta.
b) Somente as afirmações II e III estão corretas.
c) Somente as afirmações III e IV estão corretas.
d) Somente as afirmações I, II e III estão corretas.
e) Todas as afirmações estão corretas.

3. O conteúdo abordado nesta unidade retoma um caminho trilhado por pensado-


res que fazem da linguagem o seu instrumento de trabalho, mediante a apresen-
tação de acontecimentos que dão a ela um lugar de honra, dada a sua importân-
cia para o desenvolvimento da sociedade. Sobre os estudos da linguagem nos
espaços geográficos apresentados nesta unidade, complete as lacunas:
I. O marco histórico dos estudos da linguagem na ______ está na produção
de uma obra considerada como a primeira gramática que se tem notícia.
II. Para os falantes da língua portuguesa brasileira é interessante ter acesso aos
estudos da linguagem na ________, por se constituir a base de origem do
nosso alfabeto.
III. _______ é a nação em que os estudos da linguagem evoluíram, chegando
até os dias de hoje, por meio de Prisciano e Varrão, considerados os primei-
ros gramáticos dessa civilização.
IV. _______ é a nação onde se aperfeiçoou e ampliou as 10 classes de palavras,
muito difundida e estudada ainda hoje nas aulas de língua portuguesa bra-
sileira.
81

As palavras que preenchem, correta e respectivamente, as lacunas estão


na alternativa:
a) Índia, Grécia, Roma, Roma.
b) Índia, Grécia, Roma, Grécia.
c) Índia, Grécia, Grécia, Grécia.
d) Índia, Roma, Roma, Roma.
e) Índia, Roma, Grécia, Grécia.

4. Fazendo um retorno aos teóricos que se dedicaram aos estudos da linguagem


das civilizações antigas, percebemos que as temáticas essenciais para compre-
endermos a linguística atual foram iniciadas desde os pensadores gregos. No
que diz respeito aos estudos da linguagem na Grécia Antiga, diferencie a base
argumentativa dos naturalistas e convencionalistas e defenda a hipótese
que lhe parecer mais sensata com o que se sabe sobre as línguas naturais.
5. Leia o excerto da música Gramática, da dupla Palavra Cantada:
O substantivo
É o substituto do conteúdo
O adjetivo
É a nossa impressão sobre quase tudo
[...]
Nosso verbo ser
É uma identidade
Mas sem projeto
[...]
Todo barbarismo
É o português
Que se repeliu
[...]
Fonte: Palavra Cantada (2018, on-line)1.

O projeto expansionista da civilização romana provocou a substituição da


língua materna dos lugares conquistados pela latina. A base etimológica da
nossa língua portuguesa brasileira é, predominantemente, latina e, apesar das
variações ocorridas, ainda hoje ela se mantém por meio das temáticas pensa-
das pelos povos grego e romano. Por meio das pistas apresentadas na letra
da música, nomeie os componentes da gramática tradicional e que ainda
fornecem subsídios para o desenvolvimento das aulas atuais de língua
portuguesa brasileira e não esqueça de se posicionar criticamente sobre a
sua eficácia nos processos de ensino.
82

A REVOLUÇÃO TECNOLÓGICA DA GRAMATIZAÇÃO


Sobre a revolução tecnológica da gramatização, há três questões que precisam ser res-
pondidas:
a) Quando e em que circunstâncias nasceram as disciplinas consagradas à linguagem?
b) Qual é seu impacto sobre o desenvolvimento cultural humano?
c) Quais são os grandes movimentos?
Auroux dedica-se a um campo de saber que o possibilita refletir sobre o nascimento
das ciências da linguagem e sobre a gramatização. Sobre a primeira questão, é preciso
considerar que historiadores, linguistas e filósofos amparam-se no nascimento da es-
crita para desenvolverem tais estudos e, em relação à segunda, o autor afirma que a
produção de dicionários e gramáticas de todas as línguas do mundo, com base na tra-
dição greco-latina, mudou profundamente o processo de comunicação humana e deu,
ao Ocidente, um meio de conhecimento/dominação sobre outras culturas do planeta.
No momento, importa registrar que os trabalhos sobre a história dos conhecimentos
linguísticos datam do início do século XIX, mas não se deve ignorar que o conhecimen-
to é uma realidade histórica que se configura como uma temporalidade ramificada na
constituição cotidiana do saber. Este possui uma espessura temporal, um horizonte de
retrospecção e de projeção que não destrói o passado, mas o organiza, escolhe, esque-
ce, imagina e também antecipa o futuro. “Sem memória e sem projeto, simplesmente
não há saber” (AUROUX, 1992, p. 12).
Por isso, a linguística é uma forma de saber e de prática teórica que evoluiu e se trans-
formou fazendo com que a linguagem humana seja refletida na diversidade: eis a chave
do objeto de estudo da linguagem humana e da linguística. Desse modo, não há razão
para que saberes situados em diferentes espaço e tempo sejam organizados do mesmo
modo e selecionem os mesmos fenômenos.
O aparecimento da escrita é a base de um processo de objetivação da linguagem sem
equivalente anterior que precisou do aparecimento de técnicas autônomas e artificiais
dos primeiros ofícios da linguagem na história da humanidade e, talvez, o aparecimento
das tradições pedagógicas.
A escrita proporcionou a manutenção da tradição linguística espontânea, como o grego –
última fonte de tradição ocidental – ou de uma transferência tecnológica – como a tradição
83

latina. Segundo o autor, no início do século XX, houve o domínio e a transferência da tradição
ocidental em direção a todas as outras tradições. A gramática é um exemplo de transferência
dessas tradições – corpo de regras que explica como se constroem palavras para aprender
falar, ler e escrever – definida como uma técnica escolar destinada às crianças que dominam
mal sua língua ou que se dedicam à aprendizagem de uma língua estrangeira.
Aprende-se a falar a língua cotidiana falando, mas se há um sistema de escrita para utili-
zá-lo, é preciso, antes, aprendê-lo, e isso determina e redobra a importância do papel da
escrita no desenvolvimento dos saberes linguísticos.
Entre os motivos que agem sobre o saber linguístico, o autor considera a administração
dos grandes Estados, a literarização dos idiomas e sua relação com a identidade nacio-
nal, a expansão colonial, o proselitismo religioso, as viagens, o comércio, os contatos
entre línguas, o conhecimento conexo com a medicina, a anatomia e a psicologia etc.
Ele também destaca o purismo e a exaltação da identidade nacional como fenômenos
quase universais na constituição, espontânea ou por transferência, de tais saberes. As
causas para isso podem ser várias: o aparelho de Estado e a administração, a expansão
de uma religião, a emergência de uma consciência nacional com ou sem unificação po-
lítica, a dispersão de um povo etc.
Tais causas fortaleceram-se com o movimento renascentista, pois os vernáculos euro-
peus eram gramaticalizados, tendo como base as artes da tradição greco-latina, e a gra-
mática tornou-se a peça-mestra na técnica do conhecimento de língua. O livro impresso,
a exploração do planeta, a colonização e a exploração de territórios iniciam o processo
de descrição da maioria das línguas do mundo. O autor afirma que “para um europeu do
século IX, o latim é antes de tudo uma segunda língua que ele deve aprender. A gramáti-
ca latina existe e vai se tornar prioritariamente uma técnica de aprendizagem da língua”
(AUROUX, 1992, p. 42).
Apesar dos protestos contra a imposição do molde latino aos vernáculos, sem essa tra-
dição gramatical, não haveria o que chamamos de linguística, pois foi por meio do latim
que houve o acesso a uma língua de administração, a um corpus sagrado, a uma língua
de cultura, às relações comerciais e políticas, às viagens, à implantação/exportação de
doutrinas religiosas e colonização.
Portanto, a história da gramatização convida a não abandonar totalmente uma concep-
ção cumulativa e progressiva em matéria de história das ciências, em proveito de uma
concepção puramente descontinuísta.
Fonte: adaptado de Auroux (1992).
MATERIAL COMPLEMENTAR

História da Linguagem
Júlia Kristeva
Editora: Edições 70
Sinopse: esse livro é indicado aos interessados em ampliar seus
estudos sobre a linguagem, partindo de uma concepção histórica que
contempla as origens, por meio de metodologias e causas que fizeram
as civilizações antigas se dedicarem a esta temática. A autora debruça-
se em um trabalho primoroso que apresenta as primeiras suposições da
escrita e, por conseguinte, o início de uma reflexão sobre a linguagem
e os seus desdobramentos posteriores. Kristeva, ao traçar a história
das civilizações primitivas e, consequentemente, o seu interesse pelas
questões da linguagem, possibilita a um leitor atencioso, a compreensão
de fenômenos que justificam as bases que solidificaram, em um aspecto
temporal e espacial, a ciência linguística atual, ao retomar povos como
os sumérios, acádios, hindus, gregos, romanos etc. É uma leitura que
exige fôlego e dedicação, pois ela desvia daquele conjunto de obras
que apresenta tais informações amparada em informações rasas, ao se
subdividir em partes que tentam abranger a quase totalidade que tratam
de aspectos gerais do conteúdo como os conceitos de signo, culminando no relato de um panorama
histórico da trajetória da temática, concluindo com a relação da linguagem com outras áreas. Vale a
pena ler a obra.
Comentário: para ampliar seu conhecimento acerca dos estudos históricos da linguagem, sugerimos,
como prioridade, a leitura da segunda parte.
85
REFERÊNCIAS

AUROUX, S. A revolução tecnológica da gramatização. Tradução de Eni Puccinelli


Orlandi. Campinas: Unicamp, 1992.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. História da linguística. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 2011.
HIGOUNET, C. História concisa da escrita. 10. ed. São Paulo: Parábola, 2003.
JANSON, T. A história das línguas: uma introdução. Tradução de Marcos Bagno. São
Paulo: Parábola, 2015.
KRISTEVA, J. História da linguagem. Tradução de Maria Margarida Barahona. Lis-
boa: Edições 70, 1969.
WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. Tradução de Marco Bagno. São
Paulo: Parábola, 2002.

REFERÊNCIA ON-LINE
1
Em: <https://www.letras.mus.br/palavra-cantada/881717>. Acesso em: 4 jan. 2018.
GABARITO

1. Alternativa D.
2. Alternativa E.
3. Alternativa A.
4. Naturalistas: os naturalistas defendiam que a relação entre a palavra e a coisa
designada era natural, ou seja, via na palavra a imagem exata daquilo que ela
representava.
Convencionalistas: os convencionalistas defendiam que a relação entre a pala-
vra e a coisa designada era arbitrária, ou seja, estabelecida como fruto da inven-
ção humana, mediante acordo (convenção), tornando-as incapazes de refletir,
perfeitamente, a realidade.
5. As pistas linguísticas fornecidas pela letra da música gramática e a apresentação
teórica disponível nesta unidade fornecem os indícios de que se trata das 10
classes de palavras pensadas pelos gregos e aprimoradas pelos latinos, ainda
estudadas por nós, nas aulas de língua portuguesa brasileira de qualquer curso
e em qualquer nível. As classes de palavras denominam-se: substantivo, artigo,
adjetivo, numeral, pronome, verbo, advérbio, preposição, conjunção e interjei-
ção e o fato de saber sobre elas de forma isolada e sem a aplicação nos textos,
não é suficiente para dominá-las em situações práticas cotidianas.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva

III
OS ESTUDOS PRÉ-

UNIDADE
SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:
DA GRAMÁTICA ESPECULATIVA
À NEOGRAMÁTICA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as vertentes teóricas da linguagem anterior a Ferdinand
de Saussurre.
■ Definir os objetivos de estudos dessas vertentes teóricas.
■ Apresentar o aparato metodológico e conceitual das teorias do
pré-Estruturalismo.
■ Situar, historicamente, as teorias sobre a linguagem do
pré-Estruturalismo.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Os estudos da linguagem na Idade Média: a gramática especulativa
■ Os estudos da linguagem na Idade Moderna: a gramática geral ou de
Port-Royal
■ Do lado de cá do Atlântico: um passeio pela língua portuguesa
brasileira
■ Os estudos da linguagem na Idade Contemporânea: a gramática
histórica-comparativa e a neogramática
89

INTRODUÇÃO

Nesta unidade, faremos um percurso sobre os estudos da língua(gem) até o


momento em que ela se torna o objeto específico de estudo da ciência, denomi-
nada Linguística. Começaremos apresentando, no primeiro tópico, os estudos
na Idade Média, por meio da gramática especulativa que concebe a língua como
algo que expressa o pensamento e a realidade entre a palavra e a coisa.
No tópico seguinte, discorreremos sobre a gramática geral (ou de Port-Royal)
e seus princípios universalistas que procura estudar e analisar a língua de uma
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

forma racional, lógica e destituída de ambiguidades, ou seja, um estudo pautado


na ilusória busca de uma língua perfeita e sem falhas.
No terceiro Tópico, apresentaremos um breve relato sobre o modo como
ocorreu a formação da nossa língua portuguesa brasileira, a partir de um pro-
jeto de expansão colonialista. Um acontecimento político que reconfigurou o
modo de vida das tribos indígenas que aqui viviam com suas línguas, seus cos-
tumes, religiões, hábitos alimentares, organização política e social (seria uma
tentativa de extermínio?).
No quarto Tópico, veremos a questão da gramática histórico-comparativa
que, por meio de comparações sistemáticas entre as línguas, procura traçar seus
graus de parentesco. Ainda nessa seção, trataremos da neogramática, movimento
que se opôs à gramática histórico-comparativa, por considerar o método utili-
zado insuficiente para se chegar a resultados capazes de desvendar os segredos
ocultos do processo evolutivo das línguas.
Os neogramáticos focaram nas regularidades fonéticas das línguas para
explicar as mudanças (ou mesmo permanências) nelas ocorridas. Ademais, este
momento configura-se como os primeiros ensaios de reflexões de caráter cien-
tífico, culminando, no início do século XX, na efetivação de uma ciência para
os estudos da língua (a Linguística), a ser estudada na Unidade IV deste mate-
rial didático.

Introdução
90 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE MÉDIA:
A GRAMÁTICA ESPECULATIVA

Para Weedwood (2002), no período medieval (século V ao XV), a língua latina


enquanto idioma da igreja ocidental continuou mantendo sua hegemonia e, por-
tanto, a necessidade de continuar se disseminando, bem como ensinando-o aos
povos convertidos ao cristianismo - irlandeses, ingleses, alemães, escandinavos
etc. Dada as dificuldades encontradas para ensinar os convertidos a escreverem
e compreenderem a língua latina, os mestres compilaram os conceitos grama-
ticais ensinados por Prisciano e Donato, resultando nas primeiras gramáticas
do ocidente, elaboradas para estudantes de língua estrangeira e, além disso, essa
tipologia marca-se como as ancestrais de nossas gramáticas escolares tradi-
cionais, justificando a importância de um conhecimento básico desse período.
As gramáticas desse tempo denominavam-se especulativa (do latim specu-
lum) e o seu objetivo ressignificou-se, pois não havia necessidade de ensinar o
jovem romano a se apropriar de textos eruditos. Por isso, a proposta pedagógica
estava voltada aos convertidos de outras regiões que precisavam dessas gramáticas
como guia de compreensão das mensagens da Bíblia. Diante de um imbricamento
entre a gramática e a fé, alguns mestres não viam objeção em utilizar excertos
de obras latinas famosas, como Eneida, juntamente com os versículos bíblicos,

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


91

ou mesmo substituindo-os, em vez de utilizar as palavras “Roma” e “rio Tibre”,


substituíram-nas por “Jerusalém” e “rio Jordão”.
Portanto, a característica principal dos estudos da linguagem no período
medieval está fortemente amparado na concepção de que a língua era a repre-
sentação do pensamento, ou seja, era considerada como um reflexo da realidade,
mediante inspiração da lógica aristotélica que estabelecia uma relação intrínseca
entre a língua, o pensamento e a realidade.
O nome dessa vertente, Gramática Especulativa, por analogia ao espelho, já
demonstra uma forte inclinação a considerar a linguagem como um reflexo da rea-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

lidade, revelando as características fundamentais do pensamento humano. Assim


como Aristóteles, os gramáticos especulativos, um pequeno grupo de eruditos deno-
minados como modistas (modistae), viam a língua como espelho da organização do
raciocínio e constituíam um sistema de categorias, aparentemente fixo e com valores
partilhados por todos os seres humanos, justificando a característica de universalidade.
Os modistas, entre os quais o mais importante dessa geração de intelectu-
ais é Tomás de Erfut (Alemanha), possuíam uma doutrina diretamente derivada
das propriedades do mundo real (modi significandi). Essa ideia seria rejeitada em
meados do século XIV, pelo pensador nominalista Guilherme de Occam, que
negou a existência de qualquer conexão entre a palavra e a realidade. Sobre esse
pensador, a autora faz a seguinte afirmação:
[...] a língua, concluiu Occam, não serve como um espelho da cognição
ou da realidade exterior; seria muitíssimo melhor estudar diretamente
o pensamento – ou a realidade –, dispensando a mediação traiçoeira da
linguagem (WEEDWOOD, 2002, p. 59).

A gramática especulativa procurava, portanto, demonstrar que a língua é cons-


tituída a partir de modos de significar, e é com base nessa premissa que os seus
princípios epistemológicos estabeleceram-se: ela tem por objetivo dispor de um
conjunto de definições e de divisões com o intuito de orientar o emprego da lín-
gua, com base nos seus princípios racionais constitutivos, relegando a exposição
de regras a um segundo plano. O objeto de estudo da gramática especulativa limi-
tava-se, na época, à língua latina, omitindo as línguas vernáculas, que seriam
levadas em consideração somente no período do Renascimento.

Os Estudos da Linguagem na Idade Média:A Gramática Especulativa


92 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE MODERNA:
A GRAMÁTICA GERAL OU DE PORT-ROYAL

Durante a Idade Moderna (meados do século XV até final do século XVIII),


segundo os preceitos de Orlandi (2009a) e Martelotta (2013), os estudos da
linguagem amparavam-se em princípios racionais e lógicos com o objetivo de
elaborar um esquema universal, disponível em todas as línguas do mundo. Neste
caso, havia regras gerais aplicáveis a todas as línguas.
A oficialização dessa corrente de pensamento sobre os estudos da lingua-
gem ocorre com a publicação da grammaire générale et raisonéé, de Port-Royal
(Gramática Geral e racional ou gramática, de Port-Royal), em 1660, pelo teó-
logo Antoine Arnauld e seu colega filósofo Claude Lancelot. Port-Royal (Porto
Régio) era uma abadia de religiosas, situada próximo a Paris, fundada no ano de
1204, que influenciara na cultura, na religião e nos métodos pedagógicos vigentes
naquela época. Grandes nomes, como o próprio Antoine Arnaud, Blaise Pascal,
Jean Racine e outros fizeram parte da história desse lugar e da sociedade francesa.
Weedwood (2002) afirma que Lancelot, enquanto escrevia material didático
de latim, grego, espanhol e italiano, observou que havia traços comuns entre tais
línguas, e o seu colega filósofo Arnauld apresentou a confirmação indutiva da
base cognitiva da linguagem, associado à tentativa de identificar as característi-
cas comuns das línguas. Eles procuraram criar uma explicação gramatical com
fundamentos racionais para explicar os mecanismos de pensamento, tentando
esclarecer as regras de expressão da linguagem e as formas por ela empregadas.

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


93

Os estudiosos desse método de estudo sobre a linguagem dispuseram-se de


um grande esforço para criar uma gramática geral e universal para ser utilizada
em todas as línguas, a partir de estudos do grego, latim e demais línguas euro-
peias, na elaboração de características lógicas e universais disponíveis em todas
as línguas, pois consideravam insuficientes as abordagens gramaticais existen-
tes na época e assumiram a existência de uma base lógica comum às gramáticas
de todas as línguas, a partir da qual seriam formadas as línguas particulares.
Segundo Orlandi (2009a), o objetivo da gramática geral e racional era fun-
cionar como uma máquina automática e regida pela lógica, vislumbrando a
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

formação de estudiosos capazes de atingir uma língua ideal, universal, lógica,


sem equívocos e sem ambiguidades, ou seja, a grande façanha dos pensadores
desse período estava pautada na tentativa de assegurar a unidade da comunica-
ção humana. Sobre esse aspecto, a autora faz o seguinte questionamento: “não é
difícil reconhecer já aí o sonho do homem moderno em ter o controle do mundo
por meio das máquinas. Esse ideal, traduzido para a atualidade, é a língua metá-
lica, a dos computadores, universal e sem ‘falhas’ (ORLANDI, 2009a, p. 12).
Com o passar do tempo, tais métodos pedagógicos sobre os estudos da lin-
guagem foram perdendo importância, não mais satisfazendo os aspectos sociais,
culturais, políticos e econômicos vigentes. No entanto, traços do método for-
malista e logicista, empregados pela gramática de Port-Royal, podem ser vistos
ainda hoje, na corrente linguística gerativo-transformacional, de Noam Chomsky.

DO LADO DE CÁ DO ATLÂNTICO: UM PASSEIO PELA


LÍNGUA PORTUGUESA BRASILEIRA

Pensar sobre a língua portuguesa brasileira, hoje, requer um retorno histórico


para compreendermos como se deu o processo de sua formação a partir do latim,
enquanto língua dos romanos que se disseminou, vindo a compor como a língua
base para a formação de diversas línguas posteriores, intituladas línguas româ-
nicas. Para iniciar nossa reflexão, retomamos Coutinho (1976), especificamente

Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira


94 UNIDADE III

sua afirmação de que a língua latina


concebeu-se sob dois aspectos: o
clássico (sermo urbanus) e o colo-
quial ou vulgar (sermo usualis). Para
o autor, o latim clássico era usual na
escrita e se moldava às obras dos
escritores latinos, preservando a
pureza do vocabulário, a correção
gramatical e a elegância do estilo.

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Características que para Cícero
denominava-se como urbanitas
e que, portanto, caracterizava-se
como artificial, rígida e incapaz de
refletir a vida trepidante e mutável
do povo, permanecendo, por isso,
estável por muito tempo.
O latim coloquial ou corrente
era falado pelas classes inferiores da
sociedade romana (escravos, militares, gladiadores, marinheiros, agricultores,
barbeiros, sapateiros, taverneiros, artistas de circo etc.). Para o autor, essas classes
eram compostas por pessoas que encaravam o lado prático da vida, ou seja, eram:
homens livres e escravos, que se acotovelavam nas ruas, que se compri-
miam nas praças [...], que frequentavam os teatros, a negócio ou em busca
de diversões, toda essa gente, enfim, que se passara pela escola, dela só
conservara os conhecimentos mais necessários ao exercício de sua ativi-
dade (COUTINHO, 1976, p. 30).

Foi o latim coloquial que se expandiu livremente, por causa da ruína do Império
Romano e, consequentemente, o fechamento de escolas e o desaparecimento da
aristocracia, passando a fazer parte do idioma comum para diferentes povos. As trans-
formações ocorridas em cada região proporcionaram o que o autor denomina como
o aparecimento de diferentes romances, ou seja, línguas regionais que apareceram
a partir de modificações do latim e, posteriormente, originaram em várias línguas
neolatinas (ou línguas românicas), entre as quais enfatizamos a língua portuguesa.

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


95

O autor salienta que o domínio romano resultou na transformação da lín-


gua pela via de três aspectos, a saber:
a) Histórico: o processo de expansão e domínio do povo romano ocorreu
por um longo período, perdurando por vários séculos.
b) Etnológico: as regiões dominadas pelo povo romano eram habitadas por
diferentes povos e diversidade étnica logo, falantes de diferentes idiomas.
Na região que hoje conhecemos como Portugal, havia diferentes povos –
celtas, túrdulos, gróvios, lusitanos etc. Neste contexto, a língua latina do
povo dominador, na boca de uma diversidade de raças com índole e cos-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tumes diversos, sofreu modificações profundas.


c) Político: o dominador sempre busca impor e manter sua língua ao
dominado, mas quando os laços políticos entre a metrópole e a colônia
afrouxam-se, essa unidade enfraquece, possibilitando a criação de dia-
letos que, possivelmente, transforma-se em uma língua independente.
Essas são algumas das causas ocorridas com o latim coloquial das pessoas humil-
des, durante o projeto expansionista romano, influenciando e produzindo efeitos
na área do vocabulário, da fonética, da morfologia e da sintaxe. A título de exem-
plo, observemos o quadro seguinte e as respectivas diferenças entre o latim
clássico e o coloquial, pela fonética:
Quadro 01- A fonética entre o latim clássico e coloquial

Tema Latim Clássico Latim Coloquial


Fonética aurum orum
masculus masclus
cáthedra cathédra
mensa mesa
post pos
calidus caldus
Fonte: a autora.

Para nós, é importante saber que foi o latim coloquial que deu origem, ou seja, ser-
viu de vestígios para a formação das línguas românicas (de romances), entre as quais
se destacam: francês, italiano, espanhol e português. Esta é oriunda do latim vulgar,
ou seja, dos romanos pertencentes à classe humilde que o introduziram na Lusitânia
(região situada ao ocidente da Península Ibérica, conforme situado no mapa de 1096):

Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira


96 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Figura 1- Mapa da Península Ibérica
Fonte: Blog Passados e Tempos (2012, on-line)1.

De acordo com Coutinho (1976), os romanos chegaram à Península, por volta do


século III a. C., e a língua portuguesa de Portugal é o próprio latim do povo romano
que foi levado pelos legionários, comerciantes, funcionários públicos, tornando-
-se a língua oficial (o idioma da escola). O autor denomina esse fenômeno como
romanização da língua da população nativa, por meio de diversos fatores, a saber:
o recrutamento militar dos jovens provincianos que, depois de prestado
o serviço ao exército, volviam ao seio da família; o excelente sistema
rodoviário romano, que permitia fácil intercâmbio com a metrópole; o
direito de cidadania concedido às urbes hispânicas pelos imperadores,
por último, o cristianismo pregado pelos padres num latim muito aces-
sível, o qual fez desaparecer as diferenças sociais, unindo a todos, aris-
tocratas e plebeus, romanos e estrangeiros (COUTINHO, 1976, p. 49).

Já sabemos que a língua portuguesa é oriunda do latim do povo inculto (sermo


vulgaris, plebeius ou rusticus), e o latim do povo culto (sermu urbanus, eruditus
ou perpolitus) que resultou em obras imortais, escrita por Cícero, César, Vergílio,
Homero etc. ficou contido nas escolas e conventos. O latim falado pelo povo

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


97

não estacionou e foi se modificando normalmente (já debatemos sobre a varia-


ção linguística, na Unidade I), até o século V, quando a Península foi invadida
pelos povos bárbaros.
Segundo o autor, os bárbaros eram formados por nações com dialetos parti-
culares, denominados vândalos, suevos e visigodos, sendo, os suevos importantes
para a formação histórica da língua portuguesa, porque se estabeleceram em
uma região da Península denominada Galécia e Lusitânia, região em que, mais
tarde, desenvolveu a nação portuguesa. Por volta do século VI, os suevos foram
absorvidos pelos visigodos que acataram o latim, já alterado, mas suprimiram as
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

escolas e a nobreza romana e, consequentemente, deixaram de cultivar os pri-


mores da linguagem.
No século VIII d.C., ocorreu a invasão da Península pelo povo árabe, também
denominado como povo mouro, latim maures, que significa negro, por se tratar
de um povo de uma região da África, onde hoje está localizado o Marrocos. Um
povo convertido ao islamismo e portadores de uma civilização superior que, em
seus palácios, os califas organizavam valiosas bibliotecas. No entanto, apesar da
imposição e oficialização da língua árabe, o povo subjugado continuou a falar o
romance, ou seja, o latim vulgar modificado.
Para Faraco (2016), entre os séculos X e XI, houve grandes lutas com o obje-
tivo de retomar os territórios ibéricos dos muçulmanos – movimento conhecido
como Reconquista – resultando na expansão dos reinos cristãos e seus falares
românicos. No entanto, foi somente no final do século XV (1492), que os reis
católicos, Fernando e Isabel, apoderaram-se de Granada, último reduto mouro,
promovendo uma ruptura à dominação semítica na Espanha. Enquanto a der-
rota não ocorria, a dominação muçulmana foi afetada por atos de resistência
dos cristãos que se organizavam em Cruzadas para libertar a Península, e foi em
uma dessas lutas organizadas que se constituíram os reinos de Leão, Castela e
Aragão (vide o mapa), anteriormente, espaço territorial dominado pelos árabes.
D. Henrique, conde de Borgonha, foi uma figura importante no processo
de reconquista dos referidos reinos e, em sinal de gratidão, D. Afonso VI, rei
de Leão e Castela ofereceu sua filha D. Tareja (ou Tereza) para se casar com ele
e também lhe outorgou o Condado Portucalense (povoado de grande impor-
tância, desmembrado da Galiza, localizado junto ao rio Douro, hoje Portugal).

Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira


98 UNIDADE III

Foi somente seu filho, D. Afonso Henriques, que, ao vencer a batalha de


Ourique, em 1139, suplantou a suserania de Castela e se proclamou rei de Portugal.
Nesse tempo, o romance falado era um dialeto denominado galaico-português
e, após a independência política de Portugal, estabeleceu-se uma diferenciação
entre o galego e o português. Esse se fortaleceu e se desenvolveu com a criação
de uma universidade, em 1290, e também com a disseminação das chamadas
poesias trovadorescas, cantada pelos provençais e organizadas em cancioneiros.
Segundo Faraco (2016), a partir desse momento histórico, iniciou-se um
longo processo de autonomia política do Condado, vindo a se estabelecer em

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
1297, denominando-se como Portugal, cuja fronteira perdura até os dias de hoje.
Coutinho (1976) considera o século XVI (mesmo período que se “descobriu”
o Brasil), como um século de ouro da literatura portuguesa. Como exemplo de
grandes autores, apresentamos os autos de Gil Vicente e as poesias épicas de
Luís de Camões, entre as quais, a mais importante é Os Lusíadas (1572). Foi
nesse período, também, que surgiu a primeira gramática de Fernão de Oliveira,
enquanto obra pensada para disciplinar a língua.
Com o advento do período histórico denominado grandes navegações (ou
expansão marítima), a língua portuguesa fez parte do projeto inicial das des-
cobertas do século XVI, e esse fato interessa-nos porque a língua que falamos
hoje é fruto dos desdobramentos dessa expansão, bem como da dissolução do
Império Romano e da vitória sobre o domínio dos mouros.
Fizemos um breve relato da base histórica de formação da língua portu-
guesa que, segundo Faraco (2016, p. 57) “a partir de meados do século XV [...],
na esteira da expansão marítima de Portugal, sai de suas fronteiras europeias e
se torna uma língua internacional”. Um evento expansionista que culminou na
“descoberta” do Brasil e, portanto, na imposição da língua do grupo colonizador.
Segundo Orlandi e Guimarães (2001), no ano de 1532 (início do século XVI),
começou, efetivamente, o processo de colonização brasileira, e a língua portuguesa,
transportada para o Brasil, começa a ser falada em um novo espaço, estabelecendo
condições para uma prática heterogênea em virtude do contato com as línguas dos
nativos (índios) que viviam na região. A formação da língua portuguesa, no Brasil,
subdivide-se em 4 períodos distintos, considerados pela autora de 1532 até o final do
século XIX (momento em que o português constitui-se em língua nacional no Brasil):

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


99

1) Início da colonização até a expulsão dos holandeses, em 1654. Neste período,


havia o predomínio das línguas indígenas e, apesar de somente uma mino-
ria falar o português, esta era a língua dos letrados, senhores do engenho
e funcionários. O português é ensinado nas escolas católicas e empregado
em documentos oficiais, marcando o início de uma língua de Estado.
2) Da expulsão dos holandeses, em 1654, até a chegada da família real portu-
guesa ao Brasil, em 1808: momento marcado pelo aumento de portugueses
de diferentes regiões de Portugal no Brasil, provocando mudanças na relação
entre a língua do colonizador (português) e a dos colonizados (indígenas).
Além disso, o processo político escravagista trouxe, para o Brasil, milhões
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de africanos de diferentes tribos, durante os séculos XVI, XVII e XVIII, pro-


vocando uma grande variedade de falares. Veja que o português do Brasil já
não é o português de Portugal, e isso não passou despercebido pelas autori-
dades da Coroa Portuguesa, resultando em uma ação política denominada
Diretório dos Índios, instaurada por Marquês de Pombal, que proibiu o
ensino das línguas indígenas nas escolas jesuítas, tornando-se obrigatório
somente o ensino da língua portuguesa de Portugal. Um acontecimento
que fez do português uma língua dominante de Estado.
3) Chegada da família real, em 1808, até 1826, data em que a língua por-
tuguesa passa a ser considerada a língua nacional do Brasil: a vinda da
família real , em virtude da invasão de Portugal por Napoleão, fez do
Brasil a sede da Coroa Portuguesa, bem como aumentou o número de
portugueses que vieram para servir o rei D. João VI e sua família, pro-
vocando mais mudanças nas relações entre as línguas faladas no Rio de
Janeiro. Ademais, foi um período revolucionário, mediante a criação da
imprensa no Brasil e da Biblioteca Nacional, reconfigurando a vida cul-
tural, intelectual e linguística.
4) A partir de 1826, quando um deputado propôs que os diplomas dos médi-
cos no Brasil fossem redigidos em linguagem brasileira. Um acontecimento
político que desestabilizou as estruturas linguísticas, mediante intensos
debates que culminou em uma lei que determinava aos professores ensi-
nar ler e escrever, utilizando a gramática da língua nacional. Sobre esse
aspecto, vale ressaltar a questão da nacionalidade da língua, marcando
a diferença entre a língua portuguesa do Brasil e de Portugal, ou seja:
[...] a questão da língua nacional está ligada aqui ao processo de gramatiza-
ção brasileira do português que é posto em curso a partir da segunda me-

Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira


100 UNIDADE III

tade do século XIX. Desde então o Brasil tem seus próprios instrumentos
linguísticos de gramatização, diferentes dos de Portugal. A gramatização
brasileira aparece como um novo elemento constitutivo deste outro espaço
de produção linguística (ORLANDI; GUIMARÃES, 2001, p. 24).

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Figura 2 - Origem e história da Língua Portuguesa


Fonte: Publicados Brasil (2016, on-line)2.

Segundo os autores, a partir do final do século XIX, ocorre a constituição de dis-


ciplinas no contexto do ensino escolar, e a gramática é um dos objetos de ensino
da língua portuguesa no Brasil, marcado por vários títulos e autores brasileiros
que, limitado pelas questões políticas colonizadoras até hoje presentes, passa-
ram a refletir sobre a colonização linguística brasileira e as singularidades de um
português não mais de Portugal, mas do Brasil.

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


101

Entretanto, a partir de 1959, instaura-se a Nomenclatura Gramatical Brasileira


(NGB), um decreto do Ministério da Educação e da Cultura (MEC) que torna
obrigatório o ensino da língua, mediante uma nomenclatura fixa dos fatos gra-
maticais (partes da gramática, classes das palavras etc.). Uma medida importante
para a história da educação brasileira, especificamente para o ensino da língua,
pois marca sua normalização no Brasil, mas, segundo Orlandi e Guimarães
(2001, p. 28), a imposição dessa nomenclatura pelo Estado “anula os efeitos de
uma posição original de autores assumida pelos gramáticos. Estes não falam
mais dos fatos da linguagem, eles repetem uma nomenclatura que lhes foi ofi-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

cialmente imposta”.
O que foi exposto neste tópico é apenas uma noção introdutória sobre a
formação da língua portuguesa de Portugal e sua disseminação que resultou na
formação da língua portuguesa do Brasil, por meio da construção de um saber
sobre ela, bem como da produção de gramáticas que, implicitamente, abre lacu-
nas para refletirmos sobre a história do povo brasileiro com sua língua e suas
variações. Os desdobramentos de tais acontecimentos resultaram em uma infi-
nidade de questões sobre a língua portuguesa brasileira, refletida em diversas
obras produzidas por linguistas e disponíveis a todos que almejam um conhe-
cimento afinado sobre sua língua materna construída por meio de uma filiação
latina oriunda de um conjunto linguístico vindo do indo-europeu, mas com par-
ticularidades contadas pela história da formação linguística do povo brasileiro.

A colonização linguística no Brasil e a imposição da língua portuguesa ex-


plica-se somente porque nas extintas línguas indígenas não havia o F de Fé,
o R de Rei e o L de Lei? O que há no projeto colonizador que não se explica?

Do Lado de cá do Atlântico: Um Passeio pela Língua Portuguesa Brasileira


102 UNIDADE III

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
OS ESTUDOS DA LINGUAGEM NA IDADE
CONTEMPORÂNEA: A GRAMÁTICA HISTÓRICA-
COMPARATIVA E A NEOGRAMÁTICA

Para iniciar este tema, vamos observar o registro das palavras mãe e pai, em lín-
guas diferentes, no quadro seguinte:
Quadro 2 - A transformação da língua

SÂNSCRITO LATIM GREGO ALEMÃO INGLÊS PORTUGUÊS


matar mater meter mutter mother mãe
pitar pater pater vater father pai
Fonte: a autora.

Mesmo diante de uma observação rápida e destituídas de reflexões sobre a for-


mação de tais palavras, conclui-se que há semelhanças no registro escrito nas
seis línguas apresentadas. Isso significa que pensar cientificamente sobre a for-
mação da Linguística exige um retorno aos séculos anteriores, principalmente o
XVIII, quando os teóricos descobriram que há semelhanças entre as várias lín-
guas existentes no mundo. Diferentemente das vertentes históricas anteriores,
a gramática histórico-comparativa parte de uma concepção que busca explicar
a comparação e a classificação das línguas, conforme seu grau de semelhanças.
Além disso, o método comparativo configura-se como a primeira tentativa de
conferir, aos estudos da linguagem, um tratamento científico, realizando estudos
sistemáticos, a fim de obter informações acerca das alterações ocorridas nas lín-
guas indo-europeias. Fato que confere, à linguística histórico-comparativa, um

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


103

poder investigativo sobre a língua que, até então, nenhuma corrente teórica, pre-
ocupada com as questões da linguagem, havia conseguido.
Segundo Faraco (2005), o marco fundador desse movimento ocorre em 1816,
quando o filólogo alemão Franz Bopp publicou a obra Sobre o sistema de conjugação
da língua sânscrita em comparação com o da língua grega, latina, persa e germânica,
a qual estabeleceu comparações detalhadas da morfologia verbal de cada uma dessas
línguas e suas correspondências, mediante o grau de parentesco existente entre elas.
Mesmo concedendo à obra de Bopp o título oficial de precursor dos estudos
comparativos, em 1816, não poderia deixar de mencionar o dinamarquês Rasmus
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Rask (1787-1832), pois ele também desenvolveu significativos estudos comparativos


sobre o grego, o latim, o eslavo, o lituano, o armênio e outras línguas germâni-
cas. Os resultados dos seus estudos foram concluídos em 1814, mas somente foi
publicada em 1818 e, além do atraso da publicação, em relação a Franz Bopp, ela
foi escrita em dinamarquês, dificultando sua recepção na comunidade científica.
Antes de prosseguirmos, vale relembrar o que já foi apresentado, na Unidade
II deste material, sobre o sânscrito, ou seja, trata-se de uma língua indo-euro-
péia descrita e codificada pelo gramático e filólogo hindú Pãnini, utilizada para
escrever os Vedas, tornando-se, entre os séculos VI a. C. e XI d. C., a língua da
literatura e da ciência hindus (indiana). Por razões culturais, ela é, ainda hoje, a
língua constitucional da Índia. Cabe salientar que, antes da oficialização desses
estudos comparativos, outros estudiosos já haviam voltado sua atenção à com-
paração de algumas línguas e percebido semelhanças entre elas, embora não
tenham se dedicado sistematicamente a tais questões.
Segundo Faraco (2005) e Câmara Júnior (2011), foi em 1808 que surgiu a
primeira obra denominada Sobre a língua e filosofia dos hindus, do erudito ale-
mão Friedrich Von Schlegel, chamando a atenção dos europeus em relação aos
indianos e sua antiga língua. Schlegel foi o estudioso que estabeleceu relação e
origem comum entre o sânscrito e as línguas mais conhecidas da Europa, como
o grego, o latim e o alemão e, além disso, foi o primeiro a empregar o termo “gra-
mática comparativa”, defendendo uma comparação sistemática entre tais línguas,
a partir de sons idênticos e facilmente explicáveis, pois seu objetivo não estava
focado no estudo linguístico (embora colaborasse muito para o seu advento),
mas na difusão da filosofia e da cultura hindu.

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


104 UNIDADE III

A partir desse momento, ou seja, início do século XIX, está criado o método com-
parativo que, segundo Petter (2012), preocupa-se com os estudos sobre a linguagem
amparado em um aspecto histórico (diacrônico), ou seja, as transformações ocorri-
das nas línguas ao longo dos tempos, explicando tal fenômeno por meio de tabelas
comparativas. Essa concepção somente mudou com o advento do pensamento de
Ferdinand de Saussure, no início do século XX, que passou a olhar a língua de um
ponto de vista sincrônico, ou seja, a(s) língua(s) passa(m) a ser estudada(s) a partir
da forma em que se encontra em um determinado período específico do tempo.
Para Faraco (2005), o principal objetivo da linguística comparativa é tra-

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tar sistematicamente as semelhanças observadas entre línguas distantes, como
o latim e o sânscrito.
[...] o resultado primeiro do método foi o estabelecimento do parentes-
co entre as línguas indo-européias e a reconstrução hipotética da situ-
ação linguística de estágios ancestrais não documentados, a chamada
protolíngua da família (FARACO, 2005, p. 125).

Os estudiosos, ao perceberem que as línguas possuem aspectos de semelhanças


e relações sistemáticas de correspondências fonológicas regulares entre as pala-
vras, bem como similaridades no som e no significado, concluíram que seria
impossível considerar tais semelhanças como mera coincidência. Para exempli-
ficar, observemos as seguintes palavras:
Quadro 3 - Língua: semelhanças e diferenças

Latim Inglês Português


piscis fish peixe
ped foot pé
decem ten dez
dent tooth dente
Fonte: a autora.

Basta uma análise superficial e já percebemos que há uma correspondência


regular, no início da palavra, entre o /p/ latino e /f/ inglês e entre o /d/ e o /t/.
Por isso, Perini (2009) afirma que, para se pensar na formação da disciplina
de Linguística, é necessário fazer uma viagem aos séculos passados, principal-
mente, no XVIII, quando teóricos começaram a descobrir que há relações entre

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


105

as línguas do mundo. O autor destaca três teóricos daquele tempo, dado a impor-
tância de suas pesquisas no desenvolvimento de um estudo comparativo entre
as línguas: Willian Jones, Jakob Grimm e Karl Verner.
No final do Século XVIII, Willian Jones atuava como um alto funcionário na
cidade de Bengala (hoje Bangladesh, na Índia) e, apesar de exercer o cargo de jurista,
também se interessava pelas línguas e culturas do seu país e, por isso, estudava a
língua sânscrita por ser ela uma língua antiga utilizada para fins de erudição e reli-
gião do povo hindu. Durante seus estudos, Willian Jones percebeu que havia certo
grau de semelhanças entre as palavras sânscritas e as línguas da Europa e, impres-
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sionado com tais semelhanças, ele apresentou, em 1786, um comunicado à Royal


Asiatic Society, em Calcutá, que havia semelhanças entre as raízes dos verbos e as
formas gramaticais, ultrapassando as possibilidades de mera coincidência. Isto é,
o estudioso concluiu que poderia haver uma língua comum anterior, capaz de jus-
tificar tais semelhanças. Retomamos o quadro comparativo que abriu este tópico:
Quadro 4 - Percurso histórico da língua

SÂNSCRITO LATIM GREGO ALEMÃO INGLÊS PORTUGUÊS


matar mater meter mutter mother mãe
pitar pater pater vater father pai
Fonte: a autora.

Assim, devido à grande semelhança que notou, Jones supôs que as línguas que
analisou teriam um ancestral comum. Se, por exemplo, compararmos o verbo ser/
estar em latim e em sânscrito, o motivo dessa suposição logo se torna explícito:
Quadro 05 - O verbo ser e estar

SÂNSCRITO LATIM

as-mi s-um
as-i es
as-ti es-t
s-mas s-umus
s-tha es-tis
s-anti s-unt
Fonte: Beekes (1995, p.15).

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


106 UNIDADE III

Apesar de, na época, a sua hipótese não ter sido explorada de forma mais aprofun-
dada, Willian Jones constituiria, mesmo que de maneira indireta, o fundamento
para o movimento que, posteriormente, seria conhecido como linguística his-
tórico-comparativa. A concepção saussuriana sobre esse assunto afirma que se
trata do terceiro período dos estudos sobre a linguagem humana, pois:
[...] descobriu que as línguas podiam ser comparadas entre si [...]. Em
1816, numa obra intitulada Sistema de conjugação do sânscrito, Franz
Bopp estudou as relações que unem o sânscrito ao germânico, ao gre-
go, ao latim etc. Bopp não era o primeiro a assinalar tais afinidades e
a admitir que todas essas línguas pertencem a uma única família; isso

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
tinha sido feito antes, notadamente pelo orientalista inglês W. Jones
[…]; algumas informações isoladas, porém, não provam que 1816 já
houvessem sido compreendidas, de modo geral, a significação e a im-
portância dessa verdade. Bopp não tem, pois, o mérito da descoberta
de que o sânscrito é parente de certos idiomas da Europa e da Ásia, mas
foi ele quem compreendeu que as relações entre línguas afins podiam
tornar-se matéria duma ciência autônoma (SAUSSURE, 2012, p. 32).

Um segundo momento dessa fase comparatista é marcado por Jakob Grimm,


em 1822, com a publicação da Gramática Alemã. Sua importância justifica-se na
continuação de estudos iniciados por de Willian Jones. Enquanto este apontou o
mistério, Grimm e seus colegas iniciaram um trabalho investigativo comparativo
que, segundo Perini (2009), o mérito não está na observação das línguas estu-
dadas (aleatoriamente e de qualquer jeito), mas por meio de métodos rigorosos
e períodos cronológicos bem definidos e capazes de reconstruir, parcialmente,
estágios pré-históricos de uma língua, bem como o grau de parentesco entre
duas ou mais línguas. A partir disso, ele propôs que as diferenças fundamentais,
observadas nas línguas, eram devidas a alterações regulares e, por conta disso,
estabeleceu-se uma lei (a Lei de Grimm), destituindo a possibilidade de um tra-
balho de pesquisa com resultados duvidosos.
Grimm estudou as línguas germânicas, distribuídas por 14 séculos, o que lhe
possibilitou determinar, além da natureza das mudanças observadas, a ordem tem-
poral em que elas ocorreram. A partir daquele momento, passaria a se considerar
não somente a comparação em si, mas também o momento histórico em que se
situavam as línguas estudadas, dando origem à denominação histórico-compa-
rativa. Como exemplo explicativo, apropriamos novamente da palavra pai e pé:

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


107

Quadro 6 - A evolução da língua

SÂNSCRITO LATIM GREGO INGLÊS


pitar pater pater father
Fonte: a autora.

A conclusão de Grimm foi que as palavras que tinham um p em sânscrito, grego


e latim, eram substituídas por um f nas línguas germânicas (inglês, alemão etc.).
Importa salientar que mesmo diante de tais estudos, havia exceções que continua-
vam sendo mistérios para Grimm, tal como para Willian Jones. Tais exceções foram,
posteriormente, desvendadas e explicadas por Karl Verner (Lei de Verner), em 1877,
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

anunciando uma nova fase dos estudos comparativos, vindo a se concretizar no ano
seguinte (1787), com o advento dos neogramáticos. Esse pesquisador não se con-
tentou em somente registrar as exceções, mas em desvendar suas regularidades nas
diversas línguas. O mistério foi desvendado quando Verner verificou a posição do
acento tônico em uma das sílabas de algumas palavras analisadas, ou seja, ele notou
que a palavra irmão em sânscrito bhrátar e em grego phráter era acentuada na pri-
meira sílaba, enquanto a palavra pai pitár e patér era acentuado na última sílaba.
Assim, por maior que seja a separação e a diferença cultural, histórica e lin-
guística, é possível enunciar regras que explicam tais diferenças, sendo possível,
também, estabelecer comparações. Para exemplificar, veja os numerais em dife-
rentes línguas indo-europeias e observe as semelhanças:
Quadro 07 - Os numerais na trilha do tempo

Português Francês Italiano Inglês Latim Grego Sânscrito


um un uno one ūnus oínē ékas
dois deux due two duo dúō dvà
três trois tre three trēs treîs tráyas
quatro quatre quattro four quattuor téssares catvā ́ras
cinco cinq cinque five quinque pénte páñca
Fonte: a autora.

Pelos registros teóricos dos autores e os exemplos apresentados, conclui-se que os


comparatistas, por meio da comparação sistemática das línguas indo-europeias,
procuraram retroceder cada vez mais no tempo, a fim de encontrar a língua-mãe
(indo-europeia). Assim, ao desenvolver métodos comparativos, notaram que

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


108 UNIDADE III

as línguas utilizadas na investigação apresentavam modificações sistemáticas e,


até certo ponto, regulares, capazes de criar regras para explicar regularidades e
semelhanças entre elas, classificando-as, posteriormente, em famílias. É impor-
tante alertar que, apesar de o indo-europeu ter sido reconstruído com base no
método científico, há de se fazer ressalvas quanto ao seu grau de correspondên-
cia com a realidade, pois se trata de uma língua hipotética, pelo fato de não haver
quaisquer registros escritos dessa língua.
Agora que conhecemos um pouco da genealogia das línguas indo-euro-
peias, poderíamos nos perguntar se houve críticas em relação a esse método

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comparativo. Todo método de pesquisa de qualquer área desperta tanto o lado
daqueles que concordam quanto daqueles que discordam e, não foi diferente
em relação ao comparativismo que não ocorreu sem uma infinidade de crí-
ticas. Uma delas se justifica no fato de Franz Bopp ter se preocupado apenas
em comparar línguas de diferentes famílias e situadas em períodos bastante
heterogêneos, visando a estabelecer as relações de parentesco entre elas. Por
vezes, isso causava distorções teóricas, pois comparar um estado sincrônico
de uma língua que está situada 2000 anos atrás com o de uma língua que está
situada a apenas 500 anos não poderia levar a conclusões seguras sobre a lín-
gua da qual se originaram.
Devido a esse fato, a gramática comparada não passou incólume ao crivo de
alguns estudiosos da época. No que diz respeito a essa questão, ressaltamos que:
[...] o primeiro erro, que contém em germe todos os outros, é que nas
investigações, limitadas, aliás, às línguas indo-europeias, a Gramática
comparada jamais se perguntou a que levavam as comparações que
fazia, que significavam as analogias que descobria. Foi exclusivamente
comparativa, em vez de histórica. Sem dúvida, a comparação constitui
condição necessária de toda reconstituição histórica. Mas por si só não
permite concluir nada. A conclusão escapava tanto a esses comparatis-
tas quando consideravam o desenvolvimento de duas línguas como a
um naturalista o crescimento de dois vegetais (SAUSSURE, 2012, p. 34).

Ainda elencando as críticas, registramos, também, as palavras de Câmara Júnior


(1977, p. 38):
[...] a gramática comparativa [...] tem sido alvo ultimamente de certa
desconfiança por parte de diversos linguistas em virtude de se ter com-

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


109

provado uma possibilidade de influência, por contacto, entre línguas


geneticamente separadas [...]. Ao depreender um paralelismo de for-
mas, o pesquisador pode interpretar como índice de origem comum o
que é apenas resultado da difusão de um elemento em outros âmbitos,
que desta sorte o tomaram de empréstimo.

Posteriormente, os comparatistas passariam a notar que, apesar da semelhança


entre essas línguas, havia modificações no sistema vocálico e consonantal que as
tornavam bastante diferentes. Desenvolveram a hipótese de que o seu inventário
de consoantes e de vogais, sobretudo, estas últimas, estavam sujeitas a variações
regulares, mas, mesmo assim, ainda não conseguiam explicar certos fenômenos.
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Estes só seriam claramente elucidados pela corrente teórica seguinte, ou seja, a


dos neogramáticos apresentadas a seguir.

JOVENS GRAMÁTICOS: O ADVENTO DA NEOGRAMÁTICA

Dentro dos conceitos e com autores que caracterizam os estudos históricos com-
parativos do século XIX, a tendência que predominava naquela época se pautava
em métodos de comparações das línguas ao ciclo de vida das plantas e dos ani-
mais, ou seja, elas nascem, crescem e morrem. Segundo Martelotta (2013), essa
concepção explica o fato de línguas antigas, como o latim, por exemplo, desapare-
cerem, deixando outras línguas como supostas filhas (português, espanhol, italiano,
francês etc.). O autor salienta que, em um determinado momento, tais considera-
ções justificavam uma:
[...] concepção de que as línguas mudam em direção a uma espécie de en-
velhecimento ou deterioração foi combatida por uma segunda geração de
comparatistas [...] que propuseram uma visão de mudança uniformitária, ou
seja, circular, constante e não degenerativa (MARTELOTTA, 2013, p. 51).

Os comparatistas discordantes são denominados como neogramáticos (em ale-


mão, Junggrammatiker, jovens gramáticos) e se caracterizam como um “movimento
surgido na Universidade de Leipzig, que teve como representantes principais
Karl Brugmann, Hermann Osthoff, Berthold Delbrück, Jakob Wackernagel e
Hermann Paul” (MARTELOTTA, 2013, p. 70). Iniciou-se, na última metade do
século XIX, no ano de 1878, mediante a publicação do primeiro número da revista

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


110 UNIDADE III

Morphologischen Untersuchunge (Investigações Morfológicas), por Karl Brugmann


(1849-1919) e Hermann Osthoff (1847-1909), em meio a um clima de tensão aca-
dêmica. Posteriormente, o movimento foi considerado reformador para o cenário
dos estudos sobre a linguagem.
Podemos considerar como caráter embrionário do surgimento dos neo-
gramáticos o fato de os comparatistas, ao tentarem explicar a transformação
das oclusivas surdas /p/, /t/, /k/ do indo-europeu nas fricativas surdas /f/, /θ/,
/x/ do germânico, muitas vezes se deparavam com casos que fugiam às regras.
Por falta de explicações mais elaboradas, os comparatistas tratavam esses casos

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
como exceções. No entanto, o linguista dinamarquês Karl Verner (1846-1896),
ao estudar a mudança das consoantes do indo-europeu para o germânico, notou
que o acento desempenhava um importante papel nessa mudança. Isso lhe pos-
sibilitou explicar o motivo de algumas transformações das oclusivas surdas /p/,
/t/, /k/ do indo-europeu nas fricativas sonoras /b/, /d/, /g/ no germânico. Desse
modo, as aparentes exceções constatadas pelos comparatistas eram, na verdade,
apenas a manifestação de uma mesma lei de transformação, aplicada de maneira
não uniforme e efetivada em ambientes fonemáticos diferentes.
Ao contrário dos comparatistas que sustentavam uma concepção naturalista de
língua fundamentada no evolucionismo darwiniano, os neogramáticos, movidos
por uma concepção positivista, defendiam a importância da consideração da lín-
gua atrelada aos falantes, introduzindo, dessa maneira, uma orientação psicológica
subjetivista no tratamento dos fenômenos responsáveis pela mudança linguística.
Assim, paulatinamente foi se abandonando a ideia de língua como organismo vivo.
Os linguistas de então procuraram mostrar que as línguas não poderiam ser con-
sideradas organismos vivos, pois estavam intimamente ligadas aos seus falantes.
Além disso, a tradicional divisão em famílias e a sua esquematização na forma de
árvores e ramos, ideia herdada da botânica, passou a ser considerada problemática,
pois, no caso de línguas antigas, não era possível determinar os seus dialetos e varia-
ções regionais, pois eram sumariamente desconsiderados, no método comparativo.
Diferentemente de seus predecessores, os neogramáticos visavam a desven-
dar as regras que regem a mudança nas línguas, opondo-se, dessa maneira, aos
pressupostos histórico-comparatistas, que tinham por objetivo apresentar as

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


111

relações sistemáticas e as correspondências entre as línguas indo-europeias, de


modo a reconstruir a sua língua-mãe.
Utilizando-se do quadro teórico sobre os neogramáticos apresentados por
autores, como Coutinho (1976), Câmara Júnior (1980; 2011), Martelotta (2013),
Faraco (2005; 2011), afirmamos que o referido movimento pode ser caracteri-
zado como um divisor de águas, bem como a consolidação de um estudo sobre
a linguagem. Os neogramáticos, adeptos ao positivismo, criticavam a concepção
naturalista da língua (semelhante a plantas e animais) e também desconsidera-
ram a busca pela língua primitiva (no caso, a hipotética indo-europeia).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em vez de reconstruir os estágios mortos das línguas passadas, a preocupa-


ção dos neogramáticos foi estudar as línguas vivas atuais, apreender e investigar
seus mecanismos de mudanças, por meio do indivíduo falante, pois a língua
existe nele, e sua mudança também ocorre por ele, ou seja, a língua não é mais
vista como algo que está fora do falante. A partir desse momento, os postulados
teóricos desenvolvidos para compreender as mudanças linguísticas deram-se não
mais pelo viés pré-linguístico (do certo e do errado) ou paralinguístico (bioló-
gico, como se estuda as plantas), mas por um aspecto baseado em uma orientação
subjetivista para explicar e justificar tais mudanças.
Há alguns conceitos básicos e elementares que precisamos absorver sobre essa
fase, tendo como parâmetro o seu aspecto principal concentrado na mudança
linguística, entre os quais, destacamos: leis fonéticas, analogia e tese do relati-
vismo linguístico. Vamos compreender esses conceitos:
a) Leis fonéticas: caracterizam-se pelo fato de que as mudanças sonoras
ocorrem em um processo mecânico de regularidade absoluta em todas as
ocorrências, no mesmo ambiente e em todas as palavras, sem admitir exce-
ções, justificando-a como leis. Estas reafirmam a consolidação de que tais
mudanças não ocorrem a esmo, mas por meios de regularidades que atingem
os mesmos elementos e em todas as situações. Para exemplificar, os encon-
tros consonantais /kl-/ (grafada como cl) e /pl-/ do latim se transformou na
consoante / ‘ʃ/ (grafada ch) em língua portuguesa. Vejamos um exemplo:

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


112 UNIDADE III

Quadro 8 - Leis fonéticas

latim português
clamare chamar
clave chave
plenu cheio
plicare chegar
Fonte: a autora.

b) Analogia: ocorre na impossibilidade de explicar os processos mecânicos


regulares da forma como se espera, gerando novas criações e modificações

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
em determinada palavras, estabelecendo uma espécie de quebra dos padrões
gramaticais postos que as pessoas estabeleciam entre palavras distintas, a par-
tir da identificação de semelhanças. Vamos ver um exemplo sobre esse caso:
Quadro 9 - Analogia das palavras

latim português
stēlla estrela: o r foi adquirido por analogia/influência da palavra astro.
forestis floresta: o l foi adquirido por influência da palavra flor.

Fonte: a autora.

c) Relativismo linguístico: baseia-se na supressão da tradicional visão lógica


e universal das línguas, passando a considerar o caráter social que considera
tanto a arbitrariedade da língua quanto as diferenças culturais. Isso significa
que cada língua reflete sua própria história (por isso é relativa), ou seja, não
é mais possível considerar uma teoria universalista, exceto algumas carac-
terísticas atribuídas a todas as línguas. Nesse caso, qualquer língua se define
como articulada, arbitrária, variável e é sempre suscetível de mudança no
tempo e no espaço. Observemos uma situação de ocorrência de relativismo:

Quadro 10 - A relatividade da língua

LATIM PORTUGUÊS
Plaga Praia
clauum cravo
Fonte: a autora.

Se fizermos um comparativo com o item a (leis fonéticas), observaremos que há


uma contradição na explicação, pois plaga inicia com /pl/ e, supostamente, no
português teria que ser chaia, em vez de praia. O fato ocorre em clauum, pois,

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


113

pelas leis fonéticas, em português deveria ser chavo, em vez de cravo. Este é um
dos exemplos explicativos de um caso de relatividade da lei, por ser introdu-
zido tardiamente (relatividade no tempo) ou mesmo por pertencerem a um falar
meridional do território português (relatividade no espaço). Em se tratando de
relativismo linguístico, é oportuno registrar a afirmação de Câmara Júnior (1980)
sobre a impressão de que em todos os vocábulos (palavras) ocorre a impressão
de que os elementos fonéticos parecem achar-se nas mesmas condições, mas
que, na verdade, muitos escapam à lei.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

Em relação ao movimento intelectual dos estudos sobre a língua do século


XIX, tínhamos um estudo limitado sobre ela, pois o contexto histórico e so-
cial daquele momento exigia resultados relacionados ao aspecto temporal,
expressos na cronologia e na evolução das línguas, mediante um retorno à
língua mãe das línguas existentes. Somente no século XX surgiu a Linguísti-
ca, por meio da teoria de Ferdinand de Saussure registrada no livro Curso de
Linguística Geral (CLG), enquanto ciência específica para refletir sobre a lín-
gua, por meio de um método de estudo que além de estabelecer seu objeto
(a língua), produziu um divisor de águas entre o que se havia estudado antes
e como ela seria pensada a partir desse momento, deixando para trás as ve-
lhas teorias, bem como revolucionando as investigações científicas. Apesar
dessa revolução científica, os estudos e, sobretudo, o ensino sobre a língua
continuaram (e ainda resistem) pautados em um modelo filológico e lógico.
Fonte: a autora.

Esse movimento provocou mudanças profundas nos estudos linguísticos daquele


tempo e uma reconfiguração do pensamento sobre a temática, culminando, no
início do século XX, na oficialização de uma ciência específica para se refletir
sobre a língua, a partir dos cursos ministrados por Ferdinand de Saussure e o
lançamento do livro CLG, conforme trataremos na próxima unidade.

Os Estudos da Linguagem na Idade Contemporânea: A Gramática Histórica-Comparativa e a Neogramática


114 UNIDADE III

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Apresentamos, nesta unidade, de forma sistemática, uma introdução aos estudos gra-
maticais, partindo da Idade Média e chegando ao fim do século XIX. Primeiramente,
tratamos da gramática especulativa, no contexto histórico medieval, para que você
seja capaz de compreender as diferentes concepções de estudos sobre a língua que,
nesse período, era pensada como algo que pudesse refletir, tal como um espelho, a
realidade entre a palavra e o objeto designado. Contudo, não há teorias definitivas,
e isso justifica um novo pensamento a respeito da língua, como os estudiosos que

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
desenvolveram a gramática de Port-Royal, que passaram a pensar em uma língua
perfeita e sem ambiguidades, uma espécie de ilusão acadêmica que não deu conta
de explicar o caráter heterogêneo, variável e constantemente mutável da língua.
Posteriormente, vimos como os comparatistas do século XIX criaram méto-
dos de comparação entre as línguas naturais existentes, a fim de comparar graus
de semelhanças entre elas, vislumbrando a reconstrução da língua-mãe (a indo-
-européia) de todas as línguas estudadas por eles. No entanto, todas as teorias
sempre despertam o lado crítico de outros estudiosos, seja para concordar, dis-
cordar ou mesmo remexer nos resultados para continuar um pensamento sobre
a língua que jamais poderá estagnar, dado sua característica de sempre estar em
processo de mudança. Motivo pelo qual surgiram os neogramáticos, estabele-
cendo teorias consistentes capazes de explicarem as semelhanças e mudanças
ocorridas nas línguas, deixando um importante legado para um estudioso inquieto
que surgiu no início do século XX e transformou os estudos, até então desen-
volvidos, com sua capacidade intelectual capaz de revolucionar os estudos da
linguagem humana. Vamos conhecer Ferdinand de Saussure?

OS ESTUDOS PRÉ- SAUSSURIANOS DA LINGUAGEM:


115

1. Nesta unidade, fizemos um breve registro sobre o modo como se pensava a


língua na Idade Média e na Idade Moderna. A evolução desses estudos e suas
interpretações foram sendo aperfeiçoadas, abandonadas e retomadas em des-
cobertas científicas disponibilizadas em gramáticas específicas, como a espe-
culativa e a de Port-Royal. Leia e analise as assertivas seguintes sobre as referi-
das gramáticas:
I. A gramática especulativa é resultante de uma fase que interpreta a língua
como um espelho, pois as palavras expressam o pensamento e sua realida-
de, por meio da coisa designada.
II. A gramática de Port-Royal caracteriza-se com a concepção de que a língua é
algo universal, concebida a partir de princípios racionais e lógicos aplicáveis
a todas as línguas do mundo. Neste caso, não haveria necessidade de conti-
nuar pensando sobre a língua e sua funcionalidade prática.
III. Tanto a gramática especulativa, quanto a de Port-Royal representam uma
fase dos estudos sobre a linguagem que representa uma fase de intrigas
teóricas entre Ferdinand de Saussure e pensadores, como Antoine Arnauld
e Blaise Pascal.
IV. O objetivo central da gramática de Port Royal foi criar mecanismos auto-
matizados para uma língua que, para os seus autores, deveria ser perfeita, e
sem ambiguidades. Teoria que se desfaz, mediante o conhecimento que já
possuímos sobre a mutabilidade e a variabilidade da língua.
É correto apenas o que se afirma em:
a) I, II e III.
b) I e II.
c) I e IV.
d) II e III.
e) I, II e IV.

2. No vídeo disponível na seção Material Complementar, na Web, você percebe-


rá que o linguista Marcos Bagno é um dos defensores da língua portuguesa
brasileira, assumindo que há diferenças entre o português de Portugal e do
Brasil e propõe mudanças pedagógicas no processo de ensino da nossa língua
materna, pois falamos uma língua e a escola nos ensina as regras da língua do
povo português. Sobre a língua portuguesa brasileira, leia as assertivas a seguir
e complete as lacunas:
116

I. A língua portuguesa brasileira pode se definir como oriunda da família


___________, pois foi dela que originou o _________ que, posteriormente,
chegou a Portugal e, por meio de um projeto de _______________ atraves-
sou o Atlântico, ancorando na costa brasileira e aqui passou por transforma-
ções, estabelecendo-se por uma prática heterogênea ao encontrar com ou-
tros povos e uma variedade de línguas, como ___________ e ___________.
A única alternativa correta é:
a) Indo-europeia, latim, colonização, indígenas e africanos.
b) Indo-iraniana, inglês, democratização, japoneses e indígenas.
c) Indo-europeia, latim, colonização, chineses e africanos.
d) Indo-europeia, sueco, descolonização, indígenas e africanos.
e) Indo-europeia, indo-iraniana, descolonização, indígenas e africanos.

3. O colonizador português, ao ancorar em terras brasileiras e estabelecer os pri-


meiros contatos com os povos que aqui viviam, percebeu que nas línguas indí-
genas faltavam as consoantes F de fé, R de rei e L lei, marcando a ausência de
três poderes básicos predominantes nos países europeus do século XVI: um
poder religioso, um poder real central e uma administração jurídica. Sobre a
formação da língua portuguesa brasileira, assinale a alternativa correta:
a) O fato de não existir as consoantes f, r, e l nas línguas indígenas significa que
não havia religiosidade, organização política e jurídica entre as tribos e, por
isso, precisou da intervenção linguística dos colonizadores portugueses.
b) Apesar das resistências nas discussões sobre o nome da nossa língua, pode-
mos nomeá-la como língua portuguesa brasileira, justificando-se na misci-
genação de vários povos e na formação linguística de um novo país.
c) Quando os colonizadores portugueses chegaram ao Brasil e se depararam
com as línguas indígenas, abandonaram sua língua portuguesa e decreta-
ram os falares dos nativos como a língua oficial da colônia brasileira.
d) Em relação às diferenças entre a língua dos colonizadores e as dos coloniza-
dos, os relatos descritivos da época, sempre enaltecem as línguas indígenas
e as classificam como tão importante quanto as línguas europeias.
e) A ação jurídica portuguesa denominada Diretório dos Índios, instaurada por
Marquês de Pombal, tinha como objetivo fortalecer o ensino das línguas
indígenas nas escolas para melhorar as relações entre Brasil e Portugal.
117

4. Observe as palavras cabeça e campo nas línguas relacionadas a seguir:

latim italiano espanhol português


caput capo cabo cabeça
campus campo campo campo

Você notou que há regularidades entre tais palavras, ou seja, há correspondên-


cia fonética e semelhanças linguísticas que fizeram os estudiosos do século XIX
concluírem, mediante método de comparação, que tais palavras originaram-se
do latim. Sobre a gramática histórica comparativa, leia as assertivas a seguir e
considere sua veracidade ou falsidade.
I. ( ) Dentro da concepção teórica comparatista do século XIX, ao observar as
palavras apresentadas na tabela, podemos afirmar que esse método de es-
tudo tem como objetivo classificar as línguas estudadas conforme seu grau
de semelhanças.
II. ( ) Ao observar a tabela comparativa, podemos afirmar que os comparatis-
tas – entre os quais podemos nomear Ferdinand de Saussure como o princi-
pal representante desse movimento – estudaram as línguas amparados em
um método histórico (diacrônico).
III. ( ) O movimento histórico-comparativo caracteriza-se pela busca de uma
língua-mãe que, mediante as diferenças fonéticas, ortográficas e de acentu-
ação, justifica o pertencimento de línguas filhas.
IV. ( ) Ao observar a tabela ciente de que se trata de um estudo comparativo
da língua, podemos afirmar que foi um importante movimento, oficializado
em 1816, por Franz Bopp, pelo lançamento da obra que comparava a língua
sânscrita com a grega, a latina, a persa e germânica.
A única alternativa correta é:
a) V, F, V, F.
b) F, V, V, F.
c) V, F, F, V.
d) V, V, F, F.
e) F, F, V, V.
118

5. Sobre os métodos de estudo comparativo e neogramático, leia as informações


contidas no quadro seguinte:

histórico-comparativo neogramático
O marco oficial dos estudos históri- O movimento neogramático surgiu
cos comparativos da língua ocorre em 1878, por intermédio de um
1
em 1808, com Fredrich Von Schele- grupo de jovens estudantes na
gel. universidade alemã de Leipzig.
O método histórico-comparativo A principal característica do
define-se pela busca de classificar as movimento neogramático é o
línguas conforme seu grau de seme- fortalecimento do método histó-
2
lhança. Ademais, configura-se como rico-comparativo, principalmente
o primeiro ensaio científico dado à por concordarem com a relação da
língua. língua com as plantas.
O objetivo central dos neogramá-
O objetivo central dos comparatistas
ticos era estudar as línguas vivas e
era descobrir as semelhanças entre
3 investigar as mudanças ocorridas
as línguas, mediante classificações,
ao longo do tempo, por meio do
até chegar na língua-mãe.
falante.
Leis fonéticas, analogia e relativismo Os neogramáticos consideravam
são métodos de estudos dos compa- como exceções todas as alterações
4 ratistas para explicar os fenômenos que escapavam de uma regula-
que escapavam de uma regularidade ridade sistemática nas línguas
sistemática nas línguas. estudadas.

Sobre as referidas informações disponibilizadas na coluna da gramática histó-


rica-comparativa e da neogramática, assinale a única alternativa correta:
a) Na linha 1, a afirmação sobre o método comparativo está correta, e a que se
refere à neogramática está errada.
b) Na linha 2, a afirmação sobre o método comparativo está errada, e a que se
refere à neogramática está correta.
c) Na linha 3, a afirmação sobre o método comparativo está correta, e a que se
refere à neogramática também está correta.
d) Na linha 4, a afirmação sobre o método comparativo está correta, e a que se
refere à neogramática está errada.
e) Todas as afirmativas dispostas sobre o método histórico-comparativo estão
corretas, enquanto as que se referem à neogramática estão erradas.
119

LÍNGUA BRASILEIRA: TRAJETOS HISTÓRICOS


Na obra, Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensino no Brasil, a au-
tora aborda questões sobre a linguagem, especificamente, sobre a formação da língua
portuguesa brasileira, sistematizada por um processo denominado descolonização lin-
guística. O núcleo principal do livro está pautado no registro da diferença entre a língua
portuguesa do Brasil e a portuguesa de Portugal.
Ela elabora uma defesa, amparada em vários autores, em relação às palavras de origem
brasileira, os denominados brasileirismos (primeiras palavras de origem americana que
surgiram por causa das novas necessidades da vida colonial, condições climáticas e to-
pográficas, relações constantes com povos indígenas, africanos, povoamento de frontei-
ras por castelhanos, disseminação de ciganos expulsos de Portugal etc.).
Os brasileirismos apareceram desde o início da colonização nas cartas dos jesuítas, nas
crônicas dos historiadores e nos documentos literários, marcando a primeira diferencia-
ção da língua portuguesa na América, bem como constituindo expressões técnicas e
peculiares ao Novo Mundo: coisas, objetos, plantas e frutos, animais e seres novos que
não tinham designação específica na língua dos portugueses.
Sobre essa questão, a autora afirma que a nossa língua não é outra, ou seja, ela é a lín-
gua portuguesa, mas enriquecida e adaptada ao novo ambiente, pois ela foi (e é) (re)
construída para atender as necessidades linguísticas de uma nova nação que começou
a se formar, a partir do “descobrimento”, por meio do contato entre negros, aborígenes,
outros países sul-americanos e europeus.
A tentativa dos autores que estudam a temática é de se livrarem de noções pejorativas
que qualificam as palavras genuinamente brasileiras, como vícios de linguagem, erros,
fatos não legítimos, por meio de um investimento teórico rumo à formação de uma lín-
gua nacional, enquanto os índios se aculturavam e os negros se integravam e incorpora-
vam os falares da colônia, surgindo uma língua portuguesa brasileira e o estabelecimen-
to da consciência de uma tradição comum.
Tradição comum, pois apesar do prestígio do branco português preponderar, duran-
te o período colonial, não deixa de haver influência dos outros falares, ocorrendo uma
dualidade entre a língua comum e os falares regionais, pela formação de dois grupos:
a) funcionários da metrópole e aqueles que conviviam com eles e b) índios, negros e
mestiços. Por isso, a autora afirma que a língua é heterogênea, pois ela se formou dessa
120

miscigenação, apesar da persistência de alguns setores em defender que a língua por-


tuguesa brasileira é ossificada, fixada e imaginária. Fatos que, ilusoriamente, nos man-
tém nos estreitos limites dos padrões impostos por classes dominantes. Afinal, a divisão
de classes sociais também é alimentada por políticas linguísticas.
A autora defende, na sua vasta produção, que não há língua una e, no caso da nossa
língua materna, não há como negar que somos um país em que convivemos, cotidiana-
mente, com línguas indígenas – e tantas outras de nações diversas – e ao mesmo tempo
somos falantes de uma língua latina, uma língua que se inscreve na história europeia,
por intermédio da filiação ao português, mas que se reconfigura ao espaço brasileiro,
justificando sua característica de ser sempre suscetível a mudanças, ao desaparecimen-
to e à recriação. A língua está sempre em movimento, é praticada e funciona em condi-
ções determinadas. A língua é fato social e faz história.
A partir do século XIX, nossos autores começaram a trabalhar sistematicamente com
a nossa língua, sem precisar ir a Portugal para aprendê-la, e os estudos passaram a ser
feitos em gramáticas próprias. Um fenômeno denominado pela autora como processo
de descolonização linguística, bem como a legitimação da língua brasileira, a partir da
institucionalização de tais estudos por meio de gramáticas e dicionários que provavam
a maturidade dos intelectuais brasileiros e sua capacidade de refletir, cientificamente,
sobre sua própria língua.
Não podemos ignorar que o processo colonizador de Portugal instala sobre o Brasil um
poder de dominação, desqualificando as outras línguas que aqui se falavam. Os relatos
dos missionários, ao tomar o latim como modelo, desqualificaram as línguas dos povos
indígenas e as classificavam como inferiores às línguas europeias, apagando tudo aquilo
que era específico delas.
Enquanto isso, o nome da língua e uma série de outros fenômenos sobre sua estrutu-
ra continuam sendo uma questão polêmica, pois, apesar das discussões entre grupos
de estudiosos, há resistências em promover um debate científico sobre o assunto. Mas,
afinal, por que tanta resistência em admitir que nossa língua é portuguesa brasileira? A
autora faz vários questionamentos no seguinte comentário:
Por que não aceitar rupturas e diferenças como rupturas e diferenças?
Temor de ficarmos sós na história? Com tantos milhões de brasileiros?
Ou será que para estes especialistas, índios, negros, imigrantes não são
brasileiros? E que estão ainda atados a nossos “descobridores”? Quem
seriam então os brasileiros “verdadeiros”, e que língua seria esta língua
“verdadeira”. Que nome teria? (ORLANDI, 2009, p. 189).

Fonte: Adaptada de Orlandi (2009b).


MATERIAL COMPLEMENTAR

Linguística histórica: uma introdução ao estudo da história das línguas.


Carlos Alberto Faraco
Editora: Parábola
Sinopse: a obra de autoria do Prof. Carlos Antônio Faraco oferece-
nos uma ampla visão sobre os conceitos e definições inerentes à
Linguística, sob a perspectiva da evolução das línguas. Assim, o livro
ganha destaque e se coloca como leitura essencial à medida que
discorre sobre uma série de fenômenos recorrentes nos processos
de alteração linguística. Estes, por sua vez, dizem respeito aos
fundamentos epistemológicos das diversas orientações teóricas
que norteiam essa área do conhecimento. Ao lê-la, você passará a
analisar com mais propriedade os padrões de mudança linguística
que, ao contrário do que acredita o senso-comum, não implica
perda ou diminuição do valor de um determinado idioma.

Vamos ampliar nossa base teórica? Neste vídeo, o linguista Marcos Bagno apresenta algumas
reflexões sobre a língua portuguesa brasileira e a dificuldade em romper com uma tradição
de ensino ainda pautada na gramática tradicional.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=i3j6vRaklQg>.

Material Complementar
REFERÊNCIAS

BEEKES, R. S. P. Comparative Indo-european Linguistics: An Introduction. Amster-


dam: John Benjamins Publishing, 1995.
CÂMARA JÚNIOR, J. M. Princípios de Lingüística Geral. 5. ed. Rio de Janeiro: Pa-
drão, 1977.
______. Princípios de Lingüística Geral. 6. ed. Rio de Janeiro: Padrão, 1980.
______. História da linguística. 7. ed. Petrópolis: vozes, 2011.
COUTINHO, I. L. Pontos de gramática histórica. 7. ed. rev. Rio de Janeiro: Ao Livro
Técnico, 1976.
FARACO, C. A. Linguística histórica: uma introdução da história das línguas. São
Paulo: Parábola, 2005.
______. História sociopolítica da língua portuguesa. São Paulo: Parábola, 2016.
MARTELOTTA, M. E. Conceito de gramática. In: ______ (Org.). Manual de linguísti-
ca. 2. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2013, p. 43 - 70.
ORLANDI, E. P.; GUIMARÃES, E. Formação de um espaço de produção linguística: a
gramática no Brasil. In: ______. (Org.). História da ideias linguísticas: construção
do saber metalinguístico e constituição da língua nacional. Campinas: Pontes; Cáce-
res: Unemat Editora, 2001, p. 21-37.
ORLANDI, E. P. Língua brasileira e outras histórias: discurso sobre a língua e ensi-
no no Brasil. Campinas: Editora RG, 2009b.
______. O que é linguística? 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 2009a.
PERINI, M. A. Sofrendo a gramática: ensaios sobre a linguagem. 3. ed. São Paulo:
Ática, 2009.
PETTER, M. Linguagem, língua e linguística. In: FIORIN, J. L. Introdução à linguísti-
ca. 6. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2012, p. 12 - 24.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística geral. 34. ed. Tradução de Antônio Chelini, José
Paulo Paes e Izidoro Blikstein. São Paulo: Cultrix, 2012.
WEEDWOOD, B. História concisa da linguística. Tradução de Marcos Bagno. São
Paulo: Parábola, 2002.

REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <http://passadosetempos.blogspot.com.br/2012/04/guerra-da-reconquista-
-e-formacao-de.html>. Acesso em: 4 jan. 2018.
2
Em: <http://publicadosbrasil.blogspot.com.br/2016/11/qual-origem-da-lingua-
-portuguesa.html>. Acesso em: 4 jan. 2018.
123
GABARITO

1. Alternativa E.
2. Alternativa A.
3. Alternativa B.
4. Alternativa C.
5. Alternativa C.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva

IV
FERDINAND DE SAUSSURE:

UNIDADE
O BREVE SÉCULO XX E A
FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar a teoria estruturalista e o seu pensador Ferdinand de
Saussure.
■ Compreender a base teórica do Estruturalismo, seus desdobramentos
e repercussões.
■ Mediar uma análise crítica sobre a obra Curso de Linguística Geral
(CLG) e elaborar uma apresentação da teoria da língua desenvolvida
por Saussure.
■ Refletir sobre os desdobramentos da teoria estruturalista em
diferentes espaços geográficos.
■ Descrever o processo histórico da inserção da Linguística em
território brasileiro.
■ Preparar teoricamente para a posterior explicação da teoria da língua
por meio das dicotomias.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ Ferdinand de Saussure: sinopse biográfica
■ História e desenvolvimento do Estruturalismo: o corte Saussuriano
■ O curso de Linguística Geral (CLG): (in)certezas sobre um apócrifo
■ Expansão do Estruturalismo: Europa e América
■ Jovem Linguística à brasileira: breve percurso histórico
■ Um mergulho nos conceitos teóricos Saussurianos
127

INTRODUÇÃO

Chegamos em um momento muito importante da nossa trajetória de estudos da


linguagem humana, pois, nesta unidade, veremos como surgiu o Estruturalismo
e quais foram os motivos que levaram Ferdinand de Saussure, considerado o pai
da Linguística Moderna, a conceber a língua como um sistema de regras inter-
nas regidas por ela mesma, ou seja, sem precisar de mecanismos externos.
Apresentaremos, também, um panorama da linguística estruturalista e sua
abrangência, focando no mestre Saussure, a partir de uma breve biografia aca-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

dêmica para situar você sobre o responsável por toda a evolução que ocorreu em
relação aos estudos da língua, no início do século XX. Isso posto, produziremos
um tópico exclusivamente dedicado à compreensão do movimento estruturalista
fundado por Saussure, no contexto europeu daquela época, sem deixar de fazer
uma menção crítica à obra denominada Curso de Linguística Geral (CLG), por
ser considerada a “bíblia” de qualquer estudante da área de Letras que vislum-
bra ir além da apresentação básica dessa disciplina.
Como o movimento ultrapassou as fronteiras da Europa, abordaremos, tam-
bém, as especificidades da influência do Estruturalismo saussuriano, não só em
outros países da Europa, mas também no continente norte-americano (Estados
Unidos), por meio da apresentação dos principais autores. O Brasil não ficará à
margem, por meio de uma contextualização que vai da instalação das principais
universidades, bem como da posterior obrigatoriedade da disciplina em todos
os cursos de Letras oferecidos em qualquer parte do país e também dos princi-
pais autores que colaboraram tanto para sua efetivação inicial, quanto para os
desdobramentos posteriores.
A leitura atenta desta unidade é de extrema importância, pois ela é a porta de
entrada para se compreender os mecanismos teóricos que fundaram a Linguística
e, além disso, é também uma preparação para adentrarmos nas famosas dico-
tomias saussurianas, apresentadas na Unidade V deste material de estudo, para
fecharmos nossa discussão nesta fase do curso.

Introdução
128 UNIDADE IV

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
FERDINAND DE SAUSSURE: SINOPSE BIOGRÁFICA

Antes de adentrar ao campo teórico da Linguística, é importante se situar sobre


os aspectos contextuais capazes de orientar na compreensão teórica de sua funda-
ção: os fatos históricos do início do século XX que refletiram sobre essa ciência, o
seu fundador, a obra que a oficializa e os principais conceitos sobre/da língua que
justificam seu caráter científico. Trata-se de fatos relevantes a serem apresentados
aos estudantes do curso de Letras, pois significam, além do caráter revolucio-
nário da teoria, a abertura para outros estudiosos refletirem sobre tais conceitos
que foram capazes de promover desdobramentos sobre essa teoria, culminando
na Linguística que temos hoje, com um vasto campo de atuação sobre a língua.
Nas leituras das unidades anteriores, em diversos momentos, foi mencio-
nado Saussure com seu importante legado deixado para a Linguística. Por isso,
iniciaremos esta unidade registrando uma breve biografia intelectual e acadê-
mica sobre o pensador que fundou a Linguística.
Segundo Normand (2009), Arrivé (2010) e Depecker (2012), em 26 de novem-
bro de 1857, de um casal pertencente a alta sociedade cultural e intelectual de
Genebra (Suíça), nasceu um menino que, mais tarde, daria conta de revolucio-
nar tudo o que se havia pensado, até então, sobre a língua. Seu nome é Ferdinand
de Saussure e, desde cedo, começa a se interessar por assuntos voltados à lín-
gua, pois, com apenas 15 anos (1872), escreveu uma obra denominada Ensaios

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


129

sobre as línguas. Em 1874, começa a estudar sânscrito e seus trabalhos lhe ofe-
recem um passaporte para fazer parte da Sociedade de Linguística de Paris, em
1876. Nesse mesmo ano, matricula-se na Universidade de Leipzig (Alemanha),
em um ambiente permeado por relações difíceis com as celebridades da gra-
mática histórico-comparativa. As tensões acadêmicas e intelectuais enfrentadas
pelo autor, segundo Normand (2009), talvez tenha sido por conta das suas ideias
novas demais para serem ouvidas ou ainda por ser um verdadeiro desbravador
das teorias comparatistas, conforme salienta Depecker (2012).
Sua frequência nas aulas sobre linguagem não era assídua, devido à redação
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de um livro que, em 1878 (21 anos), fora lançado com o nome de Memória sobre
o sistema primitivo das vogais das línguas indo-europeias. Dois anos depois, em
1880, defendeu sua tese de doutorado intitulada Do emprego do genitivo absoluto
em sânscrito.
Em 1891, inaugura a disciplina (também chamada de cadeira) de história e
comparação das línguas indo-europeias, na Universidade de Genebra, onde per-
maneceu atuando até a sua morte (observe que Saussure também lidava com os
estudos históricos comparativos). Vale ressaltar que durante sua estadia em Paris
(entre 1880 e 1891) ministra aula de gramática comparada do grego e do latim.
Outro momento importante ocorreu em 1906, quando a Faculdade de Letras
de Genebra delegou a Saussure a disciplina de Linguística Geral e, a partir desse
momento, por conta das suas funções e das necessidades do programa, cria o Curso de
Linguística Geral. É importante registrar que tais cursos ocorreram em três momen-
tos, com duração de um semestre: Curso I, em 1907; Curso II, entre 1908 e 1909; e
Curso III, entre 1910 e 1911. No ano de 1912, Saussure ministra seu último curso de
gramática comparada, suspendeu suas aulas, por motivo de doença, vindo a falecer
em fevereiro de 1913, aos 56 anos de idade, deixando um rastro de ideias inovadoras.
Em 1916, três anos após a sua morte, os colegas e alunos de Saussure Charles
Bally, Albert Sechehaye, com a ajuda de Albert Riedlinger, reconstruíram a teoria
apresentada nos referidos cursos de linguística geral, a partir das anotações feitas
pelos estudantes participantes. Esse grande empreendimento resultou na obra deno-
minada Curso de Linguística Geral, o famoso CLG, causador de dissensos e consensos
entre os linguistas que se declararam apaixonados pelo mestre genebrino, aquele que
silenciava auditórios durante a apresentação da sua ousada teoria da língua.

Ferdinand de Saussure: Sinopse Biográfica


130 UNIDADE IV

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HISTÓRIA E DESENVOLVIMENTO DO
ESTRUTURALISMO: O CORTE SAUSSURIANO

Ferdinand de Saussure e um pouco da sua vida foram brevemente apresentados no


tópico anterior e, a partir de agora, precisamos mergulhar sobre a teoria deixada
por esse grande pensador da língua. No entanto, não é possível avançar sem antes
fazer uma breve contextualização histórica do movimento estruturalista, fundado na
Europa, a partir dos cursos ministrados por Saussure, entre 1906 e 1911, e que difun-
diu suas ideias, por meio do CLG, publicado em 1916 (três anos após a sua morte),
resumindo toda a teoria saussuriana apresentada nos três cursos de Linguística Geral.
Seremos norteados, primeiramente, pela definição do Estruturalismo, suas
características e os desdobramentos que culminaram em uma mudança na forma
de agir e pensar dos indivíduos inseridos em todos os segmentos sociais. Como
não devemos pensar sobre a língua destituída dos fatos sociais e, obviamente,
daqueles que falam, ela também foi afetada por esse movimento, assim como os
demais segmentos sociais.
Pensar sobre a língua, enquanto o objeto da Linguística (já estudamos sobre
isso na Unidade I), a partir do movimento estruturalista de Saussure, exige de nós
maturidade acadêmica para compreender e refletir sobre um novo jeito de con-
ceber os estudos sobre ela, exigindo uma análise (fora do senso comum) que nos
capacite a compreender e descrever o seu funcionamento. Antes de adentrarmos
nessa caixa de novas teorias, precisamos saber que, de um modo geral, etimologi-
camente, a palavra Estruturalismo vem do latim strūctura, que significa edificação,
arranjo, organização. Ademais, o termo é derivado do verbo struěri de ordenar,

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


131

edificar, construir, ou seja, constitui-se a partir de muitas definições, sendo, pois,


ressignificada conforme os interesses de cada campo teórico (sociologia, antro-
pologia, psicologia, filosofia etc.). Para nós linguistas e, portanto, interessados em
compreender a língua, é importante focar nas seguintes definições para o termo
“estrutura”:
a) conjunto (totalidade) em que as partes relacionam-se entre si. Alterar
(retirar, mudar de lugar etc.) um elemento desse conjunto resulta na modi-
ficação dos demais elementos;
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b) entidades autônomas de dependências internas;


c) um sistema em que as partes estão solidárias com o todo. Arranjo, numa
certa ordem e coerência, de elementos que a compõem.

Podemos, ainda, resumir o movimento Estruturalista e sua importância, mediante


a afirmação de que se trata de um:
[...] dos factos mais significativos da história do pensamento científico
do séc. XX. E, sobretudo, não se podem compreender os progressos
incontestáveis verificados no domínio das ciências humanas sem uma
referência ao conceito de estrutura e ao papel primordial que o estudo
da linguagem assumiu na sua elaboração (CORNEILLE, 1982, p. 7).

Agora que já sabemos o que significa o conceito de Estruturalismo, é importante


justificar sua aplicabilidade no funcionamento da língua, ressignificando-o como
arranjo, ou construção, ou edificação das palavras na frase. A língua, enquanto
objeto de estudo científico da linguística e, sem esquecer de que estamos inseri-
dos em uma abordagem estruturalista, não pode ser descrita simplesmente pelos
elementos que a compõem, mas por meio da relação entre tais elementos, pois é
a partir disso que o sistema linguístico é formado (aprofundaremos sobre isso,
ao apresentar a teoria do valor, na Unidade V).
No momento, para compreendermos o que ainda virá na próxima unidade,
precisamos reter a seguinte informação sobre a teoria do valor, muito cara para
a teoria de Saussure, dentro desse campo de definição do Estruturalismo: o valor
de cada elemento não depende do que ele é por si mesmo, mas da posição que
ele ocupa em relação aos demais elementos do conjunto.
Dentro da concepção teórica do valor, a língua, então, define-se como um

História e Desenvolvimento do Estruturalismo: o Corte Saussuriano


132 UNIDADE IV

conglomerado de elementos que forma um sistema articulado, no qual cada elemento


particular obtém o seu valor a partir de sua posição na estrutura. Tais concepções
fizeram parte da revolução linguística promovida por Saussure, que considerou a lín-
gua por ela mesma, ou seja, destituída da sua dimensão histórica, analisando-a pelo
aspecto sincrônico (em um período específico, sem se preocupar com a sua evolu-
ção ao longo do tempo). A língua, a partir desse momento, é um sistema articulado
que tem suas partes arranjadas sistematicamente e os seus elementos (fonemas, mor-
femas, palavras etc.) são validados pelas oposições entre tais elementos amparados
pela estrutura, ou seja, a diferença é o seu princípio de unidade.

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Na concepção estruturalista, a língua é um sistema de relações, ou seja, um
conjunto de elementos (fonemas, morfemas, palavras etc.) ligados uns aos outros.
Cada elemento somente tem valor se estiver relacionado, por oposição, com os
outros elementos que estão interligados. Com todas essas ideias borbulhando,
Saussure – diante da sociedade do começo do século XX e das teorias dos compa-
ratistas e dos neogramáticos que já não conseguiam suprir a efervescência de um
momento histórico desafiador para a humanidade – tratou de conceber uma ciên-
cia específica para a língua, definindo-a como seu objeto, bem como instigando
seus alunos e pesquisadores de outras áreas a refletir sobre ela. Saussure busca:
[...] definir o campo da linguística, colocando-se desde o começo na
prática da língua, naquilo que consiste a experiência cotidiana de qual-
quer locutor. Para tanto, é necessário afastar-se, a princípio, o conjunto
constituído pela massa de saber gramatical (comparativo e histórico) e
dos comentários acumulados pela tradição [...]. Trata-se de descobrir a
especificidade desse saber da língua, deixando de lado o saber sobre a
língua (NORMAND, 2009, p. 45).

No entanto, para se elaborar um saber sobre o objeto da linguística (a língua),


Saussure lança uma pergunta básica e direta, buscando uma definição: “Mas o
que é a língua? (SAUSSURE, 1995, p. 17)”. Ela é um sistema que se delimita e
se define a si própria. Avançando pelo CLG, encontraremos na última página
a seguinte definição: “a Linguística tem por único e verdadeiro objeto a língua
considerada em si mesma e por si mesma” (SAUSSURE, 1995, p. 271).
Desse modo, o Estruturalismo visa estudar a língua em si mesma e por si
mesma, constituindo, portanto, um estudo imanente da língua, o que acarreta a
omissão de qualquer relação que não seja estritamente relacionada à organização

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


133

interna dos seus elementos, ou seja, todas as questões extralinguísticas são aban-
donadas no estudo da língua: são escamoteadas, por exemplo, as relações da
língua com a sociedade, a cultura, a distribuição geográfica e a literatura. Por
isso, Saussure definiu a língua como um sistema, pois seu objetivo principal era
analisar, detalhadamente, como ele se estruturava, procurando encontrar e tor-
nar explícitas as leis internas que regiam a organização dos seus elementos.
Saussure subdividiu os estudos da língua em diacrônico e sincrônico. O pri-
meiro considera a dimensão histórica da língua e as transformações nela ocorridas
ao longo do tempo, e o segundo concentra-se em um período bastante especí-
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fico da história de uma língua, considerando-a, portanto, um sistema estático.


Ao apresentar esses conceitos inovadores, o Estruturalismo rompeu com tradi-
ções anteriores, conforme já estudamos nas unidades anteriores, e estremeceu o
campo das ciências humanas, representando um dos maiores avanços do século
XX. Os seus conceitos teóricos ecoaram mais tarde, ainda que, por vezes, de
forma velada, nas obras de diversos pensadores, como Jacques Lacan, Claude
Lévi-Strauss, Louis Althusser, Roland Barthes e Michel Foucault, entre outros, e
se estende por vários campos: psicanálise, antropologia, história, economia etc.
Em cada campo do conhecimento, os pressupostos estruturalistas são adaptados
e definidos de maneira variada. A respeito disso, Costa (2013, p. 113) afirma que:
A rigor, não podemos falar de um conceito único para o termo Es-
truturalismo. Mesmo sem levarmos em consideração que a antro-
pologia, a sociologia, a psicologia, entre outras áreas das ciências
humanas, podem se apresentar sob a orientação de uma teoria es-
truturalista e nos restringindo aos domínios exclusivos das diversas
escolas linguísticas, torna-se evidente a impropriedade do uso in-
distinto do termo para todas elas. Entretanto, essas escolas, de um
modo ou de outro, apresentam concepções e métodos que implicam
o reconhecimento de que a língua é uma estrutura, ou sistema, e que
é tarefa do linguista analisar a organização e o funcionamento dos
seus elementos constituintes.

Fica evidente que o paradigma primário da pesquisa estruturalista é a linguagem,


vista como modelo fundamental de toda essa organização teórica até o ponto de
que alguns estruturalistas chegaram a afirmar que, fora da linguagem, não existia
estrutura. Aspecto primordial que justifica a tentativa da linguística estrutural
em se libertar das incongruências da gramática lógica tradicional concebida

História e Desenvolvimento do Estruturalismo: o Corte Saussuriano


134 UNIDADE IV

pelos gregos, sob a justificativa de que as categorias gramaticais deveriam ser


estabelecidas, exclusivamente, a partir de critérios formais, o que praticamente
equivale a dizer que elas deveriam ser estabelecidas a partir de uma análise das
oposições presentes no plano linguístico.
Quando ocorreu essa ruptura, passou-se a postular que as categorias grama-
ticais das línguas particulares deveriam ser estabelecidas a partir dos resultados
observados em sua análise, e que elas deveriam apresentar um caráter estrita-
mente formal, sem influência da significação, da lógica ou da filosofia. Assim,
os modelos preconcebidos, baseados, sobretudo, na língua latina ou grega, que

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constituíam, por assim dizer, a fundamentação da gramática tradicional, foram
sumariamente rejeitados como modelos de descrição gramatical por apresenta-
rem conceitos vagos e inaplicáveis em línguas com estrutura gramatical diversa,
como a pertencente ao ramo das línguas indo-europeias.
Esse posicionamento teórico e metodológico deveu-se ao esforço dos estru-
turalistas em oferecer maior rigor e objetividade científica em suas análises, pois
procuravam analisar as línguas e oferecer descrições de seu sistema e funcio-
namento sempre circunscritos em determinada comunidade linguística e em
determinada época. Essa forma de considerar os fatos teve um papel decisivo no
ensino de línguas, porque, antes do Estruturalismo, apresentava-se aos alunos
apenas a língua literária; a partir da conjuntura estruturalista, passou a utilizar-
-se a língua falada, em diferentes registros de fala. Assim, além de oferecer ao
aluno um contato com a língua em seu uso real, a gramática estrutural procu-
rava, também, apresentar uma descrição da língua falada que tivesse, de fato,
utilidade para o aluno como instrumento de comunicação.
Após essa breve apresentação, retomamos o título deste tópico para explicar
a que se refere o conceito “corte saussuriano”. Segundo Silveira (2016), a expres-
são significa uma nova posição teórica em relação aos estudos da língua, pois
coloca em xeque tudo o que fora dito antes, e é a partir desse corte que começa
uma nova história nesse campo do conhecimento. Obviamente que ele não ficou
imune às críticas e ressignificações que começaram logo após o lançamento do
CLG e o registro das ideias ainda incompletas de Saussure e, apesar da arena con-
flituosa que essa obra sempre provoca, ela ainda continua na linha de frente dos
estudos linguísticos, conforme relataremos, brevemente, a seguir.

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


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O CURSO DE LINGUÍSTICA GERAL (CLG): (IN)


CERTEZAS SOBRE UM APÓCRIFO

Já sabemos que Saussure lançou uma ciência, rompendo com os estudos ante-
riores, denominando-a como linguística sincrônica (ou estática), bem como
estabeleceu um pensamento rigoroso sobre ela. Sabemos, também, que o CLG
é o marco oficial do lançamento do Estruturalismo no continente europeu e
nele está registrado a teoria básica e elementar do pensamento saussuriano. No
entanto, como nos demais segmentos, no campo científico também há divergên-
cias teóricas entre pensadores, questionamentos sobre resultados de pesquisas e,
acima de tudo, debates fervorosos que dividem os grupos em discordantes, con-
cordantes ou com opiniões parciais entre as duas posições. Situações que não
deixam de ser favoráveis e positivas para o campo científico, pois é no entremeio
dos burburinhos acadêmicos que as pesquisas avançam.
Sobre ao CLG, um campo fértil para tais incertezas foi gerado em relação a
sua autoria, pois como já registramos, seu lançamento ocorreu em 1916, ou seja,
três anos após a morte de Saussure (1913), mediante compilação das anotações
feitas por dois alunos – Charles Bally e Albert Sechehaye – a partir de três cur-
sos que o mestre genebrino ministrou, entre 1907 e 1911, na Universidade de
Genebra. Essa obra contém os conceitos teóricos fundamentais do Estruturalismo:
a língua como um sistema articulado e interconectado entre si.
Apesar da importância da obra sobre os fundamentos teóricos da ciência

O Curso de Linguística Geral (CLG): (in)Certezas Sobre um Apócrifo


136 UNIDADE IV

linguística, é sobre sua autoria que está o impasse sobre a legitimidade de tais teo-
rias e até que ponto pode-se considerar sua veracidade científica. Uma questão
que gera muitos debates, resultando na produção de uma infinidade de produ-
ções acadêmicas entre os que concordam e aceitam o que está registrado na obra e
aqueles que questionam a originalidade da teoria apresentada. Independentemente
dos resultados dessas intrigas acadêmicas, o CLG continua sendo o principal
registro da teoria saussuriana e o grande causador dos desdobramentos que resul-
taram em um leque de teorias linguísticas hoje disponíveis a todos que almejam
desenvolver pesquisas na área. Mas isso não impede que ele seja alvo de discus-

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sões, até hoje, nas mesas redondas e simpósios promovidos pelas instituições de
ensino. Sobre esse aspecto, é salutar afirmar que:
[...] as questões e controvérsias levantadas desde o aparecimento do
Curso foram retomadas e tornadas mais complexas ao longo de sua
publicação [...]. Assim, a preocupação em compreender uma teoria e
avaliar seu lugar na história da linguística foi, muitas vezes, recoberta
pela obsessão de autenticidade, a busca do “verdadeiro” pensamento de
Saussure (NORMAND, 2009, p. 109).
Buscar as verdadeiras concepções teóricas de Saussure, diante de incertezas,
requer um posicionamento acadêmico e a certeza de que “a Linguística foi-nos
legada pelo CLG, de modo que, seja em falta, seja em falha, seja em reconstitui-
ção, o pensamento saussuriano está nele [...]” (LIMA, 2013, p. 67). A afirmativa
da autora reconhece o trabalho dos compiladores das notas dos alunos, Bally e
Sechehaye. No dizer da autora, essa ação que culminou na publicação do CLG
permitiu, de modo inédito, concluir um espaço que garantisse e assegurasse um
pensamento exclusivo de um homem surpreendente e misterioso, denominado
Ferdinand de Saussure. A geração de um livro, independentemente das condições
em que ele foi produzido, define-se como gesto sábio, afinal, os cursos ministra-
dos por Saussure “geraram um livro, o CLG, que não pode ser, definitivamente,
desconhecido dos que estudam a linguagem” (LIMA, 2013 p. 68).
Finalizamos o tópico com as palavras de Ilari (2011), que se refere ao CLG
como resultado de uma simplificação excessiva não só capaz de atribuir-lhe o
mérito de uma obra de sucesso, mas também como fruto de uma fraqueza, a ser
vencida por todos aqueles que se interessarem pela Linguística.

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


137

Ao conhecer Saussure e o CLG, você acha viável começar os estudos da lin-


guística por meio de uma obra que não foi organizada e escrita por quem
desenvolveu a teoria? Como chegar ao cerne do pensamento saussuriano?

EXPANSÃO DO ESTRUTURALISMO: EUROPA E


AMÉRICA
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Acrescenta-se ao que já foi apresentado sobre o


Estruturalismo linguístico, que, a partir desse
momento, a língua passa a ser refletida segundo
novos princípios, métodos e objetivos capazes
de conceder à linguística um lugar de excelên-
cia no campo científico. Além disso, a linguística
estrutural saussuriana abriu horizontes e pers-
pectivas para outras ciências humanas. O fato
de abrir horizontes implica que a teoria estru-
turalista não se reduziu somente ao reduto da
universidade onde Saussure desempenhava o
ofício de professor. Ele desestabilizou os pen-
samentos cristalizados para além dos países
europeus e, para exemplificar a expansão do
seu pensamento, faremos uma breve contex-
tualização da sua influência teórica em dois
continentes: o europeu e o americano.

O ESTRUTURALISMO EUROPEU

Para apresentar um breve relato genérico sobre a influência do Estruturalismo no


contexto acadêmico do continente europeu, novamente, é necessário salientar que
as ideias inovadoras de Ferdinand de Saussure e o lançamento do CLG criaram

Expansão do Estruturalismo: Europa e AméricA


138 UNIDADE IV

o ponto de partida para o desenvolvimento de novos métodos de pesquisa e de


análise tanto na Europa quanto em outros continentes, o que, por conseguinte,
acarretou o surgimento de novas teorias linguísticas, mediante sua influência, a
outros estudiosos, de suas ideias sobre a língua. A partir desse momento, a teo-
ria começa a sair da clausura do sistema.
Essas teorias foram se concretizando em movimentos acadêmicos e cien-
tíficos denominados Círculos Linguísticos (ou escolas), entre os quais os mais
importantes que ocorreram na Europa, na primeira metade do século XX,
foram os realizados em Praga (República Theca) e Copenhague (Dinamarca).

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Apresentaremos as características básicas de cada um, a seguir:
a) Círculo Linguístico de Praga (1926): segundo Ilari (2011), esse movi-
mento linguístico ocorreu entre o período das duas grandes guerras e
trouxe grandes contribuições para a teoria linguística pós-saussuriana.
Dentre os linguistas mais importantes que participaram dessa escola,
registramos o russo Nikolay Trubetzkoy e Roman Jakobson.

Trubetzkoy foi o criador da fonologia – ciência que se ocupa da produção dos


sons da linguagem humana e de suas características –, por meio da obra Princípios
de fonologia, trazendo significativas contribuições para o desenvolvimento desta,
sem deixar de assinalar sua importância no sistema da língua já apresentado por
Saussure; posteriormente, suas ideias a respeito do conceito de função na língua
dariam origem à vertente funcionalista da linguagem que tem André Martinet
como seu teórico principal.
Outro teórico importante desse Círculo é Roman Jakobson que, segundo
Guimarães (2012), é conhecido pela sua famosa teoria da comunicação humana,
representada pelos seguintes elementos: a) mensagem; b) emissor ou remetente; c)
receptor ou destinatário; d) código; e) canal ou contato; f) referente ou contexto.
Pensando ainda sobre o processo de comunicação entre os humanos, Jakobson
criou, também, as funções da linguagem que se subdividiram-se em: a) referen-
cial ou denotativa (ex.: comunicação empresarial); b) emotiva ou expressiva (ex.:
interjeições: ai, puxa, tomara); c) conativa ou apelativa (ex.: anúncios publicitá-
rios); d) função metalinguística (usa-se a linguagem para falar sobre ela mesma.
Ex.: professora o que é verbo?); e) poética (ex.: provérbios, poesias, slogans).

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


139

b) Círculo Linguístico de Copenhague: a principal contribuição desse Cír-


culo, fundado em 1931, está representada pelas figuras de Louis Hjelmslev
e Viggo Brøndal, por meio de uma teoria linguística que traz como sig-
nificado a menor unidade linguística carregada de significação e, tal qual
Saussure, concebe a língua como unidade fechada em si mesma, percebe-
mos que, segundo Ilari (2011, p. 70), essa teoria “foi a escola de linguística
estrutural que mais, consequentemente, procurou aplicar a tese saussu-
riana de que as línguas se constituem como sistemas de oposições” e, do
ponto de vista lógico, como elas se estruturam, por meio de descrição das
línguas que prioriza as relações entre as unidades.
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O ESTRUTURALISMO NORTE-AMERICANO

Sobre a corrente estruturalista nos Estados Unidos, especificamente entre as déca-


das de 20 a 50, afirma Ilari (2011) que o projeto dos linguistas desse período era
desenvolver descrições sistemáticas e exaustivas de centenas de línguas autóctonas
(indígenas/ameríndios). Desse modo, o Estruturalismo serviu, por esse motivo,
a uma finalidade prática e imediata, tendo-se revelado eficiente para descrever as
línguas nativas do povo indígena americano. Pelo fato de essas línguas apresenta-
rem estrutura totalmente diversa das línguas indo-europeias, surgiu a necessidade
de criar princípios metodológicos apropriados para a sua análise e descrição.
As particularidades epistemológicas inerentes ao Estruturalismo ameri-
cano conferiram a ele um caráter antropológico e etnológico, motivo pelo qual as
estruturas linguísticas eram vistas como intrínsecas e indissociáveis do contexto
sociocultural em que haviam surgido. As pesquisas mais significativas que funda-
mentam esse período de estudo linguístico são de Edward Sapir, Leonard Bloomfield
e Zellig Harris. De acordo com Ilari (2011), os pesquisadores americanos desse
período tinham como objetivo descrever as línguas, evitando a interferência dos
seus conhecimentos prévios, como o conhecimento da gramática inglesa ou das lín-
guas greco-latinas, pois, segundo essa orientação, cada língua tem uma gramática
própria. No entanto, segundo o autor, os estruturalistas americanos não se reco-
nheceram como discípulos de Saussure, tendo como seu representante intelectual
Leonard Bloomfield, considerado o consolidador do Estruturalismo americano, a

Expansão do Estruturalismo: Europa e AméricA


140 UNIDADE IV

partir da publicação de seu livro Language, no ano de 1933.


Bloomfield introduziu uma nova forma de considerar os fatos linguísticos que
poderia ser descrita como um sistema indutivo para evitar resultados por meio de
intuição pessoal e considerou, também, o método mecanicista de estímulo e res-
posta, introduzindo, desse modo, concepções da psicologia behaviorista em sua
teoria. Portanto, ele considerava que a língua deveria ser estudada a partir de aspec-
tos empíricos observáveis, rejeitando tudo o que estivesse fora desses domínios.
Segundo Costa (2013), seu método pautou-se em combinações de unidades
que partiriam dos fonemas para chegar aos morfemas, resultando nas palavras

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que chegariam às frases, guiadas por leis próprias do sistema linguístico. Essa
ideia se explica pelo seguinte exemplo:
a) Fonema: o / a/l/u/n/o / k/õ/p/r/o/u /u/ l/i/v/r/o.
b) Morfema: o / alun/o / compr/ou / um / livr/o.
c) Palavras: o / aluno / comprou / um / livro.
d) Sintagmas: o aluno / comprou um livro.
e) Frase: o aluno comprou um livro.
Apresentamos também, um exemplo da nossa língua materna para explicar o
fato de que a língua é regida por leis próprias: qualquer falante sem nenhuma
patologia jamais produzirá a seguinte frase: “Linguística aluno de gosta estudar
o”, ou seja, pela sequência incompreensível, descobrimos que quando falamos
obedecemos à seguinte ordem: sujeito + verbo + complemento. Então: “o aluno
gosta de estudar Linguística”. Essa é a lei própria interna que rege o sistema lin-
guístico da nossa língua materna.
Ao lado de Bloomfield, há, também, Edward Sapir, apontado como pioneiro
da linguística norte-americana do início do século XX. Embora haja alguns res-
quícios da teoria saussuriana, essa corrente posiciona-se como independente
de Saussure (há controvérsias a esse respeito, mas deixemos para uma próxima

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


141

ocasião) e Sapir é definido como aquele que rompeu os limites do Estruturalismo


do mestre genebrino, pois defende que “os resultados da análise estrutural de uma
língua devem ser confrontados com os resultados da análise estrutural de toda a
cultura material e espiritual do povo que fala tal língua” (COSTA, 2013, p. 125).
Segundo o autor, resumidamente, para Sapir, cada língua segmenta a reali-
dade a sua maneira e, desse modo, ela configura o pensamento das pessoas que
a falam. Isso significa que pessoas que falam línguas diferentes, veem o mundo
diferente também. Outro aspecto está no fato de que os modelos linguísticos
estão relacionados aos modelos sociais e culturais, e isso se sobrepõem nas dis-
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

tinções gramaticais e lexicais obrigatórias de uma língua.


Zellig Harris foi outro teórico importante da corrente americana que, em um
artigo intitulado Distributional Structure (distribucionalismo), toma ao pé da letra
o conceito de que “a análise da língua não deve contar com qualquer informação
prévia e evita, por isso, considerar o sentido; nessas condições, quando a aná-
lise começa, o linguista dispõe apenas de um corpus” (ILARI, 2011, p. 78). Vale
ressaltar que este corpus tratava-se de textos orais gravados que seriam segmen-
tados e estudados posteriormente, e o fato de desconsiderar o sentido culminou,
nos anos 60, a uma série de estudos que originaram nas teorias do sentido e que,
hoje, compõe um rol de disciplinas no currículo dos estudos linguísticos (para
exemplificar, citamos a análise do discurso que será estudada em Linguística II).
As conclusões a que chegaram os linguistas americanos devem-se, evi-
dentemente, ao estudo das línguas ameríndias, que apresentam um sistema
morfossintático bastante diverso daquele com que os linguistas europeus esta-
vam acostumados. Além disso, tais línguas situam-se num contexto físico, social
e cultural bastante peculiar, o que, muitas vezes, é refletido nas línguas analisadas.

Expansão do Estruturalismo: Europa e AméricA


142 UNIDADE IV

As contribuições do Estruturalismo ainda continuam presentes no campo


das ciências humanas, mas isso não significa isenção de críticas. Na Europa
dos anos 60, o linguista Émile Benveniste tanto divulgou as ideias de Saus-
sure quanto condenou a falta do sujeito, mediante a abstração da fala em
uma teoria que se dedicou exclusivamente à língua. Outro crítico é o filósofo
Michel Pêcheux que, mais tarde (1969), lança a corrente teórica da análise
do discurso, criticando o Estruturalismo por considerar a língua como um
sistema que se esgota nele mesmo sem produzir sentidos, desconsideran-
do a fala e o indivíduo que assume uma posição determinada quando fala.
Enquanto isso, nos Estados Unidos, Noam Chomsky também provoca uma

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
revolução científica, atingindo o Estruturalismo americano, com a teoria ge-
rativista que defende o fato de que a língua faz parte do nosso mecanismo
biológico, portanto, ela é inata, e isso faz cair por terra o princípio behavio-
rista de estímulo e resposta de Bloomfield.
Fonte: adaptado de Ilari (2011).

JOVEM LINGUÍSTICA À BRASILEIRA: BREVE


PERCURSO HISTÓRICO

Não poderia deixar de mencionar a linguística estruturalista no Brasil que,


segundo Ilari (2011), foi de grande impacto, a partir de 1960, quando professo-
res e pesquisadores experientes (como Joaquim Mattoso Câmara Júnior) foram
atraídos pela corrente teórica que despontava fortemente, passando a utilizá-la
para sistematizar suas doutrinas. Segundo o autor:
[...] por volta de 1970, pode-se dizer que o Estruturalismo já era, no
Brasil, a orientação mais importante nos estudos da linguagem, e que
tinha contribuído para criar um novo tipo de estudioso, o linguista, que
já então dispunha de um espaço próprio em face de duas figuras mais
antigas – a do gramático (interessado na sistematização dos conheci-
mentos que resultam num uso “correto” da variante padrão) e a do filó-
logo (interessado no estudo das fases antigas da língua, e na análise de
textos representativos dessas fases) (ILARI, 2011, p. 54).

Segundo o autor, o fato de a Linguística estruturalista enraizar-se no Brasil – espe-


cificamente em São Paulo e no Rio de Janeiro – significa que o linguista brasileiro
conquistou seu lugar, sem precisar se justificar perante os outros estudiosos. Dessa

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


143

conquista surgiram muitas correntes teó-


ricas de prestígio, como o gerativismo, o
funcionalismo e a análise do discurso.
Teorias que já superaram as bases de
origem do movimento linguístico
estrutural, mas que jamais o descon-
siderará enquanto componente originário
de um campo teórico riquíssimo para estudar a língua.
Segundo o autor, em São Paulo, o Estruturalismo
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

linguístico fez-se presente nos cursos de graduação e pós-


-graduação da Universidade de São Paulo (USP), em que, na
década de 60, professores, hoje renomados, como Eni Orlandi,
Izidoro Blikstein e Cidimar Teodoro Paes, recém-chegados
da França, atuaram como pesquisadores bolsistas, trazendo,
nas suas bagagens, conhecimento para criar condições de
leitura de autores como Luis Hjelmslev, André Martinet, Roland
Barthes, Julius Greimas e, obviamente, o mestre de todos, Ferdinand de Saussure.
No Rio de Janeiro, temos a figura Joaquim Mattoso Câmara Júnior como
o maior representante e iniciador da Linguística, atuando desde a década de
30 (época em que foram criados, tardiamente, os primeiros cursos superiores
de Letras). Por volta de 1941, Mattoso criou o Setor de Linguística do Museu
Nacional e lançou a primeira obra de linguística da América do Sul e de grande
importância para a afirmação da teoria denominada Princípios de Linguística
Geral. Há vários autores importantes nesse momento em que a Linguística começa
a ser implantada no Brasil – Gladstone Chaves de Melo, Silvio Edmundo Elia,
Francisco Borba e Edward Lopes –, mas nosso foco será centrado em Mattoso
Câmara. Dentre os grandes nomes desse período, Mattoso é considerado o prin-
cipal teórico, mediante a seguinte justificativa:
[...] o percurso desse linguista foi coroado por pesquisas, publicações e
traduções na área, além de ser membro fundador de muitas das tradi-
cionais associações de linguística no Brasil. Por isso, ele é considerado
o pai da linguística brasileira, introdutor do Estruturalismo no Brasil e
seu manual é o mais antigo selecionado por nós, com várias reedições e
circulação expressiva ainda hoje (SILVEIRA, 2016, p. 195).

Jovem Linguística à Brasileira: Breve Percurso Histórico


144 UNIDADE IV

Segundo Fiorin (2016), podemos assumir como marco inicial da implantação


da Linguística no Brasil o ano de 1938, quando Mattoso assume a disciplina na
Universidade do Distrito Federal. No entanto tudo ocorreu de modo muito efê-
mero com a extinção da Universidade no ano seguinte (1939). O Decreto que
criou a Universidade de São Paulo estabeleceu uma cátedra de Linguística na
Seção de Letras, mas ela jamais foi inaugurada, e as aulas de língua continuavam
amparadas em textos antigos (filologia), e não em linguística.
Apesar das dificuldades, entretanto, em 1948, Mattoso é nomeado professor
da disciplina de Linguística que fora criada na Faculdade Nacional de Filosofia da

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Universidade do Brasil, ficando neste ofício até a sua aposentadoria (em 1969); a
promoção e o reconhecimento somente aconteceu no final da sua vida, ou seja,
o professor nunca alavancou na sua carreira de linguista, e isso significa a pouca
atenção dada à disciplina que, durante a elaboração dos projetos pedagógicos,
sua extinção do currículo era sempre proposta.
Essas poucas linhas são capazes de nos fazer perceber a dificuldade e a resis-
tência em implantar a disciplina no sistema de ensino brasileiro, e hoje ela é tão
importante que faz parte, obrigatória, de todos os Cursos de Letras, desde 1962,
quando ocorreu uma reorganização pedagógica e curricular no país. Apesar
de todos os problemas internos ocorridos com a implantação da disciplina no
Brasil, Saussure e sua teoria estruturalista foram bem recebidos, por meio do
CLG, pois, segundo Silveira (2016), sua importância epistemológica foi logo reco-
nhecida pela comunidade de linguistas em todo o mundo e também no Brasil,
antes mesmo de sua tradução.
Resumindo, foi por meio da obra Princípios de Linguística Geral que Mattoso
apresentou Saussure aos brasileiros pela primeira vez e, diante da apresentação
sobre a disciplina no território brasileiro, registramos a seguinte pergunta: “qual
é o balanço total da ‘herança’ saussuriana na linguística brasileira”? Hoje, ela está
concretizada e em contínuo processo, por meio de uma infinidade de pesqui-
sas desenvolvidas nas áreas da enunciação, semiótica, Análise do Discurso etc.
Os dados apresentados sobre a implantação da Linguística no Brasil são pou-
cos elucidados e sempre silenciados na maioria das produções científicas que têm
por objetivo contar-nos as dificuldades da sua efetivação no território brasileiro.
Talvez, o objetivo seja meramente relatar o processo, elencar obras e autores, mas

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


145

sabemos que há questões de outra ordem que também influenciam nos estudos
sobre a linguagem humana. Isto é, em relação à língua também há interesses
de classes (geralmente, quem decide é a elite dominante de cada época) e, con-
forme já foi relatado, em algum lugar das reflexões que estamos tecendo nesse
material, a língua também é instrumento de interesses políticos e econômicos,
ou seja, a língua também faz parte desse emaranhado em que a lutas de classes
é constante, justificando tanto um Saussure, quanto uma linguística à brasileira
(e não europeia ou norte-americana).
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

UM MERGULHO NOS CONCEITOS TEÓRICOS


SAUSSURIANOS

Você já ouviu falar sobre as dicoto-


mias de Ferdinand de Saussure? Elas
são importantes para compreendermos
como o pensamento do pai da linguística
moderna reconfigurou as concepções
teóricas sobre a língua, justificando
o termo moderno, justamente por se
opor às teorias anteriores (antigas). É
por meio das dicotomias saussurianas
que a teoria revolucionária da língua e,
consequentemente, seus desdobramen-
tos são apresentados aos estudantes do
Curso de Letras. Esse novo jeito de pen-
sar e praticar os estudos sobre/da língua
será apresentado na próxima unidade, a
partir das principais dicotomias desen-
volvidas por Saussure.

Um Mergulho nos Conceitos Teóricos Saussurianos


146 UNIDADE IV

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Nesta unidade, apresentamos a você as bases teóricas do Estruturalismo e os fato-


res que influenciaram no seu desenvolvimento, tornando-se a base constitutiva da
Linguística Moderna. Concomitantemente a isso, no decorrer da unidade, apre-
sentamos a biografia acadêmica de Ferdinand de Saussure por ser considerado
o mentor e o fundador da teoria que revolucionou tudo o que se havia pensado
sobre a língua, até então. Motivo pelo qual ele recebeu o merecido título de pai
da Linguística, por meio da famosa obra Curso de Linguística Geral (CLG) e tam-

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
bém foi o pivô de uma série de discussões teóricas, nem sempre em concordância
umas com as outras, sobre a veracidade das suas informações.
Conforme vimos pela leitura desta unidade, saímos do reduto geográfico
embrionário, em que movimento desenvolveu-se, ou seja, o europeu, e apre-
sentamos suas especificidades nos Estados Unidos da América e seus principais
teóricos (Sapir, Bloomfield e Harris) que, assim como os pensadores pós-saus-
surianos europeus (Trubetzkoy, Jakobson, Hjelmslev), deram início às correntes
linguísticas que estudamos hoje (gerativismo, funcionalismo, sociolinguística,
pragmática, análise do discurso etc).
Elaboramos um breve relato sobre o início, não sem dificuldades, dos estudos
linguísticos no Brasil e, entre tantos pensadores importantes, elegemos Joaquim
Mattoso Câmara Júnior para representar a classe que contribuiu para o acervo
que temos hoje, bem como o lugar de excelência da Linguística nos cursos de
Letras e áreas afins.
Além do que já expomos, o grande objetivo desta unidade foi instigar você
a conhecer a teoria, propriamente dita, de Ferdinand Saussure que será o objeto
de estudo a ser desenvolvido na próxima unidade deste material. Portanto, fica
registrado, aqui, o convite para um mergulho no mar das dicotomias, afinal,
como o próprio mestre genebrino comparou: a língua não é um barco no esta-
leiro ou ancorado no cais. A língua é um barco lançado ao mar.

FERDINAND DE SAUSSURE: O BREVE SÉCULO XX E A FUNDAÇÃO DA LINGUÍSTICA


147

1. “O desenvolvimento da linguística estrutural representa um dos acontecimen-


tos mais significativos do pensamento científico do século XX. Não poderíamos
compreender os incontáveis progressos verificados no quadro das ciências hu-
manas sem compreendermos a elaboração do conceito de estrutura desenvolvi-
do a partir das investigações do fenômeno da linguagem” (COSTA, 2013, p. 114).
A respeito do movimento estruturalista, avalie as afirmações a seguir:
I. Etimologicamente, a palavra Estruturalismo vem do latim strūctura que sig-
nifica edificação, arranjo, organização. A língua interpretada pelo Estrutura-
lismo define-se como um sistema organizado por ela mesma.
II. Ferdinand de Sausure é considerado o pai da Linguística Moderna e o res-
ponsável por iniciar o Estruturalismo, mediante o lançamento de uma nova
concepção teórica sobre os estudos da língua.
III. O CLG, lançado em 1916, é uma obra que foi compilada pelos alunos de
Saussure, registrando as principais ideias sobre a linguística e o lançamento
oficial do movimento estruturalista.
IV. O Estruturalismo estuda a língua pelo método imanente que significa uma
atenção somente voltada aos seus aspectos internos e a desconsideração
dos aspectos externos, como os aspectos culturais e geográficos.
Assinale a resposta correta:
a) Somente as afirmativas I e II estão corretas.
b) Somente as afirmativas I e III estão corretas.
c) Somente as afirmativas I e IV estão corretas.
d) Somente as afirmativas I, II e III estão corretas.
e) Todas as afirmativas estão corretas.

2. Saussure, ao afirmar, no CLG (1995, p. 271), que “a Linguística tem por único e
verdadeiro objeto a língua considerada em si mesma e por si mesma”, promove
uma revolução nos estudos existentes sobre a língua e passa a desenvolver
uma teoria da língua. Tendo como base, o material de estudos, as aulas concei-
tuais e as discussões da aula ao vivo, explique, com suas palavras, o fato de a
língua ser estudada por si mesma.
148

3. Ferdinand de Saussure é considerado o pai da Linguística Moderna, e o CLG


é um clássico onde está registrada a teoria que revolucionou o campo da Lin-
guística. Tendo como parâmetro de apoio as informações sobre Saussure e o
CLG registrados nesta unidade de estudos, assinale a alternativa correta:
a) Saussure foi um teórico ousado, pois retornou aos estudos elaborados pelos
gregos e latinos e comprovou que, para estudar a língua, é preciso conside-
rar os fatores externos a ela.
b) Designar o termo apócrifo ao CLG significa que não há dúvidas sobre a sua
autoria, ou seja, ela foi escrita por Saussure, e é falsa a informação de que foi
organizada por alunos do mestre genebrino.
c) Em relação à Linguística Moderna, podemos atribuir a Saussure o título de
fundador, por ter apresentado uma teoria da língua que está resumida na
obra CLG, lançada em 1916, três anos após a sua morte.
d) O CLG é uma espécie de resumo de tudo o que já fora apresentado sobre
os estudos da língua. Ele retoma os gregos e os latinos e termina com uma
revisão sobre a linguística no Brasil.
e) Saussure é considerado o pai da Linguística porque fundou uma teoria da
língua inspirado pela sua participação em cursos ministrados pelos profes-
sores Albert Sechehaye e Charles Bally.

4. Quando pensamos no Estruturalismo e, consequentemente, na teoria da língua


desenvolvida por Ferdinand de Saussure, não podemos nos esquecer da sua in-
fluência tanto em outros campos de saberes quanto nas próprias teorias exis-
tentes sobre a língua, assegurando-nos a mencionar sobre o desenvolvimento de
linguísticas estruturais. Sobre o desenvolvimento da linguística estruturalista na
Europa, Estados Unidos e Brasil, leia as assertivas a seguir e as analise:
I. O objetivo principal da corrente estruturalista norte-americana foi desenvol-
ver descrições sistemáticas das línguas faladas dos povos nativos da região.
II. As teorias linguísticas estruturalistas desenvolvidas na Europa e no Brasil
desconsideram o pensamento de Saussure e criam métodos próprios e in-
dependentes para refletirem sobre a língua.
III. A teoria de Saussure espalhou-se para outros países da Europa, por meio de
eventos acadêmicos denominados Círculos Linguísticos, representados por
autores como Trubetzkoy, Jakobson e Hjelemslev.
IV. A efetivação da Linguística, no Brasil, não ocorreu de forma pacífica, pois
houve resistência em aceitar a teoria que estava chegando para questionar
as já consolidadas, como a filologia.
149

Assinale a resposta correta sobre as assertivas:


a) As assertivas I e II estão corretas.
b) As assertivas I e III estão corretas.
c) As assertivas I, III e IV estão corretas.
d) As assertivas I, II e III estão corretas.
e) Todas as assertivas estão corretas.
5. “Mas o que seria então a linguística para que parecesse necessário torná-la
‘geral’? O termo se impunha, depois do começo do século XIX [...] para pro-
porcionar a descrição de todas as línguas sem exclusividade e, em particular
[...] é como afirmar, então, que toda língua, enquanto tal, merece ser descrita”
(NORMAND, 2009).
A partir do texto apresentado, avalie as asserções a seguir e a relação proposta
entre elas:
I. A Linguística é uma ciência fundada no início do século XX, por Ferdinand de
Saussure, que nomeia a língua como seu único e verdadeiro objeto de estudos.
PORQUE
II. O pensador genebrino desconsidera as questões exteriores na formação de
sua teoria da língua pensando-a somente por ela mesma.
A respeito dessas asserções, assinale a opção correta:
a) As asserções I e II são proposições verdadeiras e a II é uma justificativa cor-
reta da I.
b) As asserções I e II são proposições verdadeiras, mas a II não é uma justifica-
tiva correta da I.
c) A asserção I é uma proposição verdadeira e a II é uma proposição falsa.
d) A asserção I é uma proposição falsa e a II é uma proposição verdadeira.
e) As asserções I e II são proposições falsas.
150

Já que agora conhecemos o pensador que revolucionou os estudos da língua (Saussure)


,bem como a obra responsável por apresentar a teoria desenvolvida por ele (CLG), acha-
mos oportuno registrar partes, ao menos, de algumas ideias sobre a teoria línguas desen-
volvidas, nesta obra. Iniciamos nosso empreendimento com a seguinte pergunta: qual é
a tarefa da Linguística? Há muitas respostas, mas as registradas no CLG são as seguintes:
a) buscar as forças em jogo em todas as línguas e deduzir as leis gerais às quais se possam
referir todos os fenômenos peculiares da história; b) delimitar-se e definir a si própria.
As respostas foram apresentadas, mas isso suscita outra pergunta: qual é a utilidade
da Linguística? Ela se pauta no fato de que interessa a todos que tenham que manejar
textos. Além disso, ela é importante para a cultura geral, pois a linguagem é o fator mais
importante na vida dos indivíduos e da sociedade, pois toda a gente se ocupa dela.
Talvez a explicação ainda não seja suficiente para nos convencer e, então, é oportuno
registrar a seguinte citação:
[...] a matéria da Linguística é constituída inicialmente por todas as ma-
nifestações da linguagem humana, quer se trate de povos selvagens ou
de nações civilizadas, de épocas arcaicas clássicas ou de decadência,
considerando-se em cada período não só a linguagem correta e a ‘bela
linguagem’, mas todas as formas de expressão (SAUSSURE, 1995, p. 13).
Talvez estejamos quase convencidos da importância da Linguística e, para reforçar, vale
a pena mencionar sobre a língua, por ser o seu objeto de estudo depositado no cére-
bro de cada um, enquanto um sistema que se difunde e de que todos os indivíduos se
servem o dia inteiro. Uma reflexão que suscita outra interrogação: então, a língua é uma
instituição? Vejamos o recado do mestre genebrino:
[...] as prescrições de um código, os ritos de uma religião, os sinais ma-
rítimos etc., não ocupam mais que certo número de indivíduos por vez
e durante tempo limitado; da língua, ao contrário, cada qual participa a
todo instante e é por isso que ela sofre sem cessar a influência de todos
(SAUSSURE, 1995, p. 88).
Por isso, a língua forma um todo com a vida da massa social e esta, na sua inércia natural,
aparece como um fator de conservação e vai se constituindo sempre como herança de uma
época precedente, enquanto produto de forças sociais que não é livre e atuam em função do
tempo. Se a língua tem um caráter de fixidez, não é somente porque está ligada ao peso da
coletividade, mas também porque está situada no tempo. Ambos os fatos são inseparáveis.
A todo instante, a solidariedade com o passado põe em xeque a liberdade de escolher, ou
seja, dizemos homem e cachorro porque antes de nós se disse homem e cachorro.
Toda essa herança teórica deixada por Saussure tem seu ponto de apoio na distinção
(separação) que ele faz entre a língua e a fala. Para ele, a língua é a linguagem menos a
fala, mas essa definição deixa uma lacuna, pois é preciso que haja uma massa de falante
para que exista uma língua. Em nenhum momento, a língua existe fora do fato social,
pois isso faz parte da sua natureza interna.
151

As ideias revolucionárias de Saussure quebraram paradigmas já postos em relação ao


que já tinha se estudado sobre a língua anteriormente. Entre as críticas elaboradas, ele
afirma que a gramática tradicional “ignora partes inteiras da língua, como, por exemplo,
a formação das palavras; é normativa e crê dever promulgar regras em vez de compro-
var os fatos; falta-lhe visão do conjunto” (SAUSSURE, 1995, p. 98). As críticas em relação
à gramática tradicional não significa que ela não foi (e ainda é) importante dentro do
arcabouço teórico da língua, mas é preciso pensar a língua na sua diversidade, pois é isto
que tanto surpreende, quando se passa de um país a outro, ou mesmo de um distrito a
outro. Em outras palavras “a diversidade geográfica foi a primeira comprovação feita em
Linguística; ela determinou a forma inicial da pesquisa científica em matéria de língua,
inclusive entre os gregos”. (SAUSSURE, 1995, p. 222). Por isso, faz-se necessário compre-
ender a língua na sua diversidade, haja vista:
[...] nem sempre essas línguas estão mescladas de forma absoluta; sua
coexistência, numa dada região, não exclui uma relativa repartição ter-
ritorial. Acontece, por exemplo, que, de duas línguas, uma é falada nas
cidades e a outra nos campos; tal repartição, contudo, nem sempre é
clara (SAUSSURE, 1995, p. 225).
O recorte das ideias saussurianas apresentadas aqui questiona sobre a unidade linguís-
tica, enquanto algo que dificilmente se mantém por conta da invasão de um povo su-
perior em força (como ocorreu no Brasil), mas há também por processos políticos de
colonização ou mesmo por fenômenos que vão ocorrendo (revolução digital que ocorre
hoje, e isso interfere na língua). Voltemos a Saussure:
[...] mas como a civilização, ao se desenvolver, multiplica as comunica-
ções, escolhe-se, por uma espécie de convenção tácita, um dos dialetos
existentes para dele fazer o veículo de tudo quanto interesse à nação no
seu conjunto. Os motivos de tal escolha são diversos: umas vezes se dá
preferência ao dialeto da região onde a civilização é mais avançada, ou-
tras ao da província que tem a hegemonia política e onde está sediado
o poder central; outras é um corte que impõe seu falar à nação. Uma vez
promovido à condição de língua oficial e comum, raramente permanece
o dialeto privilegiado o que era antes. Nele se misturam elementos diale-
tais de outras regiões; ele se torna cada vez mais compósito, sem todavia
perder de todo o caráter original (SAUSSURE, 1995, p. 226).
O estudante que tem a língua como sua prioridade de pesquisa não deve esquecer que
a variação linguística persiste ao lado da língua oficial que não consegue camuflar os
traços próprios de uma comunidade de falantes.
Fonte: adaptado de Saussure (1995).
MATERIAL COMPLEMENTAR

Curso de Linguística Geral


Ferdinand de Saussure
Editora: Cultrix
Sinopse: o Curso de Linguística Geral (CLG), de Ferdinand Saussure,
é uma das obras mais importantes da história da Linguística. Feita a
partir de anotações das aulas, foi publicada em 1916, três anos após
sua morte. Seus discípulos a compilaram com o intuito de difundir os
ensinamentos do mestre que havia sido o grande responsável pela
instituição da Linguística como Ciência.
Ao longo da obra, apresentam-se questões inerentes ao estudo
da língua como elemento fundamental da comunicação humana.
A partir dessas considerações, nos são apresentadas as famosas
dicotomias, o que contribuiu sobremaneira para o esclarecimento
de conceitos que, até então, eram tomados como parte da
linguagem: língua x fala; significante x significado; sincronia x
diacronia; sintagma x paradigma.
Essa obra, portanto, é uma das mais importantes referências para os estudiosos de
Linguística, bem como para os interessados em desvendar os mecanismos subjacentes ao
surgimento e à evolução da língua. Embora alguns autores contemporâneos se oponham
a alguns dos conceitos nela apresentados, interessa-nos conhecer essa obra, sobretudo, se
estamos dando os primeiros passos nos estudos da linguagem.

Este vídeo trata da vida e da obra do linguista suíço Ferdinand de Saussure (1857-1913), cujas
elaborações teóricas permitiram o desenvolvimento da linguística como ciência. Além das
informações biográficas, ele também apresenta as dicotomias e as explica com exemplos.
Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=WiURWRFcQsc>.
153
REFERÊNCIAS

ARRIVÉ, M. Em busca de Ferdinand de Saussure. Tradução de Marcos Marcionilo.


São Paulo: Parábola, 2010.
CORNEILLE, J-. P. A linguística estrutural: seu alcance e seus limites. Tradução de
Fernanda Dantas Ferreira. Coimbra: Livraria Almedina, 1982.
COSTA, M. A. Estruturalismo. In: MARTELOTTA, M. E. (Org.). Manual de linguística. 2.
ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2013, p. 103 - 126.
DEPECKER, L. Compreender Saussure a partir dos manuscritos. Tradução de Mar-
ta Ferreira. Petrópolis: Vozes, 2012.
FIORIN, J. L. Saussure e a linguística brasileira. In: FARACO, C. A. (Org.). O efeito Saus-
sure – cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p. 167 - 182.
GUIMARÃES, T. . Comunicação e linguagem. São Paulo: Pearson, 2012.
ILARI, R. O Estruturalismo linguístico: alguns caminhos. In: MUSSALIM, A. C. B.; BEN-
TES, A. C. (Orgs.). Introdução à linguística: fundamentos epistemológicos. 5. ed.
São Paulo: Cortez, 2011, v. 3, p. 53 - 92.
LIMA, H. O Curso de linguística geral e os manuscritos saussurianos: unde exoriar?.
In: FIORIN, J. L.; FLORES, V. N.; BARBISAN, L. B. Saussure: a invenção da escrita. São
Paulo: Contexto, 2013, p. 60 - 69.
NORMAND, C. Saussure. Tradução de Ana de Alencar e Marcelo Diniz. São Paulo:
Estação da Liberdade, 2009.
SAUSSURE, F. Curso de Linguística Geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo
Paes e Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
SILVEIRA, E. Saussure à brasileira: estatuto epistemológico do Curso de Linguística
Geral nos manuais publicados entre 1930 e 1980. In: FARACO, C. A. (Org.). O efeito
Saussure - cem anos do Curso de linguística geral. São Paulo: Parábola, 2016, p.
183 - 205.
GABARITO

1. Alternativa E.
2. O fato de Saussure considerar a língua como o único objeto de estudos da Lin-
guística e somente estudada por si mesma (caráter imanente) significa que ele
não considerou os fatores extralinguísticos para pensar a sua teoria (a cultura, os
acontecimentos sociais, históricos etc.). Tais fatores justificam-se na elaboração
de uma teoria que a considerava enquanto uma estrutura, ou seja, sistema em
que as partes estão relacionadas com o todo.
3. Alternativa C.
4. Alternativa C.
5. Alternativa A.
Professora Dra. Vera Lucia da Silva

OS PRINCIPAIS CONCEITOS

V
UNIDADE
DA LINGUÍSTICA SINCRÔNICA
DE FERDINAND SAUSSURE

Objetivos de Aprendizagem
■ Apresentar as definições da palavra dicotomia e sua especificidade
no contexto estruturalista da teoria de Ferdinand de Saussure.
■ Compreender a dicotomia língua e fala.
■ Refletir sobre a teoria do signo linguístico e a dicotomia significante e
significado.
■ Explicar e exemplificar a dicotomia diacronia e sincronia.
■ Conhecer, na prática, a dicotomia sintagma e paradigma.

Plano de Estudo
A seguir, apresentam-se os tópicos que você estudará nesta unidade:
■ O movimento teórico de Ferdinand de Saussure: as dicotomias
■ A dicotomia língua e fala
■ A teoria do signo linguístico e a dicotomia significado e significante
■ A dicotomia diacronia e sincronia
■ A dicotomia sintagma e paradigma
157

INTRODUÇÃO

Nesta última unidade, serão apresentadas a você, as principais dicotomias desen-


volvidas por Ferdinand de Saussure com o intuito de demonstrar sua importância
para a ciência linguística, no início do breve e apressado século XX. Foi nesse
tempo que Saussure apresentou sua proposta teórica para uma sociedade em ebu-
lição e uma teoria vigente sobre a língua que já não atendia às expectativas sociais.
Portanto, diante das teorias sobre a língua já consideradas ultrapassadas em
um momento de reconfiguração social e uma série de acontecimentos relevantes
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para a transformação da sociedade é oportuno, também, uma teoria da língua


para atender não só as expectativas do momento, mas também causar impactos
entre os estudiosos, contribuindo para a reconfiguração do cenário linguístico,
bem como os posteriores desdobramentos para uma diversidade de correntes
linguísticas que hoje faz parte dessa área do conhecimento.
Por isso, embora as divisões dicotômicas estabelecidas por Saussure pare-
çam, por vezes, irrelevantes, ao atentar às explicações e aos exemplos, notará que
elas constituem os pontos de partida para justificar o Estruturalismo, bem como
a substituição do movimento por outros que surgiram posteriormente, como a
dicotomia língua e fala, que constituiu as bases teóricas do gerativismo e do fun-
cionalismo, respectivamente.
Vale a pena refletir sobre as dicotomias saussurianas e os efeitos momentâ-
neos e posteriores causados por elas, apresentadas no decorrer desta unidade,
que marca o encerramento de um percurso sobre a língua, bem como propor-
ciona a abertura de um continuum nos estudos desse campo de saberes, em
Linguística II, a qual você terá acesso a algumas das várias correntes de estudos
que compõe o quadro atual dessa disciplina planejada para nos oferecer subsí-
dios teóricos para se pensar a língua.

Introdução
158 UNIDADE V

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O MOVIMENTO TEÓRICO DE FERDINAND DE
SAUSSURE: AS DICOTOMIAS

Estamos cientes da importância de Saussure para a compreensão da língua enquanto


objeto científico das várias correntes de pensamentos que hoje fazem parte do rol de
disciplinas que estão inseridas na grande área da Linguística. Na Unidade IV, deste
material, apresentamos a você o mestre Ferdinand de Saussure, responsável por esta-
belecer um divisor de águas entre os estudos sobre a língua e os estudos da língua,
considerando-a enquanto um sistema que funciona por ela mesma, ou seja, sem
a interferência de elementos exteriores (cultura, história, política, tecnologia etc.).
Dessa forma, por mais que haja críticas em relação ao pensamento saussu-
riano, não há como negar que suas ideias, em relação à língua, apresentadas à
comunidade acadêmica por meio do lançamento do CLG, em 1916, marcaram
oficialmente a “fundação” de uma ciência exclusiva da língua, juntamente com
um movimento intelectual denominado Estruturalismo. Um acontecimento tão
inovador que afetou não só o campo teórico da ciência que ele acabara de “fun-
dar” (a Linguística), mas também outros campos de saberes das ciências humanas
e, particularmente, a vida das pessoas que vivem em sociedade.
Na tentativa de compreender o efeito do pensamento de Saussure em uma
sociedade do início do século XX, hoje, assemelhamos tal acontecimento à revo-
lução que as novas tecnologias provocaram (e continuam afetando) nas nossas
relações sociais, intelectuais, laborais etc. Isto é, são invenções que desestabili-
zam e estabilizam, em um jogo simultâneo, a vida das pessoas, e isso justifica
a importância da Linguística e sua presença no projeto curricular de todas as

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
159

instituições de ensino que se dispõem a ofertar cursos que têm como objetivo
pensar sobre a língua(gem).
Portanto, precisamos avançar um pouco mais sobre o legado deixado por
esse pensador que desafiou o pensamento vigente do seu tempo e ousou ressig-
nificar as teorias existentes sobre a língua, mergulhando nas suas inquietudes
para repensar o que não mais era adequado para um início de século com tan-
tos acontecimentos previstos, conforme alguns que relatamos a seguir:
a) Einstein e sua teoria da relatividade (1905);
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b) Santos Dumont e seu 14 bis (1906);


c) Marinetti publica o Manifesto Futurista (1909);
d) A Ford e sua linha de produção (1913);
e) Primeira Guerra Mundial (1914);
f) Semana da Arte Moderna, em São Paulo (1922);
g) Quebra da Bolsa (1929);
h) Era Vargas, no Brasil (1930);
i) Segunda Guerra Mundial (1939);
j) Brasília inaugurada por JK (1960);
k) Revoltas estudantis (1968);
l) O homem chega à Lua (1969);
m) Cientistas isolam o vírus da AIDS (1981);
n) A chegada da internet (1983);
o) Queda do muro de Berlim e eleição de Collor de Mello para presidente
do Brasil (1989);
p) Dolly, o primeiro mamífero clonado (1996).

Tais acontecimentos e muitos outros permearam o breve século XX e, entre eles,


estão as ideias de Saussure fazendo parte da história desse tempo e, assim como os
outros, perpetuando no século XXI. Por isso, é importante continuar estudando

O Movimento Teórico de Ferdinand de Saussure: as Dicotomias


160 UNIDADE V

a teoria da língua deixada pelo mestre, pois é nesse retorno que compreendere-
mos a essência de uma teoria viva nas correntes da Linguística estudadas hoje.
A maioria dos autores, principalmente aqueles que se dedicam a escrever para
alunos das séries iniciais, apresentam a teoria saussuriana por meio das deno-
minadas dicotomias. Antes, porém, precisamos compreender o significado do
termo para, em um segundo momento, visualizar seu funcionamento. Se fizermos
uma busca simples na internet sobre o que significa dicotomia, encontraremos
vários dicionários que, de um modo geral, apresentam as seguintes definições:

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Dicotomia:
1. Origem: do grego dikhotomía e significa divisão em dois;
2. Oposição entre duas coisas;
3. Para a botânica: divisão de hastes em ramos bifurcados;
4. Para a lógica: divisão de um conceito em dois outros que abrangem toda
a sua extensão;
5. Método de classificação em que cada divisão inclui, no máximo, dois
elementos.
Fonte: adaptado dos dicionários Aulete (2017, on-line)1 e Priberam (2017, on-line)2.

Apesar do efeito vago que os verbetes produzem para um leitor ainda leigo no
assunto, por meio deles já é possível captar que se trata, grosso modo, de elemen-
tos que passam por um processo de divisão bipartida. A fórmula básica é: o um
se transforma em dois e, baseando-se nessas definições gerais, podemos ressig-
nificá-las, segundo o princípio saussuriano, de que as dicotomias estabelecidas
por Saussure formam pares opositivos, que não são excludentes, mas comple-
mentares. Assim, a língua sempre é uma entidade bipartida, um objeto duplo,
comportando duas unidades complementares, ou seja, embora no CLG não haja
nenhuma menção explícita da palavra dicotomia, no início da obra, o leitor é
alertado de que “o fenômeno linguístico apresenta perpetuamente duas faces

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
161

que se correspondem e das quais uma não vale senão pela outra” (SAUSSURE,
1995, p. 15). Desse modo, faz-se necessário ampliar a compreensão do termo,
para além do que os dicionários registram, pois:
[...] é assim que se costuma chamar os quatro pares de conceitos, que
fazem uma síntese das propostas de Saussure para a criação de um
novo objeto teórico para a Linguística. A palavra dicotomia deriva do
grego dichotomía, que quer dizer “divisão em partes iguais”. Não se deve
pensar, no caso de uma dicotomia presente no texto saussuriano, que
se trata de algo que é dividido em dois, deve-se pensar de outro modo.
Uma dicotomia em Saussure diz respeito a um par de conceitos que
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devem ser definidos um em relação ao outro, de modo que um só faz


sentido em relação ao outro (PIETROFORTE, 2012, p. 77).

Nesta unidade, apresentaremos o caráter metodológico da teoria da língua que


estava sendo desenvolvida por Saussure, a partir das principais dicotomias esta-
belecidas pelo teórico que serão estudadas individualmente:
a) Língua e fala.
b) Significado e significante.
c) Sintagma e paradigma.
d) Diacronia e sincronia.

A figura seguinte visualiza a proposta de Saussure e o desenvolvimento do seu


pensamento sobre a teoria da língua e, nas seções seguintes, veremos a defini-
ção e a exemplificação dessas dicotomias:

Língua Diacronia
LINGUAGEM e e Relações associativas (paradigmáticas)
Fala Sincronia e
Relações sintagmáticas

Figura 1 - Resumo dos conceitos de Saussure

O Movimento Teórico de Ferdinand de Saussure: as Dicotomias


162 UNIDADE V

A língua é um sistema de signos

cado Arbitrariedade
SIGNO LINGUÍSTICO e Princípios do signo e
cante Linearidade

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
Fonte: adaptado de Carvalho (1997).

A DICOTOMIA LÍNGUA E FALA

A primeira e a mais importante dicotomia saussuriana é a divi-


são que ele faz entre língua e fala, considerando-a como “a
primeira bifurcação que se encontra quando procura se esta-
belecer a teoria da linguagem” (SAUSSURE, 1995, p. 28). Para
adiantar, salientamos que Saussure não considerou a fala, mas
somente a língua para desenvolver sua teoria e, de acordo com
Carvalho (1997), ela é uma parte da linguagem, caracterizada
por três aspectos: a) acervo linguístico, b) instituição social e
c) realidade sistemática e funcional.
A língua enquanto acervo linguístico se define “como um
conjunto de hábitos linguísticos que permitem a uma pes-
soa compreender e fazer-se compreender” (SAUSSURE,
1995, p. 92). Isso significa que a língua é, no dizer saussu-
riano, “uma soma de sinais depositados em cada cérebro,
mais ou menos como um dicionário cujos exemplares,
todos idênticos fossem repartidos entre os indivíduos”
(SAUSSURE, 1995, p. 27).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
163

Nessa conjuntura teórica, Carvalho (1997) nos diz que a língua, enquanto
acervo, guarda uma experiência histórica que vai se acumulando pelo povo. Por
isso, ela é considerada essencial para os estudos linguísticos, independentemente
do indivíduo e se configura no nível psíquico como:
[...] um tesouro depositado pela prática da fala em todos os indivíduos
pertencentes, à mesma comunidade, um sistema gramatical que existe
virtualmente em cada cérebro ou, mais exatamente, nos cérebros dum
conjunto de indivíduos, pois a língua não está completa em nenhum,
e só na massa ela existe de modo completo (SAUSSURE, 1995, p. 21).
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Enquanto instituição social, Saussure afirma que a língua é um produto social e


um conjunto de convenções necessárias, adotadas pelo corpo social e, portanto,
não cabe ao indivíduo, por ele mesmo, criá-la, ou mesmo modificá-la, ou seja, ela
somente existe por meio de uma espécie de contrato estabelecido entre os mem-
bro de uma comunidade. A língua enquanto realidade sistemática e funcional
é definida por Saussure (SAUSSURE, 1995, p. 24) como de natureza homogê-
nea e um “sistema de signos que exprimem ideias, e é comparável, por isso, à
escrita, ao alfabeto dos surdos-mudos, aos ritos simbólicos, às formas de polidez,
aos sinais militares etc.”. O autor salienta o que é importante para nós, que a lín-
gua é o instrumento principal desse conjunto. Por esse motivo, nenhum falante,
por mais instruído que seja, é detentor da língua de sua comunidade linguística.
Nesse caso, a língua apenas existe de modo completo na coletividade, ou seja, na
totalidade de falantes individuais cujo conjunto de conhecimentos linguísticos
forma a língua em si.
Em relação à fala, apesar de Saussure dividir os estudos da linguagem dessa
maneira, ele mesmo reconhece que é impossível conceber a língua sem a fala,
pois juntas formam a linguagem. Assim, a fala é, por assim dizer, a atualização
da língua por falantes individuais, por isso ela é, contrária à língua, por se cons-
tituir em atos individuais e também é assistemática (e não sistemática como a
língua) pelo fato de ser múltipla, imprevisível e ilimitada.
De acordo com Carvalho (1997), sendo a fala inconstante, irreverente,
imprevisível e heterogênea, ela não se enquadra como homogênea e sistemática.
Fato que justifica o motivo pelo qual Saussure não concebeu sua teoria pela fala,
pois ela é apresentada como uma entidade heterogênea e multifacetada que se

A Dicotomia Língua e Fala


164 UNIDADE V

constitui como resultado de uma atividade individual cujo objetivo é exprimir


o pensamento pessoal, o que a torna, até certo ponto, imprevisível.
No dizer de Carvalho (1997, p. 65) “a Linguística como ciência só pode
estudar aquilo que é recorrente, constante, sistemático” e, apesar das variáveis,
ela jamais se apresenta como algo inconstante e heterogênea. Afinal, esta é uma
característica da fala e, para Saussure, impossível para ser objeto de um estudo
sistemático. No entanto, nos tempos de Saussure, ele próprio já havia percebido
que poderia haver uma Linguística da fala, mas que a Linguística propriamente
dita era a que considerava como seu único e verdadeiro objeto a língua e, naquele

Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
momento, era preciso escolher um dos dois caminhos, pois era impossível trilhá-
-los simultaneamente e, mesmo admitindo que era da língua que ele ia cuidar,
não deixaria de pedir “luzes ao estudo da fala, esforçar-nos-emos para jamais
transpor os limites que separam os dois domínios” (SAUSSURE, 1995, p. 28).
O mestre genebrino, entretanto, não nega a interdependência da língua e da
fala, pois as consideram como estreitamente ligadas: a língua é necessária para
que a fala seja inteligível e produza efeitos. A fala é necessária para que a língua
se estabeleça, pois, historicamente, vem antes e faz evoluir a língua, porque são as
impressões recebidas ao ouvir os outros que modificam nossos hábitos linguísticos.
Diante da bifurcação (língua e fala), Carvalho (1997) afirma que Saussure
seguiu o caminho da língua, justamente porque ela é sistema e superior ao
indivíduo (supra-indivíduo). Dessa forma, todos os elementos linguísticos são
estudados a partir de relações com outros elementos do sistema, ou seja, “um
sistema do qual todas as partes podem e devem ser consideradas em sua solida-
riedade sincrônica” (SAUSSURE, 1995, p. 102).
Saussure, na tentativa de se fazer entender por seus alunos, usava, metaforica-
mente, o jogo de xadrez para explicar sua teoria, e nós também utilizaremos aqui.
Veja: as peças de um jogo de xadrez – rei, rainha, torre, bispo, cavalo e peão – são
definidas conforme sua função no jogo e as regras dele. Carvalho (1997) explica que
a forma das peças, a dimensão e o material utilizado não têm importância, ou seja,
são puramente físicas e acidentais e, portanto, irrelevantes para o funcionamento do
sistema (= jogo de xadrez). Se por acaso você perdeu uma peça, não tem problema,
pegue um objeto qualquer (uma tampinha de garrafa, por exemplo) e continue seu
jogo, desde que atribua a mesma finalidade (o mesmo valor) da peça perdida.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
165

Utilizando-se ainda da metáfora do jogo de xadrez para os estudos da lín-


gua, salientamos que qualquer elemento linguístico – vogal, consoante, acento,
fonema, morfema, etc. – deve ser definido apenas conforme suas relações (sintag-
máticas e paradigmáticas) com outros elementos ou por sua função no sistema.
Por isso Saussure define a língua como forma (e não como substância), consi-
derando sua essência (e não como aparência) nas relações entre os elementos
linguísticos; utilizando o jogo de xadrez como exemplo, as regras do jogo estão
para a forma, enquanto as peças estão para a substância.
Vamos exemplificar: a frase “nóis vai passiá de bicicreta” apresenta alteração
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na substância, estar em desacordo com a norma padrão defendida pela gramática


tradicional. No entanto, ela apresenta a estrutura (forma/essência) de uma frase
da Língua Portuguesa Brasileira, pois conserva a sua gramaticalidade (sujeito +
verbo auxiliar + verbo principal + complemento). Veja: sua forma (estrutura)
que é relevante para o funcionamento do sistema não sofreu em nada com a
mudança das suas propriedade físicas (substância/fala).
Para facilitar, apresentamos um quadro, com o objetivo de auxiliar na com-
preensão das características que regem a dicotomia língua e fala:
Quadro 1 - Língua x Fala

LÍNGUA FALA
social individual
homogênea heterogênea
sistemática assistemática
constante variável
duradoura momentânea
conservadora inovadora
permanente ocasional
psíquica psico-física
unidade diversidade
indivíduo subordinado indivíduo senhor

A Dicotomia Língua e Fala


166 UNIDADE V

adotada pela comunidade surge no falante


produz a fala faz evoluir a língua
necessária para a execução da fala necessária para estabelecer a língua
Fonte: adaptado de Carvalho (1997).

Já sabemos como Saussure desenvolveu a dicotomia língua e fala. Agora, avan-


çaremos na compreensão de sua teoria, por meio da teoria do signo linguístico.

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TEORIA DO SIGNO LINGUÍSTICO E A DICOTOMIA
SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE

Ferdinand de Saussure, para desenvolver a teoria do signo linguístico, tece algu-


mas reflexões sobre a designação da língua concebida como mera lista de termos
(ou nomenclatura), o que significa que ela está diretamente relacionada com a
palavra e a coisa. Pensar a língua como se fosse uma espécie de etiqueta que se
cola nas coisas não condiz com o pensamento saussuriano, apesar de ser esta a
concepção consensual que predomina entre os falantes.
Fiorin (2012), ao afirmar que a língua não se constitui como um instrumento
de mostração de objetos, ou algo relacionado à coleção de nomes, está fazendo
alusão à teoria do signo linguístico desenvolvida pelo mestre genebrino que a
apresenta, afirmando que essa relação que cola a palavra e a coisa é equivocada
e sem fundamento.
Por isso ele desenvolve a teoria do signo linguístico, mas para tratarmos dela,
precisamos enfatizar que a Linguística faz parte de uma grande área denominada
semiologia (estudo dos signos em geral) que, segundo Carvalho (1997) preocupa-
-se com os estudos dos sinais naturais (fumaça, trovoada, nuvens escuras etc.) ou
convencionais (cruz como símbolo do cristianismo, balança como símbolo da jus-
tiça, o repicar de um sino, o apito de um trem, o tilintar de uma campainha etc.).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
167

Para nós, estudantes do Curso de Letras, é primordial termos acesso à teoria


do signo linguístico e sua respectiva dicotomia e, por isso, retomamos Saussure
(1995, p. 23), especificamente sua definição de que a língua “constitui-se num
sistema de signos, onde, de essencial, só existe a união do sentido e da imagem
acústica”. Lembrando que sentido, dentro da teoria saussuriana também significa
conceito ou ideia, ou seja, o signo linguístico se constitui pelo par dicotômico
do conceito (significado) e a imagem acústica (significante).
Saussure pensou a língua enquanto um sistema de signos por discordar da
tese que a concebia a partir da relação entre a palavra e a coisa, afirmando que o
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signo linguístico não une um nome a uma coisa, mas um conceito a uma ima-
gem acústica. Nessa perspectiva, a língua não é uma nomenclatura determinada
pelas coisas do mundo, mas um princípio de classificação que determina as
coisas do mundo, conforme será desenvolvido na explicação da dicotomia sig-
nificado e significante.

A DICOTOMIA SIGNIFICADO E SIGNIFICANTE

Fiorin (2012) afirma que o signo linguístico define-se como uma entidade de
duas faces, em que uma reclama a outra, à maneira do verso e do anverso de uma
folha de papel, ou seja, estamos tratando de duas faces inseparáveis, o signifi-
cado (conceito) e o significante (a imagem acústica). É importante lembrar que
“o signo é a união de um conceito com uma imagem acústica, que não é o som
material físico, mas a impressão psíquica dos sons, perceptível quando pensa-
mos numa palavra, mas não a falamos” (FIORIN, 2012, p. 58).
E o autor continua seu esclarecimento:
A imagem acústica/gatu/ não evoca um gato particular, mas a ideia ge-
ral de gato, que tem valor classificatório. Na criação desse conceito, a
língua não leva em conta as diferentes raças, os tamanhos diversos, as
cores várias, etc. Faz abstração das características particulares de cada
gato, para instaurar a categoria /felinidade/. O significado não é a rea-
lidade que ele designa, mas sua representação (FIORIN, 2012, p. 58).

Agora, observe a representação:

Teoria do Signo Linguístico e a Dicotomia Significado e Significante


168 UNIDADE V

Significado
(Conceito)

Significante
(Imagem acústica)

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Gato
Figura 2 - A dicotomia significado e significante
Fonte: a autora.

O significante refere-se aos fonemas /g/, /a/, /t/, /o/, ou também à sua forma
escrita, e o significado abrange o conceito de gato, constituindo uma imagem
mental deste. Assim, quando ouvimos ou lemos gato, nos vêm à mente o animal-
zinho de estimação. Em relação ao signo linguístico, precisamos compreender
que, para Saussure, a língua é um sistema de signos que se compõe por uma
entidade psíquica de duas faces denominadas conceito (significado) e imagem
acústica (significante), unidos em nosso cérebro pela associação. Não podemos
esquecer que a imagem acústica não é o som material físico, mas o correlato psí-
quico desse som, ou seja, aquilo que nos evoca um conceito. O exemplo dessa
explicação está na nossa capacidade de recitar um poema sem mover a boca e
sem emitir som, mostrando sua natureza psíquica.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
169

A partir do que você aprendeu sobre a dicotomia significado e significante,


podemos confirmar que, nas línguas naturais, um significante pode remeter
dois ou mais significados diferentes?

PRINCÍPIOS DO SIGNO LINGUÍSTICO

Além da base explicativa que define o signo linguístico, ainda precisamos refletir
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sobre duas características básicas que foram desenvolvidas por Saussure:


a) O caráter arbitrário do signo linguístico.
b) A linearidade do significante.

Esse questionamento já foi debatido na Unidade II, sobre a disputa entre conven-
cionalistas e naturalistas, quando apresentamos os estudos linguísticos na Grécia
Antiga. A questão da arbitrariedade do signo linguístico desenvolvida por Saussure
justifica-se no fato de que não há livre escolha do significado pelo falante, mas no
que foi estabelecido por um grupo de falantes e, portanto, está consagrado, pois
“todo meio de expressão aceito numa sociedade repousa em princípio num hábito
coletivo ou, o que vem a dar na mesma convenção” (SAUSSURE, 1995, p. 82).
O mestre genebrino, ao estabelecer que não cabe ao indivíduo trocar coisa
alguma em um signo, significa que não depende da livre escolha de quem fala,
pois o significante é imotivado, arbitrário em relação ao significado, ou seja,
não há nenhum laço natural com a realidade. Saussure exemplifica a arbitrarie-
dade com a ideia de mar, pois ela não está ligada com a sequência de sons m-a-r
que lhe serve de significante e que poderia ser representada por outra sequência
qualquer. A prova disso está nas diferenças entre as línguas, pois o significado de
mar, em Português Brasileiro, apresenta significantes diferentes em outras lín-
guas: mer, em francês, sea, em inglês. Então, conforme salienta Fiorin (2012),
o que comprova a arbitrariedade do signo é a diversidade das línguas, demons-
trando que ele é uma criação humana e, portanto, cultural.
Saussure, entretanto, subdivide a arbitrariedade do signo linguístico em:
a) arbitrário absoluto (imotivado/sem vínculo natural) e b) arbitrário relativo

Teoria do Signo Linguístico e a Dicotomia Significado e Significante


170 UNIDADE V

(motivado). O primeiro explica-se pelo numeral dez e nove, pois a relação entre
o significado e o significante é totalmente arbitrária, pois não há nada que jus-
tifique essa denominação, a não ser a convenção estabelecida pela comunidade
linguística. Já o arbitrário relativo evoca termos que o compõe, porque enquanto
dez e nove servem como exemplo de signo arbitrário absoluto, dezenove está rela-
cionado a dez e nove, pois é das partes que se chega ao todo. Carvalho (1997)
apresenta outros exemplos da arbitrariedade relativa: prefixos (in + feliz = infeliz),
sufixo (per + eira = pereira), prefixo e sufixo (in + feliz + mente = infelizmente).
A linearidade do significante, como o próprio nome sugere, representa “uma

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extensão” e essa extensão “é mensurável numa só dimensão (SAUSSURE, 1995, p.
84). Isto é, a linearidade é uma linha, e todo o mecanismo da língua é dependente
desse princípio visualizado imediatamente pelo registro dos sinais gráficos, na escrita.
Segundo Carvalho (1997), os elementos de um enunciado linguístico são
diferentes entre si, limitados, independentes, sem variações e exemplifica: “Ou
pronunciamos ‘faca’ ou ‘vaca’. Não existe um meio termo entre /f/ e /v/, que são,
assim, unidades discretas, separáveis, descontínuas” (CARVALHO, 1997, p. 47).
Por isso, tais unidades são emitidas sucessivamente, pois somente emitimos um
fonema de cada vez linearmente (f-a-c-a). Isso significa que tais unidades não
se caracterizam como concomitantes, coexistentes e simultâneas, pois ou fala/
escreve faca ou vaca e jamais se poderá enunciar as duas palavras ao mesmo
tempo, no eixo paradigmático ou sintagmático.

A teoria do signo linguístico, especificamente sobre a arbitrariedade, desen-


volvida por Saussure, tem sua fonte nos estudos linguísticos desenvolvidos
pelos gregos. Os filósofos naturalistas debatiam com os filósofos convencio-
nalistas, de modo que os primeiros defendiam que a relação entre o signifi-
cado e o significante era natural (physei) e os segundos defendiam que ela
se realizava por meio de uma relação convencional (thései).

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
171

Avançando na história, os estudiosos da era medieval diziam que o signo


era aliquid pro aliquo que significa alguma coisa em lugar de outras, justi-
ficando o pensamento de Saussure sobre o fato de que o signo linguístico
não une um nome a uma coisa, mas um conceito a uma imagem acústica.
O signo linguístico é uma entidade de duas faces, uma reclama a outra, à
maneira do verso e do anverso de uma folha de papel em que as duas faces
são claramente perceptíveis, mas inseparáveis.
Fonte: Carvalho (1997 a) e Fiorin (2012).
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A NOÇÃO DE VALOR

Saussure (1995, p. 139), ao afirmar que “na língua só existem diferenças”, desen-
volveu a interpretação de que cada signo linguístico encerra-se nele mesmo, sem
nenhuma relação com os demais signos. Isto é, cada elemento é diferente dos demais
elementos em que está relacionado, e foi a partir disso que ele criou a noção de valor.
Fiorin (2012 e 2013) salienta que é preciso considerar o signo linguístico em
seus contornos, a partir da relação com outros signos, justificando a teoria do valor,
pois é partir dela que Saussure define o signo pelo lado negativo, ou seja, pela pre-
missa de que um signo é o que os outros não são (um signo vale o que o outro não
vale) e o que importa na língua são as diferenças existentes entre conceitos e ima-
gem acústica.
Para exemplificar: a questão do valor, em relação ao gênero na língua portuguesa
brasileira, justifica-se pelo acréscimo do -a- átono final à forma masculina, a subtra-
ção da vogal -o- e o acréscimo de -a- (guri + a = guria, menino - o + a = menina) e
na flexão de número, acrescenta-se um -s- (menino + s = meninos). Observe mais
um exemplo: “Em Português, diferenciamos homem e mulher: o primeiro vocábulo
significa não só ‘indivíduo do sexo masculino’, mas também ‘ser humano’, enquanto
o segundo denota apenas ‘indivíduo do sexo feminino’” (SAUSSURE, 1995, p. 59).
O substantivo terra, em Português, corresponde, na língua inglesa, a: land (terra
cultivável), ground (terra, chão) e Earth (o planeta Terra). Desse modo, Marte está
em relação com o português terra, mas não está com o inglês land.
Fazendo alusão ao jogo de xadrez, Saussure (1995) explica que uma posi-
ção de jogo corresponde a um estado da língua. O valor das peças depende da

Teoria do Signo Linguístico e a Dicotomia Significado e Significante


172 UNIDADE V

sua posição no tabuleiro e da relação de oposição com as outras peças do jogo.


Como afirma Fiorin (2012), na língua, o valor depende da relação de oposição
dos elementos, pois ela é forma e, nesse caso, o que é relevante são as diferenças
entre um signo e outro signo. O cavalo fora das condições do jogo de xadrez não
representa nada para o jogador, pois é no processo do jogo que ele adquire seu
valor e, mesmo sendo extraviado, pode se substituir por qualquer outro objeto
(tampinha, pedacinho de madeira etc.).
Neste entrelaçamento dicotômico utilizado para explicar a teoria da língua
sob viés saussuriano, considera-se, também, fatores relacionados ao tempo, a ser

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explicado pela dicotomia diacronia e sincronia.

A DICOTOMIA DIACRONIA E SINCRONIA

Em seu conjunto de dicotomias, Saussure estabelece uma distinção entre o estudo


da evolução histórica das línguas, ao que denominou diacronia (grego dia que
significa através e chrónos que significa tempo: através do tempo), e o estudo de
um momento específico de uma língua, ao que denominou sincronia (do grego
syn que significa juntamente e chrónos: ao mesmo tempo). A sincronia consti-
tui, portanto, um recorte da diacronia, visando a explicar o funcionamento de
uma língua, e não as transformações que nela ocorrem com o passar do tempo.
Fiorin (2013) estabelece relações práticas para compreendermos essa dico-
tomia, ao considerar que a língua pode ser estudada em duas dimensões: a que
analisa as mudanças por que passa a língua no tempo (diacrônica) e a que exa-
mina a estrutura do sistema considerado “estável” em um tempo determindado
e específico (sincronia). Saussure considerou somente a sincronia, deixando de
lado, a diacronia, pois, para ele, um falante não precisa conhecer a história da
língua para estabelecer relações sociais, mas somente o seu estado atual. Por
exemplo: um falante ao dialogar com outro falante sobre a origem da sua famí-
lia, não precisa saber que a palavra pai tem o seguinte percurso etimológico:

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
173

sânscrito pitar, grego patér, latim pater e português pai.


Utilizando-se de um outro exemplo do autor sobre
a formação do plural da nossa língua, sabemos que, no
estado atual do português brasileiro (sincrônico), a regra
diz que palavras terminadas em vogal, acrescenta-se um
s (banana/bananas). Se pensarmos nessa mesma regra,
a partir de uma concepção histórica da língua (diacrô-
nica), para nós que estamos tão distante do contexto
de formação da língua latina (que deu origem à Língua
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Portuguesa), fica um pouco complexo observar que, a


formação do plural em português é regular, pois a marca
plural é s porque o caso lexicogênico é o acusativo que
indicava o objeto direto (latim: vitas / port. vidas).
Por isso, Saussure (2012, p. 123) afirma:
[...] a primeira coisa que surpreende quando se estudam os fatos da
língua é que, para o indivíduo falante, a sucessão deles no tempo não
existe: ele se acha diante de um estado. Também o linguista que queira
compreender esse estado deve fazer tabula rasa de tudo quanto pro-
duziu e ignorar a diacronia. Ele só pode penetrar na consciência dos
indivíduos que falam suprimindo o passado. A intervenção da História
apenas lhe falsearia o julgamento (SAUSSURE, 2012, p. 123).

Essa forma de considerar o estudo das línguas representou uma ruptura com
as vertentes teóricas predecessoras, que objetivavam, única e somente, o estudo
histórico e comparativo das línguas. Saussure mostra que os falantes de deter-
minada língua conhecem as regras que a regem, tendo-as internalizadas, apesar
de a imensa maioria dos que a falam não conhecerem a história dessa língua e
de suas formas. Essa constatação dá respaldo à escolha teórico-metodológica de
Saussure em focar no funcionamento das línguas, escamoteando os fatos a res-
peito de sua evolução e de seus estados teóricos anteriores.
Assim, ao formular o conceito de sincronia, Saussure teve o cuidado de não
inserir considerações históricas em seu modelo de descrição, apesar de a língua
sempre estar em processo de mudança, mas pouco perceptível para o falante, pois
é pela sincronia que se estabelece a noção de sistema, ou seja, inclui somente os
aspectos internos e exclui tudo o que lhe é estranho, justificando a tese saussuriana

A Dicotomia Diacronia e Sincronia


174 UNIDADE V

de que a língua é pensada apenas por sua ordem própria. Veja que é nessa dico-
tomia, especificamente na sincronia, que compreendemos a noção de sistema
para se estudar a língua, pois é nesse momento que Saussure delimita o espaço
e o momento atual da língua, desconsiderando todo o resto.
Ideia que, conforme já debatemos neste material, estabelece o princípio de
imanência da língua, ou seja, os fatos devem ser explicados na sua própria estru-
turação e, não fora dela, por meio de fatores psicológicos, sociológicos, históricos
etc. Sobre essa questão, vale registrar a dica de Fiorin (2013, p. 58): “Isso não quer
dizer que fatores sociológicos, antropológicos, psicológicos etc. não ajam sobre a

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língua, quer apenas significar que a Linguística, tal como pensada por Saussure,
interessa-se por explicações linguísticas”. Isso significa que:
[...] contrariamente ao estudo das mudança linguística, o ponto de vista sin-
crônico vê a língua como um sistema em que um elemento se define pelos
demais elementos. No estudo sincrônico, um determinado estado de uma
língua é isolado de sua mudanças através do tempo e passa a ser estudado
como um sistema de elementos linguísticos. Esses elementos são estudados
não mais em suas mudanças históricas, mas nas relações que eles contraem,
ao mesmo tempo uns com os outros (PIETROFORTE, 2012, p. 79).

Vamos exemplificar essa citação com o verbo comer:


diacronia sincronia
verbo: comer
O verbo comer vem do latim edere, cujo O verbo comer, em Língua Portuguesa
radical é ed-. [...] no latim vulgar da península Brasileira, conjugado em primeira pessoa
ibérica o verbo edere passou a se realizar do plural do presente do indicativo (co-
acompanhado do prefixo cum-, que designa memos): com- radical, e- vogal temática
companhia. Assim, cum edere passou a cume- da segunda conjugação (er), -mos é o
dere e, a partir dessa realização, a ‘comer’ em morfema da 1ª pessoa do número plural.
Língua Portuguesa.
Quadro 2 - O verbo comer sob duas perspectivas
Fonte: Pietroforte (2012).

Como já sabemos que Saussure valia-se da metáfora do jogo de xadrez para expli-
car sua teoria aos alunos que participavam do seu Curso de Linguística Geral,
ele também se utilizou dela para explicar essa dicotomia. Para ele, as posições
do jogo correspondem a estados da língua, e cada peça tem seu valor definido
pela posição que ocupa no tabuleiro. Esse sistema, segundo ele, apresenta um
valor apenas momentâneo. O sistema constitui, desse modo, diversos estados

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
175

de equilíbrio: mesmo que ocorram alterações, o valor geral do sistema não se


altera. A respeito disso, podemos afirmar que:
[...] o deslocamento de uma peça é um fato absolutamente distinto do
equilíbrio precedente e do equilíbrio subsequente [...]. Numa partida
de xadrez, qualquer posição dada tem como característica singular es-
tar libertada de seus antecedentes; é totalmente indiferente que se te-
nha chegado a ela por um caminho ou outro; o que acompanhou toda
a partida não tem a menor vantagem sobre o curioso que vem espiar o
estado do jogo no momento crítico; para descrever a posição, é perfei-
tamente inútil recordar o que ocorreu dez segundos antes. Tudo isso se
aplica igualmente à língua e consagra a distinção radical do diacrônico
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e do sincrônico (SAUSSURE, 1995, p. 104).


Em outras palavras, isso significa que, no jogo de xadrez “a sincronia é o intervalo
entre uma jogada e outra, em que as peças estão numa determinada posição no
tabuleiro e, portanto, mantêm determinado tipos de relação umas com as outras. A
diacronia é a sucessão das jogadas do início ao fim da partida” (FIORIN, 2013, p. 57).
O autor afirma que a sincronia é o eixo das simultaneidades, em que os
elementos da língua coexistem em um mesmo sistema linguístico, excluindo
qualquer relação ao fator tempo; enquanto a diacronia é o eixo das sucessivida-
des, ou seja, cada elemento relaciona-se com o que precede e o segue. Observe
a figura seguinte:

A Dicotomia Diacronia e Sincronia


176 UNIDADE V

Figura 3 - Diacronia e Sincronia


Fonte: a autora.

Apesar de, num primeiro momento, os conceitos de sincronia e de diacronia pare-


cerem inequívocos, temos de ser cautelosos ao empregá-los, sobretudo, o primeiro
conceito (sincronia) pode ser problemático. Assim, é possível referir-se a sincronias
referentes a dois, três ou até mais séculos atrás. A sincronia está, por assim dizer,
contida na diacronia, constituindo meramente recortes temporais imediatos desta.

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A DICOTOMIA SINTAGMA E PARADIGMA

A língua, segundo Saussure, constitui um sistema e, para tanto, precisamos saber


definir o tipo e o modo como os elementos desse sistema estabelecem relações
entre si. Ao analisarmos uma oração, perceberemos que os elementos que a cons-
tituem organizam-se segundo determinada
ordem (relação sintagmática), e que esses
elementos podem ser comutados, a fim de
obter novos significados (relações associa-
tivas ou paradigmáticas).
No aspecto sincrônico da língua, há dois
eixos: sintagma (grego syntagma, que quer
dizer “coisa posta em ordem”) e associação/
paradigma (do grego paradéigma, que signi-
fica modelo, exemplo). Para Saussure (1995)
o sintagma é linear e exclui a possibilidade
de pronunciar dois elementos ao mesmo
tempo. Característica da língua que descreve
os elementos alinhados um após o outro
e se compõe de duas (ou mais) unidades

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
177

consecutivas e opositivas ao elemento anterior ou posterior, e o valor de cada ele-


mento somente é adquirido em virtude dessa relação opositiva.
Vejamos mais detalhadamente cada uma dessas relações. Já sabemos que a
língua, na conjuntura teórica saussuriana, define-se como sistema, articulada
e de caráter linear. Desse modo, as palavras, as orações ou os textos são sem-
pre constituídos de elementos menores: texto > orações > palavras > morfemas
> fonemas. Para as unidades maiores serem reconhecidas e compreendidas, é
necessário que as unidades menores organizem-se de acordo com regras prede-
finidas, que asseguram a ordem na língua.
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Essa ideia saussuriana pode ser explicada pela oração “hoje fez calor”, por meio
das palavras de Carvalho (1997), a nossa Língua Portuguesa Brasileira não permite
que digamos “je”, antes de “ho” (jeho) e “lor” antes de “ca” (lorca) e muito menos “ho”
e “je” e “ca” e “lor”, ao mesmo tempo. Essa é uma relação sintagmática ou in praesentia
(= presença), pois se estabelece em função da presença de termos anteriores e pos-
teriores. Esses elementos não apresentam uma distribuição aleatória, mas sim uma
distribuição organizada e ordenada, obtida pela exclusão de outros possíveis arranjos.
Vamos ampliar nossa compreensão com mais um exemplo. Observe a seguinte
oração:
a) José bebe água no almoço. Veja que a oração segue uma ordem linear
(sujeito + verbo + complemento).
Agora, vamos trocar a ordem, ou seja, em vez de sujeito, verbo e comple-
mento, utilizaremos complemento + verbo + sujeito:
b) Almoço no água bebe José.

Pelo exemplo, explica-se as relações sintagmáticas como uma distribuição linear


de, no mínimo, dois elementos que se encontram em presença um do outro,
a qual ocorre de acordo com regras convencionadas pelos falantes e por eles
conhecidas, de acordo com os padrões definidos pela língua. Como nos explica
Pietroforte (2012, p. 89) “a combinação no sintagma obedece a um padrão defi-
nido pelo sistema. Assim, por exemplo, podem-se combinar um artigo e um
nome e, nesse caso, o artigo deve sempre preceder o nome”. Para exemplificar o
que a autora nos diz, na nossa língua materna, é possível a combinação “o rapaz”
(e não “rapaz o”), “a jovem” (e não “jovem a”).

A Dicotomia Sintagma e Paradigma


178 UNIDADE V

As relações paradigmáticas definem-se como associações que estão fora do


discurso (fora de uma situação de fala e escrita), ou seja:
[...] as palavras que oferecem algo de comum se associam na memória
e assim se formam grupos dentro dos quais imperam relações muito di-
versas. [...] elas não têm por base a extensão; sua sede está no cérebro;
elas fazem parte desse tesouro interior que constitui a língua de cada
indivíduo (SAUSSURE, 1995, p. 143).

Diferentemente das relações sintagmáticas, que são caracterizadas por estabe-


lecerem relações de oposição entre unidades presentes em uma cadeia falada
ou escrita, as relações paradigmáticas preveem uma comparação com unidades

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ausentes de uma oração ou palavra, se constitindo por associações entre as uni-
dades linguísticas. Para exemplificar, utilizamos a seguinte oração:

a) O menino gosta de jogar bola.


Em uma relação paradigmática, o sintagma o menino pode ser substituídos por
outros elementos. Veja:
A menina
O André
O rapaz
A Maria gosta de jogar bola
O vizinho
Minha amiga
Meu pai
Figura 4: Relações paradigmáticas e sintagmáticas
Fonte: a autora.

O mesmo se aplica aos outros elementos da oração (verbos gostar e jogar e o subs-
tantivo bola). No entanto, uma eventual substituição deve obedecer a princípios
de semelhança entre as unidades. Por exemplo, não é aceitável, em nossa língua
materna, a seguinte oração: a árvore gosta de jogar bola. Nesse caso, qualquer
falante não vai compreender porque ela não apresenta um sentido coerente, pelo
fato de árvore ser um objeto com os traços semânticos inanimado, logo, impos-
sível de praticar a ação de jogar bola. A referida posição oracional, a saber, a de
sujeito, somente pode ser ocupada por seres com os traços animado e humano.
O paradigma constitui-se como uma espécie de banco de reservas da língua

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
179

disponível virtualmente no cérebro do falante, justificando também a designação


como in absentia (ausente), mas que podem vir a aparecer em um mesmo con-
texto. Isto quer dizer que se um elemento está presente, os outros estão ausentes.
Inspirada em Pietroforte (2012), trabalharemos com um excerto da fábula
O lobo e o cordeiro de La Fontaine:
[...]
Lobo: [...] guardo mágoa de ti, que ano passado, me destrataste, fingido!
Cordeiro: mas eu nem tinha nascido.
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Lobo: pois então foi teu irmão mais.


Cordeiro: não tenho irmão, Excelência.
Lobo: Chega de argumentação. Estou perdendo a paciência!
Cordeiro: Não vos zangueis, desculpai!
Lobo: não foi teu irmão? Foi teu pai ou senão foi teu avô!
E – nhoc! – sangrou-o no pescoço.

Com um fundo moral de que é a opinião do mais forte que prevalece, o lobo,
ao ver que não tinha argumentos para acusar o cordeiro, culpa-o por meio da
seleção de membros da sua família (irmão, pai ou avô). Os familiares podem ser
utilizado para explicar a dicotomia sintagma e paradigma:

Figura 5 - A dicotomia sintagma e paradigma


Fonte: Pietroforte (2012) e Fiorin (2013).

A Dicotomia Sintagma e Paradigma


180 UNIDADE V

A imagem de ilustração (gaveteiro), juntamente com as explicações teóricas,


exemplos e quadros explicativos, oferece suportes para desenvolvermos um gesto
interpretativo de que a dicotomia que aborda o sintagma e o paradigma é um
importante subsídio para se estudar a língua, a partir de elementos (verbos, arti-
gos, substantivos etc.) que estão arquivados em nossa memória, como se fosse
um arquivo e que vamos disponibilizando, conforme as normas que estruturam
a nossa língua, em momentos de interação pela fala ou escrita.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na presente unidade, avançamos sobre a teoria da Linguística Estruturalista


de Ferdinand de Saussure, desenvolvendo a base teórica que fora iniciada na
Unidade IV e que, agora, desdobra-se, por meio das principais dicotomias que
explicam o modo como foi pensada e aplicada a teoria da língua. Cabe salientar
que o pensamento do mestre foi de extrema importância para promover um novo
pensamento para a língua, em um início de século que começa provocando uma
revolução na sociedade daquela época e seus efeitos perduram até os dias atuais.
No entanto, apesar de as mudanças sociais exigirem novas reflexões para
os estudos vigentes sobre a língua e isso foi cumprido por Saussure e os demais
pensadores da época, nós não podemos esquecer que essa teoria passou por cons-
tantes críticas e reformulações que culminaram nas diversas correntes teóricas
hoje existentes, para se dedicar, exclusivamente, aos estudos da língua. Por isso,
diante da escolha de qualquer teoria linguística para iniciar um trajeto de leitura,
Saussure é sempre revisitado, pois foi a partir dele e das críticas a ele dirigidas que
tais teorias foram produzidas e convidam aqueles que, assim como você, escolhe-
ram pensar a sociedade na (e pela) língua, a estarem em constante atualização.

OS PRINCIPAIS CONCEITOS
181

Afinal, assim como a moda, a tecnologia, a política e os costumes, a língua


também não estaciona no tempo, e é nas franjas das teorias linguística atuais –
semântica, funcionalismo, Análise de Discurso etc. que Saussure mantém-se vivo,
justificando sua importância também no século XXI. Por isso, não há saída, a
não ser apresentar Saussure e a sua teoria, repleta de aberturas, que concebe a
língua de um modo provocativo e sem conclusões definitivas. Esse é o grande
legado deixado por esse pensador que abriu o caminho e nos convida a conti-
nuar. Saussure não está embolorado.
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Considerações Finais
182

1. No percurso dos nossos estudos de Linguística I, descobrimos a importância


do teórico Ferdinand de Saussure nas reformulações teóricas que deram um
passo à frente em relação às teorias sobre a língua, no início do século XX. Sob
a justificativa de que ainda é preciso ler Saussure, leia as alternativas a seguir
e assinale a única correta:
a) Saussure é uma leitura obrigatória ainda hoje, pois ela desafiou o pensa-
mento do seu tempo que, por meio das dicotomias, repensou as reflexões já
existentes sobre a língua.
b) Ler Saussure hoje é considerado como leitura inútil, haja vista sua teoria já
ultrapassada em um século e não interfere nas disciplinas atuais que tratam
especificamente da língua.
c) Dentre os grandes acontecimentos do século XIX, está o lançamento de
uma obra denominada Curso de Linguística Geral, tornando-se leitura obri-
gatória aos que almejam saber sobre Machado de Assis.
d) Ler Saussure hoje é dever de todo estudante de Letras, pois foi a partir dele
que inaugurou a concepção da língua como um sistema que não se isola
nela mesma, mas a partir de elementos exteriores, como a política.
e) As ideias de Saussure, um dos acontecimentos do século XX, precisam ser
lidas, pois elas marcam a inquietude e a luta do mestre em manter as teorias
já existentes sobre a língua.

2. As dicotomias saussurianas são os pontos de apoio para compreender a teo-


ria básica da língua desenvolvida por Saussure, a partir da definição de que o
fenômeno linguístico constitui-se em duas faces, ou seja, um par de conceitos
que se definem um em relação ao outro. Leia as assertivas a seguir sobre as
dicotomias e as analise:
I. Sobre a dicotomia língua e fala: Saussure estabeleceu a divisão a partir da
linguagem, mas suas reflexões consideraram somente a língua, enquanto
sistema de signos e produto social de natureza homogênea.
II. Sobre a dicotomia significado e significante: Saussure desenvolveu a teoria
do signo linguístico de modo que o significado é o conceito e o significante
é a imagem acústica.
III. Sobre a dicotomia sintagma e paradigma: Saussure pensou a língua a partir
de dois eixos em que os elementos são distribuídos linearmente e, no ou-
tro, os elementos estão ausentes, mas presentes virtualmente no cérebro
do falante.
IV. Sobre a dicotomia significado e significante: Saussure desenvolveu a teoria
do signo linguístico, e a sua principal contribuição foi considerar a língua
como uma lista de termos que relaciona a palavra à coisa.
183

É correto afirmar que:


a) Estão corretas as assertivas I, II e IV.
b) Estão corretas as assertivas I, II e III.
c) Estão corretas as assertivas I, III e IV.
d) Estão corretas as assertivas II e III.
e) Todas as assertivas estão corretas.

3. Os autores que se dedicam a explicar a teoria saussuriana para os iniciantes


usam, como método didático, as dicotomias. Embora no CLG não se encontre
nenhuma menção explícita sobre a palavra dicotomia, Saussure apresenta pis-
tas que justificam esta interpretação. Leia as assertivas a seguir sobre os pares
dicotômicos e as analise:
I. Sobre a linearidade do significante, Saussure afirma que não existe associa-
ção natural entre os sons vocais e os conceitos por ele expressos.
II. Sobre a dicotomia língua e fala, Saussure afirma que a primeira é o objeto de
estudo da Linguística e a define como social, homogênea e psíquica.
III. Sobre a dicotomia diacronia e sincronia, Saussure afirma que a primeira diz
respeito à evolução da língua no tempo, e a segunda a um estado atual da
língua.
IV. Sobre a dicotomia significado e significante, Saussure definiu o primeiro
como imagem acústica e o segundo como conceito, mediante a interpreta-
ção de que a língua é uma mera lista de nomenclaturas.
É correto afirmar que:
a) Estão corretas as assertivas I, II e IV.
b) Estão corretas as assertivas I, II e III.
c) Estão corretas as assertivas II e III.
d) Estão corretas as assertivas I e III.
e) Todas as assertivas estão corretas.

4. A obra Para compreender Saussure, de Castelar de Carvalho, resume a teoria


da língua do mestre genebrino de uma maneira simplificada para inserir os
iniciantes em uma reflexão sobre a ciência da língua, por meio da apresentação
das principais dicotomias. Leia as alternativas sobre as dicotomias saussurianas
e as analise:
184

a) Os pares dicotômicos resumem-se em: língua e fala, significado e significan-


te, sintagma e diacronia, paradigma e sincronia.
b) Sobre a arbitrariedade do signo linguístico, Saussure caracterizou-a como
absoluto (motivado) e relativo (imotivado).
c) Saussure afirmou que tudo na sincronia resume-se em dois eixos: o sintag-
mático representado por uma linha vertical e o diacrônico.
d) Saussure, ao estabelecer a dicotomia língua e fala, somente considerou a
primeira, pois a fala é individual e assistemática.
e) Fazer um retorno etimológico do verbo comer e descobrir que ele veio do
latim edere é uma característica do estudo sincrônico da língua.

5. Ao observar o quadro da página 161, nota-se que se trata de um resumo da te-


oria de Ferdinand de Saussure, desenvolvida por meio de dicotomias. A partir
das informações do referido quadro, leia as assertivas e as analise:
I. Analisando o quadro, nota-se que Saussure dividiu a linguagem em língua
e fala, mas considerou somente a língua e a considerou em dois momentos:
diacrônico e sincrônico.
II. O quadro demonstra que Saussure considerou a língua sob os aspectos dia-
crônicos e sincrônicos, mas utilizou somente o aspecto sincrônico, a partir
dos eixos paradigmáticos e sintagmáticos.
III. Para Saussure, a língua é um sistema de signos explicado pela dicotomia sig-
nificado e significante, que está relacionado, respectivamente, ao conceito
e à imagem acústica.
IV. O signo linguístico compõe-se de dois princípios: o da arbitrariedade, que
significa que não há uma relação natural entre o significado e o significante,
e o da linearidade do significante, que o mensura em uma extensão linear.
É correto afirmar que:
a) Estão corretas as assertivas I, II e IV.
b) Estão corretas as assertivas I, II e III.
c) Estão corretas as assertivas II e III.
d) Estão corretas as assertivas I e III.
e) Todas as assertivas estão corretas.
185

De 1816 a 1916: retornar ao passado de Saussure


O artigo retoma o pensamento saussuriano, cem anos antes da publicação do CLG, es-
pecificamente, nas últimas décadas do século XIX, durante o período da gramática com-
parada e da neogramática em que o próprio Saussure realizou sua formação acadêmica
e iniciou suas investigações inovadoras sobre a ciência da língua.
Os autores retomam Saussure, justamente no ano em que o CLG completa cem anos
(1916-2016), partindo de uma perspectiva histórica não isolada somente no contexto de
escrita do Curso por Bally e Sechehaye, por compreenderem que a Linguística saussuria-
na é uma produção de conhecimento que não está restrita ao início do século XX, mas
que foi se desenvolvendo ao longo dos séculos.
Como se trata de algo que foi se desenvolvendo, eles lançam a seguinte reflexão: “qual é
a inovação do pensamento de Ferdinand de Saussure?” (SCHNEIDER; SILVA, 2016, p. 93).
O primeiro argumento que desestabiliza o que registramos no decorrer desse material
e da maioria dos manuais de introdução à Linguística é a designação dada a Saussure
como seu fundador, enquanto ciência fundada no início do século XX, com o lançamen-
to do CLG, em 1916. Segundo os autores, essa definição configura-se como uma inge-
nuidade histórica e um desconhecimento dos fatos, pois Saussure assumiu a disciplina
de Linguística Geral da Universidade de Genebra em virtude da aposentadoria do pro-
fessor que já a lecionava há 15 anos.
Segundo os autores “tal fato institucional nos leva a, no mínimo, duvidar da costumeira
afirmação de que Ferdinand de Saussure teria sido o inaugurador da ciência linguística
moderna ou o percussor dos princípios de uma linguística geral” (SCHNEIDER; SILVA,
2016, p. 93). Fato que nos convida a olhar para a teoria saussuriana como algo que já es-
tava em ebulição e, nesse caso, insistir na unicidade e originalidade de Saussure significa
promover uma história da Linguística, no mínimo destituída de contexto.
O pensamento saussuriano é uma produção de conhecimento localizada no tempo e no
espaço do século XIX e, portanto, da Gramática Comparada que concede a Saussure o
título de reformulador científico do modo como se produziu o conhecimento linguísti-
co (e não como fundador). Os autores defendem seu pensamento, fazendo um retorno
histórico de cem anos antes da escrita do CLG, ou seja, até as bases dos trabalhos dos
estudos comparativos desenvolvidos por Franz Bopp, Jacob Grimm e Karl Verner e dos
neogramáticos. Saussure estava inserido no grande projeto da Gramática Comparada,
pois, na introdução do próprio CLG, é dedicada uma parte a essa metodologia, mobi-
lizando o pensamento de Bopp e de Grimm como registro de um período de grande
importância, durante o século XIX.
Os dados produzidos pelos estudiosos da gramática comparada serviram para uma
nova geração de jovens linguistas (os neogramáticos), centrados em Leipzig (Alema-
nha), elaborarem um projeto investigativo que compreendiam a língua, por meio de
leis fonéticas que não admitiam explicações, sob a justificativa de mera exceção (ou
mero acaso). Segundo os autores, esse momento, designa-se como um “salto para fren-
186

te”, pois os jovens linguistas passaram a ver o valor científico de tais leis e se abdicaram
de abordar a língua, enquanto objeto abstrato e inobservável. Nesse contexto, a língua:
[...] será colocada em exame por Ferdinand de Saussure. O linguista ge-
nebrino se questionará sobre a natureza do objeto da ciência linguística,
o que o encaminhará para a produção de uma proposta epistemológica
inovadora, ou seja, um fazer ciência que até então não havia sido realiza-
do e que, nos dias de hoje, ainda não sabemos se foi efetuado em toda
sua radicalidade (SCHNEIDER; SILVA, 2016, p. 99).
Saussure assume esse grande empreendimento, por meio de um projeto investigativo
em que ele próprio estava inserido como estudante em Leipizig e também como mem-
bro da Sociedade Linguística de Paris. Seu pensamento tomou forma e ele foi capaz
de desenhar os contornos de uma ciência que estava por vir, ou seja, a Linguística do
século XX que fez da língua o seu objeto de estudo, definindo-a como imaterial, virtual
e relativo.
Para Saussure, a língua é imaterial porque ela se constitui como uma realidade mental
produzida pelas percepções de uma comunidade de falantes, de modo que as entida-
des da língua não começam nem terminam na substância da sua realização, mas na
percepção (ou não) de unidades distintivas (sincronia) e na constatação de presença (ou
ausência) de mudanças consideráveis em um sistema (diacronia).
A língua é virtual, pois sua realidade não se resume ao que foi atualizado em atos de
fala específicos que se configuram na sua menor parte. A maior parte está sempre se
atualizando em novos atualizáveis, pelo eixo associativo (paradigmático). Desse modo, a
língua, sendo o objeto imaterial de uma ciência que sustenta sobre o virtual é, necessa-
riamente, relativa e entendida como resultado de um processo de diferenciação interna
infinito, no qual unidades codependentes reorganizam-se o tempo todo, chegando à
definição de que a língua é um sistema de signos.
A base teórica de Saussure estava fundamentada, mas na sua época não havia ainda
linguagem científica ou filosófica consolidada para explicar sua tese sobre o objeto da
Linguística (a língua), e isso o obrigou a questionar os limites das práticas das ciências
da linguagem de então e nos impõe a mesma tarefa hoje. O mestre foi capaz de apontar
para o modo de existir peculiar desse objeto e, com base nessa constatação, viu-se obri-
gado a elaborar, ainda que de modo inconcluso, uma maneira inédita de fazer ciência,
pois, para os autores, ele não é o fundador da Linguística, mas um pensador que buscou
uma nova maneira de fazer uma ciência da língua.

Fonte: adaptado de Schneider e Silva (2016).


MATERIAL COMPLEMENTAR

A Chegada (2016)
Sinopse: trata-se de uma ficção científica, sob direção de Denis
Villeneuve, sob a chegada de várias naves de seres alienígenas à Terra
e sem saber quais são as intenções dos visitantes, militares procuram
a Dra. Louise Banks (Amy Adams), uma linguista especialista para
ajudar na comunicação, mediante a tradução dos sinais emitidos
pelos ET’s e desvendar se elesrepresentam uma ameaça (ou não),
aos terráqueos. No entanto, a resposta para todas as perguntas
e mistérios pode ameaçar a vida de Louise que vive um drama
pessoal – a perda da filha – e a existência de toda a humanidade
com a iminente extinção da vida na Terra – a ameaça, em si. Nesse
contexto que são combinados conceitos como viagem no tempo e
a falta de perspectiva derivada do luto, o enredo se estrutura como
um quebra-cabeça não linear. De encher os olhos.

O vídeo apresenta um breve resumo da vida e da obra de Ferdinand de Saussure e as


dicotomias que dão base ao desenvolvimento da teoria da língua.
Acesse: <https://www.youtube.com/watch?v=WiURWRFcQsc>.

Material Complementar
REFERÊNCIAS

CARVALHO, C. Para compreender Saussure: fundamentos e visão crítica. 7. ed. ver..


e ampl. Petrópolis: Vozes, 1997.
FIORIN, J. L. (Org.). A teoria dos signos. In: ______. Introdução à linguística: 6. ed, 2.
reimp. São Paulo: Contexto, 2012, p. 55 - 74.
______. As línguas do mundo. In: ______. Linguística? Que é isso? São Paulo: Con-
texto, 2013, p. 45 - 73.
PIETROFORTE, A. V. A língua como objeto da Linguística. In: FIORIN, J. L. Introdução
à linguística. 6. ed. 2. reimp. São Paulo: Contexto, 2012, p. 75 - 94.
SAUSSURE, F. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo
Paes e Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 1995.
______. Curso de linguística geral. Tradução de Antônio Chelini, José Paulo Paes e
Izidoro Blikstein. 20. ed. São Paulo: Cultrix, 2012.
SCHNEIDER, V. J.; SILVA, F. S. De 1816 a 1916: retornar ao passado de Saussure. Revis-
ta Prolíngua, UFPB, Paraíba, v. 11, n. 2, out/dez. 2016. Disponível em: <periodicos.
ufpb.br/index.php/prolingua/article/download/32357/16986>. Acesso em: 4 jan.
2018.

REFERÊNCIAS ON-LINE
1
Em: <http://www.aulete.com.br/dicotomia>. Acesso em: 4 jan. 2017.
2
Em: <https://www.priberam.pt/dlpo/dicotomia>. Acesso em: 4 jan. 2017.
189
GABARITO

1. Alternativa A.
2. Alternativa B.
3. Alternativa C.
4. Alternativa D.
5. Alternativa E.
CONCLUSÃO

Prezado(a) aluno(a), ao longo da minha vida acadêmica, sempre termino uma eta-
pa (graduação, especialização, mestrado, doutorado) com a sensação de que é no
momento do término que me sinto preparada para começar. É o que estou sentin-
do agora, ou seja, apesar de não sermos mais o que éramos antes de iniciar nosso
“bate-papo” por meio das aulas, atividades, fórum e mapa, a sensação que fica é de
que agora estamos prontos para começar e jamais terminar. Peço a você que não
termine de pensar sobre a língua, pois ao passar, mesmo que rapidamente, pela
Linguística, você se tornou corresponsável (um(a) grande parceiro(a)) na luta pela
disseminação de uma língua que está sempre em uso e, por isso, ela não é fixa, varia
e está em constante mutação. Isto é, não é possível terminar de pensar, pois ela não
termina seu processo evolutivo.
O percurso nos fez descobrir que a Linguística desafia, provoca e produz desconforto
no poder hegemônico, pois ela não se ocupa apenas da norma culta, mas da grandio-
sidade da língua e busca desvendar os mistérios que a envolvem, ousando rebelar-se
contra preconceitos que não se justificam, sem perder a busca da consciência sobre
a importância do papel da escola no seu dever de mediar a aquisição da norma culta,
para atender às exigências sociais contemporâneas, sem se esquecer, também, do
seu dever de não abandonar as experiências linguísticas trazidas pelos falantes.
Foi o que tentamos fazer neste livro, ao apresentar as principais questões que mo-
vem a Linguística, delimitando o seu objetivo e também o seu objeto de estudo. Em
seguida, procuramos mostrar um pouco do percurso histórico dessa ciência e seus
posteriores desdobramentos até o início do século XX, mediante a apresentação
da teoria desenvolvida por Ferdinand de Saussure. Já que a vida continua, reitero
o convite para você continuar pensando cientificamente na língua, afinal, ela não é
um barco ancorado no estaleiro, mas um barco lançado ao mar. Até breve.
Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.

ANOTAÇÕES
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Reprodução proibida. Art. 184 do Código Penal e Lei 9.610 de 19 de fevereiro de 1998.
ANOTAÇÕES

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