Antiseri
HISTÓRIA
DA FILOSOFIA
De Nietzsche
6 à Escola de Frankfurt
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Reale, G.
História da filosofia, 6: de Nietzsche à Escola de Frankfurt / G. Reale, D. Antiseri; [tradução
Ivo StornioloJ. — São Paulo: Paulus, 2006. — (Coleção história da filosofia; 6)
ISBN 85-349-2431-7
05-6197 CDD-109
Título original
Storia delia filosofia - Volume III: Dal Romanticismo ai giorni nostri
© Editrice LA SCUOLA, Brescia, Itália, 1997
ISBN 88-350-9273-6
Tradução
Ivo Storniolo
Revisão
Zolferíno Tonon
Impressão e acabamento
PAULUS
© PAULUS - 2006
Rua Francisco Cruz, 229 • 04117-091 São Paulo (Brasil)
Fax (11) 5579-3627 • Tel. (11) 5084-3066
www.paulus.com.br • editorial@paulus.com.br
ISBN 85-349-2431-7
jA p res e n+aç õ o
* * *
Existem teorias, argumentações e dis
putas filosóficas pelo fato de existirem pro A história da filosofia é a historia dos
blemas filosóficos. Assim como na pesquisa problemas filosóficos, das teorias filosó
científica idéias e teorias científicas são ficas e das argumentações filosóficas. É
respostas a problemas científicos, da mes a história das disputas entre, filósofos e
ma forma, analogicamente, na pesquisa dos erros dos filósofos. É sempre a his
filosófica as teorias filosóficas são tentativas tória de novas tentativas de versar sobre
de solução dos problemas filosóficos. questões inevitáveis, na esperança de
Os problemas filosóficos, portanto,
conhecer sempre melhor a nós mesmos e
existem, são inevitáveis e irreprimíveis; de encontrar orientações para nossa vida
envolvem cada homem particular que e motivações menos frágeis para nossas
não renuncie a pensar. A maioria desses
escolhas.
problemas não deixa em paz: Deus existe, A história da filosofia ocidental é
ou existiriamos apenas nós, perdidos neste a história das idéias que informaram,
imenso universo? O mundo é um cosmo ou ou seja, que deram forma à história do
um caos? A história humana tem sentido? Ocidente. É um patrimônio para não ser
E se tem, qual é? Ou, então, tudo - a gló dissipado, uma riqueza que não se deve
ria e a miséria, as grandes conquistas e os perder. E exatamente para tal fim os pro
sofrimentos inocentes, vítimas e carnífices
blemas, as teorias, as argumentações e
- tudo acabará no absurdo, desprovido
as disputas filosóficas são analiticamente
de qualquer sentido? E o homem: é livre explicados, expostos com a maior clareza
e responsável ou é um simples fragmento
possível.
insignificante do universo, determinado * * *
em suas ações por rígidas leis naturais? A
ciência pode nos dar certezas? 0 que é a Uma explicação que pretenda ser clara
verdade? Quais são as relações entre razão e detalhada, a mais compreensível na me
científica e fé religiosa? Quando podemos dida do possível, e que ao mesmo tempo
dizer que um Estado é democrático? E ofereça explicações exaustivas comporta,
quais são os fundamentos da democracia? todavia, um "efeito perverso", pelo fato
E possível obter uma justificação racional de que pode não raramente constituir um
dos valores mais elevados? E quando é que obstáculo à "memorização" do complexo
somos racionais? pensamento dos filósofos.
Eis, portanto, alguns dos problemas Esta é a razão pela qual os autores
filosóficos de fundo, que dizem respeito pensaram, seguindo o paradigma clás
às escolhas e ao destino de todo homem, sico do Üeberweg, antepor à exposição
e com os quais se aventuraram as mentes analítica dos problemas e das idéias dos
mais elevadas da humanidade, deixando- diferentes filósofos uma síntese de tais
nos como herança um verdadeiro patrimô problemas e idéias, concebida como
nio de idéias, que constitui a identidade e instrumento didático e auxiliar para a me
a grande riqueza do Ocidente. morização.
VI A p rese^+ação
* * * * * *
1. Windelband e a distinção entre ciências no- cedimentos para fixar as “crenças”, 80; 3. De
motéticas e ciências idiográficas, 41; 2. Rickert: dução, indução, abdução, 81; 4. Como tornar
a relação com os valores e a autonomia claras nossas idéias: a regra pragmática, 82.
do conhecimento histórico, 42; 3. Simmel:
os valores do historiador e o relativismo II. O empirismo radical
dos fatos, 42; 4. Spengler e o “o caso do de William James 84
Ocidente”, 42; 5. Troeltsch e o caráter 1. O pragmatismo é apenas um método, 85;
absoluto dos valores religiosos, 44; 6. Mei- 2. A verdade de uma idéia se reduz à sua
necke e a busca do eterno no instante, 44. capacidade de “operar”, 85; 3. Os princípios
Te x t o s - W. Dilthey: 1. “Reviver” para da psicologia e a mente como instrumento
“compreender”, 46; 2. As ciências do espírito da adaptação, 86; 4. A questão moral: como
entendem o sentido de um mundo humano escolher entre ideais contrastantes?, 86;
histórico e objetivado, 47; W. Windelband: 5. A variedade da experiência religiosa e o
3. Ciências nomotéticas e ciências idiográ universo pluralista, 87.
ficas, 48; H. Rickert: 4. Aprendizado gene- III. Desenvolvimentos
ralizante e aprendizado individualizante,
50; G. Simmel: 5. O “terceiro reino” dos
do pragmatismo 88
produtos culturais, 51; F. Meinecke: 6. Dis 1. Mead: continuidade entre o homem e o uni
tinção entre civilização e cultura, 53. verso, 88; 2. Schiller: o pragmatismo como
humanismo, 89; 3. Vaininger e a filosofia
do “como-se”, 89; 4. Calderoni: distinção
Capítulo quarto entre juízos de fato e de valor, 89; 5. Vailati:
Max Weber: o pragmatismo como método, 90.
o desencantamento do mundo Te x t o s - Ch. S. Peirce: 1. Abdução, dedu
e a metodologia ção, indução, 91; 2. A regra pragmática,
das ciências histórico-sociais___ 55 92; W. James: 3. “O pragmatismo é apenas
um método”, 93; G. Vailati: 4. Crítica do
1. Vida e obras, 57; 2. A questão da “referên materialismo histórico, 93.
cia aos valores”, 58; 3. Ateoria do “tipo ideal”,
59; 4. O peso das diferentes causas na reali
zação dos eventos, 60; 5. A polêmica sobre a Capítulo sexto
“não-avaliabilidade”, 61; 6. A ética protes O instrumentalismo
tante e o espírito do capitalismo, 61; 7. Weber de John Dewey 95
e Marx, 62; 8. O desencantamento do mundo,
1. A experiência não se reduz à consciência
63; 9. A fé como “sacrifício do intelecto”, 64.
nem ao conhecimento, 96; 2. Precariedade e
Ma pa c o n c e it u a l - Metodologia das ciên risco da existência, 97; 3. A teoria da pesquisa,
cias histórico-sociais, 65. 98; 4. Senso comum e pesquisa científica: as
idéias como instrumentos, 99; 5. A teoria dos
Te x t o s - M. Weber: 1. A objetividade valores, 100; 6. A teoria da democracia, 101.
cognoscitiva das ciências sociais, 66; 2. Ética
da convicção e ética da responsabilidade, Ma pa c o n c e it u a l -Método científico: Ética,
67; 3. Possibilidade objetiva e causação ade política, pedagogia, 103.
quada, 69; 4. A política não combina com a Te x t o s - J. Dewey: 1. A experiência não é
cátedra, 70; 5. Ém busca de uma definição consciência, mas história, 104; 2. Não há
de “capitalismo”, 72; 6. A ética protestante nada mais prático do que uma boa teoria,
e o espírito do capitalismo, 74; 7. O desen 105; 3. A relação entre passado e presente
cantamento do mundo, 75; 8. A ciência se na pesquisa histórica, 106; 4. A ciência e o
fundamenta sobre uma escolha ética, 77. progresso social, 108.
I. A fenomenologia: um método para “vol como linguagem do ser, 209; 11. A técnica
tar às próprias coisas”, 176; 2. A fenome e o mundo ocidental, 210.
nologia é descrição das essências eidéticas,
176; 3. Direção idealista e direção realista Te x t o s - M. Heidegger: 1. A morte é “uma imi
da fenomenologia, 177; 4. Às origens da nência ameaçadora específica ”, 211; 2. “No
fenomenologia, 177; 4.1. Bolzano e o valor tempo da noite do mundo o poeta canta o
lógico-objetivo das “proposições”, 177; sagrado”, 213.
4.2. Brentano e a intencionalidade da cons
ciência, 178. Capítulo décimo segundo
II. Edmund Husserl 179 Traços essenciais
1. Vida e obras, 180; 2. A intuição eidética,
e desenvolvimentos
181; 3. Ontologias regionais e ontologia do existencialismo 215
formal, 181; 4. A intencionalidade da cons
ciência, 182; 5. “Epoché” ou redução feno-
I. Perspectivas gerais 215
menológica, 183; 6. A crise das ciências I. A existência é “poder-ser”, isto é, “incer
européias e o “mundo da vida”, 184. teza, risco e decisão”, 215; 2. Pressupostos
remotos e próximos do existencialismo, 216;
III. Max Scheler 185 3. Os pensadores mais representativos do
1. Contra o formalismo kantiano, 186; existencialismo, 217.
2. Valores “materiais” e sua hierarquia, 187;
3. A pessoa, 187; 4. A simpatia, o amor e a
II. Karl Jaspers
fé, 188; 5. Sociologia do saber, 188. e o naufrágio da existência_ 218
1. Vida e obras, 218; 2. A ciência como
IV. Desenvolvimentos orientação no mundo, 219; 3. O ser como
da fenomenologia 190 “oniabrangente”, 219; 4. A não-objetivi-
1. Nicolai Hartmann e a análise fenomeno- dade da existência, 220; 5. O naufrágio da
lógica dirigida ao “ser enquanto tal”, 191; existência e os “sinais” da transcendência,
1.1. A concepção da ética, 191; 1.2. A proble 220; 6. Existência e comunicação, 221.
mática ontológica, 191; 2. Rudolf Otto e a fe
nomenologia da religião, 191; 3. Edith Stein: III. Hannah Arendt:
o problema da empatia e a tarefa de uma filo uma defesa inflexível
sofia cristã, 192; 3.1. A vida e as obras, 192; da dignidade
3.2. Teoria fenomenológica da empatia, 193; e da liberdade do indivíduo _ 223
3.3. A tarefa de uma filosofia cristã, 194.
1. Hannah Arendt: a vida, 223; 2. As obras:
Te x t o s - E. Husserl: 1. A intencionalidade uma filosofia em defesa da liberdade, 224;
do conhecimento, 195; 2. A epoché fenome 3. Anti-semitismo, imperialismo e totalita
nológica, 196; 3. “As meras ciências de fatos rismo, 224; 4. A ação como atividade polí
criam simplesmente homens de fato”, 198; tica por excelência, 225.
M. Scheler: 4. Quando uma idéia religiosa
torna possível a ciência, 200. IV. Jean-Paul Sartre:
da liberdade absoluta
e inútil à liberdade histórica_ 226
Capítulo décimo primeiro
Martin Heidegger: 1. Vida e obras, 227; 2. A náusea diante da
gratuidade das coisas, 227; 3. O “em-si” e
da fenomenologia o “para-si”, o “ser” e o “nada”, 228; 4. O
ao existencialismo 201 “ser-para-outros”, 228; 5. O existencialismo
1. Vida e obras, 202; 2. Da fenomenologia é um humanismo, 229; 6. Crítica da razão
ao existencialismo, 203; 3. O Ser-aí e a ana dialética, 231.
lítica existencial, 203; 4. O ser-no-mundo, V. Maurice Merleau-Ponty:
205; 5. O ser-com-os-outros, 205; 6. O ser-
para-a-morte, existência inautêntica e exis entre existencialismo
tência autêntica, 206; 7. A coragem diante e fenomenologia 232
da angústia, 207; 8. O tempo, 207; 9. A 1. A relação entre a “consciência” e o “cor
metafísica ocidental como “esquecimento po”, e entre o “homem” e o “mundo”, 232;
do ser”, 208; 10. A linguagem da poesia 2. A liberdade “condicionada”, 233.
ünd i<se geral . . ......
1. A vida e as obras, 423; 2. Onde nasce o 1. Gyõrgy Lukács, 442; 1.1. Totalidade e
existente, 423; 3. A face do Outro nos vem dialética, 442; 1.2. Classe e consciência de
ao encontro e nos diz: “Tu não matarás”, classe, 443; 1.3. A estética marxista e o “rea
424; 4. O Outro me olha e se refere a mim, lismo”, 444; 2. Karl Korsch entre “dialética”
425; 5. Quando o Eu é refém do Outro, e “ciência”, 445; 3. Emst Bloch, 446,3.1. A vida
425. de um “utopista”, 446; 3.2. “O que importa
é aprender a esperar”, 446; 3.3. “O mar
Te x t o s - F. Lévinas: 1. O Outro não pode xismo deve ser fielmente ampliado”, 448;
nos deixar indiferentes, 426. 3.4. “Onde há esperança, há religião”, 448.
VI. O neomarxismo na França _ 449
Oitava parte 1. Roger Garaudy, 449; 1.1. Os erros do
sistema soviético, 449; 1.2. A alternativa,
O MARXISMO 450; 1.3. Marxismo e cristianismo, 450;
DEPOIS DE MARX 2. Louis Althusser, 451; 2.1. A “ruptura
epistemológica” do Marx de 1845, 45.1;
E A ESCOLA 2.2. Por que o marxismo é “anti-humanis-
DE FRANKFURT mo” e “anti-historicismo”, 451.
VII. O neomarxismo na Itália__453
1. Antônio Labriola, 454; 1.1. “O marxismo
Capítulo vigésimo quinto não é positivismo nem naturalismo”, 454;
O marxismo depois de Marx _ 429 1.2. A concepção materialista da história,
454; 2. Antônio Gramsci, 455; 2.1. A vida e a
I. O “revisionismo” obra, 455; 2.2. A “filosofia da práxis” contra a
do “reformista” “filosofia especulativa” de Croce, 456; 2.3.0
Eduard Bernstein 429 “método dialético”, 456; 2.4. A teoria da he
I. A Primeira, a Segunda e a Terceira In gemonia, 456; 2.5. Sociedade política e socie
ternacional, 430; 2. Eduard Bernstein e dade civil, 457; 2.6.0 intelectual “orgânico”,
as razões da falência do marxismo, 431; e o partido como “príncipe moderno”, 457.
3. Contra a “revolução” e a “ditadura do Te x t o s - E. Bernstein: 1. “A democracia é a
proletariado”, 431; 4. A democracia como arte elevada do compromisso”, 459; Adler:
“alta escola do compromisso”, 432. 2. Onde Marx se assemelha a Kant, 461; Lê
nin: 3. O ideal ético dos comunistas, 463; G.
II. O debate Lukács: 4. A sociedade não pode ser compreen
sobre o “reformismo”433 dida com o método das ciências naturais,
1. Karl Kautsky e a “ortodoxia”, 433; 2. Ro 464; 5. O papel do “tipo” na estética realista,
sa de Luxemburgo: “a vitória do socialismo 464; R. Garaudy: 6. Refutação do stalinismo,
não cai do céu”, 434. 465; A. Gramsci: 7. As razões da crítica a
Croce, 466; 8. A função dos intelectuais, 467.
III. O austromarxismo 435
1. Gênese e características do austromarxis Capítulo vigésimo sexto
mo, 435; 2. Max Adler e o marxismo como A Escola de Frankfurt 469
“programa científico”, 436; 3. O neokantis-
mo dos austromarxistas e a fundamentação I. Gênese, desenvolvimentos
dos valores do socialismo, 437. e programa
IV. O marxismo da Escola de Frankfurt 469
na União Soviética 438 I. Totalidade e dialética como categorias
1. Plekanov e a difusão da “ortodoxia”, fundamentais da pesquisa social, 469; 2. Da
438; 2. Lênin, 439; 2.1. O partido como Alemanha para os Estados Unidos, 471.
vanguarda armada do proletariado, 439; II. Theodor Wiesengrund
2.2. Estado, revolução, ditadura do prole
tariado e moral comunista, 440. Adorno 472
1. A “dialética negativa”, 472; 2. Adorno e sua
V. O “marxismo ocidental” colaboração com Horkheimer: a dialética do
de Lukács, Korsch e Bloch___441 Iluminismo, 473; 3. A indústria cultural, 474.
XVI CMdice geral
* Neste índice:
-reportam-se em versalete os nomes dos filósofos e dos homens de cultura ligados ao desenvolvimento
do pensamento ocidental, para os quais indicam-se em negrito as páginas em que o autor é tratado de
acordo com o tema, e em itálico as páginas dos textos;
-reportam-se em itálico os nomes dos críticos;
-reportam-se em redondo todos os nomes não pertencentes aos agrupamentos precedentes.
■ZMclicé? de nomes
Coleridge S. T., 134 Ficker, L. von, 311, 318 114, 115, 116, 122, 123, 126,
Colombo C., 323 Fin c k E., 177 128, 134, 138, 139, 144, 147,
Co mt e A., 4, 8, 91, 167, 189, Fio r e n t in o E, 21, 23 148, 150, 151, 167, 202, 208,
198, 340 Fl e w A., 324 217, 231, 244, 250, 262, 274,
Co n r a d -Ma r t iu s E., 177, 192 Fo g a z z a r o A., 341, 344 275, 276, 295, 296, 330, 343,
Corneille P., 142 Francisco de Assis, são, 68, 348, 364, 430, 436, 438, 441, 442,
Co u s in V., 144, 336 357 443, 446, 449, 451, 454, 462,
Cox H., 370, 371 Frederico o Grande, 60 470, 472
Cr e ig h t o n J., 136 Fr e g e G., 297, 298, 308 He id e g g e r M., 174, 176, 177,
Cr o c e B., 109, 110, 111-124, Fr e u d S., 269,271,272,273,274, 179, 201-210, 211-214, 215,
126, 127, 128, 131, 137-146, 276, 284, 285, 286, 291, 323, 217,218, 221,223,228,235,
147, 148, 453, 455, 456, 458, 479, 480 236, 243, 250, 258, 259, 260,
466, 467 Fr ie s J. F., 22 265, 266, 267, 271, 278, 280,
Fr o mm E., 469, 471, 482-483 281,285, 290, 291, 368, 423,
424
D He l mh o l t z , H., 21, 22, 29
He mpe l C. G., 299
Da r w in C. R., 254 He r á c l it o , 95, 97, 132, 202,
De Gaulle C., 408 Ga d a me r h . G., 173, 174, 249 208,210
De Sa n c t is E, 109,110, 113 257, 258-263, 265, 266, 267, He r b a r t J. F., 22, 113, 454
Dé l è a g e A., 401 280, 281 Hertwig M., 446
De s c a r t e s R., 48, 180, 184, 197, Ga l il e i G., 29, 180, 184, 244, He r t z H. R., 311
244, 245, 272, 283, 284, 285, 245 HerzlT.,417,418
290, 304, 330, 332, 336, 349, Ga l l u ppi R, 110, 148 He s s M., 418
352, 388, 401 Ga r a u d y R., 449-450, 465-466 Hic k J., 324
De w e y 80, 88,95-102,104-108 Ga r d in e r R, 324 Hic k s G. D., 21, 23
Dic k in s o n , 296 Gaus, 239, 240, 241 Hil f e r d in g R., 435, 436
Die l s H., 34 Ge ig e r M., 177 Hitler A., 223, 225, 469, 471
Dil t h e y W., 1,22, 25, 33, 34, 36 Ge me l l i A., 386, 389 Hobbes, 94
39, 40,41, 45, 46-48, 59,250, Ge n t il e G., 109, 110, 111, 114, Ho c k in g W. E., 399, 401
267, 274, 276, 290, 417, 470 126-132,147-154, 458 Ho d g s o n S. H., 21, 23, 93
Dostoiewski F. M., 6, 216, 242, Gil s o n E., 390, 393-394 Hõ l d e r l in E, 210, 213, 214
323, 423, 442 Gio b e r t iV., 110, 148 Homero, 254
Do y l e , 75 Go e t h e J. W., 50, 124,134, 168 Ho r k h e ime r M., 427, 469, 470,
Dr a y W., 324 Gogol N., 423 471, 472, 473, 474, 475, 476
Dr o y s e n G., 33, 34 Go l d ma n n L., 450 478, 485-487
Du n c a n -Jo n e s A., 323 Gr a ms c i A., 453, 454, 455-458, Ho w is o n G. H., 136, 399, 401
Dürer A., 47 466-468 Hu mb o l d t , W. v o n , 119
Du v e a u G., 401 Gr e e n T. H., 135, 338 Hu me D., 80, 93, 368
Gr ic e H. P., 331 Hu s s e r l E., 173, 174, 175, 176,
Grimm H., 261 177, 178, 179-184, 185, 186,
Gr imm J., 34 190, 192, 193, 195-200, 201,
Gr o s s ma n n H., 471 202, 205, 223, 226, 227, 262,
Gu a r d in i R., 446 268, 270, 271, 325, 389, 423,
Ec k h a r t (Me s t r e ) J., 482, 483 Guarini B., 142 424, 449, 451, 470
Ec k s t e in G., 436 Hy ppo l it e J., 217, 270
Guerrera Brezzi F., 270, 271
Ein s t e in A., 29,198, 274, 300 Guevara C., 227
Eliezer, I. ben, 418 Gumnior, 485, 486
Eliot T. S., 372 Gundolf F., 261
Eme r s o n R. W., 134, 135, 136 Guzzo A., 274, 275
En g e l ma n n P., 307, 311,318 Infantino, L., 166
En g e l s E, 231, 429, 431, 435, Iz a r d G., 399, 401
436, 437, 439, 443, 446, 454,
461,462
Epic t e t o , 28, 30 Ha b e r ma s J., 471
Eu c k e n R., 337, 338 Ha me l in O., 21, 23
Eu c l id e s , 296, 395 Ha mil t o n W., 370
Eurípides, 3, 7 Jacini S., 142
Ha mps h ir e S., 324, 327-328 Jaegerschmid A., 193
Ha r e R. M., 293, 324, 327, 330 Ja ia D., 109, 110, 126, 127
Harich W., 446 Ja me s H., 349
B Ha r n a c k , A. v o n , 363, 364
Ha r r is W. T, 136
Ja me s W., 79, 80, 84-87, 88, 89,
90, 93, 99,104,134, 349, 352
Fe u e r b a c h L., 4, 8,216,274,275, Ha r t H. L. A., 327 Ja n ik A., 311
370, 448 Ha r t ma n n N., 177, 190, 191 Jarczyk G., 381
Fic h t e H., 337, 338 Ha r t ma n n , E. v o n , 377, 338 Ja s pe r s K., 173, 215, 217, 218
Fic h t e J. G., 22, 68, 146, 150, He g e l G. W. E, 22, 34, 35, 36, 38, 222, 223, 238-239, 242, 243,
337, 338 48,95,97,109,110,111,113, 269, 275, 446
CIndice de nomes
XIX
Jesi E, 418 Lope de Vega E, 142 Mo u n ie r E., 268, 269, 270, 385,
Joana d’Arc, santa, 348, 357 Lo t z e R. H., 337, 338, 339 386, 397, 398, 399, 400, 401,
João da Cruz, são, 194 Lõ w e n t h a l L., 469, 471 402-406, 412-413
João Paulo II, papa, 190,192,193, Lo y o l a , I. d e , 157, 160 Mu r r i R., 341, 344
385,387 Lu b a c , H. d e , 369
Jo h n s o n M. E., 323 Lu k á c s G., 76,441,442-444,445,
Jo l io t -Cu r ie L, 298 446, 464-465, 470
Lu t e r o M., 12, 46, 47
Lu x e mb u r g o , R. d e , 429, 430, Na b e r t , 401
K 433, 434-435 Na t o r p P., 21,23,24,26,165,166
Né d o n c e l l e M.,399, 401, 405
Kafka E, 216 Ne g t O., 471
Ka n t L, 21,22,23,35,40,42,76, M Ne u ma n n E, 471
88, 89, 109, 129, 147, 148, Neumann O., 60
185, 186, 187, 256, 281,289, Ma c e C. A., 323 Ne u r a t h O., 295, 299
290, 296, 327, 328, 332, 338, Ma c h E., 90, 121, 435, 436 Ne w ma n J. H., 342
339, 368, 369, 386, 388, 395, Ma d in ie r G., 401 Ne w t o n L, 29,198, 330, 332
401, 436, 461, 462, 474, 486 Ma l c o l m N., 309, 323 Nie b u h r B. G., 33, 34
Ka u t s k y K., 429, 430, 431, 433 Ma l e b r a n c h e N., 332 Nie t z s c h e F., 1, 3-15, 17-20, 34,
434, 445 Malka S., 424, 425 ' 166, 202, 208, 216, 220, 262,
Kegan P., 309 Manet E., 323 269, 272, 274, 276, 280, 281,
Ke l s e n H., 435, 436 Ma q u ia v e l N., 122,383,384,455 283,284,285,286, 290, 291,
Kennedy J., 300 Ma r c e l G., 173, 177, 215, 217, 375,417
Ke y n e s J. M., 312 234-237, 243, 245-247, 268, No w e l l -Smit h R, 327
Kie r k e g a a r d S., 157, 161, 215, 270, 402, 403, 408, 446 Ny s D., 386, 388
216, 220, 231, 273, 274, 275, Ma r c u s e H.,427, 469, 470, 471,
311,364,377, 401,417, 442 479-481, 487-488
Ko jè v e A., 217, 223 Ma r é c h a l ]., 386, 388
Ko r s c h K., 441, 442, 445-446 Marlas J., 166
Ko y r é A., 223 Ma r it a in J., 334, 385, 390-393, Oc k h a m , G. d ’, 83
Kr ie s , J. v o n , 69, 70 395-396, 399, 401,402 Ol g ia t i E, 386, 389
Kruschev N., 227, 300 Ma r it a in R., 391 Ol l é -La pr u n e L., 342, 349
Kü l pe O., 446 Ma r t in e t t i P., 337, 339, 340 Or t e g a y Ga s s e t J., 155, 156,
Kun B., 442 Ma r x K., 45, 110, 111, 167,169, 159,165-170,171-172
231, 269, 272, 274, 276, 284, Ot t o R., 179,182,190,191-192
285, 286, 291, 330, 409, 428,
L 429, 430, 431, 433, 435, 436,
437, 438, 439, 440, 441, 442, P
La b e r t h o n n iè r e L., 341,343,344 443, 445, 448, 449, 451, 455,
La b r io l a A., 111, 113, 453, 461,462, 478, 481,482, 483 Pa c i E., 180, 184
454-455 Ma s n o v o A., 386, 389 Pa d o v a n i U. A., 389
La c h iê z e -Re y P., 401 Ma t h ie u V., 337, 351 Pa n n e n b e r g W., 373, 374-375
La c r o ix J., 399, 401 Matteotti G., 114, 127 Pa pin i G., 80, 88, 89
La n d g r e b e L., 177 Ma t u r i S., 109, 110 Pa r e y s o n L.,274-280,281,286-289
La n d s b e r g P., 401 Ma u t h n e r , 316 Pa r mê n id e s , 202, 208, 210, 389
La n g e E A., 23, 89 Ma x w e l l J. C., 29 Pa s c a l B, 157,161,185,187,305,
Laterza G., 142 Me a d G. H., 80, 88-89 336, 349,395, 401,417
La v e l l e L., 336, 338 Me in e c k e F.,33,34,35,41,44,45,53 Pa s t e u r L., 323
La z e r o w it z M., 323 Me in o n g A., 298, 325 Pa u l G. A., 323
Leão XIII, papa, 385, 387, 388 Me n g e r C., 435, 436 PaulJ., 116
Le Ro y E., 344 Me r c ie r D., 386, 387-388 Paulo de Tarso, 11, 348, 357
Le Se n n e E. R., 401, 407 Me r l e a u -Po n t y M., 173,177,215, Paulo VI, papa, 396
Le f e b v r e H., 450 217, 227, 232-234, 244-245 Pe a n o G., 90, 296, 297
Le f r a n c q M., 401 Me t z B., 373, 375 Pears D. E, 327, 331
Le ib n iz G. W., 304, 332, 338, 401 Me y e r E., 60, 69, 70 Pe if f e r Sr t a ., 423
Lê n in N., 300, 433, 434, 435, Mic h e l e t J., 144 Pe ir c e C. S., 1, 79, 80-83, 85, 88,
438, 439-440, 445, 453, 455, Mil l J. S., 71, 105 89, 90, 91-92
456, 463 Mis e s , L. v o n , 435 Pellicani L., 167, 170
Le q u ie r J., 337, 339 Mit c h e l l B., 324 Perrin J. M., 407, 408,410
Le s s in g , G. E., 17, 141 Mo l t ma n n J., 333, 373, 374, Pestalozzi, 395
Lé v in a s E., 415,416,423-425,426 383-384 Pétain H.-R-O., 403
Lie b k n e c h t K., 429,430,433,434 Mo mms e n T., 33, 34 Pf a n d e r A., 177
Lie b ma n n O., 21, 22 Mo n t a ig n e , M. d e , 245 Ph il ip A., 401
Lo b a t c h e v s k i N. L, 274 Mo n t e f io r e A., 327 Pio X, papa, 341, 344, 385, 387
Lo c k e J., 49, 80, 93, 304 Mo o r e G. E., 295, 296, 308, 309, Pio XII, papa, 387
Lo is y A., 341, 344 321, 322, 323, 332 Pir r o , 183
London, 465 Mouchot L. H., 336 Pl a n c k M., 29,198
jndice de nomes
abdução, 83 instrumentalismo, 99
amor fati, 13
angústia, 207
autoconceito (conceptus sui), 129
método da imanência, 343
epoché, 183
escatologia, 374 regra pragmática, 83
existentivo - existencial, 204 ressentimento, 11
Friedrich Nietzsche
Wilhelm Dilthey
Max Weber
Ernst Cassirer
Charles S. Peirce
“Todoerronosindicaumcaminhoaevitar,aopassoque
nem toda descoberta nos indica um caminho a seguir”.
Giovanni Vailati
Capítulo primeiro
Friedrich Nietzsche.
Fidelidade à terra e transmutação de todos os valores 3
Capítulo segundo
O neocriticismo.
A Escola de Marburgo e a Escola de Baden 21
Capítulo terceiro
O historicismo alemão
de Wilhelm Dilthey a Friedrich Meinecke 33
Capítulo quarto
Max Weber:
o desencantamento do mundo
e a metodologia das ciências histórico-sociais 55
Capítulo quinto
O pragmatismo 79
Capítulo sexto
Friedrich /\)ie+zsche.
Fid elidade à terra
e transmufação de todos os valores
• Eis, porém, que chega Eurípedes, que procura eliminar da tragédia o elemen
to dionisíaco em favor dos elementos morais e intelectualistas. E surge Sócrates,
4
Primeira parte - y\ filosofia do sécwlo c\o século XX
Sócrates com sua *ouca presunção dè dominar a vida com a razão. Estamos
e Platão em P.lena decadência. Sócrates e Platão são "sintomas de deca-
São dência, os instrumentos da dissolução grega, os pseudogregos, os
"pseudogregos" antigregos". Sócrates - continua Nietzsche - "foi apenas alguém
e "antigregos" longamente enfermo". Foi hostil à vida. Destruiu o fascínio dio-
-> § 2 nisíaco. A racionalidade a todo custo é uma doença.
Ainda em 1882 Nietzsche conhece Lou 3 de janeiro de 1889 cai vítima da loucura,
Salomé, jovem russa de vinte e quatro anos. lançando-se ao pescoço de um cavalo que o
Acreditando nela, queria desposá-la. Mas dono estava espancando diante de sua casa
Lou Salomé o rejeitou e se uniu a Paul Rée, em Turim.
amigo e discípulo de Nietzsche. Inicialmente, foi confiado a sua mãe
Em 1883, em Rapallo, ele concebe sua e, quando esta faleceu, à irmã. Morreu em
obra-prima: Assim falou Zaratustra, obra Weirnar, imerso nas trevas da loucura, em 25
que foi concluída entre Roma e Nice, dois de agosto de 1900, sem poder se dar conta
anos depois. Em 1886, publicou Além do do sucesso que estavam tendo os livros que
bem e do mal. A Genealogia da moral é de mandara publicar à própria custa.
1887. No ano seguinte, Nietzsche escreve:
“O caso Wagner, O crepúsculo dos ídolos,
O Anticristo, Ecce homo. Do mesmo perío 2 O "dionisíaco",
do é também o escrito Nietzsche contra íí I/ H
Wagner. o apolineo
Nesse período, ainda, lê Dostoiewski. e o "problema Sócrates"
Entrementes, parece-lhe ter encontrado
lugar satisfatório em Turim, “a cidade
que se revelou como a minha cidade". É Em Leipzig, conforme salientamos,
em Turim que ele trabalha em sua última Nietzsche leu O mundo como vontade e
obra, a Vontade de poder, que, no entan representação, de Schopenhauer, e ficou
to, não conseguiu concluir. Com efeito, em fascinado, a ponto de mais tarde o julgar
Friedrich Nietzsche
aos vinte anos.
Nietzsche (1844-1900)
foi um crítico
impiedoso do passado
e profeta “inatual”
de nossos dias.
Capítulo primeiro - 7\)ie+zscL\e. Fidelidade à ferra e transmufação de todos os valores
7
como “um espelho, no qual vi [...] o mundo, em relação à vida se transforma em super
a vida e meu próprio espírito”. ficialidade silogística: surge então Sócrates,
A vida, pensa Nietzsche nas pegadas de com sua louca presunção de compreender
Schopenhauer, é cruel e cega irracionalidade, e dominar a vida com a razão e, com isso,
dor e destruição. Só a arte pode oferecer ao temos a verdadeira decadência.
indivíduo a força e a capacidade de enfrentar Sócrates e Platão são “sintomas de
a dor da vida, dizendo sim à vida. decadência, os instrumentos da dissolução
E em O nascimento da tragédia, que é grega, os pseudogregos, os antigregos”.
de 1872, Nietzsche procura mostrar como a “Sócrates — escreve Nietzsche — foi um
civilização grega pré-socrática explodiu em equívoco: toda a moral do aperfeiçoamen
vigoroso sentido trágico, que é aceitação ex to, inclusive a cristã, foi um equívoco [...].
tasiada da vida, coragem diante do destino A mais crua luz diurna, a racionalidade a
e exaltação dos valores vitais. A arte trágica qualquer custo, a vida clara, prudente, cons
é corajoso e sublime sim à vida. ciente e sem instintos, em contraste com os
Com isso Nietzsche subverte a imagem instintos, isso era apenas doença diferente
romântica da civilização grega. Entretanto, a — e de modo nenhum retorno à ‘virtude’,
Grécia de que fala Nietzsche não é a Grécia à ‘saúde’, à felicidade”. “Sócrates apenas
da escultura clássica e da filosofia de Sócra esteve longamente doente”. Disse não à
tes, Platão e Aristóteles, e sim a Grécia dos vida; abriu uma época de decadência que
pré-socráticos (séc. VI a.C.), a Grécia da esmaga também a nós. Ele combateu e des
tragédia antiga, na qual o coro era a parte truiu o fascínio dionisíaco que liga homem
essencial, senão talvez tudo. a homem e homem a natureza, e desvela o
De fato, Nietzsche identifica o segredo mistério do uno primigênio. Texto
desse mundo grego no espírito de Dioniso.
Dioniso é a imagem da força instintiva e da
saúde, é embriaguez criativa e paixão sen
sual, é o símbolo de uma humanidade em Pie
plena harmonia com a natureza.
Ao lado do dionisíaco, diz Nietzsche, o
desenvolvimento da arte grega também está GEBURT DER TRAGÔDIE.
ligado ao apolíneo, que é visão de sonho e
tentativa de expressar o sentido das coisas
Odet.
na medida e na moderação, explicitando-
se em figuras equilibradas e límpidas. “O
desenvolvimento da arte está ligado à di- Gritcltitbí» mi MriiM.
cotomia do apolíneo e do dionisíaco, do
mesmo modo como a geração provém da
dualidade dos sentidos, em contínuo con Vo»
flito entre si e em reconciliação meramente
periódica [...]. Em suas [dos gregos] duas FRIEDRICH NIETZSCHE.
divindades artísticas, Apoio e Dioniso,
baseia-se nossa teoria de que no mundo
grego existe enorme contraste, enorme pela
origem e pelo fim, entre a arte figurativa, a
de Apoio, e a arte não figurativa da música, IKmmi AwíjjilH1
que é especificamente a de Dioniso. Os dois mlt 4«m Varauah elner Salbatkrltik.
instintos, tão diferentes entre si, caminham
um ao lado do outro, no mais das vezes em
aberta discórdia [...], até que, em virtude de
um milagre metafísico da ‘vontade’ helênica,
apresentam-se por fim acoplados um ao
outro. E nesse acoplamento final gera-se a LKinia.
obra de arte, tão dionisíaca quanto apolínea, Vcttag voa M. W. Fttawfc
que é a tragédia ática”.
Entretanto, quando, com Eurípides,
tenta-se eliminar da tragédia o elemento Frontispício da ohra
dionisíaco em favor dos elementos morais e O nascimento da tragédia,
intelectualistas, então a luminosidade clara de Nietzsche (Leipzig, 1872).
8
Primeirã parte - filosofia do século ,X<ZX ao século ,X,X
O arvúrvcio
daTwte de Deus" O yAnbcris+oy
ou o cristicmisivio
U / . //
A crítica ao idealismo, ao evolucionis- como v ic io
mo, ao positivismo e ao romantismo não
cessa. Essas teorias são coisas “humanas,
muito humanas”, que se apresentam como A morte de Deus é um evento cósmico,
verdades eternas e absolutas que é preciso pelo qual os homens são responsáveis, e
desmascarar. que os liberta das cadeias do sobrenatural
Mas as coisas não ficam nisso, uma que eles próprios haviam criado. Falando
vez que Nietzsche, precisamente em nome sobre os padres, Zaratustra afirma: “Tenho
do instinto dionisíaco, em nome daquele pena desses padres [...], para mim eles são
homem grego sadio do século VI a.C., que prisioneiros e marcados. Aquele que eles
“ama a vida” e que é totalmente terreno, chamam de redentor os carregou de gri
por um lado anuncia a “morte de Deus” e lhões de falsos valores e de palavras loucas!
por outro realiza profundo ataque contra Ah, se alguém pudesse redimi-los de seu
o cristianismo, cuja vitória sobre o mundo redentor!”
antigo e sobre a concepção grega do homem Esse, precisamente, é o objetivo que
envenenou a humanidade. E, por outro lado Nietzsche quer alcançar com o Anticristo,
ainda, vai às raízes da moral tradicional, que é uma “maldição do cristianismo Para
examina sua genealogia, e descobre que ela ele, um animal, uma espécie ou um indivíduo
é a moral dos escravos, dos fracos e dos é pervertido “quando perde seus instintos,
vencidos ressentidos contra tudo o que é quando escolhe e quando prefere o que lhe
nobre, belo e aristocrático. é nocivo”.
' . . 11
Capitulo primeiro - jNietesche. Fidelidade à terra e trcmsknutaçao de todos os valores ..
Retrato de Nietzsche
nos últimos anos de sua vida.
A interpretação
que tenta fazer de Nietzsche
um "profeta do nazismo ”
é, à luz de uma
historiografia correta,
carente de fundamentos.
14
Pri/ffieirã pãTtC - jA filosofia do século X^X ao século XX
DO DIONISÍACO AO SUPER-HOMEM
O DIONISÍACO: O APOLÍNEO:
imagem da força instintiva e da saúde, visão de sonho, tentativa de expressar o sentido
embriaguez criativa e paixão sensual: das coisas com medida e moderação:
Dioniso é o símbolo da humanidade Apoio é o símbolo da humanidade que se explicita
que “diz sim à vida”, em pleno acordo com a natureza em figuras equilibradas e límpidas
A moral dos escravos Daqui a imposição, sobre a moral aristocrática dos fortes, . Am o r a l
opõe da moral dos escravos, legitimada pela METAFÍSICA, é em geral
desde o princípio que pretendeu dar-lhe uma presumida base “objetiva”, máquina construída
um não àquilo inventando um “mundo superior” para reduzir para dominar
que é diferente de si: a mera aparência “este mundo”, o único que existe os outros.
é o ressentimento A moral aristocrática
contra a força, a saúde, dos fortes
o amor pela vida nasce de uma triunfal
A decadência da civilização ocidental culmina
com a m o r t e d e De u s , afirmação de si
com a eliminação de todos os valores que foram
fundamento da humanidade: evento cósmico
pelo qual os homens são responsáveis,
esta morte os liberta das cadeias daquele sobrenatural
que eles próprios haviam criado,
mas os deixa sem outros pontos de referência
designados como possíveis de aprender. Quem "Perdeu-se como uma criança?", disse outro. "Ou
provou em si o prazer de um conhecimento estaria bem escondido? Tem medo de nós? Teria
socrático e intui como este procure abraçar o embarcado? Emigrou?" -, gritavam e riam em
mundo inteiro dos fenômenos, não sentirá ne grande confusão. O homem louco pulou no meio
nhum estímulo, capaz de impelir à existência, deles e os fulminou com seus olhares: "Para
mais violentamente do que aquele que não onde foi Deus?, gritou. Quero dizer-lhes! Fomos
sinta o anseio de realizar tal conquista e de te nós que o matamos; vós e eu! Todos nós somos
cer a rede inpenetravelmente fechada. R quem seus assassinos! Mas como fizemos isso? Como
está em tal disposição de espírito o Sócrates podemos esvaziar o mar bebendo-o até a última
platônico aparece então como o mestre de uma gota? Quem nos deu a esponja para dissipar
forma totalmente nova da "serenidade grega" e todo o horizonte? Que faremos para desamarrar
da beatitude da existência, forma que procura esta terra da corrente de seu sol? Onde é que
efondir-se em ações e encontrará esta efusõo se move agora? Onde é que nos movemos?
mais em influências maiêuticas e educativas Fora, totalmente sozinhos? O nosso não é um
exercidas sobre jovens nobres, com o objetivo eterno precipitar? E para trás, pelos lados, na
de por fim suscitar o gênio. frente, de todos os Iodos? Existe ainda um alto
Todavia, incitada por sua potente ilusão, a e um baixo? Não estamos talvez vagando como
ciência corre agora sem trégua até seus limites, através de um nada infinito? Não sopra sobre
onde seu otimismo oculto no essência da lógica nós um espaço vazio? Não se tornou mais frio?
se encalha. Uma vez que a periferia do círculo da Não continua a vir noite, sempre mais noite?
ciência tem infinitos pontos, e enquanto não se Não devemos acender lanternas de manhã?
pode ainda de foto ver de que modo o círculo Não ouvimos nada do estrépito dos coveiros,
poderio ser completamente medido, também enquanto sepultam Deus? Não farejamos ain
o homem nobre e de talento ainda antes de da o cheiro da divina putrefação? Também os
chegar ao meio de sua existência toca inevi deuses se decompõem! Deus está morto! Deus
tavelmente tais pontos de limite da periferia, continua morto! E nós o matamos! Como nos
onde se enrijece, fixando o olhar no inexpli consolaremos, nós, os assassinos de todos os
cável. Quando neste ponto vê com espanto assassinos? Tudo o que de mais sagrado e de
como a lógica nesses confins se enrola sobre mais poderoso o mundo possuía até hoje se
si mesmo e por fim morde suo própria cauda, esvaiu em sangue sob nossos punhais; quem
então prorrompe a nova forma de conhecimen limpará de nós este sangue? Com qual água
to, o conhecimento trágico, o qual, para poder poderemos nos lavar? Quais ritos expiatórios,
ser apenas tolerado, tem necessidade da arte quais jogos sagrados deveremos inventor? Não
como proteção e como remédio. é demasiado grande, para nós, a grandeza des
F. Nietzsche, ta ação? Não devemos nós mesmos nos tornar
deuses, para parecer oo menos dignos dela?
Jamais houve uma ação maior: todos aqueles
que virão depois de nós pertencerão, por causa
desta ação, a uma história mais elevada do que
O anúncio o foram todas as histórias até hoje!"
da morte de Deus Nesse momento o homem louco calou-se
e de novo dirigiu o olhar sobre seus ouvin
tes: também eles calavom-se e o olhavam,
"Deus está morto! [...]£nós o matamos! espantados. Finalmente atirou no chão sua
[...] Jamais houve uma ação maior: todos lanterna, que se despedaçou e se apagou.
aqueles que virõo depois de nós pertence “Venho muito cedo - continuou - ainda não é
rão, por causa desta ação, a uma história meu tempo. Este enorme acontecimento ainda
mais elevado do que o foram todos os his está a caminho e fazendo seu caminho: ainda
tórias até hoje!" . não chegou até os ouvidos dos homens. Raio
e trovão requerem tempo, a luz dos constela
ções requer tempo, as ações requerem tempo,
Ouvistes falar daquele homem louco que mesmo depois de terem sido realizadas, para
acendeu uma lanterna à luz clara do manhã, que sejam vistos e ouvidas. Esta ação ainda
correu oo mercado e se pôs a gritar sem parar: está sempre mais distante dos homens do que
"Procuro Deus! Procuro Deus!” € como justamente as mais distantes constelações: todavia, foram
lá se encontravam reunidos muitos daqueles eles que a realizaram!" Conta-se também que o
que não acreditavam em Deus, provocou gran homem louco tenha irrompido, naquele mesmo
de riso: "Perdeu-se, talvez?", disse um deles. dia, em diversas igrejas e aí tenha entoado
19
Capítulo primeiro - Alie+zscí\e. Fidelidade à te>*ra e transmutação de todos os valores
seu Réquiem aeternam Deo. Tendo delas sido o si mesmo como aquele que determina o valor,
expulso e interrogado, dizem que limitou-se não tem necessidade de receber aprovação;
a responder invariavelmente deste modo: "O seu julgamento é "aquilo que é prejudicial o
que mais são estas igrejas, senão as covas e mim, é prejudicial em si mesmo", conhece a si
os sepulcros de Deus?" mesmo unicamente como aquele que confere
F. Nietzsche, dignidade às coisas, ele é criador de valores.
fí ga/o ciência. Honram tudo aquilo que sabem que pertence
a si: tal moral é autoglorificação. Em primeiro
plano encontra-se o sentido da plenitude, do
poder que quer transbordar, a felicidade da
máxima tensão, a consciência de uma riqueza
3 A "moral dos senhores" que gostaria de dar e conceder: também o
e a "moral dos escravos" homem nobre presta socorro ao desventurado,
mas não ou quase não por piedade, e sim muito
mais por impulso gerado pela superabundância
"fl moral aristocrática dos senhores é a de poder. O homem nobre honro em si mesmo
de todos os que dizem sim à Forço, à alegria, aquele que possui, e também aquele que sabe
à saúde, fí moral dos escravos é, ao contrá falar e calar, que exerce com gosto severidade
rio, a moral dos fracos e dos mal-sucedidos, e dureza contra si mesmo e nutre veneração
dos ressentidos contra o saúde, o beleza, o por tudo o que é severo e duro. “Um duro co
amor aos valores vitais. ração LUoton colocou em meu peito", se diz em
uma antiga saga escandinava: deste modo a
alma de um soberbo viquingue encontrou sua
Existe uma moral dos senhores e uma moral exato expressão poética. Tal tipo de homens é
dos escravos [...]. Rs diferenciações morais de soberbo justamente pelo fato de não ser feito
valor surgiram ou em meio a uma estirpe domi para a piedade, razão pela qual o herói da
nante, que com um senso de bem-estor adquiria saga acrescento, em tom de advertência: “quem
consciência da própria distinção em relação à não tem duro coração desde jovem, não õ terá
dominado, ou então em meio aos dominados, jamais". Nobres e valorosos que pensam deste
os escravos e os subordinados de todo grau. modo estão muito distantes daquela moral que
No primeiro caso, quando são os domi vê precisamente na piedade ou no agir altruísta
nadores que determinam a noção de "bom", ou no désintéressement o elemento próprio da
são os estados de elevação e de altivez de quilo que é moral; a fé em si mesmos, o orgulho
alma que são percebidos como troço distintivo de si, uma inimizade radical e ironia para com o
e quolificodor da hierarquia. O homem nobre "desinteresse", estão compreendidos na moral
separa de si os indivíduos nos quais se exprime aristocrático, exatamente cio mesmo modo com
o contrário de tais estados de elevação e de que competem a ela um leve desprezo e um
altivez: ele os despreza. Note-se logo que neste senso de reserva diante dos sentimentos de
primeiro tipo de moral o contraste "bem” e "mal" simpatia e de “calor do coração". São os pode
tem o mesmo significado de “nobre" e “des rosos aqueles que sobem atribuir honra, esto é
prezível"; o contraste entre “bom" e “mau" tem a arte deles, seu domínio inventivo. R profunda
outra origem. € desprezado o vil, o medroso, o veneração pela idade avançada e pela tradi
mesquinho, aquele que pensa em suo estreito ção - todo o direito repousa sobre esto dupla
utilidade; da mesma forma o desanimado, com veneração -, a fé e a opinião preconcebida em
seu olhar servil, aquele que se torna abjeto, a favor dos antepassados e em desfavor pelos
espécie canina de homens que se deixa mal pósteros são um elemento típico na moral dos
tratar, o mendicante adulador e principalmente poderosos; e se, no oposto, os homens das
o mentiroso: é convicção fundamental de todos “idéias modernas" crêem, quase por instinto,
os aristocratas que o populacho seja mendoz. no "progresso" e no “futuro", e sempre estão
“Nós, os verdadeiros" - assim os nobres deno privados de respeito pela idade vetusto, tudo
minavam-se na antiga Grécia, é foto evidente isso já é um indício suficiente do origem não no
que os designações morais de valor sempre bre daquelas “idéias". Mas principalmente uma
foram em todo lugar primeiramente atribuídas o moral dos dominadores é estranho oo gosto
‘homens, e apenas de modo derivado e sucessi dos contemporâneos e para eles desagradá
vo a ações: motivo pelo qual é erro grave que vel pelo rigor de seu princípio, que há deveres
os historiadores da moral tomem como pontos unicamente para com os próprios semelhantes;
de partida problemas como “por que foi louvada que em relação aos indivíduos de posição in
a ação piedosa?" O homem de tipo nobre sente ferior e de todos os estranhos seja lícito agir
20
Primeira parte - filosofia do século JdJX ao sécul
por próprio conta ou "como quer o coração", 0 cos meios para suportar o poso da existência.
em todo caso "além do bem e do mal": é sob A moral dos escravos é essencialmente moral
ostc último aspecto que podem ter seu lugar a utilitária. Eis o lar em que nasceu o famoso
compaixão ou outras coisas do gênero. A capa contraste entre "bom" 0 "mau": no íntimo do
cidade 0 a obrigação do uma longa gratidão 0 mal percebem-se o poder e o periculosidade,
de umo longa vingança - os duas coisas estão certa terribiIidade, fineza 0 força, que sufocam o
dentro da esfera dos próprios semelhantes desprezo nas raízes. Conforme a moral dos es
a sutileza na represália, o refinamento da idéia cravos, o "mau" suscita portanto temor; segundo
de amizade, certa necessidade de ter inimigos a moral dos senhores é precisamente o bom que
(como canal d© defluxo, por assim dizer, para suscita e quer suscitar temor, enquanto o homem
as paixões da inveja, do litígio, da insolência; "mau" é sentido como desprezível. O contraste
no fundo, para ser bons amigos): todas estas atinge seu ponto culminante quando, conside
são características típicas da moral aristocrá rando as implicações da moral dos escravos,
tica, a qual, conforme acenei, não é a moral também sobre os "bons" desta moral acabo
das "idéias modernas", e é por isso que hoje por cair uma sombra desse desprezo - por
se torna difícil senti-la ainda, como também mais leve 0 benévolo que possa ser -, uma
desenterrá-la ou descobri-la. vez que o bom, no campo do modo de pensar
As coisas são diferentes no que se refere dos escravos, deve ser em todo coso o homem
ao segundo tipo de moral, a moral dos escro- inócuo: este é bonachão, facilmente enganável,
vos. Uma vez que os oprimidos, os despreza um pouco estúpido talvez, um ingênua. Em todo
dos, os sofredores, os não livres, os inseguros e lugar em que o moral dos escravos se imponha,
cansados de si próprios fazem moral, qual será a língua revela certa tendência de aproximar
o elemento homogêneo em suas estimativas de uma da outra os palavras "bom" e "estúpido".
valor? Provavelmente encontrará expressão uma Uma última diferença fundamental: o desejo
suspeita pessimista paro com toda a condição de liberdade, o instinto dirigido à felicidade 0
humana, talvez uma condenação do homem, às finezas do senso de liberdade pertencem
juntamente com sua condição. O escravo não tão necessariamente à moral e à moralidade
vê com bons olhos as virtudes dos poderosos: dos escravos, quanto a arte 0 o entusiasmo da
é céptico e desconfiado, tem a fineza da des veneração, da dedicação, são o indício normal
confiança de tudo o que de "bom" seja tido em de um modo aristocrático de pensar 0 de ava
honra no meio deles, gostaria de estar persua liar. A partir disso é sem dúvida compreensível
dido de que entre eles a próprio felicidade a razão de o amor como paixão - é a nossa
não é genuína. No oposto, são evidenciados especialidade européia - ser absolutamente
e inundadas de luz as qualidades que servem de origem nobre: sabe-se que sua descoberta
para aliviar a existência dos sofredores: são, cabe aos poetas cavaleiros provençois, àque
neste coso, a piedade, a mão que se compraz les esplêndidos engenhosos homens do "gaio
e socorre, o calor do coração, a paciência, a saber" ao qual a Europa deve tantas coisas, e
operosidade, a humildade, o gentileza que são quase que totalmente a si mesma.
colocados em honra, uma vez que são estas, F. Nietzsche,
agora, as qualidades mais úteis 0 quase os úni Paro olém do bem 0 do mal.
Çapítulo segurvdo
O neocriticismo.
éLscola de A^^rburgo
e cx éSscola de Baden
• Por sua vez, Heinrich Rickert (1863-1936) é da opinião que conhecer é julgar,
isto é, aceitar ou rejeitar, o que pressupõe o reconhecimento de um valor, de um
dever ser que aparece como fundamento do conhecimento. Sem esta norma, isto
é, sem este valor ou.dever ser, estaríamos na impossibilidade de
Rickert: formular qualquer juízo, até o juízo que nega. Rickert aqui está
o sujeito falando do valor da verdade. Quando se julga, "o juízo que eu
cognoscente formulo, embora verse sobre representações que vêm e vão, tem
é o "sujeito um valor duradouro, pois não podería ser diverso daquilo que é".
transcendental" No momento em que se julga, pressupõe-se algo que vale eter-
5 3.2 namente. Eis, portanto, que enquanto para Dilthey o sujeito que
conhece‘é um ser histórico, para Rickert o que deve ser julgado
é o sujeito transcendental, a consciência em geral. E esta "consciência em geral"
não é apenas lógica, mas também ética e estética.
muito mais pela unificação dos fatos por e Friburgo, cidades situadas na região de
meio de e sob hipóteses, leis e teorias. Mas Baden) foram Wilhelm Windelband (1848
nós não extraímos leis e teorias dos fatos, 1915) e Heinrich Rickert (1863-1936), de
e sim as impomos aos fatos: a teoria é o a quem falaremos também no capítulo sobre
priori. E a filosofia indaga exatamente os o historicismo, no que se refere às suas re
elementos “puros”, ou seja, os elementos flexões sobre a fundação da historiografia
a priori, do conhecimento científico. A como ciência. Aqui, falaremos a propósito
filosofia, portanto, deve ser metodologia de sua filosofia dos valores, que, embora
da ciência. os tornando expoentes de primeiro plano
do neocriticismo, os diferencia, porém, da
Escola de Marburgo.
EE9 Paul Natorp: "o método é tudo"
Em seu “retorno a Kant”, Windelband
certamente atribui à filosofia a função de
O outro prestigioso representante buscar os princípios a priori que garantem
da Escola de Marburgo é Paul Natorp a validade do conhecimento. Entretanto,
(1854-1924), estudioso de amplos in são duas as coisas novas que ele introduz
teresses, autor de A doutrina platônica nessa questão:
das idéias (1903), de Os fundamentos a) por um lado, esses princípios são
lógicos das ciências exatas (1910) e tam interpretados como valores necessários e
bém de escritos de pedagogia, psicologia universais, tipificados pelo caráter norma
e política, como Guerra e paz (1916) e tivo independente de sua realização efetiva;
A missão mundial dos alemães (1918). b) por outro lado, diferentemente da
A exemplo de Cohen, Natorp afirma Escola de Marburgo, Windelband se liber
que a filosofia não é ciência das coisas; das ta da referência privilegiada ao âmbito do
coisas falam precisamente as ciências, ao pas conhecimento para considerar a atividade
so que a filosofia é teoria do conhecimento. humana também nos campos da moralidade
Entretanto, a filosofia não estuda o e da arte.
pensamento subjetivo, ou seja, ela não inda Portanto, a filosofia não tem por objeto
ga sobre a atividade cognoscente, sobre uma os juízos de fato, mas Beurteilungen, isto
atividade psíquica, e sim sobre conteúdos. é, juízos valorativos do tipo “esta coisa é
E estes são determinações progressivas do verdadeira”, “esta coisa é boa”, “esta coisa
objeto. Em Os fundamentos lógicos das é bela”. E é assim que os valores — que têm
ciências exatas, podemos ler que o conhe precisamente validade normativa — distin-
cimento é síntese e a análise consiste no guem-se das leis naturais: a validade das leis
controle das sínteses já efetuadas. Sínteses naturais é a validade do Müssen, a validade
que devem ser submetidas a reelaboração empírica de não poder ser de outro modo-, a
contínua, de modo a aperfeiçoar sempre validade das normas ou valores é a do Sol-
mais as determinações dos objetos. Por isso, len, isto é, do dever ser. Concluindo, deve-se
o objeto não é um dado, não é um ponto dizer, portanto, que, para Windelband, a
de partida, mas um ponto de chegada que filosofia consiste na teoria de valores; que
sempre se desloca. a função da filosofia, mais especificamente,
Em suma, o obiectum é um proiectum: está em estabelecer quais são os valores
é conhecimento sempre mais determinado que estão na base do conhecimento, da
que se projeta sobre a realidade. E não há moralidade e da arte; que a teoria do conhe
termo para essa determinação; portanto, o cimento, para além da concepção de alguns
objeto está sempre in fieri, é tarefa infinita. neokantianos de Marburgo, é apenas uma
parte da teoria dos valores.
de Wilkel m Dil+key
cx Friedrick TVlemecke
teorias e expoentes
do historicismo alemão
tão ligados mais propriamente à “filosofia de ciências que Kant não considera, ou seja,
dos valores” dentro do neocriticismo, mas as ciências histórico-sociais. E por isso que
dos quais não se pode deixar de falar, por uma exposição sobre o historicismo não
razões que explicitaremos, em uma exposi pode excluir Windelband e Rickert, ou seja,
ção sobre o historicismo. os neocriticistas, que haviam proposto a si
O historicismo surge nos últimos dois mesmos e nos mesmos termos o problema
decênios do século XIX e se desenvolve até das ciências histórico-sociais.
a vigília da Segunda Guerra Mundial. 5) É fundamental para o historicismo
a distinção entre história e natureza, como
também o é o pressuposto de que os objetos
do conhecimento histórico são específicos,
C7déias e problemas no sentido de serem diferentes dos objetos
funclamerdais do historicismo do conhecimento natural.
6) O problema cardeal em torno do
qual gira o pensamento historicista alemão
O historicismo alemão não é uma filosofia é o de encontrar as razões da distinção das
compacta. Entretanto, entre suas várias ex ciências histórico-sociais em relação às ciên
pressões, é possível detectar certo “ar de cias naturais, e investigar os motivos que
família”, identificável nos seguintes pontos: fundamentam as ciências histórico-sociais
1) Como diz Meinecke, “o primeiro como conjuntos de conhecimentos válidos,
princípio do historicismo consiste em subs isto é, objetivos.
tituir a consideração generalizante e abstrata 7) O objeto do conhecimento histórico
das forças histórico-humanas pela conside é visto pelos historicistas como residindo
ração de seu caráter individual”. na individualidade dos produtos da cultura
2) Para o historicismo, a história não é humana (mitos, leis, costumes, valores,
a realização de um princípio espiritual infi obras de arte, filosofias etc.), individualidade
nito (Hegel) ou, como queriam os românti oposta ao caráter uniforme e repetível dos
cos, uma série de manifestações individuais objetos das ciências naturais.
da ação do “espírito do mundo” que se 8) Se o instrumento do conhecimento
encarna em cada “espírito dos povos”. Para natural é a explicação causai (o Erklãren),
os historicistas alemães contemporâneos, a o instrumento do conhecimento histórico,
história é obra dos homens, ou seja, de suas segundo os historicistas, é o compreender
relações recíprocas, condicionadas pela sua (o Verstehen).
pertença a um processo temporal. 9) As ações humanas são ações que
3) Do positivismo, os historicistas tendem a fins, è os acontecimentos humanos
rejeitam a filosofia comtiana da história e a são sempre vistos e julgados na perspectiva
pretensão de reduzir as ciências históricas de valores precisos. Por isso, mais ou menos
ao modelo das ciências naturais, apesar de elaborada, sempre há uma teoria dos valores
os historicistas concordarem com os positi no pensamento dos historicistas.
vistas na exigência de pesquisa concreta dos 10) Por fim, deve-se recordar que, se
fatos empíricos. o problema cardeal dos historicistas é um
4) Com o neocriticismo, os historicis problema de natureza kantiana, no entanto,
tas vêem a função da filosofia como função para os historicistas, o sujeito do conheci
crítica, voltada para a determinação das mento não é o sujeito transcendental, com
condições de possibilidade, isto é, o funda suas funções a priori, e sim homens concre
mento, do conhecimento e das atividades tos, históricos, com poderes cognoscitivos
humanas. O historicismo estende o âmbito condicionados pelo horizonte e pelo contex
da crítica kantiana a todo aquele conjunto to histórico em que vivem e atuam.
Primeira parte - filosofia do século ao século
lógico ou então é uma palavra desprovida que são inteiramente diversos dos valores
de sentido”. das outras civilizações.
Em lugar “daquele desolado quadro Nisso consiste o absolutismo relativo
da história universal como desenvolvimento dos valores defendidos por Spengler: os
linear”, Spengler vê “o espetáculo de uma valores são absolutos no interior de uma
pluralidade de civilizações poderosas que civilização, mas referem-se apenas a essa
florescem com força primigênia do útero da civilização. E as civilizações, como os orga
terra materna”. “As civilizações são orga nismos, destinam-se à decadência: “Quando
nismos; a história universal é sua biografia o fim é alcançado e a plenitude das possibili
total”. dades interiores chega a se realizar comple
Toda civilização, portanto, é um or tamente em direção ao exterior, a civilização
ganismo. E, assim como os organismos, as se enrijece repentinamente, encaminha-se
civilizações “aparecem, amadurecem, de para a morte, seu sangue se coagula, suas
caem e não voltam mais”. E toda civilização forças lhe faltam e ela se torna civilização
tem um sentido fechado em si mesmo: uma em declínio”.
moral, uma ciência, uma filosofia e um di Aos olhos de Spengler parecia em de
reito têm sentido absoluto dentro da própria clínio a civilização ocidental, em virtude da
civilização, mas, fora dela, não têm nenhum. crise da moral e da religião, pela prevalência
Diz Spengler: “Há tantas morais quantas da democracia e do socialismo e devido à
são as civilizações, nem mais nem menos”. equiparação, na democracia, entre dinheiro
Toda civilização cria seus próprios valores, e poder político.
0 como tudo isso se afirme na solidão das celas O indivíduo, as comunidades e as obras
e nas lutas das forças agora descritas diante em que se transpuseram a vida e o espírito,
dos estímulos da Igreja. O cristianismo como constituem o domínio externo do espírito. Essas
força capaz de incidir sobre a própria vida da manifestações da vida, assim como aparecem
família, na profissão, nas relações políticas: no mundo externo diante da compreensão,
esta é uma potência nova que se apresenta estão quase inseridos na ligação da natureza.
ao espírito da época nas cidades ou em todo Sempre nos circunda esta grande realidade
lugar em que se realize um trabalho superior, externo do espírito, a qual é uma realização do
em Hans Sachs ou em Dürer.1 Enquanto lutero espírito no mundo sensível, da fugaz expressão
pertence ao ápice desse movimento, podemos até o domínio secular de uma constituição ou de
viver imediatomente seu desenvolvimento com um texto jurídico. Todo manifestação particular
base em uma conexão que remonta daquilo da vida representa, no campo de tal espírito
que é geral mente humano para a esfera reli objetivo, um elemento comum. Toda palavra,
giosa e desta, por meio de suas determinações toda proposição, todo gesto e toda fórmula
históricas, até sua individualidade. € assim esse de cortesia, toda obra de arte e todo fato
processo nos desvela um mundo religioso que histórico são compreensíveis apenas enquanto
está presente nele e em seus companheiros uma comunhão une quem neles se exprime com
dos primeiros tempos da Reforma, ampliando quem os entende; o indivíduo vive, pensa e age
nosso horizonte por meio de possibilidades continuamente em uma esfera de comunhão, e
de vida que apenas de tal modo se tornam apenas nela pode penetrar. Tudo aquilo que
acessíveis o nós. O homem determinado pelo é entendido traz consigo, por assim dizer, a
interior pode, portanto, viver na imaginação marca de sua cognoscibil idade sobre a base
várias outras existências: diante dos limites im de tal comunhão: vivemos nessa atmosfera, que
postos pelas circunstâncias abrem-se para ele nos circunda constantemente, e nela estamos
outras belezas do mundo e outras regiões da imersos. Em todo lugar estamos em casa neste
vida, que ele jamais pode alcançar. Em termos mundo histórico a ser entendido, penetramos
gerais, o homem ligado e determinado pela seu sentido e seu significado, estamos nessas
realidade da vida liberta-se não só por meio mesmas relações comuns.
do arte - o que aconteceu com muita freqüên- A mutação dos manifestações da vida,
cia - mas também mediante a compreensão que agem sobre nós, nos impele continuamen
daquilo que é histórico. te a uma nova compreensão; mas ela tem, ao
UJ. Dilthey, mesmo tempo, lugar também no entender, pois
Novos estudos sobre os ciências do espírito. toda manifestação da vida e sua compreensão
estão ligadas o outras, dando lugar a um mo
vimento que acontece segundo as relações de
afinidade dos indivíduos dados com o todo. €,
crescendo as relações entre aquilo que é afim,
aumentam ao mesmo tempo as possibilidades
2 As ciências do espírito de generalização já encerrados na comunhão
como determinação daquilo que é entendido.
entendem o sentido
No entender está presente também uma
de um mundo humano qualidade posterior do objetivoção da vida,
histórico e objetivado que determina tanto a articulação conforme o
afinidade como a tendência do generalização.
A objetivoção da vida contém em si uma multi
Objetivoção do mundo do vido e ciência plicidade de relações articulados. Da distinção
do espírito: "Tudo aqui surgiu pela atividade dos roços até o diversidade dos formas de
espiritual [...]. Do repartição dos árvores em expressão e dos costumes em um tronco de
um porque, do ordem dos casas em uma ruo, povo, aliás em uma cidade, há uma articulação
do instrumento do trabalhador manual até o de diferenças espirituais condicionada natural
sentença no tribunal, tudo ao nosso redor, mente. Diferenças de outro tipo se apresentam
em todo momento, aconteceu historicamen nos sistemas de cultura, e outras separam as
te''. 6 este mundo do vido objetivado é o épocas entre si: em poucas palavras, muitas
mundo que as ciências do espírito procuram
compreender: "Seu âmbito se estende como
o entender, e o entender tem seu objeto
’Hans Sachs (1494-1576), poeta e mestre cantor em
unitário no objetivoção do vido''. Nuremberga, a cidade em que viveu o grande pintor Albrecht
Dürer (1471-1528).
48
Primeira parte - filosofia do século .XQX ao sécul
dos objetos nõo corresponde umo igual antítese apodítico; a das outras, a proposição geral
dos modos do conhecimento. assertiva. [...]
Com efeito, também locke levou o dua Assim podemos dizer: as ciências empí
lismo cartesiono para a fórmula subjetiva que ricas procuram no conhecimento do real ou o
contrapõe a percepção externo à percepção geral na formo da lei de natureza, ou o particular
interior - sensot/on e réFIection - como dois em sua figura historicamente determinada; ora
órgãos distintos para o conhecimento, de um consideram a formo estável, ora o conteúdo par
lado do mundo físico exterior, da natureza, do ticular, determinado em si mesmo, do acontecer
outro do mundo interno do espírito; ora, a crítico real. Umas são ciências da lei, as outras são
do conhecimento foz vacilar temerosamente ciências do acontecimento; aquelas ensinam o
esta concepção e põe em dúvida que se possa que sempre existe, estas aquilo que uma vez
admitir umo "percepção interna” como modo existiu. O pensamento científico é - se posso
de conhecimento particular, e muito menos que compor uma expressão novo - no primeiro caso
unicamente sobre elo se fundem as assim cha nomotético; no segundo, idiográfico. Se preferir
madas ciências do espírito. Mas o incongruência mos, ao contrário, servirmo-nos de expressões
da divisão objetiva e formal é evidente, prin familiares, podemos falar do contraste entre
cipalmente por outro motivo. Acontece, com os ciências naturais e as disciplinas históricas,
efeito, que uma ciência empírica de primeiro porém sempre tendo presente que se classifi
plano, como a psicologia, não possa ser ligada co a psicologia, sempre do ponto de vista dó
nem às ciências do natureza nem às ciências do método, sem nenhuma dúvida entre as ciências
espírito: em relação a seu objeto deveria ser naturais.
caracterizado apenas como ciência do espírito, Mas o contraste metodológico define
e em certo sentido muito mais como a base de apenas a trotação e nõo o conteúdo do saber.
todas as outras, enquanto, ao contrário, seu Permanece possível, ou acontece efetivamente,
procedimento e método inteiro é de cima a que as mesmas coisas possam ser objeto de
baixo o próprio das ciências naturais. Por isso umo pesquiso nomotético e ao mesmo tempo
o psicologia foi chamada de "ciência natural do também de umo pesquiso idiográfica. Isso se
sentimento interno", ou até "ciência natural do verifica porque o contraste entre o imutável e
espírito". o particular é, em certo sentido, relativo. Aquilo
Por outro lodo, a maioria dos doutrinas que por longo espaço de tempo não sofre
empíricas que ainda são definidos como ciên nenhuma mudança imediatamente sensível,
cias do espírito tende decisivamente a poder e pode por isso ser tratado nomoteticamente
descrever de modo verdadeiromente completo por suas formas invariáveis, a um olhar mais
e exaustivo um acontecimento, mais ou menos circular pode parecer válido apenas por um
extenso, da realidade particular limitada no período de tempo limitado, pode parecer algo
tempo. Também aqui os objetos e os artifí de particular. Assim, uma língua segue sempre
cios particulares usados para assegurar sua em todos as suas estruturas as próprias leis
compreensão são extremamente múltiplos. formais que, embora os termos possam mudar,
Trata-se ou de um acontecimento singular ou de permanecem as mesmas, mas de outro lado
uma série de ações e de vicissitudes, do índole esto mesma língua todo particular, com seu
e da vida de um homem individual ou de todo sistema de leis formais igualmente particular,
um povo, dos características e do desenvolvi é também openos um fenômeno particular, um
mento de umo língua, de uma religião, de um fenômeno passageiro na história das línguas
direito, de um produto do literatura, do arte ou humanos. A mesma coisa se pode dizer do
da ciência, e cada um destes objetos requer fisiologia, da geologia, em certo sentido oté
uma trotação correspondente à própria índole. da astronomia. 6 eis então que o princípio
Mas o fim científico é sempre o de reproduzir histórico se introduz no campo das ciências
e de entender em suo própria realidade um naturais. [...]
fenômeno da vido humana que se apresentou Pergunto-se o que serio mais útil poro
exatamente com fisionomia única. o objetivo de conhecer: descobrir as leis ou
Agora nos encontramos, portanto, diante individuor os acontecimentos? Compreender
do problema de construir uma subdivisão dos o ser universal sem tempo, ou os fenômenos
ciências empíricas puramente metodológica particulares no tempo? € desde o princípio é
sobre conceitos lógicos certos. Princípio da cloro que se pode responder a esto pergunto
subdivisão é o caráter formal de seus fins cientí openos tendo presente os metos últimos do
ficos; umas procuram leis gerais; as outras, fatos pesquiso científico. [...]
históricos particulares. Para usar a linguagem da Sem dúvida hó também diferenças positi
lógica formal: a meto de umas é o juízo geral vas, e todavia puramente teóricas, no valor das
50
Primeira parte - filosofia do século XflX ao século XX
ração conceitual, e a ciência encontra como portanto, distinguir a individualidade que diz
material próprio os produtos dessa e/oboração respeito a qualquer coisa ou evento - cujo
conceitual pré-científica, nõo a realidade livre conteúdo coincide com sua realidade, 0 cujo
de interpretações. R máximo distinção formal conhecimento nõo pode ser alcançado nem
nessa elaboração conceitual pré-científico 0, merece ser objeto de aspiração - do individua
porém, a seguinte. R maior parte dos coisas e lidade para nós significativa, 0 que consiste em
dos eventos nos interessa openas por aquilo elementos determinados; e devemos ter claro
que têm em comum com outros e, portanto, que essa individualidade em senso estrito (a
damos o atenção a esse elemento comum, única a que de costume se alude) nõo constitui
mesmo que de foto toda porte da realidade uma realidade, como o conceito de gênero, mas
seja individualmente diferente de todo outra, é apenas um produto de nosso aprendizado
0 nada no mundo se repete exatomente. Umo da realidade, de nossa elaboração conceitual
vez que a individualidade da maior parte dos pré-científico.
objetos nos é totalmente indiferente, nós não H. Rickert,
o conhecemos; para nós esses objetos nõo R lógico do ciência histórica.
são mais que exemplares de um conceito de
gênero, que podem ser substituídos por outros
exemplares do mesmo conceito: mesmo que
nunca sejam idênticos, nós os vemos como tais
0, portanto, os designamos apenas com nomes
de gênero. Esta delimitação, conhecida de SlMMEL
todos, do interesse por aquilo que é geral (no
sentido daquilo que 0 comum o um grupo de ob
jetos), ou aprendizado generalizante, sobre cuja
base consideramos erradamente que no mundo
existe algo como a identidade e a repetição, 5 O "terceiro reino"
é para nós ao mesmo tempo de grande valor
prático. Ele articula de um modo determinado
dos produtos culturais
a multiplicidade e o policromia da realidade,
e nos torna possível nela nos orientarmos. Todos os conteúdos religiosos e jurídicos,
Por outro lado o aprendizado generali- científícos ou tradicionais, éticos ou artísticos
zante nõo esgota de nenhum modo aquilo que existem. São "espírito objetivo"e determinam
nos interessa em nosso ambiente e, portanto, "todo a evolução histórica da humanidade".
aquilo que dele conhecemos. Este ou aquele
objeto é mais tomado em consideração justa
mente por aquilo que lhe é peculiar, e que o No história do gênero humano foi de
distingue de todos os outros objetos. Nosso senvolvida uma longa série de criações que,
interesse 0 nosso conhecimento se referem, surgidas pela genialidade ou pelo trabalho
portanto, justamente à sua individualidade, psicológico subjetivo, adquirem uma típica e
àquilo que o torna insubstituível, 0 mesmo que objetiva existência espiritual, acima das cons
saibamos que ele se deixa captar, como os ciências particulares que originariamente. as
outros objetos, como exemplar de um conceito produziram 0 que novamente as reproduzem.
de gênero, todavia nõo queremos considerá-lo R estas criações pertencem as proposições do
idêntico o outras coisas, mas queremos extraí- direito, as prescrições morais, os tradições em
lo expressamente de seu grupo; isso encontra todos os campos, o língua, as produções da
sua expressão linguística na designação com arte e da ciência, a religião. Sem dúvida, elos
um nome próprio em vez de um substantivo de encontram-se ligados a alguma forma exterior,
gênero. Também este tipo de articulação, ou à palavra ou à escritura, a dados dos sentidos
aprendizado individualizante da realidade, é ou do sentimento. Mas esta base material ou
tão corrente que nõo requer uma análise pos pessoal nõo esgota, em sua condicionalidade
terior. Mas uma coisa é importante 0 deve ser temporal, a objetividade dos fatos espirituais
salientada: o conhecimento da individualidade e a forma particular de suo existência. O es
de um objeto nõo constitui de modo nenhum pírito que está incorporado em um livro está
uma cópia no sentido de que conhecemos toda sem dúvida nele, pois dele pode ser extraído;
a multiplicidade de seu conteúdo, mas também também pode estar apenas enquanto tal livro
aqui se realiza um complexo de elementos que, acolhe em si o espírito do autor, o conteúdo de
nesta particular composição, pertence apenas seus processos psíquicos. Mas o autor morreu,
àquele único objeto determinado. Devemos, seu espírito nõo pode subsistir como processo
51
Primeira parte - filosofia do século XTJX ao sécul
psíquico originário, mas openos para o leitor, própria manifestação. O conteúdo do pensa
cuja dinâmica espiritual, a partir de traços e mento é verdadeiro, tanto se ele for ou nõo
sinais sobre o papel, reconstrói o espírito. pensado, como na centralidade de ser falso,
Tal processo, porém, tem como condição a se ele for ou nõo pensado. A isso corresponde,
existência do livro e, de um modo totalmente do outro lado, o princípio essencial, ou seja,
diverso e mais imediato do que ele não tenha, que esse conteúdo nõo é de modo nenhum o
o fato de que o sujeito que reproduz respira e cópia naturalista do objeto, pelo que ele vale.
sabe ler. O conteúdo, ao qual o leitor dá em O pensamento idealista da discrepância entre
si a forma de processo vivo, está no livro de a representação e o ser em si do coisa perma
modo objetivo, e o leitor o "apreende". Mas, se nece aqui fora de discussão: que os objetos
também ele não o apreende, o livro não perde nõo possam passar em nossa consciência pode
esse conteúdo, e sua verdade ou falsidade, ser exato, mas, para o ponto de visto presente,
sua nobreza ou vulgaridade não dependem o problema é a priori outro. Pois aqui uma re
evidentemente do foto de que o significa alidade que nõo é imediatamente constatável
do do livro tenha sido recriado em espíritos como dado dos sentidos, nem pode ser com
subjetivos com maior ou menor freqüência e preendida em seu ser por nenhum processo de
compreensão. Uma forma igual de existência pensamento, é oposta ao conhecer, o qual, por
têm todos os conteúdos religiosos ou jurídicos, sua vez, nõo a reproduz como uma cópia de
científicos ou tradicionais, éticos ou artísticos. gesso reproduz o original, mas se movimenta
Cies afloram historicamente e são, ao longo da em formas absolutamente diferentes, vive por
história, vez por outra reproduzidos, mas, entre assim dizer uma vida diferente em relação à do
estas duas realizações psíquicas, eles têm uma realidade. O ser real dos elementos químicos
existência de forma diversa, mostrando assim coexistentes sem relações recíprocos nada tem
que, também nessas formas subjetivas de rea a ver com a lei das proporções múltiplas ou
lidade, subsistem como algo que nelas nõo com o sistema de Mendeleieff; os movimentos
se esgota e é por si mesmo significativo, sem das estrelas nõo contêm absolutamente nada
dúvida, como espírito que, enquanto espírito da lei de gravitaçõo. Essas fórmulas, aliás,
objetivo, cujo significado concreto permanece transportam na realidade uma língua que nõo
intacto acima de sua vitalidade subjetiva nesta encontro nela correspondência nem sequer de
ou naquela consciência, nõo tem realmente umo voz. Portanto, se aquele terceiro reino
nada a fazer com seus pontos de apoio sen do qual as "leis naturais" podem servir como
síveis. Esta categoria que permite conservar o o exemplo mais simples, ou talvez como o
supermaterial no material e o supersubjetivo no símbolo, é sem dúvida distinto do processo
subjetivo determina toda a evolução histórica representativo que o traduz na forma da psiqui -
do humanidade; este espírito objetivo permite dade, ele é também distinto das substâncias e
que o trabalho da humanidade conserve seus dos movimentos que o traduzem na formo da
resultados acima das pessoas individuais e das realidade. Para o surgimento da polaridade
reproduções individuais. [...] . de sujeito e de objeto, o ser divide-se em dois
Levanta(-se), sobre as realidades opos reinos, cujas qualidades ou funções são sem
tas do mundo, sujeito e objeto, um reino de dúvida incomparáveis. Sua relação, porém, que
conteúdos ideais, que nõo é nem subjetivo nem chamamos de conhecimento, torna-se possível
objetivo. Esses conteúdos têm valor e signifi porque realiza-se no forma de um como do
cado apenas em si e por si, mas, justamente outro o mesmo conteúdo, o qual, em si e por
por isso, podem formar como que a matéria si, transcende essa oposição. Tal concepção da
comum que entra, de um lado, na forma da unidade de sujeito e de objeto é, em seu prin
subjetividade e, do outro, na da objetividade, cípio, muito diferente do spinoziana, segundo
e assim medeia a relação entre os dois e re o qual os dois termos, por seu próprio ser, se
presenta sua unidade. Poder-se-ia, portanto, perdem na unidade da substância absoluta,
indicar essa teoria como o do "terceiro reino", exprimindo apenas as duas formas em que
em que entro aquilo que expus, traçando as se realizo sua real existência metafísica. Aqui,
linhas essenciais do pensamento hegeliano, ao contrário, sujeito e objeto permanecem em
sobre o doutrina do espírito objetivo. O que sua essência também mais separados, mas o
importa é, de um lado, o pensamento que, no cosmo ideal dos conteúdos que se realizam sob
conhecimento, nõo só se realiza em nós um uma ou sob a outra destas categorias, edifica,
processo psicológico, e é experimentado inte sobre a diferenciação destes sistemas reais,
riormente um estado de consciência, mas esse a unidade daquilo que justamente neles se
processo e essa consciência têm um conteúdo realiza, e assegura assim a possibilidade da
que vale também independentemente de sua verdade. A descoberta deste terceiro reino,
53
Capitulo terceiro - O kisfo^icismo alemão/ de Wilhelm Idilfkey a AAeinecke
• Para Weber há uma só ciência, uma vez que único é o critério para estabelecer
a cientificidade das diversas disciplinas: temos o conhecimento científico - tanto
nas ciências naturais como nas histórico-sociais - quando conseguimos produzir
explicações causais: scire est scire per causas. Ora, porém, a realidade apresenta
aspectos infinitos, pode ser estudada dos mais disparatados pontos de vista, ou
seja, a partir das mais diversas perspectivas.
O sociólogo ou o historiador da realidade sem limites que O cientista
se apresenta diante deles operam seleções, escolhem tratar um social
argumento ao invés de outro, um aspecto de um evento ao invés não glorifica
de outro: por exemplo, um historiador decide interessar-se pela e não condena,
Revolução Francesa mais do que pelas expedições de Xerxes e mas para ele
escolhe o estudo das relações entre Revolução e Igreja católica, é indispensável
de preferência, apenas para exemplificar, a realizar pesquisas a "referência
sobre o funcionamento dos tribunais. aos valores"
Como é que, portanto, acontece tudo isso? Com quais cri
térios o sociólogo ou o historiador fazem as escolhas dos argu
mentos a tratar ou decidem quais aspectos e problemas enfrentar? Pois bem, tais
escolhas e decisões ocorrem - afirma Weber - com base na referência aos valores.
É o valor da justiça que guia a escolha do estudo dos tribunais no período da
Revolução Francesa; é o valor da eficiência que impele a pôr a atenção sobre a
máquina burocrática; e assim por diante. A referência aos valores é um princípio
de escolha; ele serve para estabelecer quais serão os problemas, os aspectos dos
fenômenos, isto é, o campo de pesquisa dentro do qual a investigação procederá
depois de modo cientificamente objetivo com a finalidade de chegar a explicações
causais dos próprios fenômenos.
existentes aqui em maior medida e ali em menor, e por vezes também ausentes",
e assim fazendo surge um modelo, um tipo-ideal ou modelo ideal-típico da eco
nomia citadina, ou do padre católico etc.; e tal tipo ideal serve para ver o quanto
a realidade efetiva se afasta ou se aproxima do tipo ideal. O "tipo ideal" é um
instrumento heurístico.
Max Weber (1864-1920) foi sociólogo, economista e teórico do método das ciências histórico-sociais.
Nesta fotografia de 1919 vemo-lo com barba e chapéu,
enquanto discute com o dramaturgo e pacifista comunista Ernst Toller.
Capítulo quarto - Weber e as ciências histórico-sociais 59
nos a estudar como dos pontos de vista a mais uma vez, mostra o absurdo da preten
partir dos quais os estudamos e, conseqüen- são de que as ciências da cultura poderíam
temente, das causas de tais fenômenos. Não e deveríam elaborar um sistema fechado de
pode haver dúvidas sobre tudo isso. conceitos definitivos.
Mas como se realiza, ou melhor, como
funciona essa seleção? Com uma expressão
tomada de Rickert, Weber responde a essa •j— ;A teoria dc/Tipo ideal//
pergunta dizendo que a seleção se realiza
tendo como referência os valores.
E aqui é preciso que nos entendamos Na opinião de Weber, com freqüência
com muita clareza. Antes de mais nada, a linguagem do historiador ou do sociólogo,
a referência aos valores (Wertbeziehung) diferentemente da linguagem das ciências
não tem nada a ver com o juízo de valor naturais, funciona mais por sugestão do que
ou com a apreciação de natureza ética. por exatidão. E precisamente com o objeti
Weber é explícito: o juízo que glorifica ou vo de dar rigor suficiente a toda uma gama
condena, que aprova ou desaprova, não tem de conceitos utilizados nas investigações
lugar na ciência, precisamente pela razão histórico-sociais, Weber propôs a teoria
de que ele é subjetivo. Por outro lado, a do “tipo ideal”. Escreve ele: “O tipo ideal
referência aos valores, em Weber, não tem obtém-se pela acentuação unilateral de um
nada a dividir com um sistema objetivo e ou de alguns pontos de vista pela conexão
universal qualquer de valores, um sistema de certa quantidade de fenômenos difusos
em condições de expressar uma hierarquia e discretos, existentes aqui em maior e lá
de valores unívoca, definitiva e válida sub em menor medida, por vezes até ausentes,
specie aeternitatis. Dilthey já constatara a correspondentes àqueles pontos de vista
moderna “anarquia de valores”; e Weber unilateralmente evidenciados, em um qua
aceita esse relativismo. dro conceitual em si unitário. Em sua pureza
A referência aos valores, portanto, não conceitual, esse quadro nunca poderá ser
equivale a pronunciar juízos de valor (“isto encontrado empiricamente na realidade;
é bom”, “aquilo é justo”, “isto é sagrado”), ele é uma utopia, e ao trabalho histórico se
nem implica o reconhecimento de valores apresenta a tarefa de verificar, em cada caso
absolutos e incondicionais. Então, o que pre individual, a maior ou menor distância da
tende Weber quando questiona a “referência realidade daquele quadro ideal, estabelecen
aos valores”? Para sermos breves, devemos do, por exemplo, em que medida o caráter
dizer que a referência aos valores é um prin econômico das relações de determinada
cípio de escolha; ele serve para estabelecer cidade pode ser qualificado conceitualmen-
quais os problemas e os aspectos dos fenô te como próprio da economia urbana”.
menos, isto é, o campo de pesquisa no qual Pode-se ver, portanto, que o “tipo
posteriormente a investigação se realizará ideal” é instrumento metodológico ou, se
de modo cientificamente objetivo, tendo em assim se preferir, expediente heurístico ou
vista a explicação causai dos fenômenos. de pesquisa. Com ele, construímos um qua
A realidade é ilimitada, aliás, infinita, dro ideal (por exemplo, de cristianismo, de
e o sociólogo e o historiador só acham inte economia urbana, de capitalismo, de Igreja,
ressantes certos fenômenos e aspectos desses de seita etc.), para depois com ele medir ou
fenômenos. E estes são interessantes não por comparar a realidade efetiva, controlando a
uma qualidade intrínseca deles, mas apenas aproximação (Annâherung) ou o desvio em
em referência aos valores do pesquisador. relação ao modelo.
Segue-se daí que ao historiador cabe Brevemente, pode-se dizer que:
exclusivamente a explicação de elementos e 1) a tipicidade ideal não se identifica
aspectos do acontecimento enquadrável em com a realidade autêntica, não a reflete nem
determinado ponto de vista (ou teoria). E os a expressa;
pontos de vista não são dados de uma vez 2) ao contrário, em sua “idealidade”, a
por todas: a variação dos valores condiciona tipicidade ideal afasta-se da realidade efetiva
a variação dos pontos de vista, suscita novos para afirmar melhor seus vários aspectos;
problemas, propõe considerações inéditas, 3) a tipicidade ideal não deve ser con
descobre novos aspectos. É o feixe do maior fundida com a avaliação ou com o valor,
número de pontos de vista definidos e com “este filho da dor de nossa disciplina”;
provados que nos permite ter a idéia mais 4) o tipo ideal, repetindo, pretende ser
exata possível de um problema. Tudo isso, instrumento metodológico ou instrumento
60
Primeira parte - filosofia d< Io XJX ao séc ulo /KX
houvesse tomado aquela decisão e se não Com base nisso, é oportuno fixar em
houvesse ocorrido o fuzilamento em Ber alguns breves pontos as considerações de
lim? Da mesma forma que um penalista, o Weber sobre a questão da avaliabilidade:
historiador isola mentalmente uma causa 1) O professor deve ter claro quando faz
(por exemplo, a vitória de Maratona ou o ciência e, ao contrário, quando faz política.
fuzilamento nas ruas de Berlim), excluindo-a 2) Se o professor, durante uma aula,
da constelação de antecedentes, para depois não pudesse se abster de produzir avalia
se perguntar se, sem ela, o curso dos aconte ções, então deveria ter a coragem e a probi
cimentos teria sido igual ou diferente. dade de indicar aos alunos aquilo que é puro
Desse modo, constroem-se possibili raciocínio lógico ou explicação empírica,
dades objetivas, isto é, opiniões (baseadas e aquilo que se refere a apreços pessoais e
no saber à disposição) sobre como as coisas convicções subjetivas.
podiam ocorrer, para se compreender me 3) O professor não deve aproveitar de
lhor como elas ocorreram. Prosseguindo no sua posição de professor para fazer propa
exemplo, se os persas houvessem vencido, ganda de seus valores; os deveres do pro
então é verossímil (ainda que não necessá fessor são dois:
rio, pois Weber não é determinista) que eles a) de ser cientista e de ensinar os outros
houvessem imposto na Grécia, como fizeram a se tornarem também;
em toda parte onde venceram, uma cultura b) de ter a coragem de pôr em discussão
teocrático-religiosa baseada nos mistérios seus valores pessoais e de pô-los em discus
e nos oráculos. Esta é uma possibilidade são no ponto em que se pode efetivamente
objetiva e não gratuita, para que compreen discuti-los, e não onde se pode facilmente
damos que a vitória de Maratona é causa contrabandeá-los.
muito importante para o desenvolvimento 4) A ciência é distinta dos valores, mas
posterior da Grécia e da Europa. Já os não está separada deles: uma vez fixado o
fuzilamentos diante do castelo de Berlim, objetivo, a ciência pode nos dar os meios
em 1848, pertencem à ordem das causas mais apropriados para alcançá-lo, pode pre
acidentais, pelo fato de que a revolução teria ver quais serão as conseqüências prováveis
explodido de qualquer forma. IZE3TTexto F] do empreendimento, pode nos dizer qual é
ou será o “custo” da realização do fim a que
nos propomos, pode nos mostrar que, dada
uma situação de fato, certos fins são irreali-
7^ polêmica záveis ou momentaneamente irrealizáveis, e
sobre a'7rvão-avaliabilidade// pode nos dizer também que o fim desejado
choca-se com outros valores.
Em todo caso, a ciência nunca nos dirá o
Weber distingue claramente entre co que devemos fazer, e como devemos viver. Se
nhecer e avaliar, entre juízos de fato e juízos propusermos essas interrogações à ciência,
de valor, entre “o que é” e “o que deve ser”. nunca teremos resposta, porque teremos
Para ele a ciência social é não-valorativa, no batido à porta errada. Cada um de nós deve
sentido de que procura a verdade, ou seja, buscar a resposta em si mesmo, seguindo sua
procura apurar como ocorreram os fatos e inspiração ou sua fraqueza. O médico pode
por que ocorreram assim e não diferente até nos curar, mas, enquanto médico, não
mente. A ciência explica, não avalia. está em condições de estabelecer se vale ou
Dentro do trabalho de Weber, tal toma não vale a pena viver. EHSirãn
Texto
da de posição tem dois significados:
a) um, epistemológico, consiste na
defesa da liberdade da ciência em relação a é+icci protestarvte
avaliações ético-político-religiosas (uma teo e o espírito do capitalismo
ria científica não é católica nem protestante,
não é liberal nem marxista);
b) o outro significado, ético-pedagógi- Tanto em seu grande tratado Econo
co, consiste na defesa da ciência em relação mia e sociedade (ver o capítulo: “Tipos de
às deformações demagógicas dos chamados comunidade religiosa”) como nos Escritos
“socialistas de cátedra”, que subordinavam de sociologia da religião, Weber estudou a
o valor da verdade a valores ético-políti- importância social das formas religiosas de
cos, isto é, subordinam a cátedra a ideais vida. O ponto de partida da história reli
políticos. giosa da humanidade é um mundo repleto
62
Primeira parte - filosofia do século XXX ao século XX
WEBER
METODOLOGIA DAS CIÊNCIAS HISTÓRICO-SOCIAIS
_______ v __
Como a regressão causai vai ao infinito,
é preciso realizar sobre os fenômenos
e sobre as teorias mediante as quais os estudamos
uma seleção em relação aos valores
Instrumento metodológico h
A variação dos valores condiciona
A ciência, portanto, fundamental
a variação dos pontos de vista,
explica, não avalia: é o TIPO IDEAL: j
suscita novos problemas,
exprime juízos de fato, modelo de realidade obtido
descobre novos aspectos:
não pronuncia com a acentuação unilateral :
garante, portanto,
juízos de valor de um ou de alguns pontos de vista, i
o progresso científico
e mediante a conexão
de uma quantidade
de fenômenos particulares
a AVALIABILIDADE DAS CIÊNCIAS correspondentes
garante a liberdade da ciência ! àqueles pontos de vista em um quadro
em relação às avaliações ético-político-religiosas \ conceitual unitário em si )
O DESENCANTAMENTO DO MUNDO
e da ÉTICA CALVINISTA
do progresso científico . . qUe prO(Juz modo não intencional
l o espírito do capitalismo
porque possuía muitas riquezas". O preceito convicção podereis expor com a máxima força
evangélico é incondicionado e preciso: entrega de persuasão que sua ação terá como conse
aquilo que possuis, tudo, absolutamente. O qüência aumentar as esperanças da reação,
político observará: "Uma pretensão socialmente agravar a opressão de sua classe e impedir
absurda, enquanto não for atuada por todos". sua ascensão: isso não o deixará minimamente
€, portanto, toxações, expropriações, confiscos, impressionado. Se as conseqüências de uma
em uma palavra, ordens e coerções para todos. ação determinada por uma convicção pura são
Mas a lei moral não exige nada de tudo isso, e más, delas será responsável, segundo este,
nisso reside sua essência. Ou então, tomemos a não o agente, e sim o mundo ou o estupidez de
ordem: “Dá a outra foce": incondicionadamente, outrem, ou a vontade divina que os criou tais.
sem perguntar qual direito tem o outro de bater. Quem, ao contrário, raciocina segundo a ética
Uma ética da falta de dignidade, a menos que do responsabilidade leva justamente em conta
se trate de um santo. Este é o foto: é preciso os defeitos presentes na média dos homens;
ser um santo em tudo, ao menos na intenção; ele não tem nenhum direito - como justamente
é preciso viver como Jesus, como os apóstolos, disse Fichte - de neles pressupor bondade e
como são Francisco e seus confrades, e ape perfeição, não sente-se autorizado a atribuir a
nas então essa ética tem um sentido e uma outros as conseqüências de sua própria ação,
dignidade. De outra forma, não. Com efeito, até onde podia prevê-la. Este dirá: “estas con
onde, como conseqüência da ético do amor, se sequências serão imputados ao que eu fiz". O
ordena: "Não resistir ao mal com o violência", homem moral segundo a ética-da convicção se
o preceito que vale vice-versa para o político sente "responsável" apenas quanto ao dever
é o seguinte: "Deves resistir ao mal com a vio de manter acesa a chama da convicção pura,
lência, de outro modo serás responsável se ele por exemplo, a do protesto contra o injustiça
prevalece". Quem quiser agir segundo a ética da ordem social. Reavivá-la continuomente, é
do Evangelho, abstenha-se dos greves - pois este o objetivo de suas ações absolutomente
elos constituem uma coerção - e se inscreva irracionais-julgando por seu possível resultado
nos sindicatos pelegos. Mas, principalmente, -, as quais podem e devem ter um valor apenas
não fole de "revolução", uma vez que essa ética de exemplo. , .
não ensinará sem dúvida que seja exatamente Todavia, nem sequer com isso o problema
a guerra civil a única guerra legítima. O pacifista esgota-se. Nenhuma ética do mundo pode pres
que age segundo o Evangelho recusará pegar cindir do fato de que o alcance de fins "bons"
em armas ou então as jogará fora, como era é o mais das vezes acompanhado pelo uso de
recomendado no Alemanha, considerando isso meios suspeitos ou pelo menos perigosos, e
um dever moral, com o objetivo de pôr fim à pela possibilidade ou também pela probabi
guerra e com isso a toda guerra. [...] E finalmen lidade do concurso de outras conseqüências
te: o dever da verdade. Para a ética absoluta más, e nenhuma ética pode determinar quando
trata-se de um dever incondicionado. [...] A e em que medida o objetivo moralmente bom
ética absoluta não se preocupa com as con "justifica" os meios e as outros conseqüências
sequências. Este é o ponto decisivo. Devemos igualmente perigosas. [...] Aqui, sobre este
perceber claramente que todo agir orientado problema da justificação dos meios mediante
em sentido ético pode oscilar entre duas máxi o fim, também a ética da convicção em geral
mas radicolmente diversas e inconciliavelmente parece destinada a falir. E, com efeito, elo não
opostos, ou seja, pode ser orientado segundo tem logicamente outro caminho a não ser o de
a "ética da convicção” [gesinnungsethisch], ou recusar toda ação que opere com meios perigo
então segundo a "ético da responsabilidade" sos do ponto de visto ético. Logicamente. Sem
[verantuuortungsathisch]. Não que a ética da dúvida, no mundo da realidade fazemos conti
convicção coincida com a falto de responsa nuamente a experiência que o fautor da ética
bilidade e a ética da responsabilidade com da convicção transforma-se repentinamente no
a falto de convicção. Não se quer certamente profeta milenarista, e que, por exemplo, aque
dizer isso. Mas há uma diferença intransponí les que pouco antes pregaram opor “o amor à
vel entre o agir segundo a máxima da ética força", um instante depois apelam à força, à
da convicção, a qual - em termos religiosos força última, a qual deveria levar à abolição de
- soo: "O cristão age como justo e entrega o toda força possível, assim como nossos chefes
resultado nas mãos de Deus", e agir segundo a militares a coda nova ofensiva diziam aos sol
máxima da ética da responsabilidade, segundo dados: "Esta é a última, nos levará à vitória e,
a qual é preciso responder pelas conseqüências portanto, à paz".
(previsíveis) das próprias ações. A um convicto M. LUeber,
sindicalista que se regule conforme a ética da O trabalho intelectual como profissão.
69
Capítulo quarto - Max Webe>* e as ciências kisfóHco-sociais
ideais supremos. Mas o verdadeiro mestre evi uma atitude pessoal. Mas isso nõo é tudo. R
tará impeli-lo, do alto da cátedra, a tomar uma impossibilidade de apresentar "cientificamente"
atitude qualquer, tanto de modo explícito como uma atitude prática - exceto o caso da discus
por sugestão: uma vez que é o método mais são sobre os meios paro um objetivo que se
desleal, o de "fazer os fotos falarem". pressupõe já dado - deriva de razões bem
Todavia, por qual razão, precisamente, mais profundas. Semelhante empreendimento
devemos nos abster disso? Rdionto que diver é substancialmente absurdo, enquanto entre
sos entre meus estimadíssimos colegas são do os diversos valores que presidem a ordem do
parecer de que tal discrição nõo seja exeqüível mundo o contraste é inconciliável. O velho Mill,
e que, mesmo que o fosse, serio loucura pre cuja filosofia não pretendo por outro lado louvar,
tendê-la. Ora, o ninguém pode-se demonstrar mas que sobre este ponto tem razão, diz em
cientificomente qual seja seu dever de professor certo lugar: partindo da puro experiência chega-
universitário. Dele pode-se pretender apenas a se ao politeísmo. [...] Mudado sob o aspecto,
probidade intelectual, por meio da qual saiba acontece como no mundo antigo, ainda sob o
compreender como a verificação dos fatos, dos encanto de seus deuses e de seus demônios:
relações matemáticas ou lógicas e do estrutura como os gregos sacrificavam ora a Rfrodite e oro
interna das criações do espírito de um lado, e o Rpolo, e cada um em particular aos deuses de
do outro a resposta à questão a respeito do suo própria cidade, assim é ainda hoje, sem a
valor da civilização e de seus conteúdos parti magia e o revestimento daquela transfiguração
culares - e, portanto, a respeito do modo com plástica, mítica, mas intimamente verdadeira.
o qual se devo agir no âmbito da comunidade Sobre estes deuses e sobre suas lutas domina o
civil (ftulturgemeinschoFt') e das sociedades destino, e sem dúvida nõo a "ciência", é possível
políticos - sejam dois problemas absolutamente somente entender o que seja o divino em um
heterogêneos. Se depois ele pergunta por que ou no outro caso, ou então em uma ordem ou
nõo deva tratá-los ambos no universidade, na outro. Mas com isso a questão está absolu
eis a resposta: porque a cátedra nõo é paro tamente fechado a qualquer discussão em uma
os profetas e os demagogos. Ro profeta e sola de aula pela boca de um mestre, ainda que
ao demagogo foi dito: "Sai pelas ruas e fala de fato naturalmente nõo esteja de modo ne
publicamente”. Fala, isto é, onde é possível a nhum fechado o enorme problema de vida que
crítica. Na aula, onde se está sentado diante nela está contido. Rqui, porém, a palavra cabe
dos próprios ouvintes, a estes cabe calar-se e a outras forças e nõo às cátedras universitárias.
ao mestre falar, e reputo uma falta de sentido Quem desejará tentar "refutar cientificamente" a
de responsabilidade aproveitar tal circunstância ética do Sermão da Montanha, por exemplo, o
- por meio da qual os estudantes são obrigados máxima: "nõo fazer resistência ao mal", ou então
pelo programa de estudos a freqüentar o curso a imagem de dar a outra foce? Rpesar disso é
de um professor onde ninguém pode intervir claro que, de um ponto de visto mundano, aí
para contestá-lo - para inculcar nos ouvintes se prega uma ética da falta de dignidade: é
as próprias opiniões políticas ao invés de tra preciso escolher entre a dignidade religioso,
zer-lhes subsídios, como o dever impõe, com que é o fundamento desta ético, e a dignidade
os próprios conhecimentos e as próprias expe viril, que prega algo bem diverso: "Deves fazer
riências científicas. Pode certamente ocorrer que resistência ao mal, de outra forma és também
o indivíduo consiga apenas imperfeitamente responsável se este prevalecer". Depende da
esconder suas próprias simpatias subjetivas. próprio atitude em relação ao fim último que
Então ele se expõe à crítico mais impiedosa um seja o diabo e o outro o deus, e cabe ©o
diante do tribunal de sua consciência. € isso indivíduo decidir qual seja poro ele o deus e
por outro lado nõo prova nada, uma vez que qual o diabo. E assim ocorre para todos os
também outros erros puramente de fato são ordenamentos da vido. [...]
possíveis, e nõo podem contrastar o dever de Mas o destino de nossa civilização é
procurar a verdade. Eu me recuso o admiti-lo justamente este, de nos termos tornado hoje
também e precisamente pelo interesse pura novamente e mais claromente conscientes
mente científico. Estou disposto a provar sobre daquilo que um milênio de orientação - que
as obras de nossos historiadores que, toda vez se presume ou se afirmo exclusiva - poro o
que o homem de ciência adianta seu próprio grandioso pothos da ética cristã havia ocultado
juízo de valor, cessa a inteligência perfeita do a nossos olhos.
fato. Todavia, isso extrapola o temo deste dis Todavia, basta agora desses problemas
curso e exigirio longa explicação. [...] que nos levam demasiádo longe. Pois, quando
Rté agora falei apenas dos motivos prá umo parte de nossos jovens quisesse dar o tudd
ticos que aconselham evitar a imposição de isso esta resposta: "Sem dúvida, mas viemos à
72
Primeira parte - filosofia do sécwlo XJX ao século XX
Um ato econômico capitalista significa para obriguem a um cálculo preciso. Mas estes são
nós um ato que se baseio sobre a expectativa elementos que se referem apenas ao grau da
de ganho que deriva do desfrutar habilmente racionalidade do proveito capitalista.
as conjunturas da troca, portanto, de proba Para o conceito, importa apenas que o
bilidades de ganho formalmente pacíficas. A confronto entre o resultado calculado em di
aquisição violenta (formal e atual) segue suas nheiro e a entrada calculada em dinheiro, em
leis particulares, e não é útil - mesmo que não qualquer forma, por mais primitiva que seja,
se posso proibir de fazê-lo - colocá-la sob o determine o ato econômico. Neste sentido
mesma categoria da atividade orientado se houve "capitalismo" e "empresas capitalistas"
gundo as probabilidades de ganho no troca. também com certa racionalidade no cálculo
Quando se tende de modo racional ao ganho do capital em todos os países civilizados do
capitalista, a ação correspondente orienta-se mundo; pelo menos até onde remontam os do
conforme o cálculo do capital. cumentos econômicos que possuímos. Na China,
Isso quer dizer que ela ordena-se segundo na índia, no Babilônio, no Egito, na antiguidade
um emprego preestobelecido de prestações mediterrânea, na Idade Média e na era moder
reais ou pessoais como meios para conseguir na. Existiram não só empresas isoladas, mas
um proveito, de modo tal que a consistência também complexos econômicos que se basea
patrimonial estimada em dinheiro no encerra vam sobre empresas capitalistas particulares
mento das contas supere o capital, ou seja, o sempre novas, e também empresas contínuas;
valor estimado, posto no balança, dos bens embora o comércio por longo tempo nõo tivesse
instrumentais reais empregados na aquisição o caráter de nossas empresas continuativas,
por meio da troca. No caso de uma empresa mas muito mais o de umo série de atos singu
contínua a consistência patrimonial em dinhei lares e apenas lentamente, na atividade dos
ro calculada periodicamente na balança deve grandes comerciantes, penetrasse uma ligação
periodicamente superar o capital. Tanto se se íntima, com a instituição de várias seções. Cm
trator de um complexo de mercadorias in natu- todo modo, a empresa e o empreendedor
ra entregues em consignação a um mercador capitalista, nõo só de ocasião mas também
viajante cujo proveito final pode consistir em com atividade contínua, são antiquíssimos e se
outros mercadorias in notura, como de uma difundiram em todo lugar. Mas o Ocidente tem
fábrica cujas instalações particulares, edifícios, um grau de importância que não se encontra
máquinas, reservas de dinheiro, matérias-pri alhures. C desta importância dõo a razão as
mas, produtos acabados e semitrabalhados espécies e formas e direções do capitalismo
representam exigências às quais correspondem que não surgiram em outros lugares. Cm todo
compromissos: o importante é que seja feito um o mundo houve estados mercantes dedicados
cálculo do capital expresso em dinheiro, tanto ao comércio por atacado e por varejo, local e
de modo moderno, com livros regulares, como em países distantes, houve empréstimos de
também de modo primitivo e superficial. todo espécie, eram muito difundidos bancos
E no início da empresa tem lugar um ba com funções bastante diversas, mas pelo me
lanço inicial, como antes de todo ato comercial nos semelhantes em substância às dos bancos
particular um cálculo para o controle e um ensaio de nosso século XVI; empréstimos marítimos,
da correspondência do ato com o objetivo pre negócios e sociedades em comodato, consig
fixado e, no encerramento, para verificar aquilo nações, eram profissionalmente muito difundi
que se ganhou, tem-se um cálculo retrospectivo: das. Sempre, onde houve finanças em base
o balanço de encerramento. O balanço inicial de monetária dos entes públicos, esteve presente
uma consignação é, por exemplo, o acerto de o banqueiro; na Babilônio, na Grécia, na índia,
valor expresso em dinheiro que devem ter as na China e em Roma; para o financiamento em
mercadorias para as partes contraentes, caso primeiro lugar das guerras e da pirataria, para
sejam elas ainda não em si mesmas dinheiro; provisões e trabalhos de todo tipo, na político
o balanço de encerramento é o estimativa final colonial como colonizadores, plantadores ou
que é fundamento da repartição do ganho e portadores de concessões o escravos ou com
da perda. Um cálculo está como fundamento trabalhadores forçados de várias formos; para
de todo ato particular do consignatário, desde o concessão de empreitada de propriedades,
que este aja rocionolmente. Que não se tenham de profissões, e principalmente de impostos,
um cálculo e umo estimativa realmente exatos; para o financiamento de chefes-de-partido para
que se proceda a modo de estimativa ou então as eleições e de chefes de mercenários paro
tradicional e convencionalmente, são coisas que a guerra civil; em suma, como especuladores
acontecem ainda hoje em toda forma de empre sobre probabilidades de todo tipo avoliáveis
sa capitalista, sempre que as circunstâncias nõo em dinheiro. Esto espécie de empreendedores,
74
Primeira parte - filosofia do século oo sécul
os aventureiros capitalistas, existiu em todo o dos fatores técnicos decisivos; em suma, pelo
mundo. fundamento de um cálculo exato; o que, na rea
Suas possibilidades eram - com exceção lidade, significa o caráter particular da ciência
do comércio e dos negócios de crédito e de européia, especialmente das ciências naturais
banco - ou de caráter puramente irracional, es com fundamento racional, experimental e mate
peculativo, ou eram orientadas para a aquisição mático. O desenvolvimento dessas ciências e da
pela violência, paro a predação, tanto como técnica que sobre elas se baseia recebeu, por
butim ocasional de guerra ou butim crônico e sua vez, e recebe até agora, impulsos decisivos
fiscal, ou seja, a espoliação dos súditos. O ca das probabilidades de rendimento capitalista,
pitalismo colonial dos grandes especuladores, que se ligam à sua aplicação econômica como
e o capitalismo financeiro moderno do tempo "prêmios”.
de paz, mas principal mente e de modo espe M. LLteber,
cífico o capitalismo de guerra, levam também fl ética protestante
hoje no Ocidente essa marco; e alguns ramos e o espírito do capitalismo.
- mas apenas alguns - do comércio internacio
nal, tanto hoje como em qualquer tempo, os
seguem de perto.
Mas o Ocidente conhece na época moder A ética protestante
na uma espécie de capitalismo bem diferente,
e que por outro lado jamais se desenvolveu: a
e o espírito do capitalismo
organização racional do trabalho formalmente
livre. A mesma organização do trabalho não "Fl valoraçõo religioso do trobolho pro
livre chegou a certo grau de racionalidade fissional leigo, incansável, contínuo, sistemá
apenas nas plantações e, em medida muito tico, como do mais alto meio ascético, e ao
limitado, nas colônias penais da antiguidade; mesmo tempo como da mais alta, segura e
e teve um grau de racionalidade ainda menor visível confirmação do homem regenerado
nas curtes e fábricas e indústrias domésticas e da sinceridade de suo fé, devia ser o
das grandes propriedades agrícolas com o fermento mais poderoso que se pudesse
trabalho dos escravos e dos servos da gleba pensar para a expansão daquela concepção
no princípio da era moderna. Para o trabalho de vida, que definimos como 'espírito do
livre estão documentados, fora do Ocidente, capitalismo'
verdadeiras e próprias "indústrias domésticos"
apenas em casos isolados, e o emprego de
assalariados diaristas que naturalmente se en Quanto maior se torna a propriedade, tan
contra em todo lugar, fora exceções muito raras to mais grave se torna - se a disposição ascética
e particularíssimas, todavia bem distantes das supera a prova - o sentimento da responsabi
organizações industriais modernas (tratava-se lidade paro mantê-la intacta para a glória de
especialmente de monopólios de Estado), não Deus e de aumentá-la com um trabalho sem
produziu jamais grandes manufaturas e nem trégua. Também a gênese deste estilo da vida
sequer uma organização racional de profissão remonta com tais raízes, como tantos elementos
de tipo patronal no modelo da de nossa Idade do espírito capitalista moderno, à Idade Média,
Média. A organização racional da indústria mas apenas na ética do protestantismo ascético
orientada conforme as conjunturas do mercado encontrou seu conseqüente fundamento moral.
e não conforme probabilidades políticas ou irra Sua importância para o desenvolvimento do
cionalmente especulativas não é, porém, o único capitalismo é evidente.
fenômeno particular do capitalismo ocidental. A ascese leiga protestante - assim po
A organização racional moderna da atividade demos resumir aquilo que dissemos até aqui
capitalista não teria sido possível sem outros - agiu com grande violência contra o gozo
dois importantes elementos de seu desenvolvi desmedido da propriedade, e restringiu o con
mento: a separação da administração doméstica sumo, principalmente o consumo de luxo. Por
da empresa, que doravante domina a vida outro lado liberou, em seus efeitos psicológicos,
econômica hodierna; e, estreitamente ligada a a aquisição de bens dos obstáculos da ético
esto, a capacidade racional dos livros. [...] tradicionalista, enquanto não só a legalizou,
O capitalismo especificomente ocidental mas até, no sentido que expomos, o viu como
foi, evidentemente, determinado em grande desejado por Deus. A luta contra os prazeres da
medido também pelo desenvolvimento das pos carne e o apego aos bens exteriores não era,
sibilidades técnicas. Suo racionalidade é hoje como atesta expressamente, com os puritanos,
fortemente condicionada pela calculabilidade também o grande apologeta dos Quakers,
75
Capítulo quarto - M<ax Weber e as ciências histórico-sociais
Barclay, uma luta contra o ganho racional, o sim uma exata determinação em cifras quão forte
contra o emprego irracional da propriedade. € tenha sido esse efeito. No Nova Inglaterra a
isso consistia no alto apreço, condenado como ligação aparece tão evidente, que naturalmente
idolatria, das formas ostensivos do luxo que nõo fugiu oo olho de um historiador excelente
eram tão próximas do modo de sentir feudal, em como Dople. Mas também no Holando, que
vez do emprego desejado por Deus, racional e foi dominada pelo calvinismo rigoroso apenas
utilitário, para os fins da vida do indivíduo e da por sete anos, o maior simplicidade da vida
coletividade. Não se queria impor ao proprietá que dominava nos grupos religiosomente mais
rio a maceraçõo, mas o uso de sua riqueza para sérios, ligado às enormes riquezas, levou a uma
coisas necessárias e de utilidade prática. ansiedade excessiva de acumular capitais.
O conceito de comfort alarga de modo M. LUeber,
característico o círculo dos fins, morolmente fí ético protestante
lícitos, em que a riqueza pode ser empregada, 0 o espírito do capitalismo.
e naturalmente não é um acaso que se tenha
observado justamente entre os mais conse
quentes seguidores de toda esta concepção, os
Quakers, um desenvolvimento mais precoce e O desencantamento
mais manifesto do estilo de vida, que se remete
a esse conceito. Contra as brilhantes aparências
do mundo
da pompa cavalheiresca, que, apoiando-se
sobre bases econômicas pouco sólidas, prefere é destino de nossa época, "com sua ca
uma exígua elegância na simplicidade modesta, racterístico racionalização e intelectualização,
eles opõem como ideal a limpa e sólido como e sobretudo com seu desencantamento do
didade do home burguês. mundo",' o de ser uma época sem Deus e
No campo da produção da riqueza priva sem profetas. 6 isso impõe o cada um fazer
da, o ascese combatia contra o desonestidade com coragem os próprias escolhas e seguir "o
e contra a avidez puramente impulsiva que demônio que seguro os fios de suo vido".
condenava como covetousness e "momonismo";
ou seja, o esforço tenso para a riqueza, pelo
único escopo final de ser rico. Mas a ascese Que a ciência hoje seja uma "profissão"
era a força "que quer continuamente o bem e especializada, posta a serviço da consciência
continuomente o mal", isto é, cria aquilo que, de si e do conhecimento de situações de foto,
segundo suo própria interpretação, é mal: a e nõo uma graça de visionários e profetas,
riqueza e suas tentações. dispensadora de meios de salvação e de
Pois ela nõo somente via, com o Antigo revelações, ou um elemento da meditação de
Testamento e em plena analogia com o apreço sábios e filósofos sobre o significado do mundo,
ético das “obras boas", no esforço para a rique é certamente um dado de fato, inseparável de
za como fim a si mesma, uma coisa reprovável nosso situação histórica, à qual, se quisermos
em máximo grau, e na conquisto, ao contrário, permanecer fiéis a nós mesmos, nõo podemos
da riqueza, como fruto do trabalho profissio escapar. € se novamente surge em vós o Tolstoi
nal, a bênção de Deus. Mas, coisa ainda mais que pergunta: "Se, portanto, não é a ciência que
importante: a avaliação religiosa do trabalho o faz, quem responde então à pergunta: o que
profissional leigo, incansável, contínuo, siste devemos fazer? € como devemos regular nossa
mático, como o mais elevado meio ascético, e vida?",, ou então, na linguagem que há pouco
ao mesmo tempo como a mais elevado, segura usamos: “A qual dos deuses em luta devemos
e visível confirmação e provo do homem rege servir? Ou talvez algum outro, e, nesse caso,
nerado e da sinceridade de sua fé, devia ser a quem?", é preciso dizer que a resposta cabe a
alavanca mais poderosa que se pudesse pensar um profeta ou a um redentor. Se este nõo se
para a expansão daquela concepção da vida, encontro entre nós, ou se o anúncio dele nõo
que definimos como "espírito do capitalismo". é mais crido, sem dúvida não adiantará fazê-lo
€ se ligarmos a limitação do consumo com este descer sobre esta terra em que milhares de
desencadeamento do esforço dirigido ao ga professores tentem roubar-lhe o papel em suas
nho, o resultado exterior é evidente: formação aulas, como pequenos profetas privilegiados
do capital por meio de uma constrição ascética ou pagos pelo Bstado. Isso servirá apenas
ò poupança. Os obstáculos que se opunham para esconder toda a enorme importância e o
ao consumo daquilo que se tinha adquirido significado do foto decisivo, ou seja, que o pro
deviam aumentar seu emprego produtivo como feta, que tantos de nossa mais jovem geração
capital de investimento. Naturalmente foge a invocam, nõo existe. O interesse interior de um
76
Primeira parte - filosofia do século XJX ü° século XX
o respeito de seu próprio significado - o fato sem ter compreendido que entre as paredes
de que muitas dessas associações de jovens, da sala de aula uma só virtude tem valor: a
surgidos no silêncio destes últimos anos, dêem simples probidade intelectual. €la nos impõe
às suas relações comuns, humanas, o sentido colocar às claras que hoje todos aqueles que
de uma ligação religiosa, cósmica ou mística. Se vivem na espera de novos profetas e novos
for verdade que todo ato de genuína irmandade redentores se encontram na mesma situação
pode se ligar com o consciência de que com isso descrita no belíssimo canto do escolta iduméia
é de algum modo acumulado em um domínio durante o período do exílio, que se lê no oráculo
ultropessool algo que nõo será perdido, ainda de Isoíos: “Uma voz chama de Seir em Cdom:
assim me parece duvidoso que a dignidade das Sentinela! Quanto durará ainda a noite? € a
relações propriamente humanas entre os mem sentinela responde: Virá a manhã, mas ainda
bros de uma comunidade se torne elevada por é noite. Se quiserdes perguntar, voltai outra
meio de tais interpretações religiosos. Todavia, vez". O povo, ao qual era dada essa resposta,
isso também não combina com nosso tema. perguntou e esperou bem mais de dois milê
é o destino de nossa época, com sua nios, e sabemos de seu trágico destino. Disso
característica racionalização e intelectualizaçõo, desejamos extrair a advertência de que anelar
e principalmente com seu desencantamento do e esperar nõo basta, e nos comportaremos de
mundo, que exatomente os valores supremos outra maneira: realizaremos nosso trabalho e
e sublimes se tenham tornado estranhos ao cumpriremos a "tarefo quotidiana" - em nossa
grande público, para refugiar-se no reino extra- qualidade de homens e em nossa atividade
mundano da vida mística ou na fraternidade das profissional. Isso é simples e fácil, quando cada
relações imediatas e diretas entre os indivíduos. um tiver encontrado e seguir o demônio que
Nõo é por acaso que nossa melhor arte seja ín segura os fios de suo vida.
tima e nõo monumental, e que hoje apenas, no M. LUeber,
seio das mais restritas comunidades, no relação O trabalho intelectual como profissão.
de homem para homem, no pionissimo, palpite
aquele indefinível que há um tempo penetrava e
fortificava como um sopro profético e uma chama
impetuosa as grandes comunidades. Provemos
forçar e “suscitar" um sentido monumental da
A ciência se fundamenta
arte, e eis nascer um aborto lamentável como sobre uma escolha ética
o de numerosos monumentos comemorativos
dos últimos vinte anos. Rlgo de semelhante se
Fl ciência nõo pode responder à única
reproduz na esfera interior, com efeitos ainda
pergunta importante paro nós: "O que deve
mais deletérios, caso se procure cogitar novas
mos fazer? Como devemos viver?" 6, além do
formos religiosas sem uma nova e genuína
mais, o própria ciência é o resultado de uma
profecia. € o profecia formulada pela cátedra
escolha - da escolha que seus resultados
poderá talvez dar vida o seitas fanáticas, mas
sejam para nós "dignos de serem conheci
nunca o uma comunidade autêntica. R quem nõo
dos". Mas "este pressuposto não pode ser
esteja em grau de enfrentar virilmente esse des
por sua vez demonstrado com os meios da
tino de nossa época é preciso aconselhar que
ciência". "
volte em silêncio, sem a costumeira conversão
publicitária, e sim franca e simplesmente, para
os braços das antigas igrejas, larga e misericor
diosamente abertos. Elas nõo lhe tornam difícil Voltemos ao ponto de partida. Dados es
a passagem. Cm todo caso, é preciso realizar tes pressupostos intrínsecos, vejamos qual é o
- é inevitável - o "sacrifício do intelecto", de um significado da ciência como vocação, a partir do
ou de outro modo. Nõo o reprovaremos, caso momento em que naufragaram todas as ilusões
seja realmente capaz disso. Pois semelhante precedentes: "meio para o alcance do verda
sacrifício do intelecto em favor de uma incon- deiro ser", "da verdadeira arte", "da verdadeira
dicianada entrega religiosa é sempre algo de natureza", "do verdadeiro Deus", "da verdadeira
moralmente diferente daquele modo de evitar felicidade". R resposta mais simples foi dada
a simples probidade intelectual que se verifico porTolstoi com estas palavras: "é absurda, por
quando, não tendo a coragem de perceber que nõo responde à única pergunta importante
claramente a própria posição última, se alivia para nós: o que devemos fazer? como devemos
esse dever por meio do refúgio no relativo. € viver?" O fato de que nõo responda a isso é
o considero também mais respeitável do que absolutamente incontestável. Trata-se apenas
aquela profecia que se proclama do cátedra de perguntar-se em que sentido nõo dê "ne
78 Primeira parte - filosofia do século ,Xãr,X ao século
nhuma resposta", e se em lugar desta ela não tos da medicina e o código penal impedem
puder por acaso dar qualquer auxílio a quem que o médico desisto. A ciência médica nõo
se colocar a questão em seus termos exatos. se pergunta se e quando a vido valha o pena
Hoje se quer freqüentemente falar de ciência ser vivida. Todas as ciências naturais dão uma
"sem pressupostos". Existirá alguma? Depende resposta o esta pergunta: o que devemos fazer
daquilo que se queira entender. Pressuposto de se quisermos dominar tecnicamente a vida? Mas
qualquer trabalho científico é sempre o validade se queremos e devemos dominá-la tecnica
das regras da lógica e do método: fundamentos mente, e se isso, definitivamente, tiver de fato
gerais de nosso orientação no mundo. Ora, um significado, elos o deixam totalmente em
tais pressupostos, ao menos quanto à nossa suspenso ou então o pressupõem por seus fins.
questão particular, nõo são minimamente pro Tomemos, se quiserdes, uma disciplina como
blemáticos. Pressupõe-se, além disso, que o a crítica do arte. O fato de que haja obras de
resultado do trabalho científico seja importante arte constitui, para a estético, um pressuposto.
no sentido que seja "digno de ser conhecido" Ela procura estabelecer em quais condições
(uuissensujert'). € aqui evidentemente têm sua isso se verifique. Mas nõo se põe o pergunta
raiz todos os nossos problemas. Uma vez que se o domínio da arte nõo seria por acaso um
este pressuposto nõo pode ser por sua vez reino de magnificência diabólica, um reino deste
demonstrado com os meios da ciência. Pode ser mundo, e por isso intimamente oposto ao divino
apenas explicado em vista de seu significado e, por seu caráter intrinsecamente aristocráti
último, que será preciso acolher ou rejeitar co, ao espírito de fraternidade. Elo, portanto,
conforme a posição pessoal última assumida nõo se pergunta se devam existir obras de
diante da vido. arte. Ou então, tomemos a jurisprudência:
Bem diverso, além disso, é o tipo de rela ela estabelece aquilo que é válido segundo
ção do trabalho científico com estes seus pres as regras do pensamento jurídico, em parte
supostos, conforme sua estrutura. Rs ciências imperativamente lógico e em parte vinculado
naturais como a física, a astronomia, a química, por esquemas convencionais; em outras pa
pressupõem como evidente em si que as leis lavras, estabelece se são reconhecidas como
últimas do acontecer cósmico - construtíveis, obrigatórias determinadas regras jurídicas e
até onde chega a ciência - sejam dignas de ser determinados métodos para sua interpretação.
conhecidas. Nõo só porque com estas noções Nõo decide se deva haver o direito e se devam
se podem atingir sucessos técnicos, mas - se ser formuladas exotamente aquelas regras;
devem ser "vocação" - "por. si mesmas". Este ela pode indicar apenas isto: caso se queira
pressuposto, por sua vez, nõo é absolutamente atingir um resultado, o meio para alcançá-lo
demonstrável; e muito menos se pode demons nos é dado por esta regra jurídica, conforme
trar se o mundo por elos descrito seja digno de os normas de nosso pensamento jurídico. Ou
existir: se tenha um “significado", e se haja um tomai ainda as ciências históricos (historischen
sentido nele existir. Com isso as ciências nõo Hulturjjissenschofteri). Elas nos ensinam a en
se preocupam. Ou então tomai uma tecnologia tender os fenômenos do civilização (Ku/turers-
prática tão desenvolvida cientificamente como a cheinungeri) - políticos, artísticos, literários ou
medicina moderna. O "pressuposto" geral desta sociais - nos condições de seu surgimento. Mos
atividade é - em palavras pobres - que seja nõo respondem em si à pergunta a respeito do
considerada positiva, unicamente como tal, a volor positivo destes fenômenos, e nem à outra
tarefa da conservação da vida e da redução da questão, se valha a peno conhecê-los. Elas
dor ao mínimo. E isso é problemático. O médico pressupõem que haja interesse em participar,
procura com todos os meios conservar a vida do por meio de tal procedimento, da comunidade
moribundo, mesmo que este implore ser liberto dos "homens civis" ÇHulturmenscherí). Mas que
do vido, mesmo que sua morte é e devo ser assim estejam as coisas, a ninguém elas estão
desejada - mais ou menos conscientemente em grau de demonstrar “cientificamente", e que
- por seus familiares, paro os quais sua vida elas o pressuponham nõo demonstra de foto
nõo tem mais volor enquanto insuportáveis são que isso seja evidente. E, com efeito, de modo
os ônus para conservá-lo, e eles lhe ouguram nenhum o é.
a libertação das dores (trata-se, digamos, do M. LUeber,
caso de um pobre louco). Mas os pressupos O trabalho intelectual
como profissão.
O pragmatismo
• Não nos é lícito pensar que uma hipótese bem verificada seja segura para
sempre: "uma hipótese é, para a mente científica, sempre in prova". Nossos co-
80
Primeira parte - filosofici do século N7N ao século NX
de William Carnes
• Foi William James (1842-1910) que, no fim do século XIX, tornou conhecido
ao mundo o pragmatismo como nova filosofia. "O pragmatismo, afirma James,
é apenas um método". É antes de tudo um convite a afastar o olhar das "coisas
primeiras" (princípios, "categorias", pretensas necessidades) para dirigir a aten
ção sobre as "coisas últimas" (os fatos). Em segundo lugar é um
método para obter a clareza das idéias; método que nos ordena
O pragmatismo
como método considerar os efeitos práticos concebíveis implicados por esta ou
e a concepção aquela idéia, "quais sensações devemos esperar e quais reações
instrumental devemos preparar". E uma idéia é verdadeira, na opinião de
da verdade James, "até quando nos permite ir à frente e levar-nos de uma
->§ 1-2 parte para outra de nossa experiência, ligando as coisas de modo
satisfatório, operando com segurança, simplificando, economi
zando a fadiga".
A abraçada por James é uma concepção instrumental da verdade: a verdade
- que é um processo e não uma posse - identifica-se com sua capacidade de ope
rar, com sua utilidade para melhorar ou para tornar menos dificultosa e menos
precária a vida dos indivíduos.
O pragmatismo
á apenas um método
do pragma+i smo
como é mérito principalmente dos economistas a pesquisa das causas é apta freqüentemente
da escola matemática ter feito salientar, de o levar a conseqüências de fato diversas, con
uma relação de mútua dependência, análoga forme sentimentos ou preocupações políticas e
a que existiría, por exemplo, entre as posições morais do pesquisador.
de duas esferas pesadas sustentadas por uma Este se deixa induzir, mais ou menos cons
superfície côncava, cada uma das quais pode cientemente, o limitar sua atenção e a qualificar
ser qualificada como causa da posição que a como causas apenas as que, entre as condições
outra ocupa, no sentido de que cada uma delas de um dado fato, para cuja modificação ele
obrigo a outra a assumir uma posição diferente crê que seria necessário ou útil prover caso se
da que assumiría se estivesse sozinha. quisesse provocar ou impedir o foto em questão
Há, todavia, razões que podem, dentro ou outros de índole análoga, ou modificá-los no
de certos limites, justificar nossa tendência modo por ele desejado.
a aplicar mais a um do que a outro de dois Nem esta espécie de parcialidade deve
fatos mutuamente dependentes a qualificação ser considerada como ilegítima, ou confundida
de causas. Tais razões são precisamente as com a que consiste em permitir às nossas pai
mesmas pelas quais, quando nos encontramos xões e aos nossos interesses influir sobre a
diante de um complexo de condições que juntas avaliação das provas dos fatos e dos teorias.
concorrem para a produção de um dado efeito, Enquanto esta segunda espécie de parcialida
somos induzidos a escolher umo parte openos de é radicalmente incompatível com o caráter
delas para aplicar-lhes, excluindo as restantes, científico de qualquer espécie de pesquisa, a
o nome de “causas". outra é perfeitamente legítimo, nas ciências
Com efeito, nem todas as condições de históricas da mesma forma que nas ciêncios
cujo concurso depende, a verificação de um naturais. E, deste ponto de vista, ouvir falar, por
dado fato apresentam para nós o mesmo inte exemplo, de um volume de história socialista,
resse, e também aqui o exemplo das ciências em contraste com outro, por exemplo, de história
físicas é útil para esclarecer os motivos e os conservadora, nõo deveria parecer mais estra
critérios pelos quais determina-se tal diferenço nho que ouvir falar de um manual de química
de interesse. paro os tintureiros, completamente diferente de
R distinção entre causa e efeito, e isso é um tratado de química paro os farmacêuticos e
verdade ainda mois para as ciêncios sociais e para os agrônomos.
históricas do que para as ciências físicas, é uma R verdade é uma só, mas os verdades
distinção essencialmente de origem prática, e são muitas, e muitos são os objetivos pora
que se relaciona, em um grau mais ou menos cujo alcance nossos conhecimentos podem
direto, à representação que fazemos do mundo eventualmente ser aplicados. E preocupar-se
e da ordem em que deveremos ou quereremos com um mais do que do outro de tais objetivos
proceder pora modificar o andamento dos fatos é, também nas ciêncios históricas como em
de que se trota, e adaptá-los a nossos fins e qualquer ramo de pesquisa, de fato compatível
a nossos desejos. com a mais serena imparcialidade na avaliação
é por isso que, como observo Hobbes, das provas e dos testemunhos.
"quoeruntur causae non eorum quae sunt, sed G. Vailati,
eorum quae esse possunt". € esta é também a Sobre a aplicabilidade dos conceitos
razão pelo qual nas ciências históricas e sociais de causo e efeito.
íSapítulo sexio
O i kAs+rurnerAhsil is mo
de Dewey
que se tem para aquilo que é “nobre, honro relevo é o seu caráter precário e arriscado”.
so e verdadeiro” também para o que, na vida Diz Dewey: “O homem vive em mundo
humana, existe de “desfavorável, precário, aleatório; para dizê-lo cruamente, sua exis
incerto, irracional e odioso”. Afirma ele: tência implica o acaso. O mundo é o palco
“Considerando o papel que a antecipação do risco: é incerto, instável, terrivelmente
e a memória da morte desempenharam na instável”. Claro, seria fácil e confortante
vida humana, da religião às companhias de insistir na boa sorte e nas alegrias inespe
seguro, o que se pode dizer de uma teoria radas. A comédia é tão genuína quanto a
que define a experiência de tal modo a ponto tragédia. Mas, observa Dewey, é sabido que
de fazer seguir-se logicamente que a morte “a comédia atinge uma nota mais superficial
nunca seja matéria de experiência?” que a tragédia”. E o homem teme porque
Há mais, já que a não identificação vive em um mundo temível, em um mundo
entre experiência e conhecimento permite que dá medo. O próprio mundo é precário
a Dewey realizar a tentativa de solução do e perigoso: “Não foi o temor em relação aos
problema gnosiológico: com efeito, “há duas deuses que criou os deuses”.
dimensões das coisas experimentadas; uma O homem vive neste mundo: a natureza
é a de tê-las, outra é a de conhecê-las para não existe sem homem, nem o homem existe
tê-las de modo mais significativo e seguro”. sem a natureza. O homem está imerso na
Na realidade, não é fácil conhecer as coisas natureza. E, no entanto, ele é uma natureza
que temos ou somos, sejam elas o sonho, o capaz de, e destinada a, mudar a própria
sarampo, a virtude, uma pena, o vermelho. natureza e dar-lhe significado.
O problema do conhecimento é “o proble E precisamente para se garantir contra
ma de como encontrar o que é necessário a instabilidade e a precariedade da existência
encontrar em torno dessas coisas para ga o homem, primeiro, recorreu a forças mági
rantir, retificar ou evitar o fato de tê-las ou cas e construiu mitos que, depois de terem
o de sê-las”. Desse modo, escreve Dewey, caído, logo procurou substituir por outras
enquanto o ceticismo pode verificar-se (a fim idéias tranqüilizadoras, como a imutabilida
de nos tornar curiosos e indagadores) em de do ser, o processo universal, a racionali
qualquer momento em relação a qualquer dade inerente ao universo, o universo regido
crença ou conclusão intelectual, no entanto por leis necessárias e universais.
ele é impossível acerca das coisas que nós “De Heráclito a Bergson, há muitas
temos e somos. “Um homem pode duvidar filosofias ou metafísicas do universo. Somos
se está com sarampo, porque o sarampo é gratos a essas filosofias, que mantiveram
termo intelectual, classificação, mas não vivo aquilo que as filosofias clássicas e
pode duvidar do que tem empiricamente ortodoxas deixaram de lado. Mas as filo
— não, como se diz, porque está imediata sofias do fluxo normal também indicam
mente certo dele, mas porque não é matéria a intensidade com que se deseja o que é
de conhecimento, não é de modo algum seguro e estável. Elas deificaram a mudan
questão intelectual, não é caso de verdade ça, tornando-a universal, regular e segura
ou falsidade, de certeza ou de dúvida, mas [...]. Considerai o modo completamente
somente de existência”. - , . PT laudatório com o qual Hegel, Bergson e
os filósofos evolucionistas do devir consi
deraram a mudança. Para Hegel, o devir é
processo racional que define uma lógica,
Precariedade mesmo nova e estranha, e um absoluto,
e. risco da existência também este novo e estranho, Deus. Para
Spencer, a evolução é somente um processo
transitório para obter o equilíbrio estável e
A experiência é história, história vol universal de ajustamento harmonioso. Para
tada para o futuro, prenhe de futuro. E a Bergson, a mudança é a operação criadora
filosofia, diferentemente da antropologia de Deus ou é o próprio Deus”.
cultural, “tem a função do desmembra Para Dewey, essas filosofias são fi
mento analítico e da reconstrução sintética losofias do medo, hiper-simplificadoras e
da experiência”. Os fenômenos da cultura, des-responsabilizadoras. Elas transformam
apresentados pelo antropólogo, constituem um elemento da realidade na realidade em
o material para o trabalho do filósofo. seu todo, confinando assim na aparência
Pois bem, “uma característica da exis (no secundário, epifenomênico, errôneo,
tência que os fenômenos culturais põem em ilusório etc.) tudo o que não se revela
98
Primeira parte - ;A filosofia do século ao século /KJK
I
posta de idéias e projetos para passar 1 comum até os mais precisos e específicos da
de uma situação de dúvida para uma matemática”, da física ou da química.
situação "coerente, ordenada, har- •
| moniosa". A inteligência é constitu- Em suma, Dewey é da opinião de que
tivamente operativa, uma máquina ; tanto as idéias como os fatos são de natureza
» que cria sem cessar instrumentos . operacional. As idéias são operacionais por
; para nos adaptarmos aos problemas ■ que não são mais que propostas e planos de
i que continuamente emergem de um 5 operação e intervenção sobre as condições
f "ambiente" mutável. s existentes; e os fatos são operacionais no
£ I
sentido de que são resultados de operações
> . ■ -• . .. .. 1
de organização e de escolha.
como meio sistematizado de criar o conheci vendo-se ter em vista que essa garantia não
mento e de garantir que seja conhecimento; é absoluta nem eterna, já que os resultados
entretanto, “como expediente prático, ele é da pesquisa científica, bem como de toda
tão antigo quanto a própria vida”. E é pre operação humana, são continuamente corri
cisamente por essa razão que Dewey insiste gíveis e aperfeiçoáveis em relação às novas e
na continuidade entre conhecimento comum cambiantes situações em que o homem virá
e conhecimento científico. Texto
No escrito A unidade da ciência como
problema social (1938), ele diz que “a ciên
cia, em sentido especializado, é a elaboração ;A feonia dos valores
de operações cotidianas, ainda que essa
elaboração assuma freqüentemente caráter
muito técnico”. E, ainda na Lógica, Dewey
reafirma o fato de que “a ciência tem seu Se as idéias comprovam seu valor na
ponto de partida necessário nos objetos qua luta com os problemas reais, e se cada in
litativos, nos processos e nos instrumentos divíduo tem o direito-dever de dar sua con
do senso comum, que é o mundo do uso, tribuição à elaboração de idéias capazes de
da fruição e dos sofrimentos concretos”. guiar positivamente a ação humana, então
Depois, porém, “pouco a pouco, através está claro que as idéias morais, os dogmas
de processos mais ou menos tortuosos e ini políticos ou os preconceitos do costume
cialmente desprovidos de uma linha diretriz, também não se revestem de autoridade es
formam-se e são transmitidos determinados pecial: também eles devem ser submetidos
procedimentos e instrumentos técnicos. à verificação de suas conseqüências na prá
Vão sendo reunidas informações sobre as tica e devem ser responsavelmente aceitos,
coisas, sobre suas propriedades e seus com rejeitados ou mudados com base na análise
portamentos, independentemente de cada de seus efeitos.
aplicação imediata particular. Vamo-nos Dewey é relativista, não considera
afastando sempre mais das situações origi possível fundamentar valores absolutos. Os
nárias de uso e fruição imediatos valores são históricos e a tarefa do filósofo
Não se ganha muito mantendo o pró é a de examinar as “condições generativas”
prio pensamento ligado ao tronco do uso (isto é, as instituições e os costumes ligados
com uma corrente muito curta, sentencia a estes valores) e de avaliar sua funcionali
Dewey. O importante é que, como quer que dade na perspectiva de uma renovação, em
seja, o pensamento, isto é, as idéias, estejam relação às necessidades que pouco a pouco
ligadas à prática, porque as idéias — tanto irrompem da vida associada dos homens.
lógicas como científicas — estão sempre Com efeito, existem valores de fato, isto é,
em função de problemas reais, ainda que bens imediatamente desejados, e valores de
abstratos, e porque é sempre a prática que direito, isto é, bens razoavelmente desejá
decide do valor de uma idéia. veis. E precisamente função da filosofia e da
E as idéias são exatamente instrumen ética promover a contínua revisão crítica,
tos em nossa investigação: são instrumentos voltada para a conservação e o enriqueci
para resolver os problemas e para enfrentar mento dos valores de direito. E está claro
um mundo ameaçador e uma existência pre que, na perspectiva de Dewey, sequer estes
cária. E, por serem instrumentos, há muito últimos podem ter a pretensão de dignidade
pouco sentido em pregar a veracidade ou a meta-histórica, já que todo sistema ético
falsidade deles. As idéias são instrumentos é relativo ao meio em que se formou e se
que podem ser eficazes, relevantes ou não, tornou funcional.
danosos ou econômicos, mas não verdadei A ética de Dewey é histórica e social:
ros ou falsos. E o juízo final que se dá em como na teoria da pesquisa, nela também
todo processo de pesquisa nada mais é do desponta aquele sentido de interdependência
que uma “afirmação garantida”. e de unidade inter-relativa dos fenômenos,
Eis, portanto, o significado genuíno que se explicitará no conceito de interação
do instrumentalismo de Dewey: a verdade entre indivíduo e meio físico e social. Assim,
não é mais adequação do pensamento ao os valores também são fatos tipicamente
ser, mas se identifica muito mais com “o humanos: são planos de ação, tentativas de
poder comprovado de guia” de uma idéia resolver problemas que brotam da vida as
e, em última análise, com “o corpo sempre sociada dos homens. E constitui objetivo da
crescente das afirmações garantidas”, de filosofia educar os homens “a refletir sobre
Capitulo SeXtO - O instcumen+alismo de cJokn Dewey
101
os valores humanos mais elevados, da mes que não queira ser vã fantasia, ainda que
ma forma como eles aprenderam a refletir nobre e sugestiva. E as coisas que parecem
sobre aquelas questões que se inserem no fins são, com efeito, unicamente previsões
âmbito da técnica”. ou antecipações do que pode ser levado à
Há, sem dúvida, o problema da deter existência em determinadas condições. Por
minação dos fins. Escreveu Dewey: “A ciên isso, em Teoria da avaliação (1939), Dewey
cia é indiferente ao fato de suas descobertas escreve que não existe problema de avalia
serem utilizadas para curar as doenças ou ção fora da relação entre meios e fins, o que
difundi-las, para acrescer os meios para a vale não somente na ética, mas também na
promoção da vida ou para fabricar material arte, onde a criação dos valores estéticos (a
bélico a fim de aniquilá-la”. arte é natureza transformada e não existe
Por vezes, Dewey parece indicar como distinção entre belas-artes e artes úteis) requer
fim último da vida dos homens um reino de a utilização de meios adequados. Texto
Deus visto como justiça, amor e verdade.
Entretanto, é preciso insistir em um ponto
de capital importância no pensamento de
teoria da democracia
Dewey: trata-se da não possibilidade de
distinguir entre meios e fins.
Para Dewey todo fim é também meio e
todo meio para atingir um fim é desfrutado Dewey é um relativista pelo fato de
ou percebido também como fim. A atividade que, em sua opinião, não existem métodos
que produz meios e a atividade que inventa racionais para a determinação dos fins últi
e consuma os fins estão intimamente liga mos. Por isso Dewey é decididamente con
das uma à outra. O fim alcançado é meio trário aos filósofos utópicos que, projetando
para outros fins. E a avaliação dos meios é suas visões ideais, não se preocuparam em
fundamental para todo fim real e genuíno, dedicar uma investigação acurada aos meios
102
Primeira parte - filosofia do século X^X século XX
necessários para sua realização, e sequer em social que se estende a todo campo e a todo
avaliar atentamente sua desejabilidade mo caminho da vida, pelo qual as forças indi
ral efetiva. A utopia gera normalmente o ce viduais não deveríam ser simplesmente li
ticismo ou o fanatismo. O que é necessário, bertadas de constrições mecânicas externas,
segundo Dewey, é propor metas concretas mas deveríam ser alimentadas, sustentadas
e descer dos fins remotos para os mais pró e dirigidas”.
ximos, realizáveis em condições históricas Com base nisso tudo, pode-se compre
efetivas. Portanto, Dewey projeta o operar ender a aversão de Dewey pela sociedade
contínuo tendo em vista maior consciência planejada. O que ele almeja e defende é a
e maior liberdade, no sentido de que a liber sociedade que se planeja constantemente
dade conquistada hoje cria situações graças a partir de seu interior, atenta, portanto,
às quais haverá mais liberdade amanhã, e no ao controle social mais amplo e articulado
sentido de que minha liberdade faz crescer dos resultados. A diferença existente entre
a dos outros. a sociedade planejada {a planned society), e
Conseqüentemente, Dewey é avesso à a sociedade que se planeja constantemente
sociedade totalitária e convicto defensor da (a continuously planning society) é definida
sociedade democrática. Para ele, a pressu por Dewey nos termos seguintes: “A primei
posição de um fim absoluto trunca a discus ra requer desígnios finais impostos de cima
são, ao passo que a democracia representa e que, portanto, se baseiam na força, física
discussão inteiramente livre, é método que e psicológica, para fazer com que nos con
permite discutir toda finalidade, é debate formemos a eles. A segunda significa libertar
sem fim, é colaboração, é participação em a inteligência mediante a forma mais vasta
finalidades conjuntas. A democracia é aquele de intercâmbio cooperativo”.
modo de vida em que “todas as pessoas ma Ligada à teoria da investigação, à teo
duras participam da formação dos valores ria dos valores e à teoria da democracia de
que regem a vida dos homens associados”, Dewey encontra-se sua teoria da educação,
modo de vida que “é necessário tanto do entendida como reconstrução e reorgani
ponto de vista do bem social como da ótica zação contínua da experiência, visando a
do desenvolvimento pleno dos seres huma aumentar a consciência dos vínculos entre
nos como indivíduos”. Em Liberalismo e as atividades presentes, passadas e futuras,
ação social (1935), Dewey afirma que “o nossas e alheias, e aumentar a capacidade
problema da democracia [...] torna-se o dos indivíduos para dirigir o curso da ex
problema daquela forma de organização periência futura. IWW4]
Capítulo sexto - O ins+^LArnepr+cilismo de JJolw Dewey
MÉTODO CIENTÍFICO
Va l o r e s d e f at o :
Nã o e x is t e m f in s ú l t imo s : os bens que são imediatamente desejados
TODO FIM ALCANÇADO
É UM MEIO PARA OUTROS FINS Va l o r e s d e d ir e it o :
os bens que são razoavelmente desejáveis
em determinada situação
qual pareceu-lhe que nada de bom houvesse da Itália, que tem como fundo a convicção
acontecido na Itália depois da Renascença, de que a poesia seria o espírito universal
mudou de opinião e convenceu-se de que, que se realiza no particular, adquirindo
ainda que de modo imperfeito e parcial, desse modo consciência de si. Sua História
Vico podia ser considerado como o precur da literatura italiana (1870-1872) e seus
sor da “filosofia da mente”, Galluppi foi ensaios sobre literatura italiana constituem
um pensador do qual se pode reconhecer obras-primas, que se impõem e merecem
o mérito de haver tratado de modo novo ser lidas ainda hoje, inclusive por causa da
“o problema do conhecer”, Rosmini che elevada consciência social, moral e política
gou a debater a questão do conhecer em de De Sanctis.
sentido kantiano, e Gioberti em sentido Remetem-se a Spaventa Donato Jaia
hegeliano. (1839-1914) e Sebastião Maturi (1843
Portanto, já desencadeara na Itália 1917). Jaia tornou-se célebre por ter sido
uma “circulação” do pensamento europeu professor de Gentile em Pisa.
e, agora, era preciso levá-la adequadamen Assim, o atualismo de Gentile derivou
te a seu termo. A contribuição teórica de do hegelianismo de Spaventa. Benedetto
Spaventa consiste em ter empreendido o Croce, ao contrário, fez outro trajeto. Ao
repensamento de Hegel, com o objetivo invés de aproximá-lo de Hegel, a leitura
de realizar a simplificação e a rigorização de Spaventa (ao qual, entre outras coisas,
do mesmo. Visto que distinguia idéia-na- como veremos, era ligado por laço de pa
tureza-espírito, Hegel mostrava que ainda rentesco) afastou-o dele, pelo menos em
não havia conquistado completamente a um primeiro momento. A primeira nutri
perfeita identidade e mediação entre Eu ção espiritual de Croce veio de De Sanctis
e Não-eu, e que ainda não havia “menta- (que ele considerava seu mestre). Croce
lizado” perfeitamente o real, ou seja, que chegou ao Hegel filósofo só mais tarde,
ainda não o havia perfeitamente reduzido meditando sobre Marx e o marxismo, pela
à consciência. No inédito de 1858, que necessidade de remontar às fontes, como
citamos acima, Spaventa assim resume sua logo veremos.
concepção do Absoluto como autocriação
ex nihilo: “Pode-se dizer verdadeiramente
que a criação seja ex nihilo; ela é tal enquan
to o último, o ato do pensar, o espírito, o
criador é o verdadeiro primeiro, ao passo
que o primeiro é o último. E o primeiro na
produção é o ser = nada [alusão aos dois
momentos da primeira tríade dialética da
Lógica de Hegel]. E a criação é livre, porque
é o pressuposto de que o pensar, o espírito,
faz-se a si próprio; é amor, amor a si mesmo,
bem etc.” No espírito, “a criação é sua pró
pria criação”. Esse “ato de pensar” que, ao
se autocriar, cria também o ser, constituiría
o ponto de partida para o desenvolvimento
da filosofia de Gentile.
• Dado que para Croce o juízo filosófico coincide com o juízo histórico, então,
seja qual for a época à qual nos referimos no conhecer histórico, ela se torna sem
pre atual; toda história é sempre "história contemporânea", porque revive e se
atua no presente do espírito. A história, portanto, é o verdadeiro
o "historicismo conhecimento do real, do universal concreto, e o conhecimento
absoluto" histórico é todo o conhecimento.
~>§7 Este é o "historicismo absoluto", segundo o qual a história
e o juízo histórico são necessários, no sentido da racionalidade
imanente. O tribunal da história não condena nem absolve, não zomba nem elogia,
mas conhece e compreende; e o conhecimento histórico é catártico, é estimulador
de ação e, ao mesmo tempo, estimulado pela ação: é uma relação de "pensamento"
e "ação" que se explica de modo circular como o espírito.
Dis t in t o s Opo s t o s
ESPÍRITO
certa informação sobre a coisa da qual se filosóficas nas tragédias, sentenças postas na
pergunta, designada na pergunta e, portan boca das personagens nos romances etc.) é
to, qualificada e conhecida”. assumido no elemento intuitivo geral, como
Essa afirmação provocatória não é sua parte integrante, vindo assim a ser parte
simples brincadeira, visto que Croce está dele. Essa intuição não deve ser confundida
profundamente convencido de que o homem com a percepção, que é a apreensão de fatos
tem uma espécie de compreensão (ou pré- ou acontecimentos reais, ao passo que, na
compreensão) das verdades de fundo, e que arte, a realidade ou irrealidade das coisas
a filosofia, quando é autêntica filosofia, na não tem relevância (na arte, tudo é real e
realidade nada mais faz do que levar à cla tudo é irreal). E importante observar ainda
reza crítica aquelas vagas compreensões. que aquilo que intuímos na arte tem sempre
Com efeito, é o mesmo espírito que “caráter ou fisionomia individual”.
pensa e age no homem comum e no filósofo.
E o filósofo nada mais faz do que propor
as perguntas e dar as respostas “com maior .A a He
como expressão da intuição
intensidade”.
Eis então a resposta croceana, que se
A segunda proposição fundamental
apresenta precisamente como a resposta
da estética de Croce é que toda intuição
que deveria dizer “com maior intensidade”
estética é sempre, ao mesmo tempo, também
o que, no fundo, todos entendem quando
“expressão”.
falam de arte.
Tanto se intui quanto, ao mesmo tem
po, se expressa: a expressão surge espon
EEi _A a He taneamente a partir da intuição (e não se
como conhecimento intuitivo acrescenta extrinsecamente), porque uma e
outra são a mesma coisa.
A proposição fundamental da estética Quem diz, por exemplo, “tenho den
croceana é a seguinte: a arte é “conhecimen tro de mim intuições de certas coisas, mas
to intuitivo”. Croce destaca o fato de que, não sei expressá-las”, está, na realidade,
no mais das vezes, pensava-se que a intuição dizendo uma tolice; na verdade, não sabe se
fosse alguma coisa cega e que o intelecto expressar porque não tem aquela intuição
deveria lhe prestar socorro. Mas este é um que pensa ter.
erro grave, já que o conhecimento intuitivo Portanto, tanto se intui como se ex
é perfeitamente autônomo. pressa.
Só se compreende bem essa posição Todavia, esse paradoxo, que encerra
tendo-se presente a dialética croceana dos efetivamente uma verdade profunda, é
distintos, na qual a intuição é uma categoria perfeitamente inteligível em seu significado,
irredutível a outras. mas apenas quando ligado ao paradoxo,
Na arte, que é, portanto, intuição, em certo sentido oposto, que o esclarece e
qualquer outro elemento presente (máximas integra. Com efeito, Croce considera que a
intuição artística não é uma prerrogativa
exclusiva dos grandes artistas, dos gênios, e
sim que pertence a todos os homens: a dife
rença entre um homem comum e um gênio
é apenas de quantidade e não de qualidade;
■ Conhecimento intuitivo. É o co I caso contrário, o gênio não seria homem e
nhecimento do individual e é objeto
da estética de Croce. O conhecimento os homens não o entenderíam.
intuitivo é perfeitamente autônomo, Por isso, cada um de nós é um pequeno
I não redutível às outras três categorias I poeta, pequeno músico, pequeno pintor etc.,
i do espírito (lógica, econômica, ética), que não sabe criar, mas que certamente sabe
£
I e é constitutivo da arte. recriar e desfrutar, na mesma dimensão do
I A arte, portanto, é intuição em que gênio, da dimensão da criação do gênio.
todo outro elemento presente ésubs-
sumido no elemento intuitivo geral
í como parte integrante. A atividade EH A íia +u íç õ o es+etico
I intuitiva, além disso, é essencialmente como sem+i mervbo
r e necessariamente expressão.
No Breviário de estética, Croce precisa
que (além dos dois pontos destacados na
118 Primeira parte - filosofia do século ao século
BEXEOETTO CROCE
LA CRITICA
ESTETICA R1VISTA
Dt LBHERATOKA, STOEIA I FILOSOFIA
CUME SCIEXZA DELL* EXIMCESSIOSB
E UXUIISTIC* GK5EKALK
taunA M B. CROCh
1. II. St o m u .
Am o 1, tasc. L
BUX-UUUt IIHU
Frontispícios da primeira edição da obra Estética como ciência da expressão e lingüística geral
(Sandron, 1902) e do primeiro fascículo da revista "A crítica" (20 de janeiro de 1903).
Capítulo sétimo - O neo-idealismo italiano e o idealismo anglo-americano
119
fazer uma classificação que, enquanto tal, é expusemos acima, onde explicamos a refor
estranha à arte. Trata-se, portanto, de uma ma do hegelianismo e as novidades trazidas
intromissão indébita da categoria lógica na por Croce. Mas ainda restam alguns pontos
categoria estética. E, se nos obstinarmos a muito importantes a completar e algumas
considerar os gêneros literários como es doutrinas a integrar.
teticamente relevantes, caímos no erro do A lógica é “ciência do conceito puro”.
intelectualismo. E o conceito puro, como vimos, é o univer
b) Não existe beleza física (beleza da sal concreto no sentido já definido. Croce
natureza, das coisas etc.), porque o belo o chama também de transcendental. Do
pertence apenas à atividade do espírito já ponto de vista lógico, “o conceito não dá
descrita. As coisas naturais que chamamos lugar a distinções, porque não existem
“belas” são como o material, que somente muitas formas no conceito, mas uma só
no crisol da criação artística pode receber a forma”, enquanto uma só é a forma teórica
verdadeira marca da beleza. universal do espírito (vide o esquema já tra
c) Não se deve confundir a expressão çado). Portanto, o conceito é único quanto
da arte com a sua extrinsecação. Diz Croce: à forma, e “a multiplicidade dos conceitos
“Nós, como artistas, não podemos deixar só pode ser referida à variedade dos obje
de querer nossa visão estética: naturalmente, tos que são pensados naquela forma”. Por
podemos querer ou não exteriorizá-la, ou exemplo, posso pensar conceitualmente (ou
melhor, conservar e transmitir ou não aos
outros a exteriorização produzida”. Assim,
as “técnicas artísticas” pertencem a essa
extrinsecação e não à expressão artística
enquanto tal, que é o todo unido à intui r' " ' -— ’
ção. Desse modo, as técnicas artísticas não
; ■ Universal concreto. O universal ■
pertencem à atividade estética enquanto
I concreto é o objeto da lógica de Cro- ;
tal, mas à atividade prática (extrinsecação, ) ce, é o conceito puro, cujos elementos ;
fixação, comunicação). são: i
d) Para Croce, o poeta como personali a) a racionalidade, e não a intuição,
dade (ou melhor, como pessoa) desaparece: o sentimento ou em todo caso algo j
“o poeta nada mais é do que sua poesia”; de imediato; ■
Dante e Shakespeare são “sua obra poética”. b) a universalidade, que é engastada i
Isso só pode ser compreendido com base no no particular e não é simples genera- í
conceito idealista segundo o qual é o espírito lidade como a das noções das ciências ;
que age através do homem. empíricas; j
c) a concretude, enquanto ele capta
e) Por fim, Croce sustentou a identida
a realidade em sua própria linfa vital .
de entre lingüística e estética. Com efeito, a e em toda a sua riqueza. )
linguagem é essencialmente expressão, pre O universal concreto é síntese de ;
cisamente como a arte. Em outros termos, a opostos e, do ponto de vista formal,
linguagem é criação estética. A forma lógica é único, enquanto a multiplicidade
da linguagem e as distinções gramaticais são dos conceitos se refere simplesmen- J
necessariamente introduzidas pelo intelecto, : te à variedade dos objetos que são :
que intervém naquele organismo vivo que , pensados segundo a forma única; ■
é a língua com as suas análises e suas siste- l além disso, ele tem o caráter da ex- ;
matizações. ; pressividade, é obra expressa e falada ;
do espírito.
j O conceito puro não deve ser confun- .
dido com as representações empíricas
;A lógica croceana ‘ (por exemplo, "cão") nem com os
1 conceitos abstratos empregados nas
! ciências ("triângulo" etc.), que são f
■ pseudoconceitos, porque não corres
ESI lógica como ciência ' pondem a nada de verdadeiramente ;
dos conceitos puros ; universal e real, e todavia não devem
( ser eliminados, porque servem para •
O objeto da lógica croceana é constituí ordenar nossas experiências e agilizar
do pela segunda categoria do espírito e, mais a memória.
em geral, pelo estudo da estrutura geral do
espírito. Em ampla medida, portanto, já a
Capítulo sétimo - O neo-i decí! is mo ital icmo e o idealismo anglo-americano
121
seja, na forma do conceito) o bem, o útil, o que extraio de um grupo de gatos como
verdadeiro etc. Isso é possível, diz Croce, em símbolo que representa todos os gatos. O
virtude do fato de que, estruturalmente, o mesmo se dá quando digo “rosa”. Trata-se
espírito é unidade-e-distinção, e o conceito de um esquema cômodo, mas, obviamente,
se move exatamente segundo esse esquema, inadequado. Analogamente, quando digo
de modo que o conceito abrange toda a área “triângulo” ou “movimento livre”, penso
da filosofia do espírito, pensando todas as em algo, mas o que penso e assim como o
distinções que lhe são próprias. penso não tem realidade correspondente,
Além disso, o conceito tem o caráter porque “um triângulo geométrico jamais
de expressividade, o que significa que ele existe na realidade”, assim como “não
é “obra cognoscitiva” e, como tal (assim existe na realidade um movimento livre,
como a arte), é obra expressa e falada e pois todo movimento real realiza-se em
não ato mudo do espírito, como o são as condições determinadas e necessariamente
atividades práticas da economia e da ética. entre obstáculos”.
Também no caso do conceito (analogamen Entretanto, esses pseudoconceitos, que
te ao que dissera sobre a intuição estática), Croce divide em empíricos (“gato”, “rosa”
Croce assevera que, sendo o pensar tam etc.) e puros (“triângulo”, “movimento”
bém um falar, “quem não expressa ou não etc.), não devem ser eliminados.
sabe expressar um conceito, não o possui”. O valor deles não é de caráter lógico,
A clareza da expressão é o espelho e sim de mera utilidade e, portanto, de ca
exato da clareza do pensamento. ráter econômico (ou seja, eles se inserem na
terceira categoria do espírito). Eles servem
para ordenar nossas experiências e facilitar
Os pseudoconceitos a memória. Para Croce, portanto, todas as
e seu valor de caráter utilitarista ciências empíricas e matemáticas são destituí
(econômico) das de valor teórico e pertencem à atividade
prática do espírito, à econômica.
O conceito puro não deve ser con Com essa teoria (que lembra, em parte,
fundido com as representações empíricas, idéias defendidas por Mach), Croce afasta-se
por exemplo, de “cão” ou de “rosa”, e da tese dos românticos alemães, para quem
tampouco com todos os conceitos abstratos os que ele chama de “pseudoconceitos” eram
de que fazem uso as ciências, inclusive as obra do intelecto, ao passo que os conceitos
matemáticas. puros eram obra da razão. Os idealistas
Estes são “pseudoconceitos”, porque alemães não haviam compreendido que, na
não correspondem a nada de verdadei realidade, os conceitos empíricos e abstratos
ramente universal e real. Quando digo não são obra do intelecto, mas de uma facul
“gato”, erijo um grupo de características dade não teórica. Por conseguinte, deve-se
REQNO D* ITALIA
MINISTERO DELL’INTERNO
TF. 21 (il5
msntw* Sr
ALTO 00»135*MU MÀP0L1
dar ao intelecto toda a sua dignidade e deve condicionam reciprocamente, mas até se
ser considerado como sinônimo de razão. identificam. A síntese a priori, que é a con-
cretude do juízo individual e da definição, é
éLoincidéucia dc couceifoy ao mesmo tempo a concretude da filosofia e
juÍ2o e silogismo da história. E o pensamento, criando-se a si
mesmo, qualifica a intuição e cria a histó
ria. Nem a história precede a filosofia, nem
Croce retoma de Hegel a idéia de que
a filosofia precede a história: uma e outra
o juízo não deve ser entendido como o era
nascem do mesmo parto”.
tradicionalmente, porque, na realidade, é
“o próprio conceito em sua efetividade”
(enquanto é o universal concreto).
Aliás, visto que, como vimos, pensar ;A atividade, prá+ica,
um conceito quer dizer “pensá-lo em suas econômica e ética
distinções, pô-lo em relação com os outros
conceitos e unificá-lo com eles no conceito
único” (na única forma conceitual), temos
então uma silogização. Portanto, conceito,
Antes de passar à doutrina croceana
juízo e silogismo coincidem.
da história, devemos falar brevemente da
filosofia prática, que, porém, constitui talvez
Esta é uma doutrina que deriva da con
cepção do conceito como atividade dinâmica
a parte mais fraca do pensamento de nosso
em sentido idealista e que retoma a teoria filósofo.
A forma da atividade prática do espí
da “proposição especulativa” que já vimos
rito é a atividade que se diferencia da mera
em Hegel. E evidente que ela só tem sentido
contemplação teórica, não sendo produtora
no contexto do espírito como processo, e
de conhecimentos, e sim de ações. A ativi
só deve ser interpretada e julgada segundo
dade prática coincide com a vontade: agir é
essa ótica.
querer; não há volição sem ação, nem ação
sem volição.
C7den+ificação Ora, quando se quer, se quer um fim.
entre juízo defini+ório e juízo iudividual, Se o fim é individual, temos a atividade eco
e sitas conseqüências nômica; se o fim, ao contrário, é universal,
temos a atividade ética. Eis a definição de
Mas a tese talvez mais típica da lógica Croce: “Atividade econômica é aquela que
croceana é a identificação do “juízo defini- quer e concretiza aquilo que corresponde
tório” (exemplo: “a arte éintuição lírica”) e somente às condições de fato em que o indi
do “juízo individual” (exemplo: “o Orlando víduo se encontra. Atividade ética é aquela
furioso é uma obra de arte”). que quer e concretiza aquilo que, embora
E isso também pode ser bem compreen correspondendo àquelas condições, refere-se
dido no contexto croceano: com efeito, é ao mesmo tempo a algo que as transcende.
precisamente o juízo individual que concre À primeira, correspondem aqueles que cha
tamente nos faz conhecer e possuir o mundo. mamos fins individuais-, à segunda, os fins
À medida que um juízo de fato atribui um universais — em uma, fundamenta-se o juízo
predicado a um objeto, dá-lhe valor, decla sobre a maior ou menor coerência da ação,
rando-o partícipe da universalidade. tomada em si mesma; na outra, fundamenta-
Pode-se também dizer que o juízo de- se o juízo sobre a maior ou menor coerência
finitório, na realidade, nada mais é do que da ação em relação ao fim universal, que
o predicado do juízo individual. (Quando transcende o indivíduo”.
digo que o Orlando é uma obra de arte, Na esfera da economia, como já vi
digo que ele, precisamente, é aquilo que se mos, inserem-se todos os pseudoconceitos
definiu como obra de arte, dando um juízo e todas as ciências particulares. Mas Croce
definitório, ou seja, que é intuição lírica.) atribui a essa esfera também o direito e as
Assim, o ato lógico de julgar é síntese leis, a atividade política e a própria vida do
lógica a priori, pelos motivos explicados. Estado. O Estado, portanto, não tem esta
A conseqüência importantíssima que tura ética, mas utilitária, econômica (essa é
daí brota é que a filosofia e a história acabam a posição que Maquiavel, por exemplo, já
por coincidir, como escreve expressamen assumira).
te Croce: “Filosofia e história já não são E a ética? Já vimos que, para Croce,
duas formas, e sim uma só forma, e não se é a volição do universal. Mas o que é esse
Capítulo sétimo - O lAeo-idealismo i+alicmo e o idealismo cmcjlo-americcmo
AS FORMAS DO ESPÍRITO
Te o r ia Pr á x is
11 OXÔMK \:
Ar i e : relativa apenas
intuição e expressão, as vondiyões de tato ,
caracterizada pelo sentimento ■ <?S I em que o indivíduo i
universal e cósmico / Zw
se encontra i
da liricidade rO
~y
C- Jíy
Es pír it o
In d iv id u a l id a d e In d iv id u a l id a d e
r a c io n a l id a d e
Un iv e r s a l id a d e IMANENTE
Un iv e r s a l id a d e
AO REAL
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Ló g ic a : " vZ écy. i " ''Ét ic a :
ciência do conceito puro, °7 V i relativa a fins universais
isto é, do universal concreto que vão além
do homem individual
Te o r ia Pr â x js
i
O FIM d o r e a l c o n s is t e n a t o t a l id a d e c ir c u l a r d e s t a s q u a t r o f o r ma s ,
OU SEJA, APENAS O ESPÍRITO É O FIM DO ESPÍRITO
O ABSOL
4 O mal e o erro
GIOVANNI GENTILE
Giovanni Gentile
fotografado durante uma conferência na década de 1920.
132
Primeira parte - A fí losofia do século .X27.X CIO sé.CLA Io XX
Outros acusaram o atualismo de ser uma mal nisso, considerando que, mais do que o
“filosofia teologizante”. Gentile responde pensamento dos teólogos, Deus é também e
que aceita essa qualificação por aquilo que principalmente o pensamento constante de
ela tem de verdadeiro. E o que ela tem de todo homem que não se compraz em jogos
verdadeiro resume-se do seguinte modo no de inteligência, mas vive seriamente sua vida
trecho que encerra sua obra maior: “Fi em que está envolvido o universo e que, por
losofia teologizante, portanto? E por que isso, lhe faz sentir o peso de uma responsa
não? Só que a teologia dos teólogos nunca bilidade divina. Além disso, o que importam
falou propriamente de Deus, já que os teó os nomes, as etiquetas, as características?
logos nunca conheceram Deus, tendo-o O importante é pensar: ‘o pensar é a maior
sempre pressuposto, confundindo-o com virtude’, já dizia Heráclito”.
sua sombra. Pois, se teologizar significar de E, algumas páginas antes, Gentile escreve
qualquer modo falar com Deus, não haverá ra: “Pensar é viver a vida imortal”. EIIWTj
Capítulo sétimo - O neo-idealismo i+al iano e. o idealismo anglo-americano
133
GENTILE
O PENSAMENTO
COMO "AUTOCONCEITO" E "FORMA ABSOLUTA"
O espírito é
autoconceito,
verdadeiro único conceito
da realidade múltipla
________ i . . .......
A história do mundo é a representação empírica e exterior
da imanente vitória eterna do espírito sobre a natureza,
da imanente resolução da natureza no espírito
e na yXmevica
qualidades secundárias, podemos ver, escre Royce (1855-1916). Autor muito fecundo,
ve Bradley, que “o raciocínio que demonstra Royce registrou os melhores frutos de seu
que as qualidades secundárias não são reais pensamento em O mundo e o indivíduo
possui a mesma força quando o aplicamos (2 vols., 1900-1902) e em O problema do
às qualidades primárias”, que também “nos cristianismo (1913).
vêm unicamente da relação com um órgão Antes de mais nada, Royce sustenta
do sentido”. que não é possível nos acomodarmos em
Não é válido distinguir as coisas das nossos conhecimentos, sempre limitados e
qualidades, já que “não podemos descobrir parciais. Exigimos verdade absoluta, um juiz
nenhuma unidade real existente independen infinito, que esteja em condições de julgar, de
temente das qualidades”. uma vez por todas, para toda a eternidade,
O mundo de nossa experiência está o erro e o mal.
cheio de contradições, é inconsistente. Ele Em suma, o homem finito postula uma
é apenas aparência. “A realidade definitiva consciência absoluta. E essa consciência
é aquela que não deve se contradizer”. Não absoluta é Deus, no qual se integra o que é
há um só aspecto do mundo finito que se fragmentário, e no qual encontram lugar e
salve da contradição e que possa, portanto, sentido até os erros, as derrotas, os defeitos e
ser considerado real. Conseqüentemente, a todos os esforços das consciências finitas.
realidade absoluta transcende toda tentativa A partir dessas premissas, no que se
humana de alcançá-la. Por outro lado, o refere à sociabilidade, Royce deduz uma
homem finito, que não consegue chegar à doutrina que guarda analogias estreitas com
realidade absoluta, mas que distingue a apa a doutrina cristã do corpo místico. Escreve
rência da realidade, possui essa realidade ab ele: “Nós somos apenas pó, se a ordem
soluta como imanente, de modo que “todo social não nos dá a vida. Se considerarmos
ato de experiência, toda esfera ou grau do a ordem social como um instrumento nos
mundo é fator necessário do absoluto”. so e nos preocuparmos unicamente com
No absoluto nada se perde, mas tudo se nossas sortes privadas, então ela se torna
transforma. “O absoluto não tem história, desprezível para nós [...]; mas, se modifi
embora contenha inumeráveis histórias”. carmos nossa atitude e servirmos a ordem
social, mais do que só a nós mesmos, então
perceberemos que aquilo que servimos é
3 Royce
simplesmente nosso mais elevado destino
espiritual em forma corpórea”.
e o neo-ic[ecilís u a o Este é o ideal que Royce proclama dian
nu ^América te de uma sociedade que impele as pessoas
ao individualismo e diante de Igrejas que,
em sua opinião, afastaram-se sempre mais
Depois de Emerson, o neo-idealismo do ideal paulino do corpo místico. Royce,
foi significativamente defendido na América portanto, sustenta que a sociedade que pode
por William Torrey Harris (1835-1909), G. fazer o indivíduo sair de sua finitude não é
H. Howison (1834-1916) e James Creighton tanto uma sociedade real, e sim muito mais
(1861-1924). Mas o filósofo americano neo- uma sociedade ideal, que está na base de
idealista mais influente e conhecido éjosiah todas as comunidades históricas.
137
Capítulo sétimo - O neo-ide^lismo italinno e o idealismo únglo-aweHcano
que se desenvolvem entre nós 0 as obras da Shakespeare), quanto julgar moral o quadrado
oite, salto aos olhos a diferença entre o prazer ou imoral o triângulo.
0 a oito, porque a figura representada pode
ser cara para nós e despertar as mais delei-
5. R arte não tem o caráter
táveis recordações, e, todavia, o quadro pode
de um conhecimento intelectual
ser feio; ou, ao contrário, o quadro pode ser
belo 0 a figura representada odiosa ao nosso Rindo (e esta é a última, e talvez a mais
coração: ou o próprio quadro, que aprovamos importante, dos negações gerais que me con
como belo, despertar raivo ou inveja porque vém recordar de propósito), com a definição da
obra de um nosso inimigo ou rival, ao qual arte como intuição nega-se que ela tenha cará
trará vantagem 0 conferirá novo força: nossos ter de conhecimento conceituai. O conhecimento
interesses práticos, com os correlativos prazeres conceituai, em sua formo pura que é a filosó
0 dores, se misturam, por vezes se confundem, fica, é sempre realista, visando a estabelecer
perturbam-no, mas nunca se juntam com nosso a realidade contra a irrealidade ou a abaixar
interesse estético. Rlém do mais, para sustentar a irrealidade, incluindo-a na realidade como
mais validamente a definição da arte como o momento subordinado da própria realidade.
agradável, se afirmará que elo nõo é o agra Mas intuição quer dizer, justamente, indistinção
dável em geral, 0 sim uma forma particular de de realidade 0 irrealidade, a imagem em seu
agradável. Mas esto restrição nõo 0 mais umo valor de mera imagem, a pura idealidade da
defesa 0 0 aliás um verdadeiro abandono imagem; 0, contrapondo o conhecimento intui
naquela tese, porque, uma vez qu© a arte seja tivo ou sensível ao conceituai ou inteligível, a
uma forma particular de prazer, seu caráter estética à noética, visa-se a reivindicar a auto
distintivo seria dado nõo pelo agradável, mas nomia desta mais simples e elementar forma
por aquilo que distingue aquele agradável dos de conhecimento, que foi comparada ao sonho
outros agradáveis, e a esse elemento distintivo (ao sonho, 0 nõo 00 sono) da vida teórica,
- mais que agradável ou diferente do agradável em relação ao qual a filosofia seria o vigília.
- conviría dirigir a pesquisa. €, verdadeiramente, toda pessoa qye, diante
de uma obra de arte, pergunta se isso que o
artista expressou é metafísica e historicamente
4. R arte não é um ato moral
verdadeiro ou falso, levanta umo pergunta sem
Uma terceira negação que se realizo significado, 0 entra no erro análogo ao de quem
graças à teoria do arte como intuição é que quer traduzir diante do tribunal da moralidade
o arte seja um ato moral; ou seja, a forma de as imagens aéreas da fantasia. [...]
ato prático que, embora se unindo necessa €sta reivindicação do caráter alógico da
riamente com o útil 0 com prazer e dor, nõo arte é, conforme eu disse, a mais difícil 0 im
é imediatamente utilitária e hedonista 0 se portante das polêmicas incluídas na fórmula da
move em uma esfera espiritual superior. Mas arte-intuiçõo; porque os teorias, que tentam ex
a intuição, enquanto ato teórico, é oposta a plicar a arte como filosofia, como religião, como
qualquer prática, 0, na verdade, a arte, con história 0 como ciência 0, em grau menor, como
forme observação antiquíssima, nõo nasce por matemática, ocupam, com efeito, a parte maior
obra de vontade: a boa vontade, que define o na história da ciência estética, 0 se enfeitam
homem honesto, nõo define o artista. €, como com os nomes dos maiores filósofos. No filosofia
não nasce por obra de vontade, ela se subtrai do século XIX, exemplos de identificação ou
igualmente o toda discriminação moral, nõo confusão da arte com a religião 0 com a filo
porque lhe seja permitido um privilégio de sofia sõo oferecidos por Schelling 0 por Hegel;
isenção, mas simplesmente porque a discri da confusão dela com as ciências naturais, por
minação moral nõo encontra o modo de a ela Taine; da confusão com a observação histórica
se aplicar. Uma imagem artística retratará um e documentária, pelas teorias dos veristas
ato moralmente louvável ou reprovável; mas a franceses; e da confusão com a matemática,
própria imagem, enquanto imagem, nõo é nem pelo formalismo dos herbartianos. Mas seria
louvável nem reprovável moralmente. Nõo só vão procurar em todos esses autores, 0 nos
nõo há código penal que possa condenar à pri outros que se poderio lembrar, exemplos puros
são ou à morte uma imagem, mas nenhum juízo destes erros, porque o erro nunca é "puro", pois,
moral, dado por uma pessoa razoável, pode se assim o fosse, ele seria verdade. € por isso
fazê-la seu objeto: tanto valeria julgar imoral também os doutrinas da arte, que por brevida
a Francesca de Dante ou moral a Cordélio de de chamarei de "conceituai istas", contêm em si
Shakespeare (que têm mera função artística e elementos dissolventes, tanto mais numerosos
sõo como notas musicais da alma de Dante e de 0 eficazes quanto mais enérgico era o espírito
139
Capítulo sétimo - O neo-idealismo ifal icmo e o idealismo anglo-americano
nõo têm mais que aqueles fragmentos, e junto vernizes, ou as que tratam dos modos de obter
com estes não aquele mundo suposto, mas a boa pronúncia e declamaçõo, e semelhantes.
no mais das vezes a aspiração ou a obscura Os trotados de técnica nõo Sõo tratados de
labuta na direção dele, ou seja, na direção de estética, nem partes ou seções destes tratados.
uma imagem mais vasta e rica, que talvez se Isso, bem entendido, sempre que os conceitos
forme ou nõo. Tais objeções, porém, também forem pensados com rigor e as palavras em
se alimentam da troca entre a expressão e a pregadas com propriedade em relação àquele
comunicação, esta última de foto distinta da rigor de conceitos e, sem dúvida, nõo voleria a
imagem e de sua expressão. R comunicação pena debater sobre a palavra "técnica” quan
se refere à fixação do intuiçõo-expressõo em do é empregado, ao contrário, como sinônimo
um objeto que diriamos material ou físico por do próprio trabalho artístico, no sentido de
metáfora, uma vez que, efetivamente, nõo se "técnica interior", que é, portanto, a formação
trota nem mesmo nesta parte de material e de da intuiçõo-expressõo; ou então no sentido de
físico, mas de obra espiritual. Todavia, uma vez “disciplina", ou seja, da ligação necessário com
que esta demonstração a respeito da irrealida o tradição histórica, da qual ninguém pode se
de daquilo que se chama físico e sua resolução desligar, embora ninguém permaneça simples
na espiritualidade tem de foto interesse primário mente ligado a ela. R confusão da arte com a
para a concepção filosófica total, mas apenas técnica, a substituição desta por aquela, é um
indireto para o esclarecimento dos problemas partido assaz almejado pelos artistas impoten
estéticos, podemos, por brevidade, deixar tes, que esperam das coisas práticas, e das
aqui correr a metáfora ou o símbolo, e falar de excogitações e invenções práticas, o auxílio e
matéria ou de natureza, é claro que a poesia já a força que nõo encontram em si mesmos.
existe inteira quando o poeta a expressou em
palavras, cantondo-a dentro de si; e que, ao
8. Os objetos artísticos:
passar a cantá-la com voz expressa para que
a teoria das artes particulares
outros a ouçam, ou a procurar pessoas que o
e o belo por natureza
aprendam de cor e a recontem a outrem como
em uma schola cantorum, ou a colocá-la em O trabalho da comunicação, ou seja, da
sinais de escrita e de impressão, entra-se em conservação e divulgação das imagens artísti
novo estágio, certamente de muita importância cas, guiado pelo técnico, produz, portanto, os
social e cultural, cujo caráter nõo é mais estético, objetos materiais que se dizem por metáfora
mas prático. O mesmo deve-se dizer no caso do "artísticos" e "obras de arte": quadros e escul
pintor, o qual pinta sobre a madeira ou sobre a turas e edifícios, e depois também, de modo
tela, mas nõo poderio pintar se em todo estágio mais complicado, escritas literárias e musicais,
de seu trabalho, da mancha ou esboço inicial e, em nossos dias, aparelhos de som e discos,
até o acabamento, a imagem intuída, a linha que tornam possível reproduzir vozes e sons.
e a cor pintadas na fantasia nõo precedessem Todavia, nem estas vozes e sons, nem os sinais
o toque do pincel; tonto é verdade que, quan da pintura, da escultura e da arquitetura sõo
do aquele toque se antecipo à imagem, ele obras de arte, as quais nõo existem em nenhum
é cancelado e substituído na correção que o outro lugar a nõo ser nas almas que as criam
artista faz de sua obro. O ponto da distinção ou os recriam. Tirando a aparência de parado
entre expressão e comunicação é certamente xo desta verdade do inexistência de objetos
bastante delicado de captar no foto, porque no e coisas belas, será oportuno lembrar o caso
fato os dois processos se aproximam em geral análogo da ciência econômica, a qual sabe bem
rapidamente e parece que se misturam; mas é que em economia nõo existem coisas natural e
claro em idéia, e é preciso mantê-lo bem firme. fisicamente úteis, mas apenas necessidades
Do fato de tê-lo descurodo ou deixado vacilar e trabalho, dos quais as coisas físicos tomam
provêm as confusões entre arte e técnica, das como metáfora o adjetivo. Quem em economia
quais a última nõo é uma coisa intrínseca à arte, quisesse deduzir o valor econômico das coisas
mas liga-se justamente ao conceito da comuni a partir das qualidades físicas delas, cometería
cação. R técnica é, em geral, uma cogniçõo ou uma grosseira ignoratio elenchi.
um complexo de cognições dispostas e dirigidas € apesar de tudo esta ignoratio elenchi
o uso da ação prática, e, no caso da arte, da foi cometida, e ainda tem sucesso, no estética,
oçõo prática que molda objetos e instrumentos com a doutrina das artes particulares e dos
para a lembrança e a comunicação das obras limites, ou seja, do caráter estético próprio de
de arte: quais seriam as cognições a respeito cada uma. Rs divisões das artes sõo meramente
da preparação dos quadros, das telas, dos técnicos ou físicos, ou seja, conforme os objetos
murais a pintar, das matérias colorantes, dos artísticos consistem em sons, em tons, em obje-
141
Capítulo sétimo - O k\eo-idealisFno i+alicmo e o idealismo arvglo-ame^ica^o ,
tos coloridos, em objetos incisos ou esculpidos, aquele fio de ervo que, posto na boca, per
em objetos construídos e que não parecem mitia entender as palavras dos animais e das
encontrar correspondência em corpos naturais plantas. Com "belo por natureza" se designam
(poesia, música, pintura, escultura, arquitetura verdadeiramente pessoas, coisas, lugares, que
etc.). Perguntar qual seja o caráter artístico de por seus efeitos sobre os espíritos devem se
coda uma destas artes, aquilo que cada uma aproximar da poesia, do pintura, da escultura
possa ou não possa, quais ordens de imagens e das outras artes; e nõo há dificuldade de
se exprimem em sons e quais em tons e quais admitir tais “coisas artísticas naturais", porque
em cores e quais em linhas, e daí por diante, o processo de comunicação poética, como se
é como perguntar em economia quais coisas realiza com objetos artificialmente produzidos,
devam por suas qualidades físicas receber assim também pode se realizar com objetos
um preço e quais nõo, e qual preço devam ter naturalmente dados. R fantasio do enamorado
umas em relação às outras, quando é claro que crio a mulher pora ele bela e a personifica em
os qualidades físicas não entram na questão Lauro; a fantasia do peregrino, a paisagem
e toda coisa pode ser desejada e exigido, e encantadora ou sublime e a personifico na
receber um preço maior do que outras ou de cena de um lago ou de umo montanha; e estas
todos as outras, conforme as circunstâncias e criações poéticas se difundem por vezes em
as necessidades. Colocando inadvertidamente mais ou menos largos círculos sociais, dando
o pé sobre este resvolodouro, até um Lessing origem às "belezas profissionais" femininas,
foi impelido a conclusões tão estranhos como a admiradas por todos, e aos "lugares de vista"
que à poesia cabem as "ações" e à escultura os famosos, diante dos quais todos se extasiam
"corpos”; e também um Richord UJagner se pôs mais ou menos sinceramente, é verdade que
a matutar sobre umo arte complexiva, a Opera, estas formações sõo efêmeras: o gracejo por
que reunisse em si, por agregação, as potências vezes as dissipa, a sociedade os deixa cair, 0
de todas as artes particulares. Quem tem senso capricho da moda as substitui; e, diversamente
artístico, em um verso, em um pequeno verso das obras artísticas, nõo permitem interpreta
de poeta, encontra ao mesmo tempo toda a ções autênticas. O golfo de Nápoles, visto do
musicalidade, pictoricidode, forço escultórico alto de uma das mais belas "vilas" do Vômero,
e estrutura arquitetônica, e, da mesma forma, foi, depois de alguns anos de incansável visão,
em uma pintura, a qual jamais é uma coisa de declarado pela dama russa que adquirira aque
olhos, mas sempre de alma, e na alma nõo la "vila" uma cuvette bleue, tão odioso em seu
está apenas como cor, mas também como som azul engrinaldodo de verde, que a induziu a
e palavra, até como silêncio que, a seu modo, revendera "vila". Também o imagem da cuvette
é som e palavra. Todavia, onde se experimento bleue,2 era, de resto, uma criação poética, a
agarrar separadamente aquela musicalidade respeito da qual nõo há o que discutir.
e aquele pitoresco e as outras coisas, elas lhe
escapam e se transmutam uma na outra, fun 9. Os gêneros literários
dindo-se na unidade, mesmo que se costume e os categorias estéticas
separadamente chamá-las por modo de dizer,
ou seja, experimenta-se que a arte é uma e nõo Bastante maiores e mais deploráveis con
se divide em artes. Uma, e ao mesmo tempo seqüências teve na crítica e na historiografia lite
infinitamente variado; mas variada nõo tanto rária e artística uma teoria de origem um pouco
conforme os conceitos técnicos das artes, e sim diversa, mas análoga, a dos gêneros literários
conforme a infinita variedade das personalida e artísticos. Também esta, como a precedente,
des artísticas e de seus estados de espírito. tem como fundamento uma classificação que,
R esto relação e o esto troco entre tomada em si, é legítima e útil: aquela, os
as criações artísticas e os instrumentos da agrupamentos técnicos ou físicos dos objetos ar
comunicação ou "coisas artísticas" devemos tísticos; esta, as classificações que se fazem das
recolocar o problema que se refere ao belo obras de arte, conforme seu conteúdo ou motivo
por natureza. Deixemos de lado a questão, sentimental, em obras trágicas, cômicas, líricas,
que assoma em alguns estetas se, além do heróicas, amorosas, idílicas, romances, edaí por
homem, outros seres sejam na natureza po diante, dividindo e subdividindo. No prático é
etas e artistas: questão que merece resposta útil distribuir segundo estas classes as obras de
afirmativo, nõo só por devida homenagem um poeta na edição que dele se faz, colocando
aos pássaros cantores, mas ainda mais em
virtude da concepção idealista do mundo, que
é todo vido e espiritualidade, mesmo que,
como naquele conto popular, tenhamos perdido 2"Concha azul”.
142
Primeira parte - jA filosofia do século jXC7,X ao século 2QC
em um volume os líricas, em outro os dramas, Pareceu que das divisões dos gêneros
em um terceiro os poemas, em um quarto os se devia salvar, dando-lhe valor filosófico, ao
romances; e é cômodo, ou melhor, indispensá menos uma: a de "lírica", "épica" e "dramática",
vel, citar com estes nomes os obras e os grupos interpretando-a como três momentos do proces
de obras ao discorrer sobre elas em voz alta e so do objetivoção, que da lírica, efusão do eu,
por escrito. Mas também aqui devemos declarar vai à épica, em que o eu separo de si o sentir,
indevido e negar a passagem destes conceitos narrondo-o, e desta para a dramática, em que
classificotórios às leis estéticas da composição deixa que ele molde por si os próprios porta-
e aos critérios estéticos do juízo; como se foz vozes, os dramatis porsonae. Mas a lírica nõo
quando se quer determinar que a tragédia deva é efusão, nõo é grito ou pronto; ao contrário, é
ter tal ou tal argumento, tal ou tal qualidade de elo própria objetivoção, pela qual o eu vê a si
personagens, tal ou tal andamento de ação, mesmo como espetáculo e se narra e se dra
e tal ou tal extensão; e diante de uma obra, matiza; e este espírito formo a poesia do epos
em vez de procurar e julgar a poesia que lhe é e do drama, que, portanto, nõo se distinguem
própria, põe-se a pergunta se ela é tragédia da primeira a nõo ser em coisas extrínsecos.
ou poema, e se obedece às "leis" de um ou de Uma obra que seja totalmente poesia, como o
outro "gênero". A crítica literária do século XIX Macbeth ou o Antônio e Cloópotro, é substan
deve seus grandes progressos em grande parte cialmente uma lírica, da qual os personagens
por ter abandonado os critérios dos gêneros, e as cenas representam os vários tons e as
nos quais permaneceram como que aprisiona estrofes consecutivas.
das a crítica da Renascença e o do classicismo Nas velhas estéticas, e ainda hoje na
francês, como comprovam as disputas que então quelas que continuam seu tipo, se dava des
surgiram em torno da Comédia de Dante e dos taque às assim chamados categorias do belo:
poemas de Ariosto e de Tasso, do Pastor Fido o sublime, o trágico, o cômico, o gracioso, o
de Guorini, do C/dde Corneille, dos dramas de humorístico, e semelhantes, que os filósofos,
Lope de Vega. Não igual vantagem tiraram os morcodamente alemães, nõo só começaram a
artistas do queda destes preconceitos, porque, tratar como conceitos filosóficos (quando são
negados ou admitidos que tenham sido em simples conceitos psicológicos e empíricos),
teoria, permanece como foto que aquele que mos desenvolveram com aquela dialética que
tem gênio artístico possa através de todos os diz respeito unicamente aos conceitos puros ou
vínculos de servidão, e até mesmo dos correntes especulativos, isto é, às categorias filosóficas,
faz para si instrumento de força; e oquele que onde se entretiveram, dispondo-os em uma
disso é escasso ou privado, converte em nova série de progresso fantástico, culminante ora
servidão a própria liberdade. no belo, ora no trágico, ora no humorístico. En
tendendo tais conceitos por oquilo que se disse no fundo desta distinção de forma lógica e de
que eles são, deve-se notar sua correspondên forma metafórica, de dialética e retórico, ela era
cia substancial com os conceitos dos gêneros a necessidade de construir ao lado do ciência
literários e artísticos, dos quais, com efeito, e do lógica uma ciência da estética; mas infeliz
principalmente das "instituições literárias", se mente se fazia o esforço de distinguir as duos
verteram na filosofia. Enquanto conceitos psico ciências no campo do expressão, que pertence
lógicos e empíricos, não pertencem à estética, a uma só delas.
e em seu conjunto designam nado mais que a Por uma necessidade nõo menos legítima,
totalidade dos sentimentos (empiricamente dis naquela parte do didático que é o ensino dos
tintos e reunidos), que sõo a matéria perpétua línguas começou-se desde a antiguidade a
da intuição artística. dividir as expressões em períodos, proposições
e palavras, e os palavras em várias classes, e
em cada uma a analisá-las segundo suas varia
10. Retórica, gramática
ções e composições em radicais e sufixos, em
e filosofia da linguagem
sílabas e em fonemos ou letras; daí nasceram
Que todo erro tenha um motivo de verda os alfabetos, as gramáticas, os vocabulários,
de e nasço de uma combinação arbitrária de como, analogamente, para a poesia houve
coisas em si legítimas, confirmo-se pelo exame as artes métricos, e para a música e as artes
que se fizer de outras doutrinas errôneos, as figurativas e arquitetônicas, as gramáticas mu
quais tiveram grande campo no passado e sicais, pictóricas, e assim por diante. Todavia,
ainda hoje têm um, embora mais restrito. € nem mesmo os antigos conseguiram evitar que
perfeitamente legítimo valer-se, para o ensino também nesta parte se realizasse um daqueles
do escrever, de divisões como as do estilo nu trânsitos indevidos ab intellectu ad mm, das
e do figurado, da metáfora e de suas formas, abstrações à realidade, da empiria à filosofia,
e perceber que em tal lugar ajuda falar sem que observamos nos outros casos; e nisso se
metáfora e em tal outro por metáfora, e que em veio a conceber o falar como agregação de
tal outro a metáfora empregada é incoerente palavras e as palavras como agregação de
ou é mantida demasiado longamente, e que sílabas ou de raízes e sufixos: onde o prius
aqui conviria uma figura de "preterição" e lá é justamente o falar como um continuum,
uma "hipérbole” ou uma “ironia". Mas quando semelhante a um organismo, e as palavras e
se perde a consciência da origem de fato didá as sílabas e as raízes sõo o posterius, o pre
tica e prático destas distinções, e filosofando parado anatômico, o produto do intelecto que
se teoriza a forma como distinguível em uma abstrai, e nõo justamente o fato originário e
forma "nua" e em uma forma “ornada", em real. Transportado a gramática assim como a
uma forma "lógica" e em uma forma “afetiva" e retórica no seio do estética, disso proveio um
semelhantes, se transporta no seio da estéti desdobramento entre "expressão" e "meios" da
ca a retórico e se vicia o conceito genuíno da expressão, que é uma reduplicaçõo, porque os
expressão, fi qual nunca é lógica, mas sempre meios do expressão sõo o própria expressão,
afetiva, ou seja, lírica e fantástica, e é sempre, triturada pelos gramáticos. Este erro, combi-
e por isso mesmo nõo é nunca, metafórica, e nondo-se com o outro de uma forma "nua" e de
por isso sempre própria; nunca é nua para se uma forma "ornada", impediu que se visse que
dever cobrir, nem ornado para dever-se libertar a filosofia da linguagem nõo é uma gramática
de coisas estranhas, mas sempre resplande filosófico, mas está além de todo gramático,
cente de si própria [...]. Também o pensamento e nõo torno filosóficas os classes gramaticais,
lógico, também a ciência, enquanto se exprime mas as ignora, e, quando as encontra contra
torna-se sentimento e fantasia, que é a razão si, as destrói, e que, em suma, a filosofia da
pela qual um livro de filosofia, de história, de linguagem é uma com a filosofia da poesia e
ciência pode ser nõo só verdadeiro, mas belo, da arte, com a ciência da intuiçõo-expressõo,
e de todo modo é julgado nõo só conforme uma com a estética, a qual abraça a linguagem em
lógico, mas também conforme uma estética, e se toda o suo extensão, que compreende o lin
diz por vezes que um livro é equivocado como guagem fônica e articulada, e em suo realidade
teoria ou como crítica ou como verdade histórica, intacto, que é a expressão viva e de sentido
mas permanece, pelo afeto que o anima e que realizado.
nele se exprime, na qualidade de obra de arte. B. Croce,
Quanto ao motivo de verdade que se elaborava Ftesthetico in nuce.
144
Py ÍTVICÍYCI pãTtC - jA filosofia do século ao sécul
Todavia, a filosofia nõo está no mundo aos poucos verdadeiramente falam os grandes
para deixar-se dominar pela realidade tal filósofos, os grandes poetas, os homens gran
qual se configura nas imaginações feridos e des, toda qualidade de grandes obras, mesmo
perdidas, mas para interpretá-la, libertando quando as multidões os aclamam e deificam,
as imaginações. Assim, pesquisando e inter sempre prontas para abandoná-los por outros
pretando, ela, que bem sabe que o homem ídolos, para fazer barulho ao seu redor e para
que torna escravo o outro homem desperta no exercitar, sob qualquer lema e bandeira, a
outro a consciência de si e o anima ò liberdade, natural disposição à cortesania e servilidade;
vê serenamente suceder a períodos de maior e, por isso, por experiência e por meditação,
outros de menor liberdade, porque quanto o homem pensa e diz a si próprio que, se nos
mois estabelecida e nõo disputada for uma tempos liberais se tem a grato ilusão de gozar
ordem liberal, tanto mais decai para o hábito, de uma rica companhia, e se naqueles nõo
e, reduzindo para o hábito a consciência vigi liberais se tem a oposta e ingrata ilusão de se
lante de si próprio e o prontidão da defesa, encontrar em solidão ou em quase solidão, ilu
se dá lugar a uma vichiana repetição daquilo sória era certamente o primeira crença otimista,
que se acreditava que não iria mois reaparecer mos, por sorte, ilusória é também a segunda,
no mundo, e que por sua vez abrirá um novo pessimista.
curso. Vê, por exemplo, as democracias e as
repúblicas, como os da Grécia no século IV ou d. R vida da liberdade
como formadora da história sempre foi
de Roma no I, em que o liberdade permanecia
e sempre será vida de combatente
nas formas institucionais mos nõo mais na alma
e no costume, perder também aquelas formas, Estas, e tantos outras coisas semelhantes
como aquele que nõo soube ajudar-se e que em a estas, elo vê, e daí conclui que se a história
võo procurou se endireitar com bons conselhos nõo é exotamente um idílio, também nõo é
é abandonado à áspera correção que o vida uma "tragédia de horrores", mos é um drama
dele fará. Vê a Itália, exausta e derrotada, em que todos as ações, todos os personagens,
depositada pelos bárbaros na tumba com sua todos os componentes do coro sõo, em sentido
pomposa veste de imperatriz, ressurgir, como oristotélico, "medíocres", culpáveis-inculpáveis,
diz o poeta, ágil marinheira em suas repúblicos mistos de bem e de mal, e, todavia, o pensa
do Tirreno e do Adriático. Vê os reis absolutos, mento diretivo nela é sempre o bem, ao qual
que abateram as liberdades do baronato e do o mal acaba por servir como estímulo; a obra é
clero, tornados privilégios, e que superpuseram da liberdade que sempre se esforça para res
a todos o seu governo, exercido por meio de tabelecer, e sempre restabelece, as condições
uma burocracia e sustentado por um exército sociais e políticas de mais intensa liberdade.
próprio, preparar uma bem mais larga e mais Quem desejar em breve persuodir-se de que
útil participação dos povos na liberdade política; a liberdade nõo pode viver diversomente de
e um Napoleõo, tombém ele destruidor de uma como foi vivida e viverá sempre na história,
liberdade tal apenas de aparência e de nome e de vido perigoso e combatente, pense por
à qual retirou aparência e nome, arrasador de um instante em um mundo de liberdade sem
povos sob seu domínio, deixar atrás de si estes contrastes, sem ameaços e sem opressões de
mesmos povos ávidos de liberdade e tornados nenhum tipo; e logo delo se desviará apavo
mais espertos do que verdodeiramente eram, rado, como da imagem, pior que a do morte,
e ativos para implantar, como pouco depois da náusea infinita.
fizeram em todo a Europa, seus institutos. Ela
a vê, também nos tempos mois sombrios e gra 2. Toda história é sempre
ves, fremir nos versos dos poetas e afirmar-se "história contemporânea"
nos páginas dos pensadores e arder solitária
e soberba em alguns homens, nõo assimiláveis a. Há sempre uma necessidade prática
pelo mundo que os envolve, como naquele como fundamento de todo juízo histórico
amigo que Vittorio Alfieri descobriu na Siena A necessidade prático, que está no fundo
setecentista e grã-ducal, "espírito libérrimo” de todo juízo histórico, confere o toda história
nascido "em dura prisão", onde estava "como o caráter de “história contemporânea", porque,
leão que dorme", e para o qual ele escreveu o por mais remotos e remotíssimos que pareçam
diálogo da virtude desconhecida. Ela a vê em cronologicamente os fatos que nela entram,
todos os tempos, tonto nos propícios como nos ela é, na realidade, história sempre referida
adversos, genuína, robusta e consciente apenas à necessidade e à situação presente, na qual
nos espíritos de poucos, embora apenas esses aqueles fatos propagam suas vibrações.
depois historicamente contam, como apenas Assim, se eu, para inclinar-me e recusar-me o
146
Primeira parte - filosofia do século XJX a° século XX
Gent il e
Nõo é Fácil encontrar nos escritos dos filósoFos algumas páginas em que sintética e claro
mente eles resumam seu próprio pensamento. Gentile, Felizmente, os deixou em sua Introdução
à filosofia, onde, justomente no parte introdutória, ele apresenta um mapa dos problemas em
torno dos quais gira todo o seu sistema e evidencio igualmente umo série de implicações que
eles têm.
Depois de ter indicado as origens do atualismo no reviravolta impressa no pensamento
FilosóFico da FilosoFia alemã que vai de Hont a Hegel, e ter salientado alguns precedentes no
FilosoFio renascentista e do ressurgimento italiano, Gentile tomo distância em relação a Croce,
salientando como sua próprio FilosoFio tenha parecido afim com a de Croce mais do que de
Foto era.
Possa então a apresentar o princípio básico de sua FilosoFio, que éodo imonência absoluto,
entendido não no sentido tradicional, mas como imonêncio de todo o real no ato do pensar,
além do qual nõo há nada de independente.
Cste ato do pensar nõo deve ser contundido com o ato do pensar como, por exemplo, o
do motor imóvel de Rristóteles ou do metafísico tradicional, que, segundo Gentile, são meras
abstrações, mos é o oto de pensar que coincide com nosso pensamento.
6m nós, enquanto somos oto ou atividade do pensar, está compreendida a totalidade do
reol: nõo somos nós (como pensamento) que estamos contidos no espaço, mos é o espaço
que está contido em nosso pensamento; e, assim, nõo somos nós que estornos na natureza,
mos é a natureza que está em nós (como pensamento).
Csto atividade do pensamento, além de infinita (porque inclui todas as coisas) é livre,
enquanto autoridade supremo no julgor e distinguir verdadeiro e Folso, bem e mal.
Cxatamente na dimensão do oto do pensar descobrimos dentro de nossa humanidade
empírica umo humanidade profundo, que é aquela por meio da qual procuramos os outros e
consentimos com os outros. Por esta humanidade profundo nós somos os outros e os outros
são nós, em sentido globol.
O pensamento otuol é tudo, e o próprio Cu particular é, em certo sentido, uma abstração,
porque, como tudo o mois, está imonente no ato espiritual.
O método do atualismo é a dialética do novo sentido, ou seja, nõo o dialética das realida
des pensados, como o era na metafísica dos antigos, mas a dialética do atividade pensante.
O próprio Hegel, que havio reformado o dialético antigo, deve ser posteriormente reformado,
porque, com suas distinções sistemáticos de idéia, natureza e espírito (com suas implicações) e
com sua concepção do lógico, permaneceu condicionado por umo série de resíduos da dialética
do pensado. 6 a próprio reforma do dialética hegeliano operado por Croce, segundo Gentile,
deve ser purificado, eliminando os "distintos'', fí unidade do pensamento em sua subjetividade,
como autoconceito, que absorve o totalidade do real exatamente nesta sua atividade, constitui
o coração do dialético do atualismo.
Gentile afirmo, portanto, que o atualismo tem um caráter proFundamente religioso, enquan
to, dioleticomente, no ato do pensamento concretamente resolve os problemas que a religião
sempre se colocou. O mol é um momento dialético do bem; o erro é um momento dialético
do verdadeiro; o bem é aquilo que concretamente se Foz, desabrochondo de seu contrário;
o verdadeiro é aquilo que concretomente se realizo, superando seu contrário. O espírito é a
natureza que se torno espírito.
O corpo nõo é apenas aquilo que está dentro de nosso pele. Também coda membro de
nosso corpo pode ser pensado isoladamente do resto do corpo, mas apenas por abstração;
separado do corpo perderio qualquer significado e volor. físsim é poro nosso corpo, o quol é
correlotivo o todo o resto do mundo Físico. Dizer corpo é como dizer corpo do universo.
148
Primeira parte - A fílosofia do século Xü?X ao século XX
plena consciência do necessidade de umo novo foto da experiência. Ora, uma coerente con
lógico a ser contraposta à analítico aristotélica, cepção religiosa do mundo deve ser otimista,
ou seja, ò lógica do plotonismo assim como de sem negar a dor e o mal e o erro; deve ser
todo a antiga Filosofia. Hegel se propôs o pro idealista sem suprimir a realidade com todos
blema, mas não o resolveu, porque, o começar os seus defeitos, deve ser espiritualista sem
das primeiras categorias (ser, não-ser, devir) fechar os olhos sobre a natureza e sobre as
deixou-se escapar o absoluto objetividade do férreos leis de seu mecanismo. Mas todos as
pensar, e tratou sua lógica como movimento dos filosofias e todas as religiões, apesar de todo
idéias que se pensam e, por isso, se devem esforço idealista e espiritual, estão destinadas
definir. Movimento absurdo, porque as idéias a falir, ou por abondonar-se a um dualismo ab
se pensam, ou sejo, se definem enquanto se fe- surdo ou por fechar-se em um abstrato e, por
chom no círculo de seus termos, e permanecem isso, insatisfatório e, portanto, ele próprio um
paradas. € essa é o razão pela qual os idéias monismo absurdo, caso se limitem à lógica da
platônicas sõo de foto todas ligadas entre si e, identidade, pelo qual os opostos se excluem, e
por isso, obrigam o pensamento subjetivo que onde o ser nõo é o nõo-ser, e vice-versa.
queira pensar uma delos, a pensar tombém Com a lógica da identidade as antinomias
todas as outras, e o mover-se, por isso, de umo da vida moral e da consciência religiosa, do
para outro sem desconso, mas elas permane mundo e do homem, tornam-se insolúveis.
cem paradas, como o estádio sobre o quol os E não há fé na liberdade humana, na razão
ginastas correm. humana, na potência do ideal ou na graça de
Permanecem paradas, mas sõo /ogos abs Deus que posso salvar o homem e, finalmente,
trato, que é preciso reconduzir ao pensamento levantá-lo em sua vida, toda pervodido, como
real e atual. Que é enquanto não é, e não está ela é, pelo pensamento, que é pesquisa e dú
jamais parado, e sempre se move; e de fato vida, e perpétua interrogação para quem a vida
define, e se espelha no objeto definido, mas é resposta. Somos ou nõo somos imortais? Há
pora voltar a definir de outra forma, sempre uma verdade para nós? E verdadeiramente há
mais adequadomente à necessidade incessante lugar no mundo para a virtude? E há um Deus
em cuja satisfação se encontra seu realizar-se. que governo tudo? € vale o pena esta vida
O pensamento é dialético por este seu devir, que nos custo viver? Estas perguntas voltam
que é, nõo pensado unidade de ser e nõo-ser, sempre a surgir e ressurgir do fondo do cora
conceito em que se ensimesma o conceito do ção humano, e por isso os homens pensam e
ser e o conceito oposto do nõo-ser, mas é uni têm necessidade da filosofia, a fim de que os
dade realizada do próprio ser do pensamento conforte para viver com uma resposta qualquer.
com seu real nõo-ser. Nós podemos, de fato, Coda um que vive procura como pode uma res
definir o conceito desta unidade; mas nosso posta para si. Mas uma resposta lógica, firme,
definição nõo é umo imagem, ou um duplicado razoável, nõo é possível se o pensamento nõo
lógico de uma realidade transcendente em re se retrai dos objetos que vez por vez pensa e
lação ao ato lógico; é todo um e uma só coisa solda em férrea corrente como o sistema de seu
com este ato.3 mundo e não se volta sobre si próprio, onde
toda realidade tem suo raiz e de onde retira,
por isso, sua vida: onde o ser ainda nõo é, mas
9. Caráter religioso da concepção dialética
vem a ser, nõo sendo a princípio, imediatamen
Na dialética do pensamento encontra-se te: onde saber é aprender, e toda vez, mesmo
o resposta às milhares de dúvidas céticas e às que já se saiba, aprender do início; onde o
milhares de perguntas angustiantes, que sur bem nõo é aquilo que foi feito, e já existe, mas
gem da experiência e dos contrastes da vida: aquilo que nõo se fez e, por isso, se foz; onde
contrastes entre o homem e a natureza, a vida a alegria nõo é a que se gozou, mas aquela
e a morte, o ideal e a realidade, o prazer e a que brota de seu contrário, e não se detém,
dor, a ciência e o mistério, o bem e o mal etc. caindo na monotonia da náusea, que estagno
Todos os antigos problemas que foram o tor e gera a morte, mas se renova e reconquisto
mento do consciência religiosa e da vido moral como novo anseio e novo fadiga e, por isso,
de todos os homens, as ânsias do teodicéia por meio de novas dores; onde, finalmente, o
como a cruz da filosofia. R concepção otualisto espírito arde eternamente, e na combustão fla
é uma concepção espiritualista e profondamente
religiosa, embora sua religiosidade nõo posso
satisfazer quem está habituado a conceber o !CF. dois escritos meus no vol. fí reforma da dialética
divino como um transcendente abstrato, ou o hegeliano, Prindpato, Messina, 19232, pp. 1 -74 e 209-240.
contundir o ato do pensamento com o simples [Nota de Gentile]
152
Primeira parte - filosofia do século 2QX a° sécul
de seu próprio ser nõo sente recolher em si e socorrer a capacidade espontânea do espírito,
pulsar a história, o universo, o infinito, tudo? que não seja um auxílio querido e valorizado
Poderia ele com os forças limitadas, que em e, por isso, livremente procurado e atuado. €
qualquer momento de sua existência ele de fato nada, finalmente, nos vem do exterior que aju
percebe que possui, enfrentar, como ele faz e de a saúde da alma, o vigor da inteligência, a
deve fazer, o problema da vida e da morte, que potência do querer.
se lhe apresento terrível com a potência inelutá Por isso, o atuolista nõo nega Deus, mas,
vel das leis da natureza? Todavia, se ele deve junto com os místicos e com os espíritos mais
viver uma vida espiritual, é preciso que triunfe religiosos que existiram no mundo, repete: Deus
desta lei, e tanto no modo da arte como no da /n nobís est.4
moralidade, com a ação e com o pensamento, G. Gentile,
participe da vida das coisas imortais, que são Introdução à filosofia.
divinas e eternas. £ nisso participe por si, livre
mente; pois não há auxílio externo que possa 4"O0us estó em nós”.
O CONTRIBUTO
DA ESPANHA
À FILOSOFIA
DO SÉCULO XX
Miguel de Unamuno
de LA h amorno
e o sentimerda trágico da vida
• A batalha contra o intelectualismo não pára aqui; Unamuno vai mais a fundo
e na Vida de Dom Quixote e de Sancho (1905) afirma que a vida é inexaurível para
a inteligência, que "não é a inteligência, mas a vontade que constrói o mundo
para nós". Eis, então, que da "peste do bom senso" é possível se
curar apenas por obra da "autêntica loucura" que, ao contrário, a loucura
"está faltando para nós". Dom Quixote, portanto, torna-se louco heróica
"unicamente por maturidade de espírito". contra
A vida é enriquecida pela loucura heróica e não pela miséria a miséria
do bom senso; pelos livros de cavalaria e não pelas propostas d°hom senso
presunçosas do intelectualismo, do cientismo e do racionalismo
supersimplificador de tanta filosofia.
Unamuno se pergunta: o cavaleiro de Cristo que foi Inácio de Loyola foi de
fato tão diferente de Quixote? A aventura de um não pode ser considerada em
paralelo com a aventura do outro? Para Unamuno existe apenas o homem concreto,
e o homem concreto "está acima de todas as razões". Logo: "a verdade racional
e a vida estão em oposição"; e ainda: "Eu não me submeto à razão, e me rebelo
contra ela".
• "Tudo aquilo que é vital é irracional, enquanto tudo aquilo que é racional
é antivital": isso é escrito por Unamuno em Do sentimento trágico da vida (1913).
A vida "não aceita fórmulas"; aliás, a ciência existe porque sus
tentada por uma "insustentável" fé na razão. O Deus
E devemos ainda dizer que o desprezo que Unamuno ali de Unamuno
menta diante das construções intelectualistas e doutrinais, ele o é o "Deus vivo”
estende também ao racionalismo teológico da tradição tomista. de Pascal
O Deus de Unamuno não é o Deus dos filósofos e dos teólogos; e de
Kierkegaard
é, muito mais, o Deus de Abraão, de Isaac e de Jacó, como para -+§4-5
Pascal e Kierkegaard: é um Deus que fala ao coração e não a
conclusão de uma série de silogismos.
158
Segunda parte - O contributo cia tcspcmkci à filosofia do século XX
Miguel de Unamuno
(1864-1936)
foi um dos mais originais
pensadores
dos inícios do século XX,
crítico agudo das construções
intelectualistas e doutrinárias:
para ele a vida
“não aceita fórmulas".
Capítulo oitavo - Miguel de LAnamurto e o servHmen+o frágico da vida
159
De Paris Unamuno se transfere a Hen- humana que existe”; e aqueles que falam de
daye, na costa basca, diante de Bilbao. Em regeneração da Espanha se esquecem jus
Hendaye Unamuno permanece até 1930, tamente do destino individual dos homens
isto é, até a queda do ditador Primo de Rive- individuais.
ra. Volta para Salamanca e lhe é devolvida a Unamuno olha o povo de carne e osso.
cátedra. Em 1931 é proclamada a República, Esse povo não é um fantasma intelectua
e Unamuno é nomeado deputado. Em 1936 lista ou uma reconstrução historiográfica.
explode a guerra civil espanhola: Unamuno E gente que trabalha, pensa, sofre e canta
não esconde sua escolha franquista. suas canções sobre determinado pedaço de
A morte o colhe em 31 de dezembro terra, sob determinado céu e diante deste
do mesmo ano de 1936. Comemorando mar. É gente que vive na tradição. E aquilo
Unamuno, Ortega y Gasset dirá: “Unamuno que Unamuno procura é a tradição espa
sempre esteve na companhia da morte, sua nhola eterna: eterna porque humana, mais
perene amiga-inimiga. Sua vida inteira e que espanhola. E, então, que sentido possui
toda sua filosofia foram [...] uma meditatio tentar regenerá-la, europeizá-la? Um povo
mortis. A nossos olhos uma inspiração desse é atrasado? Pois bem, responde Unamuno,
tipo triunfa em todo lugar, mas, em todo “deixemos que os outros corram; também
caso, devemos dizer que Unamuno foi o seu eles, antes ou depois, se deterão”. O povo
precursor!”. passa sua vida na ignorância? Pois bem, o
povo “sabe tantas coisas que os homens
públicos ignoram” e “a ignorância é uma
essência da ésspank\a ciência divina: é mais que ciência — é sa
bedoria”. E ainda: o camponês de Toboso
— pergunta-se Unamuno — não vive e não
morre mais feliz que um operário de Nova
Em torno do casticismo é de 1895. Este York? “Malditas as vantagens de um pro
livro sobre a essência da Espanha é uma gresso que obriga-nos a nos dilacerar de afã,
decidida e lúcida tomada de posição contra de trabalho, de ciência!”
os literatos que representam a “geração de Em torno do casticismo é o primeiro
1898”, que, desiludidos pela perda de Cuba, assalto significativo de Unamuno contra o
falavam a todo instante da “regeneração da intelectualismo, contra imagens que pre
Espanha”. Estes discursos de intelectuais e tendem passar por realidade, contra idéias
políticos, todavia, deixam o povo indiferen de Deus que querem substituir os ímpetos
te. E isso ocorre — nota Unamuno — porque místicos dos fiéis, contra tantos, para além
o povo goza de “saúde cristã”. Unamuno das estatísticas e dos gráficos econômicos
denuncia, com aguda previsão, os perigos e sociológicos, que não conseguem ver a
do nacionalismo; mas ele não se deixa se fome e os sofrimentos de multidões de seres
quer fascinar pela idéia que os intelectuais humanos.
e políticos fazem da Espanha: tal idéia é
uma decoração intelectualista da qual foge
a vida real do povo. A Espanha não é “um
■Jn "Para liberfa^-se
fantasma” sobre uma tela pintada ou uma
visão de origem livresca. A Espanha é a vida do "domínio dos fidalgos
de milhões e milhões de homens e não aquilo da razão"
que dela contam os jornais ou que dela diz
a história: “os jornais não dizem nada da
vida silenciosa de milhões de homens sem
história que, em qualquer hora do dia e em Na Vida de Dom Quixote e de Sancho
todo lugar, em todos os países do mundo, se Unamuno escreve: “Não é a inteligência,
levantam com o sol e vão para seus campos mas a vontade que constrói para nós o mun
a fim de continuar sua tarefa obscura e si do e, ao velho aforismo escolástico ‘nihil
lenciosa, quotidiana e eterna [...] que lança volitum quin praecognitwri, ou seja, ‘nada
as bases sobre as quais se levantam as ondas se quer que não seja antes conhecido’, é pre
da história”. O mais caro para Unamuno ciso fazer uma correção, lendo assim: ‘nihil
não é uma idéia da Espanha ou a retomada cognitum quin praevolitum’, ou seja: ‘nada
da história da Espanha. Para Unamuno se conhece que antes não seja querido’ ”.
conta apenas “o destino individual de cada A vida, afinal de contas, é inexaurível para a
homem”, uma vez que esta é “a coisa mais inteligência. E há mais: a razão vem depois
160
Segundíl parte - O contributo da Çespanha à filosofia do século NN
da ação; a inteligência segue a vontade. “É coisas que põem a vida em risco e, portanto,
a vida — sentencia Unamuno — o critério nelas existe a verdade. E, por outro lado,
para julgar a verdade, e não a concordân aquele cavaleiro de Cristo que foi Inácio de
cia lógica, que é apenas critério de razão. Loyola foi tão diferente de Dom Quixote?
Se minha fé me leva a criar ou a aumentar A aventura de um não pode ser vista em
a vida, para que pretender outra prova de paralelo com a aventura do outro?
minha fé? Quando as matemáticas servem
apenas para matar, também as matemáticas
se tornam mentira. Se, enquanto caminhais
morrendo de sede, vedes uma miragem que vida
vos representa vivamente aquilo que cha
"não aceifa fórmulas"
mamos de água, e vos lançais a beber e vos
sentis renascidos porque a sede se aplacou,
aquela miragem era verdade, e verdade era
aquela água. Verdade é tudo aquilo que, Nem o humano nem a humanidade
impelindo-nos a agir de um ou de outro têm uma existência real. Para Unamuno, o
modo, faz com que o resultado de nossa que existe é apenas o homem concreto. E a
ação resulte conforme nosso propósito”. existência, a vida do homem concreto não
Contra “a peste do bom senso que encontra justificação, “está além de todas as
nos mantém a todos sufocados e compri razões”. Lemos em Do sentimento trágico
midos”, Unamuno sente que dessa peste da vida que “tudo aquilo que é vital é irra
podemos ser curados apenas por “aquela cional, enquanto tudo aquilo que é racional
autêntica loucura” que, ao contrário, “nos é antivital”. A vida “não aceita fórmulas”; o
está faltando”. Em uma época dominada homem concreto “é absolutamente instável,
pelo cientificismo positivista, ele, escreven absolutamente individual”; não é capturável
do a seu “bom amigo” sobre a necessidade por esta ou por aquela definição teórica. Por
de libertar o sepulcro de Dom Quixote, conseguinte, afirma Unamuno, “eu não me
afirma que é preciso desconfiar da ciência: submeto à razão, e me revolto contra ela”.
“deve bastar-te a tua fé. Tua fé será tua arte; O que a ciência pode dizer sobre o sentido
tua fé será tua ciência”. E ainda é preciso da vida, sobre nossas mais profundas ne
desconfiar das letras “que degeneram em cessidades volúivas, sobre nossa fome de
literatura, naquela nojenta literatura que é imortalidade? E justamente por isso que, a
a aliada natural de todas as escravidões e de seu ver, “a verdade racional e a vida estão em
todas as misérias”. E eis então que aparece oposição”. Unamuno, em outras palavras,
em todo seu esplendor e valor “a santa “considera que o pensamento, a razão e o
cruzada” que impele a resgatar o sepulcro intelecto fossem demasiado restritos para
de Dom Quixote “das mãos dos sabichões, compreender clara, total e seguramente as
dos padres e dos barbeiros, dos duques e coisas que procuram abraçar. Nem por isso
dos eclesiásticos que dele se apoderaram”. renunciou a eles: tornou-os “trágicos” e
O sepulcro do “cavaleiro da loucura” deve “agônicos”, ou seja, conforme a etimologia
ser, portanto, resgatado “do domínio dos grega, “em luta” (R. M. Albérès). A vida,
fidalgos da razão”. a existência vai além de qualquer tentativa
Dom Quixote, diz Unamuno, torna- da razão de dar-se conta. Um pensamen
se louco “unicamente por maturidade de to demasiadamente seguro de si constrói
espírito”. Ele alimentou sua alma com os unicamente dogmas vãos. Se, ao contrário,
empreendimentos daqueles valorosos ca alguém está consciente dos limites da razão,
valeiros que, “desapegando-se da vida que de suas presunções e de seus erros, do fato
passa, aspiram à glória que permanece”. Foi de que existem realidades que a ultrapassam,
o desejo de glória e de imortalidade que os então teremos pensadores que, em contínua
impeliu a agir. E, desse modo, ele, perdendo vigilância, se encontrarão em luta contra si
seu próprio juízo, nos deixou “um eterno próprios, contra as pretensões de seu pró
exemplo de generosidade espiritual”. Per prio intelecto. E, portanto, para Unamuno,
gunta-se Unamuno: “com o juízo no lugar, “o verdadeiro intelectual é [...] aquele que ja
teria ele sido tão heróico?” A loucura herói mais está satisfeito consigo mesmo, nem com
ca contra a miséria do bom senso; os livros os outros. A noção de ‘trágico’ se opõe à de
de cavalaria contra as pretensões do inte- certeza e de comodidade” (R. M. Albérès).
lectualismo cientificista e do racionalismo Com tais premissas é fácil compreender
supersimplificador das filosofias: são estas as a desconfiança de Unamuno em relação aos
Capitulo oitaVO - /Vliguel de lAnamiAno e o sentimento trágico da vida
161
sistemas filosóficos criados por maníacos do vale mais que todas as provas racionais.
desejosos de reduzir o todo a matéria ou a E a descoberta da morte, a incapacidade de
idéia ou a força ou a espírito. A verdade, resignar-se a abandonar a vida, é afinal esse
diz Unamuno, é que nossos desejos, nossas sentimento trágico da vida, que leva o ho
volições, nossos afetos, nossos sentimentos, mem “a gerar o Deus vivo”. E é justamente a
nossas angústias vêm antes da inteligência, insistência sobre a imortalidade o traço pelo
não nascem da inteligência: as doutrinas fi qual Unamuno mais aprecia o catolicismo,
losóficas são tentativas de justificar depois, a apesar do racionalismo da escolástica: o
posteriori, nossa conduta e os aspectos mais eixo do protestantismo é a justificação; o
importantes da vida. A própria ciência não é do catolicismo é a esperança.
um valor diante do qual devamos nos ajoe “Ninguém — escreve Unamuno em
lhar. Por trás da ciência existe a fé na razão-, Minha religião e outros ensaios — conse
e “a fé na razão está destinada a aparecer, guiu me convencer por meio de argumentos
no plano racional, tão insustentável quanto racionais a respeito da existência de Deus,
qualquer outra fé”. E, depois, “a ciência nem de sua inexistência”. E os raciocínios
existe unicamente na consciência pessoal, e dos ateus lhe parecem até “mais superficiais
graças a ela”. Em outras palavras, existem e mais fúteis” do que os de seus adversários.
filósofos e cientistas que criam, e mudam O problema de Deus é inadiável. Não é pos
idéias: instrumentos nas urgências das lutas sível voltar-lhe as costas, como o agnóstico, e
interiores que atormentam as consciências dizer: “Não sei. É verdade — afirma Unamu
................ m no — que talvez jamais poderei saber, mas
quero saber. Quero, e isso me basta!”.
Cristão porque percebia em seu co
ração “uma forte tendência para o cristia
lAncimcmo:
nismo”, Unamuno declarava considerar
mw^Pascal espaiakol" cristão “todo aquele que invocar com res
encontra peito e amor o nome de Cristo”. O Deus
o^irmão* Kierkegaarcl
de Unamuno, portanto, é um Deus que
fala ao coração; é o Deus de Abraão, de
Isaac e de Jacó, e não o Deus dos filósofos
e dos teólogos. E o Deus vivo de Pascal e
O desprezo que Unamuno nutre em re de Kierkegaard. E, justamente na Agonia do
lação às construções doutrinárias se lança cristianismo, Unamuno percebe em si pró
também contra o racionalismo teológico prio “um Pascal espanhol”; assim como al
tomista. Esta filosofia — escreve ainda guns anos antes havia chamado de “irmão”
Unamuno em Do sentimento trágico da vida aquele pensador que vivera “em perpétuo
— pôde triunfar pelo fato de que “a fé, isto desespero interior”, que foi Kierkegaard.
é, a vida, não se sentia mais segura de si”. E como vida e luta — e, portanto, agonia
A existência de Deus não é, para Unamuno, — Unamuno concebe o cristianismo: este
o resultado de uma prova racional. Para ele não é pensamento, é vida, é fé que morre e
Deus existe porque há em nós vontade inex- ressuscita sem cessar dentro da consciência
tirpável de sobrevivência: este desejo profun humana.
fer. 162
Segunda parte - O contributo da éTspanka à filosofia do século XX
cro. E o guardam, com efeito, mas apenas para enquanto marchamos?" O quê? Lutar! Lutar, e
que o Cavaleiro não tenha de ressuscitar. com todas as forças!
A esse tipo de raciocínios é preciso res "Como?" Topais com alguém que desem
ponder com insultos, com pedradas, com gritos bucha idiotices, mas que uma imensa multidão
de paixão, com golpes de lança. Nõo é preciso ouve de boca aberta? Gritai à multidão: “Es
pôr-se a discutir com eles. Se tentares racioci túpidos!", e em frente! Em frente, sempre em
nar em conflito com seus raciocínios, estarás frente! [...]
perdido. [...] E se alguém vier te dizer que sabe construir
A caminho, portanto. € cuide bem para pontes e que talvez haverá ocasião em que con
que não entrem no esquadrão sagrado cru virá recorrer às suas noções pora atravessar um
zados nem sabichões, nem barbeiros, nem rio, manda-o embora! Fora com o engenheiro!
padres, nem cônegos, nem duques trovestidos Atravessareis os rios a vau ou a nado, mesmo
como tantos Sanchos. Não faças nada para que metade dos cruzados tiver de restar aí,
que te peçam ou não ilhas; teu dever é de afogada. Que o engenheiro vá fazer pontes
expulsá-los quando vierem te perguntar qual em outro lugar! Haverá necessidade disso. Mas
é o itinerário da marcha, quando te falarem do pora ir em busca do sepulcro basta a fé para
programo, quando te murmurarem ao ouvido, servir de ponte.
maliciosomente, pedindo-te que lhes digas Se tu, meu caro amigo, queres realizar ple
em que lugar permanece o sepulcro. Segue namente a tua missão, desconfia da ciência, ou
a estrela. € faz como o cavaleiro: endireito o pelo menos daquelas que se costumam chamar
tortuosidade que encontrares em teu caminho. de “arte” e de “ciência", mas que nõo sõo mais
Agora, o que convém agora; aqui, aquele que que pálidos macaquices da arte e da verdadeira
se encontra aqui. ciência. A ti deve bastar a tua fé. Tua fé será a
Colocai-vos em caminho! Tu me perguntas tua arte; tua fé será a tua ciência.
para onde andais? A estrela o dirá o vós: “Paro M. de Unamuno,
o sepulcro!" “Que faremos ao longo do caminho, Vida do Dom Quixote 0 de Soncho.
O HO HO
• São os indivíduos que agem. Sem dúvida, o homem é mais do que seu pen
samento, uma vez que ele é também paixão, medo, desejo, angústia. Todavia,
se quisermos resolver os problemas práticos da "circunstância", necessitaremos
de idéias. E aqui Ortega traça a distinção entre idéias-invenções
(as que produzimos, sustentamos e discutimos) e idéias-crenças idéias
(idéias herdadas do passado, previsíveis, e que confundimos "que temos"
com a própria realidade; por exemplo, andamos pela rua e evi- e idéias
tamos os edifícios, sem que em nossa mente surja a idéia: "as "que somos"
paredes são impenetráveis"). As idéias-crenças, todavia, não são $ 4-6
imunes de dúvidas, e o mesmo ocorre com as idéias-invenções.
O homem cria idéias, imagina possibilidades, inventa hipóteses; e quando estas
não têm sucesso, ele muda de caminho, aprende dos erros. Os erros cometidos,
individuados e eliminados constituem para o homem um autêntico tesouro: o
tesouro dos erros.
das massas, conseguem transformar suas de nós está em casa e decide sair: ele vai pa
idéias e costumes. ra a porta, gira a chave para abrir a porta,
desce as escadas. Tudo isso tem o caráter
da deliberação consciente. Mas a coisa mais
4 ?A difeeervça
importante, o pressuposto que lhe permitiu
decidir interveio sem que ele pensasse nisso:
enire "idéias-irwenções'7 trata-se da crença que fora da soleira existe
eddéias-ceervças" uma rua. Nós “vivemos, nos movemos e
existimos” dentro de crenças do gênero.
Assim, Ortega exemplifica ainda: “Quando
O homem é mais do que seu pensa caminhamos pela rua não tentamos passar
mento, pois ele é também paixão, medo, através dos edifícios: evitamos automatica
angústia, desejo. Todavia, escreve Ortega, mente trombar neles, sem que em nossa
“sem idéias [...] o homem não poderia mente surja necessariamente a idéia: ‘As pare
viver. Quando Goethe disse ‘no princípio des são impenetráveis’. Em todo momento
era a ação’, dizia uma frase pouco medita nossa vida apóia-se sobre um enorme re
da, porque evidentemente uma ação não é pertório de crenças semelhantes”.
possível sem que antes exista o projeto, o
esboço dessa ação”. O homem sem idéias
não existe; ãs idéias lhe são necessárias para
resolver os problemas que continuamente 5 : O tesouro dos erros
surgem da condição humana, para sair do
abismo das dúvidas. O homem, em poucas
palavras, deve conhecer sua circunstância, Em todo caso, não é que as crenças
se não quiser viver cegamente. sejam certas, absolutamente seguras e ina
E se a filosofia, para Ortega, é análi baláveis. Elas são apenas “pensamentos
se e clarificação das propostas éticas, dos consolidados”, usados inconscientemente.
mundos de valores e de ideais por meio dos Mas não é raro o caso — nota Ortega — que
quais os homens procuram orientar-se na “na área fundamental de nossa crença se
vida e se agarram a tudo o que para eles vale abram, aqui e ali, como alçapões, enormes
a pena ser vivido, a ciência, por sua vez, é o abismos de dúvidas”. Encontramo-nos sem
instrumento mais eficaz e mais válido que chão sob os pés, em um “mar de dúvidas”,
permite ao homem ser informado sobre o quando estamos “presos entre duas crenças
mundo e sobre o ambiente em que ele vive antagonistas que se chocam mutuamente e
e deve agir. nos fazem balançar de uma para outra”. E
Uma distinção importante, no campo onde uma crença é infringida ou se enfraque
dos pensamentos, é a que Ortega traça ceu, o homem “se agarra ao intelecto como
entre crenças e idéias-invenções. “Idéias- a um salva-vidas” e procura inventar novas
invenções, e nelas incluindo as verdades idéias. As novas idéias, as idéias científicas,
mais rigorosas da ciência, podemos dizer são fantasias que têm sucesso: “o triângulo e
que as produzimos, que as sustentamos, as o amuleto têm o mesmo pedigree. São filhos
discutimos, as propagamos [...]. São obra da louca da família”, isto é, da fantasia. O
nossa e por isso mesmo pressupõem já nossa homem — escreve Ortega — “está condena
vida, que se funda mais sobre idéias-crenças do a ser um narrador”: ele cria suas idéias,
não produzidas por nós, idéias que em geral imagina possibilidades, isto é, inventa hipó
nós sequer formulamos, que obviamente não teses e teorias, que depois põe à prova, des
discutimos, não propagamos, não sustenta cartando as que resultam erradas e contando
mos”. As crenças são idéias fundamentais, com o fato de que o dos erros cometidos,
herdadas do passado e que constituem, por individuados e eliminados, é um verdadeiro
assim dizer, um patrimônio tácito, previsto: e próprio tesouro. Tudo aquilo que o homem
elas “não são idéias que temos, mas idéias obteve — salienta Ortega — “custou milênios
que somos”; são “o conteúdo de nossa e milênios, e o obteve à força de erros, ou
vida”; “nós as confundimos com a própria seja, embarcando em fantasias absurdas que
realidade, constituem nosso mundo e nosso resultaram em becos sem saída dos quais
ser”. Ortega escreve isso no ensaio Idéias e teve de voltar atrás machucado [...]. Hoje,
crenças, onde acrescenta que nós estamos ao menos, sabe que as figuras do mundo que
nas crenças, e que, enquanto “pensamos as imaginava no passado não são a realidade.
idéias, contamos com as crenças”. Alguém À força de errar, está delimitando a área do
Capítulo nono - Ortega y CÀasset & o diagnóstico da civilização ocidental
169
do — fenômenos por trás dos quais há, na para a imposição daquilo que se deseja”. O
opinião de Ortega, o desenvolvimento da homem-massa é um novo bárbaro que “não
técnica e da indústria — são acompanhados se limita a considerar-se excelente enquanto
pela destruição do valor sobre o qual cresceu é vulgar, mas pretende impor a vulgaridade
a civilização ocidental: o individualismo. como direito e o direito à vulgaridade” (L.
Escreve Ortega: “Foi aquilo que se Pellicani). Em poucas palavras, escreve Or
define como individualismo que enriqueceu tega, nosso tempo pode se orgulhar dessa
o mundo e todos os homens do mundo; e monstruosa novidade: “o direito de não ter
foi essa riqueza que tão fundamentalmente razão, a razão da não-razão”. Novidade esta
multiplicou a planta humana [...]”. Mais tanto mais clara se considerarmos o fato de
idéias, mais fés, mais estilos artísticos e uma que o homem-massa confiou totalmente sua
experimentação em todo âmbito da vida e vida ao poder público, ao Estado. O fascis
do pensamento construíram uma civilização mo e o bolchevismo representam exatamen
que no indivíduo contraposto ao coletivo te movimentos de homens-massa dirigidos
viu seu mais alto valor. O mundo moderno por homens por vezes rudes e privados de
cresceu, em suma, sobre a fé segundo a qualquer cultura. O homem-massa, em ou
qual “todo ser humano deve ser livre para tros termos, é um homem que “deu as costas
preencher seu destino individual e não aos valores da tradição liberal e introduziu
transferível”. Eis, porém, que justamente no na vida pública um estilo de ação baseado
seio da civilização moderna vem à luz um sobre a sistemática agressão e cancelamento
homem-massa, um homem-massa que é tal do outro, sobre a idolatria do chefe caris
não tanto porque elemento estandardizado mático e sobre o estatismo totalitário”. (L.
de uma massa, e sim “porque inerte como Pellicani). O Ocidente pode, em todo caso,
a massa”. salvar-se, afirma Ortega. E o caminho da
O homem-massa não designa uma salvação foi por ele profeticamente indicado
classe social; é um ideal-tipo por meio do na formação dos Estados Unidos da Euro
qual Ortega delineia “um modo de ser que pa, ou seja, na criação de uma Europa com
hoje se encontra em todas as classes”. O uma alma antinacionalista, e fundada sobre
homem-massa não percebe que a cultura e princípios liberais, em grau, de um lado, de
as instituições em que vive são realidades contrastar o estatismo, a burocratização e
precárias; é, portanto, um irresponsável; é o intervencionismo destrutivos da criativi
um especialista incapaz de enfrentar um pro dade e da responsabilidade dos indivíduos
blema geral; é decidido em rejeitar a discus e, do outro, de satisfazer as exigências fun
são: “detesta-se toda forma de convivência damentais da justiça social, uma vez que a
que por si mesma comporta o respeito de liberdade de todos os cidadãos se resolve em
normas objetivas [...]. Suprimem-se todos os uma ficção hipócrita, se depois faltam “os
trâmites normativos e se corre diretamente meios para exercitá-la e assegurá-la”.
Capitulo tiono - Ortega y ÓÀasset e o diagnóstico da civilização ocidental
de nosso vida, o que sustenta e suporta todas da dúvida". Mas o que fazer? A característica do
os outras, é constituída por crenças. Estas sõo, duvidar é nõo saber o que fazer. O que fazer,
portanto, a terra firme sobre a qual nos afana portanto, quando nos acontece justamente não
mos (de passagem, tal metáfora se origina de saber o que fazer porque o mundo - uma parte
uma das crenças mais elementares que possuí dele, bem entendido - apresenta-se a nós de
mos, e sem a qual talvez não poderiamos viver: modo ambíguo? Com ele nõo há nada a fazer.
a crença segundo a qual a terra está bem firme, O homem, porém, quando se encontro em tal
apesar dos terremotos que por vezes ocorrem situação,Tealiza um estranho fazer, que quase
em alguns lugares da superfície terrestre. Expe não parece um fazer: começa a pensar. Pensar
rimentemos imaginar que amanhã, por um ou em algo é o menos que pode fazer. Não deve
outro motivo. Falte esta crença. Determinar, em sequer mover-se. Quando tudo ao redor vai de
linha de máxima, os traços da radical mudança roldão, resta-lhe, todavia, a possibilidade de
que tal desaparecimento produziría sobre o as meditar sobre aquilo que vai de roldão. O inte
pecto da vida humana seria um excelente exer lecto é o dispositivo mais à mõo com o qual o
cício introdutório aó pensamento histórico). homem conta, e está sempre à sua disposição.
Mas na área fundamental de nossas cren Quando crê em geral dele não se serve, porque
ças se abrem, cá e lá, como alçapões, enormes é um esforço fatigante, mas, quando cai na
abismos de dúvidas. Este é o momento de dizer dúvida, aferra-se a ele como a um salva-vidas.
que a dúvida, a verdadeira, aquela que não As brechas de nossas crenças são, portan
é simplesmente metódica ou intelectual, é um to, o lugar vital em que as idéias realizam sua
modo de ser da crença e pertence, na arquitetu intervenção. Graças a elas substituímos sempre
ra da vida, à sua própria estratificação. Também o mundo instável e ambíguo da dúvida, por um
na dúvida se existe. Apenas que neste caso o mundo em que a instabilidade desaparece.
existir tem um aspecto terrível. [...] Como se obtém esse resultado? Fantasiando,
Todas as expressões comuns que se re inventando mundos. A idéia é imaginação. Ao
ferem à dúvida nos dizem que nela o homem homem nõo é dado nenhum mundo já deter
sente-se submerso em um elemento nõo sólido, minado. São-lhe dadas apenas as alegrias e
nõo firme. A dúvida é uma realidade líquida as dores de sua vida. Guiado por elos, deve
sobre a qual o homem nõo consegue susten inventar o mundo. A maior parte do mundo ele
tar-se e cai. Daí o "encontrar-se em um mar de a herdou dos mais antigos e ela influi sobre sua
dúvidas", que é contraposto ao elemento do vida como um sistema de crenças fixas. Mas
crença: a terra firme. E, insistindo na mesma cada um deve se haver por sua própria conta
imaginação, dúvida como flutuação, como vai- com aquilo que é duvidoso e problemático. Para
e-vem de ondas. A paisagem marinha é indis esse objetivo, ele troça figuras imaginárias de
cutivelmente o mundo da dúvida e suscita no mundos e de seu possível comportamento ne
homem pressentimentos de naufrágio. A dúvida les. Entre elas, uma lhe parece ideolmente mais
descrita como flutuação, nos faz perceber o fato fundamentada e a chama de verdade. Observe-
de que ela é uma crença. E o é justamente por se, porém: aquilo que é verdadeiro, e também
ser constituída pela redundância do crer. Duvi aquilo que é cientificamente verdadeiro, nõo é
damos porque nos encontramos presos entre mais que um caso particular do fantástico. Há
duas crenças antagônicas que se entrechocam fantasias exatas. E mais: só pode ser exato o
e elas nos fazem balançar entre umo e outra, que é fantástico. Nõo há modo de compreender
deixando-nos sem terra sob os pés. O dois, é bem o homem, a nõo ser constatando que a
cloro, torna-se o du da dúvida. matemática brota da mesma raiz da poesia, da
O homem, sentindo-se cair em tais abis faculdade da imaginação.
mos, que se abrem no solo firme de suas cren J. Ortega ç Gasset,
ças, reage energicamente. Esforça-se paro "sair Flurora da razão histórica.
FENOMENOLOGIA
EXISTENCIALISMO
HERMENÊUTICA
“Na miséria de nossa vida [...] esta ciência não tem
nada a nos dizer. Ela exclui de princípio os problemas
maiscandentesparaohomem, oqual, emnossostem-
pos atormentados, sente-se em poder do destino”.
Edmund Husserl
Karl Jaspers
Jean-Paul Sartre
Maurice Merleau-Ponty
Gabriel Marcei
Emílio Betti
Capítulo décimo
(Sdmund "Husserl
e o inovimenlo j-enomenológico
enomeHolo0Ía
;A fenomenol ogia
Escreve Heidegger em Ser e tempo: “k
expressão ‘fenomenologia’ significa, antes é descrição
de mais nada, um conceito de método [...]. das essências eidé+icas
O termo expressa um lema que poderia ser
assim formulado: voltemos às próprias coi
sas! E isso em contraposição às construções A partir dessa evidência, os fenome
desfeitas no ar e às descobertas casuais, em nólogos pretendem descrever os modos
contraposição à aceitação de conceitos só típicos como as coisas e os fatos se apre
aparentemente justificados e aos problemas sentam à consciência. E esses modos típicos
aparentes que se impõem de uma geração à são precisamente as essências eidéticas. A
outra como verdadeiros problemas”. fenomenologia não é ciência de fatos, e sim
Portanto, a palavra de ordem da feno ciência de essências. Para o fenomenólogo
menologia é a do retorno às próprias coisas, não interessa a análise desta ou daquela
indo além da verbosidade dos filósofos e de norma moral, porém compreender por que
seus sistemas construídos no ar. Mas como esta ou aquela norma são normas morais e
se fará para construir uma filosofia que se não, por exemplo, normas jurídicas ou re
sustente? Para cumprir essa tarefa, é preciso gras de comportamento. Da mesma forma,
partir de dados indubitáveis para com base o fenomenólogo não se interessará (ou, pelo
neles construir depois o edifício filosófico. menos, não se interessará principalmente) em
Em suma, procuram-se evidências estáveis examinar os ritos e os hinos desta ou daquela
para colocar como fundamento da filosofia: religião; ao contrário, ele se interessará por
“sem evidência não há ciência”, dirá Husserl compreender o que é a religiosidade, ou seja,
nas Pesquisas lógicas. Os limites da evi o que transforma ritos e hinos tão diferentes
dência apodítica representam os limites de em ritos e hinos “religiosos”. Naturalmente,
nosso saber. Assim, é preciso buscar coisas o fenomenólogo também produzirá análises
manifestas, fenômenos tão evidentes que mais específicas sobre o que caracteriza es
não possam ser negados. sencialmente, por exemplo, o pudor, a santi
Essa, portanto, é a intenção de fundo da dade, o amor, a justiça, o remorso ou os tipos
fenomenologia, intenção que os fenomenó- de sociedade, mas, em todo caso, sua ciência
logos procuram realizar através da descrição é precisamente ciência de essências.
dos “fenômenos” que se anunciam e se apre Tais essências se tornam objeto de
sentam à consciência depois de feita a epo estudo se o pesquisador, estabelecendo-se
ché, isto é, depois de postos entre parênteses na atitude de espectador desinteressado,
as nossas persuasões filosóficas, os resultados liberta-se das opiniões preconcebidas e, sem
das ciências e as convicções engastadas na se deixar envolver pela banalidade e pelo ób
quela nossa atitude natural que nos impõe a vio, saiba “ver” e consiga intuir (e descrever)
crença na existência de um mundo de coisas. aquele universal pelo qual um fato é aquilo e
Em outros termos, é preciso suspender não outra coisa. Nós distinguimos um texto
o juízo sobre tudo o que não é apodítico mágico de um texto científico, mas como
nem objeto de controvérsia até se conseguir conseguimos fazê-lo senão porque utiliza
encontrar aqueles “dados” que resistem mos discriminantes essenciais, senão porque,
aos reiterados assaltos da epoché. E os talvez até sem termos consciência disso,
fenomenólogos encontram esse ponto de sabemos o que é magia e o que é ciência?
' ' •
Capítulo decimO - 177
-Husserl e o movimente fenomenológico __ _
Como podemos dizer que este é um ato de dizer kantianamente o que está na nossa
simpatia, aquele um gesto de ira, este outro consciência enquanto algo independente
um comportamento desesperado ou aquele da sensibilidade e, portanto, a priori, mas
outro ainda um comportamento de santida funcionalmente ordenado para a “constitui
de, se não houvesse precisamente essências, ção” da experiência). Scheler, por seu turno,
ou seja, idéias essenciais, de simpatia, de ira, dirigirá sua análise para os valores objetivos
de desespero ou de santidade? hierarquicamente ordenados que se impõem
Eis, portanto, o que a fenomenologia à intuição emocional, como a luz para os
pretende ser: ciência fundamentada esta- olhos e o som para o ouvido.
velmente, voltada à análise e à descrição Até aqui, citamos Husserl e Scheler.
das essências. Com base nisso, podemos Mas o movimento fenomenológico é uma
compreender como a fenomenologia se dis vasta e articulada corrente de pensamento,
tingue da análise psicológica ou da análise da qual se destacam as concepções ontoló-
científica. Diferentemente do psicólogo, o gica e ética de Nicolai Hartmann, o pensa
fenomenólogo não manipula dados de fato, mento de Heidegger, as análises de Sartre,
mas essências; não estuda fatos particulares, de Merleau-Ponty e de G. Marcei, as idéias
senão idéias universais; não se interessa pelo do materialista dialético Tran Duc Tao, além
comportamento moral desta ou daquela dos trabalhos dos discípulos ou seguidores
pessoa, mas pretende conhecer a essência de Husserl, como E. Conrad-Martius, E.
da moralidade e talvez ver se a moral é ou Finck, E. Stein, A. Reinach, L. Landgrebe,
não fruto de ressentimento. Alexander Pfãnder, Oscar Becker e Moritz
Geiger. Deve-se dizer ainda que a influência
dos fenomenólogos sobre a psicologia, a
Direção idealista antropologia, a psiquiatria, a filosofia moral
e a filosofia da religião foi e continua sendo
e direção realista notável. Por isso, é doravante reconhecido
da fenomenologia que o movimento fenomenológico constitui
um acontecimento decisivo no âmbito da
filosofia contemporânea.
O fenomenólogo, em suma, cumpre
tarefas bem diferentes das dos cientistas. A
consciência é “intencional”, é sempre cons rifa y\s origens
ciência de alguma coisa que se apresenta de da fenomenologia
modo típico: a análise desses modos típicos
é precisamente a função do fenomenólogo,
que se pergunta e indaga sobre o que a cons ESB Bolzano e o valor lógico-obje+ivo
ciência transcendental entende por amor, das "proposições"
percepção, religiosidade, justiça, comuni
dade, simpatia, e assim por diante. A fenomenologia nasce com Husserl
Nesse ponto, a fenomenologia po — e veremos adiante — como polêmica
dia tomar duas direções: a idealista ou a antipsicologista. Uma das idéias funda
realista. Os significados ou essências dos mentais de Husserl e da fenomenologia é
objetos, das instituições e dos valores são a da intencionalidade da consciência. Foi
constituídos e postos pela consciência, ou precisamente em relação a esses dois núcleos
o olhar do teórico desinteressado os intui problemáticos que Husserl se inspirou em
enquanto dados objetivos? É aqui que diver dois pensadores de nível notável, isto é,
gem, por exemplo, os caminhos de Husserl Bernhard Bolzano e Franz Brentano.
e de Scheler: Husserl, sobretudo o último Bolzano (1781-1848), matemático e
Husserl, tomará o caminho do idealismo. filósofo, padre católico e professor de filoso
Assim, o pensador que estabeleceu como fia da religião na Universidade de Praga até
programa da fenomenologia o do retorno 1819 (ano em que foi afastado da cátedra
às próprias coisas, no fim se encontrará e suspenso a divinis), nos deixou duas im
com a realidade única que é a consciência: portantes obras: Os paradoxos do infinito
a consciência transcendental, que nulla re (escritos em 1847-1848, mas publicados só
indiget ad existendum e que “constitui” em 1851), e a Doutrina da ciência (1837). O
os significados das coisas, das ações, das primeiro trabalho exerceu influência notável
instituições e o sentido do mundo (atente-se sobre a história do pensamento matemático.
para o fato de que, aqui, transcendental quer Já o segundo elabora a doutrina da “pro
178
Terceira parte - Fenomenologia, (Sxis+ekxcicJismo/ ^Hermenêutica
pontos de partida frágeis. Para Husserl, aquilo que não pode ser posto entre pa
rênteses, aquilo que resiste aos ataques da epoché é unicamente a consciência, a
subjetividade. A consciência é a realidade mais evidente; é a realidade que nulla
re indiget ad existendum (= não precisa de nada para existir). O mundo é "cons
tituído" pela consciência.
• Mas uma consciência tornada mais aguda e hábil pela prática da descrição
fenomenológica não poderá aceitar o naturalismo e o objetivismo, ou seja, a
pretensão de que a verdade científica seria a única verdade e o
As meras mundo descrito pelas ciências seria a verdadeira realidade.
ciências De tal pretensão Husserl traça a história, começando por
de fatos criam Galileu e Descartes; e afirma: "Na miséria de nossa vida [...] esta
meros homens ciência nada tem a nos dizer. Ela exclui de início os problemas
de fato que são os mais agudos para o homem, o qual, em nossos tem
-^§6 pos atormentados, sente-se à mercê do destino; os problemas do
sentido e do não-sentido da existência humana". Escreve ainda
Husserl: "As meras ciências de fatos criam meros homens de fato". A filosofia re
conhece a função da ciência e da técnica, mas é justamente a filosofia - comenta
Enzo Paci - que tem a função "de libertar a história da fetichização da ciência e
da técnica".
• Kant, em sua opinião, não teria feito a distinção entre bens e valores; bem,
por exemplo, é uma máquina, valor é sua utilidade; bem é uma lei, valor sua jus
tiça. Os bens são fatos; os valores são essências. As proposições éticas são de fato
necessárias e universais - referem-se, de fato, a essências mas
não formais; elas são materiais, e as matérias sobre as quais ver- a ética
sam tais essências são constituídas por valores: valores religiosos material
(sacro-profano), valores estéticos (belo-feio), valores especulativos dos valores
(verdadeiro-falso), valores jurídicos (justo-injusto) etc. Valores que >§2
o homem não deve produzir, mas apenas reconhecer e descobrir. E
os descobre por meio de uma intuição emotiva. Diz Scheler que é um preconceito
negar a intencionalidade do sentimento, sua capacidade de ver essências e captar
valores. Há, em suma, uma ordre de coeur, como pensava Pascal.
sucesso, e o fato de recorrer à interioridade como a lógica pura; não, porém, redutível
da lei moral. de modo algum à legitimidade típica da
Todavia, na opinião de Scheler, todos atividade intelectual”.
esses méritos se anulam pela fundamental e Aquilo que o sentimento vê são as
errada equação com a qual Kant identifica essências como valores.
a priori com formal. E precisamente contra Para tornar as coisas mais compreen
essa identidade que se volta o pensamento de síveis, podemos dizer que possuímos um
Scheler, o qual se mantém fiel ao apriorismo instrumento inato, a intuição sentimental,
e à universalidade da norma moral, definin que capta os valores objetivos pelos quais
do, porém, materialmente, isto é, concreta as coisas são bens, e que capta e reconhece
mente, a esfera dos valores. O que Scheler a hierarquia existente entre esses valores.
sustenta é a existência de proposições a Esses valores, cada um dos quais se encontra
priori (ou seja, necessárias e universais) e, encarnado em uma pessoa ou modelo-tipo,
no entanto, materiais, já que as matérias são enunciados e propostos por Scheler na
sobre as quais elas versam não são fatos, e sucessão hierárquica apresentada no quadro
sim essências, isto é, os valores. Desse modo, abaixo.
Scheler pretende chegar à fundação de uma Esse cosmo de valores e sua hierarquia
ética a priori, não formal, mas material (pela qual se vai dos valores religiosos aos
(aqui, “material” se opõe a “formal”): ética sensoriais, em ordem de preferência) são
material dos valores e não dos bens. captados ou reconhecidos pela intuição ou
visão emocional, que nos põe imediatamente
em contato com o valor, independentemente
Valores "materiais" da vontade e do dever, condicionados e basea
2 dos precisamente na intuição do valor.
e sua hierarquia Não é verdade, por conseguinte, que
aquilo que não é racional seja sensível: há
uma atividade espiritual extra-teórica, a
O homem se encontra, portanto, cir intuição emocional. Em suma, existe o que
cundado por um cosmo de valores que ele Pascal chama l’ordre du coeur.
não deve produzir, mas apenas reconhecer
e descobrir. E os valores não são objeto de
atividade teórica, e sim de uma intuição
emocional. 3 A pessoa
Scheler diz que pretender captar os va
lores com o intelecto equivaleria à pretensão
de ver um som. Não passa de preconceito Essas idéias sobre os valores e sua hie
negar a intencionalidade do sentimento, sua rarquia permitem a Scheler, por um lado,
capacidade de “ver” essências e captar va refinadas análises críticas do subjetivismo
lores; trata-se de preconceito que deriva de ético no mundo moderno e delineamento
outro preconceito, segundo o qual apenas o agudo da antropologia do “burguês” (isto é,
intelecto dá origem a atividades intelectuais. do homem ressentido e desconfiado, fanati-
Para Scheler, porém, há “uma eterna e abso zado pelo valor do útil e insensível ao valor
luta legitimidade dos sentimentos, absoluta do trágico), e, por outro lado, permitem-lhe
quer que seja, o condicionamento social do para poder ser investigados cientificamente.
saber diz respeito, em primeiro lugar, às Escreve Scheler em Sociologia do saber:
formas do saber, que são modos de entrar “Enquanto, para um dado grupo, a natureza
em contato com a realidade física, psíquica está cheia de forças pessoais e voluntárias,
e espiritual. divinas e demoníacas, ela é [...] exatamente
Scheler remete-se à “lei dos três es ainda um ‘tabu’ para a ciência [...]. Quem
tágios” de Comte e distingue três formas considera as estrelas como divindades visí
de saber, que, no entanto, não se sucedem veis ainda não está maduro para a astrono
uma à outra, como queria Comte, mas são mia científica”.
co-possíveis em toda época. Tais formas de Pois bem, “o monoteísmo criacionista
saber são as seguintes: judaico-cristão e sua vitória sobre a religião
a) O saber religioso, que diz respeito e a metafísica do mundo antigo foram, sem
à salvação definitiva da pessoa^ por meio da dúvida, a primeira possibilidade funda
relação com o Ser supremo. É o saber-de- mental para libertar a pesquisa sistemática
salvação. da natureza. Significou libertar a natureza
b) O saber metafísico, que põe o ho para a ciência de uma ordem de grandeza
mem em relação com a verdade e os valores. que talvez ultrapasse tudo o que, até hoje, já
E o saber “formativo”. ocorreu no Ocidente. O Deus espiritual de
c) O saber técnico, que permite ao ho vontade e de trabalho, o Criador, que não
mem a utilização da natureza e o domínio foi conhecido por nenhum grego e nenhum
sobre ela. romano, por nenhum Platão e nenhum
Em cada época, diz Scheler, ocorre que Aristóteles, foi [...] a maior santificação
uma forma de saber prevalece sobre as ou da idéia do trabalho e do domínio sobre as
tras, mas não as exclui. Para ele, o relevante coisas infra-humanas; e, ao mesmo tempo,
é a relação interfuncional que se estabelece operou o maior desânimo, mortificação,
entre cada uma dessas formas de saber e distanciamento e racionalização da natureza
certas estruturas sociais, como, por exem que jamais ocorreu em relação às culturas
plo, entre o realismo filosófico e a sociedade asiáticas e à antiguidade”.
feudal, entre o nominalismo e a crise do A idéia de que o criacionismo judaico-
feudalismo, entre o triunfo da burguesia e o cristão tenha mortificado, isto é, tornado
racionalismo mecanicista, entre capitalismo morta a natureza, preparando-a assim para
e positivismo, e assim por diante. a investigação científica, é hoje concepção
Mas o estudo do condicionamento so consolidada.
cial do saber não impede Scheler de analisar Como também está consolidada outra
os laços interfuncionais entre as diversas idéia de Scheler, segundo a qual o marxismo,
formas de saber: teológico, metafísico e que tanto lutou contra o pensamento ideo
científico. E certamente é de grande inte lógico, também é ideologia. Se a classe bur
resse o estudo que Scheler realiza sobre a guesa tem seus “modos de pensar formais
relação entre o monoteísmo judaico-cristão determinados por sua posição de classe”, o
e a ciência. mesmo vale para a classe dos proletários.
A religião não tem nada a temer da Onde quer que exista interesse de classe, lá
ciência. Uma religião só pode entrar em também haverá ideologia. Sem dúvida, o so
contraste com outra religião ou com uma ciólogo do conhecimento “não pode deixar
metafísica, mas não com a ciência. de se dizer marxista”. Mas isso não implica
Entretanto, os âmbitos do conhecimen que se devam aceitar também os elementos
to humano devem perder seu caráter sacral míticos do marxismo. lESSTãn
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Terceifã pãTte - Henomeriologia, (Sxistencialismo, Hermenêutica
enomenologia