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I

Amo-te
amo-te
amo-te

três vezes
para não ser exagero.

Amo-te
amar-te-ei
até à última minha hora

porque em mim
a prova do amor
é eu desejar morrer
quando tu dormires.

Eu seguirei no sono
ou no sonho,
e tu acordarás.
O sol estará brilhante
e um funeral assim
é mais leve de suportar.

A luz será tanta


que os teus olhos
terão de se fechar
quase tanto como os meus
- janelas agora baças
de uma casa deixada.

O meu amor
reveste-se deste abandono:
um seguir em frente
numa estrada Americana
daquelas hipnotizantes
pelo meio de um deserto
com todas as horas soalheiras.

Há pouco para distrair


no meu amor...
há um vento,
água subterrânea,
fogo na noite,
e uma terra abrasada,
onde os nossos físicos
com a gravidade
marcarão lugares,
e empurrarão sementes
para dentro do solo,
continuando a vida
na quase total aridez.

Essa derradeira hora


- não quero saber
dela agora!

Estou fascinado
connosco,
duas massas
de água
a fecundar
o deserto,

por onde passamos


sem sermos vistos.

Ah...
como gosto da ecologia
teórica e prática...
sermos emoção
pura
água líquida
gelada
que finda a
secura
onde não
nascia nada.

II

Ao fim da tarde
é que o mar é meu.
Nas horas mais quentes do dia,
O mar desafia...
É confronto do corpo
com o branco espumoso,
e o da areia pelo Sol dado.

Ao fim da tarde
a água não parece tão vitoriosa
quando reclama as suas transparências ao Sol...

Diria que é uma água sonolenta porém lúcida...

Nas horas mais quentes


a água é um convite declarado...
Ao entardecer
seduz os seus amantes para a dança
e até parece não lhes apagar o rasto na areia,
para os devolver já saciados
em pouca luz,
quando ainda sussura
frescuras baixas ou profundas,
conforme o amante seja a gaivota,
ou um diletante sensacional.

Ao fim da tarde
é que o mar é meu!,
e o azul mais negro e violeta
conjectura as preces
que eu faço
de me diluir nessa perpétua massa
em movimento...
(um desejo de esquecimento)

Ao fim da tarde
é que eu sou mar:
estranho ser físico,
em estado cardinal;
reflexos de estrelas,
ou de astros brancos,
devaneios de poetas vencidos,
angústias por revelar,
e azul, azul, azul, azul.

Seria loucura
pensar que não te lembro
nessas ondas
e que em todas as marés
estás em madre-pérolas espalhadas à beira d'água,
em suavidades coloridas de rosa, e lilás, e amarelo de Nápoles!!
(esqueletos que nunca piso...)

Quando sou esse mar,


Em Junho, Novembro, ou Março,
Só o tempo que dançamos muda...
ou a violência da paixão
com que te chamo
desse perfil estático
tentando ser indiferente à imensidão aquosa.

É difícil saber que ondas te mostrar,


ou mesmo se preferes águas domadas em piscinas artificiais...
filtradas, tratadas, desinfectadas,
um produto civilizacional
desprovido de comoção
ou história dos tempos.

No fim dos dias


em que sinto o mar como meu,
e nas suas espirais ondulantes
me abandono sem resistência,
trágico, já grito o teu nome às imperturbáveis falésias...
e no eco que volta, oiço,
não só as aves assustadas,
mas o acre da minha voz...
A derrota
da luta com o tempo
em que os profusos sonhos
sem mágoas, ou reservas,
tal como vapor
(estado mais livre),
de mim se irão
dissipar...

III

O ter-te longe, é uma sala


com cores pálidas, numa tarde adormecida,
com sombras de árvores do jardim nas paredes
brancas desejosas de vozes rindo
entre elas...;
É um piano negligenciado,
e um gato que se deixa apanhar
na moleza dessas tardes solitárias...
É um andar por um jardim plantando
flores como marcadores das estações que
vão ocorrendo, numa tentativa de
nos situarmos nesse tempo,
enquanto dentro só vivemos no
eterno Outono das últimas energias
solares antes de tudo repousar
em gelo... mas é Outono, de vermelhos
apaixonados, e resquícios de
calor nos bancos de madeira ensolarados...
A esperança não tem cor
das estações, porque nenhuma estação
se reveste apenas de preto ou branco,
e o tudo ou nada, nem parece
existir no real...

Guardo então apenas o


Outono essencial...

O fôlego último das árvores, e os últimos


brilhos nas águas dos lagos movimentados
das aves prontas a partir... a despedida
que não se podia adiar... a roda...
o samsara...
Guardei
esta estação do ano, porque nela a natureza
me imprimiu uma promessa:
“Supera o gelo que aí vem!... Haverá uma
Primavera para prosperar!...”
Foi o beijo que me deu...
Hibernar??

Crescer,
desprender-me,
sonhar...

IV

Eu não sei que mar, lençol de água, ou nuvem sou...


Mas sei que um fogo maior me pode volatilizar...
Dispersar, desprender-me de onde era,
E tornar-me parte de uma flor, um animal,
Ou enclausurar-me numa gruta profunda,
Água silenciosa, torturada na escuridão,
Água sem função fecundante...
Água presa, excomungada, condenada
À iluminação esparsa, que a terra permitiu
Em momentos em que tremeu, e se desfez em tal parte.
Eu, como água, imploro-te: deixa-me completar muitos ciclos.
O Sol que te alimenta não se extinguirá já...
Mas a água, pura, virgem, sincera, padrão da densidade,
Essa não se fará igual...
Poderá a tua tortura cessar?

Estou quase adormecido


E sustém-me agora lembrar o teu sorriso
E imaginar uma casa em que vivamos,
Onde me possas mostrar muitos sorrisos como esse, e eu
Espontaneamente,
Sorrindo também,
Te mostre que o nosso amor é bonito,
Tão belo que o não tem mais ninguém;

Dividiremos frescuras nos ares libertos da manhã,


E sustentar-nos-emos com olhares de espanto,
E gestos de conforto;

Depois os beijos demorados,


Amolecerão ainda mais as horas...

Veremos então que será tarde,


E que é já outra a luz que vem do céu,

Mas sentiremos, apaixonados


Que o que importa mesmo,
É sempre, tu seres tu,
E eu, ser eu...

VI

As horas que espero


as horas em que chove
as horas movimentadas
todas são horas de sossego
quando estás perto
quando estás longe
porque estás comigo
porque já és parte de mim
e no passado ninguém toca
como tinta indelével,
negra como a da China,
pelos traços da memória,
moldada a ser divina.
Na nudez dançamos,
com a calma que era primordial,
antes do frio que é superficial,
que reclama roupa artificial,
que nos afasta do principal...
amor...

amor...

Escutamos a música
dessa dança pausada.
As mãos defendem os movimentos
que incitam os corpos
a seguir o metrónomo interior
e compondo a nossa obra
meio dançada, meio tocada,
vamos sentindo a noite espalhada,
pelo brilho que vemos
na superfície desses nossos olhos
macerados da paixão
ou do amor...
amor...

Nunca da ilusão.
Longe da ilusão...

VII

As palavras que li em todas as páginas,


não me confidenciavam tanto como os teus olhos,
sem o quereres.

Sem gralhas e erros, de uma métrica perfeita,


vi já muito escrito
sem que me demovesse da minha rigidez habitual...
que julguei natural...

Para além das horas que agora correm,


e só se demoram quando pactuamos com beijos,
lembro mais o teu sorrir
do que qualquer mineral raro e lapidado,
ultrapassando-o nos padrões da pureza
e potencial para deslumbrar.

Já hoje te disse
que podéramos percorrer toda a terra do Mundo,
sem sentir os pés nela presos,
mas que flutuáramos antes,
depois de confissões arejadas nos horizontes violeta
quando o dia começava ou terminava?

Digo-te agora: quanto te amara!...

VIII

Queria mais alegria, em beijos desenhada.


Queria a cama desfeita de paixão, e a carne mais tacteada,
O sopro mais ofegante, e a poesia mais celebrada.
A noite contigo devia ser mais sonora.
Apesar dos dias luminosos
E da arte que revisito sempre
Já não faço magia como antes
E ela (arte) já não mora comigo
Ou em qualquer lugar vivo
(o museu é frio, acinzentado... trago folhetos explicativos quando já sei que não guardarei
nada do que senti nas horas ali largadas).
Se tenho música sempre em mim
É para que sintas que há ar desanuviado,
Se te sufocara já a minha insatisfação.
Chove no tempo, na rua,
No mar...
E cá por dentro
Limpa todo o chão
Que fora debulhado...

IX

Já refiz o conceito de amor...


Quando te conheci,
Percebi que é algo maior que nós,
Como Deus, muito grande,
E pode estar em qualquer lado,
E mover qualquer coisa...

Sentimento potente, que


Quem o encontra,
E eu sou só humano,
Sente-se maior que os deuses,
No desejo,
Mas fraco, porque não consegue num
Instante,
Trazer à boca o beijo que sela
Os dois corpos e almas,
Que se desejam... ou eu
Ainda não o consegui,
E por isso me sinto
Menor que um deus menor,
Num panteão de sonhos despertos
E plausíveis contudo...

A magia não sei se existe,


Mas do encantamento,
Digo-te que é maior que a minha força,
E eu sou uma fogueira apagada à beira-mar
Depois do ritual terminado...

As cores com que te vejo,


São as cores que sonho para o céu...
São cores intensas, do vermelho
Ao laranja, e suavidades de azul
Manchadas de branco...
Às vezes há negro, mas um negro transparente,
Cheio de água... aquário de sonhos celestes...
E quando essa água é imensa,
Vejo cortinas, que o vento, deixa atravessar
Até à Terra...

As cores com que te vejo,


Não surgem em fotos ou pinturas,
Em frescos ou iluminuras...
São apenas minhas e da Terra,
E tal como esta retém e consome a água,
Eu inundo-me dessas visões, só minhas,
E vivo como num sonho...

E viver como num sonho,


É tentar o impossível... sem censura e amarras,
Mas nos meus sonhos, é tão raro voar...
É tão raro sentir um beijo, o som do mar...
E tão raro sentir que estou mesmo a sonhar...

Porque as cores com que te vejo, a paleta que queria pintar,


Não vive em mim ou comigo...
Saberás tu onde mora? Saberás?
Já morou em mim...

Agora anda dispersa por aí,


E às vezes poisa no teu olhar...

XI

Apaixonaste-te, creio eu,


Pela imagem frágil de ti
Que existira em mim...

Não suportas a minha força


E nem sequer te pareces esforçar
Para a acompanhar...

Andamos juntos mas sós,


Cada um a resistir ao outro...
Somos duas forças opostas...
O dia e a noite que teimam
Em se separar...

Em nós não há crepúsculo ou entardecer...


Eu, noite pontilhada de estrelas...
Mistérios...
Tu, solar... aérea... luminosa...
Tentativa de ser abrangente...

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