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As narrativas na conversação (2), Íalas repro-


duzidas e falas pfessupostas

As falas reproduzidas

Continuamos neste texto a examinar o problemas de narrativas inseridas


na conversação, rtilizando documentação do projeto de estudo da norma lin-
güística urbana culta de São Paulo (Projeto NURC/SP).'
como vimos no artigo anterior desta coletânea, narrar fatos durante uma
conversação constitui um dos muitos recursos de que os falantes dispõem para
referir-se a eventos passados que tenham relação com o tópico em desenvolvi-
mento. A história narrada pode ser coerente com as falas que se seguem ou
pode vir a tornar-se um artifício para a mudança de tópico. euase sempre
funciona como uma ilustração, justificativa ou avaliação das idéias desenvolvi-
das pelo falante na conversação. Para fefferson (197g:220), a ocorrência das
narrativas na seqüência de turnos de fala pode ter dois aspectos discretos:

(...) I ) a história é "disparada" durante o curso de uma conversação turno-a-turno,


isto é, algumas coisa dita num momento particular na conversação pode lembrar
um interlocutor (falante ou ouvinte) de urna história particular que pode ou não
ser "topicamente" coerente com a fala em desenvolvimento; 2) a história é metodi-
camente introduzida durante a seqüência da conversação turno-a-turno. Isto é,
técnicas são usadas para desenvolver uma relação entre a histór ia e a falaanterior e,
dessa maneira, calcular e estabelecer a "apropriabilidade" do ato de contar a história.

As narrativas são "disparadas", pois, por mecanismos de associação de idéias


e podem vir precedidas de "marcadores de início de narrativa s" (me lembrei
que, eu me lembro quando, isso me faz lembrar, nno posso me esquecer de, me
lembro disso como se fosse hoje, etc.

Este artigcr se utiliza das gravações dos diálogos n.o 62,255, 333 e 343, publicados em castilho
& Preti (orgs.) A linguagem falada cuba na cidotle de Sao Paulo Ditilogos entre dois ínforman-
-
Íes. São Paulo: T.A. Queiroz: FAPES| 1987, v. IL
EsruDos DE Lírrrcun OnnL E EscRtrA
29

As narrativas podem ser anarisadas


no contexto conversacional sob vários
aspectos. podemos fazê-ro do ponto
de vista de sua estrutura, observando como
se constrói a sintaxe narrativa (cf. Labov,
rgTg).Assim, é possíveÌ ver suas vá_
rias partes (resumo, desenvorvimento,
avariação, concrusão,'roìos ,"pr"sentadas
ao nível da frase.
Podemos estudá-las, também, dentro
do macrocontexto da conversação,
procurando vislumbrar seus aspectos
interativos: porque ela é,.disparada,,;
se torna um processo discursivo como
com a participação dos interl,ocutores;
seus pormenores correspondem como
a uma avaliaçào do narrador,
os objetivos na interação;porque
tarrao em conta
determinado tipo de rru.rurià é
como serve de meio para atingir empregado;
tos, entre outros, correspondem
a certos
fns
n1;""";;ç;;, etc. Esses aspec_
a uma visão da narrativa dántro
Análise da Conversaçâo. da rinha da
uma abordagem interacionar da narrativa
na conversação não pode igual_
mente dispensar aspectos semântico-cognitivos,
estudando_se a relação entre
a realidade passada e a forma
como é trãnsformacla em narrativa:

contar histórias nos dá uma excelente


oportunìdade de ..corrigir o destino,l
monitorar-nos a nós mesmos' agindo de
tem de si mesma e quer impoiaos
de acordo .o- u i-ug.-";"" uma pessoa
outr
narrador é um deus, no sentid-o d.
que partilha, no momento da
q'...iuï',rl;,ï;.ïJ:'.ïfff.:i::ïft"ïÍ:
narração. (Gulich A, quurtfrotr,lóUà, ,rrl
considerando-se a interaçào conversacional,
a narrativa pode formalmen_
te apresentar-se, conformevimos
no artigo anterior, de três manelras
sob a forma de uma reprodução (repkyiïg distintas:
conversational rmrrative); sob
ma de uma notícia (report);ou sob a for_
a io.riu de uma afirmação (statement).
Do ponto de vista interacionar, não
é indiferente a .o,ru.r*çao o
,m tipo ou cle outro na.narrativa. A reprodução, uso de
enl que se objetiva mostrar ao
ouvinte os fatos passados como se
ar,ìrrarra- acontecendo, com pormenores
que fluem na "cena", convém a situações
de interação menos tensas, a temas
comuns e familiares, a interlocutores
que têm maior intimidade entre
favorece o uso expressivo de si, o que
certos recursos pero narrador, como
direto, as variações entonacionais, o discurso
as imitações de voz, o emprego
histórico para dar a idéia de permanência do presente
no tempo, etc. Nesse tipo de narrati-
va é possível deixar mais claros os
mecanismos avariativos do falante,
ciando certos pormenores em detrimento evicren-
cle ontros.
30
DrNo Pne rr

Exemplo I

está dando dinheiro agora... deixou


de ser Bolsa n é? agora
ftÏ:rït éconstrução...
L2 Bolsa caiu...
estávamos tendo uma
aula e a pessoa farava né?.....não
rt::il"*:ï:ï.nós vocês
iarde,rr"r.i"-"ïï'J;:';'iïïïï1ri::ïli:f*i:,"ï'jfi**ïïf
faço agora né? caiu tudo q"; Xï
daqui uns anos
i";;i."*"t.
. gSmo é que eu vou
viver merhor
se eu
não tenho mais naãa hoje?'i..
probremas que estâo-acontecendo ele farou,.é... não sei são
. entende nada do que está
acon recendo':.. ( NURC/SP OZ "ingìun' _7
OZ, I inhaï- 693 0 5),

Esse exemplo nos permite


observar argumas características
tipo reproduçao' Inicialm**, da narrativa
ção da palavra bolsa, confirmada
ìr" ,.t
"-",p"tã-o.rrrirrt:. "disparada,, a partirda men-
narrador "avaria" certos por-".ror.,
"" E_ seguida, vemos que o
do acorrtecimento rJferidá.
.:- r-.u diálogo reproduzido .olo.u..*l Ere pretende
situação ..ono-mi.u, exempÌificadu sua perplexidade ante a
rnoruror.",tlultta
observe-se, também, que
a cena revivida Ji'ffi:ï"h'#"ï:ïïïff:,ï
admitir que
llrffi5:ilïiïrï"0"-'e as estrururas no diárogo reproduzido
r.âanotícia,o.,"'iï::;il:Jïi,lfi;.ii*,;:ji;":t**::;
j"-;;;;-narrador
;:ï:Ïã.T:ïf ,'ill*'d"'upu'"'"'":iì"';'"u',i*i"
já terminados. AÌém jl":t::ry:tva
do presente, considerando-os
realmenre
güísticas1p.o.",,oàJ'i:ï:il,ffiJ:ïïï,ï:ï'":.il,ï:.f
t"dl.-.4
etc.), pois_ a_ síntese
"rlrrvrç év uma
urrra tarefa
urera mu.
murto mais complexa a qualquer
ï"ïï*a:ïï
de falante. tipo

Ëxemplo 2

Ll (...) NUNca:: encr circustâncias que tenham


temer pela própria ,lttttttt me feito'.. preocupar:: ou
indiúduoq*ã;;;;".'b.#ïËiïï"ï::,1tï'lilï;lll1iil*;.ïffi
aéreas foram das mais:: favoráveis
minhas viagens aéreas"' eu
pãrriu.-i* como... particularidade
curiosa das
il
suponhã que::... ú a mais exótica...
foi o fato de eu ter

A transcrição obedece às norm-as


do projeto NURc/sB descritas
rior' As rinhas mencionadas ,.r...*-..i na nota n.o 2 do texto ante_
.ãioà. ìJuï,."ar, cirada na nota
n.o I deste arriso.
Esru Dos DE LíNcun Onnt r EscRlrA 31

trocado... o valor de uma passagem por uma palestra a oito mil metros de altitude
... quando do vôo inaugural... da VASP para Manaus... ah o vôo do :: One eleven...
um dos:: diretores da companhia me propôs como:: forma de promoçâo... uma
passagem aérea gratuita... e eu disse a ele que só poderia aceitar se fosse possível
levar minha esposa tamBÉM... então ele disse que nessa circunstância para
justificar perante a companhia a ida... da minha minha esposa... eu teria qtte fazer
alguma coisa pela companhia... e... a/aquilo que o professor sabe fazer... ahn... única
e exclusivamente é dar aula... então ele pediu... que:: eu preparasse uma aula para.'.
apresentar aos passageiros através do... microfone de::... de bordo... (NURC/SR D2
255. llnnas tuJ-z+l

Esse fragmento pertence a uma interação verbal que se caracteriza por um


alto nível de formalidade. É um diálogo tenso, entre interlocutores na diretoria
de um colégio famoso de São Paulo. O falante 1 é um conferencista, escritor,
professor, com grande facilidade em formalizar-se. O segmento narrativo, uma
notícia, se liga à idéia oposta a que o interlocutor 2 desenvolvia, isto é, de que
tivera uma experiência desagradável com viagens de avião. Para contar algo
exótico, Ll encontra nos pormenores da narrativa uma forma de auto-valori-
zar-se perante o ouvinte.
Nas narrativas do tipo reprodução, conforme, também, tivemos oportuni-
dade de ver anteriormente, ocorrem com bastante freqüência diálogos sob a
forma de discurso direto reproduzido. Tiata-se de um recurso que atomiza os
fatos narrados, "refazendo" falas que o narrador teria pronunciado ou ouvido
na ocasião, com as prováveis entonações e efeitos de sentido ocorridos em tor-
no do diálogo. Nessa tarefa o narrador comporta-se como um "ator", reprodu-
zindo no "palco" da conversação as frases que retira da memória. Ou, pelo
menos, quer fazer crer a seu ouvinte que reproduz o que de fato ouviu. Às
vezes, chega a reproduzir o que outros já lhe reproduziram' aludindo a diálo-
gos que não ouviu pessoalmente. Portanto, são artifícios expressivos do falante
e,talvez, seja o aspecto mais rico das narrativas reproduzidas, porque nas falas
é possível avaliar melhor o comportamento das pessoas envolvidas, já que po-
demos fazê-las falarem como hoje desejaríamos que o tivessem feito. Portanto,
o que o narrador reproduz no diálogo pode ser muito mais o que ele, protago-
nista do fato, gostaria de ter dito na ocasião ou de ter ouvido de outras pessoas
envolvidas no fato.

Exemplo 3

L2 em Flori/ em Florianopolis
t

L 1 em Florianópolis
32 Drruo pnrrr

L2 onde::..' onde estão as rendeiras sentadas


a gente vai passando... de carro e
oìhando em todas as casas... há uma há uma renáeira
é uma velha e:: uma senhora... é uma menina...mas
truUutt
"rrao
1it*r.ll é:: é uma
todas as mulheres estão
trabalhando em renda... e::.. então u/ duas delas vieram
falar conosco... ela ela disse
assim "ahn dar dona:: ahn:: façavor de me dizer
uma coisa... a senhora a senhora vê
novela?"." eu digo "vejo""que que a senhora está
vendo?'r..eu estava vendo
aquela coisa... naquela ocasião eu estava vendo
uma novela à" rrpi.. ela disse...
"escute uma coisa por favor me diga... a
Maria morreu?"... (NURC/sp D2 333,rr-
nhas 416-30)

Nesse diálogo, a falante estava ilustrando com


sua história uma idéia que
vinha desenvolvendo: na novela de Tv há uma grandezaque
é o fato de que ela
confraterniza todo o país, as mais diferentes classes
,ociair, que num determi-
nado momento param suas atividades para ver
o capítulo do dia. observe_se
que o diálogo citado procura reproduzir as formas
lingrrísticas dentro das va_
riações que teriam sido empregadas pelo falante
na ocasião (',façavor,,). As fa-
las se colocam dentro deumframeque indica,
inicialmente, afetividade da nar-
radora para com a ouvinte idosa que, por sua
vez, adquire um tom suplicante
("escute uma coisa por favor me diga...
a Maria
-o.rarr?";. Depois, a narrado-
ra muda para um tom de brincadeira:

Exemplo 4

L2 eu achei essa frase uma coisa comovente maravilhosa...


quer dizer o
Brasil inteiro estava vendo... pensando ao mesmo
tempo ((iindo))...
Ll "Maria morreu"...
L2 uma coisa linda né?
t
LI rnas você veja
L2 disse "não" ai eu respondi ( "não... eu eu sei
) se a Maria morreu ou não
morreu maseunão vou dizer a você... porque lá ern São paulo
está mais adianTAda...
Ll e voce val { )

L2 uns dois..' uns dois meses e eu vou tirar sua graça ((rindo))
você espera um
pouquinho que você vai saber se" ((rindo))
Ll se a Maria morreu ou não (NURC/SP D2 333,linhas 432_45)

A narrativa antecipa a concÌusão desejada pela falante


na interação (..quer
dizer o Brasil inteiro estava vendo... pensando ao
mesmo tempo,,), a participa-
ção da interlocutora na conclusão do fato e, ainda mais: contèm um potencial
de reportabilidade paÍa a ouvinte, pois se associa
a outros acontecimentos que
servirão para comprovar a mesma idéia desenvolvida
no tópico. De fato, assim
que L2 termina sua história, Ll retoma com um marcador de início de narrativa:
EsruDos DE Lír.rcun OnnL
E EscRfrA
33
Èxemplo 5

quando o;: o chacerer


i:'i::il'ï:lT;ïïi#ffiïiij
Brasília... f,"rr.li."ìï::;:ïTres.não
f então em
é? "' éh"'
Gibson Barbosa era
eu estive com ete
se dizia Iá que
bem qmado...sse)) ,, :; nr.
eÌe.._
ia para o ar o
d:ï:ìjiHïï::.1#l: dere" ' ai'ì"""rrJ*
"rr,,
ursentes... . q"ï.Ëti,'hu d.,pu.ho.
minha cozinheira nâo p*it^ eu chegava aqui em
ó ììà";;::':t:':.-
não _... casa a
coisa estranh"...
;;;ï,í!,7!!ïrao
neste Brasil inteiro
".;,.
é? enrão eu airiu,._u,
neste país .o.rrirr.n,. nJrì.".*u,o
e .rlu
naquera hora - momento...
criaruras_",,0ïÍJ,1ï'.ï::i"ïJ:::,;ïi,i'1,fi ,.#,rf
enredo essa história qu.
r. p.o..rrã_. fxunclspË,ï:f :,:,ïi,ï::ï.
ì_,rï s 447_61)
":rlrì,
ois, cumpriu
'",:â;:l'il:i :'j"iffiï"ïitjï
j, to das as exp ectativas
da
I
i*1Ë,.,:ïì"Ìï:ï"0"aidéia.;",;J,o:,,..:ïi1ïïlïïï#;,ïr:i:ïï:ï
p a ssa d o, 0,,.,.u',ffìIJi
Dependendo do poder
#ï:ïl J#":*ru;;í:; J't.o, do i, ra to s d o
de *trtt.
e de suas quaridades ".àriação dos fatos porparte do narrador
d" "."pr.r"iì"ot"i
que a capacidade de ficção o" cena rememo.uàu, pode_se
do falante nas narrativas dizer
sob o ponto dlvi1a das não tem rimites.
estratégiuJ."p."rriuas
utiÌizadas nus faÌas repro_

iï'.:1ï.ff
T;iï:Jnl:i:r*:* j"rrameo,..ã"-,,ì*"-,,a,vez,asua
ção para elas, mostrando chega a chamar a aren-
que uma aÌreraç;t::-1i*"d:r
;i;.ï*::, "
n, o d er
",
rui u,, t". õ;,,,:l ï:l,ï:ffi:l I ï ï: :*,ï:ï ï;
Exemplo 6

1.2 então a Tatá est


né? que:: depois das
você andar nu .iauãlu.ïÏi:iïÏiïdia seis horas da noire
rearmenre ach o que
ne/ mu ito,
econômico maìs atto ne?
;,.; ;;;,iï,ï..".i:ï,ï:::,*ïilÍ,,:i;
fNuRêrS;;i';;r,Ìinhas 51_5)

E faciÌ de compreender
o mecanismo
( Goffman, r97 r), se observarm"r-n""'ï de preservaç ão da facedo narrador
de discriminação racial àr, ,"or"oïrãu*'rl"ï"J^sentimento
..",ru'. pll'irro, .,o
dizer' a entonação reproduzid.a,
". leito aeu" t;;'u;" dita, quer
responsabilidade do
..ro.rïï'reu caráter marcado e ressaÌva
n:ïu.do_. (p"Ì, ;";";, em a
ce que' no centro da parte, d.e vez que L2reconhe_
cidade "-rito pouca
gente ainda mora Iá
assim de nível
34 Drrrro Pnrrr

socioeconômico mais alto", o que demonstra sua participação no preconceito


da Tatá).

As falas pressupostas

Em outras ocasiões, o falante revela que possui recursos para suprir uma
participação que julga incerta ou insuficiente do ouvinte, na interação. Ou,
então, ele domina a tal ponto determinados momentos da conversação, que lhe
parece melhor, ao invés de entregar o turno, pressupor, ele próprio, ao falar, a
contra-argumentação do ouvinte. Esse fenômeno de antecipação do discurso
de outrem na conversação denomina-se fala pressuposta, que pode ocorrer na
narrativas ou em qualquer outïa parte da interação verbal.
As falas pressupostas podem vir antecedidas ou não de marcadores conyer-
sacionais de pressuposição, do tipo você pode dizer, se você disser, se eu falo, eu
diria, você diria, etc. e podem referir-se ao ouvinte, ao próprio narrador ou a
terceiros mencionados na conversação:

Exemplo 7

Ll (..) numa época ou noutra a tua potencialidade de fazer hecatombe aumenta


né? então você veja aprópria bomba atômica né?... no que foi descoberta não con-
seguia arrebentar com o mundo... hoje em dia se eles quiserem já arrebenta... racha
o mundo em dois...assim né? o que não viram na própria bomba atômica... okay?...
então você pode dizer "bom antigamente eu estava com a idéia de arrebentar gente
muito mais do que agora"... mas não interessa eles estão com a potencialidade de
arrebentar maior... pô mesmo sem ser para matar ou não matar... (NURC/SP D2
343, linhas 1705-16)

No inquérito 343 um dos interlocutores, Ll, do sexo masculino, tem uma


participação maior na interação do que L2, do sexo feminino. Esse domínio no
diálogo se projeta, em alguns momentos para as falas pressupostas, que permi-
tem ao interlocutor manter a posse do turno e admitir intervenções supostas,
mais de acordo com a argumentação que vinha desenvolvendo. O recurso é
expressivo a tal ponto que o falante se permite argumentar contra a própria
fala pressuposta, como se fosse uma intervenção do ouvinte ("mas não interes-
sa eles estão com a potencialidade de arrebentar maior").
A pressuposição pode tornar-se, em alguns casos, um recurso bastante tea-
tral na narrativa do falante, que joga com as variações nas falas, no desempe-
nho do papel pressuposto do ouvinte:
Esru Dos DE LÍNcun Onnl E EscRtrA 3s

Exemplo 8

Ll você entendeu? não está um grau alto... está um grau sei lá... menoÍ... a taxa de
suicídio não aumentou mui::to mais?
L2 uhn uhn
Ll porque está num grau mais alto né?... você ficava repressivo assim

L2 mas é que antes outras pessoas


Ll "ai quero me matar" e ficava sozinha na floresta... e chegava a noite "uh uh uh"
você "ah" e corria para casa
L2 mas isso é cultural também M.
t
Ll "ah estou depressivo... deixa eu tomar umas bolinhas..." toma as bolinhas e .'.
tibum ((ruídos)) certo? todos os processos... (NURC/SP 343,D2linhas 1330-44)

Nesse exemplo, temos várias frases pressupostas do ouvinte em meio a uma


narrativa imaginada pelo falante. Note-se que não se trata propriamente de
Lrm turno narrativo, no sentido de uma unidade de discurso fechada que deve
ser respeitada pelo ouvinte. Este sabe que se trata de uma pressuposição ence-
nada pelo narrador e, por isso, tenta por mais de uma vez tomar-lhe o turno.
Embora a pressuposição no ato conversacional ocorra quase sempre em
relação à fala do ouvinte, ela pode também referir-se a um falante impreciso que
passa a atuar na conversação ou até ao próprio falante que está com a palavra:

Exemplo 9

L2 (...) como eu tenho colegas que às vezes não dão um passo... com medo.'. às
vezes eles falam "não... eu tenho tantos filhos... minha esposa... pago aluguel...
poderá não dar certo e ali é um negócio incerto"... que eu acho que seria o tipo da
coisa errada né?... acho que apareceu uma oportunidade... deveríamos aproveitar...
L1 uhn uhn
L2 amanhã ou depoisvocê casavocêvai...ter mais responsabilidade mais... mais medo
Ll uhn uhn é porque você::
t
L2 mais medo
Ll você passa a pensar inclusive em função da sua família também...
L2 entende é mais medo porque você fala ( )"poxa se eu ficar desempregado por
tanto tempo... se eu não tiver uma certa reserva... como é que eu vou me
arrumat?"... (NURC/SP D2 62,1inhas 772-91)

Podemos observar dois casos distintos de falas pressupostas. No primeiro,


o narrador transforma os seus argumentos em falas que oS colegas poderiam

-,,'
36 DrNo PnErr

ter dito a propósito do assunto. O narrador presupõe o que os "colegas" (que, Re

na verdade, acabam na fala tornando-se um falante individual, identificado


pelo pronome ea) costumam dizer em certas situações. Toda a fala é caracteri- L_--
.l -

zadapor uma mudança de frame em relação ao discurso precedente, para mar-


car o tom atemorizado. No segundo, o pronome yocé substitui a forma prono- Gt
minalizada a gente e, portanto, é uma pressuposição de uma fala do próprio GI
falante que está com a palavra. Trata-se de um recurso puramente expressivo e (\
uma forma de sair da linha dissertativa para uma unidade de diiílogo simulado. H(
Embora menos comum, as falas pressupostas também podem ocorrer com e\-

discurso indireto: JE
S(
Exemplo 10 \b

L1 ele pega o carro esporte e se arrebenta... pega uma moto ( ) e se esbodega


t
L2 aquele exemplo que você cleu... não
necessariamente...... você pode dizer que:: porque o carro esporte é mais perigoso
talvez... mas... isso não quer dizer que o processo nãoval não vai ser transmitido...
você pode dizer que chega uma geração que... é tão forte a coisa que se matam por
exempÌo... mas se isso não acontecer:: a ligação vai ser mantida... (NURC/SP D2
343, linhas 1295-304)

Nota-se que L2, mesmo jogando com o discurso indireto na fala pressu-
posta do ouvinte, não deixa de responder contra-argumentando, o que de-
monstra o seu interesse em manter o domínio do turno (pelo menos num
momento da conversação em que vinha participando, em sobreposição, ten-
tando divergir das idéias do interÌocutor): "talvez... mas... isso não quer dizer
que o processo não val não vai ser transmitido"; "mas se isso não acontecer:: a
ligação vai ser mantida".
As falas pressupostas, conforme estamos vendo, não deixam de ser igual-
mente uma manifestação de poder na conversação, uma liderança de que o
falante não quer abrir mão na interação.
Em conclusão, pode-se dizer que, tanto as falas reproduzidas, quanto as
pressupostas constituem recursoso tipicamente expressivos, por meio dos quais
o falante dramatiza seus argumentos, buscando como um ator colocar em cena
certo evento acontecido ou que poderia ter acontecido. As estratégias de repro-
dtrzir, tanto quanto as de pressupor, dependem da situação de interação, do
tipo de interlocutor, do grau de liderança do falante, de seu papel social em
relação ao ouvinte, de sua capacidade inventiva, muito mais do que da capaci-
dade de memorizar os fatos oassados.
5

A hesitação no discurso dos idosos

os "idosos velhos" (acima de 80 anos), em virtude de suas características


psicofísicas decorrentes do envelhecimento ou das pressões sociais que atuam
sobre essa classe de falantes, socialmente marginalizada, nem sempre encon-
tram interlocutores dispostos a participarem da interação verbal, ou mesmo,
simplesmente, ouvi-los. (Cf. Preti, 1991).
As gravações realizadas no Projeto de Estudo da Norma Lingüística urba-
na culta de são Paulo (Projeto NURC/sp) e no projeto de Estudo da Lingua-
gem dos Idosos velhos de São paulo (LIV/sp) demonstram que esses falantes,
em geral relegados ao silêncio pelas pessoas com as quais convivem (a .,suave
violência do silêncio'] referida por winkin,lggl), passam para um comporra-
mento de grande loquacidade, quando têm a oportunidade de se fazerem ou-
vir com atenção pelos seus interlocutores.
Para entender por que o idoso se marginaliza na conversação, é preciso ter
em mente que o processo de envelhecimento adiantado prejudica as habilida-
des de comunicação, pois a conversação, como um jogo, possui regras e con-
venções marcadas e, não raro, negociadas previamente entre os interlocutores,
de acordo com os parâmetros culturais de uma sociedade..
uma das causas que colaboram para o desinteresse dos falantes de outras
faixas etárias pelo discurso dos idosos é que o envelhecimento se manifesta
com intensidade sobre as reações psíquicas, sobre o poder de reflexão e análise,
sobre a capacidade comunicativa e receptiva, gerando uma natural lentidão no
"idoso velho'] que impede o processamento, recepçào e compreensão das in-
formações, numa velocidade compatível com os padrões conversacionais dos
demais falantes. Helfrich (1979:8) refere-se a estudos que demonstram que,
"em idade avançada - 65 a 90 anos - tendem a aumentar, enquanto o
as pausas
tempo de articulação tende a decrescer". Nas sociedades urbanas, em especial a
sobrecarga das atividades reflete-se consideravelmente na pressa de comuni-
car, na necessidade de uma compreensào mais âgilerâpidapara poder interagir
com eficiência na conversação. São características, em geral, ausentes nos "ido-
sos velhos", cujo discurso é marcado pelo excesso de pausas, decorrente das
hesitações.

.
48
DrNo Pnrrr

o fenômeno da hesitação na linguagem faz parte,em maior ou


menor in-
tensidade' de qualquer tipo de falante, de qualquer
faixa etâria,em quarquer
situação de comunicação. euase sempre é um problema
de memória, mas pode
refletir o precário domínio, pelo falante, do assunto
desenvolvido na conversa_
ção' Assim, podemos tomar, ao acaso, exemplos de discurso de jovens ou
de
idosos: I

Exemplo I
L1 e::: sempre... quem manda é::... (4 segundos)
os... a:::... - como é que se diz? ...(5
segundos) especulação imobiliária né? (Nuc/sB
343D2,linhas 7|-g,falante d,e26
anos, masculino)

Exemplo 2
Ll. a ganga regra geral::... (2 segundos) é::...(3
segundos) vemos ver se tem uma
coisa que::... (2 segundos) era uma espécie de
que se chama esse negócio aqui:: meu Deus
de de de de de de de de:: _
como é
do céu? (3 segundos) esta:::... ( 4
segundos) (NURC/SR 396 D2,rinhas 734-37, falante
de g"r anos, mascurino)

Ë,xemplo 3
L2 ai jánão sei já não entrei::.'. (2 segundos) porque
lá es/ éh:::... (2 segundos) tem os
kren-akarore não sei mais o que mai são,::...
iz segundor; t.ibo, urrià que têm mais
ou menos a mesma estrutura todos no no... AIto
Xingu eu acho baixo não sei... (2
segundos) e'.. (2 segundos) aí eu não entrei... (NunÕsp
343 D2,linhas 750_55,
falante de 26 anos feminina)

Enquanto os dois primeiros exemplos refletem casos


típicos de falhas mo-
mentâneas de memória, o último mostra o desconheci-errto
do assunto por
parte da falante. Nos três, os alongamentos de
sílabas, as pausas de maior ou
menor duração, as repetições contribuem para o processo
de disfluência, em
nível discursivo' e de ruptura dos segmentos, em
níveÌ sintático.
os exemplos I e 2 revelam, ainda, o pedido de coraboração
do falante (por
meio da intercalação de uma parentética: "como é que
se diz?,' ;..como é que
chama esse negócio aqui:: meu Deus do céu?"). Ele
pretende o auxílio do ou-
vinte para a lembrança da palavra esquecida. Tiata-se
de umcaso curioso que
bem demonstra como, às vezes, o falante, depois de
tentar conservar o domí_
nio da palavra' procura realizar uma entrega de turno
controlada, apenas para
que o interlocutor colabore momentaneamente,
o que pode nem chegar a ocorrer.

ll"1otot retirados do corpus NURC/SB publicado em castilho & preti (r987) . A linguagem
falada culta na cidade de são pauro - DìáIogos entre dois informantes.são pauro:
T.A. eueiroz:
FAPESP. v. II.
EsruDos DE Lírrrcun Onnt E Escntrn 49

Apesar de comum em todos os falantes, a hesitação ganha maior freqüên-


cia no disCUrsO dos "idoSOs velhOs", p6rque, confOrme sabemos, O proCesso de
envelhecimento prejudica gradativamente a memória (e, com mais intensida-
de, a memória dos fatos recentes) e a audição.
A hesitação pode manifestar-se de três formas:
1. pela repetição de um mesmo vocábulo seguidas vezes;
2. pelo alongamento de sílabas, seguido de pausas de menor ou maior duração;
3. pelos marcadores de hesitação: éh, éhn, ahn' uhn, agora, digamos, mas, etc'
Exemplo 4
Ll meias de seda... marca Águia que eram as mais finas
L2 uhn:::...
Ll eram as mais finas... e:::... vestidos de :::". vocês usavam vestidos parapara
parapaÍabaile de organdi... regra geral...
L2 éh::
L1 de organdi... ou::... outros tecidos que desapareceram como::... o::... digamos...
o:::... o voile... o voile de lã... (NURC/SP D2 linhas 90-7, falantes com mais de 80 anos)

Podemos observar, nesse exemplo, as hesitações que ocorrem pela repeti-


ção de preposições (para) e do artigo
(o); pelo alongamento de vogais do arti-
go (o:::), preposição (de:::) e conjunção (ou:::); pelas pausas que se seguem a
esse alongamento; pela presença dos marcadores de hesitação (éh, digamos).
Em todos esses momentos, o falante está buscando o vocábulo esquecido na
memória ou a forma de continuar sua frase; enfim, ganhando tempo e man-
tendo o seu turno.
Essas características influem sobre o andamento do discurso, cujo ritmo se
torna desigual: às vezes, lento; outras vezes' rápido em seus arrancos.
A hesitação pode também ser responsável pelo fenômeno da reformula-
ção, muito comum na língua falada. O exemplo
anterior pode, ainda, ser lem-
brado: "... e:::... vestidos de:::... vocês usavam vestido para para para para baile
de organdi..." O esquecimento momentâneo do vocábulo organdi faz o falante
abandonar o segmento que iniciara ("o vestido de:::...) reformulando a frase,
na qual o vocábulo aflora, ao final.
A freqüência da hesitação no discurso dos "idosos velhos" revela, paralela-
mente, apesar das falhas da memória, uma preocupação em manter o turno' o
que nem sempre acontece. O interlocutor facilmente interfere, toma a palavra
ou, se for seu desejo apenas colaborar, vale-se do recurso do engate2 para com-
pletar o pensamento do falante que estava com a palavra:

2 O engate ocorre, quando o interlocutor' reconhecendo a estrutura que está sendo desenvolvi-
da pelo falante que está com a palavra' resohre completá-la, antes que ele o faça.
50
Dlruo PnErr

Exemplo 5
L2 quando ficou viúva... e::: mas você nao pagava porque
vovó tinha casas
depois... você cedeu a casa::... para o:::
o::...
t
L1
Macedo Soares
(NURC/SP 396D2,linhas 1097-1
100, falantes com mais de B0 anos)

As hesitações podem conduzir, também,


a outras alterações em nível dis-
cursivo. Assim, nos assuntos que envolvem
posições conflitantes entre os inter_
locutores são comuns as repetições hesitantes,
as pausas, os alongamentos, às
vezes, em busca do eufemismo salvador.
É o que ocorre, quando os idosos in_
teragem com jovens e precisam manifestar
sua posição contráriaà mudança
dos costumes, por exemplo, em particular,
no campo da moral:

Exemplo 6
Ll o rapaz iria iria iria tirar uma moça... ele
estava sujeito a levar uma tábua
mesmo...
Documentadora ((risot t
Ll estava sujeito a levar porque as moças... eram muito mais... mais:::... bom
costumes eram muito ma/ evidentemente os

Doc.
Ll muitomais
Doc. sei
Ll mais severos... do que hoje... (NURC/SP, idem, linhas 269_80)

Nesse fragmento, o farante procura


um adjetivo que qualifique a moral de
sua época, quanto às relações sociais
entre o homem e a mulher. Tiata_se de
um ponto da conversação que lhe causa certo
constrangimento, porque a
Documentadora é jovem e, no fundo, há uma
crítica verada ao comportamen-
to da mulher moderna. Ele mesmo dirá, em
outro momento, ainda com certa
hesitação, que "tinha... algumas moças que:::...
que eram bem mais Ìevianas...
mas era muito raro... muito raro...,'
o inquérito NURC/SP D2 396, que nos está
servindo de principal base
para as considerações deste artigo, apresenta
316 0corrências de hesitação, as_
sim distribuídas em relação ao ponto em que
ocorrem no discurso dos idosos:
EsruDos DE LÍr.rcun OnnL
E EscRlrA
51

N.o de Local do discurso


Ocorrências
9B
Depois dos artigos
21 31
Depois de pronomes
21
adjetivos
Depois do verb o ser 7
61 7
Depois das conjunções
46 Depois das preposições 19
11
Depois de outros pronomes I4
9 3
Depois de outros verbos
15 3
Depois de advérbios
25 Depois de marcadores 5
9
de hesitação
B
Em outros pontos
3

Esse quadro permite-nos


concruir que o fenômeno
predominantemente nos da hes rtação ocorre
seguintes pontos do
discurso:

dos nomes (substantivos);


ou antes dos adjerivos
,r"J:*l::s em função
Assim , 3lo/o das ocorrências
se dão depois dos determinantes
(artigos, adjetivos) de nomes
em qualquer posição
na frase e 7o/o após o verb
zando 3\o/o das hesitaçÕes: o ser,totali_

Exemplo 7
L2 tinha uma uma
umas primas (NUC/Sp,
idem, linha 764)
Exemplo g

de corete
e:: nos no no no::::nos
.*i.,túïï:fïïï:*Jï,ïíï.ï,ïï#estão
te... (NURC/Sp, idem, tos assustados não
tinha qualquer toale-
linhas 6l_4)
Exemplo 9
Ll mesmo essas essas:::... firmas
como La Saison e ouftas...
(NURC/SB idem, ünha g9l
)
Exemplo l0
Llentão o guarda cívico quase
todos eles .r1l'-"flrrr eram:::...
QUAse Todos eram portugueses... (NURC/SR era::::... portugueses...
idem, Ìinhas 327_g)

as preposições,
interrompendo
3:.npOr
Há |4o/o de ocorrí3ncias na
g,uuuçao,."lïlï:ïïJ:t:Ë-"ïui,"po,i-
ção de:
52 Drno Pnrrr

Exemplo 1l
Ll nunca freqüentamos:: essas soirées assim de::... do Clube Internacional ou desses
cÌubes assim de... dos grã-finos (NURCiSR idem,linhas 508-10)

Exemplo 12
Ll essa guarda-civil que existiu até há pouco tempo... foi feita exclusivamente paÍa
recepções... e teatros... não tinha outra função ... depois passou a... a a a exercer
o::... a fiscalização de rua... (NURC/SR idem,linhas 331-5)

3. Depois de conjunção, na complementação de um segmento do discurso


ou no início de um novo tópico.
No diálogo examinado, o predomínio é da conjunção coordenativa e, num
total de l5o/o para l9o/o de ocorrências de conjunções.

Exemplo 13
Ll ... houve a::... a invaSÃO:: de São Paulo... por...
por por pessoas:: não só de
fora... principalmente de fora... cresceu muito depois da guerra... imigração... e::::...
e do norte sobretudo do norte... (NURC/SP, idem, linhas 62I-5\

Nesse trecho, com muitas hesitações, observa-se o alongamento e pausa


prolongada depois da conjunção e que inicia a informação final que completa
o tópico ou subtópico que o falante vinha desenvolvendo.
Um dos momentos freqüentes de hesitação com a mesma conjunçào ocor-
re na rememoração das datas em que se deram os fatos:

Exemplo 14
Llo:::: sírios já foram modificando um pocadinho o::... o o::: sistema de negócios
mas até mil novecentos e... e::: vinte::... (NURC/SR idem, linhas 672-4)

Exemplo 15
Ll por volta de mil novecentos e:::.. . talvez mil novecentos e::
L2 e vin::te...
t
Ll e TRInta e que começou com:: como... passou a a a ater tecidos... (NURC/
SP, idem, linhas 843-7)

A dificuldade em precisar o tempo passado causa a hesitação que, às vezes,


não se resolve nem com o "discurso a dois", isto é, com a colaboração do inter-
locutor.
Uma comparação entre as ocorrências em inquéritos NURC/SP de 4 dife-
rentes faixas etárias, acima de 80 anos ( "idosos velhos", inquérito 396), de 60 a
80 ("idosos jovens", inquérito 333) de 36 a 55 (inquérito 360), de 25 a 35 (in-
Esruoos or Lítcun Onnl e Escnrrn 53

quérito 343), veriamos que a média de hesitações se revela bem mais


alta no
primeiro grupo:3

\.o do inq. Tempo N.o ocorrências o/o por minuto


396 75 min 3r6 4,2r
333 57 min r39 2,43
360 66 min 73 1,10
343 B0 min 87 1'08

Poderia parecer, a princípio, que o fenômeno da hesitaçào também


interfe-
riria na densidade das frases e no volume de palavras empregado no discurso.
Mas essa constatação demandaria uma continuação deste estudo,
com um le-
vantamento mais exaustivo de dados, compreendendo inquéritos
das várias
faixas etárias.
uma amostragem pequena tornou-se irrevelevante nesse sentido, quando
nos utiÌizamos de 3 inquéritos: 396 ( acima de g0 anos),360 (acima
de 36 anos),
62 (26 anos):

\J.o irq. Tempo N. o de palavras o/o por minuto


396 75 min r0.336 r37
360 66 min 9.648 146
62 87 min rr.370 130

Esse fato, talvez, pareça demonstrar que os idosos possuem


mecanismo
compensatórios em seu ritmo de fala, isto é, momentos de lentidão
se alternam
com outros mais rápidos, pois esses falantes, normalmente, costumam
falar
aos arrancos.

O Projeto NURCiSP só abor da 3 faixas etárias: 25-35; 36-55; acima de 56 anos.


15

Estrategias conversacionais
no
dialogo de ficção: em busca
de uma
teoria da "conversação fite raria"

Âs gravações em fita magnética


e, ffrais do que elas, as gravações
têm possibilitado, hoje, rr-u áo.u-entação de údeo
bastànte interação
bal na conversação ,trazend.o para ver_
aanálise ringüística "n.i"ri"áu
a reprodução dos atos de
fala tal como se realizaram.
No entanto' sabemos que nem
sempre podemos ter à mão
mentos tecnorógicos para documentar esses instru-
características da conversação
raro' recorremos à nossa memó e, não
ria parareproduzir .rrru,egiu,
documentos escritos da mídia áiscursivas ou a
o, à" fir".utura, para exemplificar nossas
rias' Assim, se fizermos um levantamento teo_
dos textos lingüírii.o, qrr"
problemas interacionais na ríngua tratam de
falada,vamos encontrar um
de diálogos grande número
escritos publicadoJpera imp.ensa,
transcrições de entrevistas,
nicas etc., bem como muitos crô_
textos lite;ári
rsroparanãofalarmosdaexemplio*rr"i,*'ià:'^:::iï;:,*H:rïrt:rftï"ï
drinhos'
à propaganda, tambéÁ pr"r"r*,
,u documentação de textos farados.
Quer dizer, podemos entender cada uma
dessas fontes como repositórios
de modelos falados, de esq-t,emas
de dialogos reais, guardados
quem escreve na memória de
com indicação' não raro, doìue
podemos chamar de estratégias
conversacionais.ETas podem
resurtar das intenções que precedem
sacional o ato conver_
ou de alterações ocorridas durante
o seu andamento. Referimo_nos
uma estância pragmática' que pode a
ser reverada p"ro .ru.rJo,
prios interlocutores, ocasionanào o,, p"to, pro_
possíveis alteraçoes de seu .o-portu_".rto
verbal. são formas que os farantes
prurrelu- no início ou durante
do diálogo para expressar ou não o andamento
o que realmente pensam; para se
compreender de uma maneira fazerem
qtle lh"s interessa; para ocultarem
não explícitas em seus atos; para intenções
revelarem sua aproximação
do interlocutor; para buscarem ou afastamento
.o-p.""nrão ou entendimento; etc.
Goffinan (i9g9) cunhou' com propriedade,
de "modus vivendiconversa-
cional" o ato de os interlocu,o.", pr*.ràr",.
irrt.rugi., .rriturrdo .orrflitos (que,
152
Dlruo Pnrrr

apesar de tudo, podem


ser, às vezes, a intenção
dos farantes ou de
choques decorrentes de possíveis
p;;;; sustentação daface.rais um deres),
.,
conversacionais, também, estratatégias
podem estar presentes na
contramos no contexto da "conversuçat escrita e, não raro, as en_ fic

permitem compreender
nt.r,i.i;;;;mentos que nos AU
merhor o p"rfiipsicológico
estado no diárogo, justificando dos interrocutores, seu reaÌ çÕ
as tecnicìs hngüísticas que empregam po
dar certos temas, influir para abor_
sobre o .;;r., reverar poder ou submissão,
dar rea_ exl
escondem;;;' de espirito
l,*l*t:*'J::,:;: -,,i,o air",entes do que
co1
Intervenções oportunas do
narrador. Ìan
recerosftaçosda,;,:";*;;:;,;ffi
conscientemente pelo
ï:ï"t1ï:,ti.,i:ill,lLJ,',ï"ï:ï:ï rin
*11ÌlD narrador, dírante o rerato,' (urbano, ger
,l: {lhr
tos pragmáticos fundamentais 2000:2r),eremen_
''|| para percebermo, ;;r;;ì;;ãï'.or,rr.rrucionais pel
"fi empregadas peras personagens,
as marcas de interativi
Ë
Este artigo decorre de um
a^a""o" alaogo de ros
{rrtb

projeto que pretende mostrar ficção.


descobrir' no diárogo riterário, caminhos para
ffi
:m
porrtu"irt rquemas conversacionais, feVi
velam na construção de textos que se re-
ffi á" n.fio"irtas brasileiror,.- per:
de sua obra, considerado l.rro, momentos
o contexto trriori.o-..rrturar
vem e os modelos de competência que os autores descre_ Ç)r ^

comunicativa que i"r..i".J"*m .-t


Ll.:- ì
a suas personagens. e atribuem

Daremos preferência aos


a" .:
romancistas conhecidos Ìir*
construção de suas pera sua hab'idade na
ffi
o::r^.ïï*r, cuja linguagem se revela um dado imporrante nl "-l
para a compreensão das
cenas e dos fatos em que
ffi se envorvem. por uma .'
jip
tão de espaço' vamo-nos ques_
ater, aqui, apenas à análise dos
'ffi
Caetés, de Graciliano Ramos, de exemplos do romance
putn.uão ,ro irri.io da década frec ,
de 30.
pela

1. Uma teoria da ,tonversação


:$
Peça
ã literária,, rant c
C
Ï Ao situarmos nosso tema dentro
dos rimites da prosa literária, res ei
diatamente tentados a discuti-ro somos ime_
ï .- pi;;;; estéticos, ou seja, não apenas conc,
rentes aos movimentos riterário, refe_
o.rà determinado _"_;";.listórico ximai
conseqüente ligação com e sua
os estilos de época, mas ração
também às próprias relações
entre arte e realidade, entrando
.- probr"-as de teoria
riterária, como a veÍos_
similhança entre o texto criado
i . o, furo, reais que podem ter-lhe servido 1,
i base' Dizer que esses problemas de
,;$:
.iÉtÍ
r:ffi
podem ficar alheios à análise de nossos
"ii los de conversação mode_
'Í!,
'"riuigrrorut; o. rrrfo.-ações
da "conversação literária"-deve "-;iiü" de que o analista Qr
'.
versacionais' Mas não é por
-r"t^a, O".u .oapr""nder as estratégias con_ algur::
essas tt'hu. canl. -
ffi, irr. pretendemos caminhar aqui.
Ë

Ë.
$
':i
EsruDos DE Lírrrcun Onnl E EscRtrA 153

Por outro lado, em momento algum queremos afirmar que


os dirílogos de
ficção podem representar exatamente a conversação natural,
cujas marcas mais
autênticas (marcadores conversacionais, hesitações, frases incompletas,
repeti-
ções, sobreposição de vozes, etc.) nem sempre se revelam nos textos escritos,
pois uma tentativa de mera transcrição da fala poderia não coincidir
com a
expectativa do leitor de um texto literário.
Mas as personagens literárias poderiam revelar em seu diálogo
estratégias
comunicativas ideais, surpreendendo-nos pela forma como expressam,
simu-
lam ou escondem suas intenções; como marcam com suas palavras
uma apro-
ximação ou um distanciamento de seu interlocutor; como fingem
camarada-
gem ou revelam hostilidade; como chegam por meios verbais
diferentes ou até
pelo próprio silêncio aos mesmos fins; como se tornam intencionalmente
cla-
ros ou obscuros no que pretendem comunicar.
os dirílogos construídos na ficção podem operar, às yezes, por padrões
ideais,
revelando-nos de forma mais precisa as ligações entre estados
interiores das
personagens e sua expressão verbal, pois informações contextuais
do narrador
esclarecem-nos' quem sabe com mais precisão, os reais estados psicológicos
das personagens ao articularem certas estratégias na conversação.
Não se trata,
evidentemente, de vermos em tais textos formas mais ',corretas,,
de falar na
linguagem natural, mas, sim, de encontrarmos modelos mais
eficientes de co-
municação em busca de certos fins.
Nesse sentido' como reconhecem Tãnnen e Lakoff (1994:139), acostuma-
dos à aniílise da conversação natural em fitas de gravação, .,somos
atingidos
freqüentemente de um modo perverso pera sua aparente falta de
naturalidade,
pela sua dificuldade em ser compreendida. comparada com
o diálogo numa
peça ou num romance, a conversação natural nos atinge com
o que não espe-
ramos, não operando por um padrão preconcebido."
o conhecimento de exemplos de conversação, interiorizados pelos escrito-
res em várias épocas e expressos na linguagem de suas personagens,
poderão
conduzir-nos, pois, à revelação de estratégias conversacionais, que podem
apro-
ximar-se ou não da fala natural ou até figurarem como modelos
de uma inte_
ração ideal.

1.1. Os fatores extralingüísticos

Quando analisamos uma conversação naturar sempre devemos ter em conta


algumas características ligadas aos interlocutores ou às condições que
os cer-
cam, enquanto interagem:
154
Dlr.ro Pnrrr

Pode-sefazer a análise das variações de


comportamento lingüístico dos falantes,
tomando-se como base as variáveis
sociais, considerando-se, nos farantes,
faüa etária, sexo (gênero), profissão, a sua
escolaridade, origem geográfica,
suas variáveis psicológicas, bem como
seu tipo de pessoa que explicarìa Ãuitos
sua linguagem, como' aspectos de
por exemplà, ,.,, .it-o di uoz.il;;;;rì;;;es,
situação de comunicação, isto e, associadas à
ar .orraiçã.s em que se desenvoive
(local, grau de intimidade entre a conversação
ot ra*i.r,
tema etc.) poderiam fornecer pistas
para uma análise próxima da realidade do
*ã ãu,,in.u., ri,,;"s; :;ii ï,ïï::i Jïffiï: .ï ïi.ï
f
u

-ítb
1*? f "
.,,È
llt
)(t
Da mesma forma, no diárogo riterário,
o contexto e a qualificação das per-
sonagens poderão facilitar-nos
a compreensão da linguagem ut'izada.
mos' este fragmento de diárogo .- veja-
q.r., entre os vários interlocutores, um é
promotor público. Durante a interação,
que ocorre num salão de bilhar,
pretende valer-se de sua condição ele
profissional, para justifi.u. ua,
cometera e que resultaram na liberdade .r.udos que
de um criminoso:

Ex. 1

- Continuamos nós? perguntou o italiano


- Não vale a pena, respondi. Seu Silvério, o tempo.
E, recolhendo o troco:
- Sempre os senhores puseram na rua o Manoel Thvares, hein?
- Eu não! Exclamou o Dr. Castro. Foi o júri.
- O júri? Estranhei. O senhor tambérn. Érta urrto. O senhor
apelou?

- Não se afobem, -..r'"-,g*. c;;;;;. i'_.j


- Quem é que está brigando, seu Varejão? Retorqui de mau modo.
- E que os senhores conversam aos gritos. E o Neves passou uí._ berr:
acolá na esquina' euando andarem f..nt., pu.o., conl
rï*ir*a1, não vão pensar que fui eu.
- E: r:*oljulga que eu me importo com o Neves? Não me importo, ocul
não tenho
il:1ï.j|}ï'ft
dele nem de ninguém, u*a.i .o-
i*; ;";l'i,'fï.qu.,oao, Pain
ïTì O t.
- Exatamente o que ia dizer, declarou
o Dr. castro. Não tenho medo de
nem do Neves nem d1 ninguém. De ninguém, rio r;
ninguémr renho a minha consciência.
que eu ia dizer.A minha consciência. Era o \rO q.l
E sãu bacharel.
- Ah! É bacharel? Meus parabéns. I
E olhei-o com escárnio por cima
do ombro do pa5çeu1, que se meteu pela
Aparentando calma' comecei a escovar de permeio.
u goiu ao paretó, esforçando-me
firmes os dedos, que tremiam ligeiramentel por ter
-João Valério, gritou Isidoro cot raiva, você vem ou fica?
- /á vou, Pinheiro. Foi você que perguntou ao Dr. castro se eÌe
era bachareÌ? Eu não
fui. Foi você, pascoal? Foi o senhor^""
V"*;rã? Tâmbém não foi. Está ai.
ESTUDOS DE LÍrrrCUN ONNI E ESCRITA 155

o Dr' Castro deu dois passos, apoiou a mão gorda na


tabela do bilhar:
- Senhor Valério!
- É discurso?
- Com mil diabosl Exclamou Isidoro.
-,Não, senhor' gaguejou o promotor roxo. Não sou nenhum tolo,
não tenhomedo de ninguém, compreende? ouvindo? E
está
Nem do senhor, nem do Neves, nem de
ninguém. Não sou nenhum tolo.
- O senhor disse.
- h. Era o que eu que ria dtzer. E a minha consciência é limpa.
- Qual consciência! Soltou Manoel Tâvares porque lhe mandaram que não
se. Ora consciência! apelas-

- consciência' sim senhor. consciência! E


nào admito. sou amigo de todos, não
gosto de questões, mas nâo admito. Nas
atribuiço.r
mesmo' está certo. Tenho integridade, não
in.r.ni.r;;4" cargo... E isto
vergo, tenho... tenho integridade.
- Bonitol Recebeu ordem...
- Não recebo ordem, não me submeto. Firme, entende como é? Escravo
da lei, fique
sabendo. Comigo é em cima do direito,
percebe? Desde pequeno. a mintra
cÌara. cabeça levantada, com desassombrà, viaa e
na trilha do dever, ali na linha reta,
preende? Ora muito bem. Não ando ' com_
seduzindo mulheres .";"ã;.
- LOmoí
- É isto mesmo' Não vivo com saltos
de pulga, ninguém encontra em mim
palha. Amigo de todos, mas com seriedàe, rabo de
sem maroteiras.

- 1.::) O que eu quero é que este idiota me diga...


- Idiota é sua mãe.
quais são as maroteiras minhas que eÌe
-... conhece.
(Ramos, Graciliano. Caetés p.lg}_l)

Pelo contexto da narrativa, sabemos que


/oão varério, o narrador e tam_
bém principal personagem da históriu, é
.rL modesto .o.rtudo, que se envolve
com Luísa, mulher de Adrião, em cujo armazémtrabalha.
o .o-u.rc", embora
ocultado pelos amantes, acaba motivando
desconfianças na pequena cidade de
Palmeiras dos Índios, onde vivem. Algumas
personagens, entre as quais o pro-
motor castro, procuram valer-se das suspeitas
para acusar Ioão varério. poste_
riormente à cena que citamos, que termina
numa tentativa de agressão, o ad-
vogado encaminhará uma carta de denúncia
a Adrião.
Há algumas características da linguagem do
Dr. castro que se expricam
pela sua profissão:

- A minha consciêncial E sou bacharel.

- Nas atribuições inerentes ao meu cargo...É


isto mesmo, está certo. Tenho integri_
dade, não vergo, tenho... tenho inteeriãade.
156 Drruo Pnrrr

- Escravo da lei, fique sabendo. Firme, entende como é? Escravo da lei, fique
saben-
do. como é em cima do direito, percebe? Desde pequeno. A minha viáa é clara.
cabeça levantada, como desassombro, na trilha do ãever, ali na linha reta. com-
preende? Não ando seduzindo mulheres casadas-
- Como?
- É isto mesmo. Não vivo com saltos de pulga, ninguém encontra em mim rabo de
palha. Amigo de todos, mas com seriedade, sem maroteiras.

como foi pego de surpresa por foão valério, que já o provocara antes, pois
reconhecia nele um homem que se defendia mal, recorreu à acusação moral,
valendo-se de um conhecimento partilhado pelo interlocutor, embora só hou-
vesse suspeitas sobre o caso amoroso.
A sua constante referência à lei, ao direito, à sua condição de bacharel, sua
propensão para o discurso marcam bem sua linguagem como própria de um
homem que trabalha no júri.
Por outro lado, a provocação de João valério se deve menos ao seu senso de
justiça do que ao fato de o Dr. castro ser o futuro genro de Nazaré, seu conhe-
cido, que revelara em cena anterior, por meio de indiretas, ter conhecimento
de seu caso com Luísa. Não podendo vingar-se de Nazaré, passara a provocar
o
Dr. Castro.
vemos, pois, que o levantamento das variáveis socioculturais das persona-
gens' seu tipo psicológico (valério, poï exemplo, é um tímido e essa condição
se evidencia na sua insegurança e formas indiretas de acusação), bem como
justificativas de ordem pragmáticas, relativas aos fatos que lhe antecedem,
nos
permitem compreender melhor o comportamento verbal dos interlocutores.
Mas, ainda assim, é insuficiente para analisarmos as estratégias conversacio-
nais de cada um, durante a interação.
Além disso, é importante na interação que o falante conheça o estilo nor-
mal de seu interlocutor, isto é, o que pode ser esperado de sua competência
lingüística, baseado em conhecimentos anteriores do mesmo interlocutor. É
uma suposição, às vezes, mas lhe permite :utilizar certos recursos, como, no Ex l,
a ironia em relação aos valores morais do Dr. castro, no exercício de sua profis-
são, colocando em perigo suaface e colaborando para a sua disfluência na fala.

1.1. As estratégias conversacionais


r
l_Poderíamos situar o estudo dessas estratégias dentro da Análise da con-
versação, mas também das teorias da Pragmática e daAnálise do Discurso...Esse
EsruDos DE Lírrrcun Onnl
E EscRlrA
157
tipo de trabalho z

esrudam*,**ïiiïi1H;,ïn',',ïïï:'.H:J::ïï?'ïïïïiïï.ïtr:
nicativa; o encadeamento
de suas intervenções e aí
de estratégias de clnyeao estreitamente dependente
da paravra, de.um trabarho
permanente. (...) o dirilogo impÍcìto de negociação
é menos um intercâmuio
rrurãorrioso de informa_
ções do que uma rede flexíver nu quur
cada um tenta aprisionar
ciador.', (Maingueneau, seu co_enun_
1996:23) Ë nesses embates,
violência, os farantes tentam que podem chegar até a
evitar as ameaças de desvatoii
gem social na conversação, zação d,esua ima_
salvando ou_perden do a
& L*i";;i face,para usarmos
iirtt,que
a co_
;H'*:1ïïâï-*" reracionu uìi,,g,ug.- ao com_
U:n dos problemas que tem
merecid atenção por parte
AnáÌise da cànversação dos estudiosos da
refere-se às difer
várias persp".ti,uì de anárise
tem sido à-e-seeïç#Ìnï:iliï1ï.i:fï
139), mas hoje se insisre
na idéia a" uÃ-*ntinuum
ï#,,ili_
"mesmo porque existe entre, ;;;, modaridades,
uma irrãrmar que ,. up*i_JJu
formal que se aproxim,a "r.ritu
du r",itu, d"f""ã*g"
fara e uma fara
va' Assim, o que se pod
do tipo de situaçao comunicati-
e dizere q"" u ir.ri,a
formal ea fala informaÌ
os pólos opostos de.um constituem
contínuo, ao longo do qual
," ,ir""- diversos tipos
", em
ff Ïï,i:ïïï:3Ï,i:::l; ï:ïjïj*:' "*bo.u," .uit" raá, direrenças
mento na ríngua fatadae,,u ao pru,,"ju-
pectiva interacional em
e,.,ita.E;:ilr":::i*ï,ï:'ïeito
que se
De uma maneira gerar, lembru-o, au..r,rutÇi;J:::ï:#:.
coloca este estudo

Halliday (1985) e ochdtrzg),."*;;;;,


qr. autores como Bernstein (1g7r),
insisriram em argumas
mais rigorosas que levaram dicotomias
às conhecidas oposições
textualizada/descontextu entre fala e escrita:
con_
alizada; irnpf.ìta"*pti.iu; ."aurráuï,ìl.orra"nsada;
ffi :rffi;i^lí)iii;i^thp"'i'urp"".ü,'aonormarizadatnor::matizada.(cr.
Uma dessas características
nos chama particularmente a atenção,
refere à fala como atividade pois se
não planejadl, t"rrdo em
vista que uma
ção pode ser iniciada numa determi.,áda conversa_
direção utt"ru._ã.ÃpÌetamente,
em função das intervenções "
de um dos inte
próp ria inte"
r", oì r"-u
cle-se ao longo dela, "com
u," ar un," ; ì;ì:ï:::ï:ïff#:::ï:;:ï" #
a projeção de ouúo ou
quer haviam sido imaginadãs outros tópicos, que nem
ao irri.io.;;-, no Ex.
se_
versação acaba por levar r, o andamenro da con_
os interrocutores a um
conflito, rrao p.tu uurorvição
Castro, mas pela atusão de
ao caso amoroso entre
;ï:ï:"ï:# Vatério e uma
158
Dlruo Pne l
Mas é preciso lembrar que, freqüentemente,
iniciamos uma conversação
com propósitos determinados e, pelo
menos num primeiro momento utiliza-
mos certas estratégias discursivas na ,
abordagem do tema que prevemos.
se trata apenas de uma eraboração E não
prévia de um conteúd;;;iu,r-
uma seqüência imaginada de argumentos, rópico, de
mas até da preparação prévia de
certas formas de dizer para expressar
sentimentos reais o,., ruiro. ou até estados
dúbios' Assim, no 8x.1, valério provoca
o Dr. castro por meio de uma frase
com uma impricatura conversacional
bem clara, tendã em vista os conheci_
mentos partilhados por todos os presentes:
"sempre o, ,".rh*, puseram
rua o Manoel Tâvares, hein?'l na
são do dia-a-dia exempros em que começamos
a elogiar o interlocutor,
para depois lhe pedirmos um favor;
.- q,r" dizemos frur""s d" duplo sentido
para não revelarmos diretamente
um sentimento; em que falamos das
de um comportamento, para depois virtudes
fazer uma critica;em que tentamos
nar um comportamento mais danoso para aÌter_
acontinuação d-" ,r- diálogo com
um mais agradáver ao nosso interlocuior.
Essas estratigu, prerriu, que fazem
parte da habilidade do falante em tratar
certos temas contrastam com outras
em que os interlocutores se envorvem
em conflitos, desde o início, por revela_
rem abruptamente as reais intenções
de suas palavras. A propósito, arudindo
teoria das faces, e à necessidade de estratégias à
para -urrre-à na conversação,
afirma Maingueneau: "É contudo necessário se autodesvalorizar
um
pouco para
valorizar o outro e ser' em compensação,
valorizado po, .f". oui um trabalho
incessante de negociação entre iorças'contraditórias.j
rop..it.p.ìzgr
. É evidente que tais estratégias podem mudar repentina e s'eguidamente
longo da conversação, diluir-se, exigir ao
replanejamentos contínuos, que são
dos em função das intervenções de cria-
nossã interlocutor. Talvez,fá. irro,
resolveram teóricos
atenuar essa característica
das modaridades de líng'u'a, fururrdo,.o-o
ochs (1979), em "planejamento restrito",
incluindo a própria escrita que, em
última análise pode, também, dependendo
de ,.r" firruiidude e de seu gênero,
não revelar maior planejamento (um
recado, um b'hete pessoar é redigido, em
certas circunstâncias, sem reverar um
plano determinado na exposiçao das
e até em sua sintaxe). idéias

Na modalidade falada, poderíamos concordar


com Koch (op.cit. p. 69),
quando, referindo-se à conversação
natural face a face,ufir_u, '

1. é relativamente não planeiâvel de antemão, o que decorre, justamente,


nature za altamente interacional; assim, de sua
ela é localmente planejada,isto
jada e replanejada a cad,anovo,.lance,,do é, plane-
jogo.
2. o texto falado apresenta-se "em se fazendo'l
isto é, em sua própria gênese, ten-
dendo, pois, a "pôr a nu" o próprio processo
de sua construção.
Esru Dos DE LÍlrcun ORAL E EscRf rA
159

3. o fluxo discursivo apresenta descontinuidades


freqüentes, devidas a uma série
de fatores de ordemcognitivo/inte rat'ae que têm, portanto,
justificativas prag-
máticas.
4. o textc falado apresenta, assim, uma
sintaxe característica, sem deixar
como fundo, a sintaxe geral da língua. de ter,

(Koch, 1992: 69)

o diálogo de ficção se presta a uma análise das rerações


entre os propósitos
iniciais do falante na interação e as
estratégias que escorhe para desenvorvê_las,
porque podemos servir-nos das informações
do narrador e do contexto. per_
mite, ainda, que observemos, também,
o resultado dessas estratégias prévias
longo da conversação, bem como ao
o seu processo de repranejamento,
vista o andamento da conversaçao. tendo em
sabemos que a falta desse replanejamento
pode determinar, por exemplo:
o fracasso das intençoes iniciais
ocorrência de problemas como o do falante; a
silêncio dos interloc,r,o.""" ul.rterrupção
processo interativo pelo conflito do
entre eles (no Ex. 1, Valério, que passa
sador a acusado, não define .rouu de acu_
.st.utegia discursiva e parte para
tentativa de agressão);-a,perda daface ainjúria e
(".ro n*. 1, o Dr. cas,à,
acusação de desonestidade profissional, uo receber a
perde a face, pertu,rbu_r. .o_.çu
gaguejar). u
"
Durante o desenvolvimento da conversação,
podem ocorrer..pressões de
ordem pragmática que acabam por
sobrepor-se às exigências da sintaxe. Isto
significa que o locutor, freqüentemente,
vê-se obrigado a..sacrificar,,a
em favor das necessidades da interação, sintaxe
fato que se traduz pela presença,
texto falado' de falsos começos' anacolutos, no
orações truncadas etc., bem como
a recorrer com freqüência a
inserções de vários tipos, a ..p;ç;;,
ses' com o intuito, entre outros, e a paráfra_
de garantir a compreensão de
pelo parceiro." (id., p.70) seus enunciados
No Ex' 1' o Dr tï'10, tomado de surpresa
peras acusações violentas
ironia mordaz de valério, repete insistenìemente e pela
o que jurga ser o seu. argu-
mento principal de defesa, isto é, o
fato de ser um promotor, um
homem que
u justiça, do que infere ser um
lt"bdli :o3
integridade";'A minha consciência.
homem justo ( ..renho... tenho
E sou bacharel,,). Além disso,
ca desesperada de uma estratégia revela a bus_
na interação, pelas hesitações e,
define um ataque ao interrocuto..o,.o finalmente,
estratégia de defesa. varendo_se
subentendido, de uma impricatura de um
conversacional (,.Não ando seduzindo
lheres casadas"), ataca a conduta mu_
moral de João varério, o que leva
a conversa_
ção a um conflito.
E interessante lembrar que as
estratégias discursivas de ataque
terìocutor se baseiam em princípios de cada in_
éticol, ora relativos à vida profìssionar, ora
160 Drruo Pnrl

à vida familiar. Então, com estratégias iguais chegam a um resultado igual (o


que Tãnnen e Lakoff denominam de identidade pragmática): ambos perdem
sua imagem social (sua face), as acusações ficam sem resposta e falas sobrepos-
tas indicam a violência e a agressão:

- O que eu quero é que esse idiota me diga...


- Idiota é sua mãe.
- ...quais sãos as maroteiras minha que ele conhece.
A propósito do conflito na conversação e de suas causas, lembram Tânnen e
Lakoff (op.cit. p. 140), referindo-se a cenas de um casamento,de Bergman que
"a hostilidade não é expressa, portanto, pela confrontação (que é inconcebível),
mas pelo sarcasmo, ironia, impessoalidade". No texto que analisamos, é, tam-
bém, a ironia de valério sobre a condição profissional do interlocutor, suas per-
guntas retóricas aos demais presentes, ridicularizando o interlocutor (,,4h! É
bacharel? Meus parabéns"; "Foi você que perguntou ao Dr. castro se ele era
bacharel? Eu não fui. Foi você, Pascoal? Foi o senhor, seu varejão? Tâmbém não
foi. Está aí.") bem com a aparente impessoalidade e o subentendido da frase do
Dr. castro ("Não ando seduzindo mulheres casadas.") que exacerbam a hostili-
dade do diálogo,levando os interlocutores à perda da
face e àconfrontação final.
No Ex. I, analisamos um diálogo construído emque se observam caracte-
rísticas lingüísticas que remetem à influência a priori de fatores socioculturais
(profissão e status de um das personagens), além de estratégias conversacio-
nais preparadas de início ou geradas pelo andamento da interação.
. Vejamos, em seguida, como João valério e Luísa terminam o seu caso, numa
cena em que estratégias apriorísticas da conversação revelam-se iguais, a princí-
pio e, depois, diversas, para um resultado comum ao finar, desejado por ambos.

EX.2

(Denunciados por uma carta anônima na verdade escrita pelo Dr. castro Luísa
- -
e /oão valério são forçados a separar-se. Adrião, que já se encontrava doente, tenta
o suicídio. Ferido gravemente, sobrevive apenas oito dias. Valério, ante a repercus-
são do fato, afasta-se da casa de Luísa por mais de dois meses. Reconhece para si
mesmo que o amor terminara e não sente mais vontade de reencontrar a amante.
Mas, instado por um amigo que conhecia o caso, resolve seguir seu conselho e pro-
por casamento a Luísa como forma de reparar-lhe os danos morais causados no
contexto da pequena cidade, onde a história se passa.
Procura-a, sem êxito, várias vezes. Ela sempre lhe dá uma desculpa para não recebê-
lo. Por fim, resolve tentar por uma última vez e ela dispõe-se a recebê-lo. valério
arrepende-se de ter ido e a surpresa da decisão de Luísa o deixa indeciso sobre as
EsruDos DE Lírrrcun ORAL E Escnrrn
161

mínimas estratégias que deve tomar na conversação,


começando pelo tratamento
gramatical que lhe deve dar, considerando que
ela é, uo -.r*o *-po, ,u" u-urra.
e dona do armazémem que trabalha. Hesitã,
pois, entre uma forma nominal ínti_
ma - Luísa - e um forma de tratamento mais rãspeitosa
antes, na presença de outras pessoas)
- D. Luísa - que só utilizara

Muito bem. Eu ia tornar-me importuno, não a deixaria


tão cedo, e a responsabili_
do rompimento ficavaparãeh. Fui ao casarão oito
-dade dias a fio. Antes do traba-
lho acendia um cigarro, chegava lá, apressado:
-A senhorajá saiu do banheiro, Zacarias?
E ia para o escritório.
|ulgo que tenho procedido com cavalheirismo, entrei a matutar
uma noite. Ama_
nhã, ponto final nisso. como certeza era imagina que
vivo doido por encontrá-la.
Quando, no outro dia, penetrei no jardim, fíiu u pro^rssa de nunca
mais pôr ali
os pés.
- A sinhá mandou pedir que esperasse um momento.
Não entendi.
- Como foi que você disse, Zacarias?
- Lá em cima, fez ele mostrando os dentes alvos.
Subi, desconsolado.
Receber-me! E eu que me tinha habituado a ouvlr recusas!
zacarias abriu o salão. Tudo transformado: o piano
coberto, outras cortinas, uma
tristeza que dava frio.
senti-me obtuso. Nem sabia como tratar Luísa. Fulana
ou D. Furana? complicação.
Talvez ela se melindrasse com um tratamento
familiar. Mas atirar_lhe dona, cara a
cara, sem testemunhas, era tolice. Dificuldade.
Ia em plena atrapalhação, quando Luísa entrou.
Estava de preto e muito pálida, foi
só o que vi.
com a cabeça baixa, aceitei a cadeira que ela me indicou
e fique a olhar a mancha
deixada pela sola do meu sapato numa almofada que
desazadamente pisei. sem me
dar a mão, Luísa sentou-se. creio que também se conservou
cabisbaixa. Houve um
silêncio estúpido.
- Vim aqui... arrisquei.
- Vem aqui sempre, atalhou ela. Não tenho querido recebê_Io...
Emendou:
- Não tenho podido. É a verdade: não posso.
Mordi os beiços. E, para acabar depressa:
- o que eu queria era declarar que me considero obrigado... morarmente obrigado...
Ela estremeceu, encarou-me:
- Obrigado a que, foão Valério? A casar comigo?
- A acolher qualquer resolução sua, respondilimidamente. supuz... compreende?
Não sei... Todos os dias me preparava para vir.
- E vem depois de dois meses, Ioão Valério?
- Que havia de fazer? um golpe, um abalo tão grande... e tive acanhamento.
É
natural. Se foi por isso que me fechou a porta uma semana...
162 DrNo Pnrrr

- Não, disse ela erguendo-se. Não precisa justificar-se.


E, aproximando-se, falando-me quase ao ouvido:
- É que desapareceu tudo.
- Tem certeza? Perguntei levantando-me.
E percebi logo que a pergunta era idiota.
- Eu estava com algum escrúpulo, continou Luísa. Talvez o Valério ainda fosse o
mesmo... Estou agora tranqüila. Nenhum de nós sente nada, e o Valério finge triste-
2a... Para que mentir?
-Faz pena! Murmurei comovido.

Eu agora era para ela um pequenino João Valério, guarda-livros mesquinho.


- Adeus! balbuciou Luísa com uma lágrima na pálpebra.
- Adeus! gemi.
(íd. p.2re-22r)

Sobre a influência dos fatores extralingüísticos no Ex.2.,talvezpudéssemos


lembrar alguns aspectos do caráter de João Valério, sempre inconstante, inde-
ciso, tímido (como, aliás, ele mesmo se define no fim da narrativa:'A timidez
que me obriga afrcar cinco minutos diante de uma senhora, torcendo as mãos,
com angústia"). Luísa, bem mais objetiva, tem condições para compreender
rapidamente que o caso está terminado.
Os dois meses de separação, o esfriamento dos sentimentos trouxe a loão
Valério um primeiro problema na sua estratégia conversional para o encontro
com Luísa. Não sabia sequer como tratá-la, hesitando entre sua antiga e dupla
condição de mulher do patrão e de amante. Resolve bem a questão: em ne-
nhum momento do diálogo recorre a uma forma de tratamento. Nesse senti-
do, Luísa é mais precisa, alternando ]oão Valério, usado na formalidade do ar-
mazém ( ao lado de o senhor), com o simples Valério, dos encontros amorosos.
O problema do afastamento/intimidade que precede a entrevista prolon-
ga-se por todo o diálogo, em que Valério não sabe como Luísa irá recebê-lo,
mas sua estratégia conversacional serão as frases incompletas, as meias pala-
rrras que poderão evitar um comprometimento, que espera não concretizar.
Elementos pragmáticos marcam as condições da conversação: a mudança
de um cenário conhecido pelos amantes, "uma tristeza que dava frio", a ausên-
cia de cumprimentos iniciais, o "silêncio estúpido" que se instaurou. Durante
todo o diálogo, Valério "arrisca", "responde timidamente", faz petgunta idiota.
Sua estratégia consiste em esperar uma revelação de Luísa e, por isso, recorre
aos conhecimentos partilhados, às frases incompletas, prontamente completa-
das por Luísa, inclusive por um assalto ao turno, indicado pelo verbo "atalhou":

- Vim aqui... arrisquei


- Vem aqui sempre, atalhou ela.
EsruDos DE Lírrrcun Onnr E Escnrrn 163

- o que eu querra era declarar que me considero obrigado...


moralmente obrigado...
- obrigado a que, Ioão valério? A casar comigo?
- A acolher qualquer resolução sua, respondi timidamente.
Supuz...compreende? Não sei...

observe-se que valério traduz bem suas "obrigações,'que são de cunho


puramente moral e não afetivo, o que é imediatamente compreendido
por Luísa.
Por outro lado, Luísa revela-se, a princípio, indecisa, mas uma auto-corre-
ção esclarece praticamente suas intenções: não deseja continuar, embora não
saiba quais são as reais intenções de Valério:

- (...) Não tenho querido recebê-1o...


Emendou:
- Não tenho podido. É a verdade: não posso.

Essa seqüência de verbos muito reveladora, ainda, não convence


valério.
Mas, ao notar que este também não tinha intenção de continuar, pois
não a iâ
amava e, portanto, sua indecisão decorria disso, Luísa procura
o àfastamento.
Optando por uma estratégia de análise fria dos fatos, recorre inclusive ao
trata-
mento de terceira pessoa (o valério), que marca bem a intenção de afastamento:

- É que desapareceu tudo.

- Eu estava com algum escrúpulo, continuou Luísa. Tâlv ez oValério ainda


fosse o mesmo... Estou agora tranqüila. Nenhum de nós sente nada,
eo
Valério finge tristeza ... para que mentir?

o diálogo nos revela, nas diferentes atitudes dos interlocutores, na indeci-


são em revelarem suas reais intenções, de um lado todo o receio
de comprome-
timento de valério; de outro, a expectativa de Luísa de que ainda permaneça
algum resquício e afeição no amante, o que poderia levar a uma hesitação
em
concretizar o rompimento com palavras mais diretas. Em ambos, o desencanto
da perda do amor. o diálogo nos mostra a sua comoção, que se traduz
num
simples "Faz pena!", seguido da conclusão melancólica: "Eu agora era para
ela
um pequenino João Valério, guarda-livros mesquinho."
Para Luísa e valério o trágico sentimento da ilusão amorosa desfeita,
tra_
duzido pragmaticamente no adeus "balbuciado'] por um e "gemido", por outro:

- Adeus! balbuciou Luísa com lágrimas na pálpebra.


- Adeus! gemi.
164 Drr.ro PRETI

Ref e
como ele caracterrzabem
Ainda podemos observar neste diálogo de ficção
se constrói com a colaboração de
am-
o "discurso a dois", em que todo o texto !

bos os interlocutores.
Deumaformageral,podemosdizerqueotextodefinebemasestratégias F::
vimos' procura Luísa constran-
conversacionais dos falantes' Valério' conforme
gido, porque realmente nào quer continuar
o relacionamento e utiliza uma
cujo signifìcado pode dar
dissimulação constante, com frases incompletas'
intenção é tet cetteza se Luísa quer
margem a várias interpretações, pois sua
apenas saber se valério irá res-
efetivamente continuai o caso. Luísa pretende
sentir-secomaseparação,nocasodeaindaamá-la'seuobjetivoéomesmo:
romperorelacionamento.Suaestratégiaconversacional,aprincípio,também
éadasondagem,depoistorna.Semaisdireta:advinhaasfrasesincompletasde
muda de estratégia e torna-se
valério e sua intenção. Descoberta a verdade, de
de ambos. E essa nova estratégia
clara edecisiva na análise dos sentimentos
interação'
Luísa deÍìnirá os rumos defìnitivos da
Emresumo,ValérioeLuísa,usandoestratégiasconversacionaisdiferentes'
sem conflito' A essa estratégia de con-
chegam a um objetivo final: a separação
versação,TânneneLakoffdenominamdesinonímiapragmática(..ousodedi-
fins semelhantes")'
ferentes artifícios lingüísticos pata alcançar
absolutamente banal, não pode-
Embora se trate de uma situação amorosa
mos deixar d. ,..oti.ter que este diálogo de ficção guarda muitas semelhan-

çascomafalanatural""""lu,sobmuitosaspectos'ousoperfeitodeestraté-
resultado desejado'
giu, .on r..racionais, com vistas a obter um

Considerações finais

que devem ser trilhadas' nesta teoria


Poderíamos resumir' aqui, as etapas
da "conversação literária":
pelas informações de or-
1. Estudo dos fatores extraJingüísticos, trazidos
de ficção' podendo-se lançar mão da
dem pragmatica, emlorno do diá'Íogo
caracterização das personagens, além
teoria da variação tirrgtiisti.a, ,ro .urJdu
das informações contextuais do narrador'
2.Est.rdodainteraçãopropriamentedita,levando-seemcontaasestraté-do
gias conversacionais tstaU"ttiidu s a
priori' por meio das informações
narrador
3.Acompanhamentodasestratégiasconversacionaisdaspersonagens'como
no decorrer da interação'
se comportam e suas possíveis alterações'
4. Análise a", atingidos pelo uso das estratégias conversacionais,
"i;ãri"os
no início e durante a conversação'

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