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CURITIBA/PR
Em 1945, o Arquiteto João Batista Vilanova Artigas escreveu
uma extensa carta ao dono do Hospital São Lucas, na qual
tentava convencê-lo, de maneira clara, da importância
da contratação de um arquiteto para a obra.
Confesso que não me assustei muito ao ler sua carta contando o resultado da
conferência para autorização de um projeto para o São Lucas. Estas coisas acontecem
sempre porque, por falta de costume, quem constrói, nem sempre avalia o plano de como
deveria fazê-lo. Se eu insisto em aconselhá-lo mais uma vez para que consiga um
arquiteto para dirigir os trabalhos de seu hospital, não é somente porque desejo muito
trabalhar para um hospital modelo, mas porque, e principalmente porque, não posso crer
que uma obra, da importância da sua, possa nascer sem estudo prévio. É vezo brasileiro
fazer as coisas sem plano inicial perfeitamente elaborado; quando se pergunta sobre como
ficarão estes e aqueles pormenores, a resposta é sempre a mesma: Ah! Isso depois, na
hora, veremos.
Assim fazem-se as casas, os prédios, as cidades; nesse empirismo vive a lavoura,
a indústria e o próprio governo. O planejamento, mercadoria altamente valorizada em
todo mundo para qualquer realização, não encontrará entre nós o ambiente propício
enquanto nós moços não nos capacitarmos da sua necessidade imprescindível. Poderia
continuar conversando com você sobre a grande vantagem de planejar com antecedência,
até amanhã, sem esgotar todos os argumentos e provavelmente terminaria por dizer que
é até demonstração de patriotismo e inteligência. Mas com isso não convenceríamos
ninguém; talvez muito mais vantajoso seria confinar a discussão entre os limites das
vantagens particulares, individuais de aplicar o método. Então vejamos. A pergunta é
sempre a mesma;
Garanto que os argumentos acima lhe foram expostos mais de uma vez. São os
que sempre vejo empregados em ocasiões dessas e nunca mudam. São também os mais
fáceis de rebater e os menos inteligentes. Senão vejamos: O projeto sempre custa alguma
coisa. O construtor que o fizer terá, sem dúvida que empregar engenheiros e desenhistas
para isso. Terá de empregar gente para calcular concreto, para calcular aquecimento,
eletricidade, etc... O construtor cobrará essa despesa do proprietário através da comissão
para a construção. Tanto isso é verdade que, se você apresentar aos construtores um
projeto completamente pronto, ele cobrará percentagem menor para a construção porque
dirá, "não terei despesas no escritório". Suponhamos que a taxa de honorários para a
construção seja de 10 a 12%, inclusive o projeto. Se você der o projeto, encontrará quem
lhe faça por 6 ou 8%. Daí você conclui que o projeto que você pagou ao arquiteto 5%, já
representa nessa ocasião somente 1% ou 2% a mais do que o preço geralmente previsto.
Mas eu desejo provar que o plano geral, feito com antecedência, é economia e não
despesa. Então vamos continuar.
Ninguém pode negar, nenhum construtor, nenhum cliente, que o projeto feito pelo
técnico, contém em si uma previsão maior dos diversos detalhes do que o projeto
rabiscado pelo construtor e verificado pelo proprietário. Faça uma experiência. Tome um
plano que esteja em início de construção e pergunte a quem o dirige: por onde passam os
canos de aquecimento? Por onde passam os canos de esgoto? O senhor vai fazer antes
isso ou aquilo? Garanto que não sabem. Responderão: "provavelmente passarão por aqui
ou ali, farei isto ou aquilo antes. ” Se na ocasião de executar um serviço, verificar-se um
contratempo qualquer, um cano que não pode passar porque tem uma porta, um esgoto
vai ficar aparecendo no andar de baixo; o construtor resolve em função do problema, no
momento. Ele dá voltas com o cano ou faz um forro falso para esconder o esgoto que iria
aparecer em baixo. Entretanto se isso tivesse sido previsto, não precisaria de forro falso
ou qualquer outra coisa. No papel, teria sido procurada e encontrada a solução mais
econômica, para o caso, a mais bonita.
Consulte um construtor experimentado ou alguém que já tenha construído e todos
serão unânimes em contar-lhe pequenas calamidades que apareceram. Eu já ouvi diversas
vezes, por exemplo:
Se você calcular quanto mais caro ficou a imprevisão, você verá a vantagem de
ter um projeto estudado. O arquiteto teria dado uma disposição diferente nos cômodos de
maneira que o tal quarto não ficasse enterrado, sem ter que aumentar as fundações e assim
economizaria o dinheiro com o qual se faria pagar. Se o proprietário não ganhasse nada,
ainda teria para si uma solução melhor e um motivo para valorizar seu imóvel. O
construtor por exemplo não projetaria as instalações elétricas. Ele chamaria um instalador
"prático" e o homem disporia a coisa à sua vontade. Usaria os canos que ele quisesse e os
fios que achasse melhores. Bem curioso, não é? Poucos entendem disso e ninguém iria
fiscalizar o homem. Acontece, porém que os fios, quando são fios demais em relação à
corrente que transportam, dão muitas perdas, e essas se traduzem em despesa mensal
maior de energia para você durante os 50 ou 100 anos de funcionamento do hospital;
assim você pagaria 100 vezes um bom projeto de distribuição de eletricidade. Estou
apenas repetindo casos cotidianos.
Do funcionamento do hospital ainda mais, o construtor provavelmente não
entende e nem terá tempo suficiente para estudar. Ele não é especializado em hospitais
porque, isto é, Brasil e depois não estudam porque não é o seu métier. Ora, assim sendo,
ele vai confiar em você. Você conhece hospitais já feitos e em funcionamento, como
hospitais, não como construções. Os seus preconceitos, a respeito, o construtor repetirá
com o dinheiro de seu bolso. As soluções que, para alguns casos que você viu, são
soluções econômicas poderão constituir soluções caríssimas, no seu caso. Rematando,
sua casa de saúde não teria o melhor aspecto porque faltou um artista.
Arquitetura, é construção e arte. Arte. Arte não tem livro de regulamento que
ensine. Nasce dentro de cada um e desenvolve-se como conjunto de experiências. Procure
um homem que possa das à sua casa de saúde, além das características de um hospital
eficiente pelo perfeito planejamento das diversas sessões, um valor artístico indiscutível.
O valor artístico é um valor perene, enorme, inestimável. É um valor sem preço e sem
desgaste. Pelo contrário, aumenta com os anos à proporção que os homens se educam
para reconhecê-lo. O valor artístico subsiste até nas ruínas. Os anos correm e desgastam
o material, enquanto valorizam o espiritual.
Com a consciência limpa termino minha proposta. Está em suas mãos a
responsabilidade de decidir entre os caminhos. De um lado eu me coloco, não só, mas
como representante dos arquitetos brasileiros, defendendo a economia, a ordem e acima
de tudo, o futuro. De outro lado, o empirismo, a reação, a imprevisão. Qualquer solução
que você venha a dar não mudará as relações entre nós, nem sua opinião futura sobre o
que acabo de escrever. Se o prédio for bom, bem projetado, bem planejado, por um bom
arquiteto, você gostará, todos gostarão; se ele não prestar, se custar muito, se não
funcionar, ser for feio ou sem personalidade, sem valor artístico, sem plano nenhum, o
resultado será o mesmo. Em todos os dois casos você adquirirá experiência e acabará por
trabalhar sempre do meu lado e com os meus argumentos. Nós venceremos sempre como
eu queria demonstrar. Pague, pois, o que eu pedir. É pouco em relação às vantagens
futuras. Ou não pague, e as vantagens serão as mesmas, para a sociedade evidentemente,
não para você.