Você está na página 1de 67

+

Personagens da
História do
Franciscanismo no
Brasil
Apresentação

No dia 15 de julho de 2020, quando a Ordem dos Frades Menores celebra a festa litúrgica de São
Boaventura de Bagnoregio (1217-1274), a nossa Província Franciscana da Imaculada Conceição do
Brasil celebra seus 345 anos de existência.

Foi no dia 15 de julho de 1675 que o Papa Clemente X, mediante a Bula Pastoralis Officii, erigiu
oficialmente a Província da Imaculada Conceição do Brasil, desmembrada da Província de Santo
Antônio do Brasil, esta erigida como Província no dia 24 de agosto de 1657.
A Província da Imaculada Conceição do Brasil, ao ser criada, contava com 10 conventos. O mais
antigo era o convento São Francisco (foto ao lado), em Vitória (ES), construído em 1591. Desse
convento só permanece parte da fachada e algumas ruínas, local da atual Cúria da Arquidiocese de
Vitória. O segundo convento, sem dúvida o mais importante da nova Província da Imaculada
Conceição do Brasil, é o Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, construído em 1608. Este
convento foi a sede provincial por dois séculos, bem como o principal centro de formação dos frades
nos estudos da filosofia e da teologia, chegando a ter uma das mais ricas bibliotecas do Brasil.

Os demais conventos da nova Província, por ordem de sequência, foram: Convento Santo Antônio de
Santos, SP, 1640; Convento São Francisco em São Paulo, SP, 1642; Convento São Boaventura em
Macacu, RJ, 1649 (em ruínas); Convento de Nossa Senhora da Penha, ES, 1650; Convento São
Bernardino em Angra dos Reis, RJ, 1650 (ruínas); Convento Nossa Senhora da Conceição em
Itanhaém, SP, 1654 (ruínas); Convento Nossa Senhora do Amparo em São Sebastião, SP, 1658, e
Convento Santa Clara em Taubaté, SP, 1674, convento que atualmente pertence aos Frades
Capuchinhos.

Poucos anos após sua criação, a Província da Imaculada Conceição construiu outros três conventos, a
saber: o Convento de Nossa Senhora dos Anjos em Cabo Frio, RJ, 1686 (ruínas); o Convento São Luís,
em Itu, SP, 1691 (ruínas); e o Convento do Bom Jesus, na ilha do Bom Jesus, na Baía da Guanabara,
RJ, 1704 (ali foi construído um hospício).

O que representou a presença franciscana nesses conventos? Quais atividades apostólicas que se
evidenciaram a partir desses conventos?

Respondendo em palavras breves, esses conventos, antes de tudo, foram centros de irradiação do
próprio carisma franciscano, com atividades apostólicas muito bem definidas que aqui destaco: a
catequese entre os índios, as missões nas aldeias, a educação e o ensino elementar ministrado pelos
frades nas escolas gratuitas do interior; a pastoral entre os escravos africanos nos portos e nas
fazendas; as jornadas missionárias das zonas auríferas de MG e GO para a pacificação dos
mineradores, além do atendimento ordinário nas igrejas e portarias conventuais. Como protótipos
desta presença e atividades franciscanas, sem dúvida alguma merecem destaques Frei Pedro Palácios
em Vila Velha, Frei Galvão ou Santo Antônio de Sant’Ana Galvão, entre outros.

O período do florescimento da Província durou cerca de 100 anos, quando uma forte crise abalou os
Frades Menores, advinda do Decreto de Marquês de Pombal (1764) proibindo a recepção de novos
membros na Ordem dos Frades Menores. Este decreto, contudo, foi revogado em 1777. Mas o auge
da crise começou com o decreto de 18 de maio de 1855, que proibiu a recepção de noviços para
todas as ordens religiosas no Brasil. Esta campanha antirreligiosa desencadeada pelo Império
Brasileiro fez com que a Província de Santo Antônio se reduzisse a apenas nove frades e a nossa
Província da Imaculada Conceição a um único frade, Frei João do Amor Divino Costa (foto ao lado),
que residia no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro.

Se a escravidão foi abolida em 1888, os franciscanos e as demais ordens religiosas continuaram a


clamar junto ao governo brasileiro pela liberdade espiritual que continuava sendo escravizada.
Somente aos 07 de janeiro de 1890, extinguindo o padroado, a circular de 18 de maio de 1855 que
proibia a entrada de noviços e ordens religiosas aqui no Brasil perdeu sua validade. Por isso, depois
de várias tratativas entre a Cúria Geral e a Santa Sé, a Província da Santa Cruz da Saxônia (Alemanha)
aceitou o desafio de enviar novos missionários franciscanos ao Brasil.

Assim, no dia 10 de julho de 1891 chegaram ao Brasil, ou mais precisamente no vilarejo de


Teresópolis, SC, os quatro pioneiros da restauração da Província da Imaculada, a saber: Frei Armando
Bahlmann, Frei Xisto Maiwes, Frei Humberto Themans e Frei Maurício Schmalor.

O curioso é que a restauração da Província da Imaculada Conceição do Brasil não se iniciou pelo
Convento Santo Antônio (RJ), onde ainda residia o último frade da antiga Província. O recomeço da
vida franciscana no sudeste e sul do Brasil acontece através de uma nova forma de presença pastoral,
o que nos permite aplicar tanto o tema do último Conselho Plenário da Ordem, “Vinho novo em
odres novos”, como a busca de ressignificação da nossa presença no processo do redimensionamento
da nossa vida e frentes de evangelização nos tempos atuais, tema do próximo Capítulo Geral da
Ordem: “Frades Menores em nosso Tempo”.

Frei Humberto e Frei Maurício, em pé; Frei Amando e Frei Xisto, sentados (da esq. para dir.)
O recomeço se dá na pequena vila de colonização alemã, Teresópolis – SC, cuja paróquia foi
oficialmente entregue aos frades no dia 12 de novembro de 1891 e tinha 14 povoados, sendo que
boa parte da população era de confissão luterana.

O que caracterizou esta retomada da vida franciscana? As crônicas nos falam de pregações
missionárias, de catequese, da administração dos sacramentos, onde os frades procuravam atingir a
comunidade inteira.

Assim, a pequena e primitiva Fraternidade de Teresópolis foi tomando corpo com a chegada de novos
frades missionários vindos da Província da Saxônia e, consequentemente, novas fundações
franciscanas foram surgindo: Lages, Blumenau, Rodeio, Petrópolis, Curitiba. E a partir de 1900 outras
novas comunidades, como: Gaspar, Curitibanos, Santo Amaro da Imperatriz, Quissamã, Palmas,
Florianópolis. E alguns dos conventos da antiga Província, os que ainda ofereciam condições de uso,
também foram se transformando em residência dos frades.

O projeto da restauração da vida franciscana no Brasil fez com que a Província de Santa Cruz da
Saxônia, Alemanha, enviasse mais de 200 frades alemães. Essa vinda de missionários foi tão
significativa que no dia 14 de setembro de 1901, após 10 anos de atividades missionárias, as duas
antigas Províncias Franciscanas (Santo Antônio no Nordeste e Imaculada Conceição no Sul) voltaram
a ser Províncias independentes.

Assim, a nossa Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil, restaurada a partir de 1891,
teve um crescimento numérico extraordinário quando, por dois anos (em 1959 e em 1966) chegou a
ter 713 frades! Isto significa que praticamente a cada década houve um aumento aproximado de
cerca de 100 frades. Depois, a partir da década de 1970, constatamos um declínio numérico e hoje,
no início de julho de 2014, contamos com 384 frades.

A nossa Província, a antiga fundada pelos portugueses (1675-1891) e a atual (de 1981 aos dias de
hoje), teve características próprias em cada época. A Província antiga desenvolveu sua atividade
evangelizadora a partir dos grandes conventos missionários. Já a Província restaurada, desde cedo
passa a assumir uma presença missionária e evangelizadora a partir das paróquias confiadas aos
frades e, junto às paróquias, merece destaque a presença e o envolvimento dos frades na
evangelização na frente da educação (escolas paroquiais e colégios), tanto que a carência e a
necessidade de cartilhas escolares fez com que os frades criassem uma pequena gráfica em
Petrópolis, hoje Editora Vozes.

Também não faltaram à Província o zelo e o espírito missionário! Já houve um tempo em que
mantínhamos uma equipe missionária itinerante. A este espírito missionário acrescenta-se a nossa
presença missionária no Chile por cerca de 20 anos. Da mesma forma não podemos esquecer da
ajuda fraterna e missionária à Custódia Franciscana das Sete Alegrias de Nossa Senhora, no Mato
Grosso. E, sem dúvida alguma, a maior audácia missionária ocorreu no ano de 1991, quando
comemoramos os 100 anos de restauração da nossa Província! Não sem sacrifício, mas com muita
coragem e destemor assumimos a missão em Angola, justamente em tempos em que o país estava 
em plena guerra civil, e hoje vemos florescer a Fundação Imaculada Mae de Deus de Angola, com
sensível crescimento vocacional.
Certamente todos nós temos tantas histórias a relatar neste aniversário! Diria apenas que, num olhar
retrospectivo, podemos ser gratos pela vida dos irmãos que testemunharam sua santidade na
evangelização. E nós, os 384 frades do presente, nos sintamos encorajados a viver a ‘inegociabilidade
da profecia’ no hoje da nossa história, no espírito desta oração de São Francisco:

“Eterno Deus onipotente, justo e misericordioso, concedei-nos a nós míseros praticar por vossa causa
o que reconhecermos ser a vossa vontade e querer sempre o que vos agrade,  a fim de que,
interiormente purificados, iluminados e abrasados pelo fogo do Espírito Santo, possamos seguir as
pegadas de vosso Filho, Nosso Senhor Jesus Cristo, e por vossa graça unicamente chegar até vós, ó
Altíssimo, que em Trindade perfeita e unidade simples viveis e reinais na glória como Deus onipotente
por toda a eternidade.
Amém”.

Frei Fidêncio Vanboemmel, OFM

Moderador da Formação Permanente

Personagens da História
Da Antiga Província

Frei Pedro Palácios


Depois da chegada dos jesuítas ao Brasil, certamente o mais célebre missionário franciscano foi o
irmão leigo Frei Pedro Palácios. Ele dedicou-se, em primeiro lugar, à vida contemplativa. Mas a
interrompia, periodicamente, para implantar a fé cristã entre os indígenas e conservá-la entre os
europeus residentes no Brasil.

Doze anos de vida exemplar e de marcada influência religiosa sobre os filhos da terra e os imigrantes
da região de Vila Velha foram suficientes para perpetuar a sua figura de apóstolo, pelos séculos afora.

Frei Pedro Palácios deve ter nascido nos anos de 1500, em Mediria, perto de Salamanca, na Espanha.
A respeito de sua origem familiar, não há dados certos. Ingressou na província franciscana de São
José.

Mais tarde, passou para a Custódia Portuguesa da Arrábida que aderiu à reforma de São Pedro de
Alcântara. Os religiosos da Arrábida se entregavam, de preferência, à vida de penitência, em
eremitérios.

Os franciscanos da Arrábida estavam encarregados dos cuidados do hospital Real de Lisboa, ou seja
da Santa Casa de Misericórdia. Lá Frei Pedro se dedicou por vários anos à assistência aos doentes.
Mais tarde, a seu pedido, e com a permissão do Custódio Frei Damião da Torre, viajou para o Brasil,
na qualidade de missionário, onde pretendia pôr em prática os ideais de São Pedro de Alcântara,
vivendo como eremita e trabalhando como missionário.

Trouxe consigo um artístico painel de Nossa Senhora dos Prazeres. O ano exato e as circunstâncias da
sua travessia do Atlântico continuam desconhecidos.

Frei Pedro desembarcou em Salvador da Bahia onde iniciou a sua atividade missionária. O pe. José de
Anchieta, S.J., grande admirador de Frei Pedro, refere a sua estadia e a sua atividade em Salvador,
como também depois em Vila Velha, na Capitania do Espírito Santo.

Vale a pena transcrever o texto: “Na Capitania do Espírito Santo, há duas vilas de portugueses, perto
uma da outra meia légua por mar. Em uma delas, que está na barra e chama Vila Velha por ser a
primeira que ali se fez, está, num monte mui alto e em um penedo grande, uma ermida de abóbada,
que se chama Nossa Senhora da Penha, que se vê longe do mar e é grande refrigério e devoção dos
navegantes, e quase todos vêm a ela em romaria, cumprindo as promessas que fazem nas tormentas,
sentindo particular ajuda da Virgem Nossa Senhora, e diz-se nela missa muitas vezes. Esta ermida
edificou-a um castelhano sem ordens sacras, chamado Frei Pedro, frade dos Capuchos, que cá veio
com licença de seu superior, homem de vida exemplar, o qual veio ao Brasil com zelo da salvação das
almas, e com ele andava pelas aldeias da Bahia em companhia dos padres. Desejando batizar alguns
desamparados e como não sabia letras nem a língua, por que este seu zelo fosse, “non sine scientia”,
batizando alguns adultos sem o aparelho necessário admoestado pelos jesuítas, lhes pediu, em
escrito, algum aparelho na língua da terra pra poder batizar alguns que achasse sem remédio e os
padres não pudessem acudir; e assim remediava muitos inocentes e alguns adultos. Com este mesmo
zelo se foi à Capitania do Espírito Santo onde fez o mesmo algum tempo, confessando-se com os
padres e comungando a miúdo, até que começou e acabou esta ermida de Nossa Senhora com ajuda
dos devotos moradores, e ao pé dela fez uma casinha pequenina à honra de São Francisco, na qual
morreu com mostras de muita santidade” (Cf. Frei Venâncio Willeke, OFM, Franciscanos na História
do Brasil, Vozes, 1977, p. 29).

Conta Frei Jaboatão que Frei Pedro, baseando-se na experiência adquirida na Bahia, iniciou
imediatamente a catequese dos indígenas, tornando-se assim o primeiro missionário do Espírito
Santo, pois os jesuítas, estabelecidos em Vitória, desde 1551, não haviam ainda iniciado as missões.

Os aimorés viviam em paz com os europeus, mas continuavam pagãos. Frei Pedro Palácios começou a
visitá-los regularmente e a instruí-los na doutrina cristã. Acompanhado de um jovem, chamado André
Gomes, empreendia as longas caminhadas às mais afastadas malocas dos Aimorés, permanecendo no
meio deles o tempo necessário para instruí-los e prestar-lhes a assistência exigida pela caridade
cristã.

Referem os cronistas que ele, não sendo sacerdote, administrava o batismo somente em caso de
urgência, enquanto que os catecúmenos de boa saúde, depois de instruí-los solidamente, os
mandava batizar pelos padres jesuítas, em Vitória. Não conhecemos o resultado do seu trabalho.
Impulsionado pela caridade cristã, Frei Pedro quis incluir na sua atividade missionária também os
moradores da Vila Velha e de Vitória.

Como eremita que era, instalou-se numa pequena caverna ao pé do morro. Ao lado construiu um
nicho para o painel de Nossa Senhora, diante do qual reunia o povo, todos os dias, para rezar o
rosário e ensinar-lhes as verdades da santa religião.

O zelo pelas almas impelia-o para uma atividade maior. Vestido de sobrepeliz com crucifixo na mão,
reunia regularmente nas ruas de Vila Velha e de Vitória as crianças e os adultos para falar-lhes sobre
as verdades religiosas e pregar-lhes a necessidade da penitência.

Também em conversas particulares, insistia nos mesmos assuntos para conseguir o perdão dos
pecados. Restringia as suas saídas ao necessário ou então ao realmente útil. Todos os domingos, ia à
igreja paroquial de Vitória, a fim de cumprir o seu dever dominical. No encontro com o sacerdote,
beijava-lhe a mão e ajoelhando-se, pedia a bênção.
Ao entrar na igreja, em primeiro lugar adorava a Jesus no SS. Sacramento. Depois beijava o chão,
como era costume dos franciscanos naquela época. Confessava-se com o padre jesuíta Brás
Lourenço. Comungava durante a missa. Todas as vezes que ia à igreja matriz, pedia ao pároco a
renovação da licença para continuar a instrução do povo.

Assim, este frade menor ensinava não só com a simplicidade de suas palavras, mas também com a
eloquência do dever cumprido. Levando uma vida de eremita, não se esquecia das necessidades do
próximo. Pedia esmolas para os pobres e levava-as pessoalmente aos mais necessitados. Avançado
em idade, debilitado pelas penosas viagens missionárias, curtido pelas severas penitências, cansado
pelos trabalhos na construção de capelas. Frei Pedro pressentia a proximidade da morte. Pedia, no
entanto, a Deus a graça de celebrar mais uma vez a festa de Nossa Senhora dos Prazeres.

Antes da festa, desceu à Vila Velha para se despedir dos seus amigos. À pergunta sobre o destino de
sua viagem respondia, sem rodeios, que viajaria para a eternidade. Realmente, pouco depois da
festa, foi encontrado morto em sua ermida, diante do altar de São Francisco. Corria o ano de 1570 ou
1571. Secundando os desejos das autoridades eclesiásticas, Frei Vicente do Salvador, superior da
Custódia de Santo Antônio, iniciou em 1616 o processo informativo sobre a vida e as virtudes de Frei
Pedro Palácios. Mas, com o término do mandato de Frei Vicente, em 1617, cessaram as inquirições
de testemunhas, e as atas das já feitas desapareceram, sem deixar pista.

Frei José Mariano da Conceição Vellozo


Pai da Botânica Brasileira
(1741-1811)

Entre os naturalistas brasileiros que se empenharam no estudo de nossa flora, homenageamos Frei
José Mariano da Conceição Vellozo, que ocupa um lugar de destaque pela sua obra monumental
intitulada Flora Fluminensis, terminada em 1790.

Frei Vellozo nasceu em 1741, na então Província de Minas Gerais, na freguesia de Santo Antônio da
Vila de São José, Bispado de Mariana.

Bem jovem ainda sentiu-se atraído ao estudo das ciências naturais, principalmente uma forte
predileção pela botânica. Mais do que qualquer outro tipo de leitura gostava Frei Vellozo do livro da
natureza, fazendo muitas vezes, com seus companheiros, excursões botânicas, entranhando-se nos
bosques a procura de flores, a fim de pesquisar-lhes os nomes e notar-lhes as diferenças
morfológicas. Apesar de nunca ter tido mestre, conseguiu em pouco tempo aprender muito sobre as
principais plantas do lugar em que nasceu.

Em 1761, aos 20 anos de idade, sentindo vocação religiosa, entrou para a Ordem Franciscana, e fez
seus estudos de filosofia e teologia no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro.

Foi professor de geometria, retórica e história natural. Das ciências que lecionou, nenhuma lhe
agradava tanto como a história natural, sendo nomeado professor em janeiro de 1786.

Naturalista por vocação, transformou sua cela num gabinete de estudos.

No ano de 1779 veio governar o Brasil, na qualidade de vice-rei, um português distinto, chamado Luiz
de Vasconcellos e Souza. Tendo notícias da predileção e do raro talento de Frei Vellozo pelas ciências
naturais, principalmente pela botânica, pediu ao então provincial Frei José dos Anjos Passos para que
Frei Vellozo fizesse excursões em toda a Capitania do Rio de Janeiro e reunisse o resultado de suas
pesquisas numa obra conjunta.
Surge então a fase mais importante da vida do ilustre frade naturalista.
Durante 8 anos consecutivos vemos o incansável pesquisador subir as serras mais altas, descer aos
mais profundos vales, e emaranhar-se nos vastos e inextricáveis bosques. Percorreu as matas e praias
do Rio de Janeiro em todas as direções, subiu a serra de Paranapiacaba e Parati, visitou as quinze
ilhas do Rio Paraíba do Sul, conseguiu levar a cabo suas investigações, reunindo o fruto de suas
pesquisas num trabalho magnífico de imenso valor científico, por ele intitulado Flora Fluminensis.

Nas suas excursões científicas, Frei Vellozo era acompanhado por seu secretário-escrevente Frei
Anastácio de Santa Inêz, e por Frei Francisco Solano, hábil pintor e desenhista.

A obra gigantesca, trazendo as descrições e figuras de 1.640 vegetais brasileiros, incluindo também
inúmeras indicações ecológicas, representa um esforço notável para aquela época, pois foi terminada
em 1790.

Infelizmente só 35 anos mais tarde, ou 14 anos após a morte de Frei Vellozo, é que se deu início à sua
publicação, isto é, depois de viagens e publicações de outros estudiosos, que continham muitos
gêneros e espécies de plantas descobertas por Frei Vellozo.

Consta a obra de Frei Vellozo de onze volumes em fólio, com suas estampas originais executadas a
tinta, juntamente com dois volumes manuscritos do texto.

Depois de terminada a obra, seu autor foi apresentá-la à Corte de Lisboa. A obra provocou a
admiração de todos.

Em 1809, Frei Vellozo retorna ao Brasil, trazendo consigo os originais dos manuscritos e das estampas
da Flora Fluminense. A partida de Lisboa foi motivada pela marcha progressiva do exército francês,
na Península Ibérica. Dom João VI veio refugiar-se na Terra de Santa Cruz, e Frei Vellozo seguiu os
passos do seu benfeitor, recolhendo-se no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, onde veio a
falecer a 13 de junho de 1811, sem ter tido a satisfação de ver publicada a sua grande obra.

Todos os manuscritos e impressos pertencentes ao espólio de Frei Vellozo foram oferecidos ao


Príncipe Regente pelo então Vigário Provincial dos Franciscanos do Rio de Janeiro. A oferta foi aceita,
segundo consta no volume III do “Tombo Geral da Província” (manuscrito), à página 208.
Os livros e manuscritos de Frei Vellozo deram entrada na Real Biblioteca em 13 de novembro de
1811. Entre eles se achavam todos os originais da Flora Fluminense.

Muito tempo se passou e nada mais se soube da importante obra de Frei Vellozo. Os manuscritos da
Flora Fluminense, que por muitos anos se julgavam perdidos, foram descobertos em 1825 na
Biblioteca Imperial pelo então bibliotecário Frei Antônio de Arrabida.

Em carta solene enviada a Dom Pedro I, Frei Antônio de Arrabida descreve a emoção que sentiu ao
encontrar os manuscritos da Flora Fluminense e solicita ao Imperador a publicação do texto aqui no
Brasil, oferecendo-se para as devidas correções de impressão. Foram enviados a Paris os desenhos
para serem ali litograficamente estampados, pois não havia ainda no Brasil técnicas adequadas a esse
tipo de trabalho.
Reconhecendo a importância da publicação da obra de Frei Vellozo, o Imperador, após uma semana
do recebimento da carta de Frei Antônio de Arrabida, autorizou a imediata publicação.

Em 1825, efetuou-se na Tipografia Nacional do Rio de Janeiro a impressão quase total da Flora
Fluminense. O volume, que hoje é uma raridade bibliográfica, abrange 352 páginas e versa sobre 309
gêneros.

A impressão das 1.640 estampas, começada em 1827 em Paris, levou quatro anos e quatro meses
para ser terminada.

Quando os últimos fascículos já estavam em fase de impressão, ocorreu a expulsão de Dom Pedro I,
em 1831. O novo governo deu ordem para suspender a impressão, recusando-se a pagar o resto da
encomenda. Não obstante, a impressão foi terminada, e no processo judicial subseqüente o tribunal
francês deu ganho de causa ao impressor.

No livro Fitografia ou Botânica Brasileira de Melo Morais (1881), consta um capítulo sobre a História
da Flora Fluminense, que se refere ao triste destino que tiveram os exemplares dos 11 volumes das
estampas. Diz ele: “Acabada a obra, consta-me que se mandaram para o Rio de Janeiro 500
exemplares; ficando em Paris 1.500, os quais, não sendo reclamados, foram entregues não sei a
quem, e dos quais salvaram-se algumas coleções; e por fim, se reconhecendo que essas estampas
não eram mais procuradas, foram vendidas ou dadas ao chapeleiro que fornecia barretinas (chapéu)
para o exército francês, o qual forrou com as estampas as barretinas que estava fazendo para os
soldados do exército. Os 500 exemplares que vieram para o Rio de Janeiro foram parar no saguão da
Secretaria de Estado dos Negócios da Justiça (em frente ao passeio público), onde permaneceram
apodrecendo, pela umidade; fazendo-se presente de alguns exemplares, a uma ou outra pessoa que
pedia”. E mais adiante diz o mesmo autor: “No dia 14 de janeiro de 1861, a Tipografia Nacional
anunciou a venda em leilão de 2.950 arrobas de impressos, indo entre eles alguns exemplares da
Flora Fluminense”. E termina dizendo: “É digno de reparo, e contrista o coração dizer-se, que no
Brasil se vende como papel velho, o produto da inteligência e da arte, adquirido com tantas fadigas e
trabalhos, com o qual o Estado gastou muito dinheiro, para com ele fazer-se papel de embrulho”!

Terminando, cumpre dizer que a Flora Fluminense, cuja história, em parte, foi uma verdadeira
tragédia, representa uma obra monumental, que não apenas suscita interesse histórico, mas tem
também alto valor científico. Frei Vellozo foi um dos grandes pioneiros da botânica brasileira. Seu
nome figura sempre com brilho ao lado dos maiores botânicos que o Brasil possui.

Elisabete Barbero Bonfim


Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio

(1778-1830)

Entre os vultos que dominavam na tribuna sagrada no começo do século XIX, destacamos Frei
Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, que figurava junto a outros grandes oradores e
intelectuais da época, como Frei Rodovalho, Frei São Carlos e Frei Monte Alverne.

Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio foi um dos grandes vultos da história pátria, no
momento de sua formação política, demonstrando em suas atitudes, como orientador político,
jornalista combatente, por sua eloquência como orador sagrado, por seu grande devotamento à
causa do nacionalismo no instante em que as Cortes de Lisboa procuravam reduzir-nos de novo à
condição de colônia, contribuindo muito para a Independência do Brasil.

Dados biográficos – Frei Francisco de Sampaio nasceu no Rio de Janeiro a 8 de agosto de 1778, filho
de pai português e mãe brasileira. Frequentou por cinco anos a escola régia, matriculando-se em
1790 no curso de estudos superiores que os franciscanos mantinham no Convento de Santo Antônio
do Rio de Janeiro. Após três anos, resolveu o jovem Francisco de Sampaio tornar-se frade, recebeu o
hábito de noviço a 14 de outubro de 1793 e mudou o nome para Frei Francisco de Santa Teresa de
Jesus Sampaio. Professou no ano seguinte. Prosseguiu em seus estudos de filosofia e teologia
requeridos para os candidatos ao sacerdócio. Fê-lo com tanto brilho e revelou tal talento oratório
que já a 1° de fevereiro de 1800, portanto, um ano antes de ser ordenado sacerdote, os superiores o
nomearam pregador, privilégio extraordinário e exceção honrosa para o jovem Frei Sampaio. Os
primeiros anos de sacerdócio, de 1802 a 1808, portanto, dos 24 aos 30 anos, empregou-os Frei
Sampaio no magistério, primeiro no Convento São Francisco de São Paulo e em seguida no Convento
de Santo Antônio do Rio de Janeiro. Os anos de 1808 em diante trouxeram a Frei Sampaio uma série
de honrarias e distinções. Foi Pregador da Capela Imperial e Examinador da Mesa de Consciência e
Ordem em 1808, Teólogo da Nunciatura em 1812, Capelão-mor de sua Alteza Real e Censor Episcopal
em 1813, etc. Na vida interna da Província Franciscana, exerceu Frei Sampaio, além do cargo de
professor, outros mais: secretário da visita geral em 1808, secretário da Província em 1815, guardião
do Convento Bom Jesus da Ilha em 1818, definidor provincial em 1821, etc.
Atuação política de Frei Sampaio – Além dos estudos normalmente requeridos aos candidatos ao
sacerdócio, não cursou Frei Sampaio outras universidades para aperfeiçoamento ou especialização.
Contudo, dono de inteligência extraordinária, pôde o jovem frade, num esforço notável, aprimorar
sua cultura. Seus sermões e artigos de jornal denotam um grande conhecimento da história universal,
antiga e moderna. Dos tempos modernos, conhecia a fundo os autores franceses, cuja língua não só
lia, mas também falava perfeitamente. Devido à inteligência e paixão pelo estudo, tornou-se Frei
Sampaio um dos homens mais cultos do Brasil de sua época. Frei Sampaio aproveitou o tempo livre
dos anos de magistério para estudar em particular Direito Público e Ciências Políticas, estudos que
lhe seriam de grande valor quinze anos mais tarde, quando da emancipação política do Brasil. Apesar
de sua formação e do seu interesse pelas ciências políticas, não teve Frei Sampaio nenhuma atividade
política até 1820, quase às vésperas da independência. Faltava ocasião propícia para tanto. Estava,
porém, equipado intelectualmente para engajar-se nas lutas e desempenhar um papel de relevo
quando esta se apresentasse. Não se sabe ao certo a data em que Frei Sampaio entrou de cheio no
jogo político. O que sabemos é que desde fevereiro de 1821 pregava em favor do sistema
constitucional, como ele próprio o atesta na dedicatória ao Senado do seu discurso de 15 de
setembro desse mesmo ano, comemorativo do aniversário da Revolução do Porto:

“Sim, desde o dia 26 de fevereiro eu comecei a anunciar nos púlpitos os meus verdadeiros
sentimentos sobre as vantagens da constituição, chamando o povo ao centro dos interesses comuns;
e no dia 15 de setembro jurei sobre o altar da nação, erguido por V. S. ao lado do altar da vítima
eterna, sem temor o meu modo de pensar…”. De início tratava-se de apoio à revolução liberal-
constitucional. Com a partida de Dom João VI para Portugal em abril de 1821, começam as lutas
políticas entre as Cortes e o regente Dom Pedro, entre os que pretendiam reduzir o Brasil novamente
a colônia e os que defendiam o progresso obtido com a estadia de Dom João VI no Brasil e já tinham
em mente a emancipação política completa.

Um grupo de patriotas, sob a liderança do capitão-mor José Joaquim da Rocha, reuniam-se na casa
deste, sempre que possível. Neste grupo de patriotas destemidos, que às vezes enfrentavam a
hostilidade da polícia, encontrava-se Frei Sampaio. Nesta época, pôde Frei Sampaio ter uma
participação mais ativa nas reuniões do grupo, pois em outubro de 1821 foi eleito definidor da
Província, passando a residir no Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, o que lhe facilitava a
atividade política. Devido à sua formação e cultura, bem como os extraordinários dotes oratórios,
começa Frei Sampaio a gozar de enorme prestígio e a exercer grande influência dentro do grupo.

Quando a vigilância da polícia dificultou mais e mais as reuniões na casa do capitão-mor, passaram
estas a se realizar no próprio recinto do claustro franciscano, no quarto de Frei Sampaio. A humilde
cela do frade tornou-se, de 1821 a 1822, o centro das reuniões dos propugnadores da independência,
o lugar onde se discutia, se conspirava, se tomavam resoluções.

Também o príncipe Dom Pedro, depois de ganho para a causa do Brasil, passou a frequentar a cela de
Frei Sampaio, chegando os dois a tornarem-se amigos íntimos e colaboradores. Dom Pedro
demorava-se aí com Frei Sampaio até altas horas da noite, discutindo com ele idéias políticas.

Frei Sampaio e o Fico – Um dos períodos mais agitados do tempo da independência foi o mês que
antecedeu e desembocou no Fico: de 9 de dezembro de 1821 a 9 de janeiro de 1822. Dia 9 de
dezembro chegavam ao Rio os decretos das Cortes exigindo a volta de Dom Pedro à Europa, para
“viajar e aprimorar a educação” e anulando quase todas as leis que haviam igualado nos anos
anteriores o Brasil a Portugal e equivalendo, portanto, a uma redução ao status colonial. No mesmo
dia 9, o líder do grupo José Joaquim da Rocha, estando ao par do conteúdo dos decretos, das
hesitações do príncipe, bem como de seu desejo de permanecer no Brasil, caso fosse esta a unânime
vontade dos povos do Rio, São Paulo e Minas Gerais, não perdeu tempo. Reuniu logo seus principais
colaboradores para deliberar sobre a estratégia a seguir a fim de convencer Dom Pedro. Nascia
assim, na casa do capitão-mor, o Clube da Resistência, ou Clube do Fico. Realizaram os conspiradores
nos dias seguintes inúmeras reuniões que, devido à redobrada vigilância da polícia, passaram a
realizar-se então habitualmente na cela de Frei Sampaio. Uma das primeiras decisões tomadas foi a
de redigir um manifesto, colher o maior número possível de assinaturas entre o povo e apresentá-lo
ao Príncipe. Frei Sampaio, não é de estranhar, devido à sua vasta cultura, facilidade de argumentar e
de redigir, foi a pessoa escolhida para elaborar o manifesto, angariou em apenas uma semana mais
de 8 mil assinaturas e tornou-se conhecido como o “Manifesto do Povo do Rio de Janeiro”. Além da
redação do documento, ajudou Frei Sampaio a polir o discurso que o presidente do Senado José
Clemente Pereira faria no dia 9 de janeiro, na sessão solene de leitura do manifesto e entrega do
mesmo ao Príncipe. Nessa ocasião pronunciou este o Fico, pelo qual assumia como sua, pública e
oficialmente, a causa do Brasil. Disputam os historiadores sobre qual dos dois manifestos convenceu
Dom Pedro a ficar: se o de Frei Sampaio ou o dos paulistas redigido por José Bonifácio. Pois também
os paulistas, sabedores do desejo do Príncipe, haviam preparado seu documento, redigido pelo
Patriarca da Independência.

Certamente não foi só este ou aquele manifesto quem convenceu Dom Pedro. Nem foram só os dois
manifestos. Muitos fatores entraram em jogo, para levar Dom Pedro ao Fico.

O que importa é reconhecer a dedicação heroica e atividade febril do grupo do Rio de Janeiro – O
Clube da Resistência. E a Frei Sampaio coube não pequeno mérito: abrigar o grupo dos conspiradores
em seu quarto no convento, ser o mentor intelectual do grupo, redigir o texto do manifesto a ser
divulgado entre o povo e depois apresentado ao Príncipe.

Frei Francisco de Santa Teresa de Jesus Sampaio, que de 1821 a 1825 se notabilizou como um dos
batalhadores mais beneméritos em prol da independência do Brasil, terminou seus dias, como
muitos outros heróis no decorrer da história, retirado da vida pública, esquecido por uns, denegrido
malevolamente por outros. Um ataque apoplético o prostrou na noite de 13 para 14 de setembro de
1830, na idade ainda jovem de 52 anos.

Separata da Revista Eclesiástica Brasileira, 1972, escrito por Frei Gentil Avelino Titton. (Resumo de
Elisabete Barbero – arquivista)
Frei Antônio de Sant’Ana Galvão

(1739-1822)

Frei Antônio de Sant’Ana Galvão nasceu em 1739, em Guaratinguetá, Estado de São Paulo, Brasil;
cidade que na época pertencia à Diocese do Rio de Janeiro.

Com a criação da Diocese de São Paulo, em 1745, Frei Galvão viveu praticamente nesta diocese:
1762-1822. O seu ambiente familiar era profundamente religioso. O pai, Antônio Galvão de França,
Capitão-Mor, pertencia às Ordens Terceiras de São Francisco e do Carmo, dedicava-se ao comércio e
era conhecido pela sua particular generosidade.

A mãe, Izabel Leite de Barros, teve o privilégio de ter onze filhos e morreu com apenas 38 anos com
fama de grande caridade, a tal ponto que depois da morte não se encontrou nenhum vestido: tudo
fora dado aos pobres. Antônio viveu com seus irmãos numa casa grande e rica, pois seus pais
gozavam de prestígio social e influência política. O pai, querendo dar uma formação humana e
cultural segundo suas possibilidades econômicas, mandou o Servo de Deus com 13 anos para Belém
(Bahia) a fim de estudar no Seminário dos Padres Jesuítas, onde já se encontrava seu irmão José.

Ficou neste Colégio de 1752 a 1756 com notáveis progressos no estudo e na prática da vida cristã.
Teria entrado na Companhia de Jesus, mas o pai, preocupado com o clima antijesuítico provocado
pela atuação do Marquês de Pombal, aconselhou Antônio a entrar na Ordem dos Frades Menores
Descalços da reforma de São Pedro de Alcântara. Estes tinham um Convento em Taubaté, não muito
longe de Guaratinguetá. Aos 21 anos, no dia 15 de abril de 1760, Antônio ingressou no noviciado do
Convento de São Boaventura, na Vila de Macacu, no Rio de Janeiro.
Durante este período distinguiu-se pela piedade e pelas práticas das virtudes, tanto que no “Livro dos
Religiosos Brasileiros” encontramos grande elogio a seu respeito.

Aos 16 de abril de 1761 fez a profissão solene e o juramento, segundo o uso dos Franciscanos, de se
empenhar na defesa da Imaculada Conceição de Nossa Senhora, doutrina ainda controvertida. Um
ano depois da profissão religiosa, Frei Antônio foi admitido à ordenação sacerdotal aos 11 de julho de
1762.

Este privilégio foi também um sinal evidente da confiança que os Superiores nutriam pelo clérigo.
Depois de ordenado foi mandado para o Convento de São Francisco em São Paulo, com a finalidade
de aperfeiçoar os estudos, como também exercitar-se no apostolado. Sua maturidade espiritual
franciscano-mariana teve expressão máxima na “entrega a Maria” como o seu “filho e escravo
perpétuo”, entrega assinada com o próprio sangue aos 9 de novembro de 1766.

Terminados os estudos, , foi nomeado Pregador, Confessor dos leigos e Porteiro do convento cargo
este considerado importante, porque pela comunicação com as pessoas permitia fazer um grande
apostolado, ouvindo e aconselhando a todos. Foi confessor estimado e procurado, e quando era
chamado ia sempre a pé, mesmo aos lugares distantes. Em 1769-70 foi designado Confessor de um
Recolhimento de piedosas mulheres, as “Recolhidas de Santa Teresa” em São Paulo. Neste
Recolhimento encontrou a Irmã Helena Maria do Espírito Santo, religiosa de profunda oração e
grande penitência, observante da vida comum, que afirmava ter visões pelas quais Jesus lhe pedia
para fundar um novo Recolhimento.

Frei Galvão, como confessor, ouviu e estudou tais mensagens e solicitou o parecer de pessoas sábias
e esclarecidas, que reconheceram tais visões como válidas. A data oficial da fundação do novo
Recolhimento é 2 de fevereiro de 1774.Irmã Helena queria modelar o Recolhimento segundo a
ordem carmelitana, mas o Bispo de São Paulo, franciscano e intrépido defensor da Imaculada, quis
que fosse segundo as Concepcionistas, aprovadas pelo Papa Júlio II em 1511.A fundação passou a se
chamar “Recolhimento de Nossa Senhora da Conceição da Divina Providência” e Frei Galvão, o
fundador de uma instituição que continua até os nossos dias.

O Recolhimento, no início, era uma Casa que acolhia jovens para viver como religiosas sem o
compromisso dos votos. Foi um expediente do momento histórico para subtrair do veto do Marquês
de Pombal que não permitia novas fundações e consagrações religiosas. Para toda decisão de certa
importância, em âmbito religioso, era necessário o “placet regio”.

Aos 23 de fevereiro de 1775 morreu, quase improvisamente, Irmã Helena. Frei Galvão encontrou-se
como único sustentáculo das Recolhidas, missão que exerceu com humildade e grande prudência.
Entrementes, o novo Capitão-General de São Paulo, homem inflexível e duro (ao contrário do seu
predecessor), retirou a permissão e ordenou o fechamento do Recolhimento.Frei Galvão aceitou com
fé e também as Recolhidas obedeceram; mas não deixaram a casa, resistindo até os extremos das
forças físicas. Depois de um mês, graças à pressão do povo e do Bispo, o Recolhimento foi
reaberto.Devido ao grande número de vocações, o Servo de Deus se viu obrigado a aumentar o
Recolhimento. Para tanto contribuíram as famílias das Recolhidas, muitas das quais, sendo ricas,
podiam dispor dos escravos da família como mão-de-obra.

Durante catorze anos (1774-1788) Frei Galvão cuidou da construção do Recolhimento. Outros catorze
anos (1788-1802) dedicou à construção da igreja, inaugurada aos 15 de agosto de 1802. A obra,
“materialização do gênio e da santidade de Frei Galvão”, em 1988, tornou-se “patrimônio cultural da
humanidade” por decisão da Unesco.
Frei Galvão, além da construção e dos encargos especiais dentro e fora da Ordem Franciscana, deu
muita atenção e o melhor das suas forças à formação das Recolhidas. Para elas, escreveu um
regulamento ou Estatuto, excelente guia de vida interior e de disciplina religiosa.

Em 1929, o Recolhimento tornou-se Mosteiro, incorporado à Ordem da Imaculada Conceição


(Concepcionistas). A vida discorria serena e rica de espiritualidade quando sobreveio um episódio
doloroso: Frei Galvão foi mandado para o exílio pelo Capitão-General de São Paulo.

Este homem violento, para defender o filho que sofrera uma pequena ofensa, condenou à morte um
soldado (Gaetaninho). Como Frei Galvão assumiu a defesa do soldado, foi afastado e obrigado a
seguir para o Rio de Janeiro.

A população, porém, se levantou contra a injustiça de tal ordem, que imediatamente foi revogada.
Em 1781, o Servo de Deus foi nomeado Mestre do noviciado de Macacu, Rio de Janeiro, pelos
qualidades pessoais, profunda vida espiritual e grande zelo apostólico.

O Bispo, porém, que o queria em São Paulo, não lhe fez chegar a carta do Superior Provincial “para
não privar seu bispado de tão virtuoso religioso […] que, desde que entrou na religião até o presente
dia, tem tido um procedimento exemplaríssimo pela qual razão o aclamam santo”.

Frei Galvão foi nomeado Guardião do Convento de São Francisco, em São Paulo, em 1798, e reeleito
em 1801. A nomeação de Guardião provocou desorientação nas Recolhidas da Luz. Á preocupação
das religiosas é necessário acrescentar aquela do “Senado da Câmara de São Paulo” e do Bispo da
cidade, que escreveram ao Provincial: “todos os moradores desta Cidade não poderão suportar um
só momento a ausência do dito religioso. […] este homem tão necessário às religiosas da Luz, é
preciosíssimo a toda esta Cidade e Vilas da Capitania de São Paulo; é homem religiosíssimo e de
prudente conselho; todos acodem a pedir-lho; é o homem da paz e da caridade”. Em 1802, Frei
Galvão recebeu o privilégio de Definidor pela solicitação do Provincial ao Núncio Apostólico de
Portugal, porque “é um religioso que por seus costumes e por sua exemplaríssima vida serve de
honra e de consolação a todos os seus Irmãos, e todo o Povo daquela Capitania de São Paulo, Senado
da Câmara e o mesmo Bispo Diocesano o respeitam corpo um varão santo”.

Em 1808, pela estima que gozava dentro de sua Ordem, foi-lhe confiado o cargo de Visitador-Geral e
Presidente do Capítulo, mas devido ao seu estado de saúde foi obrigado a renunciar, embora
desejasse obedecer prontamente.

Em 1811, a pedido do Bispo de São Paulo, fundou o Recolhimento de Santa Clara em Sorocaba, em
São Paulo. Ai permaneceu onze meses para organizar a comunidade e dirigir os trabalhos iniciais da
construção da Casa. Voltou para São Paulo e ali viveu mais 10 anos. Quando as suas forças eram
insuficientes para o ir-e-vir diário do Convento de São Francisco ao Recolhimento, obteve dos
Superiores (Bispo e Guardião) a autorização para ficar no Recolhimento da Luz. Diante a última
doença, Frei Antônio passou a morar num “quartinho” (espécie de corredor) atrás do Tabernáculo,
no fundo da igreja, graças à insistência das religiosas, que desejavam prestar-lhe algum alivio e
conforto.Terminou sua vida terrena aos 23 de dezembro de 1822, pelas 10 horas da manhã,
confortado pelos sacramentos e assistido pelo Padre Guardião, dois confrades e dois sacerdotes
diocesanos.

O Processo de Beatificação e Canonização iniciado em 1938 foi reaberto solenemente em 1986 e


concluído em 1991. Aos 8 de abril de 1997 foi promulgado pelo Papa João Paulo II o Decreto das
Virtudes Heroicas e aos 6 de abril de 1998, o Decreto sobre o Milagre. Frei Galvão foi declarado bem-
aventurado no dia 25 de outubro de 1998 e canonizado pelo Papa Bento 16 no dia 11 de maio de
2007.

Frei Fabiano de Cristo

(1676-1747)

Ao norte de Portugal, numa aldeia chamada Soengas, nasceu a 8 de fevereiro de 1676, Frei Fabiano
de Cristo, que no século se chamava João Barbosa. Filho de Gervásio Barbosa e da Senhorinha
Gonçalves, formavam uma das muitas famílias de vida simples que ali viviam, dedicadas sobretudo ao
cultivo da uva.

De suas cinco irmãs, quatro se fizeram religiosas, o mesmo acontecendo com o único filho da família.
Pouco se sabe sobre os anos de infância e adolescência de João. Sabe-se apenas que pela vida
simples e pobre que levavam, pouca oportunidade teve de travar contato com os livros.

À procura de algo mais – João Barbosa sabia que o ambiente que o cercava não era resposta aos seus
ideais. Sabia que sua família fora, outrora, abastada e que em suas veias corria a nobreza antiga,
agora oculta na pobreza. Por ser ambicioso, sentiu logo o desejo de restabelecer a antiga nobreza.
Mas não seria em Soengas que isso poderia acontecer. No primeiro instante pareceu-lhe que o
melhor caminho seria o comércio. Dirigiu-se então à cidade do Porto, onde as possibilidades se
mostravam mais abundantes e ricas. Aí ouvia histórias fantásticas de terras distantes e muita riqueza,
deixando o jovem João muito entusiasmado. No final do século XVII, a novidade mais ambiciosa que
os marinheiros traziam a Portugal era a descoberta abundante do ouro em Minas Gerais. Assim como
muitos, também João viu lá longe, no Brasil, despontar a solução de seus problemas.

João despede-se de seus pais e irmãs e parte para o Brasil numa penosa viagem de meses de balanço
no mar e outra não menos penosa por terra, até chegar ao seu destino, na região das promessas
douradas: o Ribeirão de Nossa Senhora do Carmo (hoje Mariana) e Ouro Preto. Muita riqueza foi
vista, muitos homens arrancavam da terra quantidades enormes de ouro que os tornavam ricos da
noite para o dia. Mas, paralelamente à exploração das minas, surge outra fonte de renda: a vida do
comércio ou “carreira das minas”. Foi esta a profissão que João escolheu logo que chegou ao Brasil.

Não sabemos exatamente qual a especialidade dos negócios de João. Sabemos apenas que em pouco
tempo conseguiu uma respeitável fortuna. A partir de 1704, vamos encontrar João Barbosa com
residência fixa na vila de Parati, tocando seus negócios que lhe rendiam bons lucros, mas nunca
deixando de manter contato com as coisas de Deus. Assim ligou-se logo ao pároco da vila, auxiliando-
o em tudo. Todas as obras de caridade recebiam dele largas quantias em dinheiro, não deixando
nunca de ajudar os pobres, que encontravam nele a mão generosa sempre pronta a ajudar.

Os planos de João eram de trabalhar mais alguns anos e regressar a Portugal com suficiente fortuna
para alterar a situação de sua família. Mas aí Deus entrou em sua vida de forma diferente e alterou o
plano do homem. O trabalho espiritual exercido em Parati foi mudando as concepções de João. Foi
sentindo cada vez mais forte o convite à vida religiosa. Hesita. Esperava maior clareza. Algum sinal,
talvez. Mas um acontecimento trágico veio pôr fim às suas hesitações. A morte por assassinato de um
sócio e companheiro seu, por motivos desconhecidos, fez com que João ficasse profundamente
abalado e percebesse como os bens materiais não significam nada diante da grandeza de Deus.

Nesta altura da história, muitas Ordens Religiosas já estavam estabelecidas no Brasil. Examinando-as,
pode sentir que nenhuma estava tão de acordo com seus propósitos como a “Ordem Seráfica de São
Francisco de Assis”. Porque, como nascera na pobreza, passara depois à riqueza pelo trabalho, queria
à luz da fé voltar a ser pobre. E ninguém melhor que Francisco de Assis para guia nesta troca de
valores.

O Franciscano – Tomada a decisão, João apresentou-se ao Padre Provincial, no Convento Santo


Antônio do Rio, que percebeu imediatamente suas qualidades e, sobretudo, um homem que sentia o
chamado de Deus, logo sendo admitido à vida franciscana. Primeiro passo de João: desfazer-se de
todos os bens. Dividiu toda a sua fortuna em três partes: a primeira foi enviada a Portugal para a
família e para outros acertos; a segunda parte foi destinada às obras de caridade; e a terceira foi
distribuída entre os pobres. Assim, a 8 de novembro de 1704, apresentou-se no Convento São
Bernardino em Angra dos Reis, e no dia 11 de novembro trocou suas vestes seculares pelo hábito
marrom de São Francisco, trocando também seu nome de João para “Frei Fabiano de Cristo”, nome
pelo qual é conhecido ainda em nossos dias, pois foi a partir desta troca que ele enveredou pelos
caminhos da santidade. Frei Fabiano de Cristo, no tempo de formação, optou por ser irmão
franciscano.
No Convento Santo Antônio do Rio – No final do ano de 1705, Frei Fabiano de Cristo recebeu ordens
de transferir-se para o Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, com o encargo de porteiro. Aliás,
na Ordem Franciscana dava-se particular importância a esta função, pois prescrevia-se fosse ela
entregue somente a religiosos de muita prudência, confiança e virtude, após 15 anos de hábito. A
nomeação de Frei Fabiano de Cristo era um reconhecimento à sua virtude e confiança, pois estava
apenas há dois anos na Ordem. Apesar do bom trabalho exercido por Frei Fabiano na portaria, os
superiores pediram, no ano de 1707 ou 1708, que ele tomasse conta da enfermaria. Imediatamente
obedeceu e, aqui como na portaria, deu belíssimo exemplo de caridade.

Embora não tivesse preparação especial para esta função, a caridade e o esforço pessoal substituíam
as deficiências. Praticamente levava sua vida junto aos doentes, a tal ponto que nem sequer tinha um
quarto próprio, por longo tempo, contentando-se em dormir em qualquer lugar da enfermaria, para
que, dia e noite, pudesse estar à disposição dos doentes. Só mais tarde aceitou um quarto, mas
sempre junto à enfermaria. Assim consumiu quase todo o resto de sua vida, cerca de trinta e oito
anos, exercendo sua caridade para com os doentes e idosos.

Enfermidade e morte – Com o passar do tempo, o corpo de Frei Fabiano foi sentindo o peso da idade
e dos sacrifícios, na forma de sofrimento físico que o crucificaram por quase 30 anos. A causa inicial
destes sofrimentos foi uma erisipela crônica, localizada nas pernas, acentuadamente na esquerda,
que mais tarde se transformou numa horrível chaga. Para aumentar estes sofrimentos nas pernas,
apareceu-lhe um quisto num dos joelhos, atribuído por alguns ao tempo excessivo que o bom irmão
permanecia de joelhos nas suas longas horas de oração.

Jamais se ouviu dele a mínima queixa ou atitude de revolta diante de tanto sofrimento. A única coisa
que o atormentava era o fato de não poder mais exercer sua função de enfermeiro. Seu estado de
saúde agravou-se muito, já estava ele na casa dos 70 anos. Pressentiu que ia chegando ao fim de seus
dias e, conforme dizem, chegou a anunciar aos confrades o dia e a hora de sua morte. No dia 17 de
outubro de 1747, pelas 14h00, Frei Fabiano de Cristo, rodeado pelos confrades, quase
despercebidamente como vivera, parte ao encontro do Pai.

Uma multidão tomou conta do Convento Santo Antônio. Todos queriam se despedir de Frei Fabiano,
pois ele era visto como um Santo, um Servo de Deus. Todos desejavam ver e tocar aqueles restos que
representavam a santidade. O local onde estavam encerrados os ossos de Frei Fabiano começou a ser
abandonado, terminando por cair em ruínas. Dos cento e tantos religiosos do tempo de Frei Fabiano
o Convento não abrigava, em 1870, mais que seis e, aos poucos, o Convento foi se transformando
numa espécie de hospedaria até que, em 1885, Dom Pedro II hospedou ali o sétimo Batalhão de
Infantaria do Exército. E vieram as depredações e os estragos. A ruína começara um trabalho
demolidor, levando consigo a placa de bronze que assinalava o local da urna com os ossos de Frei
Fabiano. Assim, quando o batalhão se retirou, ninguém mais sabia o local que se encontrava a urna.
Inclusive acreditava-se que a mesma havia sido violada.

O reencontro – Não queria Deus fosse este o fim dos ossos de Frei Fabiano, pois em fins de janeiro
do ano de 1924, chuvas fortes e prolongadas, causaram grandes estragos no Rio e em vários Estados.
Às três horas da madrugada do dia 2 de fevereiro, com um estrondo terrível, ruiu grande parte do
muro, atrás do qual, antigamente, se achava a enfermaria. Em meados de abril, foram iniciadas as
obras de reconstrução do dito muro, derrubando a 1° de maio do ano de 1924, o resto do muro que
ainda não ruíra. Parte do muro já havia sido derrubado, quando do lado do Convento, de repente,
apareceu uma urna de chumbo, cheia de ossos. Imediatamente entregue ao Guardião, este logo ficou
convencido de tratar-se dos ossos de Frei Fabiano. Abrindo a urna, encontrou em cima, coberto de
cal, um documento em péssimo estado, onde ainda se lia: “Frei Fabiano…….. enfermeiro deste
convento…….. Rio……..”.

Resolveram então encerrá-los em uma urna de mármore, com uma pequena abertura lateral, por
onde se poderiam ver os ossos. A urna foi colocada numa capela, do lado esquerdo da Igreja do
Convento Santo Antônio. E a veneração recomeçou. Em pouco tempo, os fiéis começaram a procurar
o santo irmão, como nos primeiros dias após sua morte. Ainda hoje, a procissão de devotos continua
a desfilar diante do altar singelo que abriga os ossos de Frei Fabiano. De todos os cantos do Brasil
chegam cartas comunicando graças e pedindo lembranças do santo irmão que, pequeno na terra,
continua no céu uma presença benéfica, atestando como Deus é magnífico em seus santos, pois
neles manifesta sua imensa misericórdia e sua paterna solicitude de ajudar os homens pelos homens.

Frei Hugo Baggio, ” Frei Fabiano de Cristo”, 1974.

Frei João do Amor Divino Costa

* Rio de Janeiro, RJ, 20/09/1830


† Rio de Janeiro, RJ, 07/12/1909

Frei João do Amor Divino Costa, último remanescente da geração antiga da Província da Imaculada
Conceição, faleceu em 1909, 8 anos depois da restauração canônica das duas Províncias brasileiras:
Santo Antônio e Imaculada Conceição, ocorrida a 14 de setembro de 1901.

Carioca da gema, nasceu João Eustáquio da Costa na freguesia de Santana, na data de 20 de


setembro de 1830.

Aos 14 anos ingressou, como pupilo, no convento de Santo Antônio, e em 17 de maio de 1845 tomou
o hábito religioso, professando somente a 20 de setembro de 1846, ao completar 16 anos. Ordenou-
se padre em 18 de junho de 1852.
Como era um dos poucos sobreviventes da antiga Província da Imaculada Conceição, ocupou quase
todos os cargos e ofícios: mestre de noviços, guardião, definidor, secretário da Província, procurador
geral, custódio. Com a morte do Provincial Frei Antônio do Coração de Maria e Almeida, ocorrida a 19
de junho de 1870, quatro, dos seis sobreviventes da Província o elegeram Vigário Provincial, em 02
de julho de 1870. Ocupou este cargo durante 39 anos.

Frei Diogo de Freitas assim o descreveu pelo ano de 1899:

“Apesar da idade (quase 70 anos), a sua aparência era a de um homem forte, musculoso e sadio. Era
o velho frade, de porte agigantado, robusto, apressado no andar, de cor morena e cabelos lisos e
finos, sem indícios de calvície; a sua voz era cava e retumbante como a do trovão; o seu semblante,
sereno e concentrado; não ria, se bem que muito conversador e contador de anedotas. No todo, era
uma figura impressionante, e seu físico combinava perfeitamente com a rigidez do seu
temperamento, às vezes violento, o que o tornava temível, porém sempre justo e inclinado a
transigir… Cedia à reflexão e à voz da consciência”

Infelizmente Frei João só veio a conhecer a Província da Imaculada Conceição já na época de sua
completa e total decadência e desagregação.

Em 1871, fez a visita a alguns dos conventos do Sul: Itanhaém, Taubaté, São Sebastião e Itu, todos
eles na então Província de São Paulo. Esteve mais vezes e demorou-se mais tempo nos conventos de
Vitória e da Penha, estes no Espírito Santo.

Pode-se dizer que no início de sua gestão fez o que pôde para salvar da ruína completa os conventos
abandonados e os destroços do elemento humano de que ainda dispunha.
No mesmo ano de 1871 fez apelo ao Imperador, pedindo a reabertura do noviciado (o decreto de
fechamento datava de 19/05/1855). Não foi atendido.

Por ocasião da assinatura do decreto de 13 de maio de 1888, dando liberdade aos escravos, dirigiu
carta ao conselheiro João Alfredo, pedindo: “que se decretasse também a liberdade espiritual
escravizada”. Baldados esforços.

De 1872 há dele um relatório detalhado do estado das casas e do pessoal. Totalmente desanimador.

Tanto mais é de se estranhar a atitude de Frei João, quando depois da proclamação da República
(15/11/1889) e a Santa Sé urgindo a revitalização das ordens religiosas no Brasil, ele não mais se
interessou e contentou-se apenas com palavras evasivas.

Quando em 1893, foi-lhe citado o exemplo do Provincial da Província de Santo Antônio, que nela
frades saxões, ele só afirmou “que mais de uma vez pedira ao Padre Geral que o socorresse no seu
isolamento”.

Em 1899 veio ordem expressa da Santa Sé, para a incorporação de novos religiosos e conseqüente
continuidade da existência da Província Franciscana da Imaculada Conceição. Isto conseguiu-o, com
muito jeito e diplomacia o encarregado dos Negócios da Santa Sé, monsenhor Enrico Sibilia. Dia 26 de
abril de 1899, apresentarem-se a ele Frei Diogo de Freitas, Frei Crisólogo Kampmann e o irmão Frei
Patrício Tuschen. Frei João declarou-os agregados à sua Província. Aos 05 de junho do mesmo ano, foi
assinado ato público da aceitação dos dois primeiros e publicado no Diário Oficial, no dia seguinte.

Em 19 de março de 1901, recebeu ele ainda a profissão solene de Frei Patrício, todavia tratava-os
somente como hóspedes, não interferindo em nada, é verdade, mas totalmente desinteressado de
qualquer iniciativa ou colaboração. O certo é que ele não sentia nenhuma simpatia pelos franciscanos
alemães que o Padre Geral tinha conseguido para a sua Província.

Apesar disso, por este seu gesto de condescendência, foi Frei João nomeado Protonotário Apostólico,
com pontificais de báculo e mitra. Recebeu ainda o título honorífico de Custódio da Terra Santa. O rei
de Portugal, Dom Carlos I, conferiu-lhe a comenda da Ordem de Cristo.

Pelo ano de 1907, a saúde do outrora tão vigoroso Frei João começou a declinar rapidamente. Foi
residir em Copacabana, mas os males se agravaram. Veio depois para uma casa na rua da Carioca,
mas poucos dias lhe restaram.

Faleceu em quase total abandono, dia 07 de dezembro de 1909, cerca de 17:30 horas. Já agonizante,
Frei Diogo de Freitas lhe administrou os Santos Óleos, depois de ter durante todo o dia o acesso
barrado ao doente.

A venerável Ordem Terceira da Penitência, da qual foi Comissário desde 1885, mandou embalsamar o
corpo e às suas expensas o sepultou no seu cemitério da praia do Caju.

Com ele encerrou-se melancolicamente o destino da outrora gloriosa falange dos religiosos da
Província da Imaculada Conceição da Senhora.
Personagens da História

Da Província restaurada

Dom Frei Amando Bahlmann

(1862-1939)

Nasceu a 08 de maio de 1862, em Bartmansholte, paróquia de Essen, na Alemanha, e era o segundo


filho de um honesto e simples professor primário, com fez os seus primeiros estudos, passando
depois para Vechta, onde fez os estudos ginasiais. Entrou, em seguida, como noviço na Ordem
Franciscana, em Harreveld, onde recebeu o hábito a 21 de agosto de 1879, tendo sido seu Mestre de
Noviços o experimentado Padre Osmundo. A 24 de agosto de 1880 fez a Profissão Simples, e a 03 de
outubro de 1883 a Profissão Solene. Em Bleyerheide, onde terminou os seus estudos ginasiais,
ingressou em Filosofia, seguindo, em 1884, com outros alunos, para Roma, onde freqüentou o
Colégio da Propaganda. Aí concluiu os seus estudos com o honroso diploma de Doutor em Filosofia e
em Teologia, em 1889, já ordenado Sacerdote, pois a sua ordenação se deu em Roma, na Basílica de
Latrão, a 22 de Setembro de 1888.

Regressando à Alemanha, foi enviado para Werl, como professor de Filosofia, mas, desejoso de ser
missionário, apresentou-se como candidato para as Missões no Brasil, onde se pretendia restaurar as
Províncias Franciscanas.
Efetivamente, a 24 de maio de 1891 embarcou em Bremen para o Brasil, em companhia de mais um
padre e dois irmãos leigos, indo estabelecer-se na cidade de Desterro, atual Florianópolis, por onde
se começou essa restauração. Em dezembro de 1892 veio para a Bahia com os antigos e novos
padres. Tratou-se da restauração da antiga Província de Santo Antônio, do norte do Brasil, tendo sido
Frei Amando Bahlmann nomeado Superior, Professor e Mestre de Noviços, ainda lhe sobrando
tempo para ser excelente pregador de Missões.

Em 1905 foi nomeado Visitador das Províncias de Argentina e Bolívia, cargo de que muito bem se
desempenhou, de tal modo que, ao regressar, passando por Buenos Aires, recebeu a notícia da sua
nomeação, 18 de janeiro de 1907, para Prelado de Santarém, de que tomou posse canônica a 04 de
agosto do mesmo ano, um dia depois de sua chegada à sede de sua Prelazia. Vieram com ele Frei
Capistrano e Frei Camilo, um sacerdote e o outro irmão leigo. Logo em 1908 foi a Roma, onde foi
sagrado Bispo Titular de Argos. Regressou depois a Santarém, a sede querida da sua Prelazia, e desde
então a vida de Dom Amando não teve outra finalidade senão o desenvolvimento onímodo desta
parte da Igreja que a Santa Sé lhe confiara. Morreu em Nápoles, a 05 de março de 1939, poucos dias
depois da eleição do Papa Pio XII, assistido pó um confrade religioso a quem ele mesmo havia
ordenado dezesseis anos atrás, o Revmo. Padre Crisóstomo Streemer.

A 06 de março foi celebrada Missa de corpo presente na Igreja de Santa Maria la Nueva, em Nápoles,
sendo celebrante o Revmo. Padre Definidor Geral Bertrand Kurtscheid, assistido pelos Padres Xavier
Boockey e Pancrácio Puetter.

O seu sepultamento realizou-se também em Nápoles, no cemitério franciscano da Província de Santa


Maria la Nueva, até que, em abril de 1952, no dia 10, pelo “Cantuária”, do Lóide Brasileiro, entravam
em Santarém os seus restos mortais, recebido pelo povo com verdadeira apoteose, e com apoteose
ainda maior no sepultamento em jazigo perpétuo na Matriz de Santarém, no dia 14 de abril de 1952,
na Capela do Senhor dos Passos, onde uma lápide singela assinala o nome querido do maior de todos
os benfeitores de Santarém.

Frei Hugo Mense


(1878 – 1944)

Frei Hugo Mense, que no século se chamava Johannes Conrad Aloysius Mense, nasceu na Alemanha,
a 6 de janeiro de 1878, segundo filho do casal Johannes Mense e Catarina G. Mense. Passou os anos
de sua juventude na sua cidade natal. Bem cedo manifestou-se nele a vocação missionária, e tendo
mais ou menos 15 anos de idade, decidiu ingressar na Ordem Franciscana, iniciando sua caminhada
religiosa na Alemanha.

Em 1894, Johannes Mense atravessou o oceano em direção ao Brasil, onde, em 2 de fevereiro de


1896, na cidade de Salvador – BA, tomou o hábito de São Francisco, passando a chamar-se Frei Hugo.
Foi ordenado sacerdote em 25 de julho de 1901.

Como sacerdote, passou os primeiros anos de ministério em diversos lugares do Sul brasileiro. Seu
talento aparece também no campo da imprensa. Em Curitiba, colaborou no jornal “Der Kompass”, e,
mais tarde, em Petrópolis, foi o primeiro redator da revista “Vozes de Petrópolis”, fundada em 1906.

Todavia, a alma missionária de Frei Hugo não se julgava satisfeita nessa esfera de apostolado.
Aspirava por outro campo de ação. Em 1907, quando o administrador apostólico da nova Prelazia de
Santarém, no Pará, Dom Frei Amando Bahlmann, chamou voluntários para a sua vastíssima diocese,
Frei Hugo foi um dos primeiros a se apresentar. Em 1908, tendo obtido licença do Ministro Geral da
Ordem, mudou-se efetivamente para a Amazônia.

Durante os primeiros três anos, percorreu uma grande parte do território de Santarém, indo até o
longínquo Amapá, conforme ele mesmo declara em carta escrita do Alto Tapajós em 7 de junho de
1911.

Após repetidas insistências de Frei Hugo e de Frei Luiz Wand, também missionário, foi determinada a
fundação de uma estação missionária entre os índios mundurucus, nos campos gerais do planalto
brasileiro, entre os grandes tributários do majestoso rio-mar, que são o Tapajós e o Xingu. Após duas
viagens de reconhecimento, cheias de peripécias, realizadas por Frei Hugo, em 1911 procedeu-se à
instalação definitiva da missão, sendo seus fundadores: o próprio Frei Hugo, Frei Crisóstomo Adams e
Frei Luiz Wand. Desde então, por quase trinta anos, interrompidos apenas por algumas viagens ao sul
do Brasil, aos Estados Unidos, e à Alemanha, Frei Hugo dedicou-se inteiramente, de corpo e alma, à
catequese dos seus “filhos”, como gostava de chamar, enternecido, os seus queridos índios
mundurucus.

As primeiras viagens foram de grande risco. Frei Hugo e os outros missionários passavam entre 34 a
60 dias navegando, e passavam por cachoeiras e corredeiras, até alcançarem a embocadura do
célebre Rio Cururu, que deságua no Tapajós.

Assim, muitas vezes, Frei Hugo e seus companheiros se viam diante de eminentes perigos de vida,
como a travessia de certas cachoeiras, com manobras perigosas que os levavam amiúde a naufrágios.
Tinham que alcançar as margens a nado, a duras penas.
Dormiam muitas noites ao relento, na mata-virgem, em suas redes, expostos a vários perigos, entre
os quais, os animais ferozes.

Fixaram residência nos campos do Caruru, construíram Igreja e escola para os índios. As dificuldades
eram enormes, sobreviviam através da caça, da pesca e de ovos de tartarugas.

Já entre os índios, Frei Hugo e os missionários continuavam a enfrentar grandes problemas, como a
epidemia de sarampo, que, naquela época, significava morte. Centenas de índios, entre homens,
mulheres e crianças, eram recolhidos na Missão, socorridos dia e noite pelas incansáveis Irmãs
Clarissas.

Numerosas crianças perderam pai e mãe pelo fato da epidemia incidir mais devastadoramente entre
os adultos, ficando a Missão com a incumbência do sustento dessas crianças órfãs.

Para realizar o trabalho de evangelização, Frei Hugo e seus companheiros são levados a empreender
grandes e penosas viagens pelos campos e matas virgens, por caminhos trilhados pelos índios há
séculos, atravessando riachos e igarapés que se estendiam às vezes a distâncias de 300, 400
quilômetros e até mais. Sem contar os ataques constantes de mosquitos, de dia e de noite.

Nessas excursões missionárias batizavam e crismavam crianças indígenas e também adultos já


instruídos nos mistérios principais da Fé.

Pregava-se e catequizava-se na língua de origem dos índios, a qual, depois de anos de estudo, os
missionários dominavam bem. Orações e cânticos, os Evangelhos dos domingos e dias santificados
eram anunciados na língua-mãe indígena.

Frei Hugo Mense estudou com esmero palavra por palavra que ouvia da boca dos índios. Decifrava o
sentido das frases estranhas aos ouvidos dos homens “civilizados”. Formulou regras e conseguiu
colocar a língua mundurucu num pequeno catecismo chamado “Cabi-ã”, que significa “caminho do
céu”.

A Missão, cujo nome oficial é “Missão de São Francisco do Cururu”, revestiu-se de grande
importância para o desenvolvimento do interior brasileiro, visto achar-se naquela época em pleno
sertão, em terras que eram consideradas as mais desconhecidas.

Frei Hugo ficou sabendo, por intermédio dos índios mundurucus, de outras tribos indígenas
totalmente desconhecidas, que nunca haviam tido contato com o homem branco, e que ainda viviam
muito primitivamente.

Considerando as tantas tribos indígenas espalhadas pelas florestas virgens e pelas campinas, a
Missão fundada entre os mundurucus certamente foi um ponto de apoio muito importante para a
pregação do Evangelho no Brasil central.

Assim, na Missão do São Francisco do Cururu, dia após dia, notava-se um franco progresso em todos
os ramos do trabalho missionário em favor dos indígenas. O progresso nas escolas foi grande,
deixando os missionários entusiasmados.
Em 1938, devido à sua saúde abalada, Frei Hugo viu-se na dura contingência de deixar a Missão, seu
campo de ação de tantos anos. Certamente foi um passo bem difícil para o coração do missionário,
mas ele deu-o com coragem. Assim, passou os últimos anos de sua vida no Convento Santo Antônio
do Rio de Janeiro, dedicando também aí seus esforços pelo bem-estar e desenvolvimento da Missão
do Alto Tapajós. Com tenacidade invulgar, sabia angariar donativos em grande abundância para os
índios de sua predileção. Visitava também com freqüência vários departamentos do Governo a fim de
obter ajuda para a Missão.

Porém, seus últimos anos de vida, foram também de saudades. Impossibilitado de retornar à antiga
atividade, nunca deixou de esperar. Não desprezou meios, ocasiões e oportunidades para sempre de
novo tentar a volta. Sentia uma grande e insaciável vontade de rever os índios. E quando teve uma
resposta negativa definitiva, aliás absolutamente justificada, Frei Hugo chorou.

Frei Hugo Mense faleceu no Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro, no dia 22 de abril de 1944.

Elisabete Barbero – arquivista

Frei Pedro Sinzig

(1876 – 1952)

Frei Pedro – assim ele era chamado e conhecido – nasceu na romântica cidadezinha de Linz, às
margens do Reno, a 29 de janeiro de 1876. Naturalizou-se brasileiro a 9 de fevereiro de 1898, às
vésperas de sua ordenação sacerdotal na Bahia. Pertenceu ao grupo dos primeiros franciscanos
alemães que restauraram a Província. Veio para cá ainda noviço, em 1893, a bordo do “Leipzig”.
Faleceu a 8 de dezembro de 1952, em Düsseldorf, Alemanha.
Alma franciscana

Frei Pedro amava o seu burel franciscano com todas as forças de sua grande alma, não hesitando
jamais em colocar o ideal franciscano acima de qualquer outro ideal ou aspiração terrestre, por mais
nobre que fosse. Nunca seus brilhantes talentos ou o extraordinário prestígio de que gozava nas
classes mais altas da sociedade e nas rodas culturais e artísticas mais finas, eram capazes de alterar
sua humildade que, sem dúvida, constituía um dos traços característicos de sua personalidade. Se
teve algum orgulho, foi o de ser filho de São Francisco e sacerdote de Jesus Cristo.

Foi frade exemplar, pois batalhou em muitos domínios para a glória de Deus e o bem das almas, para
o engrandecimento da cultura e da arte; foi propugnador do ideal cristão na imprensa, na tribuna, no
cinema, nas pesquisas históricas.

O artista

Frei Pedro dividia o seu tempo pregando missões, fazendo conferências, dirigindo retiros espirituais,
e cultivando a música. Mas, para ele, entregue ao ideal, não bastava ainda a atividade religiosa e
musical. A sua missão em terras brasileiras podia abranger outros campos que precisavam também
de apostolado. Assim Frei Pedro não foi indiferente aos problemas sociais além de dedicar-se ao
jornalismo católico e às letras. Publicista distinto, saíram de sua pena os mais diversos gêneros
literários, da obra religiosa ao romance e à novela, dos assuntos históricos e geográficos aos da arte.

Tornou-se conhecido por grande parte de artistas e intelectuais como músico, compositor,
musicólogo, regente de coros e de orquestras, professor e diretor da Escola de Música Sacra e
redator da sua própria revista, sob o título: “Música Sacra”, através da qual cultivou a crítica musical
por mais de 12 anos. Criou no âmbito cinematográfico a revista “A Tela”, cujo fim era orientar sob o
ponto de vista estético, moral e religioso, a criação de novos filmes.

O musicista

O trabalho de Frei Pedro em favor da música sacra foi deveras notável. Mais de cem composições
surgiram de sua rica inspiração, de oratórios a missas festivas, de ladainhas à própria ópera. Nos
últimos três anos de sua vida, Frei Pedro trabalhou na elaboração da ópera “Frei Antônio”, que
deveria ser apresentada por ocasião das festas comemorativas de fundação de São Paulo, em 1954.

Frei Pedro lançou o Dicionário Musical, um dos mais sérios trabalhos de sua lavra, recebido pela
crítica com efusivas manifestações. Regeu concertos sinfônicos no Teatro Municipal. Foi exímio
crítico de arte. Atuou junto ao Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro. Fundou a “Pró-Arte”, cujo
objetivo era o Intercâmbio Cultural entre o Brasil e a Alemanha. Pertenceu à Academia Brasileira de
Música, na época presidida por Villa-Lobos, seu grande amigo.

É difícil detalhar toda a produção musical deste notável religioso que, além de abundante obra
publicada, deixou muitos trabalhos inéditos, alguns sem título. Das obras editadas, destacamos como
mais importantes: “Benedicite”, “Sursum Corda” e “Cecília”, catorze Missas, seis Ladainhas, cinco
Hinos Eucarísticos, quatro marchas de Procissão; “Cem Prelúdios para Órgão”, um “Catecismo em
Cânticos”, e a “Jóia do Cantochão”. Além destas obras, Frei Pedro Sinzig escreveu ainda uma “Paixão”
segundo São João, os “Oratórios Natal! Natal!”, “São Francisco Seráfico”, “Maria Santíssima” e a
“Cantata Santa Cecília”. Não deixando de lado o folclore brasileiro, compôs: “Cancioneiro de
Modinhas Populares”, “Modinhas Brasileiras”, “Minha Terra”, “Salve Brasil”, “Estrelas e Flores” e “O
Brasil Cantando”.
O escritor

Como escritor propriamente dito, Frei Pedro possuía as mais invejáveis qualidades da concepção
artística, aliada a uma cultura harmoniosa e profunda.

Escritor exímio, com quatro dezenas de obras publicadas, escreveu romances, novelas, ensaios e fez
traduções.

Destacamos apenas uma parcela de suas obras: “A Caricatura na Imprensa Brasileira”, “Pelo Brasil e
pela Fé”, “Frei Fabiano de Cristo”, “Tempestades”, “Os nossos Escritores”, “O Nazismo sem Máscara”
(1938), “Pela mão de uma menina”. Nos últimos anos publicou ainda: “O Zepelim e o cão de casa”, “O
mês de maio e a Folhinha” e “De automóvel para o céu”. Notável repercussão teve a sua obra:
“Reminiscências de um Frade”. Nela Frei Pedro relata as suas aventuras e andanças pelos sertões
baianos, e dá a sua versão da Campanha de Canudos e dos fanáticos da região.

Em “Através dos Romances” apresenta breve crítica a uma infinidade de obras de ficção para
orientar, literária e moralmente, os leitores cristãos.

Outra obra de grande valor é a vida de “Frei Rogério Neuhaus”, confrade e companheiro de ideal por
longos anos. Frei Rogério faleceu em 1934 e ficou conhecido como o sacerdote das massas
sofredoras.

O jornalista

Frei Pedro era um jornalista nato. Em abril de 1902, fundou o “Cruzeiro do Sul”, em Lages, SC, que
contrastava em idéias e comentários com os outros dois órgãos locais, sendo um porta-voz da
política, e outro da maçonaria.

Mais tarde, em Petrópolis, fundou o “Centro da Boa Imprensa” (1910), dando nova orientação à
revista “Vozes de Petrópolis”, que ele redigiu por 12 anos (1908-1920).

Foi o organizador do 1° Congresso Nacional dos Jornalistas Católicos, e foi nesse Congresso que
lançou as bases do “Diário Católico”, na capital do País. Desde então, desdobrando-se em rara
capacidade de trabalho, colaborou com quase todos os jornais do Brasil. Para maior e melhor
organização desse futuro diário, seguiu para a Europa, em 1910, fazendo diversas conferências em
que apresentava o Brasil como um grande país de possibilidades espirituais e artísticas. Lá angariou
recursos e adquiriu uma rotativa para a impressão do futuro jornal. Foi convidado pelo Reichstag
(Alemão) a expor o seu trabalho jornalístico no Brasil, pelo que foi condecorado por governos de
vários países.

Frei Pedro viveu 60 anos como frade menor. Frei Pedro é a prova de que a inteligência e o coração de
um franciscano não envelhecem.

Os restos mortais de Frei Pedro Sinzig foram trazidos da Alemanha e descansam desde o dia 18 de
dezembro de 1952, no Cemitério de São João Batista – Botafogo – Rio.
Frei Rogério Neuhaus

(1863 – 1934)

Henrique Neuhaus, terceiro filho do casal João Geraldo Neuhaus e Cristina Haddick, nasceu aos 29 de
novembro de 1863, em Borken, Alemanha, num ambiente familiar religioso de muito respeito e
piedade. O quarto e último filho tornou-se também franciscano na Província da Saxônia, Alemanha:
Frei Lindolfo Neuhaus.

Conhecendo os franciscanos pelos frades esmolares que regularmente visitavam Grütlohn, lugarejo
onde residiam os Neuhaus, e com vontade de tornar-se também religioso, apresentou-se aos 17 anos
no convento de Harreveld, Holanda, onde foi aceito.

No dia 03 de maio de 1881 recebeu o burel e o nome de Frei Rogério, iniciando com fervor a escalada
para a santidade.

Na catedral de Pederborn, Alemanha, foi ordenado sacerdote, aos 17 de agosto de 1890, pelo bispo
Dom Agostinho Gockel.

Levado pelo ideal missionário, associo-se à segunda leva de restauradores da Província da Imaculada
Conceição do Brasil: 4 sacerdotes e 4 irmãos religiosos leigos.

Aportaram a 02 de dezembro de 1891 em Salvador, BA, mas já no dia seguinte prosseguiram viagem
para o sul, desembarcando no Desterro (antigo nome da capital do Estado de Santa Catarina:
Florianópolis) e chegando dia 12 de dezembro de 1891 em Teresópolis (agora: Vila Teresópolis, SC), a
primeira residência dos frades restauradores no sul do Brasil.
Em 13 de fevereiro de 1892, foi enviado a Lages, SC, seguindo com tropeiros para o novo destino, que
seria por longos anos seu campo de ação e de santificação, tornando-se verdadeiramente o
“Apóstolo do planalto catarinense”.

A ignorância religiosa, a indiferença, a frieza, a maçonaria, a falta de tradição familiar, a pobreza, foi o
que Frei Rogério encontrou ao iniciar o seu pastoreio de almas, quase tudo resultado da longa falta
de assistência religiosa e sacerdotal. Ele enfrentou esta luta pelo reino de Deus, sem um instante de
esmorecimento, mourejando, dia e noite, pelo longo espaço de 30 anos nos Estados do Paraná e
Santa Catarina.

As contínuas viagens pastorais no lombo da mula, por dias e semanas seguidas, através de picadas
intransitáveis, por rios a serem vadeados, em meio ao mau tempo e às enchentes, sempre o perigo
de ser assaltado pelos bugres, ou acometido pelas doenças e febres, enfrentando o frio cortante,
tudo isso foram situações que se repetiam. Mas seu amor às almas, sua afabilidade, sua piedade e
zelo, seu coração voltado para Deus, o faziam sempre mais e mais querido pelos fiéis e lembrado até
os dias de hoje, pois, realmente viveu com o povo e pelo povo, ou como diríamos hoje, inserido no
povo de Deus.

Relembrando ligeiramente o episódio dos fanáticos, que nos anos de 1912-1916 conturbaram regiões
fronteiriças entre o Paraná e Santa Catarina, e que insuflados por um pretenso monge José Maria de
Santo Agostinho (Miguel Lucena de Boaventura, desertor do exército e polícia paranaense), deram
origem à guerra do Contestado. Frei Rogério teve contato com esse ‘profeta’, e apesar de toda a
caridade e heroísmo, seu papel de pacificador resultou inútil.

Em 1922, estando lotado em Palmas, PR, percebeu Frei Rogério que estava perdendo a visão.
Consultado o médico, este constatou a gravidade do mal e o aconselhou a procurar recurso em
centros mais bem equipados. Assim veio ele, primeiramente para São Paulo e depois para a cidade
do Rio de Janeiro, então capital da República.

Aqui seu apostolado aparentemente obscuro e escondido foi o do confessionário, onde atuou com
resultados surpreendentes e maravilhosos, visitava também com muita freqüência, e na cidade toda,
os doentes nas casas, nos hospitais, nos asilos e nas casas de caridade. Só o Senhor é testemunha do
imenso bem que ele realizou silenciosamente nos 12 últimos anos de vida.

Tornou-se sempre mais o homem de Deus, voltado unicamente para esse Deus que de contínuo se
manifestava na sua generosidade ilimitada para com o próximo. Sua piedade, sua confiança em Deus,
eram realmente notáveis.

O ano de 1934 trouxe sinais evidentes de que a caminhada de Frei Rogério estava terminando. No dia
01 de março de 1934, foi internado na Casa de Saúde São José, com câncer generalizado, nos
intestinos. Sem esperança de cura, os médicos resolveram colostomizá-lo, a fim de lhe darem certo
alívio, no que ele não consentiu, desejoso que estava de levar a cruz até o fim.

Na madrugada do dia 23 de março de 1934, Frei Rogério entrou em agonia. O corpo banhado em
suor, revolvia-se na cama. Inquieto tentava levantar-se, foi posto numa cadeira; voltou ao leito. O
rosto se contorcia e desfigurava pelas dores atrozes.
Por volta das 5 horas a luta chegou ao fim. Dezoito minutos antes das 6 horas uma grande serenidade
se derramou sobre seu semblante. “Um santo acabava de chegar à casa do Pai”.

A notícia do passamento, comoveu toda a cidade. O funeral foi uma verdadeira apoteose para este
humilde, modesto e desprendido filho de São Francisco. Todos que com ele conviveram ou dele se
aproximaram, sempre o tiveram em conta de um exemplaríssimo homem de Deus; e essa veneração
ainda continua. “Pertransiit benefaciendo” (At 10, 38). Realmente ele passou pelo mundo espalhando
e fazendo unicamente o bem.

Frei Bruno Linden

* Duesseldorf, Alemanha, 08/09/1876


† Joaçaba, SC, 25/02/1960

Poucos são de certo, os confrades, da época, que não chegaram a conhecer Frei Bruno. Quem o
conheceu concordará comigo que sua personalidade foi uma reprodução fidelíssima das páginas mais
inspiradoras dos “Fioretti”. Simples, pobre, humilde, zeloso, e caridoso em grau impressionante,
retratava de maneira fiel, porém desestudada, os traços mais marcantes de genuíno frade menor
segundo a mete e o modo de São Francisco. Falando em Frei Bruno, não cabem palavras difíceis. Nem
pretendo expor todas as minúcias tão simpáticas quão edificantes de sua abençoada carreira. Dou,
apenas, em rápidos e leves traços, os dados importantes do seu curriculum vitae (fornecidos pelo
Provincialado), para logo em seguida condensar a impressão que ele nos deixou nestes últimos anos
de íntimo convívio na residência de Joaçaba.

Vida – Filho de Humberto Linden e Cecília Goelden, nasceu Humberto Linden Jr. (mais tarde Frei
Bruno) em Duesseldorf, na Alemanha, a 8 de setembro de 1876. Com quase 18 anos de idade,
ingressou no noviciado dos Franciscanos da Saxônia, em Harreveld, na Holanda. Tomou hábito em 13
de maio de 1894. O famoso padre-mestre Frei Osmundo Laumann deixou-lhe lembrança indelével
nas poucas semanas que passou debaixo de sua tutela. Mal recebidos na ordem, os noviços
destinados para a “Missão Brasileira”, entre esses também Frei Bruno, trocaram o convento do
noviciado por um navio transatlântico que os levou à Bahia. Aportaram em Salvador aos 12 de julho
de 1894. Em terras baianas, Frei Bruno completou o noviciado, saiu-se ileso da febre amarela,
estudou filosofia e teologia e fez profissão solene, esta a 19 de maio de 1898. Pela volta do século foi
enviado para Petrópolis, onde foi ordenado sacerdote em 10 de maio de 1901 e aprovado para a cura
d’almas em fins do mesmo ano.

O jovem padre permaneceu ainda mais dois anos em Petrópolis. Em 1904 foi transferido para Gaspar,
primeiro como superior e pároco até 1906, continuando no mesmo lugar mais três anos como
coadjutor. A próxima transferência levou-o a São José, na função modesta de coadjutor e
bibliotecário; mais tarde, isto é, desde 1914 confiaram-lhe os cargos de Praeses e vigário da paróquia.
Em 1917 tocou-lhe a incumbência de superior e vigário na residência riograndense de Não-Me-
Toque.

Entre 1926 e 1945 medeia a prolongada estadia em Rodeio, convento do noviciado, onde quase todo
o tempo era guardião e vigário, enquanto o permitiam as constituições e intercalados os devidos
interstícios de vacância de cargos. Durante quase 20 anos edificou sem cessar o povo de fora e os
religiosos de dentro com seu exemplo de autêntico frade menor e arauto de Cristo. Este período
mereceria um artigo à parte de quem com ele conviveu por mais tempo. Basta dizer aqui que
dificilmente as instruções do Pe. Mestre aos noviços encontrariam ilustração concreta e exemplo vivo
mais imponentes que na pessoa do santo Frei Bruno.

O Capítulo Provincial de 1945 destacou-o de Rodeio para Esteves Júnior. Lá permaneceu só poucos
meses, pois no fim do mesmo ano foi designado superior e pároco de Xaxim. Completou dois triênios
à testa da casa, continuando no mesmo lugar como coadjutor até 1956. Octogenário, acabado e
encarquilhado foi parar em Joaçaba, sua última morada terrestre.

Frei Bruno em Joaçaba – Depois do Capítulo Provincial de 1956, a conselho do Pe. Provincial, Frei
Bruno foi para Luzerna a fim de passar uma temporada de repouso, ou, como ele mesmo entendia,
preparar-se para a morte. Não era para menos. A velhice, as fôrças gastas e o corpo alquebrado
pressagiaram o fim da jornada. Duas hérnias e, por conseguinte, duas cintas davam-lhe bastante que
fazer e sofrer. Todavia pensava também em trabalhar, em continuar suas caminhadas para espalhar o
bem a todos. Em pouco tempo escasseou o serviço em Luzerna e, a pedido dos confrades, foi passar
uns dias em Joaçaba onde descobriu novas oportunidades de apostolado. Voltou a Luzerna sem dizer
nada, mas quatro dias depois apareceu outra vez em Joaçaba, disposto a ficar. Era em 2 de fevereiro
de 1956.

A volta de Frei Bruno foi naturalmente uma grande alegria para nossa pequena comunidade. Todos
nós apreciávamos a graça de ter um santo em casa, e um santo que trabalha sem dar trabalho. Os
últimos quatro anos em Joaçaba não foram mais do que a continuação de um apostolado que Frei
Bruno vinha praticando há muitos anos.

Quem conheceu Frei Bruno sabe de sua predileção irresistível por longas e continuadas caminhadas
“pedibus apostolorum”. De fato, de manhã à noite mantinha-se em movimento. Brincando com ele,
chamamo-lo muitas vezes de cigano sem paradeiro nem sossego. Caminhava, visitando as famílias,
benzendo as casas, descobrindo uniões a legalizar, consertando lares em desarmonia, visitando os
doentes, sempre no mesmo ritmo incansável, morro- acima e morro-abaixo. Subindo pelas ladeiras
costumava andar em zigue-zague a fim de aliviar o velho coração.

Nos primeiros meses ainda visitava as capelas de Santa Helena e de Nossa Senhora da Saúde, capelas
por onde passa a linha de ônibus. Mais tarde, notando a nossa preocupação, desistiu
espontaneamente. Em seguida ocupou o cargo de capelão do Ginásio Frei Rogério, a cargo dos
Irmãos Maristas. Atendia às confissões dos Irmãos e juvenistas. Terminada a santa missa, Frei Bruno
dava as suas voltas, chegando à casa um pouco antes do meio-dia, quase sempre a pé, empunhando
o guarda-chuva, seu fiel e inseparável companheiro. Depois do almoço “descansava” na igreja,
apoiando a cabeça na mesa do altar de Nossa Senhora, rezando, ou, então na salinha da portaria,
onde atendia às pessoas que o procuravam ou que ele havia chamado.

Interessou-se pelos detidos no xadrez. “Pe. Praeses, será que posso pedir dinheiro a algumas pessoas
para comprar uma bola”? – “Para que”? – “Para os presos”. E lá vai ele, pede o dinheiro, compra a
bola e a leva à cadeia, arrancando ainda ao Delegado a licença para os coitados jogarem futebol no
pátio do presídio. “Pe. Praeses, posso tirar tintas para os presos pintarem a cadeia que está imunda”?
“Pe. Praeses, na cadeia não tem luz. Posso levar uns maços de velas”?

Também tinha sempre em volta de si um grupo de crianças pobres, às quais dava a doutrina e às
vezes também pão e outros petiscos que depois faziam falta à mesa.
Frei Bruno cuidava da água benta e conservava uma talha sempre cheia na igreja, ao lado do
batistério. Aos sábados, vindo os pobres para receber os mantimentos, iam beber a água benta de
Frei Bruno que não gostava desse modo de matar a sede. Porém dizia: “Paciência! As criancinhas,
coitadas, estão com sede”.

Frei Bruno, pedestre convicto, não se entusiasmava pelos meios de transporte modernos. “Frei
Bruno, não gostaria de dar um passeio de avião”? – Não, não, não! Imagine o que vai acontecer se
falta um parafuso”!

Os dias iam passando. O Ginásio Frei Rogério recebeu novo capelão, e Frei Bruno foi aposentado.
Estava na hora. Pois caminhar se lhe tornava mais custoso e também a vista ia enfraquecendo casa
vez mais. A partir de 1958, Frei Bruno celebrava sua santa missa às 5:30 hs no altar de Nossa Senhora.
Aí, ele dava a comunhão às pessoas que madrugavam. Após a missa ai ao confessionário, onde era
sempre procurado. O confessionário de Frei Bruno era uma armação muito simples com grade, de
um lado a cadeira de confessor, do outro lado o banquinho de ajoelhar para o penitente. Terminando
com as confissões, Frei Bruno costumava ajoelhar-se naquele banquinho.

Volumosa era a correspondência que Frei Bruno recebia. Uns pediam uma bênção, outros a saúde
para um doente, ouros ainda sorte nos negócios ou bênção contra ratos no paiol ou contra os bichos
na roça. A princípio Frei Bruno respondia religiosamente a todas estas cartas, mas à medida que se
lhe ia enfraquecendo a vista, ia desistindo da correspondência.
Em 3 de julho de 1959 celebrou pela última vez a santa missa. A partir daquele dia comungava às
5:30 hs, e depois ia ao confessionário. Já não saia mais à rua, mas continuava as audiências na salinha
da portaria que, por brincadeira, apelidávamos de “conclave”.
Em 25 de outubro, na companhia de Frei Serafim, Frei Bruno deu o último passeio a Luzerna, a fim de
tratar de assuntos da Pia União de Missas de Ingolstadt. Tanto em Luzerna como em Joaçaba, Frei
Bruno exercia um belo apostolado em prol da dita União de Missas.

Em 20 de novembro, voltando da cidade, encontrei Frei Bruno na sala da portaria, desmaiado, pálido
e frio. Eu estava certo de que a morte afinal viera buscá-lo. Levamo-lo à cela, e deitamo-lo na cama.
Imediatamente veio o médico prestando a assistência indicada. Já ao meio-dia, nosso doente estava
de pé, meio tonto ainda, mas animado. A partir daquela dia, Frei Bruno andava muito preocupado
com a morte. Em curto prazo, por duas vezes recebeu a Extrema-Unção.

Entrando em 1960, ouvíamos diariamente a mesma ladainha: “Hoje vou morrer”. Chamava o viático
sua comunhão diária. Até deixava de se alimentar convenientemente e foi preciso, em nome da santa
obediência, obrigá-lo a comer. Aí se normalizou a situação, pois Frei Bruno dizia sempre: “Quem não
obedece aos superiores vai para o inferno”! A obediência cega do santo confrade deu também fim a
uns tantos escrúpulos e complexos de consciência.

As sandálias lhe ficavam pesando muito e Frei Bruno calçou uns chinelos leves e caminhava que nem
velho colono italiano. Achou pesado o rosário das sete alegrias e pediu licença para usar um rosário
pequeno no cordão do hábito. Entretanto dias depois apareceu outra vez com a grande coroa,
dizendo: “Acho que é uma ofensa a Nossa Senhora andar sem o rosário”. No último mês teve que
usar bengala para caminhar. Até o último dia atendeu as confissões e deu audiência na sua salinha.

No dia 24, voltando do colégio das Irmãs, não encontrando Frei Bruno nem na sacristia, nem na
portaria, nem no refeitório, foi ao quarto dele onde o encontrei morto. Segundo o médico, que veio
depois, a morte devia ter ocorrido umas duas horas antes.

Rapidamente se espalhou a notícia do falecimento. Escusado dizer que a consternação foi geral. As
duas emissoras de Joaçaba, a todo o momento, repetiam a triste nova, dando também notícias
biográficas acerca do confrade. Ao meio-dia, o corpo foi colocado na igreja e velado sem interrupção
até o dia seguinte. Veio muita gente, e houve muitas lágrimas.
Dia 26 de fevereiro, o comércio e as industrias fecharam em sinal de luto. Às 8:00 horas houve missa
de corpo presente.

A espaçosa matriz mostrou-se pequena para acolher tanta gente. Vieram para as exéquias os
confrades de Luzerna, Jaborá, e Xaxim. No enterro contaram-se 120 carros. Foi o maior enterro que
já houve em Joaçaba.

No dia seguinte, em sessão da Câmara Municipal, os vereadores lançaram em ata um voto unânime
de pesar pela morte de Frei Bruno e, em sinal de luto, suspenderam em seguida os trabalhos. Os
motoristas de Joaçaba renderam homenagem particular à memória de Frei Bruno, organizando um
grande cortejo, rumando, de noite, à matriz onde todos, ajoelhados na escadaria da Igreja rezaram
pela alma de Frei Bruno, e em seguida prosseguiram na sua peregrinação. Já se prepara campanha
pela praça e monumento de Frei Bruno em Joaçaba.

E nós? Estamos sentindo grande falta de nosso boníssimo e santo confrade Frei Bruno Linden.
Frei Edgar Loers 
Vida Franciscana – Dezembro/1960 – N.º 27

População do Meio-Oeste dá depoimentos de cura de doenças graças à intercessão do religioso


alemão que viveu e morreu em Santa Catarina em 1960.
Do Jornal Diário Catarinense – 02/09/2001

Um novo candidato a santo está surgindo no Meio-Oeste catarinense. Inúmeros depoimentos de


curas, milagres e graças alcançadas estão levando a comunidade de Joaçaba a iniciar um processo de
busca da beatificação do Frei Bruno Linden, para posterior santificação.

O frei que nasceu na Alemanha e morreu em Joaçaba em 1960 já era considerado por seus fiéis um
santo ainda em vida.

Frei Bruno nunca aceitava carona, indo a pé ou a cavalo para rezar missa nas comunidades do
interior. Alguns relatos dizem que pessoas encontravam o frei na estrada e quando chegavam no
local da missa ele já estava lá. Quando o frei levava mendigos para tomar café em algumas famílias
da comunidade fazia sumir as moscas apenas dizendo para elas irem embora.

Muitos também consideram que ele lia pensamentos, pois quando levava pessoas pobres para casar
ou batizar, deixava de chamar testemunhas que somente pensaram em reclamar de serem
importunados, sem explicitar esta intenção. Inúmeras curas de doenças são atribuídas a Frei Bruno.

Na Igreja Santa Terezinha, onde existe um museu em sua homenagem, há dezenas de bilhetes e
objetos em gratidão por graças alcançadas. Nos bilhetes provenientes até do Rio Grande do Sul, da
cidade gaúcha de Passo Fundo, há relatos agradecendo a obtenção de emprego, saúde, cura de
infecções, o deixar o alcoolismo e outras intenções.

No museu, além de terços, fitas e fotos há até muletas e um par de botas ortopédicas, indicando que
provavelmente alguém deixou de usá-las após rezar para Frei Bruno.

Fiéis consideram-no um intercessor

O museu ainda abriga vários objetos pessoais de Frei Bruno, como uma bengala, uma boina, um véu
e um relógio. A secretária da paróquia, Leila Miazzi, destacou que todos os dias existem intenções de
missa para Frei Bruno e visitas ao busto que fica ao lado da igreja.

A vendedora Ecila Espagnol Deitos passa toda a semana no local para acender velas para o Frei
Bruno. Ela pede paz para sua família, paz para o mundo e outras graças. Ecila afirma que já foi
atendida várias vezes. Há um ano, sua irmã estava fazendo tratamento contra um câncer no esôfago,
em Florianópolis, e não estava reagindo, não querendo nem comer. Ecila fez uma novena para Frei
Bruno e sua irmã começou a reagir ao tratamento.

Ela considera que o motivo da recuperação é a fé e a intercessão de Frei Bruno junto a Deus. “Deus
dá as graças, mas com o Frei Bruno como intercessor fica mais fácil”, explicou.
O pároco da Igreja Santa Terezinha, Pe. Luís Carlos Bortolozzo, afirmou que está recolhendo dados
para encaminhar o pedido de beatificação para o Vaticano. Ele destacou que são necessários dois
fatos extraordinários que não podem ser explicados pelo meio científico. Como o caso de uma mãe,
em Jaraguá do Sul, que teve rompimento de placenta com 13 semanas de gestação, e
posteriormente voltou ao normal. A criança nasceu normalmente e existe a declaração médica de
que ocorreu um fato não explicado pela ciência. A documentação de outro fato também está sendo
encaminhada.

Homem sobrevive à injeção letal

Um dos relatos de milagre por intercessão de Frei Bruno, cuja documentação está sendo
providenciada, é em relação a Antônio Carlos Weiss, de Joaçaba.

Em 1997, ele sofreu uma cirurgia para retirar um tumor do intestino e teria que receber uma injeção
de cloreto de potássio numa ampola juntamente com o soro.

Erroneamente, a injeção foi aplicada na veia. Sua esposa Alcione Weiss conta que Antônio ficou preto
e teve parada cardíaca. Alcione lembra que chamou um médico e começou a gritar por ajuda a Frei
Bruno, mesmo pensando que seu marido não tinha mais volta. Depois de 5 minutos de massagem
cardíaca, Antônio voltou à vida. Em cima do peito dele, uma novena para Frei Bruno que Alcione
tinha deixado. Ela tem a declaração de três médicos de que foi um milagre seu marido ter se salvado
na ocasião.

Embora em virtude de estar muito doente, Antônio acabou falecendo dois anos depois. Alcione conta
ainda que uma enfermeira de um hospital em Porto Alegre olhou para a foto de Frei Bruno e afirmou
tê-lo visto caminhando no corredor. Alcione disse que não sabe se vai chegar a ver Frei Bruno
beatificado, mas espera que pelo menos seus filhos possam ver o processo concretizado.

A Câmara de Dirigentes Lojistas de Joaçaba também está elaborando um projeto para construir um
monumento de 15 metros a Frei Bruno, num morro. Anualmente, cerca de 30 mil pessoas participam
da romaria em Herval do Oeste e Joaçaba, que geralmente ocorre no último domingo de fevereiro. O
culto a Frei Bruno não se restringe a Joaçaba. Mais de 100 mil novenas foram impressas.

Atendia fiéis até quando estava doente

No município de Rodeio, recentemente foi inaugurada uma nova capela para Frei Bruno. Em Xaxim,
existe um hospital, uma praça e um busto em sua homenagem. Segundo o frei da Igreja Matriz São
Luiz Gonzaga, Afonso Voguel, Frei Bruno seguia o exemplo de São Francisco, na doação, no amor e no
serviço ao próximo.

Mesmo quando estava doente, não deixava de atender os fiéis. As intenções de missa em seu nome
são um sinal da devoção do povo que precisa de alguém para escutá-lo e interceder junto a Deus.
Frei Afonso considera que Frei Bruno deveria ser beatificado há muito tempo, por ser um exemplo de
vida humilde, digna e com uma fé verdadeira.

O franciscano “santo” do Oeste catarinense – 2002


A imprensa catarinense, em vésperas de anunciar a data da canonização da bem-aventurada Madre
Paulina, traz hoje no seu jornal mais importante, o “Diário Catarinense”, matéria de página inteira
sobre a crescente movimentação em torno da venerada pessoa de nosso confrade Frei Bruno Linden,
falecido em Joaçaba (1960). Durante mais de 40 anos, a freqüência das visitas à sua sepultura nunca
diminuiu, sobretudo nas segundas-feiras, dia da semana que ele recomendava ao povo como próprio
para as orações pelas almas. Também através do Estado, o conhecimento da pessoa e das virtudes do
Frei Bruno continua muito vivo. Muitas igrejas catarinenses têm, afixado na entrada, um cartaz do
Frei Bruno.

O jornal em apreço (25/02/02) fala de 40.000 pessoas que ontem compareceram à romaria em
Joaçaba, encabeçada por 25 cruzes, representando as 25 comunidades em que ele trabalhou. Da
catedral, a romaria percorreu os 3 km até o cemitério, onde diante do túmulo de Frei Bruno, o Bispo
Diocesano, Dom Osório Beber, presidiu à celebração evocativa dos 42 anos desde o falecimento do
“santo do oeste”. Há uma ativa comissão de leigos que, há anos, percorre o Sul, distribuindo material
de promoção pela causa de Frei Bruno.

Já se tem registro de vários casos de curas cientificamente inexplicáveis, além de fatos pitorescos que
só aumentam, aos olhos do povo, o nimbo de santidade do seu padre.

No tempo em que eu trabalhava em Joaçaba (1964), uma vez fui chamado pela esposa de um grande
fabricante de bebidas, que ansiava por contar o que lhe aconteceu um dia. Estava chovendo
torrencialmente, quando ela viu o Frei Bruno descer o morro próximo sem guarda-chuva e sem
abrigo nenhum. Ela gritou chamando-o para dentro. Ele veio, mas ao pisar no alpendre da casa, seu
cabelo, seu hábito, suas sandálias estavam como se não tivessem apanhado nenhum pingo d’água…
Motoristas de caminhão contam outras histórias, Frei Bruno não aceitava carona, percorria a pé os
caminhos entre uma e outra comunidade. E alguns motoristas, que lhe tinham oferecido em vão uma
carona, descobriam que Frei Bruno já estava na localidade do destino, quando o caminhão lá
chegava… Encontro sua bela escrita e assinatura no I Livro do Tombo da paróquia de Gaspar, à folha
42ss. Foi aqui o 5° vigário, desde que os franciscanos assumiram definitivamente. Ainda bem que
também este deixou aqui a bênção das suas virtudes.

Frei Elzeário Schmitt


O prestígio crescente de Frei Bruno Linden
Romaria – 2005

No último fim de semana de fevereiro, a imprensa catarinense tornou a ocupar-se com o “fenômeno”
Frei Bruno, respeitado como santo em todo o Oeste do Estado. Fora as visitas e pequenas romarias
contínuas, há no último domingo de fevereiro a romaria por assim dizer estadual a seu túmulo, que
enche a pequena cidade de Joaçaba de verdadeiras multidões. Todos os nossos três diários
(Florianópolis, Joinville e Blumenau) desta vez impressionaram-se mais por causa da extensão e do
volume de pessoas presentes à 15ª romaria regional que, neste ano, evocava os 45 anos desde o seu
falecimento, em 25 de fevereiro de 1960, exatamente em Joaçaba. Embora Comunicações já tenha
trazido à memória dos confrades este singular acontecimento, para nós, da Província, não é apenas
honrosa, mas é estimulante a lembrança já não tanto das lendas, mas dos fatos que envolvem toda a
vida deste singular missionário franciscano.
Os três jornais só diferem um pouco na contagem dos romeiros, que desta vez teriam deixado para
trás todas as peregrinações anteriores. Um deles fala de 45 mil pessoas. Os outros dois contam 50
mil. Um correspondente de Joaçaba fala dos “adoradores” do Frei Bruno, uma ignorância que não se
esperava existir logo em Joaçaba.

Num livro que, “Deo Volente”, está para ser publicado sobre a paróquia de Gaspar, Frei Bruno tem
capítulo à parte, devido ao simples fato de que este candidato à veneração pública começou
propriamente aqui seu caminho de “padre novo”, onde, jovem ainda, chegou a ser o 5º vigário
franciscano residente, entre 1904 e 1906, e onde seu respeitadíssimo apostolado se viu marcado, já
de início, por um acontecimento insólito.

Frei Bruno tinha 28 anos quando veio para Gaspar. Entre as festas que aqui na sede se realizavam,
gozava de grande popularidade também a festa do Senhor Bom Jesus. O jovem vigário, já por
diversas vezes, antes da festa e no próprio dia, chamara a atenção sobre os exageros que
costumavam marcar o entusiasmo do povo, e determinava, em 1905, que dali em diante a festa se
realizaria sem o costumeiro concurso dos festeiros, mas somente sob a orientação do próprio pároco,
pois nunca havia vantagem material para a igreja, nem animação espiritual: jogava-se muito dinheiro
fora em danças e bebedeiras. Diz a crônica que “uma onda de indignação percorreu as fileiras do
povo após a missa. Mas o sr. vigário insistia com serenidade no seu propósito, com o que, talvez à
tarde ou à noite, seria ameaçado de morte, não fosse acontecer aí um verdadeiro julgamento de
Deus. Pois o povo, que à tarde comparecera para festejar e criticar as determinações da autoridade
eclesiástica, viu o cadáver de um jovem na flor da idade arrancado à vida por morte repentina.
Apesar da proibição do vigário, ele participava de uma corrida de cavalos”. Aí a festa acabou. Nem é
de admirar que daí em diante o respeito pelo Frei Bruno cresceu muito nesta parte do Vale do Itajaí,
mas que ele ia deixar já pouco tempo depois, em 1906, cedendo o governo da paróquia a seu
sucessor, Frei Dimas Wolff.

Frei Elzeário Schmitt


Frei Damião Berge

* Rio de Janeiro, RJ, 29/08/1895


† Rio de Janeiro, RJ, 14/09/1976

Já se tornara parte da paisagem do velho Convento de Santo Antônio a figura esguia de um frade,
magro, solene e lento no andar, apoiado numa bengala, sem deixar a posição hierárquica, passos
medidos, rosto reluzente e avermelhado, cabelos ralos, lábios um tanto contraído,
predominantemente no lado direito, usando hábito sem capuz, falando macio e baixo, com sons algo
sibilado. Aparecia sempre nas mesmas horas, percorria o mesmo itinerário e, grande parte do tempo,
passava-o no quarto, sozinho, deixando na porta, em letras de tamanho respeitável, como para diluir
dúvidas, a observação: a partir das 13:00 horas não dava audiências. Metódico em tudo, tinha hora
para tudo e ritual para tudo.

Gostava de conversar e tinha boa conversa, pois estava por dentro de todos os assuntos, desde as
últimas obras filosóficas ou místicas editadas nos grandes centros europeus, até as notícias do jornal
do dia, como fossem os anúncios de morte de pessoas importantes ou que de algum modo com ele
se relacionaram. À uma hora de manhã celebrava sua missa, solitário, numa capela do claustro, cujos
preparativos de véspera obedecia a um ritual impecável.

Celebrava-a à luz das velas, já que a luz da lâmpada lhe fazia mal às vistas, deixando aos
desprevenidos ou desavisados a impressão de uma “assombração” das velhas crônicas que contam
que frades voltavam do além para terminar sua missa e depois descansar… Agradava-lhe também
ouvir uma piada e contar alguma.
Outra devoção que lhe agradava era a Via-Sacra, feita em plena noite, no corredor do segundo piso
do convento, às escuras, com toda a calma e devoção, parando, no final, à altura do sacrário, onde se
detinha, longo tempo, em adoração. Certa noite, descuidado, caio no vão de uma das janelas que dão
para a igreja e, por felicidade, a balaustrada o conteve, fazendo que além do susto levasse apenas
algumas arranhaduras, ao lado das muitas que o mercúrio cromo assinalava em seu corpo. Aliás, não
gozava de boa visão, o que o brigava a usar vários óculos, alguns levando um dos olhos tampados
com pano, pois não suportava bem a luz intensa, à semelhança de pirata.

Quando marcava com alguém, por exemplo, um encontro, na portaria do convento, pelo menos
quinze minutos antes lá estava ele acomodado na cadeira, junto à mesa, à espera da visita, pois não
queria nunca chegar tarde. E quando a visita falhava, gastava um largo tempo na espera e outro
tanto para desabafar com alguém a falta de seriedade nos compromissos assumidos.

Passava, grande parte de seu dia, na biblioteca e no quarto, em constante contato com os livros. Ele e
os livros foram um capítulo próprio em sua vida. Ele mesmo se classificará de “livresco”.
Acompanhava, através de catálogos, a produção de livros, nos mais variados domínios da inteligência
e da ciência, tanto sacra quanto profana, e adquiria, constantemente, publicações através da Livraria
Castelo, que tinha nele um dos mais assíduos compradores. Certas obras editadas na Alemanha, por
exemplo, ele era praticamente o único a adquiri-las, no Brasil. Parte de seu ordenado e depois de sua
pensão foi sempre empregada em livros, com licença do Provincial, que ele sempre renovava por
escrito e fazia questão de tornar público. A recepção de livros era outro ritual: a primeira coisa que
fazia era meter-se na biblioteca, onde cuidadosamente encapava todos os volumes que acabavam de
chagar. Por isso, na biblioteca e na cela, havia rolos de papel e de barbante em todos os cantos e
gavetas. Os livros encadernados eram, depois, rapidamente vistos e anotados, sobretudo na página
de face. Quando tinha recorte de jornal referentes ao livros, colocava-os dentro do mesmo.

Num terceiro momento, ele os lia com a seriedade do cientista. Na idade dele, com a precária saúde
de que dispunha, era admirável sua convivência com os livros, onde renovava constantemente seu
interesse pelas coisas e seus conhecimentos.

Frei Damião Berge chegou ao dia 14 de setembro de 1979, sem que ninguém suspeitasse fosse este o
último dia de sua vida. Nem ele mesmo, embora há muitos anos andasse preparado. Na manhã
daquele dia, seguiu a rotina costumeira: tomou café no refeitório, conversou com os confrades e
ficou mais tempo com o Pe. Guardião, conversando a respeito de uma ex-aluna judia do curso de
Letras. Tomou a bengala e a caneca de café com leite, tomou o elevador e subiu ao quarto,
entregando-se aos livros. Às 11:00 horas, ainda dentro de seu esquema rígido, desceu à cozinha, fez o
prato e conversou com as cozinheiras, acompanhado de uma transmissão radiofônica, almoçou no
refeitório e retornou ao quarto.

Ao terminar a refeição da Comunidade, Frei João Antunes subiu ao segundo andar e encontrou Frei
Damião deitado ao chão, no saguão do Convento, com a cabeça batida, escorrendo sangue e
inconsciente. O Guardião, que chegava naquela hora, ligou imediatamente para o hospital da
Penitência, na Tijuca, chamando médico e ambulância, enquanto Frei Damião era conduzido para sua
cama, respirando com dificuldade e apresentando um quadro geral muito grave. Frei Marcos lhe
administrou a Unção dos Enfermos. Por volta das 14:10 horas percebeu-se, nitidamente, que eram os
últimos momentos. Frei Hugo e Frei Beraldo que estavam ao seu lado lhe deram, ainda uma vez, a
absolvição. Quando o socorro chegou nada mais havia a fazer, aquele corpo franzino e judiado já
estava frio.

Sua morte não foi, rigorosamente, uma surpresa, pois dela falava sempre e com muita naturalidade e
a gente sentia, nos últimos tempos, que se ia tornando mais frágil. Segundo o laudo médico, um
enfarto do miocárdio derrubou as últimas resistências de Frei Damião.

Imediatamente, os parentes e amigos foram notificados e o corpo de Frei Damião, no salão do


Convento, recebeu muitas visitas de amigos, antigos alunos, admiradores, colegas de magistérios e
no enterro, no dia 15, às 15:00 horas, quando houve missa concelebrada pelo Pe. Provincial Frei
Antônio Nader e mais 16 confrades da casa e de casas vizinha. Foi colocado numa das urnas do
cemitério do Convento, onde tantas vezes, com passos arrastados, se dirigira, amparado pela
bengala, levando parentes e amigos, para mostrar onde iria morar um dia, e rezar por aqueles que lá
descansavam.

Formação: lento desenvolvimento do estudante, quer como seminarista (Blumenau 1907-1912), quer
nos cursos de filosofia (Curitiba 1914-1915) e de teologia (Petrópolis 1916-1919), anos sem colorido
individual, acrescentando-lhe os de especialização nas Universidades alemãs de Bonn e de Freiburg
(1925-1928). As grandes compensações: não faltaram, mesmo no âmbito simplesmente humano: o
gosto pela música (foi organista por longos anos e adorava o cantochão) e pela arte, sobretudo pela
gótica que pôde contemplar na Europa. Publicações: sejam suficientes umas breves observações
sobre seu “Logos Heraclítico”, Rio 1969, esgotado desde dois anos. É este um livro essencialmente
humanista, de humanismo clássico, e não filosófico, apesar de versar sobre um pensador pré-
socrático. Tanta enuclear o sentido fundamental do termo “logos”, através de paciente análise dos
textos em que ocorre, é este o proceder humanista: estuda a palavra em discussão, não sobe aos
cimos do pensar abstrato, e sim desce às profundidades das raízes.

Lista das obras e trabalhos escritos por Frei Damião:


1) “Palestra sobre o Belo”, (1924).
2) “Exegetische Bemerkungen zur Daemonenauffassung des M. Minucius Felix, (1929).
3) “A Filosofia Existencial de Martin Heidegger”, (1937).
4) “A estrutura fundamental do sentimento religioso à luz da psicologia experimental”, (1939).
5) “A estruturação psicológica da oração devota” (1942).
6) “Um livro de horas do século XIV” (1945).
7) “A vida de Heráclito de Éfeso” (1947).
8) “Spiritus” (1951).
9) “A lírica mariana de Tiago Balde” (1954).
10) “Introibo ad altare Dei” variações sobre o Salmo 42, (1955).
11) Entre 1930 e 1932 trabalhou com outros professores do Seminário de Rio Negro na elaboração da
“Ars Latina”.
12) Um trabalho que ficou inédito: “São João Crisóstomo e a filosofia pagã”.
13) “O Logos Heraclítico” (1969). É sem dúvida a obra culminante de Frei Damião, no seu valor
intelectual e no trabalho que lhe exigiu. Tratasse de uma das mais sérias contribuições à bibliografia
dos pré-socráticos.

Alguns dados cronológicos: Reinhold José Augusto Berge nasceu em 29 de agosto de 1895. Seu pai foi
Emílio Otto Berge e sua mãe Ida Henriette, irmãs: Augusta, Marta.

Foi enviado ao seminário seráfico de Blumenau, onde esteve de 1907-1912. Recebeu em 1913 em
Rodeio, o hábito franciscano e o nome de Frei Damião. No Convento de Santo Antônio ficou até sua
morte, em 14 de setembro de 1979, quando a Irmã Morte o recolheu, em plena ocupação, pondo fim
aos seus sofrimentos físicos e levando-o à plenitude da luz, onde sua curiosidade ficou satisfeita, suas
dúvidas esclarecidas, sua ânsia de belo plenamente satisfeita, plenificando aquilo que escrevera, no
relato sobre sua vida: “À vossa misericórdia, Senhor, entrego meu passado, ao vosso amor, minha
vida presente e à vossa providência, meu futuro”.

Frei Hugo D. Baggio


Vida Franciscana, 1980, nº. 54, páginas 135 a 144.
Frei Leão Hessling

(1897 – 1976)

Frei Leão nasceu em Wuppertal, na Renânia, Alemanha, a 21 de novembro de 1897, filho de


Henrique Hessling e de Elizabeth Hessling. Foi batizado como o nome de Érico. Dos nove aos quatorze
anos fez o curso primário na cidade de Essen. Bem jovem sentiu o chamado para ser missionário no
Brasil. Em 1912, aos 15 anos, Érico deixou a Alemanha com mais 23 jovens alemães e poloneses, com
destino ao Brasil. Chegou em Blumenau-SC, onde cursou o ginásio e o colégio, de 1913 a 1918. Em
1919 ingressou no noviciado franciscano, quando recebeu o nome de “Frei Leão”, em homenagem ao
grande companheiro de São Francisco de Assis. E na verdade, ele desejava ser como Frei Leão de
Assis, na humildade, na caridade e na sinceridade.

Nos anos de 1920 a 1922 ingressou na Faculdade de Filosofia, em Curitiba, PR. Em 1923 seguiu para
Petrópolis, RJ, para os estudos de Teologia, e em 10 de agosto de 1925 foi ordenado sacerdote, aos
27 anos de idade. Celebrou sua primeira missa na cidade de Amparo, em São Paulo.

Dali, recebeu sua primeira transferência para Guaratinguetá, SP, onde trabalhou até o final de 1925.
No final daquele ano foi transferido novamente para Santo Amaro da Imperatriz, SC, onde
permaneceu de 1926 a 1928. Viajava pelo litoral catarinense até o sul do estado, em lombo de burro,
visitando as capelas. Passava dias e dias em solidão total enquanto viajava. Nestas longas jornadas,
rezava e cantava para manter os sentimentos de otimismo e alegria. Visitava os doentes de febre
amarela, que na época, vitimava milhares de pessoas. Ele mesmo foi uma das vitimas do paludismo, e
passou a ter febre quase todos os dias.
Por causa de sua doença, em 1929 foi transferido para Petrópolis, RJ. Ali ele ficaria durante 33 anos,
até 1962. Sua missão especial foi o bairro Alto da Serra, onde tornou-se o pároco da Igreja de Santo
Antônio. Dava aulas de religião nas várias escolas. Construiu um ambulatório para distribuição de
remédios aos doentes pobres. Aumentou a Escola Paroquial, que tinha então 380 alunos. Construiu a
igreja no bairro do Indaiá, que hoje é florescente paróquia dos frades capuchinhos. No bairro do
Morin, construiu uma igreja e uma escola para o povo. No Morro do Turco, construiu também uma
capela e uma escola. O Hospital Santa Tereza não comportava mais o número de doentes que
demandavam abrigo. Por esse motivo, Frei Leão construiu um pavilhão junto a este hospital, com 64
leitos.

Em Petrópolis é nome de praça, é sem dúvida o franciscano mais lembrado desde a fundação do
convento. Frei Leão recebeu o título de cidadão petropolitano no dia 17 de setembro de 1957, dia do
centenário da elevação de Petrópolis à categoria de município, com a doação da Medalha Koeler e a
Cruz de Honra, pelos serviços prestados à cidade.

Em fevereiro de 1962 Frei Leão veio transferido para São Paulo, para a Paróquia de Santo Antônio do
Pari. Deixou no Alto da Serra de Petrópolis 33 anos de incessantes atividades em prol da igreja e,
sobretudo dos pobres. No Pari inicialmente tornou-se capelão da Capela Nossa Senhora Aparecida.
Durante vários anos foi capelão do Colégio Santa Teresinha do Menino Jesus. Não contente com
todos os trabalhos comuns desta paróquia, pôs-se a serviço da Paróquia de São João Batista, para
onde ia, todos os domingos, ajudar ao Monsenhor Espiridião Góes. Fazia casamentos e visitava todos
os dias vários doentes. Seus sermões eram muito bem preparados, por escrito, com sólida
argumentação. Na fraternidade dos frades revelava-se muito alegre e comunicativo. Era uma alma
alegre e humilde.

Em janeiro de 1970 foi visitar um doente no município de Guarulhos. Uma chuva torrencial desabou
sobre São Paulo, trazendo para as ruas águas contaminadas. Ao atravessar, a pé, estas águas,
contraiu enfermidade, que o fez ficar doente durante os últimos anos de sua vida. Amputaram-lhe
três dedos do pé, e numa das três cirurgias que sofreu, substituíram-lhe as veias da perna por tubos
de nylon. As dores foram tornando-se insuportáveis, durante anos, dia e noite. Mas tudo oferecia em
benefício da Igreja, dos pobres, seus amigos.

Durante seis anos ficou tolhido numa cadeira de rodas, e assim mesmo Frei Leão não se considerava
um inútil. “Eu quero trabalhar. Eu gosto de trabalhar. Dêem-me trabalho. Eu nunca deixei de
trabalhar”. Era o que repetia. Deste modo, o quarto de Frei Leão no Convento Santo Antônio do Pari
foi aberto para visitas. Muitas pessoas tiveram oportunidade de se aconselhar com ele. Atendia as
confissões e orientava os casais que o procuravam. Nas horas vagas fazia rosários com suas próprias
mãos, munido de alicate e arame. Fez mais de 2000 terços, que enviou para várias regiões. Os pobres
do Mato Grosso, de Goiás e do Maranhão eram objeto de suas atenções. Para estes, conseguia
dezenas de caixotes de remédios e grandes volumes de roupas, que ele conseguia despachar de avião
para as vítimas das enchentes e de outras localidades.

Frei Leão vivia pensando em Cristo, a quem visitava, na capela, bem perto de seu quarto de
sofrimentos. Amava Maria Santíssima, cujo terço rezava todos dias. Todos os confrades lhe queriam
bem. No mês de julho de 1976 surgiram complicações no aparelho digestivo, o que o levou mais uma
vez ao hospital, onde permaneceu 30 dias com colite ulcerativa. Retornou para casa mas a moléstia
progredia implacável. Foi definhando sempre mais. Pedia insistentemente que não o levassem mais
para o hospital. Queria morrer em casa. Este pedido era feito em tom de súplica. Faleceu num
domingo, dia 31 de outubro de 1976, depois de ter recebido os santos óleos pelo seu guardião Frei
Florentino Barrionuevo, e cercado pelo carinho das Irmãs do Hospital Santa Catarina e do capelão do
hospital. D. Inácio.

DEPOIMENTO DE FREI PAULO AVELINO DE ASSIS


Vencedor de Concurso – Certa vez, em Petrópolis foi feito no meio do povo um concurso: – “Qual o
personagem mais popular de Petrópolis…?” O povo escolheu Frei Leão. – Diversas vezes, na
comunidade de Santo Antônio do Pari insistíamos com Frei Leão que nos contasse como foi a eleição
deste plebiscito popular. E Frei Leão, sorrindo, contava o episódio.
Zeloso e Caridoso – Depois da ordenação, o neo-sacerdote ficava ainda mais um ano na Teologia em
Petrópolis. Outros frades e eu tivemos assim a oportunidade de, aos domingos, celebrar no Alto da
Serra. E ali verificamos o notável zelo, acima do comum, do pároco Frei Leão. Muito ativo na
catequese, inflamado nos sermões e animador nas reuniões.

Num dia de semana, vieram trazer um colchão, travesseiro e três cobertores, para Frei Leão dar a
alguma família necessitada. – Frei Leão combinou com um senhor para ajudar a levar estes
apetrechos a uma família pobre do morro. Como aquele senhor não apareceu, e o dia já estava
declinando, uma tarde muito fria prenunciando noite gelada, Frei Leão considerou ser obrigação dele
levar o colchão para aquela família necessitada. E lá foi o caridoso Frei Leão com o colchão,
travesseiro às costas e os três cobertores sob o braço esquerdo. Morro acima. – Da janela de uma
casa, duas senhoras cochichavam. Dia seguinte, aqueles cochichos se espalharam. “Frei Leão levou
colchão para imoralidades dele, lá no morro.” Zelo apostólico em São Paulo Zelo apostólico em São
Paulo Depois de três décadas no Alto da Serra em Petrópolis, Frei Leão foi transferido para a capital
de São Paulo, para a Paróquia Santo Antônio do Pari. Frei Leão, sempre sensível, sentiu amargura
violenta. Mas ofereceu a amargura para Cristo, em favor das vocações. Soube transformar o limão
azedo em limonada. hoje, quantos frades da Província receberam a vocação franciscana, – quem
sabe por causa dos sacrifícios de Frei Leão! Coadjutor da paróquia de Santo Antônio, lá ia Frei Leão
todos os dias visitar doentes, levando a comunhão, a unção dos enfermos e palavras reanimadoras.
Era uma caridade que ninguém conseguiu medir. Se Cristo recompensa até um simples copo de água,
quantos “copos” de espiritualidade Frei Leão distribuiu…?

Enfermo – mártir do Apostolado – Um dia Frei Leão foi visitar um enfermo. Pisou na rua numa água
contaminada. Em conseqüência, ficou vários anos enfermos. Não podia mais visitar os enfermos.
Mas, pela Comunhão dos Santos, dogma de fé do “Creio em Deus Pai”, todos os dias oferecia suas
dores e limitações em favor dos enfermos. E Deus recebia estes oferecimentos. Sempre existe um
caminho para quem tem vontade de andar Mesmo na sua aparente “jaula”, este “Leão” sabia ser útil.
O quarto de Frei Leão era próximo da Capela do Convento. Vimos muitas vezes Frei Luiz Lima, irmão
que colaborava no Comissariado da Terra Santa, dar assistência medicinal a Frei Leão. A caridade de
Frei Luiz impressionava. E graças à técnica e caridade de Frei Luiz, foram minoradas as dores em Frei
Leão. Deus, que registra tudo, registrou a caridade de Frei Luiz. E lá no céu, Frei Luiz está recebendo
prêmio pela caridade diária realizada naquele recinto.
Frei Leão gostava de anedotas – Todos os dias, antes de eu ir para o meu trabalho, eu visitava Frei
Leão. E ali eu contava alguma anedota. Frei Leão gostava de ouvir. Mesmo no meio de suas
limitações, Frei Leão dava gostosas gargalhadas. Mas, ele não só ouvia. Também contava. Às vezes
eram anedotas que a gente já conhecia. Mas, a gente esperava o término, para dar com ele uma
estrondosa gargalhada. É a risoterapia. O lenitivo das dores através do sorriso.
“Acredite: – eu rezo por seu Apostolado” – Frei Leão de vez em quando repetia: – “Acredite: – eu
rezo por seu apostolado.” Conforme Êxodo 17, – quem decidiu a vitória do Povo de Deus na luta
contra os Amalecitas não foi a valentia dos guerreiros, mas a oração de Moisés na montanha. O bom
êxito no apostolado se deveu a quem…? – A Frei Leão, – o Moisés da Província e da Igreja, a decidir a
vitória e o bom resultado de tantos confrades da Província.
Vocações conquistadas – Hoje, centenas de frades têm sua vocação desenvolvida e firmada. – Quem
conseguiu a graça da vocação? Quem sabe Frei Leão e outros confrades, através de suas orações,
sacrifícios, virtudes. No céu, onde todos queremos estar, saberemos agradecer a quem nos conseguiu
a vocação e as bênçãos para nossas atividades. Frei Leão foi Leão-Cordeiro, semelhante a Frei Leão
companheiro de Francisco. Que eles rezem no céu por todos nós. Amém. Assim seja.

Frei Tomás Borgmeier

(1892 – 1975)

Frei Tomás nasceu na cidade vestfaliana de Bielefeld, Alemanha, em 31 de outubro de 1892. Seu pai,
que era ferreiro, deve ter falecido bastante cedo, chamava-se Hermann; sua mãe, D. Sophia
Juennemann. No batismo recebeu o nome de Heinrich Fritz Hermann.

Seus grande talentos, sob muitos aspectos realmente extraordinários, devem ter surgido à tona
muito cedo. Pois, após terminar os primeiros anos de estudo básico no sétimo grupo escolar, em vez
de seguir na mesma escola, passou para o ginásio, no qual completou oito dos nove anos prescritos.
Normalmente teria continuado por mais um ano, para em seguida se matricular em uma
universidade. Foi precisamente quando estava no penúltimo ano ginasial que seu espírito inquieto,
ansioso por grandes realizações, topou com o mundo franciscano.

Heinrich Borgmeier resolveu deixar o ginásio, vir para o Brasil e fazer-se franciscano. Pelo jeito, tudo
se deu com muita rapidez. Sua chegada ao Brasil se deu em 18 de outubro de 1910. A recomendação
do vigário, que foi enviada pelo correio, menciona seu grande interesse nas aulas de religião e sua
participação nos retiros espirituais organizados para os ginasianos nos anos anteriores. Pela época do
natal, já em Rodeio, ao preencher o questionário dos aspirantes, no qual tinha que indicar os motivos
do seu passo apressado, diz: “Viver para Deus e trabalhar por Ele”. O acréscimo da palavra
“trabalhar” é característico de Frei Tomás, pois foi acima de tudo um homem de produção, de
trabalho insano e persistente.

Seguiram-se, então, os anos de formação franciscana: a vestição em 19 de janeiro de 1911, em


Rodeio; a profissão simples no mesmo lugar, a 20 de janeiro de 1912. Nos anos de 1912 a 1914
esteve em Curitiba como estudante de Filosofia, e nos anos de 1915 a 1918, os estudos de Teologia,
em Petrópolis.

Em 1917, o encontro casual de Frei Tomás com o Dr. Hermann von Jhering, que fora diretor do
Museu Paulista, iria determinar o seu futuro. Frei Tomás manifestou seu plano de estudar as formigas
da nossa fauna e Dr. Hermann ofereceu sua biblioteca mirmecológica pelo preço de um conto de réis.
Frei Tomás disse que os seus superiores dificilmente concordariam com tão elevada despesa. Um ano
mais tarde, já em Petrópolis, recebeu um grande caixote com livros: era a tal biblioteca, que havia
sido doada por um amigo anônimo do Rio de Janeiro.

O surto de se dedicar às pesquisas científicas devem ter causado uma certa estranheza e
perplexidade a seus superiores. Pois a linha de trabalho e com isto também do interesse da Província
recém restaurada coincidia principalmente com a pastoral aplicada nas paróquias e grandes
conventos. Verdade é que o gelo já tinha sido quebrado por Frei Pedro Sinzig, um invulgar pioneiro
cultural, e a própria Editora Vozes, sobretudo pela revista “Vozes de Petrópolis”, já dera um cunho
intelectual à casa dos estudos teológicos de Petrópolis.

Em 1917, ainda clérigo, Frei Tomás começou sua atividade publicitária. Durante 10 anos foi
colaborador assíduo da revista “Vozes de Petrópolis”, publicando uns 40 artigos sobre física, biologia,
vultos de naturalistas, cientistas, músicos e também sobre formigas. Estes ensaios dão prova do
gênio polimorfo de Frei Tomás, que por meio desta atividade, logrou para si uma formação igual à
universitária. Embora autodidata, alcançou uma cultura científica bem ampla, equilibrada e profunda.

Sua ordenação sacerdotal se deu em Petrópolis a 9 de maio de 1918. Como neo-sacerdote, ele se
mostrou muito ativo, causando a melhor das impressões como pregador de retiros e conferencista.
Depois de um ano, foi nomeado professor de Sagrada Escritura nos estudos teológicos de Petrópolis.
Lecionou exegese bíblica durante cinco anos. Durante este tempo, em 1920, traduziu para o
vernáculo a “Imitação de Cristo” de Tomás de Kempis.
Nos primeiros anos da vida sacerdotal, em Petrópolis, Frei Tomás desenvolveu uma atividade
espantosa. As aulas e seu preparo, os retiros e as conferências, e a prolífica produção publicitária
teriam sido suficiente para preencher seu tempo. Mas desde que recebeu do amigo cientista Prof.
Abreu Fialho, um belo microscópio binocular da marca “Zeiss”, a pesquisa dos insetos o absorvia cada
vez mais. Em 1920, numa revista alemã, “Zeitschrift fuer Wissenschaft und Kunst”, saiu seu primeiro
trabalho verdadeiramente original e científico: “Sobre o comportamento e vida de Odontomachus
affinis”, uma formiga típica da Serra do mar.

Como a produção científica aumentasse vertiginosamente (em 1922, 4 trabalhos publicados; em


1923 já subiram para 11), ele sentiu bem cedo o problema de conseguir publicação para seus artigos.
No Brasil havia poucas revistas científicas, com raras publicações. Em seu desespero, no intuito de
validar suas espécies novas, chegou a publicar descrições de forídeos novos na “Vozes de Petrópolis”,
o que certamente não foi uma contribuição apropriada para uma revista de cultura geral.

Profissional no Museu Nacional

Frei Tomás escreveu ao diretor do Museu Nacional do Rio de Janeiro, Dr. Artur Neiva, discípulo e
colaborador de Osvaldo Cruz, sugerindo que o museu editasse um boletim de periodicidade mais
freqüente a fim de abrigar os resultados de pesquisas que necessitavam de publicação imediata para
garantir a prioridade. O Dr. Neiva lhe respondeu imediatamente, agradeceu a sugestão, que coincidia
com seu próprio ponto de vista, e o convidou para uma visita ao Museu Nacional. Deste encontro, em
fins de 1922 ou começo de 1923, nasceu uma amizade muito estreita, e arrancou a Frei Tomás do rol
de cientista amador e o catapultou na esfera de cientista profissional.

Desde logo, Dr. Neiva começou a instar junto aos superiores da Ordem pela liberação de Frei Tomás,
para que trabalhasse com ele no Museu Nacional. A princípio, em 1923, concordou-se apenas numa
colaboração ocasional. A partir de setembro de 1924, o Ministro Provincial Frei Crisólogo Kampmann
concordou com a liberação, e, em maio de 1925, Frei Tomás se mudou para o Convento Santo
Antônio do Rio e assumiu em dedicação exclusiva o cargo de Adjunto do Museu Nacional.

Instituto Biológico de São Paulo

Na década entre 1920 e 1930 estourou no estado de São Paulo a praga da broca dos cafezais. O
Governo do Estado contratou o Dr. Neiva para chefiar a comissão encarregada da campanha de
controle da broca. Na ocasião, fundou o Instituto Biológico, criando um centro de pesquisas em
benefício da lavoura e da pecuária. Dr. Neiva fez questão de levar consigo a Frei Tomás como
assistente do setor de entomologia, e solicitou a licença do provincial Frei Celso Dreiling, que a
concedeu com algumas condições. Transferiu-se do Rio para São Paulo em 27 de agosto de 1928.
Morava no Convento Santo Antônio do Pari.

A recepção no Instituto biológico foi cordialíssima. Recebeu um laboratório muito bem instalado, e
até lhe concederam um auxiliar pessoal, dedicando-se exclusivamente à pesquisa. Logo, começou a
fazer escola. Vários moços foram por ele iniciados na carreira entomológica: John Lane, que se
tornou autoridade em mosquitos e professor na Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo;
Mário Autuori, que deu muito importantes contribuições para a biologia e o controle da formiga
saúva.

Fundação da Revista de Entomologia

Em 1931, ainda em São Paulo, Frei Tomás se meteu em outra aventura original que lhe exigiu muita
força de vontade e coragem, mas também lhe trouxe adicional prestígio internacional. Tratava-se de
publicar os seu manuscritos. As revistas estrangeiras aceitavam somente contribuições pequenas, e
as nacionais com problemas de lentidão pelo fluxo das verbas. Frei Tomás fundou sua própria revista,
a “Revista de Entomologia”, em 1931 e durou até 1951.

Fundar uma revista científica, de antemão deficitária, foi um ato arrojado, pois Frei Tomás não tinha
capital à disposição e foi forçado a vender a metade da coleção de formigas ao Instituto Biológico,
para custear as despesas do primeiro volume. Também ofereceu o pagamento de assinaturas
baratas, adiantadas e válidas para 10 anos, que o ajudaram a contornar as dificuldades financeiras
que apareciam no caminho.

Chefe de Entomologia no Rio de Janeiro

Em 1933, quando Dr. Neiva retornou ao Rio de Janeiro como Diretor Geral das Pesquisas do
Ministério da Agricultura, convidou Frei Tomás para ocupar o cargo de chefe da Seção de
Entomologia do Instituto de Biologia Vegetal do Jardim Botânico. Com licença de seus superiores, em
março mudou-se para o Convento de Santo Antônio do Rio. Ali ele instalou um laboratório particular
dentro de casa, em cima do mausoléu, onde continuava suas pesquisas quando voltava do serviço.
No Instituto de Biologia Vegetal viveu uma vida cheia de atividade e produção. Novamente logrou
uma série de alunos que se tornaram cientistas de renome, entre eles, Dario Mendes, professor e
pesquisador da Universidade Rural e Hugo de Souza Lopes, do Instituto Osvaldo Cruz.

Diretor da Editora Vozes

Com o Capítulo Provincial de 1941, Frei Tomás foi eleito Definidor Provincial, e na redistribuição
subseqüente dos cargos, foi nomeado Diretor da Editora Vozes. Para atender a um pedido do Cardeal
Leme, na fundação de uma revista para o clero a ser lançada pela Vozes, Frei Tomás aceitou o
compromisso, demitindo-se do serviço público e renunciou ao direito de aposentadoria. A REB –
“Revista Eclesiástica Brasileira”, talvez sua contribuição máxima para a Igreja do Brasil, saiu ainda no
mesmo ano, aparecendo regularmente até os dias de hoje, conservando basicamente as mesmas
feições que lhe imprimiu o fundador.

Com esta revista, Frei Tomás criou um precioso instrumento de formação e de apoio para o clero do
Brasil, e com ela estimulou a atividade publicitária do mesmo, sobretudo dos nossos próprios
professores de teologia. Frei Tomás foi o idealizador, fundador e redator assíduo da REB durante os
primeiros doze anos de sua existência.

A presença de Frei Tomás marcou uma nova época para a Editora que, de empresa familiar, crescera
tanto a ponto de precisar de uma mão firme e de um espírito empreendedor e organizado. Ele era
tudo isso. Logo conseguiu o apoio incondicional dos confrades Frei Frederico Vier, vice-diretor; Frei
Cândido Schutstal, ecônomo e tesoureiro e Frei Inácio Hinte, responsável pela tipografia.

Com seu “know-how” trazido da vida pública e da pesquisa, e da experiência colhida durante 10 anos
de redator e editor da “Revista de Entomologia”, Frei Tomás tinha perfeita consciência do alcance de
sua nova missão que assumiu com idéias claras e projetos bem formulados. Soube estreitar laços
com a hierarquia da Igreja: Dom Sebastião Leme, Dom Jaime de Barros Câmara e Dom Agnelo Rossi
foram seus grandes amigos.

Ressurgimento da paixão pelos insetos

Em 1947, Frei Tomás adquiriu para as Irmãs, uma chácara em Jacarepaguá, subúrbio distante do
centro do Rio, com o intuito de a transformar em um lar para senhoras cegas idosas. Em 1948 ou
1949, levou para lá sua coleção e biblioteca e mergulhou outra vez no estudo dos insetos. Descia
regularmente de Petrópolis a fim de passar o fim de semana. Aos poucos, o fim de semana reservado
para isso já não lhe bastava, e passava só a tarde de domingo e a segunda-feira em Petrópolis, e todo
o resto do tempo em Jacarepaguá.

Nesta segunda primavera de sua vida de cientista, quando tinha 56 anos de idade, nascem os grandes
trabalhos, as revisões taxonômicas das formigas-correição (1955) e das saúvas (1950, 1959), e
sobretudo os inúmeros trabalhos, todos volumosos, sobre os forídeos.

Em fins de 1952, foi liberado pelo Definitório Provincial da direção da Editora Vozes. Passou, então a
pertencer ao Convento Santo Antônio do Rio, mas continuava morando no asilo de Jacarepaguá,
como capelão das cegas. Convidado pelo Reitor da Universidade Rural do Rio de Janeiro, passou a
colaborar nas pesquisas de uma grande obra interrompida do Prof. Costa Lima, sobre os “Insetos do
Brasil”. Embora sexagenário, Frei Tomás iniciou uma nova etapa de sua vida, extremamente
produtiva, que durou mais de 20 anos. No seu refúgio afastado de Jacarepaguá, e de onde quase não
saia, ele encontrou as condições para se dedicar aos grandes projetos de pesquisa, os quais nunca
conseguira concretizar por falta de tempo.

Em 1955 veio a lume sua grande obra sobre as formigas-correição, editada em livro pela Vozes, e
intitulada: “Die Wanderameisen der Neo-tropischen Region” (As formigas-correição da Região
Neotrópica), obra de tanto fôlego e tão bem ilustrada que se tornou o padrão internacional de
trabalhos revisionários. Escrita em alemão, abrange 720 páginas impressas mais 87 pranchas com
inúmeras figuras, todas da pena do próprio Frei Tomás.

A publicação do majestoso tratado coincidiu com a reorganização da Academia Brasileira de Ciências


que, no mesmo ano elegeu Frei Tomás como membro titular. A posse ocorreu em sessão solene no
dia 27 de novembro de 1955. Recebeu ainda outras homenagens: A Sociedade Brasileira de
Entomologia, da qual ajudara fundar, concedeu-lhe o título estatutário e honorífico de membro
honorário. As semelhantes sociedades científicas também o acolheram no rol de seus membros:
Sociedad Entomológica de Argentina; The American Entomological Society; The Association of
Tropical Biology. Em 1962, foi o primeiro a receber o prêmio Costa Lima, instituído em homenagem
ao recém-falecido Pai da Entomologia Brasileira e entregue pela Academia Brasileira de Ciências.
Em 1971, ao editar o 14º e seu último volume da Studia Entomológica, resolveu publicar nesse
volume um lista completa de todos os seus artigos e livros científicos, totalizando 243 publicações
que ocupam mais de 5000 páginas impressas. Nos anos que se seguiram, Frei Tomás pessoalmente se
encarregou de distribuir e confiar todo o seu material de pesquisa e as coleções, de certo modo,
liquidando seu patrimônio e encerrando sua carreira científica.

Passou seus últimos anos no Convento Santo Antônio do Rio. Faleceu no dia 11 de maio de 1975.

Frei Walter Kempf, Ofm


Vida Franciscana, nº 50, outubro de 1976, pp. 77-96.

Frei Constantino Koser

(1918 – 2000)

Nasceu no dia 9 de maio de 1918, em Curitiba-PR, filho do catarinense Antônio Koser e da


paranaense Anna Hillmann. O pai fora preparado professor pelos Frades do Colégio Santo Antônio de
Blumenau e, solteiro, mudara para Curitiba, para lecionar na Escola do Bom Jesus. No batismo,
recebeu o nome de Antônio Júlio.

Em janeiro de 1924, começou o primário no Colégio Bom Jesus e continuou por mais quatro anos. Em
1927 tornou-se coroinha da histórica Igreja da Ordem. Pouco depois passou para a equipe de
coroinhas do Bom Jesus, onde fez sua primeira comunhão. Como já quisesse ser seminarista, desde
cedo recebeu aulas de latim em particular. Antes de completar 11 anos, em 7 de janeiro de 1929,
ingressou no Seminário Seráfico São Luís de Tolosa, em Rio Negro, iniciando no primeiro ginasial.
Continuou todos os estudos em Rio Negro até o 1934, quando em 20 de dezembro recebeu o hábito
em Rodeio, recebendo, então, o nome de Constantino, nome de um santo martirizado em Éfeso.
Após a primeira profissão simples, em 21 de dezembro de 1935, seguiram-se os estudos de Filosofia,
em Curitiba (1935-1937), e de Teologia, em Petrópolis (1938-1941). Sem a idade canônica mínima,
por ser jovem, teve que aguardar completar os anos tanto para a sua profissão solene (10.05.1939)
como para as ordens menores (24 e 25.11.1939). Foi ordenado padre na igreja do Bom Jesus, em
Curitiba, no dia 12 de junho de 1941, também com dispensa da Santa Sé, porque tinha apenas 23
anos.
Ao mesmo tempo, matriculou-se na Universidade Federal, no curso de filosofia, como ouvinte do
mesmo Pe. Penido. Em fins de 1942, Pe. Penido transferiu a residência definitivamente para
Petrópolis, e Frei Constantino transferiu-se com ele. Ambos pesquisavam juntos, aprofundando
sobretudo a teologia em torno da Santíssima Trindade.

Teólogo e professor de teologia – Em 25 de janeiro de 1943, faleceu repentinamente Frei Mariano
Wintzen, professor de Dogmática em Petrópolis. Como as aulas começariam no dia 3 de fevereiro, o
Ministro provincial, Frei Mateus Hoepers, nomeou Frei Constantino como substituto de Frei Mariano.
Começou uma nova fase em sua vida. Assumiu não só as aulas de Dogmática, mas também as de de
iniciação à Sagrada Escritura, de Homilética e de Catequese. Muitos de seus novos alunos haviam
sido seus colegas no seminário. Ao lado das atividades como professor, assumiu também um intenso
trabalho pastoral: horários de confissões na igreja; capelania de freiras; supervisão da catequese do
Colégio Santa Catarina; catequese numa escola pública, e aos finais de semana era coadjutor da
paróquia de Vila Inhomirim. Desta última atividade mencionada resultou a publicação do seu
primeiro livro: “Inhomirim – 250 anos de paróquia”, em 1946, monografia muito elogiada pelos
historiadores.

Deste período como professor de teologia em Petrópolis, segue um depoimento sobre Frei
Constantino, de um de seus alunos, Dom Paulo Evaristo Arns. “Já no tempo em que vivíamos em
Curitiba, quando Frei Constantino passava por lá, manifestávamos nossas dúvidas sobre filosofia e
conceitos novos, que eram abundantes na matéria, nos revelaram a capacidade desse futuro
professor, pois acabou explicando-nos conceitos que nem o nosso velho manual, nem os professores
eram capazes de nos elucidar com tanta precisão e rapidez.

Em 1943, já em Petrópolis, tivemos Frei Constantino como professor de teologia sistemática. Com
seus vinte e cinco anos, era ao mesmo tempo colega, por nos dar plena liberdade de expor-lhes as
nossas dificuldades e também nossas inocentes brincadeiras. Admirávamos a sua preparação
intelectual e seu estudo constante, igualmente as aulas mimeografas em português quando os
demais professores transmitiam tudo em latim.

Três aspectos, me parece interessante realçar em Frei Constantino: primeiro, o interesse e a amizade
dele por todos os alunos, sem exceção. Sua segunda grande qualidade era leitura constante dos
grandes autores franciscanos, como Duns Scotus, São Boaventura e os demais mestres do
pensamento franciscano. Sua terceira qualidade, que mais nos impressionava: estava informado de
todas as questões que envolviam política, economia e tantos outros ramos interessantes para
história do país e do mundo. Como alguns diziam, Frei Constantino era uma enciclopédia ambulante
sobre qualquer matéria. Agradeço sempre de novo a Deus por ter-me dado um professor de tamanha
competência e de tanta amizade”.

Atividades e senso eclesial – Em janeiro de 1948, a pedido do Ministro provincial, Frei Constantino
representou a Província no Primeiro Congresso dos Reitores dos Seminários Diocesanos e Religiosos
do Brasil, realizado no Rio de Janeiro. Deste congresso, ele deixou um relatório muito positivo, de
sete páginas datilografadas. Durante o congresso, por proposta de Frei Constantino, encampada
imediatamente pelo Cardeal Câmara, os Reitores assinaram um pedido ao Santo Padre de definição
dogmática da Assunção de Maria em corpo e alma ao céu. No congresso surgiu também a proposta
de criação de uma Associação de professores de teologia e filosofia. Criou-se uma comissão para a
elaboração do primeiro esboço de estatutos e receber propostas de todos os Seminários Maiores.
Frei Constantino integrou esta comissão e foi delegado por ela para enviar a proposta a todos os
centros de estudos. Frei Constantino passou à história da teologia no Brasil, como a alma do primeiro
Congresso Brasileiro de Teologia, realizado em São Paulo, em janeiro de 1950.

O especialista em Mariologia – Em 1949, o Bispo de Petrópolis nomeou Frei Constantino responsável
pela Catequese diocesana e Assistente eclesiástico da Juventude Estudantil Católica (JEC), ligada à
Ação Católica. Por isso, passou a dar aulas regulares nos colégios Santa Catarina, Santa Isabel e Sion.
Lecionava também Mariologia. Naqueles anos estava quentíssimo o tema da Assunção de Maria. Frei
Constantino mergulhou nele de corpo inteiro. De tal forma que passou a ser chamado a dar
conferências e participar dos debates teológicos sobre o assunto. Em 1948, participou como
conferencista do Congresso Mariológico internacional em Buenos Aires, que tinha como tema único a
assunção de Maria. A conferência de Frei Constantino e o sucessivo debate marcaram de tal forma os
teólogos congressistas, que passou a ser presença obrigatória e conferencista das plenárias de vários
congressos realizados em 1949 e 1950, inclusive em Roma.
O doutor em teologia – No início de 1950, Frei Constantino matriculou-se na Faculdade de Teologia
da Universidade de Freiburgo, Alemanha, com vistas à tese doutoral. Um aluno especial, porque era
convidado a dar conferências em outras universidades e centros de estudo. O próprio decano da
Faculdade de Freiburgo o convidou para realizar um “Kolleg”, de 12 preleções sobre a doutrina
trinitária de Duns Scotus. Defendeu a tese doutoral no dia 22 de maio de 1953. Título: “De Notis
teologicis. Historia, notio, usus”. Recebeu “summa cum laude”. Voltou ao Brasil em fins de junho de
1953, a Petrópolis, ao Convento do Sagrado. No dia 3 de agosto retomou sua cátedra de teologia e
quase todos os trabalhos pastorais que tinha antes de ir à Europa.

Foi criação de Frei Constantino o CIT – Curso de Iniciação Teológica – , iniciado em fevereiro de 1955
e destinado às religiosas. O primeiro criado no Brasil. Só Deus sabe o que significou para o mundo
religioso feminino e para o trabalho pastoral das religiosas essa abertura teológica e a convivência de
irmãs de diferentes congregações anualmente durante um mês. Dirigiu pessoalmente este curso
durante dez anos. Mérito de Frei Constantino é também a criação das Semanas Teológicas.
Realizavam-se a cada ano, e foi a alma de todas até 1963, e em todas apresentou tese. Quem
consultar a Revista Eclesiástica Brasileira verá os temas e os textos dessas semanas. Era forte sua
preocupação de levar a teologia para todos, aproveitando todas as oportunidades.

Frei Constantino redigia diretamente na pequena máquina de escrever seus artigos, conferências e
fichas de aula. Infalível era o metralhar da máquina entre seis e seis e meia da tarde, hora da
meditação da Fraternidade. Depois de passar por uma crise na vida de oração, devido a dificuldade
com os métodos de meditação, descobriu que ao fazer as meditações por escrito, sentado à
máquina, teve ótimo resultado para a espiritualidade e a reflexão teológica. Por 30 anos manteve
este costume e chegou a acumular 15.090 páginas formato oficial, espaço simples. No Capítulo
provincial de 1956, Frei Constantino foi eleito Definidor e reeleito no Capítulo de 1959.

Definidor, Vigário e Ministro geral da Ordem – Embora ausente do Capítulo geral de 1963, Frei
Constantino foi eleito Definidor geral pela América Latina. Viajou para Roma em 12 de junho e, no dia
seguinte, assumiu seu cargo de Definidor geral. Além das viagens pela América Latina, ligadas ao
cargo, e outras incumbências recebidas do Ministro geral, Frei Agostinho Sépinski, seguiu com o
máximo interesse as teses e documentos que estavam sendo elaborados nas últimas sessões do
Concílio Vaticano II, inclusive participou como assessor do Ministro geral que tinha o status de “Padre
Conciliar”.

Em 2 de outubro de 1965, o então Ministro geral Frei Agostinho Sépinski foi nomeado pela Santa Sé
como Delegado Apostólico para a Palestina, Jerusalém, Jordânia e Chipre, na qualidade de arcebispo.
Nesta época, não havia na Ordem a figura do Vigário geral. Anteriormente, Frei Agostinho já havia
convocado o Capítulo geral para 1967, de forma que, mesmo nomeado bispo ainda presidiria a
eleição do seu sucessor. No dia 03 de novembro, o Definitório geral elegeu Frei Constantino Vigário-
geral da Ordem, quando tinha, então, 48 anos de idade. Foi nomeado pelo Papa Paulo VI “Padre
Conciliar” para IV e última sessão do Concílio Vaticano II, encerrado no dia 8 de dezembro de 1965. A
partir de então, Frei Constantino desencadeou todo o processo de preparação do Capítulo Geral de
1967, criando as diferentes comissões, nomeando os seus membros e iniciando as visitas às
conferências e províncias, quase sempre com a temática do ajornamento]. O Capítulo geral tinha dois
objetivos específicos: a eleição do Ministro geral e adaptação da Ordem ao Concílio Vaticano II.

Uma orientação constante aos provinciais: “Atualização não significa aceitação cega de tudo o que é
moderno ou atual, mas se realiza nestas etapas: compreensão, reflexão crítica, discernimento,
eliminação do que não vale, aceitação do que vale, inserção do novo na vida e em seguida formação
dos modos de pensar, de falar e de agir que sejam expressão forte dos elementos que valem”.

Em 19 de março de 1966, o Definitório geral nomeou a Comissão internacional para a reforma total
das Constituições Gerais. Em junho, enviou a todos os Ministros o primeiro esquema das futuras
Constituições. No dia 06 de maio de 1967, junto à Porciúncula, Frei Constantino abriu o 177º Capítulo
Geral da Ordem. No dia 13 de maio de 1966, na vigília de Pentecostes, Frei Constantino foi eleito no
primeiro escrutínio Ministro Geral da Ordem. No de 9 de junho 1973, durante o Capítulo Geral, foi
reeleito Ministro Geral. Nesse Capítulo foram aprovadas, em sua redação final, as novas
Constituições que, todos admitiam, era um documento verdadeiramente adaptado aos tempos do
pós-concílio e à base do qual a Ordem poderia redigir seus programas de vida fraterna e de
evangelização.

No dia 2 de junho de 1979, no Capítulo Geral de Assis, foi eleito Ministro Geral da Ordem, Frei John
Vaughn, Ministro da Província de Santa Bárbara da Califórnia. Frei Constantino partiu de Roma rumo
ao Brasil no dia 16 de julho de 1979, depois de 16 anos de serviços prestados à Ordem, dos quais, 12
anos como Ministro Geral. Foi chamado a guiar a Ordem num excepcional período de transição, de
evolução e de mudanças tão rápidas e extraordinárias nunca vistas antes. Soube guiar-nos com
prudência, com firmeza e caridade por uma estrada difícil e nova tanto para ele quanto para nós.

Ministério itinerante e últimos anos em Petrópolis – Retornando a Petrópolis não quis voltar a ser
professor de teologia. Foi acolhido calorosamente pelos confrades, que segundo suas palavras,
“empenharam-se em me oferecer uma morada boa dentro da pobreza de espaço do convento,
Pobreza que sinto e aprecio”. O quarto ocupado por Frei Constantino, para trabalhar e para dormir (a
antiga enfermaria), não era apartamento. Até o fim de sua vida o ex-Ministro Geral serviu-se do
banheiro comum, no corredor, distante 30 metros de seu quarto.

A partir de então, Frei Constantino entregou-se inteiramente à dimensão de pregador itinerante:


muitos retiros, cursos, série de conferências, palestras e congressos no Brasil e no exterior. Assim, de
1979 a 1985 exerceu de fato um ministério itinerante.

Durante uma viagem a Colômbia, no dia 25 de outubro de 1984, sofreu uma grave crise cardíaca, que
o obrigou a implantar marca-passo. Permaneceu em observação e tratamento em Bogotá até o dia 4
de dezembro, quando retornou ao Brasil. A partir daí, sofria de um quase permanente estado de
vertigens e sonolência e fortes dores de cabeça. Com esses problemas teve que conviver até o fim da
vida. Aos poucos, começou a cortar todos os compromissos que havia assumido anteriormente.

No ida 20 de dezembro de 1984, celebrou com seus colegas de turma, os 50 anos de vida religiosa, no
Convento Santo Antônio do Rio de Janeiro. Em Petrópolis, embora permanecesse falante e
interessado por tudo, sua memória não retinha mais o que lia. Continuou fiel ao coro, ao refeitório, à
sala de recreio, ao noticiário da televisão. A partir de 1985 passou a celebrar na capelinha interna, ao
lado de seu quarto. Durante este período, visitou-o, duas vezes, o Ministro Geral, Frei John Vaughn, o
Ministro Hermann Schalück e o Ministro Giacono Bini.

Em outubro de 1992, passou por uma nova crise, em conseqüência do esgotamento do marca-passo.
Implantou um novo, em cirurgia na Beneficência Portuguesa, em São Paulo. Nova crise cardíaca em
novembro de 1996, e nova cirurgia no Rio de Janeiro. O marca-passo deixara de funcionar.

Em 30 de novembro de 1990, com seus treze colegas de turma ainda vivos, celebrou os 50 anos de
ordenação sacerdotal, em Petrópolis. E no dia 8 de dezembro de 1994, a missa dos 60 anos de vida
religiosa, também em Petrópolis. Em 9 de maio de 1998, celebrou seus 80 anos de vida, não teve
condições de presidir a missa nem de concelebrá-la. Assistiu-a, sentado, mas muito feliz. Presidiu a
celebração o então Ministro Provincial, Frei Caetano Ferrari.

Internado no dia 9 de dezembro de 2000 , no Hospital Santa Tereza, em Petrópolis, em conseqüência


de um surto de erisipela e por uma diverticulite, passou ainda dez dias, vindo a falecer no dia 19 de
dezembro. Durante este período, foi acompanhado permanentemente pelos confrades e pelo
guardião Frei Ludovico Garmus.

Testemunhos do significado de sua vida – Para os confrades de Petrópolis “Até o fim de seus dias,
uma referência de vida franciscana, de cultura religiosa e humana; mais do que estimado, enquanto
ponto de referência, os Frades lhe tinham veneração, pelo que representava e, acima de tudo, pelo
que era. Fazia questão de estar sempre no meio de nós. Era um auxílio e uma luz, sobretudo para
iluminar o caminho dos mais novos. Servia de exemplo com sua notável assiduidade nos momentos
fraternos. A porta de seu quarto esta sempre aberta e quem entrasse encontrava nele um confrade
cheio de prontidão, disponibilidade e acolhimento, um sábio que intuía o de que estávamos
precisando”.
Frei Clarêncio Neotti (Redator da Vida Franciscana) – Foi um grande homem. E o fruto de sua
grandeza foi a fidelidade, o trabalho, o empenho sem limites, a consciência do dever, a pronta
solicitude e o contínuo aperfeiçoamento dos compromissos, não importa quais fossem. Se foi um
homem apaixonado pela palavra, o foi também no exemplo de frade menor”. […] Não há como não
admirar seu exemplo quando, terminados os dois mandatos de Ministro geral, retornou a Petrópolis
a viver em quarto simples, sem água, sem banho no interior, sem secretário, sem privilégio nenhum a
não ser o da simplicidade na pobreza”.

Frei Giacomo Bini (Ministro Geral de 1997 a 2003) – “Embora não lecionasse, foi para os jovens
Frades em formação um mestre de humildade em seu modo simples de viver, e de paciência em seu
modo de encarar a enfermidade que lhe tolhia qualquer trabalho apostólico fora de casa”…
“Agradeço à Província da Imaculada Conceição do Brasil de haver dado à Ordem, no momento justo,
esse extraordinário homem de Deus, que acreditou na construção da Igreja e de um franciscanismo
renovado, e empenhou nesse serviço toda a generosidade de seu coração e agudeza de sua
inteligência”…

Frei Estêvão Ottenbreit (Vigário Geral de (Ministro Geral de 1997 a 2003) – “Minha lembrança e
admiração se prende, nesse momento, sobretudo a esses últimos anos em que os problemas de
saúde física o restringiram à cela e aos corredores do Convento de Petrópolis. Conferencista famoso
que era, teve que conservar-se silencioso. Dotado de excepcional inteligência e acuidade de espírito,
teve de reduzir os contados com os grandes problemas do mundo e da Ordem. Seu apostolado teve
de reduzir-se especialmente, mas tomou a grandiosa dimensão do bom exemplo, que São Francisco
sempre disse ser o nosso primeiro e melhor modo de evangelizar… Frei Constantino leva grande
mérito no retorno da Ordem Franciscana a suas raízes, no aprofundamento do carisma e sua
adaptação fecunda aos tempos de hoje”.

O agradecimento por uma vida de graças – Por ocasião do seu aniversário de 80 anos, pediu que o
Ministro Provincial Frei Caetano Ferrari lesse um bilhete seu.

“Agradeço a todos que vieram para agradecer comigo a Deus: a graça física da boa saúde e de poucos
sofrimentos e enfermidades; / a graça de ser “católico”, ao menos um pouco, no sentido envolvente
de São Francisco; / a graça dos Pais que tive e da educação que recebi; / a graça dos anos que passei
em Rio Negro; / a graça da vocação franciscana e sacerdotal; / a graça de fazer-me teólogo; / a graça
de ser professor; / a graça da palavra para anunciar a tantos o amor misericordioso de Deus; / a graça
de fazer-me servir a tantos em tantos ensejos, especialmente na função de Ministro geral; a graça de
amizades, respeito, apreço, louvor, que recebi em tão grande medida; a graça que está em tantos de
imaginarem que dou bom exemplo. Verifico que me faltou – a não ser em medida muito reduzida – a
graça de inimizade do desprezo, da repulsa, da perseguição. Diante das promessas de abundância
destas graças que Cristo fez aos que o seguissem, só me resta concluir que o balanço de minha vida
acusa enorme débito na fidelidade a Cristo. E assim me coloco ao lado do publicano e suplico: Ó
Deus, tende piedade de mim, pecador!”

Frei Clarêncio Neotti 


Vida Franciscana, nº 76, dezembro 2002, pp. 135-200.
Frei Basílio Röwer

(1877 – 1958)

Nasceu em 2 de novembro de 1877, na cidade renana de Neviges, diocese de Colônia, situada ao


norte de Wuppertal. Local conhecido não só pela presença de grande siderúrgica e outras indústrias,
mas também pelo castelo de Hardenberg, pelo santuário mariano de grandes romarias, fundado em
1681, e pelo convento franciscano de quase mesma idade.

Seus pais, Wilhelm Röwer e Wilhelmina Schulte, pertenciam à classe operária. Na casa paterna, o
pequeno Hugo – nome de batismo de Frei Basílio – não só recebeu os fundamentos de sólida piedade
e os estímulos para a vida cristã, que mais tarde o levariam aos conventos dos Frades Menores, mas
aprendeu também o amor e gosto pela música, que o acompanhou pelo resto da vida.

Durante os oito anos de escola elementar e complementar, Hugo Röwer apresentou bom
aproveitamento. Entre seus mestres havia músicos exímios, até verdadeiros maestros que sabiam
reger música clássica. Esta época coincidia também com os últimos anos do “Kurturkampf”, questão
religiosa que despertou nos católicos alemães o espírito de luta e afervorou muito a piedade cristã.

Terminado o período escolar, o jovem Hugo trabalhou como aprendiz de alfaiate. Sentindo desde
cedo a vocação para missionário franciscano, dedicava-se ao estudo do latim nas horas da noite.
Pouco depois entrou no Colégio Seráfico de Bleyerheide, dirigido por Frei Ciríaco Hielscher. Mais um
pouco de tempo e deixou sua terra natal em busca da segunda pátria, o Brasil. Junto com outros
alunos e bom número de religiosos chegou ao Recife em 3 de dezembro de 1894. Os alunos foram
alojados no velho convento de Olinda, onde começou a funcionar o primeiro seminário seráfico.
Entretanto bom número dos jovens começou a adoecer. Por isso, resolveram os superiores da
Saxônia transferi-los para Blumenau, onde encontrariam clima mais saudável. Hugo Röwer e seus
colegas chegaram em Blumenau a 1º de maio de 1895.

Pouco tempo, porém, ficou aí. O visitador geral Frei Gregório Janknecht, outrora Provincial da
Saxônia, determinou que a turma mais avançada nos estudos fosse logo para a Bahia, a fim de
começar o noviciado. Hugo foi um dos escolhidos, e a 2 de fevereiro de 1896, no histórico convento
de São Francisco, recebeu das mãos de Frei Amando Bahlmann o hábito franciscano e o nome de Frei
Basílio.

Logo depois surgiu a terrível epidemia da febre amarela. Frei Basílio, que escapou ileso, foi com
outros noviços recolher-se ao velho e já decadente convento de Cairu. Em fins de julho, passando o
perigo da febre, voltaram os noviços a Salvador, onde foram encontrar-se com cinco substitutos
vindos recentemente da Alemanha a fim de fechar a brecha feita pela implacável doença.

Terminado o noviciado, Frei Basílio fez o curso de Filosofia na Bahia e, em 1899 iniciou os estudos de
teologia, em Petrópolis-RJ. Em 12 de maio de 1901, na igreja da Terra Santa em Petrópolis, Frei
Basílio foi ordenado sacerdote por D, Francisco do Rego Maia, e em novembro do mesmo ano foi
aprovado para a cura d’almas.

Concluindo os estudos, continuou trabalhando em Petrópolis até 1907. Em 1908 estava no convento
do Senhor Bom Jesus, em Curitiba, com a função de vigário cooperador. De 1909 a 1914 foi superior
da pequena residência do convento São Francisco, em São Paulo. Eleito definidor da Província em
1914, mudou-se outra vez para Curitiba, onde ficou também com os cargos de vigário do convento,
mestre dos clérigos e irmãos, e comissário provincial da Ordem Franciscana Secular. O próximo
capítulo o transferiu para Petrópolis com os ofícios de mestre dos irmãos, bibliotecário e cronista. Em
1920 tornou-se guardião do mesmo convento, até 1923. Continuou como vigário da casa, professor
de teologia pastoral e homilética e diretor do “Eco Seráfico”, até 1931.

Em 1932, o Capítulo Provincial o nomeou superior e vigário de Quissamã. Seis meses depois, em 31
de julho, como guardião do convento de Santo Antônio no Rio de Janeiro, em substituição ao falecido
guardião, Frei Libório Grewe. No Capítulo de 1934 foi reconfirmado para o mesmo guardianato para
mais um triênio. No triênio seguinte, 1938-1940, foi superior em Ipanema, concluindo assim sua
carreira administrativa. Desde 1941 voltou a residir no Convento de Santo Antônio do Rio, até o dia
de sua morte. Durante 24 anos, exerceu o cargo de Comissário da Venerável Ordem Terceira de São
Francisco da Penitência.
Em dois setores de atividade Frei Basílio se distinguiu e conquistou merecimentos extraordinários:
como músico e como escritor. Na música, não se conteve em reproduzir e interpretar coisas dos
outros, mas criou coisas novas e originais. Sua alma lírica sabia criar lindas melodias, que acertaram
com a preferência do povo brasileiro. É dele os cânticos: “Ó Maria, concebida sem pecado original”,
“salve, salve, divino tesouro”, “Salve Mãe Imaculada”, e a mimosa ladainha do Sagrado Coração de
Jesus, para coro e solistas. No catálogo das composições de Frei Basílio, conservado pela Editora
Vozes, constam 63 obras de sua autoria. Ele foi um dos mais destacados pioneiros da música sacra no
Brasil.

A transferência para o Convento de Santo Antônio do Rio, em 1932, o colocou em contato com os
arquivos da antiga província. Esses velhos documentos fascinaram a alma de Frei Basílio que logo
formulou o propósito de elaborar cuidadosamente a história dos predecessores, publicando os dados
completamente inéditos e desconhecidos. O propósito transformou-se em realidade. Já em 1937 saiu
o primeiro tomo de maior fôlego. Outros seguiram de 1940 em diante, quando, livre de outros
compromissos, recebeu a incumbência oficial deste trabalho pelo Capítulo de 1941. Suas obras
principais:

1922 – A Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil nas festas do Centenário da


Independência, 334 pp;
1937 – O Convento de Santo Antônio do Rio de Janeiro, 468 pp.
1941 – Páginas de História Franciscana no Brasil, 216 pp.
1942 – A Ordem Franciscana no Brasil, 216 pp.
1951 – História da Província Franciscana da Imaculada Conceição do Brasil através de seus provinciais
de 1677 a 1901, 308 pp.
1954 – Os Franciscanos no Sul do Brasil durante o século XVIII – A Contribuição Franciscana na
Formação Religiosa da Capitania das Minas Gerais. – Os Estudos na Província Franciscana da
Imaculada Conceição do Brasil nos Séculos XVII e XVIII, 93 pp.
1958 – O Convento de N. Senhora da penha do Espírito Santo, 94 pp.

Como historiador, Frei Basílio merece os mais altos elogios por sua aplicação, paciência e
perseverança. Soube valorizar os anos da velhice criando obras de valor durável. Nas suas obras
predomina a voz das fontes, dos documentos históricos. Conhecia perfeitamente suas limitações
afirmando várias vezes que pesquisas ulteriores de certo haveriam de ampliar e aprofundar o quadro
traçado por sua pena paciente e cuidadosa.
Para aquilatar o valor de sua contribuição, basta lembrar que foi eleito sócio honorário do Instituto
Histórico do Rio de Janeiro, e que recebeu o doutorado honoris causa da Universidade São
Boaventura, em Olean, nos Estados Unidos.

Aproximando-se dos 80 anos, a fraqueza corporal e as doenças de Frei Basílio tornaram-se mais
evidentes. Aos poucos sua cela virou enfermaria. Mas nas duas mesas e nas estantes continuavam os
volumes e documentos aos quais voltava sempre que podia. O diagnóstico médico revelou câncer
intestinal. Faleceu no dia 19 de agosto de 1958 no Hospital da Venerável Ordem Terceira, na Tijuca.
Frei Estanislau Schaette, Ofm
Vida Franciscana, nº 24, dezembro 1958, pp. 188-194.

Frei João José Pedreira de Castro

* Petrópolis, 26/06/1896
† Tremembé, 30/05/1962
Vida Franciscana – junho/1963, nº. 30

Frei João José, o “Jojó”, como dizíamos na intimidade conventural, interpretando sua assinatura,
“Jojo”, nasceu em Petrópolis, a 26 de junho de 1896, recebendo o nome de João Maria. Seus pais
foram: Jerônimo de Castro Abreu Magalhães e D. Elisa de Bulhões Pedreira Magalhães (Dona Zélia).
Seguindo a vocação sacerdotal, passou os anos de 1910-1912, três anos completos, na Escola
Apostólica dos Padres Jesuítas em Itu, SP. Em abril de 1913 passou para o Colégio Seráfico de nossa
Província, então ainda em Blumenau. Antas de completar um ano, recebeu o hábito da Ordem em
Rodeio, de Frei Policarpo Schuhen, a 17 de janeiro de 1914. Emitiu a profissão de votos simples, a 17
de janeiro de 1915, com o mesmo Frei Policarpo. Iniciou os estudos filosóficos, continuando-os em
Curitiba, onde emitiu votos solenes a 17 de janeiro de 1918, nas mãos do então Guardião, mais tarde
Bispo de Campanha, Dom Inocêncio Engelke e Dom João Francisco Braga lhe conferiu ordens
menores a 2 de fevereiro de 1918 e o subdiaconato no dia seguinte, em Curitiba. Passou então a
residir no convento de sua terra natal, Petrópolis, onde fez os estudos teológicos, recebendo o
diaconato a 26 de outubro de 1918, de Dom Agostinho Francisco Bennassi, Bispo de Niterói. Com a
dispensa de cinco meses sobre a idade canônica, foi ordenado presbítero pelo mesmo Sr. Bispo em
Petrópolis, a 18 de abril de 1920. Em atenção aos seus talentos e inclinações, foi enviado a Roma para
estudo de Ciências Bíblicas. Não se deu bem na Cidade Eterna, onde permaneceu apenas de 1º de
outubro de 1920 até 1º de agosto de 1921. Passou para Muenchen, na Alemanha, onde permaneceu
até 25 de julho de 1924. Não terminou os estudos com a láurea, porque se verificou que estava
diabético, e em estado tão grave que os médicos lhe deram no máximo um ano de vida. Recolheu-se
ao Garnstock, onde permaneceu até 1º de novembro de 1925, lecionando aos nossos alunos lá.
Depois foi transferido para Rio Negro, onde foi professor até 1º de fevereiro de 1927, Já com aulas
começadas foi transferido para Petrópolis, iniciando aqui o período de Lente de Ciências Bíblicas, o
mais longo período de sua vida: até 1950. A 30 de março de 1951 foi transferido para São Paulo. Pari.
Esta transferência, com seus precedentes, foi rude golpe que o feriu muito. No entanto não se deixou
abater e em São Paulo tentou imediatamente um trabalho que lhe estava muito a peito: um
movimento bíblico popular. Cursos, conferências, correspondências, lições foram se sucedendo. Em
1956 fundou o “Centro Bíblico”. Com a velha enfermidade dos ouvidos muito piorada, quase cego,
com dificuldades de se locomover, continuava em suas peregrinações de “Semanas Bíblicas”, indo
para onde o chamassem. A 11 de janeiro de 1958 foi transferido para o Convento de São Francisco,
em São Paulo. Em 1961 mudou-se para a cidade de Tremembé, onde veio a falecer na data de 30 de
maio de 1962.

O Professor de Ciências Bíblicas

Foram quase 25 anos os de professorado de Ciências Bíblicas em Petrópolis. É indiscutível que esta
atividade marcou de modo especial a vida e a personalidade de Frei João José. As grandes turmas da
Província, nos anos 30 e começos de 40, passaram por sua mão, e são assim muitas dezenas de
sacerdotes os que dele receberam a sua formação no que concerne à Sagrada Escritura.

Em Munique Frei João José foi aluno de Goetzberger. Falava de outros professores, mas a influência
que recebeu veio deste.

Voltou a Petrópolis, vinha para morrer… Assim lhe haviam dito os médicos. Resolvera interromper
seus estudos antes de os levar à culminação do título acadêmico, e fora autorizado pelos seus
superiores a agir assim. Encaixotou os seus livros e veio. Tinha memória prodigiosa e reproduzia com
extrema facilidade os tesouros armazenados em Munique. Como professor, dominava
suficientemente o seu assunto, e também as disciplinas anexas, como línguas bíblicas, e hauria “ex
pleno”. Manipulava o texto ele mês, sem nenhum livro auxiliar. Não me recordo de tê-lo visto trazer
para a aula alguma vez mais do que o próprio texto da Sagrada Escritura.

Os anos foram passando, e a profecia dos médicos de Munique não se verifica. No entretempo, Frei
João José se havia dedicado a bastantes trabalhos de cura de almas, úteis, mas dispersivos em
demasia para um professor. Quando lentamente veio a perceber que sua carreira poderia ser longa,
já estava a boa distância dos estudos e da pesquisa exegética. Não voltou a este trabalho, antes
intensificou seu apostolado. Aliás, a doença lhe minava as energias. Disse-me certa feita que primeiro
não continuava os estudos porque pensava que ia morrer. Depois estava sempre cansado, efeito da
diabete.

No entanto o seu interesse pelas questões exegéticas não morreu jamais. Os livros que lhe vinham às
mãos lia-os cuidadosamente e com espírito crítico. Mais que tudo, os que eram da orientação que
havia recebido em Munique.

A atitude de Frei João José se modificou profundamente no ano de 1943, com a encíclica “Divino
Afflante Spiritu”. Como que remoçou e renasceram nele os interesses da pesquisa bíblica.

Esta como primavera esteve, porém, prejudicada pelas sombras densas das dificuldades que vinham
de certos empreendimentos pastorais. E foi nesta atividade pastoral que estavam as causas que lhe
trouxeram o mais duro golpe de sua vida: a transferência para São Paulo, com o repentino término
de sua atividade de professor de Ciências Bíblicas no Teologado de Petrópolis.

O Sacerdote, zeloso do bem das almas

Em Petrópolis, desde que para cá voltou em 1927, começou a expandir seu zelo sacerdotal.
Constantemente estava a cogitar alguma iniciativa, para criar um movimento. Conhecendo o
temperamento dos petropolitanos, dados à rotina e avessos a iniciativas, procurava incentivar a vida
cristã, mais que tudo na forma de vida sacramental. Inventava pretextos para campanhas de
comunhões, incessantemente. Organizava campanhas de orações de todos os tipos. Sempre estava
ocupado com alguma novidade nestes e noutros terrenos.

Na administração de sacramentos e sacramentais, agia com devoção que se traduzia em sua


atividade, em sua voz, em todo o seu modo de agir. Nunca apressado, sempre recolhido, deixava em
todos a impressão de devoção funda e compenetração profunda.

Frei João José foi homem de grandes dotes oratórios. Foram numerosos os sermões vibrantes e bem
construídos que pronunciou. Mas preferia uma oratória menos sensacional. Via de regra pregava em
tom familiar, explicava doutrina, vivia de passagens da Sagrada Escritura, que interpretava
magistralmente, com finíssimo colorido de ambiência. Muitos retiros pregou, e para pregá-los levava
a Sagrada Escritura, fazia sua disposição e ia falando. A facilidade com que se exprimia e com que ia
“tecendo” o seu sermão era tamanha, que por vezes causava a impressão de não ligar muito. Na
realidade, porém, estava impregnado de um profundo sentimento de responsabilidade pela palavra e
de acordo com este sentimento agia.

Movimento Bíblico e Litúrgico

Em 1956 fundou Frei João José, em São Paulo, o Centro Bíblico e o Curso de Sagrada Escritura por
Correspondência, cuja repercussão alcançou todos os Estados da Federação numa intensidade jamais
prevista. Um ano mais tarde iniciou a tradução completa da Bíblia para o português, que foi impressa
pela Editora Ave Maria dos Missionários do Coração de Maria.

Foi Frei João José quem principiou no Brasil, com intensidade, as chamadas “Semanas Bíblicas”, para
incrementar no território nacional o conhecimento do Livro Santo. Nessa missão evangelizadora,
percorreu vários Estados, chegando, por vezes, como em janeiro de 1959, a proferir 87 conferências
bíblicas em apenas 23 dias.

Por seu dinâmico apostolado em prol da divulgação da Sagrada Escritura, mereceu em julho de 1961,
no Congresso Nacional de Bíblia, realizado no Rio Grande do Sul, ser aclamado como o “Pioneiro do
atual Movimento Bíblico no Brasil”

O Enfermo
Em 1924, com 28 anos de idade incompletos, Frei João José recebeu como que a sentença de morte
por enfermidade: diabetes, com perspectiva de, no máximo, um ano de vida. De então até a sua
morte, ocorrida quase quarenta anos depois, foi de fato e se considerou um homem doente. Sua
vida, pois, esteve profundamente marcada por uma doença insidiosa e desestimulante. Com os anos
tudo se agravou e nos últimos anos veio a cegueira que ia se acentuando cada vez mais. Uma vida de
enfermo.
E no entanto parece que a enfermidade não significou muito na vida de Frei João José. Aceitou-a no
início como termo de vida e esperou a morte. Pouco se queixava, pouco ligava, sobrepôs-se
galhardamente a esta provação. Há de se dizer: a enfermidade não significou na vida do confrade
tanto quanto se esperava que significasse. Foi um enfermo, sem viver como enfermo. Sua psicologia
não era a de enfermo.

A Espiritualidade

Pode-se dizer que Frei João José se caracterizava pela moderação. Não exagerava, nem gostava de
exageros, era muito reservado diante de extravagâncias. No comer, no vestir, no morar, nos objetos
de uso, no movimentar-se, no falar, nas exigências, nas relações, em tudo se notava esta forte
moderação. Um homem do meio, não dos extremos. Por isso mesmo sua espiritualidade também era
de moderação, não de grandes arroubos nem de grandes depressões.

No entanto, o confrade era de têmpera extraordinária de vontade. Com menos têmpera, teria cedido
à enfermidade e teria ficado se tratando, esperando a morte. Quantas vezes estava com o teor de
açúcar no limite, à beira de estado de coma, exausto, e no entanto continuava intrépido, sem se
queixar, sem falar da doença!

Nesta característica geral de moderação se contém ainda a vida interior do confrade, particularmente
a oração. Sua vida interior, por ser intensa, era toda de cunho apostólico: o bem das almas não o
largava. Daí seu zelo inquebrantável, vencedor de todos os empecilhos que a enfermidade lhe
opunha à ação. Da união com Deus e do zelo de almas nascia uma enorme capacidade de dedicação a
outros e de amizade.
Alimentava-se mais que tudo da Bíblia. Lia muito e muitos livros, mas lia sempre de novo e tornava
constantemente à Sagrada Escritura. A espiritualidade de Frei João José estava inteiramente
dominada pela imagem de Deus bom, misericordioso, complacente, compreensivo, mas também
justo e Senhor. Para com Deus tinha uma relação muito pessoal, muito intensa, acesso fácil e
constante. Vivia “em Deus”.

Frei João José, foi sem dúvida uma das grandes figuras humanas, de confrade, de sacerdote, de
professor, de homem de iniciativa, de homem espiritual de nossa Província.

Frei Constantino Koser.

Você também pode gostar