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A Idade Média é um período de muitos mistérios e lendas para a cultura atual da

sociedade ocidental. Freqüentemente chamada de "A Idade das Trevas," o estudo


aprofundado desse período revela que essa concepção é errônea. As contribuições
medievais para os tempos atuais são de suma importância, tais como a universidade,
como conjunto de disciplinas lecionadas em um ambiente unificado, e o uso de
sobrenomes, apartados dos títulos de cargos que as pessoas até então utilizavam.

A Alta Idade Média compreende o período aproximado entre os séculos VIII e


XV. Esses séculos viram o nascer das cidades como organização política, do cristianismo
católico representado pela Igreja, das teorias filosóficas acerca de Deus e, após, do
homem (como exemplo, Pico della Mirandola, com o seu Do valor do homem de 1486), o
nascimento da poesia metrificada, com Dante Alighieri e Petrarca como seus expoentes,
assim como o nascimento da poesia romântica de cortesia, a literatura cavalheiresca e o
renascimento da poesia épica (representada, já no século XVI, por Camões - Os Lusíadas
-, Torquato Tasso - Jerusalém Libertada - e Ludovico Ariosto - Orlando Furioso). Nesse
mundo prolífico de idéias, que rechaçam o adjetivo "trevas" da Idade Média, as
mulheres representaram um papel importante para o desenvolvimento desse turbilhão
de idéias.

As mulheres na Idade Média são freqüentemente pouco estudadas. Há diversos


motivos para tal: a escrita da história do período pela Igreja Católica, que colocava a
mulher em um subnível em relação ao homem; o próprio fato de a maioria das fontes
históricas terem sido escritas em uma época em que já se dava a absoluta
predominância masculina da intelectualidade (período correspondente ao
Renascimento); e, entre outros fatores, a escrita da história focalizou os aspectos
políticos, dominados por homens - por ser reis e clérigos - e militares que, com algumas
exceções, era ofício basicamente masculino.
Muito embora essa exclusão aconteça, historiadores a partir do século XVIII
começaram a olhar para a sociedade medieval sob outra ótica, relevando o papel das
mulheres na formação do mundo. O presente Trabalho é um esforço para sumariar esse
papel.

O primeiro aspecto das mulheres na Idade Média concerne seu status legal na
sociedade. De acordo com o Professor Philip Daileader, a mulher, após atingir uma
certa idade, chamada de capacitação, e não casada, podia livremente assinar
documentos comerciais e civis, assim como possuir profissão ou comércio próprios. A
mulher, no entanto, se se casasse, tinha seu estado jurídico alterado para subguarda do
marido, tornando-se relativamente capaz. Esse estado jurídico implicava na proteção do
guardião legal, ou seja, seu marido, na assinatura de documentos em geral ou
disposição de bens, como exemplos. No entanto, se a mulher possuísse uma profissão
diferente da de seu marido, ela era considerada independente, podendo continuar sua
vida como se fosse solteira. Nesse caso, recebia o nome de femme sole. Caso o marido
dessa mulher fosse civilmente processado, os bens da mulher não poderiam ser
atingidos pela sentença judicial. Era a estabilização do regime de comunhão parcial de
bens. Cabe a nota de que, no Brasil, somente através da Lei do Divórcio, da Constituição
de 1988 e, finalmente, do Código Civil de 2002, as mulheres ganharam novamente seu
estado de plenamente capazes.

Na política, as mulheres da Idade Média tinham um lugar reservado


especialmente para si. Mulheres mais educadas participavam de eleições municipais
como candidatas, ou como acessoras de prefeitos eleitos pelos habitantes de
determinada região. Há de se ressalvar, no entanto, que as mulheres camponesas, assim
como seus maridos, não possuíam voz política, estabelecendo-se como trabalhadores
vinculados ao mando de um vassalo ou soberano. Eleonor de Aquitânia é a voz de
destaque para a política medieval. Casada com o rei Luís VII da França desde 1136,
participou da segunda Cruzada junto com seu marido. Foi a primeira mulher de
notoriedade a se divorciar, em 1152, casando-se após sete meses com o rei Henrique II
Plantageneta da Inglaterra. Após a morte deste, foi uma das principais articuladoras da
ascensão ao trono de um de seus filhos, Ricardo Coração-de-Leão, personagem que se
tornaria famoso pela terceira Cruzada entre 1189 e 1192.

Eleanor de Aquitânia tornar-se-ia famosa pelo surgimento da poesia de cortesia.


Essa vertente literária era formada, principalmente, de homens que eram apaixonados
por mulheres que lhes fugiam ao alcance social. Renasce, de certa forma, a história de
amor entre pessoas de vidas financeiras opostas. Esse tipo de poesia surgiu na região da
Provença, no sul da França, e na língua provençal, uma corruptela do latim vulgar
miscigenada com o franco e o germânico antigos1. Tais poemas eram confissões de amor
e propostas de romances, os quais a mulher escolhia seguir ou não2.

Quanto à escolaridade, as mulheres citadinas podiam se educar para se tornar


professoras, especialmente as freiras. As escolas das cidades eram os locais mais
comuns de trabalho a essas mulheres. Não se pode afirmar, no entanto, que mulheres
eram plenamente aceitas nas Universidades. Tal pode ser explicado pelo fato de as
primeiras universidades terem sido dirigidas por homens religiosos, que controlavam a
presença e a disciplina a mãos de ferro.

No mundo da espiritualidade, as mulheres encontraram seu auge no culto


denominado catarismo, considerado herege pela Igreja Católica por suas posições por
vezes antagônicas com a doutrina cristã. Os cátaros, de população nômade surgidos no
século XII no sul da França, são considerados o maior e mais presente culto dualista
religioso da Alta Idade Média. As mulheres, para eles, tinham lugar especial no culto,
especialmente na cerimônia conhecida como consolamentum. Tal cerimônia tornava a
pessoa profana em um Perfectum, que seguiria uma rígida vida se purgando dos males

1 Como a língua tinha fonemas que permitiam aproximação vocálica, a noção de rima foi introduzida na

literatura poética, noção que seria aperfeiçoada na Divina Comédia de Dante e na criação do soneto por
Petrarca.
2 Como expoentes dessa vertente poética, cita-se Bertrand de Born e a própria Eleonor de Aquitânia.

Como romances dessa época se pode citar Tristão e Isolda e a Balada da bela Rosamund. Como exemplos
vivos desse tipo de cortesia, que por vezes resultava em brigas e mortes, pode-se citar a história de Eloisa
e Abelardo, cujas cartas foram transformadas em poesia por Alexander Pope em 1717.
terrenos, criados pela força do mal, representada por Satã, para que seu espírito
alcançasse o reino dos céus. As mulheres Perfecti eram consideradas puras e essenciais
para a humanidade por ser aquelas que possuíam a dávida essencial do ser humano: a
capacidade de gerar filhos. Não se deve confundir a visão da mulher como mero ser
reprodutor; o dar à luz era percebido como o milagre que Deus havia dado ao ser
feminino, que completa o homem e não deve se submeter a ele.

Dentro da religião cristã, a Alta Idade Média viu a freira se tornar governanta de
monastérios, especialmente beneditinos. Esses cargos seriam tomados exclusivamente
por monges somente séculos depois, quando a religião católica se tornasse
definitivamente predominante.

Esses são os aspectos mais importantes do papel da mulher na Alta Idade Média.
É de se notar com certa curiosidade que, apesar da expansão da religião cristã, que
produziu aforismos como o de São Gerônimo: "a mulher é o portal do demônio, o
caminho da loucura, a picada da serpente, um objeto perigoso no mundo," e, na filosofia
de Tomás de Aquino: "fazer uso de um objeto necessário, a mulher, que é precisa para
preservar a espécie ou para prover comida e bebida," a mulher da Alta Idade Média
passou por um período de influência na sociedade em que vivia, adquirindo um grau
de importância que somente seria retomado na segunda metade do século XX.
BIBLIOGRAFIA

Conway, Stephen. Silent Voices: Women in Middle Ages. 1991.

Daileader, Philip. Lecture 8: Women in Medieval Society. The Learning Company. Video.

Duggan, Alfred. The story of the Crusades. Pantheon Books, 1963.

Heer, Friedrich. The Medieval World. Europe 1100-1350. Phoenix Books, 1998.

Huizinga, Johann. The Waning of Middle Ages. Anchor, 1954.

Lambert, Malcolm. Medieval Heresy. Barnes & Noble, 1998.

Lima Lopes, José Reinaldo de. O direito na História. Atlas, 2008.

Wikipedia. Eloisa do Abelard. Disponível em:


http://en.wikipedia.org/wiki/Eloisa_to_Abelard

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