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RIBEIRO, D. O que é: lugar de fala? . Belo Horizonte (MG): Letramento, 2017.112 p.

 
O fim da mediação social
                                                                                                      Thais Azevedo Costa1
A escritora paulista, Djamila Taís Ribeiro dos Santos, publicou seu livro O que é:
lugar de fala? em 2017, sendo o primeiro da coleção Feminismos Plurais, também
coordenada pela mesma. Seu objetivo era levar ao público questões importantes referentes ao
feminismo de forma clara e de qualidade. A pesquisadora feminista é graduada em Filosofia
pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) e mestra em Filosofia Política também
pela UNIFESP. Diante disso, utilizou os seus conhecimentos e experiências adquiridas para
esclarecer o conceito correto de lugar de fala. E como era o esperado, o seu livro abriu
caminho para o sucesso entre grande parte da população, o que corroborou para admissão de
uma das principais vozes no cenário em debate, além do cargo de colunista do jornal Folha de
São Paulo.
A autora em poucas páginas, estrutura sua obra em quatro partes, sendo elas, contexto
histórico do feminismo negro, situação da mulher e outros grupos sociais marginalizados,
definição de lugar de fala e ao final, análise do termo utilizado incorretamente. Essa estratégia
utilizada para organizar os capítulos, facilitou a compreensão do enredo e seu tema principal.
Inicialmente, ela realiza uma extensa pesquisa histórica de um conjunto de escritoras
militantes, como Lélia Gonzalez, Grada Kilomba e Sojourner Truth, citando trechos autorais
dessas mulheres tão importantes para ideologia feminina, como forma de orientar o percurso e
introduzir a reflexão acerca de conceitos que permeiam a realidade social e que ainda são
discriminados, como o feminismo e o racismo.
Utilizando uma linguagem objetiva, Djamila Ribeiro apresenta uma crítica histórica do
movimento social da luta das mulheres negras em busca de visibilidade, em combate às
disparidades diante os grupos privilegiados, que desconsideravam o posicionamento dessas
vozes femininas, principalmente na política, devido ao racismo enraizado ao longo de toda a
história brasileira. Portanto, essa minoria era silenciada, retirando-lhes o direito de liberdade
de expressão em importantes discussões, devido a hierarquização estrutural, ou seja,
superioridade eurocristã (branca e patriarcal) e masculina. Diante disso, a autora relata a
dimensão da invisibilidade histórica por discriminação de gênero e raça, inclusive de pessoas
ativistas e escritoras neste cenário, em que não tinham a oportunidade de serem reconhecidas
e por isso eram tratadas como inferiores aos demais.
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Bacharelando em Ciência e Tecnologia do ICT da UFVJM.
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Todavia, a escritora ativista aborda um debate com foco no feminismo negro e a
superioridade do homem diante a mulher, na qual, é vista como um objeto de prazer, pela
realidade racista e sexista vivenciada. Para construir seu pensamento, a mesma abordou o
termo “Outro” que segundo a filósofa existencialista Beauvoir, representava o conceito
atrelado ao proletariado e a relação com os seus proprietários, realizando uma comparação
com a situação da figura feminina negra, determinada como o “Outro do outro”, alvo da
submissão do sexo masculino. Concluindo, que a mulher negra luta contra o racismo e o
machismo em conjunto, cujo as colocam em maior posição de vulnerabilidade.
No entanto, torna-se necessário o destaque da realidade social comum de grupos
marginalizados, especificamente feminino afrodescendente, cujo foi destacado pela autora
durante todo enredo, como representativo da segregação. Através do enaltecimento da
resistência desse grupo, perante tanta discriminação e opressão, realizadas pela população.
Dessa forma, a autora utilizou o tema para levar ao público uma discussão referente a
importância dessas pessoas, como por exemplo, mulheres, negros e LGBT’s, que foram a
tanto tempo vistos como indiferentes e merecem reconhecimento social.
Através dos seus conhecimentos filosóficos, a escritora paulista aborda o pensamento
sociológico referente ao feminismo negro, no qual, é fundamental, que mulheres negras
utilizem o seu lugar de inferioridade determinado pelos demais, com intuito de buscar
visibilidade de distintas perspectivas e alcançar o senso comum. Como também afirmado pela
literata ativista, Patrícia Hill Collins, a necessidade de conhecimento intelectual a partir do
posicionamento em diversas posições sociais para romper com o que foi definido como
concepção única e comum, no meio em que se vive.
É possível identificar que tais grupos abordados ocupam poucos espaços sociais e por
consequência, não são ouvidos. O que torna isso, uma problemática pelo ponto de vista
estrutural e não, individualizado. Dessa forma, Ribeiro introduz a apresentação
definitivamente do conceito de lugar de fala, mediante a reflexão da importância de abertura a
quem de fato vivencia preconceitos e não possui a possibilidade de praticar sua liberdade de
expressão. O que permite ao leitor analisar o próprio posicionamento na sociedade desigual
presenciada e nas relações pessoais nos dias de hoje.
O termo de lugar de fala está muito presente em movimentos sociais e discussões
virtuais e representa a busca pelo fim da mediação, em que a pessoa por si mesma, tem o
direito de lutar contra a discriminação sofrida. A professora filósofa aponta que o mesmo
surgiu possivelmente do termo feminist standpoint, traduzido para o português, como ponto

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de vista feminino e não havendo sua origem precisa. Apresentou então a sua hipótese de que
“a partir da teoria do ponto de vista feminista, é possível falar de lugar de fala” (2017, p. 33).
Para aprofundar sua tese, ela recorre novamente, aos posicionamentos da pesquisadora
feminista, Collins, para auxílio do entendimento do conceito abordado. Segundo palavras da
autora:

Como explica Collins, quando falamos de pontos de partida, não estamos


falando de experiências de indivíduos necessariamente, mas das condições
sociais que permitem ou não que esses grupos acessem lugares de
cidadania.
Seria, principalmente, um debate estrutural. Não se trataria de afirmar as
experiências individuais, mas de entender como o lugar social que certos
grupos ocupam restringem oportunidades. (RIBEIRO, p. 34)
 
Vale ressaltar, que mulheres brancas possuem experiências diferentes daquelas
vivenciadas por mulheres negras, devido a localidade na hierarquia social. Por isso, a relação
de poder influência na restrição da oportunidade de pronunciamento da minoria, favorecendo
o surgimento de grupos e logo, as desigualdades entre eles. Sendo assim, o ponto de partida
feminista de Collins, destaca as condições coletivas que permitem ou não, o exercício dos
direitos do indivíduo. E é nesse contexto que inicia o debate, a partir da estrutura social e o
poder que exercem e moldam a sociedade.
Ainda nesse capítulo, definiu-se o termo lugar de fala como um ato de refutar a visões
universais históricas e a hierarquização dos saberes que resultam dos níveis estruturais dentro
da comunidade. Para a autora, a experiência de um indivíduo importa, mas o foco é
exatamente tentar compreender as condições sociais que constituem o grupo, em que esse
indivíduo está inserido e quais são as experiências que a pessoa compartilha em conjunto.
Como afirma a escritora, “o lugar social não determina uma consciência
discursiva sobre esse lugar. Porém, o lugar que ocupamos socialmente nos faz ter
experiências distintas e outras perspectivas” (p.24). Trata-se do reconhecimento das
diferenças e a noção que mulheres negras e brancas partem de lugares diferentes. E não
demarcar esses lugares e prosseguir minimizando a existência de pontos de partidas distintos
que faz com que, inclusive, mulheres brancas continuem incapazes de perceber sua
responsabilidade com a mudança social e, consequentemente, reproduzam opressões contra as
mulheres negras.
Conclui que, a posição de fala é caracterizada como um ato de refutar a historiografia
tradicional e a hierarquização dos saberes que resultam da hierarquia social.

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Esse tipo de discussão, é muitas vezes visto como “mimimi”, que se refere a uma
expressão satírica para descrever uma reclamação desnecessária e chata. Ainda há uma
dificuldade da maioria dos cidadãos brancos, em dar espaço a classe silenciada, pelo
incômodo de confronto ao romper a ideia fixada.
Esse tema, é necessário para que mudanças significativas ocorram e com elas, alcance
o reconhecimento de uma multiplicidade de vozes, em uma comunidade estruturada por
princípios de branquitude, heterossexualidade e masculinidade.
Além disso, é realçado que o objetivo do tema, não é restringir ou impor, mas sim,
abranger diferentes visões e oferecer a todo ser humano seu direito de se expressar e expor
sua opinião pessoal. O pensamento principal, induz que cada indivíduo tenha consciência do
seu papel na luta, admitindo o momento de quando é protagonista ou coadjuvante no cenário
em debate. Portanto, a leitura desse livro provoca a mobilização de quem lê, de maneira que
repense o próprio lugar de fala e seu ponto de vista quanto a esses grupos em pauta.   
No fechamento do livro, Ribeiro aborda a associação inadequada entre os termos
“representatividade” e “lugar de fala”, realizada por uma parte das pessoas em redes sociais.
Nesse contexto, determina-se que apenas possui direito de opinar sobre determinado assunto,
quem integra e vivencia de fato a situação social em discussão. Não é particular do submisso
debater seu local na comunidade, é essencial que os privilegiados sociais, reflitam sobre suas
próprias condutas em busca da compreensão das discrepâncias. Conclui-se que refletir esse
conceito é uma postura ética.
De maneira fluida e dinâmica, ela consegue apresentar três orientações para melhor
entendimento do tema, sendo social, político e epistemológico.
A leitura dessa obra mobilizadora, é extremamente fundamental e altamente
recomendada a quem se interesse pelas discussões de classe, raça e gênero e principalmente a
jovens da educação básica que pretendem mudar o mundo e adotar novas perspectivas.
Através de pensamentos filosóficos e sociológicos de múltiplos escritores, é propiciado
conhecimento histórico, fornecendo diversas reflexões e ensinamentos para o leitor, que está
em busca de desconstrução e evolução.
No entanto, foi possível concluir, o quanto os atos sociais, inclusive a luta das
mulheres negras pelos seus direitos e contra o machismo precisam ser visibilizados, pois são
manifestações fundamentais para conquistar uma sociedade igualitária no futuro.
A autora defende uma mudança do ser humano, que implica em fugir do discurso
óbvio para que possa iniciar o entendimento de pautas como democracia, feminismo e ética, o

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que por consequência acarreta na equidade de liberdade de expressão e no senso comum, pelo
método saudável.Com isso, com as suas palavras, “a o promover uma multiplicidade de vozes o
que se quer, acima de tudo, é quebrar com o discurso autorizado e único, que se pretende universal.
Busca-se aqui, sobretudo, lutar para romper com o regime de autorização discursiva.” (p.21).
Em suma, a feminista, que utiliza o seu lugar de fala como mulher negra, propõe um
diálogo importante nos dias atuais, em que é preciso exprimir-se e batalhar pelo direito que
pertence a todos. E como, segundo a filósofa francesa Simone de Beauvoir “Querer ser livre,
é também querer livre os outros”. 
 
 
 
 
Referências
AZEVEDO, Luyanne Catarina Lourenço de. Corpos no mundo: a geograficidade do conceito
de lugar de fala. Terra Livre, v. 1, n. 52, p. 641-661, jan.-jun./2019.

BEAUVOIR, Simone. O segundo sexo. 2. ed. São Paulo: Difusão Europeia do Livro, 1967.

HILL COLLINS, P. Aprendendo com a outsider within: a significação sociológica do


pensamento feminista negro. Sociedade e Estado, v. 31, n. 1, p. 99-127, 2016.

SANTOS, D. O que é lugar de fala?. Saúde em Debate [online]. v. 43, n.8, pp. 360-362.

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