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Filme “O doador de Memórias”: apontamos

Prof.ª Deise Sabbag

O filme é apresentado ao telespectador pela perspectiva do olhar jovem


Jonas que narra todos os eventos ocorridos durante o desenvolvimento da trama.
Elementos intrínsecos do filme são muito interessantes e merecem ser
destacados, como por exemplo:
a) a ausência de cores, filme retratado em branco, preto e cinza: algumas
reflexões interessantes podemos traçar a respeito dessa ausência de
cores. A cor não é um fenômeno físico, ela é um estímulo orgânico que
interpreta o reflexo da luz vinda de um objeto que foi emitida por uma
fonte luminosa, ou seja, a luz é o estímulo e a cor o efeito. Podemos
estudar sobre isso na Teoria das Cores que trata acerca dos estudos e
experimentos entre a luz e a natureza das cores. Grandes nomes como
Aristóteles, Leonardo Da Vinci, Issac Newton, Le Blon, Goethe
desenvolveram estudos importantes sobre a luz e a cor. Na teoria das
cores o branco e o preto são resultados da presença ou ausência de luz,
sendo que a cor branca é luz pura onde se dá a reflexão total das sete
cores que formam o arco-íris (vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil
e violeta). Sem luz a cor não existe. A cor também possui um aspecto
simbólico presente em várias culturas, por exemplo usamos o preto para
representar o fim, a morte, a reverência, o respeito e a tristeza. No filme
podemos pensar na ausência de cor em muitas aspectos, principalmente
na “falta de luz sobre as memórias”, onde a ausência da iluminação
memórias subtrai o efeitos das cores daquela realidade sensível. Neste
dimensão os olhos das personagens são controlados por elementos
químicos, remédios, que contribuem para que essa percepção seja
alterada já que o olho humano é composto por células que levam
impulsos elétricos para o cérebro (cones e bastonetes).
b) Controle: controle climático (exemplo da neve e da lavoura); vegetação
artificial; controle das vestimentas (na graduação acontece uma mudança
nas roupas); controle das ações que podemos constatar no modo de bater
palmas; contato físico. Sem segredo. Sem sonhos.
c) Uniformidade:
d) A precisão de linguagem: não NOMEAR.
e) Ausência de memória:
f) Ausência de dor: todos naquela sociedade tomam remédios desde sua
juventude. O remédio é injetado para supressão da dor. Supressão das
emoções, sentimentos e sofrimento. Mas a Filosofia nos ensina que viver
também é sofrer. Freud apresenta a noção de dor e coerção dizendo que
não existe cultura sem esses elementos, pois cultura é repressão; e ainda
completa dizendo que somos movidos por coisas que não controlamos.
Suas ideias vão mudar o final do século dezenove até os nossos dias. No
filme as três dimensões da dor tentam ser controladas: a dor nociceptiva
(mecânica, térmica ou física); dor neuropática (lesão ou doença no sitema
nervoso) e a dor psicológica (emocional). Por quê suprimir a dor? Como
nos lembra Umberto Eco em um texto publicado no Jornal La Repubblica,
com o título “La filosofia è la cognizione del dolore” (A filosofia é o
conhecimento da dor),

a dor certamente é um fenômeno universal, que pode ser


remetido ao outro grande tema que dominou, ao longo dos
séculos, a teologia e a filosofia, ou seja, a presença do mal
no mundo. Na Teogonia de Hesíodo, Eris, deusa da
escuridão, fomentadora de ódio e discórdia, gera Ponos (a
Fadiga), Lete (o esquecimento), Limos (a Fome) e, depois,
Batalhas, Assassinatos, Massacres, Conflitos, Mentiras,
Controvérsias, Anarquia e Desgraça e, enfim, Algea (as
dores que fazem chorar)” (ECO, 2015).

O sofrimento pela dor seria vencido por meio de seu aniquilamento o que
a sociedade do filme tenta alcançar com os remédios. No mundo
contemporâneo, em certa medida, buscamos soluções parecidas não
apenas para a dor, mas para tudo: para ter alegria, para dormir, para
acordar, para ter relacionamento sexual, para concentração, para
emagrecer, para engodar, para viver, para morrer.
Podemos refletir à sombra da personagem de Jonas, sobre o personagem
bíblico Jonas. O Jonas bíblico recebe do seu Senhor a ordem “Levanta-te! Vai a
Nínive, a grande cidade, e profere contra ela um oráculo, porque a maldade de
seus habitantes subiu até mim”. Prontamente Jonas levanta-se e coloca-se em
caminho contrário, fugindo a ordem dada sobre ele. Ele compra uma passagem
em um navio que iria em direção contrária a cidade que ele deveria ir, mas seu
Deus envia sobre o mar um vento violento que quase destrói a embarcação. Após
especulações dos marinheiros (tirar a sorte etc), Jonas é descoberto com o
causador daquele mal, assume a culpa e pede para ser jogado ao mar. Ele é
jogado ao mar e toda a tormenta se acalma. Jonas é engolido por um grande
peixe, permanece em seu interior durante três dias orando ao seu Deus que, após
esse período, vomita Jonas em terra firme. E, então, começa a missão de Jonas em
Nínive.
Percebemos com o livro de Jonas que todo aquele que precisa denunciar o
mal precisa ir contra a corrente de seus contemporâneos”. E este é o grande mal
estar do Jonas bíblico. Talvez em proporções diferentes, evidentemente, este é o
grande mal estar do Jonas do filme não querendo mais sua “tarefa”. Aceitar o
bem, o colorido, a alegria, o amor é deslumbrante, mas se confrontar com a dor, a
angústia, a tristeza, a morte é insuportável.
O sonho da “sociedade Ideal” não é novo, encontramos essa idealização no
livro “Utopia”, de Thomas Morus, onde o autor constrói uma sociedade ideal
onde existe paz, tolerância religiosa, respeito etc. Sua obra é uma crítica a
sociedade inglesa de sua época onde a justiça é cega, existe roubo, crimes,
crueldade e perseguição religiosa. O autor apresenta então Utopia (1516),
terminologicamente “u” é advérbio de negação de “topos” (lugar), ou seja,
refere-se a um lugar que não existe e este seria a sociedade perfeita, impraticável
(lugar sem advogados).
O lugar ideal e feliz nos remete também a ilha da ninfa Calipso. Luc Ferry,
em seu livro “A sabedoria dos mitos gregos: aprender a viver II”, descreve o
episodio presente na “Odisséia” de Homero. Após dez anos de intensa guerra
entre gregos e troianos, Ulisses consegue a vitória por meio do desfecho astuto
conhecido por nós como o presente de grego que teve como desfecho uma
verdade carnificina. Mas, terminada a guerra, Ulisses poderia retornar para casa,
para o LAR, e reencontrar para sua mulher Penélope e seu filho Telêmaco. Por
conta desta guerra (Éris, discórdia) Ulisses fica anos afastado de seu local
natural, o seu lugar no universo, entre os seus. Terminada a guerra seu desejo é
retornar para casa. Mas nada é tão simples (filme), sua viagem de volta demora
mais dez longos anos. No seu retorna ele tem que ficar um tempo na Ilha de
Calipso uma deusa de secundo escalão, mas encantadora, sublime e com poderes
sobrenaturais que se apaixona por Ulisses. Calipso apaixona-se perdidamente
por Ulisses e resolve manter prisioneiro o seu amante. Interessante saber que
Calipso vem do verbo calyptein que significa esconder. Tudo em sua ilha é
maravilhoso, bonito, lindo, verdejante, frutífero, o clima maravilhoso e as ninfas
servem Calipso e Ulisses. Mas ele não esquece de casa e quer voltar a qualquer
preço para Ítaca ficando todas as tardes desesperado chorando em frente ao mar.
A deusa Atena, por várias razões dentre elas por Páris não a ter escolhido, vendo
o sofrimento de Ulisses pede a Zeus que envie Hermes (mensageiro) para
obrigar a Calipso libertar o amado. Mas Calipso, antes de obedecer, tenta mais
uma vez convencer Ulisses a ficar na Ilha com ela oferecendo a “ imortalidade”
(desejo de todo mortal) e acrescenta a oferta beleza e vigor, ou seja, juventude e
imortalidade (detalhe: a Deusa Aurora implorou a Zeus que torna-se seu amado
imortal, Tithonus, mas esqueceu de pedir a juventude; seu amado tornou-se
imortal mas ficou ressequido, carcomido com o passar do tempo, parecendo uma
crosta velha, que Aurora acabou por transformar em uma cigarra). Mas Ulisses
recusa a proposta de Calipso. Oferta totalmente sedutora: vida eterna, juventude
eterna, viver num paraíso, servidão eterna, amor eterno. Mas não é apenas disso
que a existência humana necessita, “uma vida bem sucedida de mortal é muito
superior a uma vida fracassada de imortal”.
g) Identificação da cor vermelha (latim: pequeno verme; retirado de um
inseto conhecido como cochonilha responsável pelo corante carmim):
também conhecido como escarlate ou encarnado formado pelos maiores
comprimentos de onda visíveis ao olho humano. Já foi considerado a cor
da pureza. Símbolo do amor e da fidelidade. Na mitologia sua origem vem
do sangue de Adônis. Cor de Afrodite. Para os cristões o vermelho é o
sangue que espanta os demônios (Egito) e é pelo sangue de Cristo que
consideram a salvação.
h) Objeto de conforto/o poder de nomear: brinquedo, abstração. Nomear é
importante, pois quando nomeamos reconhecemos conceitualmente o
objetivo nomeado. Só nomeando temos o poder do conhecimento. Um
exemplo dentro da religião Cristã: Jesus e o nome dos demônios (Marcos,
capítulo 5:9 - E perguntou-lhe: Qual é o teu nome? E lhe respondeu, dizendo:
Legião é o meu nome, porque somos muitos.

O medo em comum: todos se unem.


Filmes: Minority report; A vila;
Livro: Mobdick

Alhures: Morte (o conceito de morte não existe). Vida. Controle. Pena de morte.
Hannah Arendt (Eichmann em Jerusalém) cobre o julmento de Eichamann e o descreve
como “alguém terrível e horrivelmente normal”.
“Não eliminados o homicídio e sim o levamos para dentro de casa”.

Anciã-Chefe: o conhecimento na velhice; hoje os detentores do conhecimento são os


jovens.

Como fazer as memórias retornarem?????

As memórias dizem respeito ao futuro. Podem tornar as coisas melhores. As


memórias lhes dão palavras. E os documentos nos dão memória.
Organização de documentos e Memória.

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