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ELA

(3 monólogos para mulheres)


Por

Nicolás Monasterio
TEXTO 1
ELA olha para o telefone com rancor. Pega o aparelho;
desiste, respira. Pega o aparelho. Disca um número. O
coração sai pela boca. Aguarda ser atendida; fala sem
respiro.
ELA
Estou te ligando para dizer que
você é um merda, Ricardo!

Ah, não me reconhece? Você sabe


muito bem quem é. Não, me escuta
você. Acabou, entende? A-ca-bou.
Cheguei no meu limite. Não, agora é
você quem vai me ouvir. Eu estou
calma! Eu estou calma!! Não. Pode
passar pra pegar as suas coisas.
Não quero nem mais um minuto a sua
roupa na minha casa, as suas fotos,
o anel de noivado
Tira o anel e joga longe
Os presentes, pode levar tudo, eu
não quero nada! Pra mim deu,
Ricardo! Não, escuta você: eu fui
no ginecologista hoje. Estou com
uma infecção. É, coisa séria! Vou
ter que fazer tratamento com
antibióticos, por culpa tua,
Ricardo! Eu nunca tinha tido uma
coisa dessas! Isso é coisa das suas
‘amiguinhas’. Você sabe que
‘amiguinhas’ eu falo! Não, não tem
nada a ver com os meus! Nenhum dos
meus amigos tem nada disso, ora,
bota essa boca pra lá antes de
falar dos meus amigos! Quando você
falou pra gente abrir a relação,
você prometeu que ia se cuidar!
Você não cumpriu sua promessa,
Ricardo! Eu sempre me cuidei. Com o
Bernardo eu me cuidei. Com o cara
da academia eu me cuidei. Com o
cara que eu conheci na locadora eu
me cuidei, aliás com os dois caras,
porque eram dois. Com o vizinho do
oitavo eu me cuidei, quer dizer, na
verdade não, porque nem precisou,
maior fiasco. Mas em resumo: eu não
sou uma qualquer, entende, Ricardo?
Exijo um pouco mais de respeito...
alô, Ricardo?
2.

Ela ouve
Ah, seu Darlei! Nossa, é que tem a
voz tão parecida! Como é que vai o
senhor? É, eu vou bem, mais ou
menos, uns probleminhas aí... o
senhor poderia me passar com o seu
filho? Não, não é nada sério, não,
uma bobagem, o plano cobre, não se
preocupe... está tudo bem, tudo sob
controle. Nossa, mas vocês têm
mesmo a voz parecida! O... Ricardo
se encontra? Não? Que horas ele
volta? Só amanhã?
Se desanima. Pensa
Não, tudo bem, eu ligo depois.
Obrigado, seu Darlei. Até mais.
Desliga. Fica sem graça. Pensa. Balança as pernas. Olha em
volta. Pega novamente o telefone. Liga.
Alô! Seu Darlei? (Ela fala baixo.)
O... senhor tem alguma coisa pra
fazer hoje à noite?
TEXTO 2
ELA entra no elevador e aperta o botão do térreo. Puta da
cara.
ELA
Só faltava essa agora. Que falta de
respeito. Não, é brincadeira, meu.
Se eu contar pra Cinthia ela não
vai acreditar. Homem é tudo igual
mesmo, só pensa naquilo. A gente se
arruma, quer ficar bonita, dar uma
boa impressão, e o cara... não, é
foda. É foda mesmo.

Tira da pasta um papel. Olha o papel com desprezo


Secretária bilíngüe... se eu
soubesse que ia me meter numa
roubada dessas... o pior é que a
empresa parece bacana mesmo, décimo
andar, na Faria Lima... quem diria
hem, que é tudo um bando de...
não, hoje em dia não dá pra
acreditar em ninguém. Foda.
Joga o papel ao chão, com desprezo. Percebe que está sendo
observada pela câmera do elevador. Se dirige a ela.
Sim, eu jogo o papel no chão, tá
olhando o quê, babaca? Não tem nada
pra fazer, meu?
3.

Insiste em apertar o botão do térreo.


Homem é tudo idiota mesmo. Só
pensam naquilo. E eu, ah eu é que
sou trouxa. Me preparo pra
entrevista, me arrumo toda, depilo
da barriga ao dedão com cera quente
que dói pra burro, boto essa sainha
ridícula, saio pra rua sem
calcinha, com perigo de pegar
friagem, e pra quê? Pode crer que o
cara não olhou nem uma vez pra
minha perna? E olha que eu cruzei,
descruzei, dei maior show e nada. O
idiota só quis saber de
qualificação, experiência,
informática, blérfs. Eu não
entendo, antes não era assim. Homem
é tudo igual, mesmo: só pensa em
grana.
(Abre-se a porta do elevador)
Da próxima eu venho cabeluda mesmo.
Sai do elevador, batendo o salto no chão de mármore.

TEXTO 3
ELA fala ao espelho. Seca.
ELA
Escuta aqui Frederico, eu vou
resumir: eu não agüento teu cheiro.
Não, pior: eu odeio teu cheiro. Teu
cheiro é uma bofetada. Sabe resto
de carne que fica preso no fio
dental? É o fedor da tua pele. Você
provavelmente já esteja acostumado,
Frederico, ou não perceba, ou não
se importe. Mas eu não agüento
mais. É como namorar uma pilha de
louça suja. Na real, fazendo as
contas, eu só gosto mesmo é do seu
apartamento. A vista da janela do
quarto é o máximo, quando você não
está nele, né. E a sua coleção de
DVDs. Mas o teu cheiro,
Frederico... ao teu lado eu me
sinto lixo orgânico.
(Ela duvida)
Não. Também não é culpa dele,
coitado. Assim eu mato ele.
Olha pro espelho.
(Sincera)
(MORE)
4.

ELA (cont’d)
Freddy, você precisa entender: a
gente é muito diferente. Se eu
ficar contigo, eu vou te fazer
sofrer. Você é legal, é divertido,
me faz rir... é o cara mais
interessante que eu conheço. Tem as
suas coisas, eu tenho as minhas,
mas não é por isso. É mais... uma
questão de pele, sabe? Não rola...
parece meio que não combina, não
bate na mesma freqüência, sabe como
é? Uma questão de química, sabe...
(Desiste)
Não. Não dá pra falar em ‘química’, ‘freqüência’... ele vai
perceber.

Pensa. Olha pro espelho.


(Emocionada)
Fefê, me perdoa. Não é você, sabe?
Sou eu. Você é a melhor coisa que
já me aconteceu. Nossa, eu tive
tanta sorte em te conhecer... tem
um monte de mulheres por aí que iam
adorar estar contigo. Eu devo estar
fazendo uma grande bobagem, mas...
eu tô precisando um tempo, sabe?
Pra ficar sozinha, pensar um pouco
em mim. Não é pra sempre, não. Um
ou dois meses, entende? Vai ser
bom. Pra poder voltar a sentir
saudade um do outro. Eu vou pensar
muito em você, amor. Lembrar da
gente... sentir o teu cheiro...
(Corta fria)
Não. ‘Sentir o teu cheiro’ também é
demais. ‘Lembrar da gente’ tá bom.
‘Eu vou pensar em você, lembrar da
gente...’ É, acho que é isso aí.

Ela recolhe suas coisas, retoca a maquiagem no espelho.


O resto eu improviso na hora.
Sai decidida

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