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A RECEPÇÃO DAS IDÉIAS DE

WILBUR SCHRAMM NO BRASIL1

José Marques de Melo


Diretor da Cátedra Unesco / Metodista de
Comunicação e Presidente da Sociedade
Brasileira de Estudos Interdisciplinares da
Comunicação – Intercom.

E-mail: marquesmelo@uol.com.br

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1 Comunicação apresentada à mesa-redonda “O pensamento de Wilbur Schramm: projeção para os estudos da


comunicação para o desenvolvimento”, durante o Seminário Schramm: os paradigmas da comunicação para o
desenvolvimento, promovido pelo Posmex – Programa de de Pós-Graduação em Extensão Rural e Desenvolvi-
mento Local da Universidade Federal Rural de Pernambuco. Recife, 21 de maio de 2007.
RESUMO
Wilbur Schramm (1907-1987) adquiriu notoriedade mundial pela atuação como consultor da
Unesco, onde formulou a estratégia de uso da comunicação de massa para o desenvolvimento
dos países estagnados do terceiro mundo. Ele adquiriu legitimidade para essa missão como
decorrência do papel decisivo que desempenhou na renovação dos estudos comunicacionais
nas universidades dos Estados Unidos da América. Para compreender o impacto das suas
idéias na sociedade brasileira, o autor percorre o seu itinerário intelectual, vislumbrando as
circunstâncias que explicam o fenômeno da “modernização sem desenvolvimento”.

PALAVRAS-CHAVE: PENSAMENTO COMUNICACIONAL; COMUNICAÇÃO PARA O DESENVOLVIMENTO; ESTA-

DOS UNIDOS; AMÉRICA LATINA; BRASIL.

ABSTRACT
Wilbur Schramm (1907-1987) has won worldwide acclaim for his work as a consultant at
UNESCO, where he conceived a strategy to build a master plan for the development of third
world countries through the use of mass media. Schramm gained legitimacy for his key role as
an agent of change in Communication studies in American Universities. In order to unders-
tand the impact of his ideas on Brazilian society, the author of this paper reviews Schramm’s
intellectual background, as an attempt to expose the roots of the so-called “modernizing
without developing” phenomenon.

KEYWORDS: COMMUNICATIONAL THINKING; COMMUNICATION TOWARDS DEVELOPMENT; UNITED STA-

TES OF AMERICA; LATIN AMERICA; BRAZIL.


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RESUMEN
Wilbur Schramm (1907-1987) logró notoriedad mundial por su labor como asesor de UNESCO,
lugar en que formuló la estrategia de uso de la comunicación masiva para el desarrollo de los
países retrasados del tercer mundo. Él conquistó legitimidad para esa tarea en función del papel
decisivo desarrollado en la renovación de los estudios comunicacionales en las universidades
de América del Norte. Para comprender el impacto de sus ideas en la sociedad brasilera, el au-
tor rehace su itinerario intelectual, observando las circunstancias que explican el fenómeno de la
“modernización sin desarrollo”.
PALABRAS CLAVES: PENSAMIENTO COMUNICACIONAL. COMUNICACIÓN PARA EL DESARROLLO. ESTADOS

UNIDOS. AMÉRICA LATINA. BRASIL.


Contexto e conjunturas massiva naqueles países vitimados pela devastação
As relações entre comunicação e desenvolvimen- bélica. Beneficiários dos financiamentos oriundos
to conquistaram legitimidade acadêmica somente dos fundos internacionais, os meios de comu-
depois da publicação do alentado ensaio de Wil- nicação impressa ou eletrônica atuaram como
bur Schramm (1964) - Mass Media and National suportes indispensáveis para motivar suas popu-
Development - como produto de uma encomenda lações à retomada do desenvolvimento econômi-
feita pela Unesco – Organização das Nações Uni- co, como a França e a Itália.
das para a Educação, a Ciência e a Cultura (Mar- Baseando-se nas experiências de restauração
ques de Melo, 2006). do desenvolvimento em nações conflagradas pela
Antes disso, Daniel Lerner (1958) suscitara guerra mundial, as lideranças da Unesco passaram
atenção para o problema ao teorizar sobre a mo- a fomentar a superação do sub-desenvolvimento
dernização de sociedades tradicionais enquanto naqueles outros países situados em continentes
processo inspirado no histórico modelo europeu. outrora vitimados pelo colonialismo, especial-
Fundamentando-se nas observações empíricas mente na Ásia, África e América Latina, cenários
feitas no Oriente Médio, em países como Turquia, históricos da pobreza endêmica.
Egito, Líbano, Síria, Jordânia e Irã, esse autor es- Essas teses desenvolvimentistas da Unesco fo-
creveu o clássico livro The Passing of Traditional ram amplamente difundidas na América Latina
Society (1958). através de traduções do antológico livro de Wilbur
Bebendo nessa fonte, Schramm esboçava suas Schramm, anteriormente referido (Marques de
teses sobre a comunicação como “motor do des- Melo, 2004, p. 20).
envolvimento nacional”, expondo-as perante o Seu efeito multiplicador projetou-se em todo o
Comitê de Política Comparada do Conselho Nor- continente, gerando o movimento intelectual lide-
te-Americano de Pesquisas em Ciências e poste- rado pelo jornalista equatoriano Jorge Fernández,
riormente divulgando-as na coletânea organizada fundador do Ciespal – Centro Internacional de Es-
14 por Lucien Pye (1963) sob o título Communicatio- tudios Superiores de Comunicación para América
ns and Political Development. Latina – locus gerador da corrente de pensamento
Elas provocaram impacto significativo na comu- comunicacional que pretendia ser um terceira via
nidade científica, sendo revisitadas na conferência entre a teoria crítica e a pesquisa aplicada (Mar-
que Daniel Lerner e o próprio Wilbur Schramm ques de Melo & Gobbi, 2002).
lideraram em Honolulu (1964). Infelizmente os episódios desencadeados pelo
Tais análises centravam o foco no papel da co- Relatório McBride, nos estertores da guerra fria,
municação para o desenvolvimento nacional, res- bloquearam as soluções enraizadas no sistema
gatando experiências de países emergentes do en- capitalista. A vanguarda comunicacional latino-
tão chamado “terceiro mundo”, como China, Índia americana orientou-se abertamente pela defesa
e Filipinas. de uma “nova ordem mundial de informação e
Entretanto, desde a conjuntura do pós-guerra comunicação”. Assim sendo, as idéias ancoradas
a Unesco, enquanto agência da Organização das no binômio comunicação-desenvolvimento (Cas-
Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cul- mir, 1991), tendo como pressuposto a economia
tura, vinha se preocupando com essa questão. de mercado e como requisito a democracia parla-
O esforço de reconstrução européia, através do mentar, ficaram de certo modo “congeladas”.
Plano Marshall, fora alicerçado em projetos de re- A inércia que avassala as instituições em crise
vitalização dos sistemas nacionais de comunicação aguçou, nessa conjuntura, o enfraquecimento da
Sem dúvida, a celebração do centenário de
Wilbur Schramm (1907-1987) representa uma oportunidade
histórica para o resgate crítico das suas utopias.

Unesco (Marques de Melo, 1998, p. 285-404). Ape- 1934 – Completou os estudos de pós-doutorado
sar disso, o novo cenário da globalização acelera- em Psicologia na Universidade de Iowa, onde foi
da (Marques de Melo, 1989) demandava o resgate contratado como Professor Assistente do Depar-
da memória desse episódio histórico, bem como tamento de Inglês, ministrando cursos para reda-
a retomada de suas idéias fundadoras (Alfonso, tores de textos ficcionais.
1996, p. 35-47). 1939-1941 – Publicou inúmeros contos em re-
Sem dúvida, a celebração do centenário de Wil- vistas de grande circulação sobre temas do ima-
bur Schramm (1907-1987) representa uma opor- ginário ianque, liderando no campus a Oficina de
tunidade histórica para o resgate crítico das suas Escritores de Iowa.
utopias. Esta comunicação pretende focalizar a 1942 – Alistando-se como voluntário no ser-
recepção das idéias desse autor paradigmático em viço militar, passou a trabalhar na Biblioteca do
nosso país. Congresso, em Washington, integrando a equipe
O contexto em que ele atuou e as conjunturas do Office of Facts and Figures (OFF), agência
em que viveu podem ser melhor compreendidos governamental de propaganda bélica. Colaborou
através de três obras de referência histórica: Czi- inicialmente na redação das “conversas ao pé do
trom (1982), Delia (1987) e Dennis & Wartella fogo” mantidas pelo Presidente Roosevelt com o
(2000). povo norte-americano através de cadeia radiofô-
nica nacional. Também participou da equipe mul-
História de vida tidisciplinar que assessorou o governo dos Estados
Wilbur Schramm teve sua trajetória devida- Unidos a adotar estratégias de comunicação bélica 15
mente reconstituída por autores como McAnany durante o período decisivo da II Guerra Mundial.
(1988), Rogers (1994), Chaffee & Rogers (1997). Ali conviveu com Harold Lasswell, Paul Lazars-
A partir dessas fontes, é possível dimensionar cro- feld, Carl Hovland, Kurt Lewin, Margaret Mead e
nologicamente seu percurso intelectual, como re- outros proeminentes cientistas sociais.
latamos a seguir: 1943 – Retornou à Universidade de Iowa, onde
1907 – Nasceu em Marietta, Ohio, mudando- foi nomeado Diretor da Escola de Jornalismo, apli-
se depois para Virgínia, West Virgínia e Kentucky, cando um plano de reforma curricular que am-
onde sempre viveu em cidades pequenas, cultivan- pliou o campo de estudos para a comunicação de
do hábitos refinados, típicos da cultura do sudeste, massa, introduzindo uma agência de pesquisa de
que se refletiam em seu comportamento gestual e mídia e criando um doutorado em comunicação.
também na sua maneira de falar. 1947 – Assumiu o cargo de Diretor do Institu-
1930 – Conquistou o título de Mestre em Litera- to de Pesquisa em Comunicação da Universidade
tura Americana na Universidade de Harvard, onde de Illinois, onde publica uma coleção de textos
estudou com o filósofo Alfred North Whitehead. básicos sobre teoria e pesquisa em comunicação,
1932 – Obteve o grau de Doutor (PhD) em In- reunindo muitos dos autores com os quais convi-
glês na Universidade Estadual de Iowa, estudando vera em Washington durante os tempos da guerra.
a poética de Henry Wadsworth Longfellow. Aproveitando a conjuntura da Guerra da Coréia,
A porta de entrada para a difusão das idéias de
Schramm na América Latina foi Quito, Equador,
onde a Unesco instalou, em 1959, o Ciespal

direcionada os pesquisadores da sua equipe para o A porta de entrada para a difusão das idéias de
desenvolvimento de estudos sobre Comnunicação Schramm na América Latina foi Quito, Equador,
Internacional que serviram para balizar as estra- onde a Unesco instalou, em 1959, o Ciespal – Cen-
tégias do governo dos Estados Unidos no período tro Internacional de Estúdios Superiores de Perio-
da Guerra Fria. dismo para América Latina.
1955 – Transferiu-se para a Universidade de Através dos cursos de pós-graduação, ali pro-
Stanford, onde assume a direção do Instituto de movidos anualmente, desde o início dos anos 60,
Pesquisa em Comunicação, lastreado por verbas suas idéias e suas obras circularam profusamente
provenientes da Fundação Ford e da Usaid – Uni- junto à nova geração de professores de jornalismo.
ted States Agency for International Development. A tradução de duas antologias por ele organizadas
Forma ali uma plêiade de jovens doutores em co- - Proceso y Efectos de la Comunicaciíon Colectiva
municação que assumiriam a liderança dos princi- (1964) e La Ciência de la Comunicación Humana
pais institutos de pesquisa do país e seriam alçados (1965) - alavancou a difusão do pensamento des-
ao topo da comunidade acadêmica da área. envolvimentista centrado no potencial educativo
1973 – Aposentou-se na Universidade de Stan- dos meios de comunicação.
ford e aceita o convite da Universidade do Hawaii Os primeiros jornalistas brasileiros que partici-
para dirigir o Instituto de Comunicação do Cen- param dos cursos pioneiros do Ciespal – Danton
tro de Estudos Leste-Oeste. Jobim e Luiz Beltrão, na condição de professo-
1987 – Faleceu em Honolulu aos 80 anos de res; Ana Arruda Callado, Sanelva de Vasconcelos,
16 idade. Arael da Costa Menezes, Zita de Andrade Lima,
1997 – O livro póstumo The Beginnings of Com- na condição de alunos – tomaram conhecimento
munication Study in América – a personal memoir das suas teses, seja pela leitura dos textos de sua
(Sage) é publicado pelos discípulos Steven Chaffee autoria, seja pela freqüência aos seminários mi-
e Everett Rogers, que proclamam sua condição de nistrados por seus discípulos, como Paul Deuts-
“pai fundador” dos estudos comunicacionais nos chman, Wayne Danielson, Malcolm McLean, John
Estados Unidos. Mc Nelly.
Concomitantemente, suas obras são traduzidas
Itinerário de Schramm no Brasil para o português e editadas no Brasil. Em nov-
O impacto de idéias de Wilbur Schramm apa- embro de 1964 circula a antologia Panorama da
rentemente foi pouco expressivo na América La- Comunicação Coletiva (Rio de Janeiro: Fundo de
tina, se tomarmos como referência o fato de que Cultura), cujo capítulo inicial é o ensaio “Pesquisa
apenas dois autores dedicaram atenção ao seu sobre comunicação nos Estados Unidos”, onde ele
protagonismo acadêmico: Toussaint (1975) e Ote- explicita o seguinte postulado: “Quando um país
ro (1997). resolve industrializar-se, aumenta suas comuni-
Mas, quando examinamos de forma abrangente cações para informar o povo e motivá-lo” (Schra-
a dinâmica do pensamento comunicacional na re- mm, 1964, p.18).
gião, a percepção é completamente distinta. Enquanto nas emergentes faculdades de comu-
nicação o interesse acadêmico voltava-se para os Ele constrói a seguinte argumentação: “A evo-
seus estudos processuais, principalmente a famosa lução nas comunicações é provocada pela evo-
“tuba de Schramm”, que aplica o modelo infor- lução econômica, social e política que é parte do
macional de Shannon ao campo da comunicação crescimento nacional. De outro ponto de vista,
humana, nos círculos governamentais o interesse ela está entre as principais causas e agentes dessa
político focalizava o papel da comunicação coleti- evolução” (Schramm, 1967, p. 20).
va na aceleração do desenvolvimento econômico. E mais adiante ganharia espaço no debate públi-
A fonte alimentadora dessa corrente difusionista co nacional uma função comunicacional menos
foi o livro publicado em 1964 pela Unesco – Comu- estruturante (economicista) e mais relativizante
nicação de Massa e Desenvolvimento -, cuja edição (comportamentalista), ou seja, o papel dos meios
brasileira circulou em 1970, através das Edições de difusão coletiva na mudança de atitudes da so-
Bloch, traduzido por Muniz Sodré e Robert Lent ciedade. Publicados no livro Comunicação e Mu-
e prefaciado por Alberto Dines. dança nos países em desenvolvimento” (editado por
A assimilação precoce das teses desenvolvimen- Wilbur Schramm e Daniel Lerner, São Paulo: Mel-
tistas de Schramm pela elite dirigente do Brasil horamentos, 1973), seus ensaios “Comunicação e
encontra-se documentada enfaticamente no pre- mudança” e “Como os sistemas dos meios de co-
fácio de Alberto Dines: “Este livro, apesar de so- municação de massa se desenvolvem” suscitam a
mente agora estar traduzido para o português, já atenção dos cientistas sociais, principalmente da-
tem uma pequena história na vida brasileira. A queles engajados em projetos de desenvolvimento
primeira pessoa que nele falou foi o Ministro Ro- comunitário.
berto Campos, em 1964. Logo, as suas conclusões Autor representativo da corrente hegemônica
foram traduzidas e publicadas no primeiro nú- do pensamento comunicacional, naquela conjun-
mero dos Cadernos de Jornalismo e Comunicação tura, Wilbur Schramm passou a ser referenciado
editados pelo Jornal do Brasil. Requisitada por pelos pensadores brasileiros da área. Vejamos al-
ministros, governadores, secretários de Estado guns exemplos: 17
e simples administradores, a publicação rapida- Eduardo Diatay Bezerra de Menezes, em seu
mente se esgotou, fazendo com que estas con- texto didático “Fundamentos Sociológicos da Co-
clusões fossem reimpressas na mesma publicação, municação”, capítulo da coletânea organizada por
dois anos depois. Agora, Edições Bloch publicam Adisia Sá – Fundamentos Científicos da Comuni-
não apenas as sugestões pragmáticas e objetivas, cação (Petrópolis: Vozes, 1973) – apresenta o mo-
dignas de um estadista, mas as considerações teó- delo de Schramm como “excelente contribuição”
ricas que as geraram, na certeza de que este venha ao entendimento do processo comunicacional,
a ser um livro de cabeceira e de mesa dos homens assim justificando: “o modelo que ele propõe
públicos” (p.20). constitui uma das melhores análises do proces-
Antes disso, uma síntese da sua concepção sobre so de comunicação; possui a vantagem de aliar à
a dinâmica comunicacional, como sujeito e obje- simplicidade o relevo atribuído a certos elementos
to dos processos de desenvolvimento, conquista- de processo geralmente esquecidos ou omitidos
ra espaço na agenda cultural brasileira, através do noutros modelos, como é o caso, por exemplo, de
ensaio “O desenvolvimento das comunicações e contexto ou sistema sociocultural (que ele chama
o processo de desenvolvimento”, incluído na co- de “campo de experiência”) em que o fenômeno
letânea de Lucien Pye – Comunicações e Desen- se dá” (p. 167)
volvimento Político (Rio de Janeiro: Zahar, 1967). Por sua vez, Marcello Casado d`Azevedo, no
manual Teoria da Informação (Petrópolis: Vozes, vimento (Petrópolis: Vozes, 1971), valendo-me do
1971), utiliza a tuba de Schramm para explicar conceito de “redes de comunicação” para discutir
o conceito de “repertório”, ou seja, o conjunto de o estágio de superação do subdesenvolvimento no
símbolos conhecidos ou assimilados pelo receptor. caso latino-americano. Questionava, ali, a valida-
“Sua importância na comunicação pode ser vista de do modelo que a Unesco, baseada nas idéias de
no esquema do processo de comunicação elabo- Schramm, propusera aos países do terceiro mundo
rado por Schramm, onde, focalizando a comuni- para alcançar os patamares das sociedades desen-
cação interpessoal, ele salienta a necessidade de volvidas. Meu argumento era o de que a América
campos comuns de experiência para que o processo Latina preenchia as condições mínimas, no tocan-
se estabeleça” (p. 89). te à disponibilidade das “redes de comunicação”,
Também Luiz Beltrão a ele recorre para ilustrar mas o continente submergia nas brumas da misé-
o conceito de “temporalidade” nos efeitos da co- ria, da pobreza e da ignorância.
municação, em seu tratado Fundamentos Cientí- Voltei novamente a Wilbur Schramm em min-
ficos da Comunicação (Brasília: Thesaurus, 1973). ha tese de doutoramento (1973), quando estudei
“Esse período de tempo é o que Schramm deno- o papel revolucionário da imprensa na sociedade
mina resposta mediatória, explicando-a pelo fato ocidental. Dele me vali para fortalecer o argu-
de que as mensagens nos chegam sob a forma de mento, sugerido por McLuhan em sua Galáxia
símbolos”. (p. 144) de Gutenberg, de que o livro impresso estimulou
Lido, citado e comentado, suas idéias logo se o desenvolvimento do “espírito de crítica” que
difundiram pelo território nacional, episódio que respaldou o triunfo da ciência, conduzindo à re-
desafia hoje os historiadores do nosso campo aca- volução tecnológica. Serviu-me, nessa argumen-
dêmico a inventariá-lo criticamente. tação, sua tese de que “sem a imprensa é possível
que tivéssemos tido o Iluminismo, mas é muito
Dialogando com Wilbur Schramm para duvidar que ocorressem um dia a Revolução
18 Como contribuição a esse percurso pelas sendas Francesa ou a Revolução Norte-Americana” (Mar-
da memória coletiva, anoto alguns elementos que ques de Melo, 2003, p. 54-55).
podem servir para motivar os jovens pesquisado- Incursões mais profundas pelo legado de Schra-
res no resgate sistemático da trajetória daqueles mm eu as fiz durante o estágio de pós-doutorado
nossos intelectuais orgânicos. na Universidade de Wisconsin (1973-1974), quan-
Minha primeira aproximação ao universo cog- do empreendi uma jornada de aproximação ao
nitivo edificado por Schramm deu-se em 1965, acervo comunicacional do meio-oeste norte-ame-
quando freqüentei o curso de pós-graduação do ricano, onde o renomado cientista vivenciou sua
Ciespal, em Quito. Além de haver lido seus textos transição da literatura ao jornalismo, galgando o
principais, na disciplina “Processo da Comuni- território mais amplo da comunicação. Encontrei
cação”, ministrada por Bruce Westley, tive a chance vestígios do trabalho seminal de Wilbur Schramm
de ser aluno de dois dos seus discípulos prediletos na University of Illinois, onde ele criou um Insti-
da Universidade de Stanford: Wayne Danielson e tuto de Pesquisa em Comunicação, que o alçaria
Malcom MacLean, com quem aprendi metodolo- para ocupar em Washington a função de gestor do
gia da pesquisa em comunicação. programa integrado de pesquisa em comunicação
Recorri a sua literatura ao escrever o ensaio “Co- patrocinado pelo Congresso dos Estados Unidos
municação, Desenvolvimento, Informação Rural”, para subsidiar a ação bélica daquela potência
incluído no livro Comunicação, Opinião, Desenvol- emergente durante a II Guerra Mundial.
Autor representativo da corrente hegemônica do pensamento
comunicacional, naquela conjuntura, Wilbur Schramm passou a
ser referenciado pelos pensadores brasileiros da área.

O conhecimento holístico adquirido nessa pere- envolvimento. Talvez novos estágios de transfor-
grinação pelas bibliotecas do Mucia – Consórcio mações sócio-econômicas possam assegurar aos
das Universidades do Meio-Oeste (Illinois, Urba- mass media papel mais saliente no estímulo à par-
na-Chanpaign, Wisconsin, Michigan State, Mi- ticipação (política e comunicacional) dos indiví-
nessota), permitiu compreender a penetração do duos no processo de modernização em curso, bem
ideário shrammiano no contingente de pesquisa- como nos seus benefícios sociais (participação
dores brasileiros acantonado nos Estados Unidos. econômica e psicológica). Todavia, as experiên-
Produto dessa observação é o livro Comunicação, cias históricas têm demonstrado que essa função
Modernização e Difusão de Inovações no Brasil (Pe- os mass media só desempenham quando especial-
trpopolis: Vozes, 1976), enfeixando artigos escritos mente acionados para tal e não por si mesmos...”
por brasileiros e brazilianistas, onde os postulados (p. 35).
de Schramm e seus discípulos (Berlo, Rogers, Ku- Foi justamente nessa primeira vivência nos cam-
mata) transparecem com nitidez. pi norte-americanos que vislumbrei a outra faceta
Naquela conjuntura, marcada pelo insuces- de Wilbur Schramm: a de historiador das ciências
so das políticas desenvolvimentistas, o próprio da comunicação.
Schramm e sua equipe já faziam solene auto-crí- Recorri aos seus artigos sobre a evolução dos
tica. As estratégias aplicadas no terceiro mundo, estudos de jornalismo nos Estados Unidos, escri-
particularmente na América Latina, conduziram tos no período compreendido entre 1935 e 1955,
ao desenvolvimento exponencial das “redes de quando Schramm militou nas escolas de jornalis-
comunicação”, sem que estas alavancassem o des- mo de Iowa e Illinois. Em 1947, ele concitava a co- 19
envolvimento econômico-social. Endossando a munidade acadêmica norte-americana a renovar a
seqüência inevitável entre a “revolução das expec- educação dos jornalistas, sugerindo três providên-
tativas crescentes” e a “revolução das frustrações cias simultâneas: a) ampliar o universo cognitivo
crescentes”, seus autores reconheciam que, nas so- das escolas de jornalismo para transformá-las em
ciedades cujas elites obstaculizavam a distribuição escolas de comunicação; b) promover os estudos
de renda, e consequentemente a melhoria das de jornalismo do nível de graduação para pós-gra-
condições de vida das maiorias empobrecidas, não duação, no sentido de incluir os diplomados em
havia mudança social. outras áreas do conhecimento, formando jornalis-
Esse processo de “modernização sem desenvol- tas especializados; c) retirar os estudos do jornalis-
vimento” está documentado no meu livro Subdes- mo do campo das letras e artes para inserí-los no
envolvimento Urbanização e Comunicação (Petró- mundo das ciências sociais.
polis: Vozes, 1976). Tais propostas constam do ensaio que publiquei
Depois de revisar a argumentação empregada na Revista da Abepec (vol.1, n. 2, 1975), sob o título
por Wilbur Schramm e endossada pela Unesco, “Pós-graduação nos Estados Unidos: experiências
concluo enfaticamente: “...tanto o Brasil como os aplicáveis às escolas de jornalismo e de comuni-
seus mass media ainda estão em processo de des- cação da América Latina” (p. 11-36).
Foi justamente nessa primeira vivência nos campi
norte-americanos que vislumbrei a outra faceta de Wilbur Schramm:
a de historiador das ciências da comunicação.

Continuei a acompanhar os escritos de Schra- contato com sua plataforma de resgate do pen-
mm sobre o desenvolvimento da pesquisa em samento comunicacional, sem dúvida muito útil
comunicação, destacando particularmente seu para consolidar o projeto de reconstituição da
artigo para o Journal of Communication (1983). memória das ciências da comunicação na Améri-
Nessa edição especial denominada “Ferment in ca Latina.
the field”, ele defende a tese de que a disciplina Co- Tanto assim que um dos seus principais herdeiros
municação tende a se transformar no pólo de um intelectuais, Steven Schaffe, co-autor, juntamente
campo multidisciplinar compreendendo uma vas- com Everett Rogers, do acervo memorialístico que
ta Ciência do Homem, justamente para dar conta ele deixou inconcluso, assinalou, generosamente,
do complexo mundo vislumbrado pela emergente na dedicatória do volume antes referido: “Prof.
Sociedade da Informação. Marques de Melo perhaps will wrote the History
De certo modo, essa perspectiva foi adotada for Souh América that Professor Schramm wrote
na International Encyclopedia of Communications for North América” (Stanford Univerity, Februa-
(4 volumes), por ele inspirada, a pedido de seus ry, 19, 1998). Duvido que tenha competência para
editores Erick Barnouw e George Gerbner (New tamanha empreitada, mas confesso que tenho
York: Oxford University Press, 1989). procurado estimular vários pesquisadores da nova
A publicação do livro póstumo The Beginnings geração a trilhar pela rota vislumbrada pelo ilustre
of Communication Study in América: a personal cientista norte-americano, cuja memória reveren-
memoir (London: Sage, 1997) me fez retomar o ciamos neste evento.
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