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Pessoas executadas pela Polícia Militar que portam réplicas de armamentos, os chama- aceitável, como também há vidas que valem menos do que outras. Em tempos sombrios
dos simulacros. Espaços escondidos no interior das prisões, atrás de placas de aço ou – de dissolução de direitos adquiridos, de propostas autoritárias para a resolução de con-
paredes duplicadas, evidenciando que o segredo é uma das formas estratégicas do poder flitos sociais, de utilização das Forças Armadas para os mais diversos fins –, o presente
político. Corpos desaparecidos, que envolvem ações das forças policiais, as quais mobili- dossiê visa lançar um pouco de luz acerca do horror, do segredo e do abominável que
zam técnicas de fazer sumir, parte integrante de uma ampla maquinaria de produção de marcam as dinâmicas de funcionamento de distintos aparelhos estatais.
morte. Sujeitos que, ao mobilizarem a greve de fome como estratégia política na luta por
direitos, evidenciam que, nos tempos atuais, a defesa da morte não só é publicamente Organização: Fábio Mallart e Luís Brasilino.
Bajo las matas passou a ocupar grande espaço nos se depararam com uma viatura da po- vítimas foram confundidos com “car-
En los pajonales jornais”. Em seguida, defendeu que, lícia. Os policiais dispararam 111 tiros ros de bandidos”. Afinal, é assim que
Sobre los puentes “enquanto o Estado não tiver coragem e mataram os cinco jovens dentro do se lida com “bandidos”, com oitenta ou
En los canales de adotar a pena de morte, o crime de carro. Coincidentemente, 111 é o nú- 111 tiros. Ou mirando e atirando na
Hay Cadáveres extermínio, no meu entender, será mero de presos mortos no massacre cabecinha, como propôs o governador
Néstor Perlongher muito bem-vindo. Se não houver es- do Carandiru. do Rio de Janeiro, Wilson Witzel. E, se
paço para ele na Bahia, pode ir para o No dia 7 de abril de 2019, outra do- não eram bandidos, poderiam ser, afi-
Rio de Janeiro. Se depender de mim, se de terror de Estado veio com a notí- nal são pretos, pobres, moradores de
o Brasil atual, dos tempos de terão todo o meu apoio”. cia de que o carro de uma família ne- favelas. Estariam, portanto, segundo
dores de como o trabalho de “fazer de- núncia seja levada adiante, mas isso não Roque de Melo, Ewerton Marinho e Ri- portão e levou um susto ao se deparar
saparecer” funcionava. A certeza da significa que essa tecnologia de poder ta de Cássia desapareceram após uma com uma ossada espalhada diante de
impunidade, garantida pela Lei de não esteja em vigor. “Fazer sumir” se- abordagem policial quando voltavam sua casa. Deu um grito, fechou o por-
Anistia, permitiu que agentes da re- gue sendo uma realidade nas quebra- de um pagode no bairro Grande Vitó- tão e ligou para os vizinhos para pedir
pressão se sentissem à vontade para das e periferias da cidade e do campo, ria, zona leste de Manaus. No estado que alguém olhasse de suas janelas pa-
relatar com uma sinceridade obscena bem como no interior de instituições de Goiás, uma CPI chegou a ser insta- ra o portão de sua casa. Os vizinhos
os horrores que cometeram. Um des- estatais como os presídios. Alguns pou- lada para investigar o desaparecimen- olharam e disseram a ela que havia
ses agentes é Cláudio Guerra, ex-dele- cos casos de desaparecimento forçado to de 41 pessoas após abordagens poli- uma ossada ali, mas nenhuma pessoa
gado da Polícia Civil e agora pastor. No pós-ditadura se tornaram emblemáti- ciais, e um relatório do Mecanismo por perto. Maria interrompeu a con-
filme Pastor Cláudio, ele dá detalhes de cos, outras centenas permanecem invi- Nacional de Prevenção e Combate à versa comigo para pegar uma foto e
sua atuação. Com uma Bíblia na mão, síveis e desconhecidas. Um dos casos Tortura ressalta a possibilidade de 79 me mostrar a ossada, sobre um saco
ele conta que foi convidado a compor a que teve grande repercussão, inclusive pessoas terem sido vítimas de desapa- preto, que havia sido colocada em sua
Operação Radar, que executou deze- internacional, foi o Caso Acari, quando recimento forçado após as rebeliões porta. Junto com a ossada havia um
nove militantes do Partido Comunista onze jovens moradores da favela de que ocorreram em 2017 nos presídios bilhete de milicianos informando que
Brasileiro. Inicialmente sua missão era Acari foram sequestrados por um grupo de Roraima e Rio Grande do Norte. já haviam matado algumas pessoas
matar pessoas envolvidas na militân- de extermínio denominado Cavalos Segundo revelou o Anuário Brasi- na região e que agora eram eles que
cia contra o regime militar. Depois, sua Corredores, formado por policiais mili- leiro de Segurança Pública de 2018, o mandavam ali. A motivação que Ma-
função passou a ser a de queimar cor- tares integrantes do 9º Batalhão de Ro- Brasil encerrou 2017 tendo 82.684 bo- ria encontra para explicar a morte do
pos de pessoas torturadas e mortas. cha Miranda. Os jovens viajaram para letins de ocorrência registrando o de- filho seria o interesse de milicianos
Para isso, levava os corpos a uma usina um sítio em Magé para fugir de uma ex- saparecimento de pessoas. As causas por um pedaço de terra que ele pos-
de cana-de-açúcar localizada em torsão dos policiais, mas foram captu- e circunstâncias dos desaparecimen- suía. Com uma ossada nas mãos, Ma-
Campos, onde os corpos eram incine- rados e seus corpos jamais apareceram. tos são diversas, mas há motivos sufi- ria teria agora de fazer o exame de
rados. Segundo seu próprio depoimen- As versões que circularam sobre o caso cientes, como os já assinalados ante- DNA para identificar se os restos mor-
to, ele foi responsável por incinerar os indicavam que os corpos dos jovens te- riormente, para considerar que é tais eram mesmo de seu filho. O resul-
corpos de João Batista Rita, Joaquim riam sido oferecidos a leões e porcos. O possível e provável que uma parte tado do exame deu positivo. Quando
Pires Cerveira, Ana Rosa Kucinski, Da- caso chegou ao conhecimento público considerável desses registros corres- finalmente conseguiu o atestado de
vi Capistrano, João Massena, Fernan- graças à incansável luta das Mães de ponda a casos de desaparecimento óbito para levar ao IML, foi informada
do Augusto Santa Cruz, Eduardo Col- Acari, como ficaram conhecidas as forçado, como o que relatarei a seguir. de que seu filho tinha sido enterrado
lier Filho, José Roman, Luiz Ignácio mães dos jovens desaparecidos. Tomei conhecimento deste caso pes- como indigente porque havia muitos
Maranhão, Armando Teixeira Frutuo- Em 2008, a engenheira Patrícia quisando os registros de ocorrência cadáveres e pouco espaço no IML. So-
so e Thomaz Antônio Meirelles. Em sua Amieiro desapareceu após seu carro de pessoas desaparecidas no Rio de mente após um ano do exame de DNA,
fala, ele não expõe nenhum sentimen- ser baleado por policiais e jogado no Janeiro e tive a oportunidade de en- Maria conseguiu identificar o túmulo
to de culpa, porque estava apenas Canal de Marapendi. Seu corpo jamais trevistar a mãe do jovem em questão. onde seu filho fora enterrado como in-
cumprindo ordens. Conta também foi encontrado. No dia 14 de julho de Maria, nome fictício, mora em digente. A identificação aconteceu no
que ganhou muito dinheiro dos em- 2013, o pedreiro Amarildo, morador da Campo Grande, zona oeste do Rio de dia em que ele faria aniversário.
presários que patrocinaram as ações e Rocinha, desapareceu após uma abor- Janeiro, área com forte atuação de mi- Como no poema de Néstor Per-
que, mesmo após o fim do regime, os dagem de policiais lotados na Unidade lícias. Seu filho tinha 28 anos quando, longher, citado na epígrafe e que se re-
agentes envolvidos na repressão conti- de Polícia Pacificadora da Rocinha. Em num dia de abril de 2010, saiu para tra- fere aos cadáveres desaparecidos du-
nuaram a fazer o que faziam – torturar Queimados, Baixada Fluminense, Fá- balhar e não mais retornou. Na delega- rante a ditadura argentina, por aqui
e fazer desaparecer pessoas –, agora bio, filho de Izildete, e seu amigo Ro- cia, ela foi orientada a ir primeiro ao lo- também há cadáveres por toda parte.
prestando serviço para bicheiros e em- drigo desapareceram após uma “dura” cal de trabalho do filho para averiguar As cidades têm se tornado um imenso
presários. Por que há tantos desapare- da polícia e jamais foram encontrados. se conseguia alguma informação. Não necrotério.
cidos hoje? Ele se pergunta e ele mes- Essa, porém, não é uma realidade obtendo êxito, fez o registro de ocor-
mo responde: porque a técnica do apenas do Rio de Janeiro. Na Bahia, rência de desaparecimento e as buscas *Fábio Araújo é sociólogo e professor do
desaparecimento inventada para su- Rute Fiuza vem denunciando o desa- continuaram em lixeiras, lugares de Instituto Federal do Rio de Janeiro (IFRJ).
mir com os corpos dos presos políticos parecimento do filho, Davi Fiuza, que desova, valões de esgoto, rios. A cada
continua a ser empregada contra os saiu para comprar pão, foi abordado indício ou vestígio que pudesse indicar 1 Marcelo Semer, “A morte como política”, Revista
novos inimigos, produzidos agora pela numa operação da Polícia Militar e a localização de seu filho, lá estava Ma- Cult, 18 mar. 2019.
ideologia da segurança pública. nunca mais apareceu. Dezessete poli- ria. Certo dia, de madrugada, alguém 2 Adriana Vianna, “Políticas da morte e seus fantas-
mas”, Le Monde Diplomatique Brasil, mar. 2019.
O medo de morrer é um obstáculo ciais foram indiciados no inquérito da bateu com força em seu portão e ela 3 Achille Mbembe, Políticas da inimizade, Antígona
difícil de ser superado para que a de- Polícia Civil. Em Manaus, Alex Júlio acordou assustada. Ela correu, abriu o Editores Refractários, Lisboa, 2017.