MILA CRIS
Copyright © 2017 Mila Cris
Todos os direitos reservados.
Criado no Brasil.
É com muita alegria que publico essa obra. Era Pra Ser foi meu primeiro livro
e tenho um imenso carinho por ele.
Quero agradecer tantas pessoas que tenho medo de começar a citar nomes e
acabar me esquecendo de alguém. Mas, obrigada a você que me acompanha
desde esse primeiro livro. Quando comecei a postar no Wattpad não achei que
três anos depois, eu teria escrito seis obras. Obrigada por ter alcançado mais
de um milhão de visualização na época. Todo o carinho recebido foi motivador
para as obras que tive coragem de criar após EPS.
Quem me ajudou lendo criticamente também receba minha gratidão: Kalline,
Ingrid, Nathália, Marina, Mel, Carol, Mayse e Juliana Maria. Cada comentário
e critica de vocês foram essenciais para o aprimoramento desse livro. Amo
vocês.
E obrigada, marido, por cuidar dos pequenos quando eu precisava estar
escrevendo. Seu apoio enquanto eu corro atrás de um sonho é fundamental.
Amo você, mais do que palavras poderiam dizer.
ÍNDICE
CAPÍTULO 1
CAPÍTULO 2
CAPÍTULO 3
CAPÍTULO 4
CAPÍTULO 5
CAPÍTULO 6
CAPÍTULO 7
CAPÍTULO 8
CAPÍTULO 9
CAPÍTULO 10
CAPÍTULO 11
CAPÍTULO 12
CAPÍTULO 13
CAPÍTULO 14
CAPÍTULO 15
CAPÍTULO 16
CAPÍTULO 17
CAPÍTULO 18
CAPÍTULO 19
CAPÍTULO 20
CAPÍTULO 21
CAPÍTULO 22
CAPÍTULO 23
CAPÍTULO 24
CAPÍTULO 25
CAPÍTULO 1
CRISTINE
Mais uma semana acabando. Final de semana aí e
eu, novamente, sem nada pra fazer. Não por falta de
opção, mas por falta de querer mesmo.
Em meus 26 anos, não posso ser considerada uma
jovem comum. Afinal, eu não sou do tipo baladeira, não
gosto de curtir a night como dizem.
Eu gosto da minha vida caseira. Ficar quietinha
com meus livros, seriados e filmes, e claro, um pouquinho
de chocolate é sempre bem-vindo.
Calma aí, não sou nenhuma careta também. Às
vezes, bem às vezes, eu saio com algumas amigas para
tomar um drinque ou comer fora. Mas sem grandes
emoções. Não gosto de grandes emoções, essas são
geralmente incontroláveis. E na minha vida só o que posso
controlar. Preciso disso.
Falando em amigas...
— Cris, cheguei... está aí? — Ouço o barulho da
porta da frente sendo fechada.
Beatriz é minha melhor amiga. E, ao contrário de
mim, é a badalação em pessoa. Gosta de sair, beber e,
como ela mesma diz, pegar uns gatos.
— Oi Bia, estou no quarto. Já vou.
Quando chego à sala, minha espalhafatosa amiga
se encontra aproveitando do meu sofá. Qualquer hora do
dia ou da noite tem um sorriso no rosto que ilumina quem
estiver por perto.
— Oi Beatriz. Sinta-se em casa. Entre e se
esparrame em meu sofá — falo ironicamente, provocando-
a um pouquinho.
Sento-me na poltrona de frente para ela.
— Larga de ser chata, pessoa. Por que me deu
uma cópia da chave do seu apartamento? Pra entrar direto,
é lógico.
— Correção: te dei uma cópia da chave para SE,
por acaso, tivermos uma emergência. Está em uma
emergência agora, amiga?
— Você está precisando de um pouco de amor
nesse seu coração. — Desdenha. — E, sim, estou em uma
emergência. Preciso da minha amiga para me fazer
companhia em uma festa de abalar — diz, toda empolgada.
— Aí você aproveita pra sair da seca e ver se fica mais
amorosa.
— Bia, sabe que não gosto de sair como você.
Chama uma das outras meninas pra te acompanhar. E eu
não estou na seca.
— Não? E quando foi a última vez que saiu com
alguém? — indagou, sem dar moral para minha recusa. —
Nada disso, Cris. Estou cansada de ver você nessa
solidão sem fim. Você está precisando de alguém para
balançar seu mundo.
Oh céus, ela não ia me deixar em paz.
— Bia, eu não preciso de ninguém assim, não.
Você já balança meu mundo o suficiente!
— Eu sei que abalo as estruturas. Mas a estrutura
que estou falando eu não posso te ajudar, pois não tenho o
que é necessário, se é que me entende... — disse e piscou,
exageradamente.
— Chega! Já estamos entrando numa zona
desconfortável.
Quando o botão boca suja dela é acionado
ninguém mais consegue desligar. Eu é que não quero ficar
ouvindo sobre suas sacanagens.
Bia se levanta e dá de ombros.
— Bom, tenho que correr pra casa. Só passei
para dar um beijo na minha chatinha. Mas, por favor,
pensa com carinho. Eu vou passar aqui amanhã às oito
horas pra te pegar. Cristine, você precisa viver, amiga.
Vamos com calma. Vem comigo, beba um pouco, se
divirta... nem precisa arrumar homem. Só não quero te ver
sozinha mais um fim de semana, perdendo as
oportunidades de ser feliz.
Sei que ela fala isso para meu bem e que se
preocupa comigo. E, por mais que eu reclame, ela está
certa. A monotonia em minha vida está me sufocando. Não
quero mudar drasticamente, mas um pouco de diversão
não pode fazer mal, certo?
— Okay, Bia. Vou com você na festa. Mas...
— Lá vem você com esse "mas"!
— Mas, não vamos ficar até tarde. Não vou
beber até cair como você gostaria. E nada de homem!
— Ok. Não farei nada que você não queira. —
Beatriz ri da minha careta e joga um beijo em minha
direção, indo até a porta.
— Por que será que eu senti segundas intenções
com você falando isso?
Ainda consigo ouvir sua risadinha antes da porta
da frente bater. Essa menina...
HENRY
Mais um dia cheio de irritação no escritório.
Amo meu trabalho. A empresa que herdei do meu pai,
sempre foi o maior prazer da vida dele, e agora é o meu.
Mas tem dia que é tanto problema, um atrás do outro, que
me deixa sem paciência.
Eu tinha vinte e sete anos quando meu pai sofreu
um infarto. Foi inesperado e nos devastou. E, mesmo eu
tendo um diploma em administração de empresas, e já
trabalhar na empresa ajudando meu pai, admito que sofri
para me acostumar com o cargo de presidente. É difícil
não ter meu pai para dizer o que fazer.
Eram muitas responsabilidades para um jovem
“inexperiente”, e ainda por cima de luto. Demorei para
conseguir afastar a dor de perdê-lo e colocar meus
pensamentos e emoções em ordem.
Enfim, depois de alguns tropeços, consegui achar
meu lugar. Percebi rapidamente que eu não conseguiria
fazer as coisas do jeito do meu pai, mas desenvolvi meu
próprio meio de comandar. E me esforço muito para
manter tudo sob controle. O meu controle.
Esfrego uma mão em meu rosto e olho a montanha
de papéis em minha mesa. Minha cabeça doía. Precisava
de uma boa noite de sono.
— Sr. Henry, ligação do Sr. Carter na linha
dois. — A voz da minha assistente no interfone quebra o
silêncio. — Posso transferir?
— Pode sim, Flávia. E já está liberada para ir.
— Obrigada, senhor. Boa noite!
Pedro Carter é um dos sócios aqui na empresa. E
também um bom amigo. Sempre posso contar com ele.
Não que eu vá admitir. Meu pai nunca deu intimidade para
os funcionários, mesmo sendo amigo de muitos. Ele dizia
que o medo era um bom motivador, e as amizades traziam
uma liberdade indesejável nesse meio.
Eu não segui fielmente as ideias dele. Entretanto,
tentava me manter discreto e afastado dos outros.
Pedro, porém, era a exceção. Ele não temia o
chefe Henry Banks. Abusado e insolente seriam palavras
que meu pai usaria para descrevê-lo. E até podiam ser
verdadeiras, mas Pedro era abusado, insolente e muito
competente. Isso eu não podia negar.
— E aí, Banks! — A voz do Pedro soou animada.
— Vamos sair amanhã? Tem a festa de aniversário do
Rogério e estou pensando em ir. Topa?
— Pedro, não sei. — Afrouxei um pouco minha
gravata e dei uma conferida no relógio. — Temos muita
coisa no escritório para lidar. Além disso, mal conheço o
Rogério. E sabe que não programo minhas saídas em cima
da hora desse jeito.
— Ah, qual é? É só uma festa. Deixa de
frescura.
— Não abusa da minha paciência, Pedro. Olha o
jeito que fala comigo. Pelo que me lembre, ainda sou eu
que pago seu contracheque.
— Desculpa aí, Sr. Henry Banks — diz com um
falso arrependimento e um baita sarcasmo em sua voz. —
Só quis ser amigável te convidando, senhor.
Dou um longo e exasperado suspiro.
— Está bem, Pedro, vamos sair amanhã.
— Beleza. Depois mando o endereço por
mensagem.
— Vou aguardar, mas não ficarei muito tempo na
festa.
Durante o processo de me acostumar com tantas
responsabilidades, criei regras para minha sobrevivência
– e sanidade. Nada muito exagerado. Sou um cara e
também gosto de me divertir. Mas, tudo com moderação e
controle.
Saio aos finais de semana e me divirto como
todos os outros. Contudo, não vou a qualquer lugar. E
sempre saio acompanhado. Não sou um mulherengo de
carteirinha, mas também não sou santo. E dificilmente
repito a mesma garota. Só se a transa for muito, muito,
mas muito boa. Não me entendam mal, mas com a vida
que eu tenho, não há espaço para um relacionamento.
Mulheres cobram. Querem muitas coisas que não
posso dar. Romance, atenção e tempo não têm lugar na
minha vida.
Escolho alguém para me divertir e vamos para
um quarto de hotel. Nada além disso. Depois é cada um
para sua casa. Gosto da minha liberdade. Gosto do meu
controle. Não estou a fim de mudar isso por ninguém.
CRISTINE
A loja está indo muito bem desde que inaugurou
há mais de três anos. Estamos firmes no mercado. Somos
conhecidos na cidade e temos crescido cada vez mais.
Beatriz trabalha comigo. Ela é publicitária e, quando
saímos da faculdade, a convidei para me ajudar com a
ideia de abrir uma loja de departamentos e ela,
aventureira do jeito que é, topou na hora.
Foi na faculdade que nos conhecemos. Apesar de
eu fazer Administração e ela Publicidade, acabamos
ficando no mesmo dormitório. Desde então, ela foi se
tornado cada vez mais importante em minha vida, a irmã
que nunca tive.
A família dela já é conhecida no meio
publicitário, pois trabalham com isso há muito tempo.
Então, ela já tinha muitos contatos quando começamos, o
que deu uma boa alavancada na loja.
Além, claro, do dinheiro que investi. Meu pai
morreu quando eu estava terminando o colegial. Minha tia
Estela, que ficou como minha tutora legal, fez bons
investimentos com a pequena fortuna que ele deixou para
mim. Quando me formei, tinha um bom rendimento me
esperando, que usei para começar meu próprio negócio.
Dinheiro que nos ajudou bastante já que não
tivemos que fazer empréstimo com nenhum banco.
Começamos com produtos de qualidade e bastante renda
pra investir em reformas, funcionários, publicidade e
propaganda.
Nossa equipe não é muito grande, mas tivemos a
sorte de encontrar bons funcionários. Eu fico por conta
dos problemas administrativos e a Bia com o marketing.
Sempre foi importante não nos afundarmos na empresa e
esquecermos de viver, por isso, também dividimos a
responsabilidade com alguns funcionários de nossa
confiança.
Já no fim do expediente recebo uma ligação da
Bia:
— Oi Cris, tudo bem aí na loja?
— Sim, sim... — respondi, distraída, verificando
alguns papéis. — Bia, você viu como está a nova
campanha de roupa íntima?
— A campanha está ficando ótima, mas claro, já
sabíamos disso porque sou boa no que faço — diz
tranquilamente, como se não tivesse falando dela mesma!
— Ok, confio mesmo em seu trabalho! Mas, e aí?
A que devo a honra dessa ligação?
— Estou ligando para perguntar se posso me
arrumar na sua casa hoje antes da festa?
— Que festa? — Faço-me de desentendida.
— Cristine Morgan, a senhorita não se faça de
besta! Sabe do que estou falando e não vai amarelar
agora.
Reprimo um gemido de frustração.
— Tudo bem, boba. E é claro que pode se
arrumar lá em casa.
— Antes das sete apareço por lá. Ah, passarei o
dia fora cuidando de alguns designers de uns painéis
novos para loja.
— Ok, boneca. Até mais tarde!
Suspiro, ainda segurando o telefone na mão.
Entrei em uma encrenca ao aceitar sair com ela, posso
sentir isso. Bia é um perigo!
Decido encerrar o expediente e aviso minha
assistente, Fátima, que não virei nesse sábado. Escritório
agora só na segunda-feira. Isso se eu sobreviver depois de
ir a uma festa com a dona Beatriz.
∞∞∞
Mesmo eu garantindo que não pretendia beber,
Bia me convenceu que é mais seguro ir e voltar de táxi.
Quarenta minutos depois, chegamos em um hotel chique e
conhecido na cidade. A festa ia ser em um salão ali.
Segundo o que Bia disse, o aniversariante era um
empresário, e ela tinha ganhado convites da Clara, uma
amiga promoter que sempre organiza festas caríssimas.
Briguei quando ela me contou que estávamos
indo em uma festa de aniversário de alguém que nem
conhecíamos, mas Bia é a Bia! Pra ela estava tudo bem.
Disse que nesse tipo de festa, muita gente não se conhece
de verdade.
Quando chegamos na entrada do salão, dou uma
olhada lá dentro. A decoração lembrava a uma boate, com
pista de dança, um bar localizado no canto direito, e
vários tipos de iluminação piscando.
Antes de entrarmos, Bia segura meu braço e me
vira de frente pra ela.
— Cris, promete que hoje você vai se divertir e
que vai se esquecer de tudo e de todos? — Antes que eu
responda ela continua: — Dance, beba e se conhecer
alguém; aproveite. Não viemos aqui escolher alguém para
casar. Você pode se divertir do jeito que quiser. Só por
uma noite. E, se por acaso, se sentir desconfortável me
avise que iremos embora na hora. Mas antes, se dê a
oportunidade de se divertir ok?
Olho para minha melhor amiga e me comovo com
o tanto carinho e preocupação. Bia conhece meus traumas
e medos mais profundos. Me empurrando para festas e
barzinhos, era o jeito dela tentar me ajudar.
E, talvez, ela tivesse razão. Eu precisava de uma
agitação, “um abalo” em minha rotina. Um pouco de
diversão cairia bem.
Quando assinto com um aceno, ela dá pulinhos de
felicidade e me arrasta porta adentro. Seja o que Deus
quiser.
HENRY
Como previsto, o dia na empresa foi exaustivo.
Cheio de reuniões e muita papelada para analisar e
assinar. A empresa tinha se tornado minha vida, minha
paixão. Nada me dava mais alegria do que ela. Ou dor de
cabeça.
Também não estava muito empolgado com a festa
do Rogério, mas não desisti de ir. Faz um tempinho desde
meu último encontro e eu não estava afim de um repeteco.
Quero mulher nova no pedaço. E pretendo encontrar uma
hoje.
Assim que chego ao hotel, faço a reserva de um
quarto. Por que complicar as coisas? Um quarto de hotel é
impessoal, sem compromisso, e quando tudo acaba é cada
um pra seu lado. Do jeito que gosto.
Entro no salão e vou direto pra ala VIP. Dou uma
olhada no lugar e até que tiveram bom gosto. Parabenizo
Rogério quando o encontro. Peço um uísque para o
garçom e me acomodo em um sofá próximo a enorme
parede de vidro que fornece uma visão completa da pista
de dança. Um pouco depois, Pedro me encontra e senta-se
ao meu lado.
Ele é um cara simples. Divertido. A conversa
sempre flui facilmente com ele por perto. É confortável
estar ao seu redor.
Assim como eu, e qualquer solteiro aqui, noto
Pedro observando as mulheres a nossa volta.
Recebo alguns olhares e sorrisinhos maliciosos,
porém, eu corro dessas que se insinuam descaradamente.
A maioria dessas são mulheres interesseiras e,
consequentemente, encrenca pura. Já dei mole uma vez e
tive um problemão.
Contudo, haviam muitas mulheres bonitas, o que
já era de se esperar em uma festa de um solteiro, e
algumas despertaram minha atenção. Mas antes que eu me
decidisse por alguma, eu a vi.
Estava no bar, perto da pista de dança,
conversando com uma loira que também merecia uma
segunda olhada. Mas, a de cabelos pretos era espetacular.
Eu precisava chegar mais perto para avaliar.
Deixei o Pedro falando sozinho e desci para a
pista de dança, tentando não perder a mulher de vista. Fui
para o bar, do lado contrário ao que elas estavam, para
vê-la melhor, discretamente. E só por essa visão a noite já
valeu a pena.
Ela é alta, a pele bem clarinha, olhos grandes,
possivelmente, claros. Mas o que chamava atenção era o
seu cabelo cumprido e escuro como a noite, com grandes
cachos nas pontas, que balançava suavemente com cada
movimento seu.
Além disso, a mulher tem um corpo que... bom
Deus! O vestido marcava tudo: o bumbum, que por sinal é
uma beleza de se olhar, os seios grandes e a cintura fina.
Ok. Fato um: ela é perfeita. Fato dois: eu a
queria. Muito!
Não me lembro qual foi a última vez que uma
mulher me deixou assim... bobo. Sabia que estava
encarando, como um perseguidor, porém não consegui
parar de olhar.
Pedi uma bebida tentando acalmar o frenesi que
eu sentia, aquela conhecida excitação agitando meu corpo,
enquanto pensava num jeito de abordá-la.
Ela não parecia muito à vontade. E mesmo eu
estando quase salivando, ela não tinha reparado em mim.
Soube então que ela era aquele tipo de pessoa que corria
quando se sentia encurralada. Eu teria que ser certeiro
para não iniciar uma corrida. Mas no fundo, eu sabia que
se ela corresse, eu a perseguiria.
CRISTINE
Preciso de um pouco de álcool se quero cumprir
a promessa de me soltar aqui hoje. E álcool me ajuda a
me soltar. Dou uma olhada ao redor, e me concentro na
pista de dança, nos corpos se movendo juntos, talvez bem
mais colados do que deveriam, e solto um suspiro. Ok.
Acho que precisarei de muito álcool.
Enquanto aguardo o barman nos atender,
converso um pouco com a Bia. Ao contrário de mim, que
acho tudo escuro e barulhento, ela parece estar em seu
habitat natural. O sorriso tranquilo, os flertes que ela
pensa que são discretos, e o leve balançar de seu corpo
ao som da batida mostra como ela está relaxada e feliz
aqui. Bia adora badalação.
— Vamos dançar? — Ela saltita um pouco
quando pede.
Sério. Ela saltitou mesmo!
— Dançar com esse salto? Quer que eu caia e
quebre o pescoço? — pergunto, olhando para a armadilha
mortal que eu chamei de sandália.
— Ahh. Vamos lá! Mexer esse “corpitcho” e,
quem sabe, chamar a atenção de um gatinho.
Antes que eu pudesse responder, o barman
deslizou um copo de bebida em minha direção. Olhei
confusa e ele acenou para o outro lado do bar.
— O cavalheiro ali que mandou.
Meus olhos localizam um cara encostado
casualmente no balcão, enquanto segura uma bebida. Seus
olhos estão fixos em mim, e ele me dá um aceno discreto.
Sem conseguir me impedir, acabo dando uma
avaliada nele. E uau! Ele é lindo. Tipo, lindo mesmo! Da
sua roupa só consigo ver a camisa preta, pois o balcão
esconde o resto. Mas a parte superior não deixa nada a
desejar. Ele é forte, bem construído sem ser exagerado. O
cabelo castanho claro muito bem penteado, o relógio caro
e a pulseira de ouro em seu pulso deixam evidente de que
ele não é qualquer um.
Mas seu rosto... caramba! Foi desenhado com
maestria. Seu maxilar quadrado, maçãs salientes, nariz
reto e lábios finos, me faziam ter vontade de agradecer ao
Criador por tal perfeição.
Um sorriso torto em seus lábios me despertou.
Putz! Eu estava encarando e fui pega no flagra. Olhei para
a Bia e a vi na mesma situação: babando.
Descaradamente.
Pigarreei, chamando sua atenção. Ela me olhou
deslumbrada.
— Humpf! Pode continuar aí parada. Parece que
tá funcionando.
Ela olhou novamente para o cara, e eu
acompanhei seu olhar. Ele ainda me encarava.
Envergonhada, aceitei a bebida e bebi um gole.
— Cris... esse cara é perfeito pra você. Aliás,
ele seria perfeito para todas nós, reles mortais, mas ele
quer você.
Ouvi fingindo estar concentrada em minha
bebida. Pela animação em sua voz, sabia que ela estava
quase saltitando de novo.
— Serio! Ele é um gato. Não pode deixar
escapar uma coisa linda assim!
Reviro os olhos.
— Bia, ele só pagou uma bebida. Nem sabe se
ele vai fazer algo mais. Menos empolgação, por favor.
Bia me deu um olhar cético.
— Coitadinha. Ficou tanto tempo sem namorar
que se esqueceu como é que se paquera!
Bufei. Mas admito ter sentido uma leve agitação
em meu estomago com a possibilidade de estar sendo
paquerada. Bia tinha mesmo razão? Eu tinha me
esquecido do simples prazer de uma paquera? De repente
me sentia velha.
Eu estava mesmo deixando minha vida passar
diante de mim? Estava só sobrevivendo em vez de viver?
E o mais importante: eu seria capaz de voltar a viver?
Interrompendo minhas divagações, e o discurso
da Bia, um homem se aproximou e a chamou para dançar.
Sendo a boa amiga que ela é, Bia me olhou
incerta e começou a negar quando eu falei:
— Pode ir. Vou ficar bem.
Ela franze o cenho me olhando, tentando decidir
se estou sendo sincera. Aceno mostrando que está mesmo
tudo bem e ela vai, mas garante que volta logo.
Termino a bebida que ganhei e olho em direção a
minha paquera. Sinto um pequeno desapontamento
quando não o encontro. Poxa! Mordisco o lábio inferior
enquanto luto com meus pensamentos confusos. Eu
esperava mais dele? Se ele quisesse mais, eu diria que
sim? Estava pronta para ficar outra vez? Ou se ele desse
um passo, eu daria outros dois na direção oposta, fugindo
como costumo fazer?
Ia pedir outra bebida quando uma música
começou a tocar. Em vez de deixar a incerteza me impedir
de fazer algo, comecei a andar em direção a pista de
dança.
Achei um canto em meio aos corpos dançando e
me deixei levar pela batida da música. A princípio, me
senti um tanto travada. Há quanto tempo eu não fazia isso
mesmo? Nem me lembrava mais.
Aos poucos, me deixei levar. Queria que meu
corpo expulsasse todas as lembranças ruins que me
tornaram nessa jovem amarga, que não tem vontade nem
de aproveitar a própria vida. Queria o balançar dos meus
braços ou do meu quadril apagasse as memórias que eu
tanto desejava esquecer.
Ou que minha respiração ofegante, mandasse
embora as dores que tanto me faziam sofrer.
Queria me libertar.
Nesse momento eu alcancei a liberdade. E,
mesmo sabendo que era provisória, que quando a música
acabasse, e eu voltasse para casa meus temores voltariam,
eu a aproveitei. E prometi a mim mesma que aproveitaria
cada pequeno momento livre que eu conseguisse a partir
de agora.
Por isso dancei com mais vontade. Deixei que os
movimentos fluíssem. Senti intensamente. E nem mesmo
me importei quando braços firmes me rodearam. Porque
mesmo sem conhecê-lo, e sem sequer precisar virar para
vê-lo, eu sabia que era o cara do bar. E, talvez
inapropriadamente, no fundo eu sentia que podia confiar
nele.
Senti seu perfume másculo e inspirei fundo. Que
delícia! Ousadamente, encostei minhas costas em seu
peito e fechei os olhos. Fechei os olhos e continuei
dançando, agora ao som de Calvin Harris. Oh, eu
realmente me sentia tão perto dele agora. Um sorriso me
escapuliu com o meu trocadilho espertinho.
Se Bia me visse dançando agora, ela ficaria mais
que orgulhosa, me aplaudiria. Sério, ela aplaudiria de
verdade! Minha amiga pode ser um tanto espontânea
demais.
Afastando os pensamentos loucos que me
bombardeavam, criei coragem e me virei, ficando de
frente para essa perfeição em forma de homem. Não pude
conter um sorriso triunfante ao constatar que realmente era
o cara do bar.
Ele é bem mais alto do que eu, e seu cabelo é
mais claro de perto. Olhos claros também, embora não
deu para conferir por causa da iluminação escassa.
Os braços desse homem é... Espetacular. O cara
é forte. Sua roupa é toda preta, a camisa e o jeans.
Simples, mas mortal. Não tem uma filha de Deus que
resiste a ele, tenho certeza. Fechei meus olhos e dancei
como se estivesse fazendo um teste para dançarina de um
clipe da Beyonce. Eu ficaria mortificada pela manhã,
quando o efeito do álcool passasse.
Sim, eu culparei o álcool. Aliás, posso culpar até
mesmo o perfume dele por me deixar tão desorientada
assim. Porque, puta merda, não tem nada melhor que
homem cheiroso! E esse aqui está de parabéns.
Por ora, decido aproveitar nossa proximidade, o
contato de nossa pele quando sua mão encosta nas minhas
costas, ou quando ele se inclina e roça seu rosto em meu
queixo.
Abro os olhos e um movimento à esquerda chama
minha atenção. Bia está balançando os dois polegares pra
cima, com um enorme sozinho no rosto. Sorrio e coro.
Minha nossa! Ela nunca vai me deixar esquecer isso.
Depois de... não sei quantas músicas, ele nos
leva de volta para o bar.
∞
“Eu me sinto tão perto de você agora
É uma sensação forte
Eu sou bastante passional, como se fosse grande coisas”
CALVIN HARRIS – FEEL SO CLOSE
∞
Ele pediu duas águas e me entregou uma. Desviei
o olhar e tentei observar algo ao nosso redor. Tudo bem
que eu tinha dançado de um jeito nada decente com ele,
mas o constrangimento ainda estava presente.
Que saco! Teria que concordar com a Bia outra
vez: eu tinha esquecido como era paquerar.
— Você é muito linda.
Quase engasguei com minha água ao ouvi-lo
falar. Apesar de ter sido um elogio simples, senti meu
corpo inteiro esquentar de vergonha. O que estava
acontecendo comigo? Sem contar que a voz dele, rouca e
suave, fez minhas entranhas se torcerem mais um pouco.
— Tem nome?
Juro que eu responderia se eu me lembrasse
como é que funciona minha boca. Mas, eu só conseguia
encarar esse ser magnifico. Céus, que vergonha. Eu
realmente estou na seca. Estou parecendo adolescente.
— O quê?
— Perguntei se você tem nome. — Ele repetiu
pausadamente.
Antes que eu me envergonhasse mais ainda, o
barman interrompeu:
— Senhorita, o rapaz do outro lado do bar
mandou lhe entregar como cortesia.
Olhei para onde ele apontou e um homem bonito,
não tanto como o Zeus aqui na minha frente, acenou e deu
um sorrisinho.
Fiquei um pouco sem-graça, e um tanto de
lisonjeada, por ter recebido mais uma bebida como
cortesia essa noite.
Olhei para o bonitão ao meu lado e vi que ele
observava minha reação. Não entendia muito do universo
masculino, mas acredito que o outro sujeito quebrou uma
regra da irmandade dos garotos ao tentar paquerar uma
mulher que já estava acompanhada.
Depois de lançar um olhar nada amigável para o
cara do outro lado do bar, o “meu” acompanhante chamou
o barman e sussurrou algo pra ele.
Instantes depois, ele o entregou uma caneta. O
bonitão então pegou um guardanapo, rabiscou algo, e
mandou de volta pelo barman.
— O que você escreveu?
A curiosidade me fez acordar e abrir a boca.
— Que ele chegou tarde.
Entreabri os lábios surpresa. Um pouco
prepotente, sim, mas muito sexy ver um homem querendo
marcar território por sua causa. E qual era o ponto negar
que o outro realmente tinha chegado tarde?
— E então! Nome? — O bonitão perguntou
novamente.
— Cris.
— Só Cris? Sem sobrenome? — perguntou, com
um olhar divertido.
Abri a boca para responder, mas mudei de ideia.
— Não precisamos de sobrenome, não é?
Uou! De onde veio isso? Eu não sabia. Mas tinha
essa vontade repentina de surpreender. E acho que
consegui quando ele me olhou surpreso.
Ele pensou por alguns segundos, depois sorriu
divertido.
— Prazer Cris. Meu nome é Henry.
Ele estendeu sua mão e não hesitei em segurá-la.
Ele a puxou até seus lábios e roçou um beijo suave nela.
Arrepiei geral.
Sem que eu esperasse, me puxou para seu corpo e
colocou a outra mão em minha nuca. Eu perdi qualquer
raciocínio lógico quando selou nossos lábios.
Totalmente inesperado. Totalmente aprovado! Eu
gostava de ser surpreendida assim. De beijos e caricias
roubados durante o flerte... fazia meu sangue ferver.
Estremeci quando passou a língua em meu lábio
inferior. Aquele frio na barriga foi se intensificando e um
tremor percorreu todo o meu corpo. Ah como era bom
sentir-me assim! Eu realmente tinha me esquecido do
prazer de uma simples paquera. Sentia-me viva. E livre!
Honrando minha recém promessa de aproveitar
cada momento que me fizesse sentir essa liberdade, eu só
curti.
Coloquei a mão em seu peito, precisando de
algum apoio, adorando sentir o calor emanando de seu
corpo. Quando o beijo se aprofundou, me aproximei mais
ainda dele, grudando nossos corpos de uma maneira bem
imoral. Mas, não me importava. A única coisa importante
era continuar sentindo sua boca na minha.
Ele se afastou, ofegante, e me encarou. Seu olhar
escurecido enfraqueceu meus joelhos. Adorei ver meu
batom marcando sua boca.
Nossas respirações estavam irregulares, e eu
podia sentir as batidas fortes do seu coração na palma da
minha mão.
Ele se inclinou, roçando o nariz em meu pescoço,
e sussurrou:
— Vamos sair daqui?
Meu primeiro instinto foi recuar. Eu sabia o que
ele estava propondo. E eu não costumava fazer essas
loucuras. Corra! Meu cérebro gritou.
Entretanto, hoje eu queria me divertir. Perder o
controle e a razão por uma noite. Amanhã eu me
preocuparia com o resto. Sentindo-me mais audaciosa do
que nunca, repeti o gesto dele, beijei seu pescoço,
sentindo ele enrijecer e respondi:
— Só se for agora.
Afinal o que de mal poderia acontecer?
∞∞∞
Acordo no dia seguinte com uma baita dor de
cabeça. Olho no despertador ao lado da cama e vejo que
já são onze da manhã. Preciso levantar e ajeitar alguns
documentos do escritório, mesmo que eu não vá para a
loja hoje.
Mas, as imagens da noite passada continuam
pipocando em minha mente para me lembrar da loucura
que fiz. Veja bem, posso não ter uma vida sexual ativa,
mas não sou nenhuma virgem. E não vou para cama com
um cara logo na primeira vez que saímos. Não tenho sexo
casual. Exceto por ontem...
Eu quebrei todas as minhas regras. E só de
lembrar de alguns momentos da noite passada, fico
vermelha. Como tive coragem de fazer isso? Não pretendo
fazer isso nunca mais. Não que eu tenha algo que
reclamar. Pelo contrário, a noite com Henry foi
maravilhosa.
Entretanto, o embaraço que foi após o “nosso
momento selvagem” foi terrível. Eu não sabia o que fazer,
o que falar, como agir... E isso foi constrangedor. Então,
eu fugi.
Ouço a porta da frente fechando e reviro os
olhos. Beatriz estava usando a chave de “emergência” de
novo. E podia apostar que ela não estava em uma.
Me enrolei no lençol e fui para o banheiro, antes
que ela entrasse fazendo uma algazarra, e exigisse
detalhes da noite anterior. Eu também tinha fugido dela.
Depois de tomar um banho rápido, a encontrei
sentada na minha cama. Estava com as pernas cruzadas, de
um jeito descontraído, e analisava as próprias unhas.
Sorriu quando me viu.
— Detalhes sórdidos! — Ela gritou, levantando
os braços. — Cuspa-os agora mesmo!
— Não sei do que está falando! — Desconversei,
indo até meu closet.
— Dona Cristine, que coisa feia! Some da festa
com um gostosão daquele e nem dá notícia. Não sabe que
está desrespeitado o código das amigas com esse silêncio
todo? Você tem que compartilhar as informações. Me
conte tudo. Qual nome dele? Onde ele mora? Ele é bem-
dotado?
— Bia, tantos anos de amizade e ainda não sei
como você consegue falar tão rápido e sem tomar um
fôlego. E oi para você também. Eu estou bem, Bia,
obrigada por perguntar.
Vesti uma bermuda e uma camisa simples de
algodão, ainda dentro do closet.
— Não mude de assunto. — Ela falou lá do
quarto. — Desembucha, vai. Diga que aquele homem tem
o "pacote" pequeno. Ou que é ruim de cama. Porque,
honestamente amiga, um homem lindo daquele não merece
ser tão perfeito!
Bufei. Henry parecia perfeito mesmo, um sério
risco a população feminina. Mas sabendo que não iria
escapar da conversa, me sentei ao lado da minha amiga
afoita, doida por informação.
— Ele é tão bom quanto parece, amiga. E sinto te
decepcionar, mas nada nele pode ser considerado
pequeno, se é que me entende.
Beatriz suspira dramaticamente e diz:
— Espero que tenha aproveitado bastante, hein.
— Ela bateu seu ombro no meu e balançou as
sobrancelhas. — Conte-me tudo. Não me poupe de nada.
— Credo, Bia. Não conheço mais ninguém que
queira tanto saber, detalhadamente, da vida sexual dos
outros.
— Anda! Sem perder tempo. Fale tudo.
Sabendo que era uma causa perdida, tentei
descrever a noite passada. Claro que eu não entraria em
detalhes, do jeito que ela queria, pois tem um limite com a
dona Beatriz que não estou a fim de ultrapassar.
Conforme eu falava, mais lembranças vieram me
afligir. Seus beijos, suas carícias, as palavras doces que
ele sussurrou... Me arrepiei toda vez que recordava. Se eu
fechasse os olhos, acreditava que poderia sentir seu toque.
Ela ouviu com tanta atenção que parecia que eu
estava contando o segredo da felicidade. Quase nem
piscava.
Contei que ele me levou para um quarto ali
mesmo no hotel. O que dizia que o homem estava
preparado para uma noite de sexo. Henry, provavelmente,
era um desses homens cafajestes, que passavam uma noite
atrás da outra, com uma mulher diferente. E mesmo
suspeitando desse fato, não me impedi de ser “mais uma
em sua cama”.
Porque eu queria isso. Queria uma noite louca e
sem compromisso. E foi isso que eu tive. Era uma mulher
adulta que sabia o que estava fazendo. E no fim das contas
a noite foi divertida.
Falei também da minha saída inesperada. Tentei
explicar o pânico que senti e me fez sair do quarto do
hotel como se ele estivesse em chamas.
Talvez fosse a ficha caindo. Após o sexo, eu me
apavorei. E quando Henry foi ao banheiro se livrar do
preservativo, eu corri como o diabo foge da cruz.
Quando terminei de falar, Bia ficou um tempo
calada, digerindo tudo. E me assustou quando me deu um
tapa no ombro.
— Ai! Doeu, Bia.
— Você é uma besta. Você diz que o cara é um
deus, lindo, perfeito e sabe fazer um sexo como ninguém.
E em vez de aproveitar até a última gota do bonitão, foge?
Igual uma adolescente?
Gemi, esfregando o local onde ela me deu um
tapa. Bia suspirou e balançou a cabeça, inconformada. E o
pior é que ela tinha razão. Fugi como uma menininha que
não sabe o que quer.
Agora me diz, que mundo é esse onde a Bia está
quase sempre certa?
— Não sou de fazer isso, de ter sexo casual com
desconhecidos, e você sabe — murmurei baixinho. —
Não que eu julgue quem faça. Mas, não é minha praia. Sei
lá. Surtei? Talvez. Mas foi melhor assim. Você me
conhece. Acho que seria pior ter que ficar e passar pela
despedida embaraçosa do dia seguinte. Aproveitei e foi
uma noite boa. Tive minha descontração. Mas agora
preciso voltar para minha realidade.
— Tudo bem. — Ela suspirou outra vez. Mesmo
não concordando com meu casulo, ela sempre respeita
meu espaço. — Ainda acho que pode ter perdido uma
oportunidade incrível. Não digo de um relacionamento
sério, mas de conhecer alguém com quem poderia ter se
divertido mais um pouco. Às vezes, é bom perder um
pouco do controle.
— Não sei não, Bia. Mas o que está feito, está
feito! Não vou vê-lo mais — afirmei, me sentindo um
pouco triste ao constatar esse fato.
O que era ridículo, já que é isso o que se espera
de uma noite sem compromisso. Uma voz bem lá no fundo
disse que esse era o problema. A conexão que senti com
Henry foi mais forte do que deveria ser para algo casual.
Balancei a cabeça, afastando pensamentos
indevidos e sussurrei:
— Eu preciso retomar o controle.
Beatriz permaneceu calada por mais um instante.
Ela me conhecia bem demais e sabia o rumo que meus
pensamentos estavam tomando.
— Não pode comparar todo mundo por causa do
que aconteceu com você e ele, não sabe?
— Não quero falar sobre isso — afirmei,
seriamente.
— Você nunca quer falar sobre isso. — Abri a
boca para contestar, mas ela me interrompeu: — E tem
razão de não querer recordar seu passado. Mas é isso o
que ele é, Cris, passado! Acho que você o deixa
influenciar muito o seu presente.
— Eu sei — admiti, suspirando. — E não quero
falar dele agora. Nem nunca. Eu ia preparar algo pra
comer. Me acompanha?
Mudo de assunto, e ela sabe que não vou ceder.
Bia sabe como me sinto a respeito disso, embora não
concorde como eu lido com a situação.
— Claro. Sua comida é deliciosaaa e não perco
por nada.
Depois do jantar a convido para dormir aqui,
mas ela diz que tem alguns projetos para resolver em casa
e não quer deixar para depois.
Depois que ela sai, pensamentos com o Henry
voltam a perturbar minha paz. Prometo que só por hoje
vou me permitir essa sensação de nostalgia, e pego no
sono sonhando com lindos olhos azuis.
HENRY
Nunca na minha vida fui abandonado. Ou
rejeitado. Ou simplesmente ignorado por uma das
mulheres que tive. Mas, como dizem, tudo tem sua
primeira vez. E a minha está sendo bem amarga. E o pior
é que nem sei se fiz algo de errado.
Eu deveria estar satisfeito com a fuga dela. Me
poupou de passar pelo momento da despedida, com falsas
promessas do tipo: "a gente se vê depois" ou “claro que
eu ligarei”.
Contudo, por algum motivo que não quero nem
tentar entender por agora, eu fiquei frustrado quando saí
do banheiro e não a encontrei.
Fiquei frustrado porque eu queria mais. Cada
toque, cada beijo, cada gemido dela me levou a um nível
de excitação delirante. Sabe aquela rara conexão que
encontramos com outra pessoa? Imagino que tenha sido
isso. E quando saí do banheiro e percebi que tinha sido
abandonado foi decepcionante.
Mesmo uma semana depois daquela festa eu não
consigo tirar a maldita da cabeça. Até perguntei ao
Rogério se ele não conhecia ninguém com a descrição da
Cris. Olha o absurdo! Eu correndo atrás de mulher.
Porém, além de ele não saber a quem eu me referia,
consegui que ele e Pedro me enchessem o saco por causa
disso.
Mesmo tentando não pensar no motivo de ela ter
fugido, não pude evitar algumas hipóteses. Nenhuma
agradável. Até pensei que podia ser uma estratégia dela,
uma dessas maquinações femininas. Ela devia saber quem
eu era e decidiu fazer algum mistério, tentando chamar
minha atenção com charme.
Muitas já tentaram jogar essas armadilhas de
sedução pra cima de mim, tentando arranjar um
casamento, mas eu já era um expert em me livrar delas.
Enfim, eu estava cansado de ficar tentando
imaginar o que poderia ter feito a mulher correr. Estava na
hora de parar de perder tempo pensando em uma mulher.
Foi uma noite de sexo como as outras que já tive. Bola pra
frente.
CAPÍTULO 2
CRISTINE
Um mês depois...
Acordei atrasada, outra vez. Tenho estado
exausta ultimamente. Se pudesse, eu passaria os dias
dormindo. A loja tem ocupado todo o meu tempo. Em três
meses teremos as festas de fim de ano e é a época que o
comércio vai à loucura. É tanta coisa pra organizar:
estoque, vitrines, decoração e ainda os funcionários
temporários que sempre contratamos para desafogar a
equipe.
Também pudera eu estar tão cansada assim. Bia
tem me ajudado muito, mas também está na correria com a
parte de marketing.
Como estou chegando bem tarde em casa, comida
congelada está sendo a melhor opção. O que tem detonado
meu estomago.
Sem contar que tia Estela estará chegando de
viagem pra passar o fim de ano comigo. Minha tia sempre
esteve presente em minha vida. Desde quando sua irmã,
minha mãe, morreu logo após eu nascer. Meu pai se
desdobrou pra cuidar de mim, mas a todo momento pode
contar com Estela. Minha tia também esteve ao meu lado
quando meu pai faleceu. Eu estava no primeiro período da
faculdade. Ele teve problemas no coração e não houve
nada que a medicina pudesse fazer.
Fiquei arrasada. Mas Estela me ajudou a passar
por isso. Ela se tornou uma mãe para mim, suprindo tudo
aquilo que eu precisava.
Quando abri a loja, e ela viu que eu estava me
saindo bem, começou a viajar pelo mundo. Seu hobbie
preferido! Contudo, em épocas especiais como as de fim
de ano, e alguns outros feriados, ela vem ficar comigo.
Coisa que adoro, pois não há nada melhor do que
estar ao lado das pessoas que amamos, principalmente em
dias especiais.
Estela é uma mulher muito bonita, divertida e
principalmente ativa. É conhecida pelas festas que faz em
prol de diversas causas sociais. No final do ano sempre
têm um grande evento, onde figurões da alta sociedade
comparecem, e consequentemente, altas doações também.
Todo ano é uma causa diferente. Ela me enche de orgulho.
Estava dentro do carro quando meu celular
começou a tocar. Liguei o sistema bluetooth e atendi a
ligação, enquanto manobrava pra fora do estacionamento.
— Fala, Bia.
— Bom dia pra você também, amiga. Tudo bem?
— Desculpa. Bom dia. Acordei super atrasada e
estou correndo pra loja. Tudo bem com você?
— Está desculpada. Estou na correria também.
Vamos almoçar juntas? Aí eu aproveito e te mostro o
resultado da campanha que vamos usar final de ano.
— Pode ser, Bia. Você vai estar na loja hoje? Na
sua sala?
— Sim, hoje estarei lá. Podemos comer algo no
escritório mesmo. O que acha?
— Perfeito. Assim poupamos tempo. Agora tenho
que desligar, estou dirigindo.
— OK. Beijo.
∞∞∞
A parte da manhã até que foi tranquila no
escritório. Em compensação, meu estômago está se
vingando de mim por toda a lasanha congelada dos
últimos dias. Já perdi as contas de quantas vezes vomitei.
Vou ter que ir à farmácia mais tarde pra comprar um
remédio.
Ter que escolher as vitrines para o natal, acabou
me ajudando a esquecer disso. Eu adorava essa época do
ano. E escolher os enfeites era o máximo!
Bia chegou um pouco atrasada para nosso
almoço. Ela colocou as sacolas com a comida em cima da
mesinha de centro e me encarou com o cenho franzido.
— Credo! Você está um horror. Tá se sentindo
bem?
— Sim. É só azia.
— Só? Cris, você está pálida. Tipo, muito
pálida. A noiva cadáver ficaria bronzeada perto de você.
— Muito engraçada! Mas fica aí, rindo do mal-
estar dos outros.
— Desculpa. — Ela deu uma risadinha e se
aproximou. — Mas, falando sério... você não está com
uma aparência muito boa. O estômago ainda não
melhorou?
— Não. E como melhora? Todo dia me intoxico
mais com aquela merda congelada.
— Coitadinha. Graças a mim, hoje vai comer
algo decente.
— É por isso que te amo, Bia — falei, jogando
os braços ao seu redor. — Não sei o que faria sem você.
Ela me abraçou apertado antes de responder:
— Não se preocupe. Isso você jamais terá que
descobrir.
Durante o almoço, Bia foi me contando sobre a
campanha de final de ano. Ela mandava muito bem no que
fazia. Tudo saía perfeito! Desde os detalhes gráficos e
designers, comercial para tv, até a impressão dos banners.
Estava quase terminando minha refeição quando
meu estomago decidiu revidar. Saí em disparada para o
banheiro. Lá se foi minha comida japonesa.
— Acho bom você ir a um médico urgente. —
Bia diz, assim que saio do banheiro. — Esse seu
problema estomacal já está durando muito, não acha?
— Sabe que não gosto de ir a hospitais, Bia. E
assim que a minha rotina se acalmar, e eu me livrar da
sessão de congelados, meu estômago também voltará ao
normal.
— Ainda acho que deve ir ao médico. Você não
pode se dar ao luxo de ficar doente agora. A loja fica uma
loucura em época de festividade. E eu não sei fazer nada
do que você faz. Isso aqui viraria um caos. — Ela fala
brincando, mas posso ver a preocupação em seus olhos.
Suspiro, achando um exagero ter que ir ao
médico por causa de uma azia. Mas, para tranquilizá-la
concordo com ela:
— Você tem razão. Não posso ser descuidada e
adoecer justo agora.
— Certo? Deixe para depois das férias.
Jogo um pedaço de guardanapo nela e dou uma
risada.
— Mas, falando sério, se quiser que eu te
acompanhe é só me avisar.
— Me acompanhar? Não precisa, mãe. —
Reviro os olhos. — Vou tentar uma consulta pra amanhã
cedo. Não se preocupe.
Ela assente, mas ainda noto uma pequena ruga de
preocupação em seu semblante. Eu a conheço. Mesmo que
ela não tenha falado mais nada, sei que esta receosa com
algo.
Com o passar das horas, o estômago melhora e eu
me esqueço desse problema. Não vou me descabelar por
algo tão simples como uma indigestão.
∞∞∞
Como planejado, consegui uma consulta na
clínica onde a Dra. Ellen, uma amiga de muitos anos da
minha tia Estela, atende. Aproveitaria a vinda e faria um
check up.
Enquanto aguardava na sala de espera, um folheto
de uma campanha de saúde, onde um rapaz loiro de olhos
claros, que fazia propaganda da importância do
oftalmologista, me fez lembrar do Henry.
Depois de muitos dias, consegui tirar aquela
noite da memória. Bom, pelo menos eu tinha domado as
lembranças que invadiam minha mente sem permissão a
qualquer hora do dia. A todo momento, eu me pegava
lembrando do seu toque, sua voz rouca, sua paixão...
agora, ela estava em um lugar especial, mas sob controle.
Afinal, eu não podia me esquecer de que tinha sido só uma
noite de sexo.
Quinze minutos depois uma enfermeira chama
meu nome e me guia até o consultório da Dra. Ellen
Russel.
— Bom dia, Cristine!
Dra. Ellen me cumprimenta assim que eu entro
em sua sala. Ela é uma senhora muito bonita, elegante, que
estava na casa dos sessenta.
Sua aparência bem formal, rígida até,
contrastando com seu jeito gentil de conversar.
— Tudo bem com você, querida? Veio para seus
exames de rotina?
Seu consultório é muito simples, mas confortável,
em tons de branco com cinza. Ela pergunta pela Estela e
conversamos por alguns minutos. Enfim, digo o motivo da
minha visita:
— Na verdade, eu vim porque nas duas últimas
semanas tenho sofrido com uma azia bem persistente. Não
posso comer que vomito. Além disso, quero aproveitar
para os exames de rotina também.
— Certo. Vou fazer algumas perguntas básicas.
Ela olha para o computador e começa a digitar.
— Só o estômago tem te incomodado ou algum
outro sintoma? Dor de cabeça? Tonturas?
Penso por alguns segundos.
— Não. Só o estomago mesmo. Tem me
incomodado muito. Às vezes, vomito umas três vezes ao
dia.
Ela concorda com um aceno e volta a digitar.
—Tem algum risco de estar grávida?
Acredito que fiquei um minuto embasbacada com
sua pergunta. Que constrangedor!
— Não — respondo, embaraçada.
Ela me dá outro aceno sem tirar os olhos do
computador.
— A data da última menstruação?
— Dia dois do mês passado.
Ela olhou para o calendário que estava em sua
mesa, ao lado do monitor do computador. Antes que ela
falasse algo, adiantei:
— Eu sei que está atrasada, mas, às vezes, ela
atrasa mesmo. Principalmente, nessa época do ano onde
meu nome do meio é estresse. — Brinco sem achar muita
graça. — Não tem como eu estar grávida.
— Por quê? Não teve nenhuma relação sexual
nas semanas anteriores?
Abro a boca para responder, para fecha-la logo
em seguida. De repente, começo a sentir um frio na
barriga. Mas, não daqueles bons, sabe? Daqueles que
antecede um ataque de pânico.
Minha mente começou a criar cenários
assustadores.
— Hã... Sim. Eu tive uma relação sexual há
algumas semanas — admiti, nervosa.
— Tudo bem, querida. Não estou aqui pra julgar
ninguém. Você se preveniu?
— Sim, claro. Usamos preservativo — expliquei,
sentindo meu rosto aquecer.
Mais um aceno e um pouco de digitação.
— Você sabe que os métodos de proteção não
são cem por cento, não é? Eles falham. Então, vamos
descartar logo o risco de uma gravidez. Dando negativo,
iremos verificar outras possíveis causas para o seu mal-
estar.
Ela abre uma das gavetas em sua mesa e pega um
pote descartável para coleta de urina e me entrega:
— Vá ao banheiro aqui da minha sala mesmo.
Pego o pote e vou rapidamente para o banheiro.
Tinha que descartar logo essa ideia. Não conseguia nem
pensar em outra hipótese. A ideia de um resultado
positivo me apavorava. Não, não... me aterrorizava.
Com as mãos trêmulas, tentei me equilibrar e
fazer xixi naquele copinho. Meu coração batia tão
acelerado que eu estava começando a achar que era um
ataque cardíaco. Que merda!
Saio de lá e entrego o pote para a médica. Ela
coloca um bastão daqueles de teste de gravidez. Diz para
esperarmos alguns minutos, enquanto ela vai digitando
mais coisas no computador e explicando as possibilidades
de se engravidar mesmo com os métodos contraceptivos.
Acho que ela até diz as estatísticas disso
acontecer, mas não tenho certeza. Eu não conseguia
desviar o olhar daquele bastão. Com certeza, foram os
minutos mais longos da minha vida.
Só queria que ela confirmasse um grande e feliz
NEGATIVO, para que pudéssemos rir desse medo
descabido que eu sentia e descobrir, realmente, o que está
fazendo mal para meu estomago.
Passado uma eternidade, finalmente, ela confere
o bastão. O olhar que ela me dá logo em seguida me faz
parar de respirar.
— Cristine, querida, deu positivo. Você está
grávida!
Tum.Tum.Tum... meu ouvido zumbia. O tempo
parecia ter desacelerado. Tudo acontecia em câmera lenta.
Via a boca da médica se mover, mas não entendia ou
ouvia nada. Tum. Tum. Tum
— Você está errada! — berrei, me levantando
em um salto.
Tenho certeza que a assustei, mas eu não ligava.
Eu a odiava nesse momento. Peguei minha bolsa e saí do
seu consultório, sem me importar com seus pedidos para
me acalmar.
Me acalmar? Depois dessa notícia, ela quer que
eu fique calma?
Vá para o inferno! — murmurei, enquanto saía
da clínica.
Corri pra calçada. Isso não pode estar
acontecendo comigo. Onde é que estava meu carro? Eu
não conseguia pensar. Meu cérebro simplesmente travou.
Nada. Nenhuma palavra ou pensamento. Aliás, só uma
gritava em alto e bom som: grávida!
Porra. Porra. Porra.
Dane-se o carro. Eu podia andar. E precisava
sair dali, urgentemente. Andei por muito tempo, tentando
apagar essa realidade da minha vida. Só queria voltar pra
casa com um antiácido e minha rotina normal. Era pedir
muito?
Vaguei pelas ruas com os pensamentos fora de
controle. Nada fazia sentido.
O mundo exterior tinha desaparecido. Eu estava
perdida. Não só no trajeto, mas na minha vida também. O
que eu faria agora?
Isso não pode estar acontecendo comigo.
Balbuciei isso uma e outra vez.
Aquele teste está errado, é isso!
Foi um terrível e maldoso engano.
Com essa nova perspectiva, me agarro a essa
esperança e procuro uma farmácia. Compro cinco caixas
de testes de gravidez. Iria provar que tudo não passava de
um mal-entendido.
Depois de ir pra casa, em um táxi, bebo duas
garrafas de água. Preciso beber liquido se eu quiser fazer
xixi para esse tanto de palitinhos.
Enquanto espero a bebida fazer efeito, pego meu
celular na bolsa para ver as horas. Tenho muitas ligações
perdidas. Do consultório da Dra. Ellen, da minha tia
Estela e da Bia. Mas não quero falar com ninguém agora.
Não até eu me certificar desse engano. Quando já me sinto
pronta, vou ao banheiro com os testes em mãos.
Dez minutos depois eu estou criando coragem
para olhar o resultado deles.
Estou exausta. Tanto física quanto
emocionalmente. Principalmente, esse último. Me sinto
esgotada. E me rendo a única coisa que posso fazer agora:
chorar. Choro com desespero. Eu não posso estar
grávida. Penso ainda sem coragem para conferir os
resultados.
Lembro-me da noite que tive com Henry. Foi tudo
tão divertido. Eu, finalmente, tinha me permitido viver
uma noite sem compromisso. E era isso que eu ia ganhar?
Rio e choro da minha sorte.
Devo ter adormecido, pois acordo com alguém
me chamando.
— Que susto, amiga. Não faz mais isso.
Estávamos desesperadas atrás de você.
Quando vejo a Bia, as lágrimas voltam a cair. Me
jogo no abraço da minha melhor amiga. Preciso tanto
disso agora, um conforto e um carinho me dizendo que vai
ficar tudo bem.
— Cris, vamos para seu quarto. Anda, levanta.
— Não, Bia, eu preciso confirmar — falo,
apontando para os testes que estão em cima da pia, e que
com certeza ela deve ter visto. — Eu acho... q-que não...
por favor, pode ver pra mim?
— Claro. — Ela pega os cinco bastões e se senta
de frente pra mim. — Cris, antes de eu olhar, saiba que
sempre estarei aqui, não importa o resultado, ok?
Engulo a enorme bola que se instala em minha
garganta. Bia confere os testes um por um. Ela é boa em
esconder as reações do seu rosto, pois eu não consigo
decifrar nada.
Quando estou quase tomando os testes de sua
mão, ouço sua voz baixinho:
— Todos deram positivo, amiga. Você está
grávida.
O desespero vem de novo. Eu nem sei de onde eu
tiro mais lágrimas, mas me acabo no choro. Beatriz me
puxa para seu colo e fica passando a mão em minhas
costas, me confortando e dizendo que vai ficar tudo bem.
Entretanto, não consigo me sentir confortada. Estou
apavorada! O medo está tomando conta de todo meu ser.
Nunca senti tanto medo assim.
Medo por tudo o que está por vir e pelo controle
da minha vida que eu estou perdendo agora. Choro não sei
quanto tempo, mas Bia me levanta e me leva para cama.
Ela se deita ao meu lado e ficamos em silêncio.
Meus pensamentos estão em redemoinhos dentro da minha
cabeça. Grávida! Não que eu não planejasse filhos.
Porém, também não esperava acontecesse desse jeito.
Queria conhecer alguém que amasse. Passar pelo
noivado e casamento. E depois, bem depois, começaria a
construir uma família.
Caramba! Eu nem sei o sobrenome do pai do meu
filho.
Tudo saiu dos trilhos.
E com pensamentos perturbados e confusos, eu
apago.
∞∞∞
Acordo sentindo um cafuné maravilhoso. Um
cafuné bem familiar, mas que não sentia há muito tempo.
— Bom dia, minha pequena dorminhoca. Acorde
para o café da manhã!
Abro os olhos e vejo minha tia Estela sentada na
cama, passando a mão em meus cabelos. É tão bom vê-la
aqui. Me sento e dou um abraço bem apertado nela.
— Bom dia, tia. Que saudade! Mas, o que está
fazendo aqui? Não viria só daqui algumas semanas?
— Meu amor, a dra. Ellen me ligou ontem depois
que você saiu da clínica. — Ela fala com uma voz suave,
talvez, temendo me assustar. — Você deixou a médica
preocupada. E como eu sou seu contato de emergência, ela
me avisou. Liguei para a Beatriz e pedi que te
encontrasse. Mas, quando ela não te achou em lugar
nenhum, fiquei muito preocupada. Peguei o primeiro voo
pra cá. Afinal, minha pequena precisa de mim agora, não
é?
É claro que ela saberia do meu episódio na
clínica, ela é muito amiga da Ellen. E não posso negar que
meu coração se aquietou um pouco ao vê-la aqui.
— Ahh, tia! Que bom que veio. Preciso muito da
senhora agora. Não sei o que...
— Shhhh, minha filha. — Ela me interrompe e se
levanta. — Vem, vamos levantar e comer algo.
Precisamos cuidar de você. E depois vamos conversar. E
quero saber de tudo. Tudo mesmo.
Concordei, sabendo que não me livraria de
contar tudo para ela que, com certeza, iria querer saber
sobre o pai do bebê.
∞∞∞
Minha tia tinha preparado um café da manhã
delicioso. E, acrescentando o fato de eu estar morrendo de
fome, comi mais do que deveria. Como sempre, fiquei
enjoada e vomitei tudo um tempo depois. E agora eu sabia
o motivo de estar “mal do estomago”.
Bia saiu antes que eu acordasse, ela tinha que
resolver algumas coisas na gráfica. Tomei um banho e
tentei melhorar minha aparência. Meus olhos estavam
avermelhados, inchados e havia bolsas escuras embaixo
deles. Eu não me sentia melhor do que ontem, mas o
pânico tinha diminuído.
Liguei no escritório e conversei com as meninas
da gerência pedindo que tomassem conta de tudo, porque
hoje eu não tinha condição de aparecer por lá.
Coloquei um macacão de malha, trancei meu
cabelo e fui enfrentar a dona Estela. A encontrei na
cozinha, preparando um bule de chá. Ela me entregou uma
xicara quando me sentei em uma das cadeiras do balcão.
— Beba um pouco de chá. Eles ajudam com os
enjoos. — Ela se sentou ao meu lado e segurou minha
mão. — Primeiro de tudo, quero que saiba que não estou
aqui para te condenar nem nada assim. Mas, foi uma
surpresa pra mim. Eu nem sabia que você estava saindo
com alguém.
Sorri, apertando sua mão de volta. Eu conhecia
minha tia, sabia que não era seu feitio julgar ninguém.
Mas, foi bom ouvir essa garantia dela.
— Também foi uma surpresa pra mim, tia. E eu
não estou saindo com ninguém... — Beberiquei um pouco
do chá, enquanto procurava as palavras certas. O chá
estava ótimo, a busca por palavras nem tanto. — É
complicado.
— Como assim, Cristine? Claro que você está
saindo com alguém. Oras, engravidou como?
— Tia... — Comecei a me sentir embaraçada ao
tentar explicar. — Essa gravidez foi resultado de uma
noite irresponsável. Eu saí para me divertir, bebi e... bom
você sabe como se faz bebês. Mas, não estou em um
relacionamento com o cara. Na verdade... — Mordi o
lábio, receosa em admitir.
— O que?
— Nem sei o nome dele.
Estela abriu a boca e fechou. Ela ficou um tempo
sem saber o que falar. E eu fiquei envergonhada pela
situação.
Depois, ela franziu o cenho.
— Não está escondendo o nome do pai do seu
filho, não é, Cristine? Porque o pai dessa criança tem
responsabilidades e não vou permitir que ele fuja delas...
— Tia, se acalme. — Interrompi quando ela
começou a se exaltar. — Eu realmente não sei quem ele é.
Ela me encarou por um tempo, decidindo se
acreditava em mim ou não. Tia Estela é uma mulher muito
bonita. Se aproximando de seus quarenta e cinco anos, um
corpo magro, os cabelos pretos, sempre mantido em um
corte channel, e um elegante jeito de se vestir, deixava
muita jovem com inveja. Além de bonita, minha tia era
muito inteligente, astuta e engenhosa.
— Ok. Se você está dizendo que não o conhece,
acredito em você. — Ela suspirou e colocou uma parte do
cabelo atrás da orelha. — Não se preveniu, minha filha?
— É claro que nos protegemos. Mas, parece que
entrei na estatística de mulheres que engravidam mesmo
usando o preservativo — falei, amargamente.
— Entendi. — Minha tia se calou e ficou
pensativa. Aproveitei o chá, a deixando digerir a nova
situação de nossa família. — Já sei! Me passe todas as
informações do evento e descreva como é o pai do seu
filho. Eu irei encontrá-lo. Ele é alguém importante? Você
sabe qualquer coisa dele? Sabe que conheço,
praticamente, todo mundo dessa cidade, filha. Posso
demorar, mas eu sempre encontro o que procuro!
— Calma, tia. Eu não sei nada dele. Só o
primeiro nome, mas não te direi.
— Por quê? — Me olhou com os olhos
arregalados, como se eu tivesse falado uma loucura.
E, às vezes, acho que estou mesmo.
— Pensa na minha situação, tia. Eu engravidei
numa noite de farra, de alguém que nunca tinha visto e,
provavelmente, nunca veria de novo. Imagina encontrá-lo
só para dizer: "Ei, lembra de mim? Transamos uma vez.
Parabéns, vai ser papai". No mínimo, vai me chamar de
doida e, no máximo, vai me chamar de interesseira. Esse é
o legitimo golpe do baú.
— Pode parar! — Ela falou com o dedo em riste.
— Você tem sua pequena fortuna. Dependendo de quem
seja, ele é que seria considerado o interesseiro. — Ela
colocou as mãos no quadril e falou seriamente: — Ele tem
que assumir a parte da responsabilidade dele.
Respirei fundo. Eu já imaginava que essa seria
sua reação.
— Tia, sabe que eu a amo. Você é minha única
família, além da Bia. Mas, passei boa parte da noite
pensando nisso e já tomei minha decisão. Você tem que
aceitá-la agora. Pode me apoiar? Ajudar sua sobrinha
querida nessa gravidez, e aceitar que ela vai ser uma mãe
solteira?
Minha tia piscou rapidamente, mas eu vi as
lágrimas não derramadas lá.
— Oh, minha pequena! Qualquer decisão que
você tomar eu apoiarei. Mesmo não concordando com ela.
E saiba que não concordo. Porém, não irei desistir desse
assunto com você. Quem sabe com o tempo, você não
esfrie a cabeça e mude de ideia. Enquanto isso, irei ajudar
no que for preciso. Inclusive, a amar esse pequeno que
virá para alegrar nossas vidas.
Minha garganta ficou apertada ao ouvi-la dizer
isso. Sei que poderei contar com ela e com a Bia para o
que eu precisar. Sei também que ela não encerrou esse
assunto. Mas, eu sim!
Minha vida estava começando a virar de cabeça
para baixo. Durante a noite, pensei em vários caminhos
que eu poderia escolher. Poderia interromper essa
gravidez. Poderia ir atrás do Henry. E poderia criar essa
criança sozinha.
Sei que a última opção seria a mais difícil de
todas. Mas, eu não conseguiria conviver com a primeira, e
não teria coragem para fazer a segunda. Ir atrás do Henry
para dizer que ele tinha me engravidado? Fora de
cogitação. Algo bem lá no fundo, me dizia que ele iria
achar que isso era um golpe.
E eu não queria ser tachada de interesseira. Não
por ele. De alguma forma, sua opinião importava para
mim. Mas, Henry estava no passado. Guardado na
lembrança da noite que nos conhecemos.
Não quero e não preciso dele me julgando ou
criticando, me acusando de estar atrás dele por dinheiro.
Sim, posso estar cometendo mais um enorme
erro. Mas mesmo que seja uma decisão precipitada...
Henry nunca saberá desse filho!
CAPÍTULO 3
CRISTINE
∞∞∞
Entramos no salão da festa às sete da noite. O
salão é oval, as cadeiras e mesas acompanhando o
formato, deixando um espaço no centro, onde seria a pista
de dança. A decoração toda em tons pastéis.
No canto direito do salão, um bar. Na outra
extremidade, um pequeno palco com visão bem ampla de
todo o lugar.
Várias pessoas já circulavam pelo lugar.
Algumas eu reconhecia, outras não. Pessoas da alta
sociedade. Empresários, industriários e até políticos.
Com certeza o evento seria um sucesso e arrecadaria um
bom valor.
Somos paradas a todo instante enquanto vamos
em direção a nossa mesa. Aqueles que não conheço, a
minha tia me apresenta.
Aqueles que me conhecem, me cumprimentam,
mas nada comentam sobre a minha – visível – barriga de
grávida.
Prendi meus cabelos em um coque moderno com
alguns fios soltos. Estava usando saltos, mas nada muito
exagerado. A maquiagem eu escolhi bem forte hoje,
sombra escura e batom vermelho. Precisava me sentir
bonita. Oito quilos a mais balançava a autoestima de
qualquer uma.
Desde o momento que chegamos, até o momento
que pude me sentar, passaram longos quarenta minutos.
Pelo jeito, eu não conseguiria ficar na festa por muito
tempo. Meus pés estavam me matando.
Pedi um suco de laranja e fiquei conversando
com um casal que estava sentado em nossa mesa. Se eu me
recordava bem, eram donos de uma famosa marca de
cosméticos.
Estela está andando por todo o salão, recebendo,
cumprimentando, rindo... é tão bom vê-la assim, radiante,
fazendo o que gosta. Fico feliz e orgulhosa por ela,
principalmente, por ser por uma causa nobre o motivo de
sua felicidade. Estela sempre teve um enorme coração e
disposição para ajudar os outros.
Um tempo depois, minha bexiga reclama. Parece
que ela encolheu de um tempo pra cá. Eu estava tão
cansada e, por algum motivo desconhecido, inquieta
também. Nem parece que tinha dormido a tarde toda. Só ia
esperar a Bia chegar, e logo após o jantar, iria para casa.
Mas a bexiga não podia esperar, por isso, me levantei
para ir ao banheiro.
HENRY
Tirei o dia de folga. Aproveitei para visitar
minha mãe e almoçar com ela. Quem sabe assim, ela
parava de reclamar da minha ausência.
No final da tarde, já no meu apartamento, ainda
consegui adiantar alguns problemas da empresa. Tem hora
que não tem jeito, alguma coisa sempre sai do controle.
Nesse tempo que assumi o escritório do meu pai,
tive que aprender a me tornar um carrasco. Preciso
mostrar que estou pronto para qualquer batalha. Na
verdade, o mundo dos negócios é tipo isso, um campo de
batalha. Vence o melhor. E o que guerreia bem, se torna
respeitado.
Trabalho em meu escritório de casa até quase no
horário da festa. No caminho, passo na casa da Carol para
pegá-la.
A espero no carro, e vejo quando ela passa pelo
grande portão da entrada de sua casa. Quer dizer, casa dos
seus pais. Carol é uma mulher jovem, e que adora ser
mimada pelos pais.
Ela caminha lentamente, jogando um pouco de
charme. Ela tem um corpo violão e sabe usar roupas que o
valorizam. Hoje, está com um vestido vinho, longo,
decotado e bem justo. Suas madeixas ruivas modelam o
seu rosto de uma forma bem atraente.
Pena que sua aparência parece não me afetar do
mesmo jeito de antes. Constato ao vê-la caminhar em
minha direção. Droga! Teremos que continuar só na
amizade.
Chegamos no evento quase nove da noite. Carol
entra comigo, mas, como estamos em nosso meio social,
conhecemos muita gente e, em pouco tempo, nos
separamos e vamos cumprimentar outras pessoas.
— Que bom que você chegou, Henry! — Estela
para ao meu lado, com um sorriso animado no rosto. Está
deslumbrante num vestido preto, todo rendado. — Estava
pensando que não viria!
— E perder uma de suas festas? Nem pensar!
— Dou um beijo em seu rosto. — Bebe algo comigo? —
pergunto, acenando para o bar.
— Não, querido. Obrigada! Vai ter que ficar para
depois. Você foi orientado de qual é sua mesa?
— Sim, Estela. E desde já a parabenizo. Está
tudo muito adorável.
— Obrigada. É muito bom ver que gostou. Se
está feliz significa que abrirá a carteira com generosidade.
— Balanço a cabeça e ela solta uma pequena gargalhada.
— Sabe, Henry, nos conhecemos há algum tempo e você é
uma das pessoas que tenho uma grande estima. Como se
fosse da família. — Ela diz com carinho. Sorrio, sabendo
que também penso assim sobre ela. — Ah, mais tarde
também irei te apresentar minha sobrinha. Quem sabe
você não põe um pouco de juízo nela, para que me conte
aquela informação, hein?
— Ahhh... Então, está usando minhas habilidades
para descobrir o pequeno segredo da sua sobrinha, hã? —
Ela revira os olhos, mas tenta evitar um sorriso. — Ok.
Onde ela está?
Estela olha para o outro lado do salão, e depois
me encara novamente.
— Ela estava na mesa, mas não está mais — diz,
confusa, e logo ri. — Deve estar fugindo da multidão. A
gravidez tem a incomodado um pouco. Está sofrendo para
se adaptar. Quando eu a encontrar te apresento.
— Sem problemas. Estarei aguardando na minha
mesa. — Ela se despede e vai cumprimentar mais
pessoas.
Vou até o bar e peço um uísque, observando as
pessoas a minha volta. Já tem muita gente nesse lugar.
Estela é muito conhecida e suas festas são de grandes
prestigio. Ninguém perde uma festa dela. Vejo Carol
conversando com algumas mulheres e vou para minha
mesa. Lá encontro outro empresário e Pedro sentado com
sua bela acompanhante.
— Boa noite. — Cumprimento todos ao me
sentar.
— Veio sozinho? — Pedro pergunta, com uma
sobrancelha arqueada.
— Não. Vim com a Carol.
Pedro faz uma careta ao ouvir o nome dela. Já
percebi que os dois não se dão bem. Pedro diz que ela é
fútil e interesseira. Eu acho que ele só não a conhece de
verdade.
Carol tem um gênio difícil de lidar. Mas, é minha
amiga e tenho certo... carinho por ela. Tenho receio em ter
amizades com mulheres, pois, geralmente, as que se
aproximam de mim têm segundas intenções. Carol e Estela
são algumas das exceções.
O tempo vai passando e o jantar está quase sendo
servido. A conversa flui animadamente. Carol não para
quieta aqui comigo, porém, não me importo. Fico contente
que ela esteja se divertindo.
Vejo a Estela cumprimentar uma loira bonita, e
depois as duas caminham em direção a uma mesa. Não sei
o motivo, mas continuo seguindo-as com os olhos.
Quando elas param, uma morena se levanta. Ela
está de costas pra mim e não consigo ver o seu rosto. Ela
se vira um pouco de lado e a única coisa que percebo é
que ela está grávida. Hum, deve ser a sobrinha da Estela.
Fico de pé, com a intenção de ir até a mesa delas,
para conhecer a sobrinha da Estela. Está tarde e estou um
tanto entediado. Já quero ir pra casa.
Repentinamente, eu travo. A sobrinha da Estela
dá uma olhada rápida pra trás e eu a vejo. É ela! Sem que
eu possa me controlar, vem todas as imagens deliciosas
daquela noite há quatro meses. Eu não acredito que depois
desse tempo todo, eu a encontrei.
Grávida? E como um clique, um quebra-cabeças
começa a juntar as peças na minha cabeça. Não pode ser!
Eu devo estar ficando doido. Com a cabeça fervilhando,
fico paralisado, encarando a mulher grávida logo a frente
por um bom tempo.
Como se sentisse que estava sendo observada,
Cristine olha diretamente pra mim. E pela reação dela, eu
sei tudo o que preciso.
CRISTINE
A festa está a todo vapor. E tia Estela está
desfilando todo o lado com um grande e satisfeito sorriso.
Estou feliz por ela. Mas, estou cansada e quero muito
minha cama nesse momento. A enrolada da Bia ainda não
tinha chegado, só enviou uma mensagem avisando que
estaria aqui em trinta minutos. E esses minutos já criaram
filhotinhos e renderam mais trinta minutos.
Finalmente, a vejo vindo em direção a mesa com
Estela. Ela também está com o namorado. Avalio o cara, e
até que ele é bonito. Assim que chegam à mesa, me
levanto para recebê-las.
— Até que enfim, amiga, pensei que ia embora e
não a encontraria antes.
— Sinto muito. Me atrasei na hora de arrumar, e
ainda pegamos um puta engarrafamento na vinda. — Ela
se vira para o homem ao seu lado. — Cristine esse é o
Philip... meu namorado. — Evito sorrir, ao vê-la engasgar
na palavra “namorado”. — Baby, essa é a Cristine, minha
melhor amiga.
Philip aperta minha mão e sorri brilhantemente.
É... o cara é muito bonito. Tomara que o relacionamento
dê certo. Nunca fui de julgar a vida da minha amiga, mas
tá na hora de ela ter alguém mais duradouro em sua vida.
Os dois se sentam e cumprimentam o casal que
está sentado conosco. Me viro para Estela:
— Parabéns, tia. Está tudo muito lindo.
— Obrigada, minha filha. Você está bem?
— pergunta, alisando minha barriga.
— Sim, tia. Só um pouco cansada. Se não se
importar, irei embora daqui a pouco.
— Claro que não me importo. Precisa cuidar do
bebê. Só me deixe saber quando estiver saindo.
Minha tia começa a conversar com a Bia, que a
inunda de elogios sobre o evento. Em certo ponto, tenho
um pressentimento de estar sendo observada e dou uma
olhada no salão.
E o mundo para quando identifico aquela bela
figura masculina de pé, ao lado de uma das mesas. Depois
de tanto tempo me conformando com a realidade de nunca
mais o encontraria, era um choque vê-lo ali.
Meu corpo reagiu com saudade, mesmo tendo
tido o seu toque por um breve período de tempo. Ele
estava mais bonito ainda.
Me perdi em um pequeno momento de nostalgia,
recordando da noite que tivemos... Nesse pequeno lapso,
constatei que não sirvo para sexo casual, não sei me
envolver sem me apegar. Uma noite e eu já me sentia
ligada a Henry.
Entretanto, a situação atual foi clareando minha
mente. Eu estava grávida.
Por um segundo, tento acreditar que ele não
percebeu minha gravidez. Mas, ele continua imóvel e seu
rosto está começando a estampar certa incredulidade.
Henry não é bobo. Logo ele fará as contas, se já não fez.
Meu instinto de sobrevivência, ou negação, grita
alto. Um medo semelhante ao que eu sentia quando meu
pai me pegava fazendo bagunça me inunda. Começo a me
sentir como um bicho enjaulado, sem saída.
De repente, seu rosto ganha uma expressão dura.
Dava pra ver a determinação em seu rosto, ele iria me
confrontar. E quando ele começa a andar em minha
direção, eu apavoro. Não estou pronta pra isso. Quer
dizer, eu poderia mentir, dizer que o filho não era dele, ou
quem sabe, por algum milagre, ele não tenha desconfiado
de nada.
Não pensei muito, aliás, não pensei nenhum
pouco, só saí o mais rápido que consegui da mesa e fui em
direção à saída. Sabia que tinha assinado minha própria
confissão de culpa.
Nem me dou o trabalho de olhar para trás para
conferir se ele está vindo atrás de mim. Sei que está. Eu
só preciso chegar lá fora e entrar em um dos táxis que
estão a serviço da festa. Por favor, Deus, que eu consiga
escapar!
Assim que piso na calçada procuro,
freneticamente, por um carro disponível. Aceno para que
ele me note e suspiro aliviada quando ele vem em minha
direção.
Fecho os olhos sentindo meu coração acelerado.
Isso não pode estar acontecendo comigo. Eu devia tatuar
essa frase em mim, já que ela parecia o lema da minha
vida ultimamente.
O cheiro dele invadiu meus sentidos segundos
antes de eu ouvir sua voz. O mesmo cheiro que me
embriagou meses atrás...
— Cris! — Henry fala com uma voz vazia.
Engulo em seco, mas continuo de costas pra ele.
Meu ritmo cardíaco está começando a me preocupar e me
sinto um pouco zonza.
— Vire-se, por favor. — Ele pede, a voz
expressando certo desespero.
Sentimento que eu conhecia bem. Desespero foi a
primeira coisa que senti ao descobrir essa gravidez. Na
verdade, ainda me sinto desesperada em alguns momentos,
mas já me acostumei a essa situação. Tive tempo para me
adaptar a uma notícia bombástica.
Esses quatro meses me ajudaram a controlar o
desespero. Eu estava gravida. Ponto! E já amava esse
pequeno ser dentro de mim.
Mas Henry... ah, ele estaria passando por tudo
isso agora. E merda... eu não queria estar por perto.
Com nós em meu estômago, me viro devagar. A
mentira que eu construí pra mim mesma nesses últimos
meses, começa a se despedaçar. Eu reencontrei o homem
que me engravidou. E ele está pra descobrir de um jeito
nada agradável que vai ser pai.
Respiro com dificuldade e minhas pernas se
esforçam para não desabarem no piso duro. Henry me
olha rapidamente, mas seu olhar desce pra minha barriga.
E se fixa ali.
Aproveito para admirá-lo. Henry em um smoking
é algo imoral. O terno veste perfeitamente seu tronco e
não esconde seus braços definidos. A camisa branca e a
gravata azul dão um ar sério e misterioso a ele, além de
destacar mais os seus olhos azuis. O cabelo claro
penteado disciplinadamente para o lado. Céus! Ele é
lindo. Minha mente imaginou um bebê dele, e meu coração
se aquietou em meio aos sentimentos turbulentos.
Eu ainda estava sem reação, sem saber o que
dizer, assim como Henry. Nunca previ esse momento com
ele. Acreditei veementemente que nunca o encontraria e
ele não saberia do bebê. E agora não sei o que fazer. E
detesto essa confusão dentro de mim.
Ainda olhando para minha barriga, vejo Henry
abrir e fechar a boca umas duas vezes. Seria engraçado
ver um homem desse tamanho sem ação, se o momento não
estivesse beirando o trágico.
— De quantos meses você está? — Ele,
finalmente, pergunta.
— Quatro.
Minha voz não é nada mais que um sussurro
quase inaudível. Mas, ele entende.
— Vou perguntar somente uma vez — avisa,
seriamente. — Tem alguma possibilidade desse b... desse
... dessa ...
Vendo-o gaguejar, o pânico em seus olhos e a
dificuldade em terminar a frase, eu me lembro do motivo
de não ter ido atrás dele.
— Bebê, Henry. O que está tentando falar é bebê.
— Você entendeu. — Me encarou e franziu o
cenho. — É meu, não é?
Deveria mentir? Dizer qualquer besteira para que
ele volte para seu mundo e me deixe em paz? Porém, a
intensidade em seu olhar me diz que ele já sabe a
resposta.
Não queria ter que passar por esse momento com
ele, mas não tenho vontade de mentir agora, não é o certo
a se fazer. Eu só aceno com a cabeça confirmando.
Henry fecha os olhos e passa a mão pelos
cabelos.
— Como isso é possível? — Ele pergunta, mas
tenho a sensação de que a pergunta é pra ele mesmo.
Então, permaneço em silêncio, vendo-o bagunçar
o cabelo. De repente, ele me encara, irritado.
— E por que só agora estou sabendo disso?
Acidentalmente, ainda por cima. Por que tenho a sensação
de que, se não estivesse nessa festa, eu nunca descobriria?
Eu estou cansada, com fome, estressada e com
um pouquinho de medo. Pra piorar, seu tom de voz acaba
com a minha paciência. Eu estou ciente que minha decisão
de esconder essa gravidez pode ter sido precipitada. Mas,
eu sei que o motivo de eu ter feito isso ainda é real e
certo. Por isso, escolho o ataque como defesa.
— Você quer um bebê, Henry?
Ele arregala os olhos e fica pálido. Sem dar
tempo para que ele responda, continuo:
— Você quer um filho na sua vida?
Ele está aturdido, sem reação, boquiaberto. Ele
não quer um bebê em sua vida. Aproveito que ele ainda
está aturdido e concluo:
— Está aí sua resposta. Você está certo. Nunca
descobriria sobre esse bebê se não estivesse nessa
porcaria de festa. — Respiro fundo e tento um argumento
que o fará recuar: — Não quero na vida do meu filho
alguém por obrigação. Pode ficar aliviado, Henry, pois,
pra mim, você é como um doador. Um que não terá
participação nenhuma na criação dessa criança.
Não foi minha intenção, mas minha voz saiu um
tanto ressentida. Ele franziu o cenho, e ia me responder
quando alguém o chamou da entrada do salão. Dei uma
olhada rápida, e vi uma ruiva bonita nos observando com
curiosidade. Eu aproveito que Henry se vira pra falar com
ela e entro no táxi que estava estacionado a poucos metros
da gente.
Peço para o motorista partir depressa e dou o
endereço do meu apartamento. Encosto a testa no vidro
frio da janela.
Sei que a notícia caiu como uma bomba em seu
colo, mas meu coração, bem lá fundo, ainda tinha
esperança de que a reação dele seria mais... feliz.
Havia tanta confusão dentro de mim. Nada fazia
sentido. Sabia que não podia nem deveria culpá-lo por
nada. Essa gravidez foi acidental. E a escolha de ocultar
isso dele foi minha. Então, por que me sentia com raiva e
magoada? Os hormônios estavam me enlouquecendo!
Só queria chegar em casa. Tenho que cuidar do
bem-estar dessa criança em meu ventre, por esse motivo,
vou a cozinha e preparo um lanche, mesmo tendo perdido
o apetite.
Henry é um homem decidido, já deu pra
perceber. Ele poderia ter fingido que não me viu na festa,
e esquecer essa situação. Mas, ele preferiu me confrontar
e descobrir a verdade.
E se ele quiser entrar em contato, sei que me
achará. Principalmente, sendo um convidado da minha tia.
Não querendo mais pensar nisso por hoje, me
apronto para dormir. Envio uma mensagem para Estela
avisando que já tinha chegado em casa e estava tudo bem.
Porém, ao fechar os olhos a imagem de Henry me
impede de dormir. Sinto uma lágrima solitária deslizar
pelo meu rosto. A noite seria longa...
Acordei cedo no dia seguinte. Como previsto, a
noite não foi das melhores depois de reencontrar o Henry.
Ainda não sabia o que fazer.
Sentia uma angústia sem sequer entender o
motivo de estar assim. Afinal, a decisão foi minha de
manter minha gravidez em segredo do Henry.
Por semanas, eu aleguei que não sabia nada do
homem que tinha me engravidado para minha tia. Mas,
isso não era totalmente verdade. Além de saber seu
primeiro nome, eu poderia ter voltado ao hotel onde foi a
festa. Poderia ter ido atrás da amiga da Bia que nos
arrumou os convites. Poderia ter investigado... eu sabia
que o teria encontrado. Mas, eu não quis. Fui covarde.
Não queria ter que me colocar na posição de encará-lo e
contar que estava grávida.
A verdade é que me sentia burra. Como
engravidei depois de uma noite de sexo? Eu sou mulher,
oras! É minha responsabilidade prevenir meu corpo, não?
Eu tinha falhado e não queria assumir, principalmente,
para o homem que também foi responsável por isso.
Estava sendo dura comigo mesma? Talvez. Mas
era assim que me sentia.
Precisava conversar com a minha tia, ela sempre
me ajudava em momentos como esse. E olha que já passei
por piores... estremeço, afastando memórias antigas.
Acordei faminta, o que não era novidade nos
últimos meses. A cada dia a fome parecia aumentar.
Também senti um pouco de tontura, mas passou rápido.
Minha tia não está no apartamento, o que
significa que foi para o seu após a festa. Mas, não deve
demorar a aparecer, principalmente, se tiver percebido a
minha tentativa falha de fugir estilo à “saída de mestre. ”
Coloco meu celular para carregar no escritório, e
decido ler um pouco. Hoje eu me controlaria e não ia
trabalhar em casa.
Depois de me acomodar na poltrona, sinto um
pequeno movimento em minha barriga. Ainda não o sentia
mexer com força, como chutes, mas dava pra notar quando
ele se movia na barriga. Era tão sutil, que se eu não
estivesse sentada e quieta, provavelmente, não notaria. E
eu amava isso.
Estava quase cochilando com o livro na mão,
quando ouvi a campainha tocar. Me levanto para atender a
porta e nem confiro acreditando ser minha tia.
Para meu horror, não é ela. Do outro lado, está
um Henry muito abatido. Ele está com a mesma roupa de
ontem, exceto o terno. Camisa amarrotada, uma nuvem
escura onde a barba estava crescendo, e o cabelo muito
bagunçado.
E a única coisa que consigo pensar é: como ele
me encontrou tão rápido?
— Henry? O que está fazendo aqui?
— O que acha? — perguntou, ironicamente. Seus
olhos foram para minha barriga. — Temos assuntos
pendentes.
Eu usava um vestido de mangas longas, pois o
clima estava frio. O vestido não escondia ou disfarçava a
barriga, aliás, acho que nenhuma roupa conseguiria fazer
isso no estágio que me encontrava.
— Agora não é um bom momento. E achei que já
estávamos conversados!
Sem se importar com o que eu disse, Henry
passou por mim e entrou no meu apartamento. Suspirei e
fechei a porta. Por fora eu podia parecer firme e tranquila,
mas por dentro o medo agitava minhas entranhas.
Ele parou no meio da sala e colocou os braços no
quadril.
— E quando seria um bom momento, Cristine?
Deixa eu pensar... acho que uns quatro meses atrás seria
ideal!
Respirei fundo, tentando relevar sua grosseria e
sarcasmo. Ele estava passando pelo mesmo choque que eu
senti quando descobri a gravidez. Não podia culpá-lo por
agir assim. E perder a paciência com ele também não
ajudaria.
Deixei-o na sala e fui em direção a cozinha.
— Chá? — pergunto, sem me virar.
Sabia que ele estava me seguindo.
Quando coloquei a água no fogão, o encontrei me
encarando confuso.
— Essa conversa parece que vai ser longa e
cansativa. Um chá não vai nos matar, não é?
Ele ficou um tempo em silêncio, atordoado, mas
se sentou em uma das cadeiras altas em volta do balcão.
Notei seu olhar em mim enquanto eu esperava a água
ferver.
Lembro-me de quando descobri sobre a gravidez,
o quanto fiquei devastada. Na verdade, ainda fico com
medo na maior parte do tempo, mas já aceitei bem a ideia
de um bebê na minha vida. Não podia imaginar quais eram
seus pensamentos agora. Mas sabia que ele precisava de
um tempo.
Quando a água ferveu, peguei duas canecas e
coloquei um sachê de chá de camomila em cada uma.
Me surpreendi quando Henry quebrou o silêncio.
— Descobri ontem que eu vou ser pai. — Sua
voz estava cansada, mas ainda assim, refletia um pouco de
irritação. — Já não bastasse o... susto sobre isso, já te
encontro com quatro meses. Ignorando o fato de que
escondeu, e pretendia continuar escondendo a gravidez,
você ainda despejou um monte de besteira em cima de
mim e não teve a decência de me ouvir de volta.
Entreguei seu chá e caminhei de volta para a sala.
— Vamos para o sofá.
Seria mais confortável para mim ficar lá. Henry
me seguiu de volta para a sala, segurando sua caneca.
— Tudo bem, você está irritado. Isso eu já
entendi — falei, ao me sentar no canto do sofá. Ele sentou
na poltrona de frente para mim. — Me desculpe por
ontem. Fiquei assustada quando te vi. Eu só... não sabia o
que fazer.
Esperei que ele organizasse seus pensamentos.
Não demorou muito.
— Por que... Por que não tentou me encontrar?
O fitei por alguns segundos. Mesmo tão destruído
como ele aparentava, eu só conseguia admirar sua beleza.
Eu nunca tinha visto olhos tão azuis.
— Eu não sabia nada sobre você.
— Você, pelo menos, tentou? — indagou,
desconfiado.
— Não.
— Por quê?
Tomei um gole do meu chá e desviei o olhar dele.
— Desde ontem, tento me concentrar no motivo
de ter escondido isso de você. De não ter nem tentado te
encontrar. — O olhei novamente. Sua atenção estava toda
voltada pra mim. E embora estivesse conversando
normalmente, e não gritando, não disfarçava a tensão do
seu corpo. — Eu, sinceramente, não sei, Henry. Medo,
talvez. Covardia de admitir uma falha. — Ri, sem muita
vontade. — Não sou jovem e tola. Eu deveria ter me
prevenido com a pílula do dia seguinte, mesmo com o
preservativo. Quer dizer, talvez eu seja tola, por acreditar
que uma gravidez não poderia acontecer comigo.
Henry passou a mão no rosto.
— Eu não te entendo! Some durante a noite,
engravida e não vai atrás do pai.
— Henry... — falei, começando a perder a
paciência. Detestava ter que ficar me justificando. —
Quer entender desde o começo? Tudo bem, vamos lá: uma
bela noite, eu resolvo quebrar minhas regras e sair para
curtir a noite, porque eu estava precisando mudar um
pouco os ares. Queria, nem que fosse por um momento
apenas, essa liberdade e intensidade de uma vida sem
compromisso. Achei que eu poderia viver assim. Mas,
não me entenda mal, por mais que a noite tenha sido
ótima, eu percebi que não conseguiria fazer aquilo mais
vezes.
Quando cito a noite que ficamos juntos, algumas
cenas de nós dois juntos, vêm a minha mente. Ótimo. Tudo
que eu precisava agora era dos meus hormônios de
grávida aparecendo para dar bom dia.
— Pouco mais de um mês após aquela noite, eu
comecei a passar mal e fui ao médico. Foi quando eu
descobri que estava grávida — falo, com o olhar perdido,
me lembrando do desespero que senti ao saber que meu
mundo estava mudando completamente.
Balanço a cabeça e olho para Henry que me
observa em silêncio.
— O que você queria que eu fizesse, Henry? Eu
só sabia seu primeiro nome e, aliás, é só o que eu ainda
sei, mas não vem ao caso agora. Eu não sabia mais nada
de você. E mesmo se soubesse, eu iria atrás de ti para
dizer: “Oi, lembra de mim? A mulher que ficou com você,
mês passado? Pois é, parabéns, vai ser papai". Pela sua
reação ontem ficou claro que um bebê não está nos seus
planos.
Nesse momento Henry se levanta e para na minha
frente.
— Pare de supor o que eu penso ou não. Como
você mesmo disse, você não me conhece. E sim, está
certa, um bebê não estava em meus planos. Mas,
aconteceu Cristine. Você não tinha o direito de esconder
isso de mim.
Cada palavra que saía de sua boca era cheia de
raiva e, talvez, decepção. E o ouvindo falar assim, uma
pontada de culpa começou a me invadir.
Inconscientemente levo a mão à minha barriga.
Quando Henry vê onde minha mão está, seus olhos se
suavizam.
— Me desculpe. Eu não deveria falar assim com
você.
Ele solta um suspiro cansado e começa a andar
de um lado para outro na sala. Depois volta a falar de um
modo mais controlado.
— Se ontem você tivesse me visto primeiro na
festa, teria dado um jeito de fugir sem me dizer a verdade,
não é?
Fecho meus olhos. Ele está certo. Seria isso que
teria acontecido.
— Você não sabe como foi difícil tomar essa
decisão, Henry. Acha que foi fácil decidir ser mãe
solteira? Afastar qualquer possibilidade de meu filho
conhecer o pai? Foi a decisão que eu achei certa.
— Como você acha que me eu senti ao descobrir
que eu seria pai daquela maneira, porra? — Estremeço ao
ouvi-lo xingar. Ele não percebe, ou não se importa. —
Você teve desde o início da gravidez para se acostumar
com a ideia. Eu já cheguei, praticamente, na metade dela!
Henry para de falar e vai em direção a janela da
sala com vista para o parque. Ele parece tão perdido,
confuso e exausto. Me lembro bem de ter saído do
consultório da Dra. Ellen e vagado pelas ruas. Além de
ter chorado muito pelos dias seguintes por não saber como
seria minha vida a partir daquele momento.
E ele tem razão. Mesmo ainda achando que eu
estava certa, não era direito meu, decidir privá-lo do
conhecimento da gravidez. Se ele iria assumir ou não a
responsabilidade era decisão dele, e não minha.
Aliso a minha barriga, notando um leve tremor
em minha mão. Eu estava me sentindo esgotada. Parece
que passou uma eternidade e ele ainda estava parado em
frente à janela, perdido em seus pensamentos. Tento dar
esse momento para ele, mas não aguento essa agonia.
— E agora, Henry? Agora que você sabe de tudo,
o que pretende fazer? — pergunto, tentando voltar a
conversa. Ele, finalmente, se vira para mim. — Se quiser
não ter nada a ver com esse bebê, eu irei entender.
Bom... entender, eu não sei se iria. Mas, me
conformaria com sua decisão. Não estava disposta a
obrigá-lo a fazer nada. Ele é o pai do bebê, e se decidir
permanecer na vida dessa criança teríamos que aprender a
ter uma boa convivência pelo bem dela. Contudo, se não
quiser, pode sair pela porta e nunca mais olhar pra trás.
Eu não o julgaria. Até ele dizer:
— Bom, acho que agora deveríamos nos casar,
certo?
HENRY
Eu estava blefando com uma mulher grávida. Sem
remorso. Ok, talvez um pouco. Mas eu precisava saber
onde eu estava pisando com essa mulher.
Então, eu blefei.
A noite não foi nada como o planejado. Não
esperava encontrar a Cris novamente, muito menos,
grávida. Porra! Cris, sobrinha da Estela, que tinha
escapado da nossa noite sem deixar vestígios, estava
grávida. De mim.
Nunca fiquei tão perdido em toda a vida. Nem
quando meu pai faleceu e eu tive que assumir toda a
responsabilidade da empresa.
As minhas inseguranças vieram com tudo essa
noite. Depois de tantas tentarem me dar o golpe e me
prender em um casamento, é racional que eu desconfiasse
de cada mulher que se aproximasse. E uma com um filho
meu? Esse seria o maior golpe de todos.
Na noite anterior, em um breve momento de
distração, ela escapou novamente. Foi só o prazo da Carol
me distrair, a mulher escorregou como sabonete e fugiu.
Ahhh, mas agora ela não tinha como desaparecer, eu sabia
que ela era sobrinha da Estela.
Maldição! Eu ameacei bater no cara que
engravidou a sobrinha dela. Fodida ironia.
Conforme ela foi se justificando, não consegui
evitar de ficar magoado com sua atitude. É
incompreensível pra mim. Ela não precisava passar por
tudo isso sozinha. E ela não tinha o direito de decidir se
eu queria ou não esse bebê. Ela, simplesmente, criou uma
imagem de mim que não é verdadeira. Ela me
generalizou.
Ela achou que eu não iria assumir essa
responsabilidade? Pelo visto, ela me considera o pior tipo
de homem. E isso me deixou furioso.
Desde ontem, meus pensamentos não parecem ser
meus. Eu odeio me sentir assim, confuso, perdido... me
lembrava a época que perdi meu pai.
Eu não sabia rotular os meus sentimentos: medo,
raiva, frustração... se estava pra ter um ataque de pânico,
ou qualquer porcaria assim. Se tem alguém que
surpreendeu e confundiu o inferno fora de mim, foi a Cris.
Eu não entendia mulher. Meu cérebro começou a
trabalhar procurando respostas aceitáveis para suas
ações.
Por mais que eu queria acreditar que isso seja
uma armação ou um golpe, não consigo me convencer
disso. Ela não me procurou com cobranças. Muito pelo
contrário, escondeu a gravidez, e ontem estava fugindo
como o diabo corre da cruz. Ações totalmente contrárias
de quem quer dar um golpe.
Passei a noite em claro. Eu posso ser
controlador, um tanto frio e, até mesmo, prepotente. Mas,
eu sou um homem que aceita e assume suas
responsabilidades. Eu nunca iria rejeitar um filho. Jamais!
Não foi esse exemplo que tive em casa.
Meu pai sempre foi rude e determinado. Bem
mais controlador do que eu. E era um homem de valor, de
palavra... Sempre deu o que fosse de direito as pessoas.
E em casa, cuidava da minha mãe como se fosse
uma rainha, era fiel a ela, e nunca nos deixou faltar nada.
Admito, ele não foi um homem carinhoso. Mas, me
ensinou os valores da vida. O que um homem precisa para
ser decente e honrado.
E eu o admirava. Quanto mais eu crescia, mais eu
queria ser como ele. E, se hoje ele ainda estivesse vivo,
não aceitaria que eu fugisse dessa responsabilidade.
Acima de tudo, meu pai me ensinou que família é um dos
nossos maiores bens.
Não sei por que diabos, a Cris escondeu isso de
mim. Mas eu iria descobrir. É algo que aprendi nos
negócios. É preciso entender o problema para chegar a
uma solução.
Algo a se considerar agora é que sei de seu
parentesco com a Estela. Provavelmente, sua situação
financeira é boa. Mas não posso evitar, a insegurança de
estar sendo enganado ainda está em minha mente.
Então... o blefe. Precisava analisar sua reação.
Mal termino a frase, e a vejo ficar de pé em uma
velocidade preocupante para uma gestante.
— Casar? Você ficou louco?
— Não é o que as pessoas fazem quando
acontecem situações assim?
Ela me encara, cética. Tento esconder um pouco
de diversão quando a observo ir até a xícara de chá que
ela tinha me entregado.
— O que tinha aqui nesse chá? Maconha? —
pergunta, ironicamente.
Sua voz está estridente, revelando o quanto está
ficando nervosa.
— Não sei. Você serve chá batizado para suas
visitas?
Ergo uma sobrancelha e não consigo impedir uma
pequena risada. Claro que eu sei a resposta pra isso, mas
não deixa de ser divertido ver seu ultraje.
— É claro que não! Foi só um modo de dizer.
É difícil conciliar a Cris que eu conheço daquela
noite no hotel, da Cris, sobrinha da Estela. Boa moça,
independente, que cuida sozinha do próprio negócio... que
irônico eu saber tudo isso das histórias da Estela. Ela
nunca escondeu o orgulho que sente da Cris. É claro que
ela não teria maconha ou qualquer coisa ilegal aqui.
— Você está bêbado! É isso! Veio conversar
comigo alcoolizado. — Ela fala, convencida desse fato.
Tento esconder meu sorriso. — Eu não sou esse tipo de
pessoa. Pirou? Está achando que vou me casar com você
por conta do bebê? Eu nem te conheço! Que ideia mais...
mais... ridícula.
Fico aliviado. Ela poderia se aproveitar agora e
concordar com meu pedido descabido. Embora, meu ego
tenha ficado um pouco ferido com sua negação.
— Tudo bem. Você está certa. Sinto muito, estou
confuso. E eu não estou bêbado. — Me aproximo dela e
aceno para o sofá. — Agora se acalme, não fique tão
exaltada assim.
Ela respira fundo e assente. Já sentada, alisa a
barriga. Já a vi fazendo isso umas três vezes. Acho que
ela faz sem perceber, como instinto materno. Porém,
continua com a testa franzida, me olhando de um jeito
desconfiado.
Decido parar com os testes e tranquilizá-la. Não
a quero pensando que o pai do seu bebê tem um parafuso a
menos.
— Olha, eu sei que não tivemos um começo
convencional. Mas, que fique claro, que nunca fugiria
dessa responsabilidade. Eu não sou esse tipo de homem
que você pintou na sua cabeça.
Ela continua me olhando sem falar nada, mas
percebo a culpa alcançando seu olhar.
— Eu quero e vou assumir essa criança, Cris. Eu
tenho o direito de participar da vida dela. Não quero ser
somente o doador, como você disse ontem. Droga, é meu
filho também.
— Eu sinto muito, Henry. — Ela fala e posso
identificar sinceridade em seu tom. — Muito mesmo. Eu
tive medo, mas não devia ter agido de acordo com esse
sentimento. Eu sei que é um direito seu e não te privarei
mais dele.
— Ótimo. Que tal começarmos pelo básico?
— Sento ao seu lado, e estendo minha mão. — Prazer, eu
sou Henry Banks! O pai do seu bebê.
— Tem certeza disso, Henry? — pergunta, um
pouco hesitante. — Isso vai mudar sua vida para sempre.
Não precisa embarcar nessa.
Engoli em seco. Ela tinha uma certa razão. Tinha
um pressentimento de que minha vida nunca mais seria a
mesma. Mas, como eu disse, eu não era esse tipo de
homem.
— Eu não vou fugir, Cris.
Ela suspirou e acenou a cabeça concordando.
Olhou para minha mão ainda estendida em sua direção e a
apertou.
— Prazer. Sou Cristine Morgan.
Esse é o primeiro de muitos passos que ainda
virão. E é claro que o futuro desconhecido me deixa um
pouco louco.
Sem contar que eu sabia que minhas inseguranças
iriam voltar para me assombrar. Previa muito trabalho e
desafios de agora em diante. Mas de um jeito ou de outro,
teríamos que aprender a conviver.
Deixamos de ser dois estranhos que ficaram
casualmente para termos um laço que nos ligaria para
sempre. E o fato de estar preso a uma mulher, e essa
mulher ser a Cristine, surpreendentemente, não me assusta
tanto quanto deveria...
CAPÍTULO 4
HENRY
Se há algum tempo, alguém me contasse que eu
estaria vivendo uma situação como a de agora, eu
mandaria essa pessoa para o quinto dos infernos. Mas a
vida é imprevisível, e aqui estou eu, com uma mulher que
não é minha, esperando um bebê juntos.
Eu não estava pirando, arrancando meus cabelos,
e nem tinha virado um alcoólico como eu suspeitei que
faria. Isso era um bom sinal. Certo?
Eu gosto de desafios. Mas a ideia de ser pai me
fazia suar. Eu não sei ser pai. Claro, eu sei a parte
racional onde os pais protegem e sustentam seus filhos.
Isso eu sei, e com certeza ao meu não faltará nada. Porém
a parte do amor, do carinho e afeição me assusta. Eu não
sei fazer essa parte. Honestamente, a única pessoa que
amo é minha mãe.
Eu também amava o meu pai, e o respeitava, mas
do nosso jeito machão. Do jeito que ele me ensinou.
Cristine e eu combinamos de nos conhecermos e
buscarmos juntos uma harmonia para essa nova etapa de
nossas vidas. Íamos tentar encaixar um filho em nossa
rotina. Mesmo não sendo um casal, conseguiríamos, não
é?
Merda! Eu imaginei tanto tempo em reencontrá-la
e poder me perder em seu corpo de novo. Não que eu não
tenha pensado nisso a cada cinco minutos enquanto estive
em sua casa. Aquela mulher é perigosamente atraente.
Mas, agora, a nossa atual situação nos complica. Um filho
nos envolverá o suficiente.
Eu nunca quis encontrar um grande amor. Sou um
homem prático. Vivo no mundo real, onde a taxa de
divórcio é alta. Principalmente, entre pessoas que
casaram jurando amor eterno. Pelo menos, em um nível
emocional. Sabia que um dia iria me casar, é a ordem
natural das coisas, mas me conformei com a ideia de
apenas sentir um grande afeto pela minha esposa. Nada
mais.
— Flávia? — Chamo a assistente pelo interfone.
— Sim, senhor?
— Não passe nenhuma ligação. Tenho que
adiantar alguns contratos importantes.
— Ok, senhor.
Passei o final de semana sem mexer com nada
referente ao escritório. A notícia de ser pai meio que
fritou alguns neurônios. No domingo, fui almoçar com
minha mãe e contar pra ela sobre a gravidez.
No início, vi que ficou muito preocupada com a
situação. Mulheres interesseiras também era a maior
preocupação dela comigo. Mas, depois de contar mais
sobre a Cristine, e o fato de ela ser parente da Estela,
alguém que minha mãe respeitava, foi o bastante para
acalmar o seu coração.
Lógico que ganhei o sermão de que deveria me
casar, mas quando recusei, ela não insistiu. E mesmo isso,
não ofuscou sua empolgação. Afinal, ela seria avó!
“Não é todo dia que ficamos sabendo sobre ser
avó, Henry”, ela tinha dito. Horas depois, as pessoas mais
próximas à minha família já estavam sabendo que um
herdeiro estava a caminho.
E, claro, o burburinho já tinha criando
especulação e curiosidade sobre a mãe do filho de Henry
Banks.
Eu não era uma celebridade. Nem aparecia nos
tabloides constantemente. Mas, essa era uma informação
que valia algo. O sobrenome da minha família era
conhecido. E agora, até a coitada da minha assistente
estava sendo bombardeada por essa informação que valia
ouro.
Escondê-la para sempre é impossível, uma hora
todos terão conhecimento de Cristine. Eu tentava
postergar isso. Não queria a minha vida, ou a da Cris, na
“boca do povo”.
O interfone toca, interrompendo meu trabalho.
Antes que eu reclame pela intrusão, Flávia comunica:
— Desculpe interromper, senhor. Mas aquela
senhora, a Estela Morgan, está insistindo em vê-lo.
Estava demorando pra ela aparecer. Ainda não
tínhamos nos encontrado depois da festa. E eu não sabia
como ela iria reagir.
— Tudo bem, Flávia. Mande-a entrar.
Estela entra na sala, elegante como sempre, mas,
dessa vez, seu semblante está sério. Ela para e fica me
encarando um tempo. Fico em silêncio, deixando que ela
decida o que fazer. Ela tem o direito de estar brava.
Afinal, sou o filho da mãe que engravidou a sobrinha dela.
— Ora, ora. Quem diria que estaríamos nessa
posição algum dia, hein?
— Irônico, não é? — Dou um meio sorriso,
percebendo que a nossa conversa está num clima leve. —
Gostaria de sentar?
Ela aceita e se senta no mesmo sofá que
estávamos há apenas alguns dias atrás. A deixo iniciar o
assunto.
— Sabe... Eu imaginava que o pai do bebê da
Cristine fosse algum conhecido. Que eu saberia quem é
nem que fosse pelo nome do sujeito. Mas, nunca eu
imaginei que seria alguém tão próximo. — Tento dizer
algo, mas ela acena me interrompendo. — Olha, Henry, eu
fui pega despreparada. Eu esperava, pelo menos, odiar o
homem que fez isso com a Cristine. Mas, sendo você, e
sabendo que minha sobrinha escondeu isso de você, não
consigo te odiar. Sei que apesar de ter a fama de
mulherengo você é um homem decente. Conheço sua mãe e
posso afirmar os seus bons valores. Mas, entenda meu
lado, Cristine é minha única família. Sempre fiz e
continuarei fazendo tudo por ela. E esse meu dever de
cuidar dela me faz querer saber quais são suas intenções.
Olho pra ela, calado, pensando em suas palavras.
Estela não brinca em serviço. Pensando com cuidado nas
minhas próximas palavras, respondo:
— Estela, como eu disse para a Cristine, todo o
meu comprometimento com essa criança é bem sério. Não
sou um irresponsável. Essa criança terá meu sobrenome e
tudo que tem direito. Inclusive a minha presença. E
também não deixarei que nada falte para Cristine.
— Henry, querido, eu soube imediatamente que
essa seria sua atitude quando descobri que você era o pai.
— Ela sorri gentilmente e aliviada. — Mas agora,
pergunto como sua amiga Estela: como está se sentindo?
Sobre ser pai?
Sorri um pouco sem-graça. Era difícil separar a
Estela amiga da tia-avó do meu filho. Mas, eu tentei.
— Honestamente? Perdido. Não vou mentir para
você. Tenho medo das mudanças que está acontecendo ao
meu redor. E eu nem sei como estou me sentindo sobre ser
pai, porque eu não me sinto como um pai. Ainda é tudo
muito surreal para mim.
— Eu sei, querido. — Ela me fita ternamente. —
Cristine também está muito assustada. É tudo novidade
para vocês dois. Mas, deixa eu te dizer algo Henry: é
difícil mesmo. Um filho já muda muito a vida de pais que
estão preparados para eles. Imagina para aqueles que não
estão. Vocês terão que ir com calma. Meu conselho? Dê
um passo de cada vez. O destino de vocês o
surpreenderam, mas não significa que não podem se
reajustar nessa nova trajetória.
Dei um sorriso rápido e balancei a cabeça
concordando. Um passo de cada vez. Era o que eu
pretendia mesmo.
— Quando foi que se tornou tão sábia, hein? —
A provoco um pouco.
Ela ri antes de responder:
— Ahh... a idade, Henry. Ela faz isso com a
gente! — Seu rosto fica sério mais uma vez. — Mas, vim
aqui por outro motivo também, Henry. Está sabendo da
consulta da Cristine para essa semana?
— Sim, ela me disse e eu falei que faria o
possível para acompanhá-la.
— Eu gostaria que você a acompanhasse mesmo.
Não sei se ela te contou, mas quando descobriu sobre a
gravidez, ela entrou em pânico. O seu desespero era... —
Estela para de falar, pensativa, como se recordasse de
tempos ruins. Depois balança a cabeça. — Não gosto nem
de lembrar. A questão é que ela só foi a consulta uma vez.
E ela deveria estar fazendo isso mensalmente. E sei que
não voltou lá porque ainda estava com medo. Cristine
detesta não ter o controle de tudo o que acontece em sua
vida. Mas, ela está tentando.
Eu não gostei de saber que Cristine não estava
indo às consultas. Precisava conversar com ela sobre
isso. Os olhos azuis de Estela se fixam em mim,
preocupada.
— Ela tem trabalhado muito. Sei que não deveria
estar sobrecarregando-o com problemas nesse momento,
já que ainda está se acostumando com a novidade de que
será pai, mas toda ajuda será útil. Se puder conversar com
ela, eu agradeceria.
— Claro, Estela. Você disse que ela tinha ido a
somente uma consulta. Ela está bem? Ela e o bebê? — Eu
sei que ainda não me sentia um pai, mas a preocupação
pela vida e bem-estar dessa criança já existe em mim.
— Sim, na consulta inicial tudo estava bem.
Além disso, ela está tomando as vitaminas que a médica
prescreveu. Ela só não teve coragem para retornar lá,
fazer ultrassonografias... essas coisas que grávidas fazem.
Mas ela está bem, sim. — Estela, repentinamente, se
levanta e eu a acompanho. — E, bom, não vim aqui para
te preocupar. Só queria te pedir esse favor. Cristine e esse
bebê significam tudo para mim.
— Tudo bem, Estela. Agradeço a visita. Eu irei
prestar bastante atenção durante a consulta e depois
conversaremos.
Estela sorri, agradecida, e me dá um beijo de
despedida.
— Lembre-se Henry, um passo de cada vez.
Tenham calma um com o outro. Se conheçam. Ah, e um
conselho sobre minha sobrinha: ela é totalmente
independente e foge de tudo que a faça perder o controle.
Então, não seja autoritário com ela. Caso contrário, te
garanto que as coisas vão se tornar difíceis. Para ambos.
CRISTINE
— Como ele descobriu seu endereço mesmo?
— Minha tia.
— Hum.
Bia mastiga os lábios enquanto digere toda a
informação que eu dei. É a primeira vez que a vejo depois
da festa. Até o momento só tínhamos conversado pelo
telefone. Eu precisei desse tempo sozinha. Henry me deu
muita coisa pra pensar.
Ele me contou que após eu fugir da festa, ele foi
atrás da minha tia Estela para pegar meu endereço. Claro
que ele teve que contar por alto o motivo de estar me
procurando. E minha tia o fez prometer que só me
procuraria no dia seguinte, quando ele tivesse esfriado um
pouco a cabeça.
Por isso ele tinha chegado aqui todo desgrenhado
naquela manhã.
— Então ele tá disposto a assumir o papel de
pai? — Bia pergunta, chamando minha atenção.
— É o que parece.
— Ele não surtou?
Olhei pra ela pelo espelho. Eu estava passando
uma leve maquiagem para sair. Finalmente, tinha criado
coragem e iria para uma consulta.
E sabia o que ela estava querendo realmente
saber. Se Henry não tinha me acusado do golpe da barriga
e exigido um exame de DNA, ou se transformado em um
ogro e exigido o aborto.
— Não. Ele aceitou bem, aparentemente —
respondo, torcendo a boca.
— Mas... você não acredita nisso. — Ela afirma.
É estranho o quão bem ela me conhece.
— Só acho que ele ainda vai surtar. Quando a
fichar cair ele vai espernear e gritar sobre ter um bebê.
Bia franze o cenho, pensativa, e se cala.
Aproveito e termino de me arrumar. A vinda do Henry foi
uma surpresa. E mais surpreendente ainda foi sua
aceitação com tudo isso. Ele estava reagindo bem melhor
do que eu.
E embora a situação com o pai do bebê tenha
sido colocada em pratos limpos, a presença dele
levantava outras milhões de dúvidas. Ele estaria por perto
até quando? Como ele seria como pai? Como nós
seríamos como pais?
Sem falar nos meus pensamentos sujos e
desenfreados quando ele estava perto. Minha nossa! Eu ia
sofrer um trabalhão para domar esses hormônios que
ficavam eufóricos quando eu olhava para certos olhos
azuis.
— Tomara que não! — Bia disse, interrompendo
meus pensamentos. — Ele vai com você hoje?
Dei de ombros, e comecei a guardar minha
maquiagem no nécessaire.
— Ontem ele mandou uma mensagem dizendo
que faria o possível para comparecer.
Tentei mostrar indiferença, mas estava um pouco
receosa. Talvez até ansiosa. Henry ir a uma consulta
tornava tudo tão real.
Essa seria a minha segunda consulta desde que
soube da gravidez. Me sentia culpada por ter atrasado
tanto. E se algo estivesse errado com meu bebê?
E também estava inquieta por causa do Henry.
Dessa vez, ele estaria lá. Bom, se ele fosse.
Desde do nosso confronto ele liga uma vez ao dia
para saber como eu estou. Ainda é estranho esse nosso
contato. Afinal, somos dois estranhos unidos por uma
situação inesperada.
∞∞∞
Eu já tinha vindo aqui outras vezes, mas foi
totalmente diferente. Minhas visitas eram sempre rápidas.
Agora eu estava aqui como uma gestante e esse lugar se
tornou amedrontador. Panfletos e banners sobre gravidez,
alimentação, estrias... E muitas grávidas ao redor. Henry
ainda não tinha chegado, e eu tentava manter as
expectativas baixas sobre ele vir.
Graças a Deus, dra. Ellen me chama quinze
minutos depois que chego, me salvando dessas
informações traumatizantes sobre partos.
— Querida, que bom te ver. — Ela me
cumprimenta com um abraço assim que entro em seu
consultório.
Levo um pequeno, e merecido, sermão por ter
faltado algumas consultas. Depois de prometer que não
faltaria mais nenhuma, ela começa com as perguntas:
— Como tem se sentido? Os enjoos e vômitos
cessaram?
— Sim. Diminuiu, mas não acabou totalmente.
Alguns dias são mais fáceis.
— Isso costuma passar no final do primeiro
trimestre, mas algumas gestantes sofrem um pouco mais,
como parece ser o seu caso. Vamos ficar de olho nisso.
Você está com dezesseis semanas. Alguma queixa? Algum
desconforto?
— Não. Quer dizer, além dos enjoos, me sinto
muito cansada e poderia dormir por dias.
— Também é normal. Bom, vou pedir um exame
de sangue e vamos fazer um ultrassom agora. Também
quero verificar seu peso e...
Uma batida interrompe o que Ellen estava
dizendo. Uma enfermeira entreabre a porta e coloca a
cabeça para o lado de dentro.
— Desculpe interromper, doutora.
Ela abre um pouco mais a porta e vejo Henry
parado do outro lado. Meu coração bate de um jeito
esquisito no peito. Acho que eu estava enganada quanto a
manter as expectativas baixas.
Henry passa pela enfermeira, que fecha a porta
logo em seguida, e vem se sentar ao meu lado.
— Eu sinto muito — fala um pouco
envergonhado. — Acabei me perdendo no caminho.
— Está tudo bem.
— Suponho, que esse é o pai do bebê? — Dra.
Ellen pergunta, levantando as sobrancelhas.
— Ele mesmo. Henry Banks! — Henry estende a
mão e cumprimenta a médica.
— Seja bem-vindo. — Sua atenção volta para
mim. — Como eu estava dizendo, vou pedir o exame de
sangue e faremos a ultrassom agora. Já sabe o que fazer,
certo?
É hora de trocar de roupa e usar aquele
vestidinho feio de hospital. Retiro minha blusa, mas
mantenho a calça legging. Quando saio do banheiro, Henry
estava conversando com a médica.
— Grávidas podem dirigir?
Franzo o cenho. Dra. Ellen responde, um tanto
divertida:
— Sim, claro. Desde que siga algumas
recomendações. Eu, particularmente, não recomendo que
uma das minhas gestantes dirijam após o oitavo mês.
Aproveito esse breve momento de distração dele
e o admiro com vontade. Ele está usando roupa social;
camisa azul clara, sem gravata, e calça chumbo. O cabelo
naquela perfeição irritante me fez lembrar de um momento
com ele naquela noite que nos trouxe aqui...
∞
“— Você passa o que no cabelo para deixá-lo
assim? — pergunto com um sorriso bobo.
Ele me olha de canto de olho e aperta o botão
do terceiro andar.
— Quer mesmo saber dos produtos que uso no
cabelo?
Com um sorriso travesso, nego com um aceno. É
que é tão bem penteado que nenhum fio sai do lugar. É
bonito. E irritante. Fico imaginando em passar meus
dedos ali várias e várias vezes pra ver como seria seu
cabelo bagunçado. Como será que ele deve acordar,
hein?!
Ele enlaça minha cintura me puxando para mais
perto e se curva um pouco para encostar o nariz em meu
pescoço, me deixando arrepiada dos pés à cabeça.
— Mas posso te dizer se me contar como faz para ter
esse cheiro esplendido! ”
∞
A voz dele me traz de volta a realidade.
— E viajar de avião?
— Também pode, mas com alguns cuidados.
— Mas, eu não pretendo viajar de avião. —
Interrompo a conversa. — Então, essa não é uma
preocupação. — Paro ao seu lado e franzo o cenho. —
Por que tantas perguntas?
— Estou me informando. — Ele responde e
voltou a encarar a médica. — Veja só, no livro O que
esperar quando se está esperando, diz que uma grávida
com mais de trinta e duas sem...
— Você está lendo? — pergunto, arregalando os
olhos.
— Sim.
— O que esperar quando se está esperando?
— Sim. É um dos livros indicados para leitura
durante a gravidez. — Ele estreita os olhos. — Você não
lê?
— Não — falei, lentamente, ainda sem acreditar
que ele estava lendo.
— Pois, deveria.
Eu estava tão incrédula, que não consegui
respondê-lo. Ele estava lendo livros sobre gravidez.
Como um verdadeiro pai.
De uma forma muito rebelde, meus olhos
lacrimejam. Pisco rapidamente, e disfarço balançando a
cabeça.
— Estou pronta — comunico, desviando o
assunto.
— Então vamos para a outra sala. — Dra. Ellen
diz.
No consultório dela tem uma porta de correr que
nos leva para um espaço menor. Só uma mesa
ginecológica, com aquele estribo constrangedor, uma
cadeira para acompanhante e a mesa com o equipamento
de ultrassom.
Henry me ajuda a subir na maca e senta-se na
cadeira ao meu lado. Abro o roupão, só o suficiente para
deixar a minha pequena barriga a mostra. O embaraço
aumenta ainda mais por fazer isso com o Henry aqui.
Principalmente, com ele encarando minha barriga.
A médica vai para seu lugar e pega um tubo de
gel.
— Fizemos isso da última vez que esteve aqui,
só que com o transvaginal. — Ela começa a explicar, e
aponta para uma vara.
Eu me lembrava bem, apesar de já estar
acostumada a realizar esse exame, nunca deixei de me
sentir incomodada com ele. Suspiro aliviada por não ser
mais assim.
Dra. Ellen apalpa minha barriga, suavemente, e
toma algumas medidas. Depois, despeja um pouco de gel
frio abaixo do meu umbigo.
— Bom, vamos ver se conseguimos ver esse
bebê — diz, olhando para a tela do monitor.
Dou uma olhada de soslaio para Henry. Seu olhar
acompanha o aparelho na mão da doutora em minha
barriga. Seu rosto inexpressivo não me dava nenhuma dica
do que está pensando.
Estela tinha me contado um pouco sobre ele.
Fiquei surpresa que os dois se conhecessem, levando a
outro nível a expressão de “como o mundo é pequeno”.
Deixo meu olhar vagar pelo seu corpo,
rapidamente, mas meu coração vacila quando olho para
seu rosto e encontro Henry me encarando de volta. Ops!
Pega em flagrante.
— Cristine... — Dra. Ellen chama minha atenção
de volta pra ela. — Hum.
Ela estreita os olhos encarando algo na tela. Seu
olhar concentrado começa a me incomodar. Meu coração
bate forte quando tenho um pressentimento ruim. Havia
algo de errado com meu bebê.
— O que está de errado? — Henry, pergunta,
também percebendo que algo estava errado.
Meu coração acelera mais ainda e eu temo ouvir
as próximas palavras da médica.
— Me desculpem. — Ela se apressa em dizer. —
Não há nada de errado. Mas, quero mostrar algo pra
vocês que podem deixá-los um tanto... agitados. — Dra.
Ellen informa.
Balanço a cabeça querendo que ela mostrasse
logo o que quer que fosse. Ela vira a tela e digita alguma
coisa no teclado. A imagem na tela mostrou algo borrado
e demorei um pouco para conseguir identificar o bebê. A
emoção veio, mas ainda estava preocupada procurando o
que havia de errado com meu filho. Fiquei encarando as
imagens, até que eu vi...
— Por que a imagem do bebê está espelhada?
— Não está espelhada, querida.
Ofeguei. Não pode ser!
— Oh, meu Deus! — sussurrei, atônita.
— O que foi? Eu não... — Henry se calou
quando, por fim, entendeu. — Ah, merda.
— São dois — falei, baixinho, ainda não
acreditando no que via.
O rosto do Henry é de puro choque. E acredito
que o meu esteja igualzinho. Fecho os olhos, tentando
manter a respiração no ritmo, mas está difícil.
Dois bebês? O que eu farei com dois bebês? Mal
estou preparada para cuidar de um só, quanto mais dois?
— Cristine? — Ouço a voz do Henry, mas não
dou atenção.
Estou concentrada em meu corpo, tentando me
tranquilizar. Caramba! Meu coração está batendo tão
forte...
— Cristine? — Agora ouço a voz da Ellen bem
ao meu lado. — Olhe pra mim, querida.
Abro os olhos, relutantemente, e encontro a
médica parada ao meu lado. Ela coloca uma mão em meu
rosto ternamente e pede:
— Inspire e respire. — Noto que ela está
apertando um dos meus pulsos, conferindo meus
batimentos. — Precisa se acalmar, senão sua pressão
arterial vai subir e isso prejudica os bebês.
Os bebês. No plural, meu Deus!
— Ela está bem? — Henry pergunta, inclinando-
se sobre mim.
— Estou bem — falo, tentando tranquilizá-lo.
Henry me olha por um tempo em silêncio.
Obviamente ele vê que não estou bem. Estou à beira de
um ataque de pânico.
— Pode nos dar licença um instante? — Ele
pergunta para a médica.
— Claro. Estarei em minha mesa.
Ela sai logo em seguida, nos deixando a sós.
Ajeito meu cabelo atrás da orelha, enquanto aguardo ele
falar.
Esperava que ele surtasse com a ideia de dois
filhos, que gritasse, que desistisse e saísse batendo a
porta... Mas, ele não disse nada.
Puxou a cadeira para mais perto da maca,
encostou os cotovelos nela e apoiou o rosto em suas mãos.
Ele estava muito perto. Eu podia sentir sua respiração em
meu rosto.
— O que está fazendo? — pergunto, depois de
algum tempo.
— Esperando você se acalmar.
— Oh.
Um canto de sua boca se levanta com o indicio
de um sorriso.
— Já se acalmou?
— Não. Como você pode estar tão calmo?
Ele dá de ombros.
— É um dom.
— Deveria estar surtando. E correndo pra muito
longe. Tipo, muito mesmo — falo, um pouco sem jeito. —
E se quiser desistir, ainda dá tempo...
— Não sei como você não entendeu ainda,
Cristine. — Ele me interrompe. Sua voz suave, mas sua
expressão não. — Eu não fujo.
— Mesmo com gêmeos?
Começo a sentir meu coração acelerando
novamente ao pronunciar essa palavra.
— Poderiam ser quíntuplos.
Arqueio uma sobrancelha em descrença. Ele ri.
— Tá. Talvez cinco me fizessem correr.
— Estou falando sério.
Seu riso morreu.
— Eu também. Já falei para parar com seus
“achismos” sobre mim. — Ele suspira. — Me assustei ao
ver dois bebês naquela tela também, Cristine. Mas, um a
mais não muda minhas responsabilidades. Serei pai do
mesmo jeito. Assim como você será mãe. — Ele franze o
cenho. — Só teremos trabalho dobrado.
Eu sei que está tentando me acalmar. Reconheço
sua intenção e fico um pouco mais admirada com esse
homem estranho, que não surta facilmente. Porém, minha
cabeça não aceita se acalmar. Minha vontade é de sair
correndo outra vez desse consultório.
Sento-me e tento me concentrar em minha
respiração. Mas minha mente começa a imaginar dois
pequenos bebês dependendo de mim. Cacete! Eu ia
desmaiar.
— Cristine... preciso que se acalme. — Ouço a
voz do Henry, preocupada.
— Não consigo — respondo, ainda de olhos
fechados. Acho que eu poderia começar a chorar a
qualquer instante.
Sinto um leve roçar em meus lábios. Abro os
olhos e vejo Henry se afastando um pouco. Seus olhos
procuraram os meus buscando algo. Ele tinha me beijado?
Sem que eu esperasse, ele se inclina e junta
nossos lábios outra vez. Dessa vez sem gentileza. Não foi
só um roçar. Sua boca pressiona a minha firmemente. Com
urgência.
Fecho os olhos de novo e só... me deixo levar.
Um prazer familiar percorre meu corpo. Lembranças de
seus beijos aquecem meu coração.
Interrompo o beijo precisando de um pouco de
ar. Henry exala uma profunda respiração e esconde seu
rosto em meu ombro.
— Desculpe.
Um pouco da excitação diminui. Ninguém quer
ouvir um pedido de desculpas após ser beijada. Mesmo
sabendo que ele fez isso para acalmar meu pequeno surto,
me sinto um pouco ferida.
— Eu estou bem. Já me acalmei.
Henry levanta o rosto e me encara por alguns
segundos. Depois acena e se afasta, voltando a se sentar
na cadeira, próximo a mim.
Sorrio um pouco constrangida.
— Sinto muito por entrar em pânico.
— Eu teria me preocupado se você não tivesse
surtado, Cristine. Não é todo dia que recebemos a notícia
que teremos gêmeos.
Senti o pavor se arrastar dentro de mim, mas
tratei logo de o empurrar pra longe. Agora não era hora de
surtar.
— Você tem razão. Eu só me deixei levar pelo
medo do desconhecido.
— Eu não costumo fazer promessas, mas as que
faço, eu cumpro. Eu estarei ao seu lado a cada passo a
partir de agora. Não quero e nem vou mudar de ideia.
Nem agora ou depois.
Respiro fundo, deixando que suas palavras se
infiltrem em minha mente e, perigosamente, em meu
coração. Meu lado racional me mandava manter os pés no
chão.
— Posso chamar a médica?
Balanço a cabeça concordando. Ele sai e volta
segundos depois com a Dra. Ellen.
— E agora? — pergunto para a médica que
retoma seu lugar, de frente para o equipamento.
— Bom, agora vamos cuidar desses bebês! Você
precisará de alguns cuidados extras, mas, fora isso, a
gestação é normal. Eu não vou te atolar de informações
agora. Primeiro, vamos fazer os exames, acompanhar o
desenvolvimento dos bebês no útero, montar sua dieta,
tirar as dúvidas... — Ela parou de falar e sorriu. — Mas,
antes de tudo isso, vamos a parte divertida?
— Yey! — exclamo, sem muito ânimo.
Henry me olhou, divertido, e acenou para a
médica. Que bom que ele tinha achado um pouco de graça!
— Tenho certeza que vão gostar desse som. —
Ellen fala e logo depois um som alto enche a sala.
Congelo. Meus olhos se enchem de lágrimas e eu
esqueço todo o medo, receio e preocupação. Eu estava
ouvindo o som da vida de dois pequeninos bebês. Os
meus bebês!
— Olha a força que esses corações já têm. —
Ouço a medica falar, mas não desvio o olhar da tela.
Concentro toda minha atenção lá, vendo os
contornos dos meus bebês aparecerem. Sorrio, sentindo
uma lágrima escorrer pelo meu rosto. Um sentimento
imenso vai tomando conta do meu coração, e eu sabia que
faria qualquer coisa por aqueles bebês.
Olho para Henry, verdadeiramente agradecida
por tê-lo ao meu lado nesse momento. Acho que se ele não
estivesse aqui, eu teria fugido da clínica outra vez.
Em seu olhar, havia algo indescritível. E, se eu
não tivesse enganada, estava emocionado.
Olho para a imagem dos bebês novamente,
acompanhando tudo o que a médica vai mostrando. Sinto
Henry limpando uma lágrima solitária que tinha descido
pelo meu rosto e, secretamente, desejo que ele sempre
esteja ali, para enxugar qualquer lágrima que eu viesse a
derramar no futuro.
— Então, querem saber o sexo dos bebês?
CAPÍTULO 5
HENRY
Foda. Foda. Foda.
Eu não teria apenas um filho. Teria dois.
Inacreditável.
Dois bebês entrariam em minha vida dentro de
alguns meses. Tenho certeza que tive um início de um AVC
quando recebi a notícia. Meu coração parou e voltou a
bater numa velocidade sobrenatural.
Mas, a ficha caiu mesmo, quando eu ouvi o
batimento cardíaco dos dois bebês. Cristo! Era real. Eu ia
ser pai.
O som quebrou e consertou ao mesmo tempo,
alguma coisa dentro de mim. Eu nunca me senti tão...
vulnerável, inseguro e orgulhoso ao mesmo tempo antes.
Mas, era assim que eu me sentia.
E quando a imagem dos dois apareceram na tela,
foi minha perdição. Ali eu tive a certeza de que jamais,
jamais, seria capaz de me afastar dessas pequenas
criaturas.
Claro que eu ainda estava aterrorizado, minhas
mãos suavam só de pensar que seriam dois, mas algo
maior, que eu não chegava nem perto de entender o que
era, dominou o medo. Eu faria de tudo para ser um bom
pai. Nem que eu tivesse que ler todos os livros de
gravidez da face da terra.
Olho, ansiosamente, para Cristine. Eu queria
saber? Diabos, sim. Mas, ia deixar que ela decidisse
sobre isso.
Ela devolveu o olhar, interrogativamente. Ela
estava passando a bola para mim? Sorri e olhei para a
médica, concordando com um aceno. Inacreditável! Eu
estava empolgado.
— Ok. Quero que conheçam seus bebês. Esse
daqui, — Aponta para o bebê do lado direito. — É um
rapaz. E o outro bebê, uma moça. Parabéns, terão um
casal.
Olho para Cristine que sorri e chora ao mesmo
tempo enquanto admira a tela do monitor. Levo minha mão
até seu rosto e limpo todas as lágrimas. Eu gosto de tocá-
la. E de beijá-la. Nem acredito que cedi a tentação e a
beijei ainda pouco. Não precisávamos de mais
complicações entre nós. Mas quem eu queria enganar?
Queria beijá-la, entre outras coisas, desde o momento que
a reencontrei.
Ela me olha, sorrindo emocionada. Seus olhos
são de uma cor fascinante, cinza, quase prateado, e agora
brilham encantadoramente.
Mesmo com a ponta do nariz e os olhos
avermelhados, Cristine estava linda. E me deixando
animado de um jeito bem inconveniente.
— Isso é... incrível. — Ela murmura, com a voz
embargada.
A médica nos deixa ver mais um pouco e depois
pede que retornemos a sua sala. Ela foi na frente, enquanto
eu esperava Cristine ajeitar seu roupão e a ajudava a
descer do leito.
— Obrigada por ter vindo. — Ela agradece.
Meus olhos, que estavam fixos em suas mãos,
enquanto a observava dar o nó no laço do vestido
hospitalar, e imaginava alguns cenários maravilhosos,
encontram os seus.
— Eu teria surtado se estivesse aqui sozinha. Sua
presença fez tudo... mais fácil.
Fico contente, e um tanto satisfeito, com sua
afirmação. Eu também gostei de ter vindo e participado de
um momento que, certamente, eu nunca mais esqueceria.
CRISTINE
— Você está bem, querida. — Ellen fala quando
estávamos todos de volta em sua mesa. — Irei te passar
algumas recomendações e as consultas pré-natal serão
mais frequentes, já que agora temos que cuidar de dois
bebês. Você está grávida de gêmeos bivitelinos, ou seja,
gêmeos não-idênticos. Eles estão em bolsas amnióticas
diferentes... — Ela para de falar e olha interrogativamente
para Henry.
— O que está fazendo, Henry? — indago, quando
o vejo digitando algo no celular.
— Escrevendo o que ela está falando —
responde, concentrado.
— Tá brincando, certo?
— O que? — Ele levanta a cabeça e me encara.
— É importante o que ela está falando.
— Henry... — Parei, pois não sabia o que dizer.
O encaro por mais alguns segundos, tentando
imaginar de qual planeta esse homem tinha saído. Olho
para a Dra. Ellen, que tem um pequeno sorriso no canto
dos lábios, e dou de ombros. Talvez ele seja só louco
mesmo.
— É normal, Cristine. Os pais, geralmente, são
mais neuróticos do que as mães.
— Eu não sou neurótico, sou precavido. —
Henry retruca.
— Ok. Desculpe. — Dra. Ellen se desculpa, mas
não parece lamentar verdadeiramente. — Vocês costumam
ser mais precavidos, por assim dizer.
A médica nos explica mais sobre a gestação
gemelar, seus cuidados dobrados, e algumas
recomendações. Henry anota tudo!
— Bom, como eu disse anteriormente, não quero
sobrecarregá-los com informações. — Ela diz, antes de
sairmos. — Além dos mais, cada gestação é diferente, e
você mesmo, Cristine, vai ir aprendendo com o
desenvolvimento dos seus bebês. Você tem meu telefone,
então, se precisar de algo antes da nossa próxima
consulta, é só me ligar. E sem faltar mais consultas, tudo
bem? Pré-natal é muito importante, ainda mais com uma
gravidez de gêmeos.
— Ela não vai mais faltar. — Henry garante.
Será que ele seria assim em todas as consultas?
Não sabia como me sentia a respeito dessa “precaução”
dele.
Saí de lá já com outra consulta agendada. Eu não
pretendia faltar mais as consultas. Iria seguir à risca toda
recomendação médica. Tudo para que meus bebês se
desenvolvessem saudavelmente.
Henry me seguiu com seu carro durante todo o
trajeto de volta para o meu apartamento. Ainda fez
questão de subir.
E isso me deixou inquieta porque, apesar do meu
corpo ficar bem empolgadinho quando ele está por perto,
meu cérebro ainda o reconhece como um estranho.
Henry tem sido uma agradável surpresa. Mas,
ainda estou receosa quanto à essa aceitação dele. É uma
mudança repentina e assustadora na vida de qualquer um e
essa calma dele me parece suspeita.
Uma parte minha teme que esse zelo dele seja
passageiro. Que após o efeito da novidade passar, ele vai
se afastar.
E eu preciso me proteger para não me
decepcionar no futuro. Estar preparada para qualquer
coisa. Pois, se um dia, Henry se cansar de bancar o pai,
não me magoará tanto. Eu acho...
— Você, realmente, não está lendo nada sobre
gravidez? — Ele pergunta, assim que entramos em meu
apartamento.
Coloco minha bolsa em cima da mesinha no
centro e sento no sofá. Cansaço era meu mais novo amigo.
— Eu até comecei a ler — falo, tentando
desabotoar minha sandália — mas, eles têm tantas coisas
que podem dar errado durante a gravidez que eu acabei os
abandonando.
Henry senta ao meu lado e me ajuda a tirar minha
sandália. Esses pequenos gestos gentis dele, estavam me
deixando confusa. E um pouquinho derretida.
— Isso é verdade. Tem cada coisa lá que... —
Parou de falar e me encarou. — Desculpe. Entendo seu
ponto.
— Eu leio um artigo ou outro na internet, mas não
me aprofundo muito no tema. Se eu fico com dúvida, ligo
para a minha médica. — Dou de ombros. — Acho mais
prático.
Ele assente. Suspiro e acaricio minha barriga.
Meus bebês. Eu ainda achava que estava sonhando.
— Como você pode estar tão calmo ainda é um
mistério pra mim. — Admito em um murmúrio.
Ele não me encara, mas observando o seu perfil,
vejo um pequeno sorriso em sua boca.
— Talvez eu não esteja tão calmo quanto pensa.
Sou um empresário, Cristine. Estou acostumado a lidar
com a pressão de certas situações.
Bom, ele tinha um ponto. Possivelmente, não o
estava decifrando direito. E isso era mais preocupante
ainda.
Com um olhar enigmático, Henry suspira e
pergunta:
— Já pensou na possibilidade de eu gostar da
ideia de ser pai?
HENRY
Depois que essas palavras escapolem da minha
boca, percebo o quanto elas são verdadeiras. De alguma
forma, eu estava gostando da ideia de ser pai.
Cristine fica boquiaberta. E acho que estou até
um pouco zonzo depois dessa admissão. Ela não dizia,
porém eu via em seus olhos a suspeita dela comigo. E com
razão. Não é todo homem que aceitaria uma situação
assim tão facilmente.
Mas sempre fui muito realista sobre meu futuro.
Eu sabia que um dia seria pai. Que eu teria que construir
uma família. Herdeiros iriam continuar o meu legado. Meu
pai me ensinou bem a importância disso. Eu só não
esperava que fosse tão cedo.
Mas já que uma criança já estava a caminho... eu
não iria negar que comecei a me afeiçoar a ideia de ter um
filho.
Com essa constatação, um outro sentimento se
apodera de mim: o de posse. Eram meus filhos. Meus
futuros herdeiros. E nada nem ninguém os afastariam de
mim.
— Preciso ir — falo e me levanto do sofá. —
Não se levante. — Peço quando ela começa a se mexer.
— Eu conheço o caminho.
Me inclino e dou um beijo em seu rosto, mesmo
com minha boca teimando em acertar a boca dela.
— Eu ligo depois pra saber como está. E
qualquer coisa que precisar, me ligue.
Ela dá um aceno hesitante. Eu desconfiava que
ela não ligaria, não.
— Henry... Obrigada por ter ido comigo.
Ela não precisa agradecer, de novo, por eu
cumprir minha obrigação, mas entendo que foi um ato
importante para ela. Sorrio e dou um aceno, antes de me
virar e ir embora.
Precisava ver minha mãe, ela queria notícias
após a consulta, porém, antes decido ir ao escritório
conferir algumas coisas. Assim que chego, peço a Flávia
para me informar como foi o dia. Ela me informa tudo o
que se passou e o que está precisando da minha atenção
no momento. Dou a ordem para não ser incomodado.
Ligo para minha mãe e aviso que passarei em sua
casa no final do dia. Apresso os assuntos mais urgentes e
deixo o restante para o dia seguinte. Contudo, pouco antes
de sair, ouço uma batida na porta.
Mando entrar pensando ser a assistente, mas me
surpreendo com quem eu vejo.
— Henry! — Carol exclama. Me levanto e
recebo um beijo seu no rosto. — Tanto tempo se dar
notícias. Tive que vir pessoalmente para uma visita.
— Oi, Carol. Sabe que tenho muitos
compromissos — digo, ainda surpreso com sua visita.
Ela, raramente, vem aqui.
— Hmmm, sei. Precisamos conversar.
— Carol, eu já tenho um compromisso.
— Ah, desmarque, vai! — Sorri, e vai até o bar
pegar uma bebida. — Só me procura quando precisa, é?
Uma pontada de culpa me incomoda. Não era
intencional, mas, ultimamente, só a chamava quando
precisava de sua companhia para algum evento.
— Desculpe. Tenho mesmo sido ausente com
você. Mas, hoje não dá...
— Sabe que quando quero algo eu não desisto!
— Ela me interrompe. — E não sairei daqui até que
concorde em jantar comigo.
Bem... eu estava em uma enrascada.
Esfrego meu rosto com uma mão. O dia foi tão
agitado e cansativo.
— Carol, sabe que não permito que exijam nada
em minha vida. E eu já tenho outros compromissos. —
falo, impaciente.
— Nossa, Henry! Sinto muito, só estou
preocupada com você. Não percebe que só quero o seu
bem?
— Eu sei, Carol. Mas agora eu preciso mesmo ir.
E não precisa se preocupar comigo. Eu sempre soube me
cuidar sozinho.
— Não duvido. Porém, na situação delicada em
que se encontra, o certo seria os amigos se preocuparem
com você.
Agora ela tem minha atenção. Desconfiava de
onde a conversa estava indo, mas finjo não entender:
— Que situação delicada, Carol?
— Oras! A gravidez, Henry. — Coloca a mão no
quadril e arqueia uma sobrancelha. — Não se faça de
bobo. Eu fiquei sabendo e me preocupo com você. Me
preocupo que possa estar sendo enganado...
— Pode parar por aí. — Interrompo-a, quando
compreendo o que ela vai dizer. — Não sei quem te
contou sobre isso, mas espero que guarde para si a
informação. É verdadeira, mas como eu disse agora
pouco, eu sei cuidar de mim mesmo! — exclamo,
exasperado.
Essa falta de privacidade na minha vida me dava
nos nervos. Carol, sabiamente, recua:
— Eu sei. Tudo bem. Você está ocupado agora,
eu entendi. — Se aproxima, largando o copo vazio em
cima da mesa, e coloca a mão no meu braço — Só quero
que se lembre que sou sua amiga, e me preocupo com
você, sim. Mesmo que saiba se cuidar, não quero vê-lo
machucado pela enganação de alguma qualquer.
— Não fale sobre o que não sabe, Carol — falo,
bruscamente, me afastando. Porém, me sinto culpado, pois
ela sempre se mostrou ser minha amiga e esteve por perto
quando precisei. — Agradeço a preocupação. Contudo,
tenho tudo sob controle.
— Se você diz. — Ela fala com um rosto
inexpressivo. — No entanto, gostaria de conversar com
você ainda essa semana. Podemos marcar para sair. Sinto
saudades do meu amigo.
— Claro. Me liga que a gente combina algo.
Ela me dá um beijo antes de sair. Inferno! As
fofocas começaram mais cedo do que eu esperava.
CAROL
Acordei com uma enxaqueca infernal. O que não
foi uma novidade por causa da bizarra notícia que chegou
até mim. Descobrir que meu quase futuro marido vai ser
papai foi o fim dos tempos.
Nunca esperei por algo assim. Ainda mais do
Henry, um homem tão responsável, e que parecia ser bem
esperto em relação as interesseiras de plantão que batia
em sua porta.
E eu aposto toda a fortuna dos meus pais, que
isso é um golpe da tal mulherzinha. Queria gritar de raiva
toda vez que eu lembrava que alguma fulana qualquer,
carregava um herdeiro Banks na barriga.
E, mesmo com esse golpe do destino, e da fulana,
eu estava determinada a ajudar meu homem se livrar desse
problema.
Eu o conhecia há anos. E desde que entrei na
adolescência, sonhava em ocupar o cargo de esposa de
Henry Banks. Ele sempre se destacou pela beleza e, claro,
pela fortuna. Henry é lindo, bem-sucedido financeiramente
– graças a morte prematura do pai –, tem caráter, uma boa
educação de berço, e muito elegante. E como sempre, isso
atrai uma penca de vadias pra cima dele.
Assim que o conheci soube que seria meu marido
um dia. Me aproximei aos poucos, jogando charme
quando possível, nada muito descarado. Henry não
gostava de compromissos. Claro que isso não me
agradava, mas tratei de controlar meu gênio, pois tinha
que ser esperta se quisesse permanecer ao seu lado.
O tempo foi passando e Henry demonstrou,
finalmente, interesse em mim. Mas, conhecendo seu estilo,
e mesmo não concordando, entrei no seu jogo. Criei a
imagem de uma garota que vivia exatamente igual. Eu não
estava atrás de compromissos. Só de diversão.
E funcionou. Logo, eu era a amiga com
benefícios. O que não foi nada difícil, pois o homem é um
deus do prazer. Além disso, nossa amizade foi evoluindo
e ganhei a confiança dele também. Ponto pra mim! Meio
caminho andado para ele me ver como uma boa candidata
à futura esposa.
Disfarcei qualquer interesse e ele nunca
desconfiou da minha intenção. O que era ótimo, pois eu
estava um passo à frente.
Henry pode não ter se dado conta ainda, mas sou
a mulher perfeita para ser sua esposa. Venho de uma
família rica, sou linda e inteligente, sei me portar como
esposa de um homem de negócios... Mas, um dia ele irá
enxergar isso. Eu não desisto do que quero. E eu quero
Henry Banks.
Algumas semanas atrás, o tonto me dispensou.
Disse que seriamos somente amigos. Certo! Meu instinto
dizia que algo ia errado.
A fofoca de que ele seria pai chegou como uma
bomba e me desestruturou. No início, achei que fosse
mentira. Henry não ia dar uma mancada dessas e
engravidar alguém. Mas a assistente dele confirmou. Ela
tinha ouvido ele falar disso com a mãe.
Quase surtei. Ele caiu no famoso golpe da
barriga. Mas eu não deixarei ninguém tomar o lugar que é
meu por direito. Passei dias pensando, e resolvi que
deveria agir logo se quisesse desmascarar essa fraude.
Henry pode ser um tolo, mas eu não. Essa semana
darei o primeiro passo. Irei rondar o que anda
acontecendo na vida dele e da tal mãe do pirralho. Não
deve nem ser do Henry.
Suspirei, enquanto bolava algumas estratégias. Se
fosse filho do Henry, eu teria que me acostumar a ideia de
meu futuro marido ter um bastardo.
Essa ideia me chateava, mas passarei por cima
de tudo e qualquer coisa por ele. Até mesmo do meu
orgulho.
E, se por sorte, eu desmascarar o golpe da
vagabunda, Henry me agradecerá e enxergará que sou a
única pra ele. Essa mulherzinha que me aguarde! Em
breve saberá do que eu sou capaz...
CAPÍTULO 6
HENRY
No final da consulta, a médica nos deu duas
cópias em DVD da ultrassonografia. Cristine me entregou
uma e ficou com a outra. Minha mãe amou assistir o
vídeo.
— Ah, meu Deus, filho! Dois bebês? — Ela
pergunta, emocionada.
Sorrindo, aceno confirmando.
— Não sabe como estou nas nuvens com essa
notícia.
— Percebe-se — comento, ironicamente.
Ela revira os olhos, mas sorri, não dando atenção
a minha provocação.
— Quero conhecer essa moça. Cristine, não é
mesmo?
— Sim. Eu darei um jeito de apresentá-las. Você
vai gostar dela.
— Espero que sim. Não quero que a futura mãe
dos meus netos seja...
— Intragável? — Tento completar e ganho outra
revirada de olhos.
— Que seja. Você entendeu.
Eu entendia, sim. Minha mãe queria gostar da
mulher que carregava seus netos.
— Sei que sendo sobrinha da Estela, ela deve ser
uma boa moça. Mas, não posso deixar de me preocupar
com quem vai fazer parte da nossa família.
— Tudo bem, mãe. Eu entendo. E logo a trarei
para que a conheça.
Ela me olha agradecida e volta a prestar atenção
na tela da televisão, que tinha uma imagem congelada dos
dois bebês.
— Como você está, meu filho? Sabe... com a
questão de ser pai, ainda mais de gêmeos. Isso te
assustou?
— Pra caralho.
— Henry!
— Me desculpe. Mas eu, realmente, estou
assustado, mãe. Não sei como fazer isso. Como ser pai.
Era bom poder conversar com alguém sobre
meus receios. Eu não podia falar com a Cristine, ela já
estava surtando com seus próprios medos.
Minha mãe se aproxima e senta-se ao meu lado
no sofá. Deixo minha cabeça cair em seu ombro, buscando
o conforto materno que sempre encontrei nesse lugar
especial.
— Eu sei, querido. — Ela acaricia a lateral da
minha cabeça com uma de suas mãos. — Pais sempre
estão com medo, mesmo quando a gravidez é planejada.
Você vai se sair bem.
— Como pode ter certeza?
— Porque eu que te criei!
Rio da sua modéstia e ficamos em um silêncio
confortável. Às vezes, eu precisava de momentos assim
para pensar em tudo o que estava acontecendo em minha
vida nos últimos dias.
Conversar com minha mãe sempre me trouxe
alívio e conforto. Dificilmente trago problemas pra ela
não ficar preocupada, mas sempre que as coisas apertam,
é a dona Rachel que eu busco. É a única pessoa que eu
tenho em casa. A base e fortaleza quando eu preciso,
encontro aqui com ela.
— Foi um choque, mãe. Perturbador. Ao mesmo
tempo me sinto contente. Faz sentido?
— Claro, filho. Está enfrentando uma das
maiores mudanças em sua vida. Porém o instinto paterno
já está presente em você. Por isso a alegria. É algo
inexplicável, mas compreensível. O seu pai tinha esse
instinto paterno também, mesmo que não fosse muito
carinhoso. — Faz uma pausa, como se estivesse
lembrando da época com meu pai. — Sei que é difícil pra
você passar por mudanças tão drásticas assim,
principalmente quando o controle não está em suas mãos.
Mas estarei aqui para o que precisar, ok? — Fito-a e ela
coloca a mão em concha no meu rosto, me aninhando
como quando eu era menino. — Sempre meu filho!
— Obrigado.
Depois de mais algum tempo calado, pergunto:
— Mãe... e se eu me casar com a Cristine?
Ela arregala os olhos e me encara chocada.
— O que? Como assim, Henry? Está pensando
em casamento?
— Sim — admito, como se confessasse um
crime.
Bom... casamento meio que era um crime contra a
solteirice, não é mesmo?
— Por quê?
— Por que não? — rebato.
Ela respira fundo, daquele jeito impaciente, e
responde pausadamente:
— Só não estou entendendo. Você sempre se
desvencilhou do assunto casamento. Estranho querer se
casar repentinamente.
— Não é estranho. Se usarmos a lógica, eu
engravidei a Cristine. É minha responsabilidade assumir
isso. O casamento seria a coisa honrada a se fazer, não?
Minha mãe me olha, pensativa, e depois diz:
— Está querendo se casar por dever, então?
— Não que eu esteja sendo obrigado a fazer isso,
mas, sim, minha consciência ficaria mais limpa.
— Acho que está no caminho errado, querido.
Casamento deve ser por amor. Você a ama?
Me calo. Lá estava ela vindo com essa história.
— Não. Eu nem a conheço direito, mãe. Se eu
gosto dela? Sim. E me sinto atraído também. Não é o
bastante?
Cristine é uma mulher bonita. E atração não era
um problema. Desde que a vi na festa de aniversário do
Rogério, ela fazia minha pele arder. Mesmo com aquela
pequena barriga de grávida, ela ainda era uma das
mulheres mais lindas que eu já conheci.
Eu sabia que casamento estava no meu futuro,
mesmo que eu tentasse adiar esse fato o máximo que
podia, então, por que não aproveitar a situação?
Cristine é uma mulher agradável, bonita, de boa
família e estava carregando meus filhos. Precisava de um
motivo maior?
— Não. Sua intenção é boa, mas o motivo é
errado.
— Eu acho que é o certo.
— Acho que está sendo precipitado.
— Será, mãe?
Ela me olha pensativa.
— Filho, não posso te dizer o que fazer ou não.
Só posso te aconselhar. As decisões, e consequências
delas, são por sua conta. E por mais que eu adorasse que
você se casasse, quero que pense bem no que vai fazer.
Não entre em um casamento com essa sensação de dever,
para daqui alguns anos você se arrepender e se divorciar.
Você agora tem que pensar não só em você, mas como uma
decisão assim afetará a vida de seus filhos. — Ela me
beija ternamente na testa. — Isso é ser pai, colocar seus
filhos em primeiro lugar.
Depois de conversar mais um pouco com minha
mãe, volto para meu apartamento.
Se eu estava cem por cento certo sobre essa
decisão de me casar? Claro que não. Estava em uma
montanha russa de emoção. Não podia afirmar estar com
minhas habilidades mentais funcionando corretamente,
mas era uma decisão que estava me incomodando
ultimamente.
Eu poderia me casar com Cristine? Se desse
certo, seria agradável tê-la como esposa. Cristine é uma
mulher muito linda. Estar perto dela era uma doce tortura.
Seu perfume, seus olhos prateados, seus lábios rosados...
eu a queria com a mesma intensidade da noite que
passamos juntos. Mas a atração que eu sentia por ela seria
o suficiente? Se algo desse errado isso seria um erro
catastrófico? Eu arruinaria tudo com a mãe dos meus
filhos, a pessoa que eu teria que conviver o resto da vida?
Eu tinha muito pra pensar.
CRISTINE
Henry... o homem era bonito demais para uma
grávida suportar. Seu sorriso perfeito, o cheiro
maravilhoso, os olhos azuis como o céu e aquele corpo
grande e forte... Ah, aquele corpo! Quase me contorcia
perto dele.
E o jeito que eu reagia quando ele estava perto
me irritava. Eu não sou uma adolescente para me
comportar assim. Mas meu cérebro perde a conexão com
o resto do meu corpo e meus hormônios indomáveis
assumiam o comando. Henry se aproximava, e eu queria
me jogar em cima dele.
Além do cara ser quase perfeito fisicamente, ele
é gentil. Golpe baixíssimo. Se ele fosse um troglodita
imbecil seria mais fácil ignorá-lo. Mas, não, ele tem que
ser todo zeloso e atencioso comigo e a gravidez. Argh.
Depois que nos reencontramos, até nos meus
sonhos ele vem me perturbar. Claro que em meus sonhos a
banda toca conforme a minha música. Porém, logo acordo
e volto pra realidade, onde meu corpo é um tratante, e não
cumpre com o combinado de não se excitar toda vez que o
encontro.
Ele é o pai dos meus bebês, então, obviamente,
não posso me dar ao luxo de ter um envolvimento com ele.
Hipoteticamente, se um envolvimento não dá
certo entre nós, corro o risco de estragar qualquer relação
pacífica que possamos ter no futuro. Teremos filhos
juntos. Estaremos ligados pela vida inteira, querendo ou
não.
E é por esse medo de colocar em perigo a
relação com o pai dos meus filhos, que não posso deixar
isso ir longe demais.
— Você devia estar trabalhando? — Bia
pergunta, parada na minha porta, cruzando os braços.
Balanço a cabeça tentando afastar os
pensamentos de Henry da minha cabeça.
— Por que não, Bia? Estou grávida, não inútil.
— Uma grávida de gêmeos que deveria, sim,
pegar mais leve no trabalho.
Bufo. Bia e minha tia estavam pegando pesado
comigo. É claro que eu procurava não extrapolar, mas a
preocupação delas estava virando exagero.
— Já estou terminando, senhorita — falo,
tentando apaziguá-la. Sabia que ela não sairia do meu pé.
— Só mais algumas assinaturas e pedidos de
fornecedores. Prometo.
— Vou ficar de olho. — Ela ameaça.
Reviro os olhos e sorrio.
— Ei — chamo antes que ela saia. — Como
estão as coisas com o Philip?
Os ombros dela caem.
— Não vão mais. Terminarmos.
— Poxa, Bia. — Me levanto e vou até ela. — O
que aconteceu?
— Ah, Cris. Nem sei direito. De repente, a gente
só brigava. Era melhor terminar do que continuar
insistindo e sofrendo mais.
A puxo para um abraço e suspiro tristemente.
Poxa! Realmente achei que dessa vez ia dar certo para
minha amiga.
— Sinto muito.
— Eu também.
Bia dá de ombros, indiferente. Mas sei que deve
estar doendo. Ela estava se esforçando de verdade nesse
relacionamento. Nem sempre as coisas acontecem do jeito
que queremos.
∞∞∞
— Temos que arrumar um apartamento maior,
Cristine.
Minha tia fala, enquanto folheia uma revista. A tv
está ligada, baixinho, em um canal de notícia. Eu estava
tomando um chocolate quente pra ver se espantava um
pouco do frio. Tinha chegado ainda pouco da loja quase
congelando. Esse inverno está nos maltratando.
Me aconchego melhor embaixo do cobertor e
procuro uma posição agradável para minha barriga.
Estávamos no sofá da sala, cada um em uma ponta, e com
uma coberta pra si. A noite ia ser de filme pra nós.
— Eu sei, tia. Mas não acha melhor esperar os
bebês nascerem? Mudança me dá tanto estresse.
Ela balança a cabeça discordando.
— Já pensou nas caixas a mais se você esperar,
filha? — pergunta e eu estremeço. Não tinha pensado
nessa possibilidade. — É melhor mudar logo. Aí você já
começa a montar o quartinho das crianças no novo
apartamento.
— Verdade. Não seria melhor uma casa?
Eu já tinha pensado em me mudar desse
apartamento. Eu o adorava, mas seria pequeno para duas
crianças. E pensando nelas, uma casa era mais ideal, não?
Com quintal e bastante espaço pra eles brincarem.
— Você que sabe, meu bem. O importante é
começar a procurar... e quanto mais cedo melhor. Vou
ligar para um amigo que é consultor imobiliário, ele...
A conversa é interrompida quando meu telefone
toca. Sorrio ao olhar para a tela. Henry.
O sorriso se amplia quando noto que é uma
chamada de vídeo.
— Cristine?
— Oi.
— Você está bem?
— Sim. Por que não estou te vendo? — pergunto,
quando a imagem da tela ainda permanece preta.
— Eu... não sei. É... não tenho certeza de como
isso funciona.
— Não faz chamadas de vídeo? — pergunto,
divertida.
— Quando preciso fazer alguma
videoconferência a assistente deixa tudo pronto pra
mim. — Ele faz uma pausa e depois diz, irônico: — Pode
continuar achando divertido, tá?
Dou uma risada ao me lembrar de que ele pode
me ver e, consequentemente, minha expressão divertida
por causa da situação.
— Procura na tela a imagem de uma câmera.
Enquanto espero ele ligar sua câmera, dou uma
olhada para minha tia. Ela nos observa em silêncio, com
um pequeno sorriso nos lábios.
— Pronto!
Quase suspiro ao ver Henry pelo celular. Quase!
O cabelo está perfeito como sempre, é sua marca
registrada. Hoje ele está vestindo um terno preto e uma
camisa branca, sem gravata. Como é imoral e injusto um
homem bonito assim tentar uma grávida.
— Agora sim — sussurro, admirando-o.
— Como vocês estão?
— Estamos bem. Apesar do frio.
— Percebe-se — fala, olhando o que estou
vestindo.
Sorrio. Estou excessivamente agasalhada, eu sei.
Mas eu sempre sofri com o frio. É só cair alguns graus e
eu já corro atrás de um casaco.
— Quer sair para jantar amanhã? — Ele
pergunta de repente.
— O que? — Arregalo os olhos, surpresa.
— Sair para jantar.
— Eu não sei... — respondo, abobalhada.
— Deveria ser uma resposta simples.
Encaro a tela por vários segundos. Henry tem
ligado constantemente para saber do meu estado de saúde.
Mas nosso contato tem se mantido nisso, só ligações.
Bom, pelo menos, até a próxima consulta, onde nos
veríamos novamente. Por que a mudança agora?
Sondo sua expressão pra ver se descubro algo,
mas ele é bom em deixar o rosto em branco.
Olho para minha tia, mas ela voltou a ler sua
revista. Ou melhor dizendo, está fingindo ler.
— Por que jantaríamos juntos?
— Não combinamos que iriamos nos conhecer
melhor?
— Sim — respondo, apreensiva.
— Então não vejo problemas em um jantar.
— Ok. Podemos jantar.
— Passo aí às seis.
Encerro a ligação com borboletas no estomago.
Isso não é um encontro, tento me convencer. Ele só está
querendo conhecer melhor a mãe dos seus filhos, a pessoa
com quem terá um laço vitalício.
— Não é um encontro — digo em voz alta,
quando vejo minha tia me observando.
Ela dá de ombros, concordando. — Eu não disse
nada.
Mas seus olhos, sim! Acuso, mentalmente.
∞∞∞
Sabe como é difícil se arrumar para um encontro
com uma barriga de quase cinco meses? Espera. Eu disse
encontro? Não é um encontro. É só um jantar. Mantenha-
se com esse pensamento, Cristine. Um jantar com o pai
dos seus bebês, que você não via há meses. Estranho nem
chega perto de definir essa situação.
Passo as duas últimas horas revirando meu
guarda-roupa atrás de algo decente. Eu sei que estou
grávida e que isso diminui, consideravelmente, o interesse
masculino em mim, mas quero imaginar que ainda consigo
impressionar.
Não sei por que me preocupo com isso. Afinal,
seria mais fácil me vestir sem vaidade alguma, e espantar
as chances desse jantar se transformar em algo mais.
Por fim, decido por um vestido longo, azul
marinho, apertado em meus seios, que estão um número
maior, pelo menos. Pego um casaco, pois o clima ainda
está frio. Coloco um salto Anabela clássico, na cor preta.
Deixo os cabelos soltos de um lado em meu ombro, e uma
maquiagem leve.
Não sei onde iremos ir, mas quero estar
preparada para qualquer situação.
Exatamente às seis da noite, minha campainha
toca. Abro a porta e – por Thor e toda Asgard! – Henry
está perfeito. Está vestindo uma camisa cinza e um blazer
preto. É tão bonito como a roupa fica certinha em seus
músculos. Calça preta e sapatos sociais, completam o
visual. Suspiro. Meus hormônios me dariam trabalho essa
noite.
— Você está linda. — Ele diz, sorrindo.
— Você também. Quer entrar ou já vamos?
— Se estiver pronta, podemos ir.
∞∞∞
Como suspeitei, Henry nos leva a um ótimo
restaurante. A comida deliciosa, o ambiente tranquilo, e a
conversa fluindo normalmente.
E, incrivelmente, Henry tem um senso de humor
agradável, o que ajuda a não deixar o clima tenso ou a
conversa sem-graça. Falamos de tudo um pouco: a
expectativa com os bebês, sobre minha vida e minha tia
Estela, e ele conta um pouco da dele.
Após o jantar, Henry me perguntou se eu estava
cansada demais para uma pequena caminhada, em um
parque próximo ao restaurante.
Quando chegamos, nos deparamos com um
miniparque de diversões montado e, apesar do frio, tinha
muita gente no lugar. Nova iorquinos adoram essas
festividades.
Sentamo-nos em um banco de pedra na beirada
do lago. De um lado, podia se ouvir as crianças brincando
no pula-pula, de outro, via-se alguns casais tendo um
momento de romance. Tentei não olhar muito nessa
direção.
No ar, o cheiro de pipoca e cachorro quente
acordou meu estômago. Seria muita gula,se eu fosse até o
carrinho de cachorro quente, logo após o jantar?
— Então, fundou a loja, juntamente com a
Beatriz, há mais de dois anos? — Henry perguntou.
— Sim. Parece que foi ontem — respondo,
fitando distraidamente algumas árvores à nossa frente.
As lembranças de quando abrimos a loja
começou a me deixar nostálgica. Da insegurança de estar
dando um passo maior que a perna, do medo de não
sermos capazes de levar o negócio adiante, ou de
fracassar... Mas também tivemos sorrisos e
comemorações a cada pequena vitória. Bons momentos.
Recordar o passado também me trazia
lembranças de uma época muito ruim. Por isso, logo
cortei esse pensamento...
— Felizmente, estamos indo bem. — Completo,
saindo das lembranças e voltando à realidade.
Olho para Henry que me observa atentamente. É
boa essa sensação de ter toda a sua atenção voltada para
mim. Me faz sentir-me importante.
— Vocês devem se orgulhar. É difícil começar
um negócio próprio, e prosperar com ele em Nova Iorque
é mais duro ainda. Ainda mais as duas sendo tão novas.
— Eu sei. E nos orgulhamos disso. Mas nós duas
temos muitos contatos nesse meio. Minha tia Estela foi de
uma ajuda essencial, assim como os pais da Bia, que
conhecem muitos publicitários influentes na cidade.
— Mesmo assim, isso não tira o mérito de vocês.
Sorrio e desvo o olhar. Admirar esse homem por
mais que dez segundos era um erro fatal. A fila do
cachorro quente tinha diminuído...
— Quer um cachorro-quente? Ou é a pipoca? —
Ouço sua voz divertida
— Está tão na cara assim? — pergunto, um tanto
constrangida.
— O que? Que você está quase atacando um dos
carrinhos de comida? — indaga, sorrindo.
Solto um gemido, mortificada, e coloco minhas
mãos em meu rosto.
— Vamos lá, vamos pegar algo para vocês três.
— Ele diz, levantando-se e estendendo a mão para mim.
Meu coração dá um pequeno salto ao encarar a
sua mão.
— Não sei se eu devo — falo, hesitante.
A afirmação valia tanto para a comida, como
para a mão estendida dele. Eu não deveria comer tão logo
depois do jantar, nem deveria tocar em Henry. Minha
mente sabia que ambas as coisas seriam erradas.
— Não vejo problema algum — fala, sem se dar
conta do meu conflito interno.
Respiro fundo, ignorando minha razão, e seguro
sua mão. Sua pele quente envia calor por todo o meu
braço, mesmo ele só encostando em minha mão.
— Então, cachorro-quente ou pipoca? —
questiona, enquanto caminhávamos em direção aos
carrinhos de comida, que estavam um ao lado do outro.
— Cachorro-quente.
Estava concentrada em sua mão que ainda
segurava a minha. Tão errado. Mas, não me importei,
pelo contrário, ainda me atrevi a sentir falta quando ele a
soltou para pegar e pagar o meu lanche.
Voltamos caminhando, enquanto eu comia essa
delicia de fast-food sem nenhum remorso, para onde
Henry tinha deixado o carro estacionado, perto do
restaurante. A noite, e a companhia, tinha sido excelente.
E eu estava começando a pensar que as horas passaram
rápido demais.
∞∞∞
— Obrigada pela noite, Henry. Foi maravilhosa!
— Agradeço, assim que entramos em meu apartamento.
— Eu também gostei muito — diz, enfiando as
mãos no bolso da calça.
— Quer um café? — pergunto, colocando a bolsa
em cima da mesinha.
A minha pergunta foi mais por educação.
Esperava que ele negasse e fosse embora, pois já era
tarde. Os planos do Henry, porém, eram outros.
— Claro. Se não for incomodar.
Fico uns segundos atônita, momentaneamente
surpresa por ter aceitado o café, mas, rapidamente,
recobro a razão e vou em direção a cozinha.
— Incomodo algum — murmuro, enquanto
andava.
Preparei o bule com água e, vez ou outra,
escapava algumas olhadelas para Henry. Ele estava
sentado, me observando. Era tão empolgante!
Quando o café ficou pronto, servi nossos copos e
me sentei ao seu lado. Me equilibrar nesses bancos altos
do balcão estava se tornando uma tarefa difícil com essa
barriga.
Beberiquei um pouco do liquido quente e olhei
para Henry. Seu olhar me incomodou um pouco.
— O que foi?
Ele demorou um pouco para responder, o que me
deixou mais ansiosa. Havia algo em seu olhar que eu não
conseguia decifrar.
— Eu estava pensando... — Parou de falar, e
ficou pouco pensativo.
Podia ver um conflito interno acontecendo ali.
Quando ele estava satisfeito com o que quer que estivesse
pensando, se virou no banco, ficando totalmente de frente
pra mim, e largou a xícara em cima do balcão.
— O que teria acontecido se você não tivesse
fugido naquela noite?
Boquiaberta, não sabia como respondê-lo. Que
diabos... De onde surgiu essa pergunta? Henry continuou
me encarando, esperando por uma resposta.
— E-eu não s-sei... — gaguejo, tentando
encontrar minha voz.
— Pensei muito sobre isso após aquela noite.
Sem a certeza de que te encontraria outra vez, era a única
coisa que eu me permitia pensar. Os “se” me
transtornaram por um bom tempo.
Surpresa com sua admissão, continuei calada,
deixando que a mente digerisse a informação. Ele pensou
sobre aquela noite? Eu seria capaz de apostar de que ele
nem se lembrava do meu nome, mas aí estava ele me
surpreendendo mais uma vez. E eu gostei de saber isso,
mesmo achando que ficar especulando sobre decisões
passadas era um atraso em nossa vida.
— Eu não sabia como me sentir, Cristine, mas eu
sempre soube de uma coisa.
— O que? — pergunto, baixinho. A intensidade
em seu olhar quase me fez correr.
Por mais que eu gostasse de saber que ele passou
um bom tempo lembrando de mim, receava que esse
assunto causasse uma nova discussão.
— Que eu queria ter a oportunidade de ter te
encontrado outra vez.
Sinto um nó em meu estômago. Eu tinha escutado
bem? Melhor, eu tinha entendido corretamente? Ele está
querendo dizer que não seria um caso só de uma noite?
— Henry... — Umedeço os lábios. — Não
podemos mudar o passado.
— Eu sei disso. Mas, o bom do presente é que
podemos fazer o que quiser.
Franzo o cenho. Meu coração batia
descompassadamente.
— O que está querendo dizer?
— Estou tentando dizer que podemos continuar
de onde paramos...
— Espera! — Levanto uma mão, o
interrompendo. — Está dizendo que quer o quê? Tentar
como em um relacionamento? É isso?
— Sim. Por que não?
— Porque essa é uma péssima ideia — afirmo,
balançando a cabeça.
— Por quê?
— Henry... — Paro de falar, tentando controlar
meus pensamentos. Onde esse homem estava com a
cabeça? — Nós teremos filhos. Muito em breve.
Estaremos ligados por toda a vida.
— E? — pergunta de um jeito teimoso.
— E seria terrível se brigássemos ou odiássemos
um ao outro. Temos que ter um bom convívio se quisermos
criar essas crianças juntos.
— Cristine...
— Não! — O interrompo outra vez.
Fico de pé, me sentindo agitada demais para ficar
sentada.
— Essa ideia sua é descabida...
Começo a andar de um lado para o outro,
nervosa. Henry se levanta também e se aproxima.
— Não pensou no que poderia ter acontecido
naquela noite se tivesse ficado no quarto comigo?
Estreito os olhos. Claro que eu tinha pensado, e
nenhuma das hipóteses eram agradáveis. Mas não ia
contar isso pra ele. Henry já pensava que eu tinha um
quadro muito feio a respeito dele na minha cabeça. Não
precisava piorar as coisas.
— Sim, Henry... também fiquei martelando
muitas possibilidades depois daquela noite...
— Então?
Ele estava tão perto que eu podia sentir o calor
do seu corpo. E seu perfume divino também.
— Ainda acho que não podemos fazer isso.
— Você não quer?
Se eu queria ou não, não era a questão. Porque,
Deus me ajude, eu queria. Queria sentir novamente meus
braços em volta do seu corpo e suas mãos explorando o
meu. Queria tantas coisas... mas isso era só a atração
falando em voz alta. Envolver sentimento era outra coisa
muito diferente e mais complexa.
Ele se aproxima mais, tanto quanto minha barriga
de grávida deixa, e coloca as mãos em meu rosto. Respiro
fundo, sentindo seu perfume me inebriar.
— Henry... — sussurro, fitando seus lábios.
— Você não quer?
— Isso é um erro tão grande.
— Você não quer, Cristine? — Ele repete a
pergunta. Sua respiração soprava em meu rosto.
— É um risco enorme — murmuro, já perdida em
seu olhar.
— Saiba que os melhores negócios da minha
vida, vieram de grandes riscos.
Quis fazer uma careta por ele comparar a ideia
de nós dois juntos com trabalho, mas não consegui. Eu
compreendi a linguagem dele, mesmo não concordando.
— Ainda é uma péssima ideia.
Henry mal esperou que eu falasse e colou nossas
bocas em um beijo lento, quase preguiçoso. Senhor!
Como resistir?
Minha mente tentou gritar que estávamos dando
um passo sem volta, indo para um ponto sem retorno, mas
a luxuria não me permitiu ouvir. Eu só queria, não, eu
precisava de mais. E, por um momento, me permiti
esquecer o quanto isso poderia custar.
CAPÍTULO 7
CRISTINE
— Minha filha, já estou indo. Tem certeza de que
ficará bem?
Não sei quantas vezes eu já tinha suspirado, mas
fiz isso mais uma vez.
— Tia, eu vou ficar bem. Fique tranquila e
aproveite seu final de semana — afirmo, pela centésima
vez.
Passo a manhã toda tentando tranquilizá-la para
que fosse viajar despreocupada. Ela tinha sido convidada
para um evento de uma ONG em Boston, e ficaria fora da
cidade por dois dias. Mas pela sua relutância, parecia que
ficaria um mês longe.
— Ok. Tenho certeza que estou me preocupando
a toa. Henry vai estar na cidade, certo? Ele vem te ver?
Sua pergunta faz meu estomago dar uma
cambalhota e um sorriso surgir em meu rosto.
— Sim, ele vem.
— Fico tão feliz em ver as coisas dando certo
entre vocês. — Ela diz, animada.
Eu ainda agia com certa prudência, mas não
podia negar que também me sentia feliz. Há duas semanas,
decidimos tentar levar o nosso relacionamento adiante.
Saímos da posição estranha de pai e mãe de gêmeos, para
tentarmos algo mais... romântico.
Agora, éramos um casal. E eu, realmente, estava
gostando de conhecer mais do Henry nessas últimas
semanas.
Não firmamos um compromisso sério. Só
tínhamos encontros, nos víamos todos os dias,
passávamos algumas horas juntos, conversávamos,
descobríamos mais um do outro, nos beijávamos...
Francamente, eu gostava disso, mesmo sem saber se havia
um futuro sólido para nós.
— Já que você terá companhia, irei mais calma.
— Ela diz, mais se tranquilizando do que a mim, e ajeita a
bolsa no ombro. — Mas, prometa-me ligar se qualquer
coisa acontecer.
— Tudo bem, tia. Eu ligarei — garanto,
calmamente.
Eu já estava na metade do quinto mês e a
gravidez estava progredindo muito bem. Meus filhos
cresciam saudáveis na barriga, e eu seguia ao pé da letra
toda a recomendação médica que recebia.
Depois que todo o susto passou, deixei o medo e
a insegurança de lado, e consegui aproveitar mais esse
momento. Estar grávida era algo mágico. Gerar duas vidas
em meu ventre era único e indescritível. Os bebês se
mexiam constantemente e, cada vez que eu os sentia, esse
amor parecia aumentar ainda mais em meu peito.
— Ótimo. Agora vou para meu apartamento, pois
tenho que terminar de arrumar a mala.
Me despeço dela, carinhosamente, e volto para
minha leitura. Para uma sexta-feira, até que hoje estava
sossegado. Tinha trabalhado aqui do escritório de casa, e
tirei o restante da tarde para descansar, dormir e ler,
minhas atividades preferidas de grávida!
Henry viria mais tarde e traria o jantar. O
engraçado disso tudo, era ver a facilidade de como
criamos uma rotina e nos encaixamos nela. Parecia tudo
tão normal.
A esperança era um sentimento que eu não
conseguia mais controlar. Cada dia, cada toque, cada
descoberta, fazia ela florescer e arraigar-se em mim. Em
um momento, eu andava pisando no freio, contendo a
velocidade com que o nosso relacionamento progredia.
Em outro, sentia que era tarde demais, que eu tinha
deixado as coisas irem mais longe do que o permitido.
Eu só esperava que quando ele quebrasse meu
coração, que não fosse de uma forma irremediável, pra eu
ser capaz de remendá-lo. Afinal de contas, eu já tinha
feito isso uma vez. Era por esse motivo que eu me
segurava tanto. Não queria enfrentar essa dor outra vez,
pois, não sabia se conseguiria me levantar de um tombo
assim de novo.
HENRY
— Eu estou sendo enrolada, Henry! — Minha
mãe ralha do outro lado da linha.
— Mãe, eu sinto muito. Mas tirei esses dias para
conhecer melhor a Cristine. Prometo levá-la aí em breve.
— Henry...
— É sério, dona Rachel. Não vou adiar mais
esse encontro. É uma promessa.
— É bom mesmo!
Estava difícil abrandar minha mãe. E eu sabia
que ela tinha razão. Eu só a estava enrolando, dia após
dia, sem a apresentá-la a Cristine.
Entretanto, esses últimos dias, apesar de serem
ótimos, eu me sentia como se estivesse andando sobre
ovos. Qualquer descuido, seria o suficiente para afastar a
Cristine.
Temos nos conhecido melhor, ela tem se aberto
com mais facilidade, mas ainda via uma pequena
resistência vindo dela. Uma que eu pretendia derrubar
com o tempo.
Tempo! Como se tivéssemos isso. Os dias
pareciam correr, e logo, teríamos dois bebês para cuidar.
Tempo era o que menos tínhamos.
Conversei mais um pouco com minha mãe e
depois encerro a ligação. Confiro as horas no relógio do
celular, calculando os minutos que eu gastaria pra chegar
até o restaurante que eu tinha encomendado nosso jantar.
Empolgação já corria pelas minhas veias. Era
sempre assim. Eu ficava agitado quando se aproximava a
hora de vê-la. Por mais que sentisse um furacão de
sentimentos me atordoando nos últimos dias, eu estava
ciente do meu desejo de estar com ela.
Há um tempo, eu chamaria isso de obsessão.
Hoje, eu sei que é mais que isso. O que temos é pura
química, atração... Quando estou perto dela meu corpo
anseia por seu toque.
Quando estou ao seu lado, meu corpo está mais
atento, em sintonia com o dela. E, fora a reação física,
também notei pequenas mudanças em mim.
Eu realmente prestava atenção em Cristine.
Algumas observações que antes eu não fazia. Como por
exemplo: sei que ela toma chocolate antes de dormir, que
quando fica irritada balança o pé rapidamente, ou quando
está ansiosa estrala os dedos das mãos.
Apesar de ser um homem observador, nunca fui
de reparar em uma mulher. No entanto, com a Cristine eu
sempre estou vigilante, querendo aprender mais. Meio que
se tornou um dever pra mim. Um dever que cumpro
prazerosamente.
Além de reparar em algumas ações, também
descobri mais da sua personalidade. Cristine é uma
pessoa muito reservada. Aquele tipo que pensa nos prós e
contras de cada decisão que toma. Na verdade, ela é bem
parecida comigo. E, exatamente por isso, sinto que estou
em vantagem, pois consigo decifrar seus receios e me
antecipar, como em um negócio. E eu sou muito bom
nisso.
Cada pessoa luta com as armas que tem. E eu sei
usar bem as minhas.
CRISTINE
Quando ouvi a campainha, um frio na barriga me
deixou um pouquinho ansiosa. Ultimamente era assim, só
de pensar em ver o Henry, ficava inquieta. Entretanto, não
era quem eu esperava.
— Bia! — exclamo, ao abrir a porta.
Ela franze o cenho, me observando.
— Uau! Dá pra disfarçar a decepção?
— Não seja boba. Venha.
Dou espaço e a deixo entrar. Ela alisa minha
barriga e depois vai direto para meu sofá.
— Além de não estar te esperando, você não
costuma tocar a campainha. Ou perdeu a chave para
“emergência”? – pergunto, me sentando ao seu lado.
— Bem... desde que – surpreendentemente –
você arrumou um namorado, fiquei sem jeito de abrir a
porta e te flagrar em uma situação constrangedora!
Gargalho ao mesmo tempo que sinto meu rosto
esquentar.
— Por que eu ter um namorado é surpreendente?
— pergunto, desviando a conversa de certo ponto.
— Sério? — pergunta, ironicamente, arqueando
uma sobrancelha. — Há quantos séculos não te vejo com
um namorado?
— Não exagere.
— É verdade, e você sabe! Durante anos, te vi
sozinha, e quando arrumava alguém, logo botava algum
defeito no coitado e caía fora. Achei que você seria a
amiga encalhada do nosso grupo de amizades.
Abro a boca e ergo as sobrancelhas.
— Amiga encalhada?
— Pra você ver. Mas aí, de repente, você passa
na frente de todas e, além de um namorado, já faz o pacote
completo de filhos e tal... — diz, dando uma risadinha.
Bato em seu ombro, mas sorrio também. De um
jeito torto, ela tinha razão.
— Percebi, no entanto, que você não negou a
parte de “flagrar uma cena constrangedora” — fala, com
um sorriso torto.
Sabia que não ia conseguir me livrar dessa.
— O que quer que eu diga?
— Todos os detalhes sórdidos. Como por
exemplo...
— Bia, pare com isso. — Tento interrompê-la,
mas não dá certo.
— ... se ele é tão bom de cama, ou se foi tudo
ilusão de uma noite bêbada?
Calei-me. A questão é: eu não sabia isso ainda.
Claro, durante essas duas semanas rolou beijo, carícias,
abraços... e nada mais.
Desejo não era o problema. Eu faltava explodir
quando ele me tocava. E podia ver em seu olhar que era
recíproco, igual na nossa primeira noite.
Mas Henry estava levando as coisas com calma.
O que me deixava grata, pois, me dava mais segurança em
nosso relacionamento.
Bia interpretou muito bem meu silêncio
embaraçoso.
— Não acredito! — exclamou, alto. — Vocês
ainda não... — Bia parou de falar e me encarou pasma.
— Estamos juntos a pouco tempo, Bia.
— Inacreditável.
— Queria que eu pulasse pra cama com ele assim
que o reencontrei?
— Sim. Já se viram nus uma vez. Por que a
vergonha agora?
— Não é vergonha, Bia. — Explico, um pouco
encabulada com seu jeito desavergonhado. —Embora
tenhamos feito isso uma vez, ainda éramos pessoas
desconhecidas.
— Isso é tão... adolescente. — diz, contrariada.
Eu quis rir, mas mantive minha voz séria.
— Não estamos atrás de sexo, Bia. Estamos
vendo se há um futuro, uma relação duradoura.
Bia faz uma careta. Algumas vezes, eu invejava a
vida sexual bem resolvida que ela tinha. Se Beatriz queria
sexo, ela fazia sexo. Não complicava as coisas e sabia o
que queria. Relacionamento, amor e sexo não precisavam
estar andando de mãos dadas em seu mundo.
A vida dela parecia tão mais fácil assim. Eu não
conseguia viver desse modo. Sexo era algo íntimo, que eu
preferia compartilhar com alguém que eu conhecesse e
tivesse algum laço. Por isso, estava satisfeita com o jeito
que Henry estava conduzindo as coisas.
Essas semanas foram importantes pra mim.
Ajudou a quebrar o gelo que havia entre nós e eu pude
conhecer melhor sua personalidade, confiava nele, e era
agradável estar em sua presença.
— Que chatice! Mas, bem, é sua decisão e eu
respeito. E admiro sua força de vontade, porque precisa
ser forte para estar perto daquele homem e não se jogar
pra cima dele.
Eu ri junto com ela. Oh, até eu me admirava por
tal feito! Henry era um teste ambulante que carregava uma
plaquinha pendurada no pescoço: pule em mim.
Beatriz já tinha encontrado com Henry uma vez.
E, mesmo não tendo conversado muito com ele, era fã de
carteirinha de sua beleza.
— Quer ficar pra jantar? Ele deve estar quase
chegando.
— E ficar de vela pra vocês dois?
— Não, para ter a oportunidade de conversar e
conhecer o namorado da sua amiga.
Ela estreita os olhos, pensativa.
— Vai negar a chance de estar perto daquele
homem bonito?
— Eu nunca perco a chance de estar perto de um
homem bonito. Ainda mais seu namorado, que ultrapassou
a linha do “bonito” há séculos e estacionou na linha do
“puta merda que homem é esse?!”
Sorrio, sabendo que a tinha convencido.
Imaginava que Henry não se incomodaria. Aparentemente,
ele tinha gostado da personalidade dessa louca.
E, bem lá no fundo, eu sabia que estava usando a
Bia como escudo. Henry passaria o final de semana
comigo. Ele dormiria aqui. Eu sabia o que aconteceria.
Daríamos o próximo passo. Estava nervosa, ansiosa,
empolgada, e o mais importante: pronta!
Entretanto, não contaria isso para a Bia. Nem
morta. Senão, a louca ficaria mandando indiretas durante
o jantar e me passando vergonha.
Acrescentei um lugar à mesa para a Bia, enquanto
ela me seguia, e contava alguns projetos para a loja.
Mesmo trabalhando daqui de casa, sentia falta da minha
rotina corrida na loja. Atualmente, não tinha dia certo para
ir. Às vezes, ia dia sim, dia não. Ou somente no período
da tarde. E tinha semana que eu só comparecia lá três
vezes.
— Meus pais estão reclamando que você não vai
lá há muito tempo.
Estávamos na varanda, debruçadas no parapeito,
observando a movimentação da rua e esperando Henry
chegar com a comida. Ele já tinha mandado uma
mensagem, avisando que estava a caminho. Aproveitei e
avisei que teríamos companhia.
— Eu sei e sinto muito por isso. Tenho me
afastado de muita gente depois que engravidei, mas ando
tão cansada e querendo só dormir...
— Imagino. E eles também sabem disso, não se
preocupe. Mamãe disse que carregar gêmeos deve dar um
trabalhão, além de exigir muita energia. Eles sentem sua
falta.
Desde que os conheci, na faculdade, me senti
acolhida na família. Saul e Marrilyn são uns amores de
pessoa. A mãe da Bia, sempre cuidou muito bem de mim,
achava minha vida solitária, mesmo para uma jovem.
Então, meio que me adotou. E eu passei ótimos momentos
com essa família, que eu aprendi tanto a amar.
— Peça desculpas mesmo assim e diga que irei
para uma visita na próxima semana — afirmo, sentindo um
pouco de remorso pelo afastamento.
A campainha toca, interrompendo nossa
conversa.
— Uhhh, o capitão chegou.
Revirei os olhos. Beatriz colocou na cabeça que
Henry se parecia com um ator que interpretava um dos
heróis da Marvel, e o nomeou assim. Quem era a
adolescente afinal?
Abro a porta, me preparando mentalmente para o
que ia encontrar. Eu precisava fazer isso para não babar
descaradamente.
— Oi — falo, assim que meus olhos encontraram
os seus.
Henry usava uma calça social preta e uma camisa
branca. Sua típica roupa de homem de negócios, embora
faltasse o terno. Sua camisa estava com as mangas
dobradas até a altura do cotovelo, deixando um bocado de
pele, e um pouco de pelo loiro, à mostra. Seu cabelo
estava penteado para o lado, como de costume, mas,
talvez por estarmos no final do dia, um pouco bagunçado.
— Oi. Tudo bem?
Ele coloca uma mão em minha barriga,
acariciando de leve, e me dá um beijo rápido. Ele tem
ficado mais à vontade em tocá-la. Às vezes, quando
estamos assistindo tv, ele passa um bom tempo com a mão
nela, esperando os bebês mexerem.
— Beatriz, certo? — Ele pergunta, indo em
direção a Bia.
— Sim, mas já que você está entrando para a
família, pode me chamar de Bia. Beatriz só quando
querem gritar comigo.
— Bom saber — responde, bem-humorado.
O jantar foi agradável. Henry foi bem receptivo
com o humor ácido da Bia e a conversa foi divertida. Ao
contrário de mim, Bia não tinha vergonha e encarava
qualquer assunto. Acho que por sermos tão diferente,
dávamos tão certo. Nossa amizade era perfeita.
HENRY
Essa mulher era doida, penso, divertido. É um
mistério como a amizade das duas dava tão certo. Cristine
é totalmente diferente da Beatriz, e não só fisicamente,
sendo uma loira e a outra morena. Mas a personalidade
delas era bem oposta uma da outra.
— Eu tenho que ir. — Beatriz anuncia, um tempo
depois do jantar.
Por sorte, eu tinha trazido comida suficiente para
todos.
— Cris, a sua secretária pediu os pedidos para
os fornecedores que mandou pra você assinar. Já quer que
eu os leve?
— Sim, por favor. — Cris concorda, se
levantando. — Vou ir buscar no escritório.
Assim que ficamos sozinhos, Beatriz, me fita
seriamente, com o cenho franzido.
— Gostei de você!
Franzo o cenho também e, hesitantemente, digo:
— Obrigado.
— Não foi um elogio, só uma constatação.
— Ok — falo, pausadamente.
— Olha, você é um cara legal, gosto do jeito que
trata a Cristine, mas...
— Se eu a machucar, você me fará pagar? —
Interrompo, completando a frase para ela.
— Não. — Ela sorri de um jeito, enganosamente,
doce. — Eu a convencerei a te tirar da vida dela tão
rápido como entrou. E então... vou arrumar um homem que
a ame e não a machuque.
Todo meu divertimento da noite se esvaiu.
Estreito os olhos para ela. Sua afirmação, ou “ameaça”,
me incomoda mais do que eu podia imaginar.
— Estamos entendidos?
Eu sabia que ela estava protegendo alguém que
ama. Por um lado, fico muito satisfeito por ter alguém
cuidando assim da Cristine. Mas, por outro, não gostei
nada disso. Não estou acostumado a receber ultimatos.
Para o bem do nosso convívio, afirmei sem
hesitar:
— Estamos.
Não gostava de ser ameaçado. Mas essa era uma
ameaça que não se cumpriria, desde que eu não tinha
planos de machucar a Cristine.
— Ótimo. Desculpe, mas faço tudo por ela.
Cristine já sofreu demais. Não vou permitir que alguém a
quebre de novo.
— De novo? O que aconteceu com ela?
— Isso é assunto pra ela te contar, não eu.
Quando ela confiar em você, irá se abrir.
— Aqui estão. — Cristine diz, ao entrar na sala
de jantar.
A conversa, ou intimidação, foi encerrada.
Tirando a parte desagradável da conversa, fiquei curioso
para saber do que Beatriz estava falando. Eu já tinha
conversado sobre tudo com Cris, inclusive,
relacionamentos anteriores, mas, obviamente, ela tinha
deixado um de fora. Guardei a informação para tentar
descobrir futuramente.
— Obrigada. Bom, não quero atrapalhar a noite
do casal. Chega de ser vela! — Beatriz fala, se
despedindo. — Te vejo amanhã, Cris.
Ela dá um beijo na amiga e se vira para mim.
— Foi muito bom passar esse momento com
vocês, Henry.
— Igualmente. — Aperto a mãe que ela estende
em minha direção.
— Ela não te assustou, não é? — Cristine
pergunta assim que ouve a porta da frente batendo.
— Não. Beatriz é... — Paro de falar procurando
uma palavra para descrevê-la. — Única.
— Pode apostar. — Cristine concorda, rindo.
Limpamos a bagunça do jantar, conversando
sobre como foram os nossos dias. Para minha surpresa,
era agradável realizar essas tarefas tão domesticas com
ela.
Estávamos de volta a sala, sentados no sofá,
quando ela perguntou:
— Ainda pretende dormir aqui?
— Pretendo. Não posso?
— É claro que pode, mesmo que não seja
necessário, não preciso de babá. Só que você não trouxe
nada, nenhuma roupa...
— Ah. Trouxe uma pequena bolsa com algumas
coisas. Está no carro. — Me aproximo e coloco um braço
no encosto do sofá, atrás dela, e uma mão em sua barriga.
Sentir os gêmeos mexerem era uma coisa que eu
gostava pra cacete. Desde que descobri que seria pai
meus sentimentos eram confusos e desconhecidos, na
maior parte, mas eu realmente gostava disso. Me
acalmava.
— O que quer fazer agora?
CRISTINE
Meu cérebro meio que congela com a pergunta.
Imagens nada decentes correm soltas em minha mente.
Mordo o lábio inferior, tentando controlar essa
libido descontrolada. Henry me encara por alguns uns
segundos, esperando uma resposta. Não sei se foi meu
rosto, mas um sorriso torto em sua boca, revela que ele
entendeu para onde tinha ido meus pensamentos.
— Tv? — pergunto, baixinho.
Ele sorri abertamente, mas concorda com um
aceno.
— Ok. Vamos ver um filme, então. Primeiro um
banho?
— Hã... — Mais imagens indecentes. — Banho?
— Sim. Vou pegar minhas coisas no carro e
prefiro tomar um banho, se não se importar. — Ele
explica, com o olhar divertido.
— Por mim tudo bem — respondo,
apressadamente.
Deus! Como eu estava com a mente suja
ultimamente. Sinto meu rosto corar.
Henry se inclina e beija meus lábios. Sempre que
ele chegava tão perto, seu perfume me inebriava e algo
selvagem despertava dentro de mim. Coloco a mão na
lateral do seu rosto, deixando que ele aprofunde o beijo
lentamente.
Quando eu estava começando ficando sem ar, ele
se afasta. Respiro fundo, alternando meu olhar entre sua
boca e seus olhos. Seu peito subia e descia rapidamente,
demonstrando o quanto ele estava afetado também, e seu
olhar tinha escurecido.
— Banho. — Ele murmurou, fitando minha boca.
— Banho — concordo, retirando a mão de seu
rosto.
Henry se levanta e sai murmurando um volto
logo. Aproveitei esse momento sozinha para me
recompor.
∞∞∞
— Qual filme? — Ele pergunta quando já
estamos aconchegados no sofá.
— Sei lá. Pode escolher. — Dou de ombros.
Filme era a última coisa em meu pensamento.
Mordi o canto da unha enquanto ele escolhia e colocava o
filme. Eu esperava que fosse um de terror, quem sabe
assim esses hormônios infernais não se acalmavam?
Até essa noite, eu só o tinha visto com roupa
social ou esporte fino e passeio quando saíamos. Mas vê-
lo em uma calça de algodão preta, dessas de academia,
era uma tortura. E a camisa de manga longa, branca, que
simplesmente grudava nos lugares certos? Bom Deus... era
demais pra mim.
Já tinha se passado metade do filme quando
Henry o pausou.
— O que foi, Cris?
O encaro, confusa.
— Como assim? Por que pausou o filme?
— Você não está prestando atenção. — Ele
franze o cenho, olhando da tela pra mim. — Quer trocar
de filme?
— Não. Esse tá ótimo. — Droga! Eu nem sabia
que filme era esse.
— Podemos assistir Os Vingadores se quiser. —
Ele sugere, com um sorriso tímido.
Sorrio. Há algumas noites, durante uma de nossas
conversas, admiti que sou viciada em filmes de heróis.
Principalmente, os da Marvel. Já tinha até perdido a conta
de quantas vezes tinha assistido Os Vingadores. Era
tocante saber que ele tinha prestado atenção nessa
informação tão inútil.
Mas esse era o Henry. Até o momento, ele não
tinha feito nada que me desagradasse. Ele é inteligente,
divertido, gentil e protetor... e sim, eu sabia que era o
encanto de início de relacionamento. Que assim que o
fascínio fosse embora, os defeitos começariam a surgir. E,
honestamente, não via a hora de achar algo de errado
nesse homem. Porque eu estava caindo de amores rápido
demais por ele. E isso não era nada bom.
— Ou se estiver cansada, podemos ir dormir.
— Não — falo, rápido demais.
Seu cenho se aprofunda. Eu estava uma bagunça
hormonal. E isso estava tirando toda e qualquer
concentração minha. Como assistir tv com esse homem ao
meu lado? Com seu perfume perturbando minha paz, ou o
calor do seu corpo ultrapassando até mesmo a coberta e
chegando ao meu corpo?
Ele coloca uma mão sobre meu joelho e o aperta
suavemente. Mesmo com um edredom entre sua mão e meu
joelho, minha pele pega fogo.
— O que está acontecendo?
— Nada — respondo, ainda com os olhos
grudados em sua mão.
Agora ele está mexendo o polegar em uma
carícia sem nenhuma malicia, mas meu corpo está
reagindo como se fosse pura sacanagem.
Meus olhos voltam para seu rosto quando ele
para o movimento. Henry está olhando para sua mão.
Quando ele me encara, vejo que percebeu onde estão
meus pensamentos.
— Ou se você tiver algo mais em mente.
Preciso conter um suspiro quando ouço sua voz
mais rouca, porém não consigo impedir o arrepio que
atravessa meu corpo. Maldição!
Embora meu corpo saiba bem o que quer, minha
mente ainda está travada. Algo ainda me prende. Por esse
motivo, balanço a cabeça e pego o controle de sua outra
mão, apertando o play.
— Não. Nada em mente.
Henry murmura um ok e volta a prestar atenção
no filme. Mas não antes de se remexer um pouco no sofá.
Respiro fundo. Fecho os olhos e, mentalmente,
conto até dez. Pego o controle novamente e dou pause.
Pela minha visão periférica, noto Henry me olhando, mas
não ouso desviar o olhar. Estou travando uma batalha
interna quando ele diz:
— Sabe que não precisamos fazer mais nada
hoje, certo? — pergunta, baixinho.
Quero gemer de frustração. Caramba, Cristine!
Quase posso ouvir a voz de Bia se ela pudesse me ver
agora: usa ou desocupa a moita logo, mulher!
Sou tirada da minha confusão de pensamentos
quando ele segura meu rosto, me fazendo olhá-lo.
— Sabe disso, não sabe? Não precisa se sentir
forçada ou obrigada a nada.
Minha pele formigou onde seus dedos encostaram
em meu rosto. Eu sabia bem que ele não estava me
forçando a nada. Henry é um cavalheiro. Não tinha dado
nenhum passo atrevido comigo. Embora não conseguia
esconder sua excitação algumas vezes. O que aumentou
ainda mais alguns pontos comigo.
— Eu sei — respondi, olhando em seus olhos. —
Mas eu quero.
Essa noite seria de mudanças para nós. Eu
percebia isso e ele também. O medo de que estávamos
dando um passo maior do que a perna ainda existia. Mas
precisava parar de deixar que ele governasse minha vida
ou que influenciasse minhas decisões.
— Isso é... se você quiser também, claro. — Me
apresso em dizer. Vai que eu é que estava apressando as
coisas...
Henry não responde com palavras, mas com
ações. Logo estou com ele inclinado, pairando sobre mim,
e seus lábios em minha boca.
Quando ele se afasta, levanto minha mão e a
coloco em seu rosto. Passo meu polegar em seus lábios,
sentindo a excitação correr por minhas veias. Ele franze
os lábios e beija meu dedo de leve. Seu olhar profundo
me diz muitas coisas. E fazem muitas promessas também.
E eu quero acreditar em cada uma delas.
Não... eu não teria mais medo. Estava pronta para
o próximo passo com Henry.
CAPÍTULO 8
CRISTINE
Acordo incomodada. Devagar, abro os olhos e
não demoro a identificar a razão do desconforto. Henry
estava com uma mão espalmada em minha barriga. E
quando alguém deixava a mão por muito tempo nela, logo
os bebês se alvoraçavam. Tia Estela dizia que eles
sentiam calor. Eu sempre ria quando a ouvia explicar isso,
mas não sabia explicar esse fato.
Henry também estava acordado. O semblante de
quem acabou de despertar, tão à vontade em minha cama,
me distraíram do desconforto.
A noite passada foi fantástica. Igualzinho como a
primeira vez.
— Bom dia. — Ele diz primeiro.
— Bom dia.
— Eles estão mexendo bastante.
Concordo com um aceno, e não falo que,
provavelmente, estavam agitados por causa da sua mão
esquentando a barriga. Henry fica, visivelmente, extasiado
sempre que sente os bebês se mexendo, e eu não queria
interromper o momento.
Antes, ele acariciava minha barriga rapidamente,
sem jeito, mas agora, ele já a tocava sem vacilar.
Será que ele já amava esses bebês do mesmo
jeito que eu? Porque eu já os amava mais do que a mim
mesma. Era um sentimento tão grande que eu não sei como
cabia no peito.
Será que esse seja o motivo de ele tentar um
relacionamento sério comigo? Por amar os filhos, ele
sinta alguma obrigação para com a mãe deles? Afasto o
pensamento.
Eu ia seguir uma nova linha de raciocínio: nada
de negatividade nesse relacionamento. Afinal, que bem
faria viver com essas dúvidas? O que tiver de ser, será.
Minha bexiga estava me matando, precisava ir
urgentemente ao banheiro. Então, com cuidado, puxei um
dos lençóis da cama e me enrolei nele ao levantar.
Henry entortou a boca em um quase sorriso e me
olhou divertido, mas não disse nada sobre minha tardia
timidez. Afinal, era desnecessário, já que nos vimos sem
roupa duas vezes e, ao que tudo indicava, veríamos mais
um bocado.
∞∞∞
— Minha mãe quer te conhecer. — Henry avisa,
enquanto se servia de mais café.
Olho desejosamente para o liquido preto, mas me
controlo. Cafeína não era bom durante a gravidez, e eu
tomava raramente. Mas era difícil abandonar esse vício.
— Por quê?
Ele arqueia uma sobrancelha. Era evidente o
motivo da mãe dele querer me conhecer. É claro que
queria ver a cara da mulher que engravidou de seu filho.
— Ok... Ok... pode marcar — falo, sentindo um
frio na barriga.
Conhecer a sogra é algo importante. Ela poderia
pensar qualquer coisa sobre mim. Se é que já não tinha as
piores conclusões sobre a mãe dos netos dela.
— Você vai gostar dela.
— A questão é se ela vai gostar de mim.
— Tenho certeza que sim.
Quase revirei os olhos. Homens não entendiam
essa preocupação feminina. Esperava mesmo agradar
minha sogra, e também gostar dela, para que nossa
convivência fosse, pelo menos, pacifica.
— Tem trabalho hoje?
— Não. E você?
— Só uns papéis para assinar. Coisa rápida.
Quer encontrá-la hoje?
— Assim tão de repente? Ela vai aceitar?
— Com a pressa que ela está de te conhecer?
Com certeza.
Dou de ombros, após pensar um pouco. Por que
não enfrentar isso de uma vez?
∞∞∞
Rachel Banks. Eu sabia pouco da mãe dele.
Estela também não a conhece bem, só a encontrou algumas
vezes em alguns eventos sociais.
Eu estava amedrontada. No fundo, tinha medo de
me acuse de estar aplicando o famoso golpe da barriga, e
que me ache uma interesseira.
Eu tenho uma boa herança, muito dinheiro na
minha opinião, mas não chega nem perto ao que a família
do Henry possui. E, de alguma forma, a aprovação dela é
importante para mim. Talvez por ser alguém especial na
vida do Henry.
Um pouco depois do café da manhã, Henry ligou
pra ela e perguntou se poderíamos almoçar juntos. Ela
concordou imediatamente.
Minha roupa pra hoje é algo bem leve e
comportado. O dia está ensolarado, mas a temperatura
ainda está baixa. Então escolho com mangas e longo, rosa
bebê, e sandálias baixas. O cabelo vai solto mesmo, pois
não tive muito tempo, ou inspiração, para arrumá-lo.
Maquiagem bem leve, quase natural, e um casaco.
Henry foi até o seu apartamento para resolver
algumas coisas da empresa e me ligou quando estava
voltando para me buscar.
Fico esperando-o no hall do prédio e estou tão
concentrada em me acalmar, que não o vejo se
aproximando de mim. Só percebo quando meu rosto está
sendo levantado por suas mãos e sua boca encostando-se
à minha.
— Por que está tão pensativa?
— Nada demais. Vamos? — Desconverso, o
puxando em direção ao carro estacionado.
Henry faz seu interrogatório padrão: se comi, se
bebi, se descansei, se não me estressei com trabalho. É
tanta pergunta que quando ele termina já estamos
chegando à casa de sua mãe. Aprecio sua intenção de me
distrair.
A casa de sua mãe é gigantesca. Uma mansão
linda, toda branca, calçada em pedras e bastante jardim.
Eu não conseguiria viver em um lugar assim sozinha,
como a mãe dele vive. Segundo o Henry, Rachel nunca
quis se mudar depois que ele saiu de casa e o pai faleceu.
Ela gosta muito das lembranças vividas na casa.
Assim que passamos pela porta de entrada, uma
mulher em torno dos seus cinquenta anos, muito bonita,
aparece. É muito difícil não perceber quem é. Mãe e filho
são muito parecidos. Ela esbanja elegância, usando um
vestido de corte reto, na cor vinho. Uma fisionomia muito
bonita, o cabelo num corte curto e moderno. Desde a
ponta da cabeça aos pés, a mulher demonstra riqueza.
Estela irá amar seu estilo.
Com um enorme sorriso no rosto, ela se aproxima
e dá um beijo em Henry.
— Oi, meu filho. Que bom que chegaram. —
Seus olhos azuis, iguaizinhos aos do Henry, fixam em
mim. — E você deve ser Cristine.
Estendo minha mão e concordo.
— Cristine Morgan. É um prazer conhecer a
senhora.
— O prazer é meu, querida. Como já deve saber,
sou Rachel, e não precisa me chamar de senhora. — Seu
olhar desce pra minha barriga. — A mãe dos meus netos
pode me tratar sem tantas formalidades. Só Rachel.
Ela se vira e caminha em direção à uma grande
porta dupla, à nossa esquerda.
— Vamos para a sala. O almoço está quase
pronto.
A casa é extraordinária por dentro também. Tudo
muito fino, mas sem deixar de ser aconchegante... familiar.
Deve ter sido um ótimo ambiente durante o crescimento
do Henry. Tem razão de ela não querer se desfazer da
casa.
Depois de oferecer algo para beber, nos
sentamos. Eu e o Henry no sofá maior, e ela em uma
poltrona de frente para nós dois.
— Sua casa é linda, Rachel.
— Obrigada. Estou sempre reorganizando. Me
enjoo rápido da mesmice.
— Estela também é assim.
A única diferença da minha tia, é que ela enjoa
do lugar e não somente da decoração, e se muda muitas
vezes.
— Ah, sim. Henry me contou que Estela Morgan
é sua tia. A conheci em alguns eventos. E os que ela
organiza são sempre maravilhosos.
— Sim. Ela se empenha bastante.
— Não duvido. É uma mulher espetacular. Henry,
porque não a convidou?
Respondo por ele:
— Ela está viajando.
Rachel assente e olha para o filho.
— E você, meu bem. Como está?
— Agora se lembrou de mim? — Henry fala,
com uma falsa indignação, mas o bico que ele faz é muito
engraçado. E, porcaria, é sexy... agora não hormônios,
agora não!
— Não exagere. Cristine é a convidada. A
atenção deve ser toda para ela. — Rachel fala e, me
surpreendendo, pisca pra mim. — Agora me diga como
estão as coisas?
Henry me dá um olhar caloroso e depois sorri
pra mãe.
— Muito bem, mãe.
Fico envergonhada ao me recordar da noite
passada. Meu Deus! Estava na casa da minha sogra,
pensando em coisas sujas. Muito embaraçoso.
Uma empregada entra na sala, interrompendo as
imagens pervertidas e inapropriadas que estavam em
minha mente.
— O almoço está servido.
— Obrigada, Soraya. — A empregada, Soraya,
sai da sala e Rachel pergunta pra nós: — Vamos?
— Posso ir ao toalete primeiro?
Minha bexiga de grávida é muito pequena. Toda
hora preciso ir ao banheiro. É um saco!
— Claro. Vou te mostrar onde é.
Almoçamos na varanda que ficava nos fundos da
casa, aproveitando o dia ensolarado. O jardim era algo
mágico. Muito bem cuidado, grama verdinha, árvores e
mais árvores, e vários tipos de flores. Era o éden
particular dos Banks.
A comida também estava deliciosa. E Rachel é
uma senhora cheia de vida. Aliás, ela é muito parecida
com a minha tia. A conversa foi animada e bem-humorada.
Me diverti com suas histórias e fiquei aliviada pelo clima
bom entre nós.
Tranquilizou-me sua boa recepção. Rachel
mostrou um verdadeiro interesse em me conhecer. E foi
gentil e respeitosa. Em nenhum momento invadiu meu
espaço ou me deixou constrangida.
Henry nos deu liberdade para conversar e ficou o
tempo todo ao meu lado, segurando minha mão, boa parte
do tempo. Gesto que não passou despercebido de sua mãe.
O olhar da mulher era afiado.
Depois da refeição, Henry recebeu uma ligação.
— Preciso resolver algumas coisas da empresa,
se importa de ficar com minha mãe um pouco? —
pergunta, baixinho.
— Claro que não, Henry.
— Mãe, preciso usar o computador no escritório,
tudo bem?
— Tudo bem, filho. Irei mostrar o jardim para
Cristine.
Henry franze o cenho.
— Ela está grávida. Não acho bom ela ficar
andando num jardim desse tamanho.
— Henry, dá pra perceber que ela está grávida.
— Ela responde com humor e revira os olhos. — Já estive
grávida também, caso não saiba! Não vou andar muito
longe com ela.
— Mas, a senhora só ficou grávida de um. Ela
tem dois na barriga.
— Henry! — exclamo, em repreensão.
— Vai logo resolver suas coisas, menino. Antes
que eu te estapeie como fazia antigamente.
É engraçado ver a interação dos dois. Henry
ainda reluta um pouco, mas, sabiamente, decidi ir.
Entretanto, antes de sair, se inclina e me dá um beijo nos
lábios. Ok. Agora eu é que quero estapeá-lo.
Rachel não fala nada, somente dá um sorriso e
me chama para ir ao jardim. Ela conta como refez o
jardim inúmeras vezes até ficar do jeito que ela sempre
sonhou. Fala sobre as flores e árvores. E fazemos uma
parte do trajeto em silencio. Sinto que ela quer falar
alguma coisa, e espero que inicie o assunto.
— Nunca o vi assim. — Ela diz, depois de um
tempo. — Com esse brilho no olhar.
Sem saber o que falar, permaneço calada.
— Desculpe. Não a quero deixar embaraçada. Só
preciso falar o que eu achei de tudo o que vi até agora. É
meu jeito, Cristine. Fico eufórica e começo a falar. E não
há notícia melhor do que ser avó para me deixar eufórica!
Notando a honestidade em cada palavra que ela
diz, sinto a necessidade de também ser sincera. Coloco
pra fora meu maior receio:
— Mesmo vindo de uma mulher desconhecida?
Que só viu seu filho uma só vez?
— Querida... sou uma mulher que já viu muita
coisa. Conheci todo tipo de ser humano. E algo que eu sei
bem, é identificar uma pessoa. As emoções que
transmitimos em nosso olhar diz muito a nosso respeito.
Pelo pouco tempo que nos conhecemos, meu coração não
viu maldade em você — diz, seriamente. — Sim, fiquei
preocupada quando Henry me contou que ia ser pai. Mas,
com o passar dos dias, toda vez que o ouvia falar sobre
isso, eu sentia uma pequena mudança acontecendo nele.
Caminhamos entre todos os tipos de flores.
Lindas rosas vermelhas, botões ainda fechados de uma
rosa amarela, e várias belas violetas.
Era estranho falar de um assunto tão pessoal com
alguém que acabei de conhecer. Mas, de alguma forma,
estava sendo reconfortante.
— Eu sempre soube que o Henry seria um homem
muito familiar. Ele tem o perfil de ser um pai de família.
Mas ele nunca se permitiu aceitar essa ideia, pela criação
que teve do pai. — De repente, sua voz ficou nostálgica.
— Meu marido foi um homem maravilhoso. Contudo,
muito fechado quando se tratava de expor sentimentos. Ele
nos amava, claro, mas era muito rígido e não sabia como
demonstrar com palavras. O trabalho duro e árduo, a
prosperidade que conquistou, era o jeito dele demonstrar
que nos amava.
Rachel fica um momento calada, pensativa.
Provavelmente, se lembrando do passado com o marido.
Observo a paisagem, dando esse momento pra ela.
— Henry cresceu assim. — Ela volta a falar. —
Fechado, controlado, achando que era o certo. Pode ser
assim para muitos homens. E foi assim com meu marido.
Mas, com Henry, eu sabia que ele não daria certo com
esse perfil. Ele sempre almejaria algo mais, mesmo com
todo o sucesso na carreira que ele conseguisse. Quando
surgiu essa gravidez, algo dentro dele acendeu. Eu
comecei a ver um brilho diferente em seu olhar. Ele está
descobrindo sua vida agora, está se encontrando. — Ela
para nossa caminhada e me encara. — Eu posso estar
falando demais, mas você logo saberá que uma mãe
conhece seu filho melhor do que ele mesmo!
Aceno concordando sem saber o que falar.
Continuamos andando até encontrarmos um banco de
pedra. Ela se senta, o que me deixa aliviada, pois não sei
se foi a caminhada, ou o tanto de informação que ela
despejou em mim, mas me deixou exausta.
Apesar da conversa, Rachel está serena. Como se
não tivesse falado nada importante sobre a sua vida, ou de
seu filho. Faz sentido o que ela disse. Eu via esse lado
protetor do Henry desde que ele soube da gravidez,
embora tenha achado a aceitação dele muito rápida.
Ele nunca expressou desgosto pela possibilidade
em ser pai de duas crianças. Pelo menos, não na minha
frente e, pelo jeito, nem de sua mãe. Percebi que grande
parte de sua personalidade vem dela.
Rachel me tira dos meus pensamentos, e continua
a conversa que está mais para monólogo:
— Eu realmente torço por vocês. Espero, do
fundo do meu coração, que vocês deem certo.
E como se estivessem participando de toda a
conversa, e agora dando sua opinião, sinto um belo chute
na barriga. Tenho um pequeno sobressalto e levo minhas
mãos à minha barriga.
Rachel acompanha meus movimentos, e pede sem
jeito:
— Chutaram? Posso?
Depois da conversa sincera com ela, e sentir sua
aceitação comigo e com meus bebês, eu descubro o
porquê isso era importante pra mim também. Eu queria
que ela, como avó e família dos meus bebês, os
aceitassem com amor. Que meus filhos não fossem
privados do amor da única avó viva de nossas famílias.
Pego sua mão e coloco em minha barriga como
resposta. Mais um momento e sentimos outro chute.
Parece que com o passar das semanas, os bebês vêm
lutando por uma posição confortável dentro de mim e se
mexem cada dia mais. Rachel está com os olhos
marejados, enquanto alisa minha barriga.
Ficamos caladas, sorrindo uma para outra
conforme sentimos os movimentos, até que ouvimos uma
voz atrás de nós:
— É maravilhoso, não é? — Me viro um pouco e
vejo Henry parado, com as mãos no bolso da calça,
observando a nossa cena.
Henry está com um sorriso calmo, feliz, em seus
lábios. Daqueles que chegam aos olhos. E olhando para
ele, tenho a certeza que quero nos permitir viver algo
especial. Algo que eu sei que já começou a transformar
nossas vidas.
HENRY
O almoço na casa da minha mãe foi melhor do
que imaginei. Serviu para acalmar a animação da minha
mãe e para aplacar um pouco a insegurança de Cristine.
Mesmo que ela não fale muito sobre isso, sei que se sente
incerta com o que está acontecendo em nossas vidas.
Ver as duas conversando e rindo me deixou mais
aliviado. Minha mãe é a pessoa mais importante da minha
vida, e Cristine também já está ganhando um lugar
especial.
Depois de precisar me afastar temporariamente
para resolver alguns problemas da empresa, fui atrás das
mulheres e as encontrei sentadas no jardim.
Parei um pouco atrás delas e fiquei observando o
rosto radiante da minha mãe a cada vez que ela sentia um
chute dos bebês. Minha mãe é uma pessoa naturalmente
alegre, mas, nesse momento, transbordava felicidade.
Ela sempre quis que eu formasse uma família.
Mesmo quando eu contestava, alegando que família não
estava em meus planos.
Acabo falando com elas que se viram e notam
minha presença. Minha mãe está emocionada. E fico feliz
por poder presenciar tal momento.
Caminhando de volta para casa, dou o braço para
Cristine se apoiar. Ela não reclama do peso da barriga,
diz que ainda não está tão pesada e que consegue se virar
sozinha. Entretanto, me sinto bem ajudando. E também é
uma desculpa a mais para poder tocá-la. Já é automático,
se ela está perto, minhas mãos encontram o caminho do
seu corpo!
Minha mãe nos convida para um lanche e
decidimos ficar mais um pouco. O tempo deu uma esfriada
e o lanche foi servido na mesa que fica na cozinha mesmo.
— Cristine, você virá no próximo sábado, não é?
— No sábado, mãe? — pergunto, confuso.
— Henry, não me diz que você se esqueceu da
minha festa de aniversário?
Puta merda!
— Sinto muito, mãe — lamento, realmente,
constrangido. Olho para a Cris e pergunto: — Vamos vir,
certo?
— Claro.
Concordo com um aceno, e logo as duas
começam a conversar sobre a festa de sábado, que será
um jantar comemorando o aniversário da minha mãe.
Droga, não acredito que eu tinha esquecido. Pego
meu celular e faço uma nota para me lembrar de comprar
um presente, antes que eu acabe me esquecendo também.
Todo ano minha mãe faz esse jantar em seu
aniversário. Não convida muitas pessoas, somente as
famílias mais próximas da nossa. Vai ser bom vir com
Cristine. Assim as pessoas já vão se acostumando com
nossa situação e poderão ver que estamos juntos. Tenho
dó daquele que eu pegar falando o que não sabe sobre
minha vida.
O tempo vai passando e acho melhor levar
Cristine para casa. Sei que ela gosta de dormir um pouco
à tarde e hoje não teve como.
— Vamos, Cris? — pergunto, me levantando.
— Mas, já?
— Sim, mãe. Cristine deve estar cansada.
— Dessa vez vou ter que concordar. — Cristine
concorda, também se levantando.
— É verdade. Mas, se quiser ficar mais um
pouco, pode descansar em um dos quartos da casa.
É uma boa ideia, mas sabia que Cristine não ia se
sentir confortável com isso. Por ser reservada, não tinha
intimidade o suficiente pra isso.
— Não, mãe. Acho melhor irmos pra casa —
falo, respondendo por Cristine.
Ganho um olhar agradecido dela, e outro
compreensivo de minha mãe.
— Tudo bem. Espero vê-la novamente em breve.
Saímos de lá depois que minha mãe alisou mais
um pouco a barriga da Cristine, se divertindo com mais
alguns chutes. Essas crianças são espertas, desde bebês já
sabem quem conquistar.
Voltamos para o apartamento de Cristine e, assim
que ela passa pela porta, se vira e me beija.
Fico sem reação com a iniciativa dela, pois
desde que estamos juntos, ela NUNCA deu o primeiro
passo. Cristine sempre foi muito receptiva ao meu toque,
mas jamais teve a iniciativa.
Meu choque é momentâneo, e depois de alguns
segundos, esqueço tudo a nossa volta. Enlaço sua cintura e
seguro em sua nuca para aprofundar o beijo.
— Obrigada pelo dia de hoje. — Ela fala, se
afastando.
Há algo diferente nela. Seu olhar está mais
caloroso e sem reservas. A visita à minha mãe, pelo jeito,
fez mais bem do que imaginei.
Encosto minha testa na sua, tentando controlar
minha respiração.
— Vai dormir aqui novamente, certo? — Ela
pergunta, baixinho.
Um riso escapole de mim.
— Depois desse beijo, você teria que me tirar
daqui a vassouradas.
Ela dá um sorriso e me beija novamente. Não
tenho muita certeza do que causou essa mudança em
Cristine, talvez minha mãe tenha dito algo... só estou grato
pelo o que quer que tenha a ocasionado.
Mais tarde, Cristine apaga na cama. Deitado ao
seu lado, fico pensando no dia. Tem coisa que não dá pra
negar. Uma delas é que dormir ao seu lado é viciante.
Outra, é que há algo dentro de mim diferente... só não
sabia como rotular.
CAPÍTULO 9
CRISTINE
Minha tia apareceu na segunda-feira bem cedo.
Foi um milagre ter passado o final de semana sem me
ligar a cada hora. Então, já era de se esperar sua visita
assim que amanhecesse o dia.
Henry tinha saído antes de ela chegar, o que
evitou uma cena embaraçosa. Tomamos o café da manhã
juntas, enquanto me conta como tinha sido sua viagem.
— Então, esse foi meu final de semana. E o seu,
mocinha? Não vai me contar como foi com Henry?
— Foi bem, tia. Ficamos em casa o tempo todo
— falo, seriamente, tentando não corar enquanto me
lembrava o que ficamos fazendo em casa. — Ah, conheci
a mãe do Henry. Rachel é uma mulher adorável.
— Como ela reagiu com a gravidez?
— Melhor do que eu esperava.
— Você sempre espera o pior, querida. Já disse
para deixar o pessimismo de lado.
— Eu tento, tia... eu tento.
— Então ela aceitou bem ser avó, hein?
— Sim, é o que parece. Igual ao filho.
— Hum. — Estela estreita os olhos. — Conheço
essa carinha. Qual é o problema, querida?
Respiro fundo, organizando meus pensamentos e
tentando colocar em palavras o que eu sentia.
— Não quero parecer ingrata com a aceitação do
Henry, tia. E sei que estou sendo repetitiva, mas Henry
aceitou tudo numa boa, o que me deixa muito confusa.
Imaginei que, no mínimo, ele exigiria alguma prova de
paternidade. Entretanto, simplesmente, abraçou a ideia de
ser pai.
— Isso não é bom?
— Eu não tenho certeza, tia. Tenho um receio
muito grande de estarmos estragando nossa relação de pai
e mãe das crianças. Não que eu esteja reclamando por
Henry estar tão envolvido com os bebês como está agora.
O que eu tenho medo, é de quão rápido ele aceitou isso!
Ele nem pediu um exame de DNA como qualquer homem
na posição dele pediria.
— Você se preocupa que ele possa se arrepender
disso tudo, e virar as costas pra você e os bebês?
— Sim. E se estragarmos a nossa convivência,
como será a criação dessas crianças? Com adultos que
não se gostam, ou até mesmo, que se odeiam?
Estela fica um momento pensativa, me
observando.
— Eu entendi seu ponto, querida. Mas, na
verdade, seu medo não é de que você possa se acostumar
com um parceiro presente e depois ele mudar de opinião e
se afastar?
— Talvez. — Dou de ombros. — Eu passei
quatro meses me acostumando com a ideia de que seria
mãe solteira.
— Querida, acho que você não está conseguindo
conciliar essas mudanças repentinas em sua vida. Você
passou muito tempo acreditando e se preparando para ser
mãe solteira. Dê tempo ao tempo. Sempre falei para dar
um passo de cada vez.
Ela segura minha mão, carinhosamente, por cima
da mesa. Nosso café da manhã completamente esquecido
com esse meu drama.
— Meu amor, se entregue e aproveite a vida.
Quem sabe esse seu envolvimento com Henry, não seja o
início de algo maravilhoso? Você sabe que eu o conheço
tem um tempo. Não tão intimamente, mas posso garantir o
seu bom caráter. Nunca ouvi um escândalo relacionado a
ele no nosso meio, apesar de ser um solteirão bem
procurado.
— É um medo tolo, não é?
— Não, meu amor. O medo nos faz espertos. Só
não é bom quando ele nos domina. — Ela sorri,
amorosamente e sugere: — Em vez de esperar que o
Henry surte, por que você não conversa com ele sobre
isso?
— Quer dizer sobre o DNA? — Arregalo um
pouco os olhos — Quer que eu peça o DNA? E se ele
pensar que não sei quem é o pai dos bebês?
Ela balança a cabeça e dá uma risada.
— Claro que não, Cris. O conheço o suficiente
pra saber que não pensaria desse modo. E tudo depende
do jeito que você falar. Vá confiante, pois você sabe que
ele é o pai. Então, é só mostrar essa convicção e no final
ele vai entender que você está cuidando também dele.
Afinal de contas, a imprensa logo descobrirá que você é a
mãe do herdeiro dos Banks. É um jeito de proteger vocês
dois de especulações desnecessárias ou maldosas.
Suas palavras fazem sentido. Sorrio mais
tranquilamente e admito:
— Sempre me sinto melhor quando converso com
você.
— Fico muito feliz em saber disso. Amo você,
minha filha.
— Também te amo, tia. Muito!
∞∞∞
Minha tia, realmente, me deu uma luz sobre o
assunto. Com o exame de DNA, extinguirei qualquer
insegurança. Eu não quero dar o golpe em ninguém. Não
preciso disso. Tenho uma boa condição financeira. Além
do mais, meu caráter não me permitiria nem pensar nisso
hipoteticamente. E não quero dar motivos para ninguém
pensar assim.
À noite, quando estou deitada e verificando
alguns e-mails do escritório no notebook, recebo uma
ligação do Henry.
— Oi, Henry.
— Oi. Liguei para saber como vocês estão.
Aliso minha barriga com um sorriso no rosto.
Adorava quando ele mencionava nós três.
— Estamos bem.
Jogamos um pouco de conversa fora e Henry faz
seu questionário habitual, até que crio coragem para dizer:
— Henry, queria conversar com você.
— O que foi? Aconteceu alguma coisa?
— Não. Está tudo bem. É só que... ando
incomodada com um assunto.
— Ok. Então vamos falar sobre isso. Prefere
pessoalmente?
— Sim.
— Podemos nos ver amanhã?
— Claro. Te mando uma mensagem quando
terminar tudo lá na loja.
— Tudo bem. Vai trabalhar amanhã?
— Só no período da manhã.
— Certo. Não exagere, ok?
— Não irei.
Depois de desligar, decido ir dormir. E somente
o fato de ter ouvido sua voz me acalma, me desejando uma
boa noite de sono. Mas, não tão boa como as do final de
semana. Eu já estava sentindo sua falta na cama
comigo...
HENRY
Várias vezes durante o dia, me pego pensando em
Cristine. Tínhamos pouco tempo de convivência, mas,
inferno ... a noite passada foi longa sem ela na minha
cama. Acordei com um humor do cão, querendo
estrangular alguém. A manhã no escritório foi estressante,
pra variar...
Um pouco antes do almoço, Pedro entra em
minha sala.
— Ei, cara. Como estão as coisas?
— Na mesma correria de sempre. E você?
— Trabalhando muito também, companheiro.
Mas quero saber do novo papai do pedaço. Como está
lidando com isso?
— Do único jeito admissível. É uma
responsabilidade enorme, da qual não pretendo fugir. E
são dois.
— Dois o que?
— Dois bebês. São gêmeos.
— Porra.
Ele pragueja, chocado, mas depois dispara a rir.
— Cara, essa eu pago pra ver. O nosso poderoso
chefão com dois pirralhos pra cuidar.
— Não vai sobreviver pra ver, se eu ouvir você
se referindo aos meus filhos assim novamente.
Pedro sabe como me tirar do sério. Tem hora que
tenho vontade de repensar nossa amizade.
— Calma aí, parceiro. Está muito exaltado. Já
entendi — diz, fazendo sinal de rendição com as mãos.
Ainda sorrindo, continua:
— Só não imaginava te ver tão tranquilo com
essa situação. Tem que concordar comigo que é estranho.
Se fosse eu... já estava fugindo do país.
Ergo uma sobrancelha e ele ri.
— Ok. Provavelmente eu não fugiria, mas é certo
que já teria perdido alguns tufos de cabelos com a
possibilidade de ser pai.
Balanço a cabeça, rindo, e passo a mão pelos
meus cabelos – que não tinha nenhum tufo faltando.
— Eu te entendo — falo, divertido. — Também
fico confuso comigo mesmo por estar tão calmo.
Pedro é o que tenho mais próximo de um amigo.
Além de confiar bastante nele, precisava desabafar com
um homem, alguém que pudesse me entender.
Conto tudo pra ele, desde a primeira vez que
encontrei a Cristine na festa do Rogério, até nosso último
final de semana juntos. Não tinha conversado sobre isso
com ninguém. Pedro ouvia tudo sem interromper.
— Então... é isso!
— Caramba, cara. Quem te viu, quem te vê. Todo
responsável e compromissado, planejando até o futuro...
Não achei que eu fosse viver pra presenciar isso.
— Se for encher o saco, nem começa, meu humor
não está muito bom.
— OK. Sem brincadeiras. Você é vivido, Henry.
Sempre que a empresa precisou de você, soube o que era
o certo a fazer. Sei que será assim também na sua vida
pessoal. Eu torço por você. Apesar de ser um pé no saco
como chefe.
Olho pra ele, entediado, mas antes que possa
xingá-lo, meu interfone toca:
— Senhor, Banks. A senhorita Atkins está aqui.
Pedro faz uma careta ao ouvir o sobrenome da
Carol e se levanta.
— Mê de dois minutos, Flávia. — Peço e desligo
a comunicação.
— Olha só quem tá te rondado. Essa mulher não
é flor que se cheire, Henry.
— Ela é uma boa amiga, Pedro. Com ela eu sei
lidar. Não se preocupe.
Pedro me olha, duvidoso, e começa a sair da
sala.
— Se fosse você, ficaria de olhos bem abertos
com essa daí.
Balanço a cabeça. Esses dois nunca deram certo.
Na verdade, pouca gente dá certo com a Carol. Ela tem
um gênio forte e fala o que pensa, então, pra mim é
compreensível essa opinião que alguns têm dela.
— Até que enfim consigo um tempo na sua
preciosa agenda, Henry. — Carol diz, entrando em minha
sala,
Me levanto e a cumprimento.
— Não seja exagerada. — Recebo um beijo no
rosto e me afasto. — Sente-se. — Aponto para o mesmo
lugar que Pedro ocupou alguns segundos atrás.
— Agora só quer saber da tal grávida, não é?
Surpreso, e irritado, com a menção desse
assunto, digo asperamente:
— Carol... Já disse: não devo satisfação da
minha vida a ninguém.
— Já tomou as providências pra se proteger,
Henry? — pergunta diretamente, ignorando o que eu
acabei de dizer.
— Do que está falando, Carol?
Ela revira os olhos e diz enfadonhamente:
— Você é um homem muito visado e rico. Como
sabe que essa tal mulher...
Antes que ela termine de falar, o interfone toca
novamente.
— Senhor Banks, tem uma pessoa aqui
querendo falar com o senhor. Mas não tem horário
marcado. Permito a entrada?
— O nome da pessoa, Flávia?
— É Cristine Morgan, senhor.
E quando acho que nada mais pode me
surpreender hoje...
— Claro que ela pode entrar.
Vou em direção à porta para recebê-la, mas paro
no meio do caminho e me viro para Carol:
— Ela está entrando. Se comporte — ordeno,
com um olhar severo.
Carol suspira e dá de ombros. Não tenho um bom
pressentimento com isso, mas o que posso fazer agora?
Cristine entra no escritório e, automaticamente,
meu humor melhora. Ela está usando uma blusa azul, com
um decote fenomenal, calças pretas justas – bem justas –,
e... salto alto?
Ela dá um sorriso tímido e percebe que não
estamos sozinhos na sala. Vou até ela e dou um selinho
rápido:
— Está tudo bem? — pergunto, com o cenho
franzido, avaliando sua expressão.
— Está, sim. Desculpa, não devia ter vindo sem
avisar.
— Deveria, sim. Eu gostei.
Me viro para Carol, que nos observa
atentamente. Suspirando, as apresento.
— Cristine, essa é Carol Atkins, uma amiga da
família. Carol, essa é minha namorada, Cristine Morgan.
— Olá. — Cristine diz, sorrindo, e se aproxima
da Carol estendendo uma mão.
— Olá. Bem. Então é você que está grávida,
supostamente, do Henry? — Carol diz sem disfarçar uma
hostilidade.
Tá certo que ela costuma passar dos limites, mas
nunca a vi sendo tão rude. O sorriso da Cristine se
desvaneceu.
— Carol!
— Henry, não fique bravo comigo. Só repeti
aquilo que todos dizem por aí.
— Está tudo bem, Henry. — Cristine alega,
tentando apaziguar o clima.
— Não, não está nada bem. — Olho, irritado,
para Carol. — Não quero saber o que estão dizendo por
aí.
— Não vai se dar ao trabalho de negar? — Carol
pergunta a Cristine, me ignorando novamente. Porra!
Será que ela não estava ouvindo nada que eu
estava falando? O que diabos deu nessa mulher hoje?
Antes que eu explodisse, Cristine a responde, calmamente,
como se falasse com uma criança:
— Não. Não nego por vários motivos. O
primeiro deles é que isso não é assunto seu, nem de mais
ninguém. Segundo, é um direito seu achar o que quiser de
mim. E do mesmo jeito, também é um direito meu, te achar
uma pessoa muito indelicada, e até grosseira, por julgar
alguém que você nem conhece.
CRISTINE
Assim que chego na loja me encontro com a Bia.
Ela estava supervisionando a instalação dos banners com
as promoções do mês.
— Oi, Cris! Como meus sobrinhos estão?
— Estamos bem. E você? Sumiu depois do jantar
com o Henry.
— Estava dando privacidade ao casal.
Olho para as vitrines da loja. Tudo estava recém
organizado, com novas peças e acessórios. A primavera
era minha estação preferida. Março ainda era um mês frio,
mas a cidade já começa a ficar florida.
— Falando no Henry... — Bia diz, chamando
minha atenção. — Ele disse alguma coisa?
Estreito os olhos.
— Ele tinha algo para me dizer?
— Talvez.
— Bia...
— Só estava cuidando de você, amiga. E se quer
saber, ele passou no teste.
Minhas sobrancelhas sobem. Bia dá de ombros.
Henry não tinha mencionado nada sobre isso.
— O que falou pra ele?
— Ah, nada demais. Só aquele sermão básico de:
se você machucar minha amiga...
Nem me dou o trabalho de me zangar com ela,
ainda mais por dar uma de irmã mais velha.
— Você é terrível, sabia?
— Na verdade, sabia sim. Pelo menos, cresci
ouvindo bastante essa frase da minha mãe. E sabe o que
dizem sobre as mães...
Balanço a cabeça, divertida. Ela podia ser chata,
e meio maluquinhas às vezes, mas eu a amava e não sabia
viver sem ela.
— Mas, tá tudo bem entre você e o capitão,
certo? Deu tudo certo no final de semana? — Ela
pergunta, balançando as sobrancelhas sugestivamente.
Quis revirar os olhos.
— Henry, Bia. O chame pelo nome. E, sim, tudo
foi bem — respondo, um pouco envergonhada.
Ela ri, mas, graças a Deus, não diz nada
embaraçoso.
— Posso chamá-lo de bonitão também. Já pensou
nos filhos de vocês? Serão tão lindos...
— Eu vou trabalhar que eu ganho mais — falo,
dando as costas pra ela e indo em direção aos escritórios.
— É bom mesmo — respondeu, num tom alto e
divertido. — Não posso ser a única a trabalhar aqui.
Olho pra ela, querendo fazer um gesto obsceno,
mas me contenho. Como eu aturava a Bia era um enigma.
Pra piorar, ainda a ouço dizer antes de me afastar:
— Não vai escapar, senhorita. Mais tarde vou
querer os detalhes sórdidos.
Reviro os olhos sem me virar para encará-la, e
continuo andando para minha sala.
Quase na hora do almoço, tive uma ideia:
stalkear meu namorado. Digitei seu nome em um site de
pesquisa e dei uma olhada nos resultados. Claro que
ignorei as imagens, não precisava encontrar nenhuma foto
dele com alguma mulher.
Tinha vários artigos em sites e revistas de
negócios. A empresa do Henry estava em uma boa
colocação no ranking de empresas bem-sucedidas, mesmo
em meio à crise. Fiquei orgulhosa. Assumir um negócio
desse tamanho, sendo tão novo, e ainda prosperar era algo
incrível.
Vejo no mapa que o prédio onde ficava a
empresa era pertinho. Impulsivamente, decido ir fazer uma
visita. Namorados fazem isso, certo?
∞∞∞
Fiquei encantada quando cheguei ao andar de seu
escritório. Os móveis modernos, tudo em couro e preto.
Desde as luminárias até os balcões de atendimento, tudo
grita imponência e elegância. Um pouco intimidante, mas
adorei.
Minha entrada é permitida e me sinto ansiosa
para vê-lo. Quando entro em sua sala, não noto mais nada,
a não ser, o belo homem que vem me receber.
Homem de terno e gravata é sexy pra cacete.
Entretanto, descubro, rapidamente, que não estamos
sozinhos. Uma ruiva familiar, muito bonita, me é
apresentada como amiga da família.
Tento parecer simpática, mesmo não recebendo
um olhar muito acolhedor dela. E não demora muito para
eu descobrir o motivo.
Ela é rude ao dar a entender sobre as fofocas que
eu sabia que circulariam por aí. Eu meio que estava
preparada para algo assim. Henry, pelo contrário, estava
com uma expressão bem furiosa.
Até tento apaziguar a situação, mas quando ela
me acusa de não negar um suposto golpe, me revolto.
— Não. Não nego por vários motivos. O
primeiro deles é que isso não é assunto seu, nem de mais
ninguém. Segundo, é um direito seu, achar o que quiser de
mim. E do mesmo jeito, também é um direito meu, te achar
uma pessoa muito indelicada, e até grosseira, por julgar
alguém que você nem conhece.
Ela se surpreende com minha resposta.
Geralmente, evito confrontos, pois detesto escândalos.
Mas me julgarem, na minha cara, me acusando de algo que
não sou... Ahhh, aí não deixo passar em branco.
— Está na hora de ir, Carol — Henry diz,
rigidamente. Sua voz transparecendo insatisfação com a
amiga.
A ruiva exala raiva, dá pra ver em seu olhar. O
que me deixou suspeitando se suas ações são pra defender
uma amizade, como Bia e eu, ou se é por ciúmes...
Com um rosto inexpressivo, ela lamenta:
— Sinto muito, Henry. Me deixei levar por
boatos.
Ela se despede, dessa vez educadamente, e vai
embora. Não me passou despercebido que ela só pediu
desculpas ao Henry, mesmo tendo me ofendido
diretamente.
Puxo algumas respirações para me acalmar. Esse
nervosismo não faz bem para os bebês! Henry se
aproxima e, no fundo, temo que ele não vá gostar do meu
comportamento, mas me olha com ternura e culpa ao
mesmo tempo:
— Desculpa por isso. Você não tem que passar
por algo assim. Não vou deixar isso acontecer novamente.
— Está tudo bem, Henry. Eu que não deveria ter
vindo sem avisar.
— Você pode vir sempre que quiser. Vou permitir
sua entrada livremente. Afinal, é a namorada do dono! —
Ele brinca.
Eu sei que falou isso para aliviar o clima, mas
me sinto culpada depois das insinuações da ruiva. Ela tem
razão. É o que a maioria está pensando agora. Que estou
dando um golpe!
— Henry, isso realmente não me faz sentir
melhor. Ela tem razão...
— Não! Não quero que você... — Coloco um
dedo em seus lábios, o silenciando.
Preciso dizer o que vem me incomodando. Pego
sua mão e o arrasto para o sofá.
— Me escuta. Eu já imaginava que isso
aconteceria. Não podemos impedir esses pensamentos das
pessoas. Mas, quero discutir algo com você. — Espero
ele se ajeitar no sofá ao meu lado, antes de continuar. —
Quando os bebês nascerem, vou pedir o exame de DNA.
Quero que se sinta mais seguro, e eu posso ficar com a
consciência limpa de que você não terá essa dúvida.
— Não tenho dúvida sobre isso, Cristine.
— Eu sei, Henry. E isso me preocupa um pouco.
Embora me sinta tocada pela sua confiança, precisamos
disso para não ter que ficar toda hora nos justificando. Sei
que isso não vai parar o falatório, mas vai ajudar a
amenizar. Pessoas maldosas sempre vão arrumar alguma
coisa para fofocar. E tenho medo de que isso possa ser um
empecilho entre nós dois. Além disso, é uma situação
normal pedir o teste de paternidade nessas situações.
Henry me observa, pensativo. Ele sabe que tenho
razão. É o certo e o prudente a se fazer. Repentinamente,
ele enlaça minha cintura e me puxa para seu colo. Vou de
bom grado.
— Se é o que você quer, é o que terá, mesmo eu
não concordando muito com isso.
— Obrigada.
— E sinto muito pela atitude da Carol. Ela não
costuma ser assim.
— A conhece há muito tempo?
— Sim. Sua família é muito próxima à minha.
De repente, me lembro o porquê ela é familiar.
Ela estava com ele no dia que ele descobriu a gravidez.
— Está tudo bem. De um jeito torto, ela só estava
te defendendo — afirmo, duvidando seriamente disso.
Henry acena, concordando. Ele pega uma mecha
do meu cabelo e coloca atrás da minha orelha.
— Chega de falar sobre isso. — Seu olhar foi
para meus lábios. — Estava com saudade.
Entreabri os lábios, surpresa com sua admissão,
e Henry se aproveita para me beijar. Derreto em seus
braços, me deleitando com seu toque. Eu também estava
com saudade dele.
— Já almoçou? — pergunta, separando nossas
bocas.
Ofegantemente, nego com um aceno.
— Vamos pegar algo pra comer e ir para meu
apartamento? É aqui pertinho.
— Hum. Irei conhecer seu apartamento?
— Sim... acho que vai gostar de lá,
principalmente, do meu quarto — diz, maliciosamente. —
Na verdade, tenho certeza disso!
Dou uma risadinha com a sua insinuação. E,
claro, fiquei empolgada e mais do que disposta a ir
conhecer seu apartamento.
Na saída, recebemos muitos olhares curiosos. O
que não era de se estranhar, já que o chefe estava andando
de mãos dadas com uma mulher bem grávida. Rumores
estavam sendo confirmados e novos boatos nasciam.
Esses olhares não seriam os últimos. Sei que
passaríamos por muita coisa ainda. E precisarei exercitar
meu domínio próprio para o que está por vir,
principalmente, se tiver outras “Carol” por aí.
CAPÍTULO 10
CRISTINE
Na sexta-feira, encontro com a Bia no shopping.
Precisava comprar um vestido para o aniversário da
Rachel, já que os meus estavam todos apertados.
— Nossa! Estou me cansando muito rápido. —
Reclamo, após a quarta loja.
— Quer sentar um pouco? Podemos fazer uma
parada.
— Não. Vamos terminar logo com isso para que
eu possa voltar pra casa.
Andamos mais um pouco, tentando achar algo
decente. Como era difícil encontrar um vestido para
gestantes!
Finalmente, encontro algo que me sirva. Um
vestido longo, azul royal, com as alças largas e um
drapeado abaixo dos seios. E sandálias pretas com um
salto confortável pra passar a noite.
Beatriz é mais enrolada na escolha e prova um
monte de vestidos. No fim, escolhe um vermelho com um
ombro só, bem justo. Eu convidei ela e a Estela pra ir
conosco, depois que a Rachel liberou que eu as
convidasse. Vai ser mais fácil com as duas lá comigo.
Afinal, teremos muitos amigos da família Banks, e será a
primeira vez que eu e Henry vamos nos apresentar juntos.
Precisarei do apoio delas.
Quando estamos saindo de uma loja, com todas
as compras já feitas, avisto o homem que tem ocupado boa
parte dos meus pensamentos.
— Oi. — Henry se aproxima e me dá um beijo,
em seguida, cumprimenta a Bia.
Pega de surpresa, mal registro o beijo.
— O que está fazendo aqui?
— Não tinha nada mais pra fazer no escritório, e
aproveitei pra vir e levá-las para jantar. Tudo bem? —
pergunta, pegando as minhas sacolas de compras. —
Deixa que eu carrego.
— Hum, que ótimo. Estou faminta depois de tanto
andar.
Henry organiza minhas compras em um braço, e
com a outra mão segura a minha começando a caminhar.
Escolhemos o que vamos jantar ali mesmo no shopping.
Optamos por um restaurante de comida caseira, e
sentamos para aguardar a comida chegar.
— Como foram as compras? — Henry pergunta
assim que se acomoda ao meu lado.
— Foi bem.
— E porque vocês compram roupas da
concorrência? — indaga, um pouco divertido.
Bia responde, distraída:
— É uma regra nossa. Pra não adquirirmos o mau
hábito de pegar roupas na loja, e não precisar pagar. Isso
é mau para os negócios. Às vezes, quando realmente
gostamos de algo, nos permitimos separar para nós antes
de liberar para as vendas. Mas é raro.
— Boa estratégia. — Ele diz, sorrindo.
Gostei de ver o Henry se soltando na conversa e
ficando à vontade com a Beatriz, durante o jantar. Ele
estando na minha vida, frequentemente, esses momentos
com a Beatriz irá acontecer. E quanto mais eles se derem
bem, melhor.
Beatriz se despediu e combinou de me encontrar
amanhã para nos arrumarmos no salão.
Chegamos em seu apartamento e Henry, de
imediato, prepara um banho na banheira. Adoro banho de
banheira, principalmente com ele. Por mim, ele pode me
banhar assim sempre que quiser.
Conforme vamos nos acostumando a presença do
outro, o entrosamento fica cada vez melhor. A conversa
flui fácil. E a cada dia que passa, vamos nos conhecendo
mais. E a cada dia que se passa, vou me apegando mais.
Bem mais do que eu estou a fim de admitir.
∞∞∞
Acordo sentindo pequenos toques em minha nuca.
Logo percebo que são beijos que Henry está distribuindo
em meu pescoço. Fico de olhos fechados para aproveitar
as sensações maravilhosas que esse contato está fazendo
em meu corpo. A cada toque de seus lábios em minha
pele, sinto uma corrente elétrica disparando pelo meu
corpo e meus pelos se arrepiando.
Inevitavelmente um sorriso surge em meu rosto,
quando ele alcança uma parte que sinto cócegas.
— Hora de levantar, dorminhoca.
Me viro em sua direção e ficamos um de frente
para o outro. Imediatamente, sua mão viaja até minha
barriga. Nem preciso dizer que adoro esse toque afetuoso
dele. E os bebês também, pois um tempinho depois eles
começam a chutar.
Henry sente e um sorriso lindo surge em seu
rosto, um que eu não consigo não corresponder. Olho para
o relógio e vejo que já são 9:30h.
— Qual a programação pra hoje? — Henry
pergunta, ainda alisando minha barriga.
— Bom, de manhã estamos tranquilos. Temos que
ir comprar o presente da sua mãe. Poderíamos ter
comprado ontem, mas acabei me esquecendo.
— Assim que tomarmos o café nós iremos.
Minha mãe adora joias. Podemos ir em busca de algo.
— Ok. À tarde eu tenho que ir ao salão...
manicure, cabelo e maquiagem pra fazer. Depois eu volto
pra me vestir em casa. Que horas temos que estar na casa
da sua mãe?
— Pelo menos às 19hs. — Ele me dá um beijo
rápido e conclui: — Vamos tomar um banho para que eu
possa alimentar vocês três.
Henry se levanta e vai para o banheiro do jeito
que veio ao mundo, sem nenhum pingo de vergonha. Mas
com esse corpo, quem teria?
∞∞∞
Tomamos café, fomos ao shopping e, depois de
duas joalherias, escolhemos o presente da Rachel. Ele
comprou um colar lindo de ouro com esmeraldas, e eu,
uma pulseira de prata toda trabalhada com pequenos
rubis.
Lógico que foi mais uma batalha com Henry,
porque ele queria pagar por tudo. Mas bati o pé e disse
que meu presente pra Rachel eu mesma pagaria.
Depois de almoçarmos no shopping mesmo,
fomos para meu apê. Queria tentar dormir um pouco, o dia
ia ser longo e eu precisava descansar enquanto podia.
Claro que eu tentei aproveitar esse tempo de outra
maneira, mas o homem estava irredutível! Nada de sexo.
Ele me acordou depois de duas horas de uma
merecida soneca, e como sempre, me faz comer antes que
a Bia chegasse.
Aproveitei que ela estava atrasada e fui até meu
escritório, fazer uma chamada de vídeo para Stephanie.
Stephanie Mendes é minha diretora de vendas.
Está com a gente desde quando abrimos, e é uma excelente
funcionária.
— A Caroline está atrás de você, Cris. Quer te
mostrar a nova coleção de primavera. — Ela diz e ajeita
seus óculos no nariz. Seu cabelo ruivo está em um coque
bagunçado, chamando toda a atenção. — E só serve você.
Faço uma careta. Alguns representantes de
marcas eram, irritantemente, obstinados.
— Peça pra ela ir na segunda, se faz tanta
questão de me mostrar, Caroline.
— Ok. O nosso fornecedor de roupa de banho
está atrasado com os mostruários novos. O que quer
fazer?
Penso por um momento. Sem muita alternativa,
balanço a mão sem muita importância.
— Nada. Até localizar um novo fornecedor, fazer
os pedidos novamente, e aguardar outra vez, vai ser uma
longa espera. Vamos continuar aguardando. Mas dê uma
bronca neles, caso eles cheguem e eu não esteja presente,
Cá.
— Pode deixar.
Suspiro, olhando para o relógio sobre minha
mesa. Bia estava começando a ficar bem atrasada.
— Algo mais?
— Hum.. sim. — Sua hesitação me deixa
preocupada, instantaneamente. Ela tira fiapos invisíveis
de sua roupa ao falar: — Um jornalista ligou. Pediu pra
falar com você, e quando foi informado de que não estava,
começou a fazer perguntas a seu respeito.
Demoro algum tempo para entender. Não era
novidade quando a loja aparecia na mídia. Graças a Deus
estávamos indo muito bem. Mas eu compreendi o que ela
quis dizer dessa vez, estavam procurando saber sobre
minha gravidez. Provavelmente, já descobriram de quem
eu estava gravida.
Isso era algo que eu temia muito. Como Henry
reagiria com os holofotes sobre sua cabeça agora? Eu
teria que esperar pra ver. E, pelo jeito, não esperaria
muito.
— Não passe nenhuma informação pessoal,
Caroline.
— Claro. Só falei que fique avisada. Acho que
eles vão dar trabalho até se acostumarem.
Aceno, concordando e me despeço. Respirando
fundo, procuro esconder mais essa nova preocupação
sobre meu futuro.
∞∞∞
∞∞∞
As horas no salão são divertidas com Bia ao meu
lado. E depois de unhas, cabelo e maquiagem prontos não
há autoestima que não aprecie.
Minha tia já está nos aguardando quando
chegamos no meu apartamento.
— Oi, tia. Tudo bem?
Me aproximo e dou um beijo em seu rosto.
— Estou, minha filha. E vocês? — Ela acaricia
minha barriga e dá um beijinho rápido.
Adoro o cuidado que todos têm com os bebês.
— Estamos bem.
— E estão lindas. — Ela também dá um beijo na
Bia.
— Oi, tia. — Bia retribui o beijo, e tenta
equilibrar as inúmeras sacolas e caixas que está
carregando. — Tudo bem? Estamos quase ficando
atrasadas. Temos que correr.
Deixo as duas conversando sobre seus vestidos e
vou para o quarto me vestir. Henry tinha mandado uma
mensagem há alguns minutos avisando que já estava a
caminho.
Tomo um banho rápido e escolho a lingerie pra
usar com o vestido. Meu vestido não tem alças, então o
sutiã também não pode ter.
Quase grito quando braços me enlaçam pela
cintura.
— Minha maior tentação da noite será ficar ao
seu lado, sabendo o que estará por baixo do seu vestido.
— Henry sussurra.
Puta merda. Não sei como um homem tão grande
consegue ser tão silencioso. Coloco a mão em meu peito,
sentindo meus batimentos acelerado, e respiro fundo.
— Que susto.
— Desculpe.
Sua voz sai abafada, pois seus lábios estão
pressionados em meu pescoço, distribuindo beijos
incríveis, fazendo minha pele formigar.
— Chegou cedo — falo, e saio, relutantemente,
de seus braços.
Ele dá de ombros, ainda com o olhar em minha
roupa intima.
— Já estava pronto então resolvi vir.
Quando ele diz isso eu reparo em sua roupa.
Henry como sempre está espetacular. Ele escolheu um
terno grafite, camisa social cinza escuro e gravata preta.
Um arraso.
Pego meu vestido e Henry me ajuda com o zíper
nas costas.
— Quero te dar um presente! — Ele diz, enfiando
a mão no bolso do paletó e retirando um caixa retangular
de veludo. Sinto meu coração acelerar.
Ele abre o estojo e mostra um colar e um par de
brincos. O colar é todo trabalhado com pequenas flores e
no centro uma pedra preta, cortada em formato de
coração.
— É tão lindo, Henry. — Me aproximo e deixo
um beijo lento em seus lábios. — Obrigada.
Henry acaricia meu rosto, satisfeito, e depois
coloca o colar em mim, enquanto eu coloco os brincos.
Meus cabelos estão no alto da cabeça, num coque
elegante. Então, o colar terá muita atenção hoje.
— Assim que eu o vi na vitrine eu o queria para
você. — Ele fala, ainda admirando o colar em meu
pescoço. — Então, quando você se distraiu um pouco, eu
rapidamente avisei ao vendedor para separá-lo pra mim.
Voltei para buscá-lo quando você foi para o salão.
Toco o colar com a ponta dos meus dedos,
sentindo o frio da peça, e encaro o Henry. Ele parece
genuinamente feliz por ter me presenteado. Meu coração
se aquece com esse pequeno gesto.
Quando chegamos à sala, Beatriz e Estela já
estão prontas. Beatriz com seu vestido vermelho lindo e
ousado, e Estela com um vestido longo preto, clássico e
elegante. E, claro, ambas se derretem quando Henry
começa a bajular as duas.
∞∞∞
Assim que chegamos, percebo que a festa não
seria íntima. Pelo menos, não na minha definição de
íntimo! Havia muitos carros estacionados.
O jantar iria acontecer no jardim, por ser bem
espaçoso, e onde havia sido montado uma tenda para
proteção dos convidados. Tinha gente pra todo o lado.
Dentro e fora de casa. Evitei um gemido.
A decoração estava linda, com vários tipos de
flores colorindo e dando alegria ao lugar. Bem ao estilo
da Rachel. Garçons servindo, uma música sendo tocada
ao fundo, pessoas conversando.
— Boa noite, meu filho. Fico feliz que tenham
chegado. — Rachel diz, abraçando o Henry, e logo em
seguida, me abraçando e acariciando minha barriga. —
Tudo bem, minha querida?
— Estamos bem, Rachel. Obrigada por perguntar.
E feliz aniversário! Está tudo lindo.
Rachel está radiante. O vestido esvoaçante verde
escuro a deixava com um ar mais jovem. Seu cabelo com
um penteado lateral, revelava a beleza do seu rosto. Ela
também ostentava enormes, e caras, joias.
— Obrigada, Cristine. — Ela se vira para Estela
e Beatriz. — Olá, sejam-vindas! Estela, é um prazer
recebê-la. Adoro seus eventos beneficentes.
Como toda vez que é elogiada pelos seus
eventos, os olhos da tia Estela brilham pelo
reconhecimento.
— O prazer é todo meu, Rachel. Feliz
aniversário. E obrigada pelo convite. — Ela apresenta a
Bia. — Essa é Beatriz Willians, uma grande amiga da
família.
— Willians? Por acaso, é parente de Saul
Willians?
— Sim, senhora. É meu pai.
— Ah, sim! Seu pai já fez alguns trabalhos com
meu marido.
Tanto Henry como Bia franzem o cenho. Pelo
jeito, nenhum dos dois sabiam dessa informação. Estela
me olha, divertida, como se dissesse: “mundo pequeno,
certo? ”
Conversamos mais um pouco antes de Rachel se
retirar para cumprimentar mais convidados que não param
de chegar. Estela também encontra com alguns
conhecidos. Assim como Bia. Às vezes me esqueço que
Bia gosta tanto dessas festas, como minha tia Estela, e
provavelmente, ela deve conhecer boa parte dos
convidados. Não deixo de me sentir um tanto reclusa
nesse momento, pois os rostos são, na maioria,
desconhecidos pra mim.
Henry me puxa pela mão e cumprimenta muita
gente, sempre me apresentando como sua namorada.
Ninguém comentou nada, mas os olhares para minha
barriga me incomodaram um pouco.
Era nossa primeira aparição como casal. E ver
que em momento algum Henry ficou constrangido ou
embaraçado pela minha presença, me inundou de alívio.
Tudo estava uma maravilha. Até eu ver a ruiva
desbotada da tal Carol. Nunca fui tão antipática em
relação a uma pessoa. Principalmente com alguém que eu
mal conhecia. Mas Carol parecia tirar o pior de mim. Era
só olhar pra ela que algo dentro de mim ficava em alerta
instantaneamente.
E o desgosto era recíproco, pois toda vez que ela
olhava em nossa direção eu sentia seu desgosto mesmo à
distância.
E eu imaginava o motivo de sua hostilidade.
Henry. Ela o queria. Estava explicito em seu olhar. Não
sei como ele não percebe. Ou talvez sim, mas finge que
não.
Um tempo depois de conversar com muita gente,
começo a ficar cansada. Não queria interromper Henry,
que falava sobre a empresa com um conhecido, mas
precisava me sentar. Pra meu alivio, Bia aparece pra me
socorrer.
— Posso roubar minha amiga um minuto, Henry?
— Só se for por um momento muito curto —
responde sorrindo e me dá um beijo rápido.
Peço licença a eles e me retiro com Bia. Vamos
em direção ao jardim, e nos acomodamos em uma das
mesas vazias. Assim que nos sentamos, Bia dispara:
— Você estava com um cara péssima. O que te
incomoda?
— Uau! Não achou ninguém interessante na festa
e eu virei seu alvo de observação?
Ela revira os olhos.
— Realmente, não me agradou ninguém aqui. Por
enquanto, pelo menos. Mas estava perto de vocês. E,
sinceramente amiga, você não sabe disfarçar muito bem
suas emoções.
Exalo uma longa respiração, em dúvida se conto
ou não essa implicância minha com a tal da Carol.
— Bia, deixa eu te perguntar primeiro. — Dou
uma olhada ao redor pra ver se não seríamos
bisbilhotadas. — Você conhece uma mulher chamada
Carol Atkins?
Beatriz franze o cenho e parece pensar um pouco,
logo me responde:
— Acho que não — responde, incerta.
Suspiro, desapontada. Um pouco de informação
seria útil agora.
— Por quê?
— Acho que é só implicância minha. Mas ela não
gosta muito de mim — explico, dando de ombros. Não
quero dar muita importância a ela. — É amiga do Henry.
Bia estreita os olhos. Quando começo a me
arrepender de dizer algo, ela se levanta.
— Espere aqui.
— Onde vai? — Tento segurar seu braço, mas a
mulher se esquiva rápido.
Em segundos, e a Bia já se afastou e sumiu em
meio à multidão. Droga!
Sem ter o que fazer e ainda me sentindo cansada,
peço uma bebida e fico observando a festa. Os bebês
aproveitam e começam a fazer a própria festa deles em
minha barriga, e muitas vezes tenho que mudar de posição
para uma confortável com seus movimentos agitados.
Henry me encontra minutos depois.
— Está muito cansada?
Ele agacha ao lado da minha cadeira. Seu rosto
ficando na altura do meu.
— Um pouco — respondo, e acaricio seu rosto.
— Quer ir pra casa?
Algo se aperta dentro de mim ao ouvi-lo dizer
casa como algo de nós dois. Sorrindo, nego com um
aceno.
— Chegamos ainda pouco. E ainda tem os
parabéns.
Seus lábios se apertam em uma linha.
— Minha mãe não vai se importar.
— Mas eu, sim. — Me inclino e beijo,
suavemente, sua boca. — Não se preocupe. Estou bem.
Um pequeno sorriso aparece em seus lábios.
Seus olhos descem para minha boca e sei que ele quer me
beijar novamente. Talvez um daqueles beijos que só
Henry sabe dar, desejo mentalmente. Mas alguém o
chamando interrompe sua intenção. Suspirando, ele se
levanta e sai, murmurando um volto logo.
— Vocês dois são tão melosos juntos. — Bia diz,
se jogando na cadeira ao meu lado. — De longe dá pra
sentir o doce.
Rio de sua expressão fingida de repulsa.
— Onde estava, sua maluquinha?
— Atrás de munição.
Respiro fundo. — Vou querer saber?
— Ah, vai! Fui atrás de Marcela...
— Uh-Oh — murmuro, a interrompendo.
Marcela é uma conhecida piolho de festa. Ela
está em todas. E adora saber da vida dos outros. Se quer
saber de alguém, é só ir atrás da Marcela.
— Cale-se e escute. Carol Atkins, uma ruiva,
certo? — Aceno, confirmando. — Marcela passou a ficha
dela: solteira, à toa, sem carreira, dependente dos pais.
E... é a “vadia mor” do nosso meio, a vadia maioral, a
vadia das vadias.
— Bia! — Repreendo-a, rindo.
Dou mais uma olhada ao redor para conferir se
ninguém está ouvindo.
— Você entendeu. Ela não tem uma fama muito
boa entre as mulheres, principalmente as comprometidas.
Ela fica com homens a torto e a direita, não se importando
se são solteiros, namorados, noivos, casados... etc. Mas
dizem também que ela é obcecada em um ricaço
especifico.
Com um bom palpite, eu suspeitava por qual
ricaço a mulher era obcecada. O olhar dela não nega!
Conto para Bia do meu primeiro encontro com a
Carol. Quando ela me atacou sem motivo nenhum no dia
que nos conhecemos na empresa do Henry. Aliás, motivo
tinha, eu que não sabia. Beatriz arregala os olhos quando
ela chega a mesma conclusão que Henry é o alvo de
obsessão da mulher. O que não me deixa nada confortável.
— Você deu na cara dela, Cris? — Bia pergunta
um pouco exasperada.
— Não posso bater em alguém só porque a
pessoa foi mal-educada.
— Se fosse eu, tinha batido.
— Não tenho dúvidas, amiga. Porém, ela só
destilou um pouco de veneno. Hoje é que ela está me
incomodando mais. Toda vez que a encontro, ela está
olhando para o Henry cheia de expectativa. — Solto um
suspiro cansado. — Mas nada que me tire do sério. Se ela
continuar a distância, por mim tudo bem.
— E se ela não continuar a distância? O que
pretende fazer?
— Nem quero pensar nisso.
Já bastava minhas preocupações com meu recente
relacionamento com Henry, e com a gravidez de gêmeos,
só me faltava ter que me estressar com uma mulher
querendo se intrometer em nossa vida.
— O que Henry acha disso tudo?
— Na verdade, não conversei com ele sobre ela.
Não vi nenhuma necessidade disso ainda. Bia, talvez seja
tudo impressão minha. Ela ainda não fez nada, e espero
que seja só uma intuição errada!
— Hum, também espero. Mas se isso acontecer,
acho que a primeira atitude sua, deve ser conversar com
Henry sobre ela. Entender o que houve entre eles. É bom
você conhecer em que terreno estará pisando.
Não quero pensar no que aconteceu ou não entre
eles. Meu estomago revira só de imaginar Henry com
outra mulher.
Decido deixar esse assunto de lado e voltar a
curtir a festa novamente. Vou ao banheiro com a Bia e na
volta ela me ajuda a procurar por Henry. De repente, ela
sussurra em meu ouvido:
— Bom, pelo visto estávamos enganadas quanto
as intenções da criatura.
Acompanho o olhar da Bia e congelo. Henry está
conversando com um casal e, pendurada em seu braço,
está a ruiva desbotada com um enorme sorriso.
Meu sangue corre mais rápido pelas veias. Um
sentimento ruim se instala em mim, e eu logo o reconheço:
ciúme. E junto com ele, vem uma onda de possessividade.
Henry é meu. E eu não ia deixar aquela espaçosa no lugar
onde eu estava minutos atrás. Um lugar que me pertencia.
A realidade da situação também me acerta: um lugar que
eu não estava disposta a deixar ninguém mais ocupar.
CAPÍTULO 11
CRISTINE
Eu gosto de me considerar uma pessoa pacifica.
Não sou de fazer escândalos e nem mesmo confrontos.
Fico até intimidada quando me envolvo em um. Não é à
toa que escolhi fugi do Henry quando descobri a gravidez.
Contudo, nessa noite... ah, como eu estava disposta a
arrancar aquela mulher do lado do Henry. Pelos cabelos
se fosse preciso.
E, talvez, essa tenha sido minha intenção quando,
a passos firmes, me aproximei deles. Entretanto, conforme
minha mente tentava tomar o controle do meu lado
racional de novo, pensei melhor. Eu não me rebaixaria ao
seu nível. Não daria o gostinho de ela me ver afetada.
Não!
Com esse pensamento, diminuí o passo, respirei
fundo, e coloquei meu melhor sorriso.
— Ei, achei você! — exclamo ao parar ao lado
dele, deixando meu corpo se apoiar no seu.
Henry não poderia ficar com nós duas pendurada
nele. Ele teria que escolher um lado, se afastando do
outro.
Meu coração bate mais rápido. Percebo,
tardiamente, que minha jogada poderia sair pela culatra.
Se ele escolhesse ela...
— Achou mesmo. — Henry fala, se soltando da
Carol e enlaçando minha cintura.
Quase cambaleio de alivio.
— Oh, desculpe a interromper a conversa —
lamento, falsamente.
— Você não interrompe, nunca. — Henry diz,
carinhosamente. Meu coração bate mais rápido por outro
motivo agora.
Eu não ia deixar espaço pra cadela se aproximar
de novo, então permaneci dentro de seu meio abraço,
mesmo sendo uma posição intima para se estar na frente
de estranhos.
Eu podia sentir Carol me fuzilando com o olhar.
E não querendo me sentir intimidada, retribuí o favor a
encarando sem disfarçar.
Dou uma olhada em sua roupa; um vestido bem
justo e decotado, verde claro, totalmente inapropriado.
Nem meus seios enormes de grávida chamavam tanta
atenção quanto os delas nesse decote exagerado.
— Cris, esses são Dr. John Atkins e sua esposa
Mary. São grandes amigos da família. São pais da Carol,
que você conheceu no meu escritório há alguns dias. John,
essa é Cristine Morgan, minha namorada. — Noto em
Henry um rápido desconforto ao lembrar do dia no
escritório, provavelmente lembrando dos comentários
rude de sua amiga.
— Claro que me lembro dela. Olá, Carol —
cumprimento-a, sorrindo o mais docemente que consigo.
Depois, falo para seus pais: — É um prazer conhecê-los.
— Igualmente, senhorita Morgan — diz John, e
logo comenta com Henry. — Muito bonita a sua namorada,
meu rapaz.
— É o que eu digo todos os dias, John.
Ele me beija ternamente na cabeça. Dou um
sorriso, envergonhada, e agradeço o homem mais velho.
Percebo em pouco tempo de conversa que os pais
da Carol aparentam ser pessoas de bem. Não comentaram
nada sobre a gravidez. E não me senti desconfortável com
nenhum deles. Provavelmente não notaram a obsessão da
filha.
— Henry comentou que você tem uma loja,
Cristine. — A mãe da Carol, Mary, comenta. — Morgan’s,
não é? Próximo ao Starbucks, no centro? — Aceno,
confirmando, surpresa que ela saiba disso. — Eu já fui lá.
É uma bela loja. Gostei muito quando eu a conheci.
— Obrigada, senhora Atkins!
— Somente Mary, por favor.
— Ah, também me lembro, mãe. — Carol fala
pela primeira vez. — Pena que é não é uma de luxo senão
teria ganhado uma cliente assídua. Mas mamãe adora
grife!
Estava demorando uma alfinetada da Carol. Mas,
em vez de entrar no jogo dela, levo na brincadeira.
— Que pena! — Dou de ombros,
despreocupadamente. — Vou tentar corrigir isso o mais
breve possível.
A mãe dela sorri, mas lança um olhar de
repreensão em direção a filha.
— Não seja boba. Estava tudo perfeito.
— E é Cristine que cuida de lá sozinha. — Henry
diz.
— Não adule meu ego — falo, revirando os
olhos, mas me sentindo bem por seu comentário
orgulhoso.
Todos riem, e logo o assunto muda para os
negócios do Henry. O tempo todo sentia o olhar dela em
mim e, às vezes quando eu a olhava de relance, a pegava
observando as mãos do Henry na minha barriga. Ela não
tinha um simples olhar de melancolia ou rejeição. Era um
olhar carregado de raiva e, impressão minha ou não, era
direcionado aos meus bebês. E isso começou a me
incomodar. Henry deve ter sentido meu incômodo, pois,
logo se despediu deles e nos levou para uma mesa.
— Tudo bem, Cris?
— Tudo sim. Só um pouco cansada e com fome.
Assim que falei, me arrependi. Claro que Henry
foi exigir que a mãe, que por acaso é a própria
aniversariante, adiantasse o jantar. E, para meu horror,
Rachel mais que depressa atendeu seu pedido, pois seus
netos não podiam passar fome.
Rachel, Henry e eu, Estela, Beatriz e Pedro, o
amigo do Henry ficamos juntos na mesa principal. A
princípio suspeitei de algum interesse entre a Bia e o
Pedro, mas percebi uns olhares raivosos de um para o
outro. Estranho! Depois terei que perguntar o que
aconteceu.
O jantar estava delicioso, a conversa na nossa
mesa estava alegre e divertida. Brindamos à Rachel, e
Henry disse poucas, mas belas palavras pra mãe.
Outra coisa estranha: assim que o jantar
terminou, tanto Bia quanto Pedro saíram em disparada da
mesa. Cada um parecia o diabo fugindo da cruz.
Definitivamente, havia acontecido algo ali!
Depois do jantar alguns casais começaram a
dançar.
— Me concede uma dança, senhorita? — Henry
me pergunta, estendendo a mão.
— Claro.
Fomos para a área reservada para dança e Henry
coloca suas mãos em minha cintura me puxando pra perto.
Jogo meus braços em volta do seu pescoço e nos
movimentamos ao som da música. Uma música linda dizia
muito como eu me sentia agora.
Encosto minha cabeça no peito do Henry e me
deixo levar pela canção.
∞
“Você tem estado em minha cabeça
A cada dia me sinto mais afeiçoada
Me perco no tempo
Só pensando em seu rosto
Só Deus sabe porque levei tanto tempo a acabar com as
minhas dúvidas
Você é o único que quero”
ADELE – ONE AND ONLY
∞
Dançamos toda a música em nossa pequena
bolha. Henry acariciava minhas costas e eu, com as mãos
em seu pescoço, brincava com uns fios de cabelo em sua
nuca. Ficávamos olhando um para o outro e nesse
momento percebi algo diferente nos olhos dele. Algo que
não consegui desvendar, mas me fez sentir acolhida e
feliz. Quando a música terminou ele segurou meu rosto
com uma das mãos e me beijou demoradamente. Eu não
me importei se alguém prestava atenção. Eu estava
entregue ao momento e aos seus lábios.
Depois de dançar mais duas músicas eu estava
sentindo o cansaço dobrar. Henry percebeu e me levou
para uma sala de leitura, pedindo que eu ficasse um tempo
sentada descansando. Queria ficar ali comigo, mas eu
disse que podia voltar para o fim da festa da Rachel. Pelo
horário devia estar quase no fim.
Dez minutos depois, eu já estava acomodada em
um divã, quando ouvi a porta se abrindo novamente:
— Henry, estou bem. Pode voltar pra festa —
falei, sem me virar para vê-lo.
— Ele está ocupado agora, querida. O que é
bom, pois precisamos conversar sem ele por perto pra
você se esconder atrás dele.
Ao ver a Carol, institivamente, minhas mãos
foram para minha barriga. Puxei uma longa respiração
tentando manter minha calma. Acima de tudo, eu não
poderia me estressar e passar mal por conta dessa mulher.
Não queria que nada acontecesse com os bebês,
por isso, fiz o maior esforço para não perder a paciência e
nem me deixar levar por seu atrevimento. De onde ela
tirou que me escondo atrás do Henry?
Ela me dá uma olhada de cima a baixo e me
esforço para não me contorcer. Eu não ia deixar que ela
me afetasse.
— Sabe... é inacreditável que, mesmo com toda a
modernidade desse século, o golpe da barriga tenha ainda
funcione. Você deu um tiro arriscado que, por enquanto,
tem dado certo.
— Isso não é assunto seu. Preciso desenhar isso
para que entenda? — pergunto com desdém. — Se veio
me perturbar pode voltar pelo mesmo caminho que voltou.
— Ah, por favor! — Ela ri alto e dá mais um
passo em minha direção. — Estamos só nós duas aqui.
Não precisa bancar a boazinha pra mim.
— Eu não me importo com o que você pensa.
Agora, dê o fora.
Isso não ia prestar. Se ela não fosse sair, eu iria.
Eu não conseguiria ficar ouvindo desaforo.
— Só um conselho: não queira se iludir que vai
conseguir prender um homem com filhos. Muito menos o
Henry que nunca foi de assumir relacionamentos. Ele não
é assim, só está com você agora pois o senso de
responsabilidade dele está falando mais alto. Mas ele vai
acordar... quando ele sentir falta da vida que ele tinha. Aí
você vai ser passado.
Mesmo que ela tenha acertado um de meus
maiores medos, não expresso nenhuma reação. Cruzo
meus braços no peito e olho pra cara lavada dessa
descarada.
— E qual é o tipo dele, Carol? Ruivas
desbotadas, com roupas vulgares e sem senso algum de
educação, que colocam o nariz onde não são chamadas?
— Ergo uma sobrancelha, ironicamente. Minha expressão
debochada escondendo o quanto ela tinha conseguido me
ferir.
Ela fica vermelha de raiva. Pelo visto, Carol não
gosta de ser contrariada, demonstrando ser aquelas
pessoas riquinhas, metidas e que tem tudo feito do jeito
que querem. Mas comigo, não. Ela tem que aprender que
se falar o que quer pra mim, vai ouvir o que não precisa.
Sentindo-me farta, caminho para sair da sala.
Porém, ela comete um erro fatal. Ela segura a porra do
meu braço. De um jeito bem forte.
— Eu não terminei com você ainda! — diz,
exasperada.
Puxo meu braço do seu aperto e rosno pra ela:
— Não encoste suas mãos em mim nunca mais —
aviso, pausadamente. Chego bem perto do seu rosto e
pergunto: — O que você acha, Carol? Que eu sou uma
jovem insegura que vai sair correndo depois de ouvir
essas bobagens que você está tentando jogar em mim? Se
esse era seu plano, perdeu seu tempo. Eu não nasci ontem.
Eu não sou uma bobinha vulnerável que é influenciada,
ainda mais por pessoas falsas como você. Vou repetir pela
última vez: meu relacionamento com Henry não é da sua
conta. Quer um conselho? Recue e tire seu time de
campo, vadia. — Dou um sorriso cínico e me viro para
sair.
— Eu não vou deixar esse seu golpe pra cima do
Henry funcionar, ouviu? Eu vou acabar com você! — Ela
gritou.
Me virei pra ela disse calmamente:
— Quero ver você tentar!
Eu sabia que ela estava procurando briga e que
deveria dar o fora daqui o quanto antes. Mas o que ela
disse a seguir fez meu sangue ferver. Ela acertou meu
ponto fraco quando disse:
— Eu vou tentar mesmo. E deixar
esses bastardos na lama junto com você!
Ela podia ter continuado a jogar mil insultos pra
cima de mim, que eu aguentaria. Mas quando mencionou
meus filhos foi longe demais. Nessa hora perdi qualquer
controle que eu tinha.
Ela não ia falar dos meus bebês, não mesmo!
Muito menos os chamá-los dessa forma. Quando percebi
já tinha dado dois tapas em seu rosto, um de cada lado, e
com toda força que consegui. Seu rosto imediatamente se
avermelhou, e tenho certeza que logo apareciam as marcas
dos meus dedos.
Carol cobriu com as mãos onde eu tinha
acertado, e me olhou. Seus olhos estavam arregalados e
lacrimejando, ela não esperava por essa minha reação.
— Cristine, o que pensa que está fazendo?
Olho para a porta e vejo Henry nos observando,
horrorizado. Eu não acredito que ele ia defender a vadia.
— Henry, essa mulher é louca! — Carol mais do
que depressa se faz de vítima.
Deu vontade de bater na vagabunda de novo.
— Cale a boca, Carol. — Henry responde,
rudemente, surpreendendo nós duas.
Carol hesita, mas insiste:
— Mas ela me agrediu, e eu não fiz nada!
— Não me subestime, Carol. Eu ouvi o que você
disse agora pouco. — Henry aponta o dedo em riste e diz,
sombriamente: — Nunca mais quero ouvir você falando
dos meus filhos assim. Me entendeu?
Ela o encara, assustada, e dá um aceno afiado.
Contenho um suspiro de alivio. Pelo menos ele tinha
escutado o absurdo que ela tinha dito. Mas ele ainda está
muito zangado e, ao que parece, com nós duas. Só não
entendi o motivo!
— Saia daqui.
— Você não pode me expulsar da casa da sua
mãe, eu sou convidada dela! — Carol rebate, se fazendo
de ofendida.
— Se esse é o problema eu retiro seu convite! —
Nós três viramos para a porta ao som da voz. Rachel
estava com as mãos na cintura falando com Carol. Tudo
que eu menos queria era que mais gente presenciasse esse
momento. Rachel tem sido muito gentil e não merecia
passar por esse constrangimento com essa discussão
ridícula.
— Vai ficar ao lado dela sem nem me ouvir? —
Carol pergunta, indignada.
— Olha, não sei o que está acontecendo aqui.
Mas ouvi os gritos do corredor. E se meu filho está te
pedindo pra sair, confio no bom senso dele para estar
fazendo a coisa certa.
— Não acredito que vai me expulsar da sua casa
por causa dessa golpista. — Carol, desdenha. Ela cruza os
braços no peito. — Meus pais são seus amigos há anos.
— Seus pais. Você nunca fez questão de me dar
um bom dia. E pelo que entendi, você está desrespeitando
a mãe dos meus netos, e a mulher com quem meu filho
está. Se eu for colocar numa balança tudo isso, é claro que
Cristine terá um poder maior do que você.
— Inacreditável! Essa daí está conseguindo fazer
todos de idiota!
Ela me olha, de um jeito bem irado, e sai batendo
o pé. Eu solto um longo suspiro, extremamente cansada. É
ruim imaginar que tem mais pessoas como a Carol,
pensando mal de mim. Olho para Rachel e me desculpo:
— Me desculpe, Rachel. Eu não queria que nada
disso acontecesse!
— Não se preocupe com isso, querida. — Ela
sorri para mim, e lança um olhar preocupado a Henry. —
Filho, leve-a para um dos quartos para que possa
descansar.
Ele anui com um aceno e Rachel sai da sala nos
deixando a sós.
— Venha, Cristine!
Henry vai andando na minha frente, guiando o
caminho, e eu o sigo sem mais opção. Na verdade, eu
queria mesmo era ir embora.
Ele sobe as escadas e vamos em direção ao
corredor com algumas portas, que suponho serem quartos.
Me distraio com as obras de arte coloridas e vasos de
flores.
Ele para em frente a uma porta e a abre.
— Henry, qual é o problema? — indago, assim
que entro no quarto.
Não gosto desse tratamento de silêncio dele. Ele
solta um suspiro, passa as mãos pelo cabelo e desabotoa o
terno. Me olhando seriamente ele pergunta:
— Por que você fez isso?
— O que? Bati na sua amiga? Está a defendendo
mesmo depois de ouvir o que ela disse? Sério mesmo?
Se ele fosse fazer isso eu ia embora agora.
— O quê? — Ele arregala os olhos e se
aproxima. — Eu não estou defendendo a Carol, Cristine.
Eu sei que o que ela disse foi muito errado. Mas eu quero
saber porque você bateu nela. Já imaginou se ela resolve
revidar? Se em algum momento ela acerta sua barriga?
Ah, então é isso. Não posso evitar o alívio que
me invade agora. Ele não está bravo por causa dos tapas,
está somente preocupado com os bebês. Está sendo o
Henry de sempre.
Com isso, ele me amolece, e boa parte da raiva
de poucos momentos atrás se esvai de mim. Entretanto
também me sinto envergonhada. Ele tem total razão, eu
nem pensei na gravidez quando avancei na Carol.
Se ela resolve revidar podia ter acontecido
qualquer coisa. Afinal, estávamos sozinhas e só não sei o
que aconteceria a seguir porque o Henry chegou na hora.
— Desculpa. Eu fui precipitada — admito, com
remorso. — Mas ela já tinha dito tanta coisa... aí quando
falou dos bebês meu instinto materno apareceu e não
pensei direito. Mas ela mereceu!
Esfrego as palmas das mãos juntas. Minha pele
ardia tanto.
— Não quero que faça algo assim novamente,
Cris.
Henry se aproxima e coloca meu rosto entre suas
mãos, me fazendo olhar pra ele.
— Promete que não vai fazer nada impulsivo
assim de novo?
Meu lado dono de mim quer se rebelar contra sua
ordem. Ninguém nunca mandou em mim e não ia ser agora
que isso ia mudar.
No entanto, eu notei a aflição em sua voz. Ele não
estava tentando controlar minhas ações, ele estava
realmente preocupado. Isso me faz ceder.
— Prometo!
Fico na ponta dos pés e encosto meus lábios nos
seus, salpicando um beijo rápido.
— Além disso, você não pode ficar nervosa! —
Ele insiste.
— Eu sei. Mas a culpa não foi minha — digo, e
faço uma careta por me lembrar das palavras cruéis da
Carol.
— Sinto muito por isso, Cris. Não sei o que deu
na Carol!
Me afasto dele e o encaro fixamente.
— Está de brincadeira, não é? É claro que ela
gosta de você. Não tem outra explicação tanta hostilidade
comigo. Isso é puro recalque de mulher desprezada.
Ele franze o cenho e fica um pouco pensativo.
— Talvez você tenha razão. — Henry diz,
suspirando cansadamente. — Acho que ignorei os sinais
que estavam embaixo do meu nariz.
— Você já teve algo com ela?
— Sim — responde, incomodado.
Algo feio dá as caras em meu coração. Eu
suspeitava, mas saber que os dois realmente tiveram algo
me enlouquece um pouco.
— Quando foi isso?
— Isso importa?
Eu balanço a cabeça aquiescendo. Ele passa a
mão pelo cabelo parando na nuca.
— Eu sempre tive um rolo com a Carol. Não
queria um relacionamento na época e ela também não,
então saímos as vezes. A última vez faz uns quatro meses.
Maldição. Sinto meu rosto empalidecer. Tem
pouco tempo. Me sinto frustrada e decepcionada ao
mesmo tempo. Eu já estava grávida e ele farreando por aí.
Eu ando até a janela do quarto e fico olhando para uma
parte do jardim. A festa continua tranquilamente, nem
ninguém ciente do drama que eu estava vivendo aqui.
Eu sei que não tenho o direito de me chatear com
isso. Ficamos uma vez e depois eu sumi da sua vida, não
voltei nem quando descobri a gravidez.
Mesmo assim dói saber dessa informação. Vai
tentar explicar lógica para o coração!
Sinto Henry chegando por trás de mim e me
abraçando. Não afasto seu toque, me faz bem! Porém, por
mais que eu tente não pensar no que Carol disse hoje, as
palavras insistem em vir na minha mente. Henry não
queria um relacionamento, ele mesmo acabou de dizer que
não procurava por um. Sinto as dúvidas me invadirem
novamente.
— Henry, tem certeza que tomamos a decisão
certa? — pergunto.
Henry segura meu cotovelo e me faz virar para
olhar em meus olhos.
— O que quer dizer com isso, Cristine?
— Carol disse que você nunca foi de
compromisso. Você disse ainda pouco que não procurava
por um e ... — Ele põe o dedo nos meus lábios me
calando.
— Não vamos por esse caminho de novo. Não
sei o que Carol disse pra você, mas não dê tanta
importância a isso.
— É só que não posso evitar de pensar no tanto
que nossa vida mudou por causa dessa gravidez.
Henry me fita por um instante em silêncio. Meu
coração bate rápido e dolorido. Essa conversa pode
simplesmente acabar com a gente. Quando ele fala, sua
voz é um murmúrio rouco e sensual.
— Eu não procurava por um relacionamento
naquela época, porque eu não sabia o que eu queria. Com
você eu sei. E eu quero tudo. — Ele roça o polegar em
minha bochecha. Meu coração acelera ainda mais. —
Cristine, todo mundo tem um passado. Não posso mudar o
meu, só cabe a mim correr atrás do meu presente e futuro.
E eu quero muito você nele.
— Por que? Por que comigo? — pergunto,
baixinho, com receio e entusiasmo ao mesmo tempo.
— Não sei explicar, Cristine. Sinceramente, sou
novo nisso e não sei colocar em palavras. Mas eu sei que
gosto do que sinto quando durmo e acordo ao seu lado.
Quando você ri ou quando chora, mesmo sendo assistindo
um de seus filmes de heróis. — Ele passa um dedo pelo
meu pescoço descendo até o decote do vestido, me
arrepiando toda. — Adoro ainda mais como o meu corpo
reage ao seu. Ou quando você se entrega ao meu toque. —
Ele pega uma de minhas mãos e a coloca sobre seu peito.
— E, principalmente, quando sinto aqui dentro que estar
ao seu lado é a coisa mais certa que já fiz na vida.
Droga! Meus canais lacrimais, que agora
trabalham para os hormônios de gravida, estão ameaçando
transbordar. E ele diz que não sabe colocar em palavras...
Meu coração, batendo agora enfurecidamente, se
enche de esperança. Ao mesmo tempo que meu estomago
parece revirar com malditas borboletas. Óh, Céus, eu
estou apaixonada por ele.
CAPÍTULO 12
HENRY
— Bebendo sozinho em plena festa? Isso é
novidade, Pedro! — comento, me sentando ao seu lado.
Sinalizo para o garçom me trazer outra bebida.
— Não enche, Henry. Vai cuidar da sua mulher.
Resolveu desgrudar dela um pouco, foi? — questiona,
sarcasticamente, não conseguindo disfarçar seu mal
humor.
— Já cuidei da minha mulher — respondo.
Pego a bebida que o garçom trouxe e bebo tudo
de uma vez. Minha cabeça estava começando a doer
depois de presenciar a cena da Carol e da Cris. Caralho
de mulher. Eu devia ter imaginado que a Carol fosse dar
problema, mas vacilei e não percebi o que estava bem
embaixo do meu nariz. Carol estava mais envolvida em
nossa relação do que eu imaginava.
Quase tive uma parada cardíaca ao ver Cristine
esbofeteando a Carol. E demorou um tempo para
conseguir acalmar suas preocupações, depois que Carol
tinha jogado seu veneno na mente dela. Mas eu tinha
conseguido aplacar as dúvidas de Cristine. E agora ela
dormia pacificamente em um dos quartos da casa.
— Por que você está tão azedo, hein? —
pergunto, tentando desviar minha mente dos meus
problemas.
Pedro estava arredio durante o jantar. Alguma
coisa, ou alguém, deve o ter tirado do sério. E foi grave,
pois o Pedro é sempre o mais animado e humorado da
turma. Antes que ele possa responda, Beatriz aparece ao
nosso lado.
— Henry, cadê a Cris?
Ela faz uma careta de desgosto ao olhar para o
Pedro. Hum, interessante!
— Está dormindo, Bia.
— Está tudo bem com ela?
— Sim. Só estava cansada mesmo — minto, não
querendo falar sobre isso com a Bia. Nem a pau.
— Ok. Eu já vou. Peça pra ela me ligar amanhã,
tudo bem?
— Pode deixar. E espere eu chamar o motorista
da minha mãe. Ele vai levar você e a Estela. Cadê ela
falando nisso? — Olho em volta, procurando-a.
— Ela já foi. Estava empolgada e foi junto com
um casal de amigos. Disse que depois liga pra Cris. E não
precisa se incomodar, eu vou de táxi sozinha.
— Não vai incomodar, Beatriz. O motorista da
minha mãe está desocupado mesmo. Vou pedir pra ele
preparar o carro. — Me levanto e dou um beijo em seu
rosto, me despedindo.
Com o tempo, ela também estava gostando de
mim. E tenho que admitir, eu gostava do jeito doido dela.
— Obrigada. Não queria abusar, mas já que
insiste. — Ela ri.
Assim que ela diz isso, ouço Pedro, que esteve
em silêncio esse tempo todo, bufar e ela revirar os olhos
em resposta. Com certeza há algo aqui. Pego meu telefone
e aviso o motorista para pegar Beatriz. Depois que ela sai
para se despedir da minha mãe, eu me sento novamente e
me viro para Pedro:
— O que está acontecendo entre vocês dois?
— Não sei do que você está falando —
responde, secamente.
— Ah, não é? Acha que não percebi a
animosidade entre vocês no jantar? Acha que estou
imaginando coisas? — pergunto, divertido.
— Acho. A paternidade está te deixando sem
noção. Igual essa amiguinha aí! — Ele esvazia seu copo e
o escuto murmurar: — Mulher maluca. — Ele olha pra
mim e logo se levanta. — E eu vou embora antes que você
comece com papo furado.
— Tudo bem, cara. Vai lá, se faz de inocente e
vai embora. Mas saiba que eu vou descobrir. Afinal, a
maluca é amiga da minha mulher!
Pedro sai praguejando e eu dou uma risada.
Balanço meu pescoço de um lado para o outro, tentando
me livrar das tensões que estão nele.
Durante toda a festa me encantei com a Cristine.
Além de estar linda e radiante, ela conquistou a todos que
conhecemos. Ela não é dessas mulheres com conversas
fúteis. Ela estava deslumbrante, e eu como um pavão,
desfilei com ela pra todos os lados.
O jantar foi ótimo e minha mãe estava muito feliz.
Há muito tempo não a via tão feliz assim, e eu sei que no
fundo ela está se sentindo completa com a novidade de ser
avó. Essa notícia com certeza veio abalar e mudar a vida
de todos nós.
Uma pena que a Carol tenha estragado o clima.
Fiquei tão irado ao ouvi-la chamar meus filhos de
bastardos. E ver Cristine a batendo me deixou um tanto
atordoado. Eu não sabia se Carol ia arriscar bater em uma
gravida, mas não estava disposto a descobrir.
Eu sempre tive a Carol como uma amiga, a
conheço há anos e nunca esperei algo assim vindo dela. É
uma decepção bem amarga quando alguém tão próximo
nos magoa dessa forma.
O pior de tudo foi ver a insegurança voltando ao
rosto de Cristine. Estamos nos dando tão bem nas últimas
semanas. Eu já estava achando que tinha conseguido
espantar suas dúvidas. Mas essa discussão com Carol me
mostrou que não.
Contudo, eu não vou deixar que Cristine seja
dominada pelo medo, então, me esforço o máximo que
consigo para colocar em palavras o que sinto. Pode
parecer fácil, mas pra quem nunca fez isso é
amedrontador. E parece que falei algo certo, porque
depois de me ouvir, Cristine tinha os olhos brilhando e as
dúvidas ido embora. Pelo menos, por agora.
CRISTINE
Acordo desorientada. Não ouvindo barulho no
banheiro, resolvo levantar e procurar por Henry.
Tínhamos voltado ainda de madrugada para meu
apartamento, assim que acordei do pequeno cochilo que
tirei na casa da Rachel.
— Não precisavam ter me esperado — falo, ao
entrar na sala e ver Henry e minha tia conversando,
enquanto a mesa do café da manhã está posta e intocável.
— Ou me acordado mais cedo, pelo menos.
— Não tem muito tempo que estamos aqui. —
Henry diz, se levantando.
Cumprimento minha tia com um beijo e nos
juntamos todos a mesa para o desjejum.
— Café? — Ele pergunta, mas antes que eu
responda, me interrompe: — Ah, esqueci. Cafeína faz mal
para os bebês. Suco?
— Cafeína em excesso faz mal durante a
gestação. — O corrijo a contragosto. — Onde você
aprendeu tudo isso?
— Lendo. Comprei um monte de livros. São
muito úteis.
Ele diz, seriamente. Henry se empenha mesmo em
saber tudo sobre a gravidez. Só tenho que tomar cuidado
com para que não fique neurótico com tanta informação.
— Não duvido. Mas a Dra. Ellen pediu pra tomar
cuidado com tudo que a gente lê. Tem muito exagero e
pode deixar os pais neuróticos. Sempre que tiver dúvida
ela aconselhou a procurá-la.
— Informação nunca é demais. Mas não se
preocupe, eu não irei surtar com excesso de informação.
— Ele revira os olhos. — Só quero ficar precavido.
— Se você diz...
Ficamos um momento em silêncio, enquanto
comemos o delicioso café que a Estela tinha preparado.
Acordei, realmente, faminta. A conversa está tranquila,
Henry e Estela falam sobre alguns eventos que já se
encontraram.
Fico contente em ver a ligação crescendo entre
os dois. Estela é minha única família, até o momento, e a
aceitação dela com Henry me deixa mais calma.
— Querida, e o quarto dos bebês? Escolheu os
móveis? Já decidiu alguma coisa? — Ela pergunta.
— Não, ainda nada — respondo, frustrada.
Não consigo me decidir e o tempo está passando
rápido.
— Que móveis? — Henry questiona.
— Eu tinha alguns planos para o quarto do bebê.
Mas depois descobrimos que serão dois e não encontrei
nada que me agrade. — Suspiro, enquanto passo geleia de
morango em uma torrada. — Também estava pensando em
ter que me mudar desse apartamento. Aqui é muito
pequeno. Ainda mais com duas crianças.
— Eu também acho. — Estela concorda. — E
acho que deveria comprar uma casa, em algum
condomínio. Criança precisa de espaço. E só uma casa
pode ser confortável e espaçosa o bastante pra isso.
— É eu sei. Mas parece tanto trabalho, e já estou
com mais de cinco meses. Não tenho tempo para
desperdiçar Estela. O que você acha, Henry? — pergunto,
o incluindo na decisão, afinal ele é o pai.
E já percebi que ele gosta de estar por dentro de
tudo o que envolva os bebês. Ele me olha, pensativo.
— Na verdade, eu tenho uma ideia. — Observo
seu cenho franzido. — Mas preciso de um pouco de tempo
para amadurecê-la. Pode esperar um pouco? Depois
conversamos sobre isso.
— Tudo bem. Mas lembre-se que não podemos
demorar muito. Temos que decidir isso rápido. Parto de
gêmeos normalmente acontecem bem antes do
programado.
— Ok. Logo a gente conversa sobre isso —
promete.
Ele estica sua mão e passa um dedo acariciando
meu rosto.
— Confia em mim?
— Sim — respondo, sem hesitar.
Ele se surpreende com minha rapidez, mas sorri
gostando da resposta. Eu confio nele. Ele não me deu
motivo para que eu desconfiasse dele e merece esse voto
de confiança. Embora suas palavras parecem esconder
mais do que demonstram.
— E quanto aos nomes dos bebês? — Minha tia,
indaga.
— Eu não faço a mínima ideia. Não consigo
imaginar nenhum nome pra eles. E olha que já tentei
bastante nomes e combinações. Tem algum nome
preferido, Henry? Algum que goste para bebês?
— Não. Não consigo pensar em nada também
agora. São tantas opções.
— Porque vocês não esperam o nascimento? —
Estela pergunta pra nós dois.
— Até o nascimento?
— É. Muitas pessoas dizem que quando olham
para seus bebês, descobrem na hora qual é o nome
perfeito. Vocês podem fazer isso. Esperar pra conhecer
seus rostinhos e ver com o que eles combinam.
— Faz sentindo. — Henry dá de ombros.
— É uma boa ideia. — Balanço a cabeça,
afirmativamente.
Henry sorri, brilhantemente, me fazendo derreter
um pouquinho. Vai ser lindo assim, bem aqui perto de
mim!
Minha tia muda de assunto, falando da festa de
ontem. Tento me desligar do assunto, pois não quero me
lembrar de ontem à noite. Pelo menos da parte onde Carol
está presente.
Percebo que, mesmo conversando com minha tia,
Henry também está distraído. Talvez a conversa sobre
casas, mudanças e nomes de bebês ter sido muita
informação pra ele!
Após o café da manhã, Estela se retira dizendo
que tem que ir ao seu apartamento para resolver algumas
coisas. Sei que ela está nos dando privacidade e não me
importo. Cada minuto do tempo que passo com Henry tem
sido gratificante e revelador.
Passamos o dia curtindo um filme, enroscados no
sofá, e fazendo outras coisinhas mais. De tardezinha, eu
estava exausta. O que estava começando a me irritar. Eu
sempre estava exausta, caindo de sono.
Henry não amaciava também. Era só perceber
meu cansaço que me colocava pra dormir.
— Posso dormir aqui hoje? — pergunta, alisando
meu cabelo.
Bocejo, me aconchegando no meio dos
travesseiros. Eu estava deitada de lado, e ele sentado na
beirada da cama.
— Nem precisa perguntar.
Ele sorri e avisa que irá em seu apartamento
buscar algumas coisas, mas que estaria de volta logo.
Acho que antes mesmo de ele sair, eu já tinha apagado na
cama.
Quando acordei algumas horas depois, ele já
estava de volta dormindo ao meu lado. Dei uma olhada no
quarto e vi uma mala grande perto da porta. Ele estava
indo viajar?
Me acomodei ao seu lado e ele jogou seus braços
em volta da minha cintura me puxando pra mais perto
dele. Qualquer pergunta ficaria pra depois, porque agora,
eu aproveitaria o paraíso de seus braços.
∞∞∞
Dez horas da noite! Putz, eu tinha “cochilado”
por três horas e meia. E eu ainda me sentia cansada. Isso
não pode ser normal.
O cheiro de comida faz meu estomago roncar. E
os bebês me chutando dolorosamente me fazem criar
coragem para levantar. Hora de alimentar meus pequenos.
A vida era assim agora: comer e dormir.
— Ei — digo, entrando na cozinha.
E congelo. Henry está na beira do fogão, usando
só uma calça cinza de moletom. O cós da calça pairava,
perigosamente, baixo. Deixando bem visível o V do seu
caminho feliz. As cordinhas da calça balançavam
conforme ele se mexia. A coisa mais sexy do mundo, de
pé, em minha cozinha. Eu queria tirar uma foto. Mas não
conseguia me mexer.
— Com fome? — Ele pergunta.
— Uhum — confirmo, sem levantar os olhos das
malditas cordinhas.
Na verdade, meus olhos estavam indecisos sobre
o que era mais atraente: cordinhas balançando em sua
virilha, ou aquela barriga sarada dele.
A fome tinha sido esquecida temporariamente.
— Fiz omeletes. Desculpa... não sei cozinhar
muita coisa.
Ele deve ter falado algo mais, mas, sinceramente,
eu não conseguia raciocinar muito bem agora. Entretanto,
percebi quando ele se aproximou de onde eu estava.
— Cristine?
Com muito esforço, ergui o olhar. Ele me
encarava com uma sobrancelha erguida e um sorriso torto
começou a se formar em seus lábios. Ele tinha percebido
meu descaramento? Obviamente, eu não estava sendo
muito discreta.
Aproveitei que ele estava perto e coloquei
minhas mãos em seu peito. Sua pele quente e convidativa
não ajudou muito. Ficando na ponta dos pés, pois descalça
eu ficava bem menor ao seu lado, rocei nossos lábios.
— Sem essa, sua sorrateira. — Henry,
percebendo minha – nada inocente – intenção, se afastou
um pouco. No entanto, suas mãos foram para minha
cintura. — Comida — disse, me desanimando um pouco.
Meu estomago voltou a fazer barulho, concordando com
ele. Porém, antes que eu me afastasse, ele se inclinou,
esfregando seu rosto na base do meu pescoço. Seu
sussurro abafado fez borboletas aparecerem em minha
barriga: — Primeiro.
Tendo uma promessa de algo indecente para logo
mais, fui me sentar, alegremente, na cadeira do balcão da
cozinha. Tarefa que estava ficando cada dia mais difícil.
Mais algumas semanas e eu não conseguiria sentar aqui
com o barrigão.
— Você disse omeletes?
— Sim. Aqui — responde, ficando de costas pra
mim e me dando uma nova e bonita visão de sua bunda,
enquanto me servia.
Eu podia me acostumar com isso.
— Suco? — pergunta, ao colocar o prato na
minha frente.
Um cheiro delicioso invade minhas narinas, me
fazendo salivar.
— Sim, por favor.
Comemos em um silêncio confortável. Os ovos
estavam uma delícia. E, talvez, eu possa ter comido mais
que o ideal.
Quando terminamos, tentei limpar os pratos, mas
Henry me lançou um olhar contrariado e limpou tudo
sozinho. Ele e essa mania de que eu não posso fazer
esforço... reviro os olhos, mas não reclamo. Não hoje.
Embora essa discussão não estaria longe de acontecer se
ele continuasse assim.
— Dormimos demais. Não vamos conseguir
dormir tão cedo agora — reclamo, admirando suas costas,
enquanto ele termina de organizar a pia.
— Posso pensar em algo para te cansar, Cris. —
Ele sugere.
Henry não me olha, mas posso ouvir o sorriso em
sua voz rouca. Um arrepio me faz estremecer. Maldição.
O homem tinha as palavras certas.
Pigarreio e mudo um pouco a direção da
conversa.
— Porque a mala? Vai viajar?
— Hum. Não.
Noto quando a postura dele fica tensa.
Imediatamente, me preparo para alguma notícia ruim. Ele
ficaria muitos dias fora?
Ele esclarece:
— São algumas peças de roupas, produtos de
higiene que eu costumo usar, e outros acessórios que eu
trouxe pra deixar na sua casa.
Demoro uns segundos para compreender o que
ele disse. Henry me olha, cauteloso, esperando que eu
diga algo.
Entendendo de forma errada meu silêncio, ele
diz:
— Olha Cris. Sinto muito. Não devia ter tomado
essa decisão sem falar com você antes, mas...
— Não devia mesmo. Mas, é uma boa ideia —
admito, relutantemente. Permitir que, cada vez mais, ele
ocupe espaço em minha vida, e coração, é assustador. —
Assim facilita nossa rotina.
Ele dá a volta no balcão e para de frente para
mim.
— Mesmo?
— Claro.
Ele exala, aliviado.
— Bom. Já estava quase jogando a mala pela
janela pra te acalmar.
Eu devo ter feito uma expressão bem horrorizada
para que ele pensasse isso. Sinto um pouco de culpa.
Tenho que parar de exagerar em minhas reações. Mesmo
que nosso relacionamento esteja acontecendo a uma
velocidade extremamente rápida.
— Você também poderia fazer uma mala com
algumas coisas básicas e levar para o meu apartamento.
— Básicas? — Sorrio, ironicamente. — Ali são
suas coisas básicas?
Deus do céu, a mala era bem grandinha pra
conter só coisas básicas. Henry estreita os olhos,
observando meu divertimento.
— Está rindo de mim?
— Não... talvez... Melhor: estou rindo para você!
Feliz? — pergunto, passando meus dedos pelo seu cabelo.
Os fios sedosos fazem cocegas em minha pele.
Henry assente e enlaça minha cintura. O clima ficando
mais tranquilo.
Minhas mãos vão para seus ombros, me
deleitando com os músculos firmes de sua clavícula, e
depois em direção as suas costas.
— Quarto?
— Você tá virando um monstrinho insaciável.
— Está reclamando? — indago, estreitando os
olhos.
Minhas mãos continuam passeando por seu
corpo.
— Longe de mim. — Ele responde, rapidamente.
E me dá um beijo na boca. — Contudo, acho que nesse
ritmo, em breve, eu também precisarei de vitaminas.
Dou uma risada, envergonhada. Mas o humor vai
embora quando ele junta nossos lábios, outra vez, em um
beijo devastador. O coração bate descompassado,
enquanto a temperatura do meu corpo se eleva.
— Quarto — murmura, me levantando da
cadeira.
HENRY
— Porque eu não posso te deixar no trabalho? —
pergunto mais uma vez.
— Eu já te expliquei, Henry. Você tem hora pra
sair no fim do dia? — Cris retruca, impaciente.
O jeito que ela está jogando as coisas dentro da
bolsa deveria me fazer calar, mas não consigo entender o
motivo de tanta teimosia!
— Não. Mas é só me ligar que dou um jeito.
— Tá vendo. É disso que não gosto. Ficar
dependendo de alguém. Eu tenho meu carro e eu irei
dirigir. Não quero depender de taxi ou dos seus horários.
— Mas não é bom dirigir grávida, Cristine.
— Eu não estou doente! Não comece a levar a
minha gravidez pra esse lado. Eu sei os meus limites.
Acha que eu colocaria a saúde dos bebês em risco? —
pergunta, numa calma fingida.
Eu sou um bom negociante, sei quando o negócio
é arriscado e quando é preciso recuar. Agora é o
momento.
— Claro que não. Não foi o que quis dizer. Sinto
muito. Só fico preocupado com vocês e os bebês
Sim, eu sei. Usei uma voz desolada e deixei os
ombros caídos. Tentei, propositalmente, usar a culpa em
meu favor.
— Não se preocupe. — Os olhos de Cristine
suavizam. Ela se aproxima e me dá um beijo rápido. —
Adoro sua preocupação comigo e os bebês. Só acho que
está exagerando um pouquinho assim. — Ela faz um sinal
com o polegar e o indicador, deixando um pequeno espaço
entre eles.
Suspiro. Essa luta eu não ganharia dessa vez. A
mulher era teimosa pra cacete. Mas ela tinha razão? Eu
estava exagerando? Talvez. Eu não tinha um manual para
lidar com uma gravidez. E não estava disposto a correr
riscos.
Uma hora ou outra, a gente acaba discordando de
algo. Mas sempre chegamos a um acordo. Acho que isso
já era o esperado, com duas pessoas se conhecendo, e
ainda passando boa parte do dia e noite juntos.
— Almoça comigo? — pergunto, quando me dou
por vencido.
— Claro. Onde?
A observo colocar os brincos, enquanto penso em
um restaurante.
— Não sei ainda. Te mandarei uma mensagem
com o local e o horário, tá? Tenho uma reunião às onze,
mas acredito que será bem rápida.
— Ok.
Ela está usando um vestido verde com bolinhas
brancas. Um pequeno corte vertical não esconde os seios
estufados, fazendo um belo decote.
— Está linda — murmuro, admirado.
Ela se olha no espelho e um pequeno vinco se
forma em sua testa.
— Estou parecendo um balão de festa com esse
vestido.
Sem conseguir evitar, solto uma risada. Ela me
olha feio, mas vejo que tenta esconder um sorriso também.
Sua barriga está crescendo bem rápido nos
últimos dias. Esses meninos parecem que estão sendo
tratados com fermento. Mas fora a barriga bem redondinha
e os pés inchados, Cris não se parece com outras gravidas
que já vi por aí. Ela está radiante e linda.
Caminho até ela, parando em suas costas, e a
abraço, colocando minhas mãos em sua barriga.
— Não seja boba. Está linda.
— Bajulador. — Ela franze os lábios, ainda
divertida. — Só não quer perder os privilégios no quarto.
— Me conhece tão bem — brinco, me inclinando
e cheirando seu pescoço. Ela tem um cheiro tão bom.
O relacionamento está ficando cada dia mais
fácil. Nossa convivência é mais do que agradável. E me
surpreendo ao perceber o quanto gosto disso. Essa vida
caseira e pacata nunca me pareceu tão atraente, e agora
não me vejo em outro lugar. Ou com outra pessoa...
∞∞∞
Eu já estou sentado à mesa, no restaurante,
quando ela chega. Meus olhos não desviam dela desde o
momento que ela chega. Não importa a manha de merda
que eu tive. Quando a vejo, todo o resto é esquecido. E
essa reação me assusta um pouco. Talvez Cristine não seja
a única com cautelas nesse relacionamento.
Ela prendeu o seu longo cabelo em um rabo de
cavalo. Ele se movimenta, brilhando, de um lado para o
outro conforme ela anda até mim.
Levanto-me quando ela se aproxima. Seu perfume
é o primeiro a chegar e inundar meus sentidos.
A cumprimento com um beijo, e puxo a cadeira
pra ela se sentar:
— Gosta do lugar? — pergunto, depois que o
garçom sai com nosso pedido.
— Sim, aqui é muito acolhedor — responde,
observando a nossa volta. — É próximo da loja, mas
nunca tinha vindo aqui. Porém já pedi várias vezes pra
entregar lá. Adoro. — Ela volta seu olha pra mim. - Como
está seu dia?
— Melhor agora. — Passo minha mão por sua
barriga. — Como estão os bebês?
— Estão bem calminhos hoje. Mas estão bem!
Em outra mesa eu avisto o Pedro e o Rogério
almoçando. Obviamente, os dois não tiram os olhos daqui,
observando-nos. Passo o almoço ignorando-os, porém,
não tenho sorte na saída, quando encontramos com os
imbecis curiosos.
Sem escapatória, pois Cristine já conhece o
Pedro da festa, cumprimento os dois e apresento o
Rogerio pra ela.
Pedro tem o olhar astuto, mas é esperto o
suficiente para não falar nada na frente de Cristine. No
entanto, sei que ele não vai deixar o assunto quieto quando
me encontrar sozinho.
Acompanho Cristine até seu carro, contrariado.
Se ela não fosse teimosa, eu teria mais um tempo com ela.
— Essa noite eu irei jantar com minha tia. Você
vem pra casa?
— Hoje não. Terei reunião até mais tarde. E
amanhã cedo uma videoconferência importante.
Não nego certa satisfação ao ver sua expressão
chateada. É bom vê-la tão envolvida quanto eu.
— Ok. Mas vai à consulta comigo amanhã?
— Claro. Te encontro na clínica, tudo bem?
Ela acena e me dá um beijo que me faz questionar
minha decisão de não ir para seu apartamento essa noite.
Cristine vai embora depois de prometer me ligar quando
chegar em casa. Por que ela insiste em dirigir com a
barriga desse tamanho?
∞∞∞
Assim que entro no hall de entrada da empresa,
encontro o Pedro me esperando. Sabia que ele não ia
deixar isso passar em branco.
— Ora, ora. Quem diria, hein!
— Fala logo, Pedro. Assim você me deixa em
paz mais cedo! — digo, entrando no elevador com ele
atrás de mim.
— Sabe, fiquei te observando hoje no restaurante
e, meu amigo, você está amarradão na mulher.
— Observador você, hein?! — escarneço.
— Só não achei que fosse se apaixonar tão
rápido...
Eu aperto o botão de emergência do elevador e
me viro pra ele:
— Que merda é essa? — pergunto, não
acreditando no que ouvi.
Apaixonado? Eu gostava, sim, da Cristine. Mas
não tinha chegado a esse ponto. Nem sei se queria ir por
aí. Amor e paixão sempre complicavam as coisas, não é?
Pedro me olha confuso por alguns momentos. Até
que um lento sorriso ameaça partir sua cara ao meio.
— Vai me dizer que ainda não se deu conta de
que está apaixonado?
— Não sabe o que tá falando. Por acaso é um
expert no assunto, Pedro?
— Sabe... sou de uma família grande. Tenho
irmãos e irmãs. Já vi o processo com eles. E sei o que
estou falando, sim. Como diz minha mãe: "Amor e tosse
não dá pra esconder".
Eu reviro os olhos pra sua sabedoria de quinta.
Sem se contentar, Pedro continua:
— Não me surpreende, embora. Cristine é,
realmente, uma mulher muito bonita. Aqueles olhos verdes
dela... parecem atravessar a alma da gente. O cabelo
escuro como a noite, então? Ela é hipnotizante mesmo.
Sinto meu cenho se aprofundar. Era serio isso?
Ele ia falar da minha mulher na cara dura?
— Você perdeu a cabeça? E os olhos dela são
cinza, seu tapado.
— Hum. — Ele levanta as mãos se desculpando,
mas o sorriso besta ainda está em seu rosto.
Irritante!
— Você que sabe, chefe!
Aperto o botão para que o elevador volte a
funcionar. Pedro fica me lançando olhares de esguelha,
divertido. Quando ele volta a falar, reviro os olhos. Sabia
que ele não se contentaria tao facilmente.
— Ok. Só me responda essas perguntas: de qual
lado da cama ela dorme? Qual tipo de filme ela gosta?
Qual cheiro tem seu perfume?
— O que isso vai provar, Pedro?
— Eu tenho certeza de que você sabe essas
respostas — responde, ignorando minha pergunta anterior.
— E por isso você diz que estou apaixonado? —
pergunto e cerro os dentes.
Porque ele está certo, eu sei as respostas de cada
maldita pergunta.
— O que tem demais eu a conhecer? Estamos
passando muito tempo juntos — falo, sem querer admitir
qualquer coisa.
— Henry, o problema não são as respostas
corretas. Mas a riqueza dos detalhes. Escute, nós homens
só notamos que a cor dos olhos é verde, azul ou castanho.
Ou, não notamos que lado da cama elas preferem, quando
é só mais uma transa pra gente. E, você sabe, sem contar
esse seu ciúme. Eu observei você com ela na festa
também. Você é bem possessivo quando está ao lado dela.
Junta tudo, mais o olhar bobo que sempre tem quando ela
está por perto, e você tem um homem apaixonado!
O elevador para no andar do Pedro, e ele desce
com um sorriso convencido no rosto. Eu não consigo
contestar.
— Ta dah! — Ele diz, como em um movimento
de mágica.
Ainda estou com o cérebro dando voltas quando
o elevador para no andar da presidência. Vou direto para
meu escritório e nem dou atenção ao que a Flávia está
falando.
Pego uma bebida e me sento.
Passo a mão no meu rosto e respiro fundo.
Inferno, eu tinha me apaixonado?
BEATRIZ
Nada me deixa mais satisfeita do que ver a
felicidade da minha amiga. Cristine tem uma importância
imensurável em minha vida. Somos tão diferentes uma da
outra, mas nada impediu o fortalecimento de nossa
amizade.
Temos a mesma idade, 26 anos. Nos conhecemos
na faculdade e criamos um laço instantâneo. Mas nos
amamos como irmãs de sangue. Nossas diferenças nos
completa.
Acredito que todo mundo precisa de uma
amizade assim, onde outra pessoa nos equilibra diante de
qualquer circunstância. Eu sempre estive presente pra
Cris e ela pra mim.
E mesmo depois de tudo o que ela passou, ver
que está conseguindo seguir em frente me deixa aliviada.
Achei que a mágoa que sofreu iria fazer com que ela não
se abrisse mais para o amor. Ledo engano.
Mesmo com um total estranho e uma gravidez não
planejada, ela está com a vida entrando nos eixos. Ela não
admitiu ainda, talvez nem pra si mesma, mas está
completamente apaixonada por Henry.
Vejo amor em seu olhar toda vez olha pra ele. E
Henry tem sido uma bela surpresa pra todos nós. Eu nunca
vi um homem, ainda mais um na posição dele, aceitar tão
bem uma situação inusitada assim, como uma gravidez!
A princípio, achei estranho e fiquei vigiando,
mesmo que de longe, mas ele realmente está levando esse
compromisso muito a sério. Homem como ele é um em um
milhão. Então, se ele a faz feliz eu posso conviver com
isso e aceitá-lo como parte da vida da Cristine.
Hoje é um dia de festa. Cris me convidou para o
jantar de aniversário da sua sogra. Eu já havia ouvido
falar do sobrenome Banks, mas nunca os conheci
pessoalmente. Minha família se importa muito com status
social, mas eu nem ligo.
A única coisa que aproveito são as festas que a
alta sociedade faz. Admito: sou baladeira de carteirinha.
Como disse antes, eu e Cris somos que nem água e óleo no
quesito de gostos.
Não sei como conseguimos administrar uma loja.
Enquanto ela é caseira, romântica e não gosta de se
envolver socialmente, eu sou totalmente o oposto. Festa é
meu segundo nome. Adoro cair na noite pra dançar e me
divertir. E claro, conhecer uns gatos por aí.
Embora temos algo em comum: dificilmente me
envolvo sério com alguém. Só que nossa motivação é
diferente. Eu detesto cobranças ou mesmices. E na minha
opinião, relacionamentos sempre acabam assim. Eu não
nasci pra isso. Sou um espírito livre.
Já a Cristine sofreu um trauma muito grande que a
levou a se isolar das pessoas e de qualquer chance de
envolvimento. Bom, pelo menos até agora.
A festa da Rachel está maravilhosa! Lugar bonito,
boa comida, amigos e vários homens lindos! Posso até
achar algo que me interesse, quem sabe! Depois de um
pequeno problema com a Cris, por causa de uma piriguete
dando em cima do Henry, resolvo dar uma volta pelo
local.
Passo os olhos pelo jardim e observo a
movimentação e conversa das pessoas. Realmente tem
muita gente aqui. Ainda olhando ao redor, sou
surpreendida com um perfume delicioso ao meu lado.
Logo meus sentidos todos se despertam somente com esse
cheiro. É simplesmente viciante!
A cadeira ao meu lado faz barulho quando
alguém se senta. Cabelos escuros e despenteados, olhos
castanhos que parecem negros, pele clara. Pela minha
rápida avaliação percebo que tem um corpo alto e magro,
não muito musculoso.
Mas, de repente, meu cérebro grita: perigo
iminente, fuja imediatamente.
Eu, hein? Cérebro mais doido. Como fugir desse
espetáculo? Estou muito afim pra ouvir minha consciência
agora.
Não posso evitar o suspiro de satisfação que
solto. Ele também me avalia e, pelo sorriso no canto da
boca, fui aprovada.
— Oi. — Ele diz com uma voz rouca que me faz
imaginar outras coisas pervertidas.
— Beatriz Willians. — Estendo minha mão. Não
sou mulher de perder tempo.
Ele se surpreende por um momento com meu
primeiro passo, mas logo se recupera e segura minha mão.
Sua pele lisa e quente manda ondas elétricas pelo meu
corpo.
— Prazer, Beatriz. Eu sou Pedro Carter. — fala,
e continua segurando minha mão e me aprisionando em
seu olhar.
O marrom de sua íris me lembra chocolate
quente. Adoro chocolate.
As ondas agora viraram tsunami em mim. Não
acredito que somente com esse toque eu me incendiei tão
rápido. Me senti uma adolescente novamente e não gostei
disso. Puxo minha mão da sua, e engulo em seco
desviando o olhar.
Acho que agora vou começar a dar ouvidos a
minha consciência. Me endireito em minha cadeira e tomo
um pouco da minha bebida. Arrisco um olhar e o vejo
confuso com minha mudança repentina. Nem eu me
entendo, mas sei que não estou gostando de nada disso. E
como sempre faço quando me sinto acuada, resolvo me
levantar e me afastar pedindo licença.
O homem-problema, como eu o apelidei, parece
estar em todos os lugares que vou. Me sinto cercada como
um animal prestes a ser atacado. Em alguns momentos
nossos olhares se cruzam e me sinto terrivelmente mexida
por ele. Eu deva estar numa carência dos infernos, só
posso estar ficando louca.
Já estava ficando irritada, quando percebi que
ele tinha desaparecido. Fiquei decepcionada, quer dizer
aliviada. E resolvo dar uma passeada próximo a pista de
dança.
De repente, sinto uma mão em minhas costas me
rebocando para a pista. Nem preciso olhar pra saber quem
é. Esse cheiro dele é quase marca registrada. Solto um
suspiro exasperado!
— Não me lembro de ter aceitado uma dança —
digo, o olhando com raiva quando paramos no centro da
pista. Ele dá um sorriso arrogante e diz:
— Não me lembro de ter pedido por uma.
Pedro enlaça minha cintura, me grudando em seu
corpo. Sem opção – mentira! – coloco minhas mãos em
seu pescoço.
— Vai parar de fugir de mim?
— Vai parar de me perseguir?
— Quer mesmo que eu pare? Ou só está fazendo
joguinhos bancando a difícil?
Agora ele me irritou. Eu paro, imediatamente, de
dançar. Mas é mesmo um prepotente!
— Sabe, estava até te achando “pegavel”. Mas
agora que abriu essa boca imbecil eu acho que vou passar
a vez! — exclamo, furiosa, e tento me afastar.
Ele se irrita com minha resposta e não me solta:
— Não tão rápido — sussurra em meu ouvido,
me fazendo arrepiar e ficar ainda mais brava com ele.
Tento me soltar de novo, mas ele é muito forte.
Então dou um pisão no seu pé com meu salto agulha o
pegando desprevenido. Ele dá um passo em falso fazendo
uma careta. Olha pra mim, contrariado, e resmunga:
— Ficou maluca, mulher? — pergunta, entre
dentes.
Eu me aproximo novamente e, com a melhor cara
de paisagem pra ninguém reparar em nosso show, sussurro
em seu ouvido:
— Deu sorte. Eu deveria ter mirado um pouco
mais em cima e te ajudado a desinflar esse seu ego!
Me viro e saio depressa das garras desse maldito
homem/sexy/problemático! Algo me diz que tenho
que ficar o mais longe possível dele. E é o que pretendo
fazer.
CAPÍTULO 13
CRISTINE
Gosto muito de olhar no meu closet e ver as
coisas dele ali. Torna tudo mais real. Essa semana também
tivemos nossas pequenas discussões. Geralmente, são em
torno da minha gravidez, e o que o Henry acha que eu
deva ou não fazer. Não nego: tenho vontade de esganá-lo
em alguns momentos. Mas respiro fundo e tento me
acalmar, afinal, tudo é novo pra ele também.
— Ah, meu Deus, Cris! Que barriguinha mais
linda! — Alê comenta.
Ela é uma das fornecedoras da loja e não a via já
faz alguns meses. Sua reação não me incomoda. Ou
surpreende. Minha barriga tem se tornado o centro da
atenção. Todo mundo quer tocar um pouco e conversar
sobre gravidez! Tento, firmemente, não revirar os olhos.
Quando consigo me livrar dela, vou atrás da dona
Beatriz. Ela anda, suspeitosamente, sumida. Por esse
motivo, vim a sua procura, após a consulta dos bebês.
Meus bebês estão perfeitos! Ai, como é bom vê-
los pelo ultrassom. Meu coração se enche de alegria. E
Henry ao meu lado é um bônus e tanto.
Chego na porta da sala da Bia e confirmo que
minha amiga está mesmo em uma enrascada. Ela nem me
nota na porta a observando: está sentada em sua
poltrona, olhando para o teto, e com o pé está rodando a
cadeira giratória.
O preocupante é a música que está saindo do alto
falante do seu celular. Bia proclamou essa música como
seu hino feminino. Essa música ela só ouve quando está
confusa sobre algo. Só basta eu descobrir o motivo!
No refrão da música, ainda distraída, a escuto
cantar junto a letra:
∞
“Não preciso de um homem para fazer acontecer
Eu sinto prazer em ser livre
Não preciso de um homem para me fazer sentir bem
Eu sinto prazer fazendo do meu jeito
Não preciso de um anel no meu dedo
Para me fazer sentir completa
Então me deixe romper isso
Eu sinto prazer quando você não está por perto”
THE PUSSYCAT DOLLS – I DON’T NEED A MAN
∞
Beatriz gira sua cadeira com o pé mais uma vez
e, quando sua visão passa pela porta, ela me nota. Sorrio,
enquanto ela abaixa o volume.
— Oi, Cris! Nem te vi aí — diz, sem graça, e
sem olhar diretamente pra mim.
— Vim trazer o almoço pra nós. — Levanto a
mão e balanço o saco de papel. No caminho pra cá, passei
na nossa lanchonete favorita e peguei alguns cachorros-
quentes. — Estava com saudade da minha amiga!
Coloco o saco em uma mesinha de centro e vou
abraçá-la. Recebo seu carinho de volta e sinto-me feliz,
eu realmente estava com saudades dela.
— Que bom. Estava mesmo me sentindo jogada
pra escanteio depois que você resolveu curtir seu homem.
Tá certo que o homem é uma perdição, amiga, mas dá pra
sobrar um pouquinho de atenção pra mim? — Bia faz
bico, fingindo estar magoada.
— Pare com isso. Sempre tenho tempo pra você.
Ah não ser que eu esteja ocupada com Henry — provoco-
a um pouco.
— Imagino que o cara deve ser muito bom pra
ganhar da minha adorável companhia!
— Não que seja da sua conta, mas, sim, ele é
bom. E larga de ser boba. Senti sua falta e queria
conversar.
— Hum! Isso mesmo. Me atualize. O que
aconteceu com a sonsa que estava tentando dar em cima
do Henry? Me diga que você deu uma lição nela pra
aprender a não mexer com homem alheio!
— Nem me lembre daquela noite, Bia.
Nos acomodamos no sofá de sua sala e conto
tudo pra ela, enquanto lanchamos. Conto sobre os tapas
que dei na ordinária e do Henry não ter passado a mão na
sua cabeça mesmo ela sendo sua amiga.
— Bem feito pra ela! — Bia comemora. — Só
queria poder ter assistido!! E Henry só sobe no meu
conceito, gente! Ele está se saindo muito bem.
— É ... ele é o máximo — concordo, sonhadora.
— Pode parar, Cris. Aposto que essa sua cara é
porque lembrou de alguma sacanagem — reclama,
jogando um guardanapo usado em mim.
Faço cara de nojo e desvio dele. Resolvo entrar
na onda e brinco:
— É inevitável não me lembrar das sacanagens
que fazemos, Bia. — Dou uma gargalhada da sua
expressão. — Mas sabe o que eu acho uma puta de uma
sacanagem, Bia? É você achar que eu não te conheço e
tentar me esconder o que realmente está te chateando!
— Eu não estou te escondendo nada. — Ela bufa
e revira os olhos. — Só não acho que é algo tão
importante assim!
— Me diga o que Pedro Carter te fez!
Eu suspeitava que ele era a causa do seu estresse.
E os olhos arregalados da Beatriz acabou de confirmar.
— Como você soube? O bastardo comentou
alguma coisa com Henry? — questiona, já se alterando.
— Não. Mas ele tinha o que comentar?
— Claro que não. Não aconteceu nada e nem vai
acontecer! Aquele homem é um idiota muito arrogante.
— E porque o estresse todo então? — pergunto,
desconfiada.
A própria Beatriz é a favor do ditado de que
quem desdenha quer comprar. Então, sua reação é bem
suspeita pra mim.
— Não procure pelo em ovo! Eu troquei umas
palavras com ele, nosso santo não bateu e cada um foi pra
seu lado. Fim de papo!
— Se você diz, vou parar por aqui. Mas ainda
acho que tem mais caroço nesse angu! — afirmo, a
deixando mais irritada!
— Credo, Cris. De onde você tira esses ditados
horríveis? — Abro a boca pra acusá-la, mas ela levanta
uma mão me interrompendo. — Nem me conta, não quero
saber. E acho melhor irmos trabalhar.
— Tudo bem. Entendi o recado.
Beatriz coloca língua pra mim e, um tempo
depois, saio da sua sala para ir trabalhar. Mas, antes,
consigo ouvir uma outra música que ela coloca na sua
sala. Mesmo que não admita, o tal do Pedro tirou sua paz.
∞
“Não estou aqui para a sua diversão
Não se meta comigo esta noite
Pare e pense um segundo
Eu estava bem antes de você aparecer na minha vida
Você sabe que acabou
Antes mesmo de começar
Fique com sua bebida e me dê o dinheiro
Hoje será só você e sua mão”
PINK - U + UR HAND
∞
Não sei se me preocupo com Beatriz ou com o
coitado do Pedro, porque, com certeza, isso entre eles
está só começando!
∞∞∞
— Telefone pra você. — Henry diz, me
entregando o aparelho.
Estava tão envolvida com o filme que nem ouvi o
telefone tocando.
— Alô? — atendo, observando Henry sentar-se
ao meu lado no sofá.
Felizmente, hoje ele tinha conseguido vir para
meu apartamento. Essa semana foi corrida para nós dois, e
ele só pode vir duas noites. Eu sentia a falta dele na minha
cama. Céus! Eu estava caidinha mesmo.
— Senhorita Morgan. Aqui é Laura, do
Shopping. Estou retornando a ligação para notificá-la
que o carrinho de bebê que encomendou, chegou na loja.
Podemos estar marcando a entrega?
Sorrio, animada. Eu tinha encomendado esse
carrinho quando descobri que seriam gêmeos. Pelo menos,
poderia riscar um item da lista do que ainda faltava pra
comprar.
Henry me olhava, divertido, notando minha
empolgação. Quando encerrei a chamada, ele falou:
— Conseguiu o carrinho, não é?
— Simmm! — Faço um punho no ar e ele ri.
Homens não entendem a satisfação feminina com
uma compra. Mas minha noite tinha ficado melhor agora.
Depois de um tempo, cada um estava perdido em
seus pensamentos. O filme tinha acabado e peguei o
controle para zapear os canais. Eu estava sentada no meio
das pernas dele e, de vez em quando, sentia sua mão
brincando com meu cabelo solto.
Mas algo me deixava inquieta essa noite. Algo
que protelei o máximo que pude, mas sinto que não devo
mais fugir desse assunto.
— Está tudo bem? — Henry pergunta, me tirando
da minha distração momentânea. — Estou te chamando e
você não responde.
Eu me ajeito em seu colo e olho pra seu rosto.
Henry é um homem tão bonito! Não me canso de admirar
sua beleza e me sentir muito sortuda pelo homem
completo que ele é. Sei que não é perfeito. Mas ele tem
sido tudo o que eu preciso e só tem somado em minha
vida. É por isso que eu me apaixonei.
— Estou ótima. — Dou um rápido beijo em seu
rosto, agora aliviado. — Mas precisamos conversar,
Henry.
— Sobre o quê, amor?
E aí estava meu coração perdendo algumas
batidas. Sempre que ele era carinhoso me tirava o folego.
— Meu passado!
Henry, percebendo a seriedade do assunto, para
de brincar com as mexas do meu cabelo. Eu sinceramente
só queria esquecer. Coisa que eu tenho feito nesses
últimos dois anos.
Mas pra ter um relacionamento com Henry, ou
qualquer outra pessoa, e antes mesmo de confessar meus
sentimentos, eu preciso ser honesta e contar pelo que
passei. Não que eu ache que isso vá mudar algo, mas se
ele tivesse vivido algo assim, eu iria querer saber. Está na
hora de ele conhecer meu medonho passado!
Ele fica um tempo calado.
— Confesso que estou curioso pra saber, Cris.
Mas só conte se quiser, eu espero mais tempo se você
preferir.
É claro que ele suspeitava de algo. Eu já tinha
dado a entender que algo tinha acontecido comigo. E me
sentia grata por ele ser compreensivo ao ponto de nunca
me encher de perguntas sobre isso. Porque eu precisei de
um bom tempo para criar coragem para tocar nesse
assunto, que um dia eu jurei esquecer.
— Eu sei. Obrigada por me dar espaço. Mas eu
sinto que preciso dizer isso pra você. Saiba que não vai
ser fácil relembrar o que passei, mas faço isso por você e
por mim. — Henry acena, concordando. — Vou começar a
te contar e só peço que não me interrompa em nenhum
momento. É um assunto que eu lutei pra esquecer. E pra
que eu fale tudo, preciso falar direto sem parar. Ok?
Ele acena mais uma vez. Respiro fundo, e deixo
minha mente voltar para as memorias mais doloridas de
minha vida. Quando me sinto pronta, começo a falar:
— Conheci Sebastian há quase 4 anos! Estava no
penúltimo ano da faculdade quando nos conhecemos.
Enquanto eu cursava Administração, ele fazia Jornalismo.
E através de amigos em comum, fomos apresentados.
Dividíamos o mesmo gosto pra lazer e diversão. Ele era
um cara fechado, muito bonito, mas nada vaidoso.
Meus olhos ardem quando a imagem de Sebastian
surge em minha mente. Ele era tão lindo. Sua pele morena
em contraste com seus olhos verdes. E seu sorriso... ah,
como eu adorava o sorriso dele.
— Nossa aproximação foi rápida. Passamos a
nos ver quase todos os dias e eu adorava conversar e rir
com ele. Me sentia tão leve e compreendida ao seu lado.
E logo de amigos fomos a namorados, e Sebastian cada
dia mais me conquistava. Admirava seu esforço pra se
formar e o quanto ele amava sua profissão. Mas Sebastian
tinha um lado misterioso. Um lado bad boy que me
intrigava. E isso o deixava mais charmoso, mais
irresistível. — Me perco em meio as boas lembranças. —
Depois de três meses juntos, ele começou a ter pequenas
explosões por qualquer problema. Na maioria eram
problemas gerados pelo seu ciúme, que no início achei
bonitinho, mas depois foi se intensificando. Ele tinha
ciúme de tudo. Tentava controlar minhas roupas, minhas
saídas, minhas amizades ... até da Bia ele conseguiu me
afastar. Ela e minha tia tentaram me alertar sobre a
obsessão e controle do Sebastian, o que me fez ficar
chateada com as duas. Eu estava cega por ele. Seus
mistérios e suas crises eram pequenos defeitos que eu
achava que podia suportar.
Esfrego meu rosto quando as recordações passam
a ser intoleráveis.
— A paixão pode ser avassaladora em nossas
vidas, tanto no bom ou no mau sentido. O problema é que,
às vezes, queremos tanto algo que fechamos os olhos para
o que está acontecendo bem na nossa frente. E assim eu
fiz. Me afastei daqueles que estiveram me dando amor e
apoio quando precisei, pra ficar do lado do homem que eu
julgava ser o amor da minha vida.
Engulo em seco. Minha garganta ficando cada vez
mais áspera.
— Em uma das crises, Sebastian ultrapassou
todos os limites quando me bateu no rosto. — Sinto Henry
endurecer, mas não tenho coragem de encará-lo. — Eu
fiquei em choque com sua atitude. Nem me lembro o
motivo da briga, já que elas iam aumentando todos os
dias. E quando ele me bateu, pela primeira vez eu senti
medo dele. Imediatamente, me afastei dele. Fiquei uns
dias longe, mas não contei pra ninguém o que ele tinha
feito. Bia sabia que tinha acontecido algo, mas eu não
contei a verdade e disfarcei dizendo que era uma de
nossas brigas.
Fecho os olhos, envergonhada. Eu odiava minha
história com Sebastian.
— Sebastian me procurou e implorou de joelhos
pelo meu perdão. Foi quando ele me contou que era
doente. Sebastian sofria de transtorno bipolar. Ele jurou
pelo céu e terra, se desculpou, incansavelmente, até que
eu cedi. E, novamente, fui fraca por causa desse
sentimento, que era suposto trazer-me somente alegria.
Coloquei na minha cabeça que eu deveria ajudar o homem
que amava. Então, resolvi voltar, mas com a condição de
que ele fizesse tratamento. Ele aceitou, é claro. Mas não
quis que eu contasse pra ninguém para não passar por
preconceito, e eu concordei não contando nem para minha
tia. Inicialmente, a terapia foi bem e eu percebi uma
diferença nele. Sebastian estava conseguindo equilibrar
suas emoções. Bom, pelo menos quase todas, a raiva era
uma da quais ele sempre perdia o controle. Mas ele não
tinha tocado em mim outra vez. E pra mim era um sinal de
que as coisas melhorariam. Mais um infeliz engano. —
Rio, sem vontade. Deus, como fui ingênua e tola. — Nada
do que eu fazia era bom o suficiente, e ele começou a me
acusar de negligenciar nossa relação, o que eu achei
altamente injusto, pois, minha vida passou a ser estudos e
Sebastian! Quando estávamos completando nove meses de
namoro tudo desandou. Eu fui me sentindo cansada de
lutar por algo que parecia não ter futuro, e além disso,
sentia falta da Beatriz e outras amigas, e da minha tia
Estela.
Meu coração acelera quando as memorias
daquela briga, daquela noite, voltam com tudo.
— Estávamos em seu apartamento e começamos
uma discussão simples sobre a escolha do que faríamos
no final de semana, e eu sugeri que encontrássemos com
minha tia. Por um momento fiquei frustrada e descontei
nele o acusando de me afastar de quem eu gostava. Foi a
gota d’água! Sebastian se enfureceu de um jeito que eu
nunca tinha visto.
Pisco, rapidamente, tentando afugentar as
lagrimas. Já tinha se passado anos, mas doía pra caramba.
— Ele me acusou de estar tentando me afastar
dele, que eu estava escolhendo elas, que sempre tentaram
nos separar. E de nada adiantava eu tentar argumentar,
pois ele já tinha se perdido na raiva e estava fora de
controle. O medo se apossou de mim e tentei sair do
apartamento. Ele percebeu e veio pra cima de mim.
Arrisco um olhar para Henry. Ele mal respira,
seus olhos focados em mim, o cenho franzido e os punhos
fechados. Ele está indignado, eu sei. Mas não posso parar
agora, preciso continuar. Desviando o olhar, continuo:
— Eu não lembro de muita coisa a partir daí.
Lembro que acordei no hospital, mais de vinte e quatro
horas depois, com vários hematomas e algumas costelas
fraturadas. O psicólogo que me atendeu após a agressão
me disse que eu poderia ter bloqueado as lembranças
dolorosas para poupar um pouco do sofrimento. Uma
autodefesa da mente. — Dou de ombros.
Eu não sabia o motivo de não lembrar, mas era
eternamente grata. Só a dor que meu corpo sentiu nos dias
seguintes, era o suficiente.
— Sabe qual é o pior de tudo? Foi a vergonha e
humilhação que eu senti por ter acreditado nesse amor.
Percebi tarde demais que meu maior erro foi tentar tampar
o sol com a peneira, quando eu tentava justificar os erros
do Sebastian. O mal estava feito, eu já estava quebrada,
tanto física como mentalmente. Depois de muito tempo,
carinho e apoio da Bia e da Estela, eu consegui me
reerguer aos poucos. Doeu. Sebastian me feriu de um jeito
que não sabia que era capaz de sofrer.
Exalo. Tentando bloquear novamente meu
passado em um lugar distante dentro de mim. Dói demais
quando nos decepcionamos com quem nós amamos. Me
recuperei, rapidamente, dos ferimentos físicos, mas os
emocionais me acompanharam por muito tempo. Ainda
tenho cicatrizes de tudo que vivi, e hoje eu mantenho esse
assunto no esquecimento.
— O que aconteceu com ele? — Henry pergunta.
Posso ouvir seu maxilar rangendo.
— Sebastian sumiu depois disso.
— Como assim ele sumiu? A polícia não o
encontrou?
Me preparando para a explosão, confesso:
— Eu não o denunciei!
Henry arregala os olhos, horrorizado. Sua boca
abre e fecha sem parar. Posso ver a revolta se
intensificando em seu olhar. Ele desvencilha nossos
corpos e se levanta, começando a andar de um lado para o
outro.
— Como? Ele tinha que pagar pelo que fez,
Cristine. Foi muito grave! Não poderia sair impune de
algo assim! Por que não denunciou?
Me levanto também e paro na frente dele,
impedindo-o de fazer um buraco no chão.
— Eu fiquei tão desnorteada quando tudo
aconteceu. Eu sei que deveria ter o denunciado, mas eu
não tive forças. Cada um luta e enfrenta seus problemas
do jeito que consegue. O meu jeito de não surtar ou cair
em depressão profunda, desistindo da vida, foi fugindo.
Não me orgulho disso, mas fiz o necessário para
conseguir juntar meus pedaços. Eu pedi sigilo no hospital,
mas fiz corpo de delito e reuni um arquivo com o que ele
fez contra mim. Depois, minha tia Estela foi atrás da
família dele e ameaçou levar o caso a público se ele
voltasse e se aproximar de mim. — Suspiro, cansada.
Minha cabeça estava começando a doer. — Eu sei que não
foi o certo, Henry. Mas foi o que eu consegui fazer na
época. O advogado da família garantiu a minha tia que
isso nunca tinha acontecido antes, e que ele estava
internado numa clínica para se tratar ... ele não faria mal a
mais ninguém. Foi o suficiente para mim.
Quando termino de falar, as lágrimas estão
jorrando. Eu sabia que não ia conseguir tocar nesse
assunto sem me desestabilizar.
Henry segura meu rosto, carinhosamente, e essa
suavidade dele comigo me faz chorar ainda mais.
— Me desculpe, eu não queria te julgar. Pode
chorar, amor.
— Não! — respondo, balançando a cabeça em
negação. Rudemente, limpo as lagrimas traidoras do meu
rosto e tento engolir o restante do choro. — Prometi nunca
derramar uma lágrima pelo miserável!
Henry me abraça e custa muito não voltar a
desabar em seus braços outra vez. Sinto meu próprio
corpo tremer.
— O que posso fazer por você, amor? — Ele
pergunta, baixinho.
— Só preciso de você agora, Henry!
— Você me tem. — Seus braços me apertam
mais. — Sempre que precisar, meu bem!
Ele me puxa em direção ao meu quarto. Em
instantes, retira nossas roupas, nos deixando só com nossa
roupa intima.
— Hum. Jeito ousado de me dar conforto —
Tento brincar.
— É a melhor técnica! Não sabia? — pergunta,
com um sorriso tímido.
Ele nos puxa para a cama e ficamos deitados,
enroscados um no braço do outro. Meus batimentos vão se
acalmando e a vontade de chorar logo passa. Estar com
ele tinha esse efeito tranquilizante em mim.
— Obrigada por me contar, Cris!
Levanto a cabeça e apoio meu queixo em seu
peito, olhando pra ele.
— Obrigada por ouvir. Não quero nada como
barreira entre nós, Henry — falo, olhando em seus olhos.
— Não mais. Chega de fugir do que está acontecendo com
a gente.
Seus olhos se incendeiam com minhas palavras.
Vejo tanta coisa passando dentro deles. Tantas palavras e
promessas querendo ser feitas. Mas, nos mantemos assim,
em silêncio, encarando um ao outro.
— Eu... — Paro ao perceber a importância das
palavras que lutam para sair da minha boca.
— O que? — Ele pergunta, distraidamente, os
olhos sonolentos.
— Estou apaixonada por você.
Apesar do nervosismo, do coração acelerado, as
mãos tremulas, e de ter dito isso como se tivesse
confessando um crime, era a verdade. Eu estava
apaixonada por Henry e não via motivos para não admitir
isso de uma vez.
Depois do Sebastian, construí uma barreira em
volta do meu coração. Eu não queria me apaixonar outra
vez. O amor que conheci com Sebastian foi doloroso. A
humilhação e traição que senti quando acordei no hospital,
toda quebrada, tanto no corpo quanto no coração, estará
cravada em mim para sempre. Porque eu amei o
Sebastian, de verdade. Mas o amor que ele devolveu só
me machucou.
Mas, ao contrário do que eu pensava, isso não me
impediu de me apaixonar novamente. Aliás, isso não
impediu que Henry conseguisse furar essa barreira e se
instalar em meu coração. Mesmo com a situação inusitada
que nos uniu, ele me fez amá-lo. Pelo homem que é. Pelo
homem que eu estava disposta a me abrir outra vez e
manter ao meu lado.
Sorri, divertida, ao ver o Henry me encarando,
um pouco chocado.
— Te assustei, não foi?
Quando me ouve, ele sai de seu estupor. Ele rola
pra cima de mim, ou pelo menos tenta, por causa da minha
barriga.
— Não — responde, e balança a cabeça. — Só
me pegou desprevenido.
— Hum. — Passo meus braços por seu pescoço
e, com uma das mãos, brinco com o cabelo da sua nuca.
— Também me surpreendi.
Seus olhos brilhavam, satisfeitos. Ele tinha
gostado da minha admissão. Henry se inclinou e começou
a roçar seu nariz em meu pescoço, fazendo cócegas em
minha pele.
Ele ergue o rosto e me fita por um instante.
Levanto o dedo indicador e o corro pela linha do seu
maxilar. A barba crescendo arranha minha pele.
Quando ele abre a boca para falar, eu o
interrompo, colocando meu dedo em sua boca.
— Nada disso. Hoje é meu dia.
Confusão aparece em seu olhar. Sorrio e tiro meu
dedo de seus lábios.
— Não tem que me dizer nada agora — explico,
despretensiosamente.
Pelo olhar amoroso do Henry, sei que ele queria
dizer que também tinha se apaixonado. E eu estava louca
pra ouvir e acalmar uma parte do meu coração. Mas não
queria que ele dissesse por obrigação.
— Escolha um outro momento para você, senhor.
— Brinco, um pouco envergonhada.
Eu me sentia sobrecarregada com esse novo
sentimento, além dos hormônios da gravidez me
enlouquecendo. E eu queria ouvir ele me dizendo isso
espontaneamente, sem o sentimento de obrigação por
perto.
Pode parecer besteira, eu sei, mas é a melhor
forma de manter as inseguranças distante.
Henry me analisa e, quando parece me entender,
concorda com um aceno afiado. É surpreendente o quanto
ele me conhece nesse pouco tempo de convivência.
Me aconchego em seus braços e, pela primeira
vez em anos, durmo tranquila e me sentindo protegida e
cem por cento feliz.
HENRY
Fecho a porta do quarto da Cristine depois de
conferir que ela estava mesmo dormindo. Hoje mais um
passo importante foi dado em nosso relacionamento. Cada
vez estávamos mais unidos. Sem falar em sua confissão a
respeito dos seus sentimentos que me deixou
desconcertado e, estupidamente, contente. Mas deixo esse
pensamento para depois.
Sempre quis saber mais sobre o passado da
Cristine. Ela já tinha deixado algumas lacunas para serem
preenchidas. Mas respeitei seu tempo, não querendo
pressioná-la.
Todo mundo tem um passado, constrangedor ou
não. Só não imaginava que fosse algo tão brutal. Meu
estomago revirava só de imaginar o que ela passou. A
cena que minha mente tentava recriar me enojava.
Eu não aceitava o que ela tinha vivido. O que ela
sofreu na mão daquele bandido é intolerável. Porque era
isso que o idiota era, um bandido. Não há doença ou
distúrbio no mundo que justifique uma agressão!
Cristine que me perdoasse, mas eu não aceitaria
assim essa história. Por esse motivo, me peguei fazendo
essa ligação durante a madrugada.
— Bruce, aqui é o Banks. Estou deixando essa
mensagem e preciso que retorne assim que escutar esse
recado. Preciso que localize uma pessoa pra mim. É
urgente.
CAPÍTULO 14
CRISNTINE
Relembrar meu passado foi mais doloroso do que
achei que seria. Depois de tanto lutar pra esquecer o que
se passou, foi como reviver cada sentimento da época.
Dividir essas memórias com Henry foi quase
insuportável. Me senti ansiosa falando sobre isso e até
mesmo temerosa com o que ele acharia no final de tudo.
Mas como sempre, Henry foi tudo o que eu precisava.
Não julgou ou criticou minhas ações e quando necessitei
de um consolo encontrei em seus braços.
A semana começou agitada, tanto pra mim quanto
pra ele, e eu decidi esquecer meu passado novamente.
Sebastian, definitivamente, não tinha permissão para estar
em minha mente, me causando mais danos ainda. Henry
também não tocou no assunto, o que me deixou aliviada.
Era um acordo silencioso que tínhamos feito. O nome do
Sebastian seria pra sempre esquecido.
Eu tinha que resolver alguns problemas com o
estoque e Henry estava preocupado com uns prazos de
contratos. E com os dias tumultuados, nos víamos só
durante as noites, na minha casa ou na dele. Ele já era
essencial na minha rotina.
Ter admitido que estava apaixonada também tirou
um peso dos meus ombros. Eu me sentia livre para sentir
essa paixão e desfrutar dela o máximo que conseguia.
Algumas noites meus pés inchavam por ficar
tempo demais em pé, e Henry me torrava a paciência
dizendo que eu estava exagerando. Ele até sugeriu que eu
tirasse licença logo da loja. Mas eu ainda aguentava
algumas semanas.
Além dos pés e tornozelos de elefante, também
apareceu os famosos desejos de grávida. Isso mesmo!
Mas para minha satisfação e alivio de Henry, meus
pedidos sempre foram fáceis de realizar. Eu gostava de
misturar doce com salgado, ou comer picles.
Henry achava tudo divertido e eu estava
completamente feliz. A única preocupação era com o
quartinho dos bebês. Não tínhamos decidido nada e o
tempo não estava esperando.
HENRY
Me encosto, silenciosamente, na porta da
cozinha. Uma olhada no relógio da sala e constato que são
quase três da madrugada. Cruzo os braços e assisto a
busca incansável da Cristine por sabe se lá o que na
geladeira. Não é a primeira vez que isso aconteceu essa
semana e ela odeia fazer isso. Mas acho que a vontade
sempre é maior, pois ela acaba vindo de qualquer jeito.
Só torço para que ela encontre o que procura e eu não
tenha que sair a essa hora.
Pra mim isso é psicológico, mas não sou maluco
de afrontar a razão de uma mulher grávida. Ela também
está tendo mudanças de humor, o que me faz ter cuidado
redobrado com o que digo pra não causar confusão!
Ela revira todos os compartimentos da geladeira
e pelo visto não encontrou o que procurava. Ela se vira,
fechando a porta com mais força do que necessário, e me
vê.
— Não tem o que quer na geladeira, querida?
— Não achei nada que me agradasse. — Ela
solta um longo suspiro de frustração e eu seguro a vontade
de rir. — Na verdade, eu nem sei o que quero.
Nesse momento ela olha, verdadeiramente, pra
mim. Vejo seu olhar passando pelo meu corpo e parando
na cueca. Foda, é como se ela me ligasse na tomada toda
vez que faz isso. E por estar só de cueca não tem como
disfarçar minha animação.
— Eu já sei qual é o meu desejo agora!
Cacete, me sinto como um frango assado rolando
no espeto numa churrascaria. Tenho uma noção do que
uma mulher sente quando um homem a encara
exageradamente.
— E o que é? — questiono, tentando soar um
pouco indiferente.
Seu olhar estreita e ela volta para a geladeira.
Quando começo a desanimar, ela vem em minha direção
segurando um pote de... sorvete?
— Eu já vou te mostrar, garotão. — Ela pega
minha mão e começa a nos guiar para o quarto. — Tenho a
impressão que vai gostar mais do que eu.
Maldição! Melhor desejo de todos os tempos.
CRISTINE
— Ahhhhhh! Que coisa mais fofa! Olha.
Sorrio. Bia achava tudo fofo na loja. E ela tinha
toda a razão. Não existe nada mais fofo do que essas
minúsculas roupas de bebês.
Que delicia fazer compras para o enxoval. Eu
tentava me controlar, mas era meio que inevitável. Só
precisava passar em frente a uma loja. Eu nem sabia se os
bebês conseguiriam usar tudo o que a mamãe estava
comprando. Sem contar nos presentes da tia Bia e da tia-
avó Estela.
Bia balançava dois bodys brancos, toda
sorridente. Em um estava escrito: Meu irmão é minha
cara. E em outro: Minha irmã é minha cara.
SIM! As roupas personalizadas para gêmeos era
nosso calcanhar de Aquiles. Sempre comprávamos
coisinhas assim. E Bia adorava esses pequenos bodys. Os
últimos que ela comprou tinha escrito em um: gatinho da
titia e em outro: gatinha da titia.
— Vou levar!
Reviro os olhos.
— Bia, acho que estamos exagerando. Eles não
vão usar todas as roupas.
Ela fez pouco caso, dando de ombros e voltando
a remexer nas araras com roupas. Sabendo que não ia
convencê-la, entrei na onda e continuei admirando essas
roupinhas maravilhosas.
Não podia deixar de imaginar meus bebês dentro
delas. Estava começando a ficar ansiosa para conhecer
meus pequeninos.
— Estou faminta — anuncio, assim que saímos
da loja.
Fui trabalhar durante o período da manhã, mas
tenho que admitir que o trabalho não anda rendendo. Essa
barriga tem me cansado muito.
— Podemos ir almoçar. — Bia fala e olha para o
relógio. — Tenho duas horas antes da reunião com o
pessoal da gráfica.
— Por falar neles, está gostando?
— Sim. Eles são bons profissionais. Acho que
vou experimentar fazer alguns trabalhos com eles. Vamos
economizar um bocado, já que o preço está mais em conta
do que o da concorrência.
— Que bom. Olha, Henry me levou em um
restaurante aqui perto há algumas semanas. Podemos ir lá,
tenho certeza que você vai gostar. E não vai se atrasar
para a reunião.
— O bonitão não vem almoçar com a gente?
— Não — respondo, desapontada. — Ele disse
que está atolado em serviço.
Eu via o Henry, praticamente, todos os dias. Mas
tinha alguns dias em que ele mais ocupado do que o
normal. E nesses dias ele ia dormir sozinho em seu
apartamento. Eu sentia uma falta danada.
— Ok. É só me guiar, doçura.
∞∞∞
Assim que entramos no restaurante, Beatriz pede
uma mesa para nós. Distraidamente, passo o olhar pelo
local. Estava bem cheio.
No fundo do restaurante eu avisto Pedro com uma
morena muito bonita... e Carol com Henry. Mesmo ele
estando sentado de costas pra mim eu o reconheço. E a
raiva se apossa de mim numa velocidade incrível! Poxa,
eu sei que ela é sua amiga, mas vê-los juntos depois que
ela destilou todo aquele veneno pra cima de mim é
terrível.
— Atolado em serviço, hein? — Bia pergunta,
sarcasticamente.
Dou uma olhada para minha amiga e vejo seu
olhar mortal em direção a Carol. Fico tocada por vê-la
tomando minhas dores.
Volto a olhar para a mesa que estão sentados e
perco completamente a fome. Inevitavelmente, sinto-me
um pouco decepcionada com Henry. Sei que não tenho
direito algum de escolher suas amizades, mas, supus que
ele se afastaria de Carol depois de ela ter me atacado na
festa de aniversário da Rachel.
Pedro ergue o olhar e nos vê. Ele não parece
muito confortável sentado lá. Franzo o cenho, confusa, ao
mesmo tempo em que a recepcionista nos avisa que a
nossa mesa está pronta.
Pedro sinaliza para Henry que se coloca um
pouco de lado para olhar para trás, em nossa direção.
Com esse movimento, consigo ver que em cima da mesa a
mão da vadia está em seu braço. É o soco no estomago
terminando de me abalar. Detesto ver isso. Detesto ver
Carol o tocando.
Quero ir embora. Sair daqui rapidamente. Fechar
os olhos para não a ver tocando-o. Contudo, permaneço
firme. Não tenho porque fugir. Não sou eu que estou
fazendo nada de errado! Nem Henry! – Tento pensar
racionalmente. Ele pode almoçar com quem quiser. Eles
são amigos, afinal de contas.
Mas esse coração tolo e ciumento não consegue
engolir isso. Meus batimentos se aceleram um pouco de
um jeito dolorido. Decepção dói.
Quando Henry me vê, se levanta rapidamente, diz
algo para Pedro, e logo em seguida vêm em minha
direção.
Estou tão descontente com ele agora. Tinha me
esquecido que amar alguém também pode trazer
sentimentos amargos em nossa vida.
Em poucos passos ele chega perto de nós.
— Pensei que estava muito ocupado para sair pra
almoçar — digo, mantendo o rosto indiferente, mas não
consigo manter a magoa longe da voz.
— E estava, Cris. Só que..
— Não. — Interrompo sua explicação. — Não
precisa se justificar. Está tudo bem.
Com a visão periférica, vejo Beatriz me olhar
feio. E pelo olhar do Henry, sei que ele não acreditou.
— Já estávamos de saída.
— Não acabaram de chegar? — Ele pergunta.
— Sim. Mas aqui está muito cheio e estamos com
pressa.
Droga! Desculpa esfarrapada, mas eu precisava
sair daqui. Continuar vendo a cara lavada da Carol só ia
me fazer mal.
— Ok. Eu vou te levar! — Henry diz, quando
começo a caminhar para a saída.
— Ela já tem carona, Henry! — Beatriz
responde, mal-humorada.
— Não complica as coisas pra ele. — Pedro a
repreende, surpreendendo a todos nós.
— Vai ver se eu estou na esquina. — Beatriz
retruca, irritada.
— Cristine, pare. — Henry segura meu braço me
fazendo me virar pra ele. — Fique e almoce.
— Perdi a fome.
— Eu vou levar almoço pra você na loja.
Começo a me sentir desesperada e sufocada.
Estou exageradamente sensível e se ele vier conversar
agora é bem provável que eu me desmanche em lagrimas.
E não quero fazer isso. Só preciso de um tempo para me
acalmar.
— Não — digo, firmemente. Tento manter uma
expressão calma e coloco um sorriso no rosto. Pelo menos
eu acho que é um sorriso. — Está tudo bem, Henry. Não
estou chateada. Pode voltar para o seu almoço.
Pra ser convincente, fico nas pontas dos dedos,
pois mesmo de salto ele é estupidamente alto, e beijo
rapidamente sua boca.
— Te vejo essa noite?
Henry me encara por alguns segundos, tentando
ver se estou dizendo a verdade.
— Certeza?
— Ela já disse que não quer te ouvir, Henry, dá
um tempo pra ela!
Sim, ela ficava territorial quando estava me
defendendo.
— Não estou falando com você. — Henry perde
a paciência.
Nós duas arregalamos os olhos. Só vi Henry
irritado quando soube da gravidez. Depois disso ele tem
sido muito gentil, mesmo quando estou tento meus ataques
hormonais. Talvez até demais.
— Ei! Pega leva. Não precisa falar com ela
assim! — Pedro o repreende.
Minha amiga não consegue disfarçar a surpresa
por estar sendo defendida por Pedro. Sério! Tem mais
atração ali do que ela quer admitir.
— Chega de plateia — falo, dando uma olhada
ao redor.
Ainda estávamos na porta do restaurante, pelo
amor de Deus! Olho para Henry e me despeço.
— Nos falamos depois. — Puxo Bia pelo braço.
— Vamos!
Entro no carro e Bia entra logo em seguida. O
silêncio que nos acompanha de volta é carregado. E não
só por minha causa. Sinto a Bia desconfortável também.
Ainda não consigo entender o real motivo de tanta tensão
entre os dois. Minha amiga nunca foi de ficar insegura ou
em dúvida quanto se trata de homem. Essa situação era
uma baita novidade. Mas sem vontade pra conversar, eu ia
deixar pra desvendar mais sobre Pedro depois.
No momento só quero me acalmar. Esse ataque
de raiva, meio que exagerado, não está me fazendo bem.
Sinto minha cabeça doer e uma pressão desconfortável na
minha barriga. Não posso ficar estressada assim, não
posso colocar meus bebês em risco.
HENRY
— Maldito inferno! — praguejo por alguns
segundos, após Cristine ir embora.
Como o dia tinha se transformado nesse estresse
era surpreendente. Depois de meses trabalhando em um
contrato, finalmente eu ia conseguir a assinatura para
fechar o negócio. Bem, pelo menos eu achei que
conseguiria, até chegar no restaurante onde nos
encontraríamos para um almoço, e receber uma ligação
desmarcando a reunião.
Já que estávamos ali, resolvi almoçar com o
Pedro. Carol e a amiga chegaram um pouco depois. Eu
não a tinha visto após a confusão entre ela e a Cristine.
E, apesar de querer conversar com ela e colocar
todos os pingos nos “is”, não estava disposto a dividir o
almoço com ela. Ainda me sentia chateado depois de
ouvi-la agredir a Cristine e chamar meus filhos de
bastardos.
Mas Carol se auto convida para se juntar a nós e
quando vejo tudo aconteceu rápido demais. Ela está bem
confortável ao meu lado, a amiga se acomoda ao lado do
Pedro, e a Cristine chega de sabe se lá onde, e tira
conclusões precipitadas.
Não acreditei quando ela assegurou que estava
bem. Seus olhos me acusavam de magoá-la o tempo todo.
Respiro fundo, tentando encontrar uma paz que
não vem. O único pensamento na minha mente agora é que
preciso consertar isso.
— Vamos ficar parado na rua buscando
inspiração divina?
— Não. Vou voltar para o restaurante e pedir
comida pra levar pra Cris. Preciso falar com ela.
— Não acha melhor dar um tempo? Deixar ela
esfriar a cabeça?
Tento acreditar nisso. Foi isso que ela garantiu,
não foi? Que estava bem. Mas algo dentro de mim diz que
não. Nossa relação está entrando nos eixos. Não posso
permitir que nada atrapalhe.
— Não. Prefiro ir resolver isso agora. Não quero
deixar ela nesse estado o restante do dia. Você me deixa
lá? — pergunto, quando me lembro que vim com ele para
o restaurante.
— Claro.
Peço a comida pra viagem e ligo para o
escritório. Digo para a Flavia desmarcar o restante da
tarde. Roberto e seu contrato que se dane. Eles podem
esperar um pouco.
Estacionamos na frente da loja das meninas, já se
passou uma hora e espero que a Cris esteja mais receptiva
agora. Pedro, sem convite, entra comigo, observando tudo.
Tenho a impressão de que ele procura uma certa loira
espevitada. O deixo perambulando pela loja e vou até a
sala da Cristine.
Passo pela sua secretária que já sabe quem sou e
me dá passe livre, informando que Cristine está em sua
sala sozinha. Coloco o saco de comida em cima da
mesinha no centro da sala. O lugar está vazio, mas ouço
barulho vindo do banheiro.
Já começo a formular muitos argumentos para a
Cristine quando ouço a porta do banheiro se abrir. Ela sai
com um rosto pálido, e seus olhos se arregalam um pouco
ao notar minha presença na sua sala.
Ao contrário do que pensei, ela parece aliviada
comigo ali, mas sua próxima expressão me deixa em
pânico. Percebo de imediato que ela não está bem. Ela
coloca a mão na barriga e seu rosto tem uma expressão de
dor.
— O que foi?
Seus olhos se enchem de lágrimas e sua voz sai
perturbada quando ela diz:
— Estou sangrando, Henry!
Me sentindo gelado e com o coração batendo de
um jeito muito errado, a pego com cuidado no colo pra
levá-la ao hospital urgentemente.
PEDRO
Dou mais umas voltas pelos corredores da loja,
sem saber o que fazer, pois não combinei com Henry se
podia ir embora e ele arrumava carona, ou se tinha que
esperar por ele. Pelo o humor da mulher dele, a segunda
opção era uma boa aposta.
Perambulo pela loja, distraidamente. Meus olhos
insistem em procurar uma pequena loira atrevida. Talvez
por esse motivo, aproveito a distração das vendedoras e
me pego caminhando na área permitida só para
funcionários.
A primeira sala está com a porta aberta e parece
ser de reuniões. Está toda organizada com alguns papéis e
banners, indicando que a reunião não deve demorar a
acontecer.
Um pouco mais a frente, e algumas portas depois,
encontro uma com uma plaquinha gravado na porta:
Beatriz Willians, diretora de marketing. Fico imóvel
tentando ouvir algum movimento dentro da sala e a ouço
falar:
— Em trinta minutos vou para a reunião, Rafa.
Preciso que termine de arrumar a sala com lanches, pois
não sei se irá demorar.
Como não ouço resposta, acredito que ela esteja
ao telefone.
Eu devia ir embora agora e ficar longe dessa
mulher que, ao que tudo indica, é maluca, mas minha
curiosidade e vontade de afrontá-la é enorme. Dou uma
olhada ao meu redor pra ver se tem alguém me vendo e
decido entrar para provocar essa bela fera que me
atormenta sempre que a vejo!
BEATRIZ
Estou tão concentrada no que preciso organizar
antes da reunião, que nem percebo alguém parado na porta
da minha sala.
O perfume dele é me avisa de sua presença.
Merda! Eu não deveria reconhecê-lo só pelo seu cheiro.
Era só o que me faltava!
Eu já tinha reparado, quando o vi no restaurante,
que hoje ele está mais bonito do que da última vez que o
vi. E homem... ele ainda tem o mesmo letreiro de
problema escrito na testa, mas está lindo de morrer. No
meu caso de babar!
Aliás, qualquer mulher deve babar em cima dele.
Assim como a que estava pendurada nele no restaurante na
hora do almoço. Com essa lembrança faço uma careta e
resolvo perguntar o motivo da sua ilustre presença.
— O que faz aqui, Carter?
Ele suspira fazendo cara de pensativo e depois
de uns segundos diz:
— Sabe... também não sei! Mas, você é sempre
mal-educada com quem te visita?
— E você sempre invade a sala sem ser
convidado? — retruco, cruzando meus braços.
O que foi um mal movimento, pois seus olhos
caem para meu decote!
Instantaneamente fico alerta. Como uma presa
quando pressente perigo. Seu olhar sai do meu decote e
vem para meu rosto e eu vejo ele em modo predatório.
Que merda, se sentir a caça desse homem até que não é
ruim.
Contudo, novamente meu sensor apita me
mandando afastar! O que será uma tarefa difícil já que
estamos numa sala fechada e ele está parado na única
porta de saída. A não ser que eu me esconda no banheiro.
Mas que tolice! Sou uma mulher adulta no meu próprio
território! Eu decido se aqui vai ter caçada ou não. E
definitivamente estamos em temporada proibida!
— O que está pensando, hein? — pergunta,
divertido.
Balanço a cabeça, afastando esses pensamentos
idiotas sobre caçada, e fico de pé. Pego alguns papéis da
mesa, dando a entender que a conversa aqui acabou.
— Pedro, por favor, desculpe a grosseria. —
Lamento, com um falso remorso. — Mas tenho um
compromisso agora!
Mal termino de falar e ouço um clique. Paraliso
reconhecendo esse clique! Ele trancou a porta? Levanto o
olhar para ver o que ele está fazendo e o vejo se
aproximando.
— Sim, eu sei. Daqui meia hora.
Que inferno esse homem pensa estar fazendo?
— Como você sabe? — pergunto, quase sem voz.
Meu coração está galopando desenfreado. Eu não
estava com medo. O que seria mais sensato, afinal, não
conheço esse homem. O que eu sentia era pura adrenalina
correndo em minhas veias. E isso era enlouquecedor.
— Ouvi você falando — responde e dá de
ombros.
Ele continua se aproximando, casualmente,
fingindo olhar para a decoração da sala, como se não
estivesse querendo me lançar uma emboscada. Idiota.
Idiota sexy, mas idiota.
— O que você pensa que está fazendo? –
pergunto, tentando controlar minha respiração acelerada.
Sim. Eu estava achando esse joguinho
emocionante. Como eu estava ferrada! Seu olhar se fixa no
meu e ele para do outro lado da minha mesa.
— O que eu queria ter feito em uma festa, há
alguns dias, mas uma mulher maluca me parou.
Não sei o que pensar ou responder, mas meu
corpo reage e, quando ele começa a dar a volta na minha
mesa pra acabar com a distância, eu dou um passo
recuando fazendo a volta ao contrário!
— Vou fingir que não ouvi tal insanidade. E vou
repetir: estou de saída.
Fico orgulhosa das palavras decididas que
consigo pronunciar. Mas não saio. Continuo parada,
esperando, ansiosamente, pra ver o que ele fará a seguir.
— Você pode ir. — Ele diz, continuando a
caminhar para perto de mim. Dessa vez deixo a distância
diminuir. — Se você quiser, pode ir... eu não vou te
segurar.
Essa era a hora de dar meia volta e deixar esse
boçal falando sozinho. Mas quem disse que eu consigo me
afastar? Minha mente só fica tentando imaginar se aqueles
lábios cheios são tão macios quanto aparentam...
Tomando meu silencio como resposta, Pedro se
aproxima mais ainda, deixando pouco espaço entre nós
dois. Ele coloca uma mão em minha cintura e quase
estremeço com o calor que emana de sua mão. Inferno!
Ele nem tinha encostado diretamente em minha pele.
Aperto, mortalmente, os papeis em meus braços.
Só assim eu não me agarraria ao Pedro.
— Do que tem medo? — Ele pergunta, avaliando
meu rosto.
— E-eu não tenho medo — gaguejo, nervosa.
Um lado de sua boca levanta em um sorriso
travesso. Ele inclina seu rosto e para quando nossos
lábios estão quase se encostando. Que cheiro era esse,
pelo amor de todos os deuses? Minha garganta fica seca,
enquanto meus olhos vão de sua boca tentadora para seu
olhar quente. Ele tem os olhos da cor de chocolate.
— Ótimo — sussurra, roçando nossos lábios
juntos.
Minha respiração engata quando sua boca se une
a minha sem suavidade. Ah, não! Não era só um beijo. Era
uma disputa. Um duelo. Nenhum dos dois queriam ceder.
Ambos queriam ganhar.
Ouço quando meus papeis caem no chão, mas não
dou importância. O gosto da boca dele é inebriante.
Deixando um pouco de lado a batalha, me rendo,
apreciando o beijo. Eu queria mais.
Que gosto bom esse maldito tem! Seus lábios e
seu toque é bruto na medida certa, mas macios do jeitinho
que suspeitei que fossem.
Pedro me pressiona contra seu corpo e minha
mesa. Inferno de tentação! Eu não deveria ceder, mas quer
saber? Estou me lixando.
Agora eu só quero deixá-lo fazer o que quiser
comigo. Que se dane esse pisca-pisca do cacete que fica
me mandando correr.
Minha respiração está tão descompassada que
tenho dificuldade em respirar. Pedro desce suas mãos em
direção ao meu quadril e me impulsiona pra cima. Pego a
dica e me sento na borda da mesa. Ouço barulho de algo
caindo, mas não interrompo o amasso para olhar.
Ele desgruda sua boca da minha para grudar em
meu pescoço. Arrepio até a alma. Com a cabeça
inclinada, olho para o teto. Sensações maravilhosas
vibram através do meu corpo. Eu tinha que dar o braço a
torcer; o cara tem pegada.
Ele roça o nariz, delicadamente, na base do meu
pescoço. Sentindo cocegas, tento tirá-lo de lá. Ele respira
fundo e se afasta.
— Cheiro delicioso você tem.
Não tenho tempo de falar nada, pois alguém bate
na porta. Nossa bolha é estourada e a realidade vem numa
velocidade que me deixa tonta. Merdaaa! Estou num
amasso, na loja e antes de uma reunião.
Sem muita vontade, mas bem embaraçada, me
desvencilho de Pedro. Ficando de pé, dou uma ajeitada na
minha roupa. Batem na porta outra vez.
— Só um minuto!
Olho, estarrecida, para bagunça que ele causou.
Os papéis da reunião estão espalhados e amassados. Algo
no chão, ao lado da mesa, chama minha atenção.
— Idiota, olha o que fez... Era minha planta
favorita!
— A culpa não é totalmente minha. — Ele ergue
uma sobrancelha. Sua boca avermelhada por causa dos
nossos beijos trazem uma satisfação estranha pra mim. —
Depois te dou outra igualzinha.
Reviro os olhos e começo a ir em direção à
porta.
— E uma calcinha nova também — murmuro,
baixinho.
Eu tinha ficado tão excitada com esse breve
momento nosso. O que será que eu sentiria se tivéssemos
um tempo a mais e um lugar mais apropriado?
Escondendo um sorriso, abro a porta. Franzo o
cenho quando vejo a aflição no rosto da Fátima.
— O que foi?
— Desculpe incomodar, mas algo urgente
aconteceu com a senhorita Morgan.
— O que aconteceu com a Cristine?
Consigo ouvir Pedro se movimentando na sala,
mas não desvio o olhar dela.
— Ela passou mal. O senhor Banks a levou para
o hospital e antes pediu pra avisá-la.
— Passou mal? — repito, confusa. — Como?
Agora pouco eu a tinha deixado em sua sala. E
ela aparentava estar bem. E Henry estava aqui? Confusão
nubla meus sentidos, me deixando um pouco abalada, sem
saber como reagir.
— Sabe pra qual hospital eles foram? — Pedro
pergunta, se aproximando de mim.
— Não. Tudo aconteceu tão rápido. Me desculpe,
Bia. Não tivemos tempo de pegar detalhes.
— Por que não me avisaram antes que ela saísse?
— Como eu disse, foi um pouco conturbado
quando eles estavam saindo e tentamos ajudar chamando
um táxi. Depois eu tentei ligar para sua sala, mas a ligação
não estava completando.
Fecho os olhos, brevemente. Enquanto eu estava
me pegando com Pedro, minha amiga estava em apuros.
Culpa é uma cadela.
Balanço a cabeça. Começo a me sentir apavorada
demais para pensar direito no que fazer. Eu só precisava
chegar até Cristine.
— Tudo bem. Vamos ligar para o Henry. —
Pedro responde por mim, outra vez.
— Eu tenho que desmarcar a reunião...
— Nós cuidaremos de tudo. — Fátima se
prontifica.
A olho agradecida e, automaticamente, vou atrás
da minha bolsa. Quase não percebo que Pedro organizou
os papéis e o vaso quebrado com minha plantinha.
A preocupação está me desnorteando. Sinto meus
olhos arderem, e rezo pra que nada aconteça a minha
amiga e seus bebês. Isso a destruiria agora.
— Vamos para o hospital, eu te levo.
— Obrigada, mas vou no meu carro!
— Larga de ser teimosa. Não está em condição
de dirigir! Vamos, anda! — diz já me direcionando para a
porta.
Henry não atende, mas dou o endereço da clínica
onde Cristine se consulta. Tenho quase certeza que ela vai
pra lá, em vez de ir pra emergência de algum outro lugar e
ser atendida por um médico desconhecido.
No caminho vou pedindo a Deus para que tudo
fique bem com ela. Assim que chegamos vamos direto pra
recepção e encontramos um Henry muito nervoso.
Ele está preenchendo alguns papéis e sua
expressão é desastrosa. Sufoco o pânico que está
crescendo em mim e vou até ele pedir notícias.
— Henry? Como ela está?
— Eu não sei! Não me dizem porra nenhuma aqui
— responde, irritado, e passa a mão pelo cabelo. Percebo
que está tentando preencher um formulário com várias
perguntas sobre o plano de saúde e dados do paciente.
— Deixa que eu faço isso, Henry! — digo,
apontando para os papéis em sua mão.
— Com prazer. — Ele exala, aliviado. Depois
fala, culpado: — Tem muita coisa aí que eu não sei.
— Está com a bolsa dela? Os documentos
pessoais e do plano ficam na carteira. — Ele acena e me
entrega a bolsa da Cris.
— Vou ver como ela está! — exclama,
determinado, e começa a se afastar.
— Será que vão te deixar entrar?
— Quero ver quem é que vai me impedir! —
Henry afirma, e entra por uma porta dupla grande,
sumindo de nossas vistas.
Eu preencho os papéis com toda a informação
que consigo, depois entrego na recepção e me sento,
angustiada por não ter notícias ainda.
Ligo para Estela e deixo recado na caixa postal,
já que ela não atende. Melhor assim. Talvez ela ouça
quando já tivermos boas notícias para dar. Por favor,
Deus, que as notícias sejam boas!
Pedro fica o tempo todo ao meu lado e, mesmo
que eu não queira, ou tema, essa aproximação, me sinto
agradecida. Ficaria completamente insana em ter que
passar por essa espera sozinha!
CAPÍTULO 15
CRISTINE
Quando fui ao banheiro e vi a mancha de sangue
na calcinha, meu coração parou por algumas batidas. Um
medo desenfreado começou a tomar conta de mim, e eu
mal conseguia raciocinar direito. Quando saí e vi Henry
na sala, fiquei mais tranquila, pois ele estaria ali pra me
ajudar.
Vi suas feições mudarem quando disse que estava
sangrando e Henry me carregou rapidamente pra fora.
Durante todo o caminho eu tentava acalmar minha
respiração que estava descontrolada. A possibilidade de
acontecer algo com esses bebês, que eu aprendi tanto a
amar, estava me destruindo por dentro.
Por que isso estava acontecendo comigo?
Sim, eu sei! Porque me deixei levar pelo
estresse. Maldita hora que resolvi ir naquele restaurante e
me enfurecer com a vadia ruiva. Mesmo sabendo que
estava exagerando, deixei o estresse me invadir. O
orgulho e a raiva me fizeram perder a razão.
Assim que chegamos, fui atendida por um médico
que estava de plantão. Dra. Ellen já estava a caminho,
mas, quando Henry ligou, ela não quis perder tempo e nos
orientou a ir para a emergência. Ela chegaria o mais
rápido possível.
Henry foi impedido de entrar e isso me deixou
mais nervosa ainda, pois, ultimamente, é nele que
encontro apoio quando preciso.
— Meu namorado já pode entrar? — pergunto,
pela quinta vez.
A promessa era de que ele poderia entrar na hora
do exame. Ele só precisava ficar preenchendo alguns
papeis, enquanto a enfermeira me ajudava a entrar em um
roupão hospitalar e me colocavam em uma sala de
exames.
— Acho que já foram buscá-lo. — O médico que
acabou de entrar, diz.
Ele posiciona uma máquina de ultrassom ao lado
da maca e aperta alguns botões.
— O sangramento começou quando?
— Agora pouco. Foi só uma pequena quantidade,
mas me assustou muito!
— Certo. Você faz o pré-natal aqui mesmo, com a
dra. Ellen, não é?
— Sim.
— Ok. Vou verificar sua barriga, tudo bem? —
Ele pergunta, e abre o roupão, deixando só minha barriga
do lado de fora.
Estou tão nervosa. Sinto meu corpo inteiro
trêmulo. Cadê o Henry?
O médico apalpa minha barriga e faz anotações.
Finalmente, ele começa o ultrassom. Segundos depois,
meu som preferido invade a sala, e solto uma respiração
aliviada.
— Eles estão bem, certo? — pergunto, só para
confirmar.
— É o que parece. — O médico responde, sem
tirar os olhos da tela. — Cordões umbilicais, placentas,
líquido amniótico... tudo ok. O colo do útero está fechado.
Tudo indica que foi só um susto mesmo, mamãe. Talvez de
algum esforço excessivo, preocupação ou estresse... mas
podem se tranquilizar. Os bebês estão bem.
Sinto meus olhos se encherem de lágrimas,
tamanho é meu alívio, quando o médico confirma estar
tudo bem. Deixo algumas escorrerem, lavando todo meu
medo e preocupação, enquanto o médico limpa minha
barriga.
O médico termina o exame e começa a limpar o
gel na minha barriga. Henry entra nesse momento e eu fico
até tonta de alivio.
— Está tudo bem? — Ele me olha preocupado.
— Por que está chorando?
— O pai, certo? — O médico pergunta e Henry
concorda. — Está tudo bem com os três.
Henry vacila, aliviado. Ele olha para o aparelho
de ultrassom e depois para o medico limpando minha
barriga.
— Faça de novo.
O médico joga a toalha com que me limpava num
cesto perto dele. Franzindo o cenho, indaga:
— Fazer o que?
— Preciso ver os bebês.
Meu coração se parte ao ouvir o desespero em
sua voz. O médico ainda o encara confuso.
— Pode fazer o ultrassom novamente? — Peço.
O médico me olha e compreende que Henry
necessita ver os bebês para se tranquilizar.
— Tudo bem. — Sorri, compreensivo.
Henry vem para meu lado e segura minha mão.
— Deus! Sua mão está tão gelada. É normal? —
Ele pergunta para o médico.
— A pressão dela deve estar baixa por causa do
susto.
Seguro a mão de Henry com força.
Henry seca minhas lágrimas, em silêncio,
enquanto esperamos o médico começar o exame outra vez.
— Vai ficar tudo bem. — Ele diz, baixinho.
Concordo com um aceno. Era só ele estar ao meu
lado que eu sabia que tudo ia ficar bem.
∞∞∞
Meia hora depois, a Dra. Ellen chega. Henry está
mais tranquilo depois de ver os bebês pelo ultrassom.
Mas ainda paira protetoramente ao meu lado, atento a
qualquer expressão minha.
A médica confere os exames, minha pressão e me
enche de perguntas.
— Sente algum desconforto?
— Não. Me sinto um pouco cansada. Mas, é só.
— Tem descansado como recomendei na última
consulta?
— Sim, diminui um pouco minha carga horária no
escritório e procuro não me esforçar bastante.
— O sangramento começou repentinamente?
Ela sonda, tentando chegar ao motivo do
sangramento. Não quero falar sobre isso. Agora que sei
que estamos bem, só quero ir pra casa. Para minha cama.
Henry, porém, pensa o contrário.
— Ela se estressou hoje. — Lanço um olhar de
desagrado em sua direção, que ele ignora
completamente. — Tivemos um pequeno desentendimento.
A única coisa fora do comum. — Ele dá de ombros
quando termina de falar.
— O estresse faz muito mal durante a gravidez, e
temos que lembrar que a sua tem um risco maior por ser
gêmeos. Então, eu peço que tente manter a calma, por mais
difícil que isso seja em certos momentos, mas é melhor do
que prejudicar a sua gestação e provocar um parto
prematuro de risco.
— Eu já informei que, na maioria das vezes,
quando se tem uma gravidez de gêmeos, o parto acontece
antes do previsto. Então, vamos tentar prolongar o
máximo possível esse tempo para que os bebês possam se
desenvolver e não ter que ficar posteriormente em uma uti
neonatal. Por isso, descanse mais e nada de preocupação.
Curta esse momento lindo que você está vivendo, e você
também papai — diz, olhando para Henry agora. — Curta
e ajude a Cris, mesmo que seja cobrando quando preciso,
a mantendo descansada e em paz.
Ótimo! Agora é que ele vai pegar no meu pé.
— Bom, no mais, irei tirar um pouco de sangue
pra um exame de rotina, mas podem ir embora logo
depois. Quando o resultado sair, se precisar, entrarei em
contato. Alguma dúvida?
Tanto eu quanto Henry negamos.
— Ok! Cristine quero que fique hoje e amanhã de
repouso absoluto. E se sangrar novamente, me ligue
imediatamente. Marcarei uma consulta para daqui dez
dias. Quero ficar atenta ao colo do seu útero. Só por
precaução.
Ela tira meu sangue e assina minha alta. Henry
me ajuda a me trocar. Em silêncio. Nenhum de nós com
intenção de mencionar o que aconteceu no restaurante.
Quando saímos para a recepção, encontro Estela,
Rachel, Bia e o Pedro. Assim que notam nossa chegada,
todos se aproximam. Fico comovida ao ver essa
preocupação comigo e meus bebês.
— Minha filha, estava tão preocupada! Como
vocês estão? — Estela me abraça e alisa minha barriga.
Eu aperto sua mão e dou um sorriso para
tranquiliza-la.
— Sim, tia. Está tudo bem com a gente.
— Ficamos tão preocupados. — Rachel diz e me
abraça. Quando me solta, dá um abraço em Henry que
permanece ao meu lado, calado. — Meu filho, que susto.
Como você está?
— Agora estou bem, mãe — responde, olhando
pra mim, e é sempre de tirar o fôlego quando me trata
carinhosamente assim.
— Nunca mais nos dê um susto assim, crianças!
— Bia fala com minha barriga e olha pra mim. — Não
sabe como ficamos preocupadas enquanto estávamos
esperando.
Ela diz com os olhos vermelhos e marejados e
lhe dou um abraço apertado buscando consolo pra nós
duas.
— Estamos bem, Bia. Não fique assim!
— Tenho que levar a Cristine para casa. Apesar
de tudo estar bem, a médica pediu repouso pra ela.
Depois de mais algumas palavras tranquilizadoras, nos
despedimos de todos e vamos em direção a meu
apartamento.
Um pouco de tempo depois, noto que não é o
caminho do meu apartamento e nem o dele. Presto atenção
no lugar pra ver onde estamos, não reconheço esse lugar,
mas pelo que parece é uma área residencial.
— Chegamos!
Olho confusa pra ele, por ainda não reconhecer o
lugar. Henry desce do carro e vem para meu lado, me
ajudar a sair. Paramos em frente a última casa da rua, ela
é um pouco afastada das demais, mas tão linda quanto as
outras da vizinhança.
— Onde estamos, Henry? Quem mora aqui? —
pergunto, enquanto nos aproximamos da porta de entrada.
Henry me dá um sorriso nervoso, mas não
responde. Ele entra na casa e digita o código do alarme.
Ele nos guia até uma enorme sala, segurando minha mão.
Há uma lareira no canto, uma estante com muitos
livros, um sofá parecido com o meu em formato de L, uma
Tv muito moderna e uma simples, mas singela decoração.
— É sua? — pergunto, enquanto caminhamos em
direção ao sofá.
— Se você gostar, será nossa!
Ainda estou em dúvidas se ouvi direito, não
posso estar certa que ele falou que a casa seria nossa.
— Como assim nossa?
— Há algum tempo, eu venho procurando casas
para nós nos mudarmos. Uma casa para que possamos
viver juntos. Uma casa pra começarmos nossa família.
São palavras doces, mas não consigo evitar o
pânico. Eu começo a respirar mais rapidamente e não sei
nem o que formular pra respondê-lo.
— Se acalme. Não precisa ficar assim. — Ele
diz, percebendo minha agitação. — Acabamos de sair do
hospital, eu não deveria ter te trazido aqui de imediato.
— Então por que trouxe? Como quer que eu fique
calma assim?
— Pra te provar de uma vez por todas que o que
a gente tem não é temporário, Cristine. Desde que nos
conhecemos, sou eu que tenho corrido atrás de um
compromisso. — Tento interromper, mas ele levanta a
mão. — Eu não estou te culpando nem nada assim. Pelo
contrário, talvez esse seu jeito sem cobranças tenha
despertado esse lado em mim. Cristine, essa notícia da
gravidez chegou como um furacão em minha vida
colocando tudo de cabeça pra baixo. Desde muito novo,
eu tinha um plano a ser seguido em minha vida. Mas
quando eu te vi naquela festa, onde descobri
acidentalmente a gravidez, eu perdi todo esse controle que
tanto prezava. E sabe a conclusão que cheguei? —
pergunta e eu apenas nego com um aceno. — Eu descobri
que eu nunca tive o controle da vida. Porque ninguém na
verdade tem. Até algum tempo atrás, eu estava
conformado em encontrar alguém que eu gostasse o
suficiente para me casar. Alguém que eu poderia até
mesmo não amar, mas tivesse alguma afinidade para
passar a vida ao meu lado. Hoje eu não aceito isso mais.
Não quero me conformar com pouco. Quero tudo. E cada
dia ao seu lado tem me mostrado isso. Eu quero passar
todos os dias da minha vida acordando ao seu lado. Quero
poder estar presente todas as manhãs e anoitecer da vida
dos meus filhos.
Oh, meu Deus. Me sinto tonta com o que ele
acabou de dizer. Puxo umas três respirações soltando pela
boca, para conseguir me acalmar.
— Cristine. Está me preocupando!
— E-eu estou bem! — Minha voz sai um tanto
estridente. — Eu acho. É só que... isso é tudo inesperado.
Henry, tem certeza que é isso que quer? É um passo
enorme morar junto!
Ele morde o lábio inferior, de um jeito nervoso.
— Não sei se eu deveria continuar com esse
assunto, já que acabou de sair do hospital.
— Não. — Balanço a cabeça, como se isso
ajudasse a colocar os pensamentos em ordem. — Pode
falar. Foi só um pouco desconcertante, mas estou bem
agora.
— Não estou pedindo pra morar junto. Estou
falando em casamento, Cristine.
Okayyy! Abro e fecho a boca algumas vezes. O
que diabos estava acontecendo hoje?
— Só respire. — Ele fala, tranquilamente.
Inspiro e expiro umas duas vezes. — Não precisa me
responder agora.
Pego um pouco de decepção em seu tom, mas
esse é o Henry, jamais me faria sentir pressionada. Abro a
boca para responder, quando ele diz:
— E sobre o que aconteceu mais cedo... me
desculpe. Eu não queria que nada daquilo acontecesse.
— Henry, não precisa se explicar.
— Preciso, sim. E dessa vez você vai me deixar
falar.
Anuo com um aceno. Eu estava começando a me
sentir envergonhada por ter ficado tão nervosa e chateada
por causa de algo tão bobo. E eu, realmente, não queria
falar disso. Mas se ele precisava...
— Eu não programei sair com Carol. Eu estava
mesmo ocupado. Passei a semana toda resolvendo um
contrato que estava sendo finalizado. Eu tinha um almoço
de negócio que foi cancelado quando eu já estava no
restaurante com o Pedro. Carol apareceu minutos antes de
você chegar.
Um pouco de culpa aperta meu peito e sinto meu
rosto corar de vergonha. Henry nunca me deu razão para
desconfiar dele. E eu confio nele, só não sei o que me deu.
— Eu sei que exagerei. É que depois da
hostilidade da Carol comigo, eu acabei ficando
irracionalmente ciumenta quando a vi com você hoje.
— Eu não quero nada com a Carol. Se eu
quisesse ter algo sério com ela, teria tido há muito tempo,
quando tivemos a chance. Nunca quis um relacionamento
com ela ou outra pessoa. Até conhecer você.
Henry me puxa para seu colo. Eu deito minha
cabeça em seu peito, e as batidas do seu coração me
acalmam.
— Amo você!
Levanto a cabeça e o encaro, emocionada. É a
primeira vez que ele me dizia essas palavrinhas mágicas.
— Amo você e nunca mais quero passar por esse
susto de novo. — diz, mencionando nossa, nada
agradável, ida ao hospital. — Sentir o pavor de que
poderia perdê-los, — Ele acaricia minha barriga — ou
que pudesse acontecer algo com você assustou o inferno
em mim. Ainda mais quando eu tinha uma parcela de
culpa.
— Não foi culpa sua. — Balanço a cabeça
veementemente. — Não vamos procurar um culpado para
essa situação. Aconteceu, mas tudo acabou bem. Isso é o
que importa.
Deito a cabeça em seu peito outra vez. Ele roça o
queixo de um lado para o outro em minha cabeça. Aprecio
esse carinho. Depois de alguns instantes, ele pergunta:
— E então, quer conhecer nossa possível futura
casa?
∞∞∞
— Fico aliviada por saber que decidiram onde
vão morar! — Minha tia diz, empolgada.
Eu tinha amado a casa. Cada pedacinho dela era
perfeito pra nós.
Senti um frio na barriga ao pensar o quão rápido
minha vida está mudando. Se a gravidez for até o final, em
dois meses teremos dois bebês aqui. Mas pode ser que
eles cheguem antes, já que gestação de gêmeos,
geralmente, antecipa algumas semanas. Só isso já me
deixa ansiosa.
Se somar o fato de que estou de mudança com o
Henry então... aí que meus nervos desabam. Caramba! O
homem até falou em casamento.
Quer dizer, ele não tocou mais no assunto desde
que visitamos a casa, há uma semana. Ele jogou a bola
totalmente para mim.
E eu já quase perdi todas as unhas remoendo esse
assunto. Deveríamos nos casar? Oficializar logo essa
união?
Eu não sabia. Pra variar, meu coração estava
duvidoso. Se eu queria? Bom... aí era outra história.
Contudo, é um assunto muito importante para ser pensando
levianamente. Eu estava grata que ele não tinha mais
tocado nisso.
— A casa não decepciona, tia. Você vai gostar!
Estávamos no meu apartamento, tomando chá na
varanda, aproveitando uma linda tarde de sol. Depois do
susto com o sangramento, eu tinha aceitado a orientação
médica e entrado de licença maternidade mais cedo.
Só resolvia assuntos importantíssimos, e daqui
do escritório do apartamento mesmo.
Henry tinha uma grande parcela nessa decisão. O
homem estava me vigiando como um falcão depois do
susto. Ponderei e decidi me poupar e também livrar o
Henry de um ataque cardíaco. Ele parecia a ponto de ter
um quando me via arrumando para ir trabalhar.
— Desde o piso até o teto é tudo lindo. —
Continuo falando. — Já veio toda mobiliada, os cômodos
são todos espaçosos e bem iluminados, o quintal é enorme
e perfeito para as crianças. Sinceramente, eu adorei
apesar de achá-la grande.
A casa vai precisar de um toque aqui e ali, mas
nada muito trabalhoso. Quanto ao tamanho, Henry tinha
outro pensamento sobre isso.
“Grande? — Ele perguntou, surpreso. — Daqui
uns meses nós seremos quatro. E quem sabe, daqui uns
anos esse número não aumente mais ainda.
Sim, meu estomago vibrou quando ele disse isso.
Era emocionante toda vez que Henry mencionava nossa
família.
“Só se for daqui muitos anos. ” — respondi,
brincando.
“A gente pode ter filhos de uma só vez, sabe? Te
engravido logo depois que esses aqui nascerem se você
quiser. ” — Ele entra na brincadeira, mas consigo notar
certa satisfação em seu olhar.
“Quando esses nascerem e tivermos fraldas
sujas e choros em dobro, vamos ver se continua com esse
pensamento, senhor. ”
Claro que todo o bom humor do Henry se foi
quando eu afirmei que pagaria por metade da casa.
“Cris, por favor, pelo menos uma vez aceite o
que eu digo sem contestar e me deixe pagar pela casa. É
meu papel fazer isso. Entenda, fui criado assim, um
homem das “antigas”, como meu pai dizia. “ — Ele
argumenta de cara feia.
“Pode ser um homem das antigas, mas vive no
século vinte e um, onde nós mulheres também pagamos a
conta, Henry. É pegar ou largar.” — retruco. Eu não ia
largar esse osso.
Afinal, nós dois temos condições de pagar, e eu
quero participar financeiramente desse passo em nossa
vida. Custava entender?
Ele pensa um pouco, ainda com a expressão
infeliz, e diz:
“Já que não me deixa opções. Tudo bem! — Já
ia formando um sorriso vitorioso em meu rosto quando ele
conclui: — Se… eu pagar 80% e você o restante. “
“Nem pensar. Cinquenta por cento pra cada um.
“
“É pegar ou largar. — Ele devolve minhas
palavras com a cara de quem não está blefando. — Eu
também sei negociar, Cristine. ”
“Tudo bem. Porém, vou arcar com os vinte por
cento mais o mobiliário e decoração que eu quiser
mudar na casa. ”
Henry revira os olhos e, a contragosto, aceita o
acordo. Bom, ele que se acostumasse com a ideia.
— Agora podemos começar a organizar o quarto
dos bebês. — Minha tia me traz de volta ao presente.
— Sim! Estou tão animada!
E eu estava mesmo. Eu não tive mais
sangramento. A pressão estava controlada. Já tinha até
uma casa para morar. Tudo nos eixos novamente. Estava
ansiosa para começar mais essa jornada em minha vida. E
o melhor: com o homem que amo ao meu lado.
CAPÍTULO 16
HENRY
— Não exagere, faça as coisas com cuidado. E
chame a ajuda da Estela e da minha mãe. Elas vão adorar
ajudar.
— Eu vou. Já tinha pensado nisso também. Assim
que os documentos da casa ficarem prontos, nós vamos
colocar a mão na massa.
Eu estava sendo irritantemente protetor com ela,
eu sei. Mas não conseguia evitar. Não depois do susto que
passamos. Se eu pudesse, a deixaria deitada até o dia do
nascimento.
— Acha que conseguiremos nos mudar em quatro
semanas? — Ela pergunta, enquanto ajeita o cabelo.
— Não sei. É possível. — Dou de ombros. Meu
olhar indeciso se aproveitava a visão de suas pernas de
fora ou do decote estupendo. — Só não...
— Exagere. — Ela completa meu pedido.
Olho em seu rosto e a vejo me encarar, divertida.
Um pouco constrangido, sorrio de volta.
— Desculpe. Só fico preocupado.
Ela guarda a escova de cabelo na gaveta e vem
em minha direção.
— Eu sei. Por ser tão cuidadoso comigo, tento
ser paciente com sua preocupação exagerada.
Cristine para no meio das minhas pernas. Enlaço
sua cintura, pelo menos o tanto que consigo já que a
barriga dificulta bastante, e apoio meu rosto em seus
seios. Melhor lugar do mundo.
— Aproveitador. — Ela acusa, rindo, e sinto
seus braços em volta do meu pescoço. — Vai trabalhar
hoje?
— Sim — lamento, frustrado.
A empresa era o amor da minha vida. Ainda é,
mas não tem a mesma prioridade que antes. Agora eu tinha
Cristine e queria passar o maior tempo possível ao seu
lado. Careta, não?
— Precisa mesmo ir à loja?
— Não é tão necessário. Mas eu quero sair um
pouco de casa. Só vou assinar alguns documentos e depois
vou ver a Bia.
— Tudo bem. Eu te deixarei lá.
CRISTINE
Depois de tranquilizar algumas pessoas que estou
bem, consigo ir para minha sala. Em poucos minutos, já
cuidei de tudo o que é importante. O resto a equipe
conseguiria lidar.
— Tempo para uma visitinha? — pergunto,
entrando na sala da Bia.
Ela se surpreende comigo, mas logo está na
minha frente com um abraço de urso.
— Oi, amore. Senti sua falta. — Assim que me
libera, me olha com cara feia. — Mas não deveria estar
descansado?
— Sim. Só quis organizar algumas coisas
pessoalmente.
Nos sentamos no sofá de sua sala.
— Finalmente saiu de licença, Cris. Não via
motivo pra você continuar vindo se temos gente
qualificada pra cuidar de tudo enquanto estiver fora. Sei
que a loja é nosso sonho e você sempre batalhou por ela,
mas agora é hora de batalhar por esses pequeninos aqui,
não é? – diz, alisando minha barriga. - Mexe pra tita,
amores.
Eu sorrio pra ela. Beatriz sempre tenta fazer com
que os bebês se mexam pra ela, mas é raro isso acontecer.
E pra piorar, desde que o Henry descobriu isso, sempre
arranja um jeito de implicar quando ela está por perto, já
que os bebês fazem festa com ele.
O telefone de sua sala começa a tocar,
interrompendo sua falação com minha barriga. Ela vai
atender e eu vejo correspondências em cima de sua mesa.
Como de costume, começo a abrir algumas.
Enquanto ela conversa com alguém de alguma
gráfica, abro alguns convites, propostas de fornecedores,
lançamentos de marcas... no meio disso, encontro uma
caixa de tamanho médio e resolvo abri-la. Estranho não
tem remetente.
— Quem mandou isso, Bia?
Mostro a caixa e ela dá de ombros ainda com o
telefone na orelha. Ela afasta o telefone da boca e
responde:
— Deve ser alguma gráfica mandando brinde.
Pego uma tesourinha e abro a embalagem.
Nunca esperava encontrar um vaso de flores e
uma calcinha. O que é isso?
Fico olhando embasbacada para a caixa tentando
entender o que meus olhos estão vendo, quando Beatriz
pergunta:
— O que foi Cris?
— A gráfica costuma enviar calcinhas de brinde
pra você? — indago, e levanto a peça minúscula com um
dedo pra que ela veja.
Depois de um segundo, algo passa pelo rosto da
Beatriz a deixando pálida. Ela desliga a ligação sem aviso
nenhum e vem quase correndo em minha direção, tomando
a calcinha das minhas mãos. Pega a caixa, vê o vaso de
flores, e descola um bilhete que estava grudado do lado
de dentro que eu acabei não vendo. Lê e fecha os olhos
por uns segundos.
— Quem te mandou isso, Bia?
— Ninguém!
— Não acredito, Beatriz! Pela sua cara sei que
está me escondendo algo. Vai começar a fazer isso agora?
Esconder as coisas de mim?
Beatriz me olha com remorso, mas vejo que ela
luta internamente sobre o que falar.
Por fim, responde:
— Desculpa. Não vou esconder. Juro que vou te
contar. Mas agora não. Por favor? — Ela suplica.
Vendo a indecisão e insegurança brilhando em
seu olhar, decido pegar leve com minha amiga.
Obviamente ela está passando por algo, e vou deixá-la se
sentir confortável para me contar quando estiver pronta.
— Tudo bem. Lhe concederei essa piedade. Mas
sou uma mulher grávida cheia de hormônios e você
acabou de ativar alguns cheios de curiosidade. Saiba que
é pura maldade atiçar uma gravida assim! — Brinco,
fazendo bico, tentando amenizar seu constrangimento.
— Hum, sou a maior torturadora, não é? — Ela
me dá um beijo no rosto. — Obrigada pela compreensão,
Cris. Eu realmente irei te contar quando eu conseguir
entender o que está acontecendo.
— Ok, Bia. Eu espero. Mas você está bem?
— Sim. Só preciso sair para uma bebedeira.
Tudo se resolverá!
Mudamos o assunto pra ela ficar mais relaxada,
pois percebi que ficou inquieta, mas não de um jeito ruim.
Claro que a curiosidade foi a nível extremo e eu irei
descobrir o que está tirando a paz da minha amiga. Mas
darei um tempinho pra ela.
BEATRIZ
Eu sabia! Deveria ter prestado atenção ao que
meu instinto dizia. Ou melhor, gritava! Ceder as
investidas daquele sem-vergonha iria ser um erro. E foi
mesmo, um enorme e delicioso erro, que agora não
consigo parar de reviver em pensamento. Por mais que eu
tente bloquear essas
lembranças, volta e meia elas voltam pra me assombrar. E
olha que só foi um amasso.
Por isso tratei de garantir, pra ele e pra mim
mesma, que isso não voltaria acontecer. Imagina se as
coisas vão mais longe? Eu me perderia e nunca mais me
recuperaria.
Não sou boba, sei que se apaixonar por Pedro
seria muito fácil. O homem é lindo, bem de situação,
educado - ás vezes - e foi todo atencioso me levando para
o hospital naquele dia!
Eu já me apaixonei outras vezes e, como dá pra
notar pelo meu estado civil atual, eu descobri que não é
toda vez que o amor termina em felizes para sempre.
Eu já me feri o suficiente para não querer me
apaixonar novamente. Não por agora. Talvez daqui uns
anos, quando a maturidade me deixar mais esperta, eu
arrisque a busca pelo amor. Mas agora, tento separar amor
da minha vida.
Sexo sem compromisso é uma das melhores
invenções do mundo moderno! Tenho o prazer que meu
corpo busca e saio sem nenhuma desvantagem ligada a
insensatez de emoções. Sou feliz assim e, enquanto isso
suprir minhas necessidades, é assim que viverei.
Por essa razão, preciso me manter afastada
daquele homem que veio dos infernos pra testar minha
decisão de vida. Só pode! Pedro me excita, me
enlouquece e me enfurece de uma maneira que nenhum
outro consegue. Seu toque, seu cheiro e sua arrogância é
uma combinação perigosa para meus sentidos.
E depois da sua visita inesperada, eu soube que
corria perigo. Um perigo de vida. Pois ainda não estou
preparada para me apaixonar e ter o coração quebrado.
Como sei que ele quebraria meu coração?
Primeiro, é puro instinto. Se nós mulheres déssemos
ouvidos ao nosso instinto natural, de que algum cafajeste
está tentando se aproximar, evitaríamos muita desilusão.
Esse sensor é um sistema de segurança natural
que vem com a gente quando nascemos. E acredite, o meu
funciona muito bem!
Segundo, e não menos importante, a reputação.
Principalmente no nosso meio, a reputação de uma pessoa
é essencial e não tem como esconder. A do Pedro é de um
conquistador. Praticamente ele tem o mesmo lema que eu,
pois não fica muito tempo com uma só pessoa.
Viu o conflito de interesses? A minha consciência
grita que isso não vai dar certo. Pra que eu seja esperta e
caia fora antes que uma tragédia aconteça, ou seja, antes
que eu me apaixone perdidamente por aquele idiota, sem-
vergonha, arrogante e metido a conquistador do Pedro!
E é isso que vou fazer, manter a distância daquele
homem, mesmo que meu corpo implore o contrário.
Me manter afastada seria fácil se o idiota também
se afastasse. Quase tive um troço quando a Cristine abriu
a caixa com a calcinha e o vaso de flores. Ainda bem que
ela não viu o bilhete.
∞
“Ouvi quando reclamou que precisaria de uma
calcinha nova. Comprei essa já pensando em arruiná-la
também. A próxima vez que eu te ver, esteja com ela. ”
∞
Até parece que vou ficar carregando essa
calcinha pra cima e pra baixo, esperando me encontrar
com ele pra satisfazer a sua vontade. Babaca!
Por que ele se deu o trabalho de me enviar essas
coisas? Se ele não repete figurinha, por que simplesmente
não sumiu da minha vida ou fez como qualquer homem
normal, que quando consegue o que quer, dá no pé!?
Mas eu sei! Faz isso pra me enlouquecer, como
sempre!
Por mais que me sentisse culpada por não
compartilhar, despistei a Cristine sem dizer nada. Eu
preciso me situar primeiro. Nem sei como contar isso.
É tentando esquecer o idiota que acabei nessa
festa hoje.
Fiquei sabendo de uma boate reinaugurando e me
animei em conhecer. Iria me encontrar com algumas
amigas e fui sozinha, pois pretendia sair acompanhada!
Me preparei digna pra pegação. Eu sei me portar
de acordo com cada ocasião. Quando é festa com a alta
sociedade, eu me visto de acordo com o figurino. E
quando é pra cair na farra e arrumar um bofe, eu também
sei bem como me vestir.
Deixo meus cabelos loiros soltos, com um leve
ar selvagem que os homens gostam e conciliam a sexo; um
vestido curto e justo, porém na medida para não ser
vulgar!
Sei valorizar o meu material muito bem,
obrigada!
Sei ser uma moça comportada quando preciso,
mas sei melhor ainda, ser uma mulher provocante quando
necessário!
Maquiagem forte e a base d’água porque
pretendo dançar bastante e não quero correr risco de
borrar e ficar parecendo um panda.
A boate é ótima. Tudo clean, espaçoso e
moderno. Está lotando rapidinho e olha que ainda é cedo.
Entro e dou uma olhada nas pessoas, cumprimento alguns
conhecidos, mas não me fixo a ninguém.
Tanto homem bonito aqui, poderei escolher sem
pressa o sortudo da noite.
Ainda quero me divertir um pouco antes de
escolher com quem passarei a noite! Como não encontro
nenhuma das meninas, vou para o bar e, pra esquentar a
noite, peço duas doses de tequila. Queima, mas atinge o
objetivo. Já estou com calor e vontade de me soltar.
Quando estou indo pra pista de dança avisto o
Pedro entrando na boate. Puta que pariu! É muito azar
encontrar essa praga aqui.
Observo de longe e o vejo indo direto para a
área Vip. Como é uma área dividida por paredes de vidro,
consigo acompanhar seus movimentos. Ele cumprimenta
um monte de gente, a maioria mulheres, e se senta
juntamente com outros dois homens.
Parece que homens bonitos estão andando em
bando agora. Pois eles também são lindos.
Não demora muito e uma oferecida se joga no
colo do Pedro, e ele fica todo feliz!
Por mais que eu sei que a cena na minha frente é
normal e que ele é solteiro podendo ficar com quem
quiser, eu sinto uma raiva imensa por estar presenciando
isso. E com raiva de mim, por me deixar ter essa reação.
Mas essa situação só confirma minha decisão. Eu
não vou cair nos encantos dele novamente.
Custe o que custar.
Volto ao plano inicial e vou pra pista de dança.
A música que começa quando encontro um lugar
bacana é uma excelente pra dançar, Calvin Harris
(feat Florence Welch) - SweetNothing. Me solto durante
os próximos minutos e deixo meu corpo liberar toda a
tensão. Eu tinha um idiota pra esquecer.
PEDRO
Chego a boate animado com as possibilidades.
Eu estava estressado e precisando relaxar. Problemas no
trabalho e com aquela loira maluca que me atormenta e se
afasta. Enfim, um homem precisa de um pouco de paz. E
se a Beatriz não quer, tem que queira.
Fico impressionado com o trabalho do meu
amigo, Raul é o dono da boate e fez um ótimo trabalho
reestruturando esse lugar.
— Carter! Que bom que veio! — Raul me
cumprimenta, assim que o encontro na área VIP. — Esse é
o Matt, meu irmão!
Cumprimento o irmão dele e nos sentamos um
pouco. Logo sou surpreendido por uma mulher que eu
tenho certeza que peguei, mas não recordo o nome.
— Pedro. Quanto tempo, querido! — diz e se
joga em meu colo.
Percebo que ela já bebeu algumas, por isso, a
ousadia. Sorrio pra ela e digo:
— Tem mesmo, gata. — Prefiro não arriscar um
nome errado e ganhar um tapa. — Continua linda.
Tão repentinamente como chegou, ela se vai. Dou
de ombros e sorrio para os caras ao meu lado. Raul é
chamado para resolver algo, e eu deixo seu irmão
acompanhado de uma bela ruiva.
Decido ir para o bar, perto da pista de dança, e
peço um uísque.
Deixo meus olhos varrerem o local. Tantas
opções... penso, animado.
Até que me deparo com uma criatura dançando
em meio à multidão.
— Tá de sacanagem! — Sorrio, e continuo
observando a loira dançar.
Fico hipnotizado pelos seus movimentos, meus
olhos acompanham seu quadril balançando e suas mãos
subindo pela lateral do seu corpo.
Como sempre, sinto uma vontade louca de
provocá-la.
Bebo o uísque de uma só vez e vou em sua
direção. A noite está ficando interessante.
Querendo ver sua reação, a enlaço pela cintura e
inclino meu rosto em direção ao seu pescoço. Ela fica
rígida e se separa de mim, virando para me encarar.
Quando me reconhece, relaxa imediatamente. Ah
se eu não me satisfaço ao perceber seu conforto comigo.
Beatriz fica alguns segundos tentando decidir
como lidar comigo. Posso ver a indecisão, raiva e desejo
duelando em seu olhar. Só não sei o motivo de ser tão
arisca comigo, rejeitando meus avanços. Poderíamos nos
divertir muito se ela permitisse.
Cansado de esperar por alguma reação sua, a
seguro pela cintura a trazendo novamente pra mim e
sussurro em seu ouvido:
— Estou curioso. Está usando a calcinha que te
dei?
— É uma pena! Não gostei da calcinha! Foi para
o lixo — diz, sarcasticamente, mas claramente nervosa.
— Não me importo. Arruíno qualquer uma que
estiver usando agora.
— Sabe o que é, Pedro? Até quero que minha
calcinha seja arruinada hoje. — Ela se levanta na ponta
dos pés pra dizer no meu ouvido: — Mas não será por
você!
Ai! Eu não esperava por isso.
Talvez pela surpresa, ela acabou conseguindo se
afastar e sumir na multidão. Que inferno! Essa mulher é
completamente louca.
Eu deveria ficar satisfeito com a atitude dela.
Deveria me afastar agora que ela está me dando a chance.
Mas eu não consigo me controlar quando ela está perto.
Vou para o bar atrás de mais uísque. Ah, mas ela
vai me pagar por isso. Ela que me aguarde. Ela acabou
de transformar isso em um desafio. E começou uma guerra
que não pode vencer!
∞
“Preciso estar livre com você esta noite
Preciso do seu amor
Agora estou sonhando, será que vou encontrar você
agora?
Ando em círculos, mas nunca descobrirei
O que significo para você, eu tenho meu lugar?
Tento lutar contra isto, mas sei que não sou tão forte”
I NEED YOUR LOVE – CALVIN HARRIS FT. ELLIE
GOULDING
∞
CAPÍTULO 17
HENRY
Movimento o pescoço de um lado para o outro,
ouvindo ele estralar em alguns pontos. Deus! Eu estava
cansado.
Conseguimos nos mudar pra casa nova. As
mulheres fizeram um ótimo trabalho e em três semanas
estava tudo pronto pra mudança.
Pra ajudar, as minhas coisas do antigo
apartamento eu arrumei sozinho. Eu estava moído por
isso.
Mas ver a felicidade no rosto de Cristine era a
melhor parte. Era incrível como o simples fato de vê-la
feliz me fazia feliz também. Minha felicidade tinha se
tornado consequência da felicidade dela.
Com isso a aproximação da chegada dos bebês
meu medo de não saber o que fazer se intensificou
também. Cristine acabou de entrar no oitavo mês. E por
ser gêmeos, podem nascer antes do previsto.
Ela nos matriculou em um curso para pais
novatos. Isso mesmo, Henry Banks, estará tendo aula pra
aprender a trocar uma fralda suja!
Me lembrando de uma tarefa que me foi dada,
interfono para minha secretaria.
— Sim, senhor Banks?
— Me passe pra sala do Pedro, por favor!
— Só um instante, senhor!
Pedro atende no segundo toque.
— Carter falando.
— Trabalhando muito, camarada?
— Fazer o quê? Meu chefe é um carrasco.
— Vida de subordinado é assim mesmo!
— Cretino! Mas a que devo a honra dessa
ligação, patrão?
— Tenho um pedido pra fazer.
— Manda aí! O que posso fazer por você?
— Quero que vá ao chá de bebê da Cristine. E
leve alguém mais com você, pois não consigo imaginar
mais ninguém pra convidar pra isso.
Bia está organizando um chá de bebê para a
Cristine. Mas que porra ela acha que eu vou fazer num chá
de bebê? Eu não sei, mas quando perguntei ela me olhou
de um jeito meio que assassino. Então, aqui estou eu,
perdendo as bolas na frente de um amigo.
— Ainda está na linha, Pedro?
— Espera, só um minuto. Estou procurando um
gravador pra você repetir a asneira que acabou de me
pedir.
Reviro os olhos. Ele nunca mais vai me deixar
esquecer isso. Mas é isso ou enfrentar a Bia. Adivinha
qual escolhi?
— Pare com a palhaçada. Vai me ajudar ou não?
— pergunto, sem paciência. De repente, me vem uma
ideia: — Beatriz que pediu. E acredito que ela é capaz de
me matar se eu não cumprir.
Dessa vez, eu tenho certeza que o silêncio do
outro lado da linha é porque eu toquei no nome da Bia.
Ele acha que eu sou cego pra não perceber que aquela
mulher o abala desde a festa na casa da minha mãe.
— Pedro?
— Você vai me dever um gigantesco favor por
isso.
Fico feliz por ele não conseguir ver o enorme
sorriso em meu rosto. Vou continuar me fingindo de cego
pra esses dois. Mesmo achando que esses dois tem que
manter distância um do outro, pelo bem dessa cidade. São
capazes de tocar fogo nela!
— Obrigado, Carter. Fico te devendo mesmo!
— Tá! Depois me manda os dados do dia e do
local.
— Valeu, cara.
Desligo ainda rindo da reação dele. Pedro está
perdido, não sei o que anda acontecendo entre eles, mas
se acha que é páreo para Beatriz... Coitado do meu amigo!
Tenho até dó!
CRISTINE
Acordo no sábado bem cedo. Essa noite não
dormi bem. A barriga tem começando, realmente, a pesar,
e além do desconforto em achar uma posição pra dormir,
ainda tenho sentido dores nas costas.
Pra variar, os bebês acham que quatro da manhã
é uma boa hora para chutar a mamãe. É uma sessão de
chutes e cotoveladas.
E sabe o que é mais incrível? Que só precisam
ouvir o Henry pra se acalmarem. Então, além deles me
acordarem, o pai também entra na festa, pois, assim que
eles começam a me incomodar com tantos movimentos, eu
acordo o Henry para que ele mande os filhos ficarem
quietos!
Meu humor está terrível. A pior coisa pra mim é
não dormir direito durante a noite, e quando os bebês me
mantém acordada, começo o dia indisposta.
Não vejo a hora dos meus pequenos nascerem. O
quartinho deles ficou lindo demais. Graças a ajuda da
minha tia, da minha sogra e da minha amiga, tudo ficou
pronto em tempo recorde.
Sinto falta da loja, mas recebo relatórios diários
e estão todos se saindo muito bem.
A loja está funcionando perfeitamente e não
aconteceu nenhuma tragédia como minha fértil mente
imaginou que aconteceria sem mim lá. Beatriz tem me
mantido atualizada de tudo o que acontece, exceto quando
o assunto é ela.
A garota tem fugido de mim. Ela sabe que vou
querer saber o que está acontecendo pra deixá-la tão
perturbada. Fiquei sabendo por outras funcionárias que a
Beatriz anda insuportável em alguns momentos. O que me
deixou muito preocupada, pois minha amiga é tão zen com
todo mundo. Não imagino ela sendo tão chata a ponto dos
outros reclamarem. Eu tinha que arranjar um jeito de fazê-
la falar.
∞∞∞
O curso para pais iniciantes está sendo realizado
em um salão de hotel. Assim que chegamos, percebo
Henry ansioso.
Entendo perfeitamente essa sua aflição, afinal
esse não é um local onde Henry se encaixaria. Mas a
quem estou tentando enganar? Também me sinto como um
peixe fora d’água.
Deve ter, aproximado, uns dezoito casais, todos
sentados no espaço onde algumas cadeiras foram
enfileiradas igual a uma sala de aula.
No canto de uma parede, há uma enorme mesa de
madeira com alguns colchonetes, banheiras para dar
banho em bebê, muitas fraldas descartáveis e mamadeiras.
É ... parece que vamos ter um intensivão aqui!
Por mais que senti o Henry deslocado, foi só
começar a aula e ele se transformou num aluno dedicado.
A mesma atenção que ele tinha nas consultas com a
médica, ele tinha aqui agora.
A orientadora é uma mulher de aproximadamente
quarenta e cincos anos, enfermeira, e mãe de três meninos.
Ela é muito carismática e paciente, o tempo todo nos
passando confiança em suas ações. Aos poucos, vou
ficando à vontade.
Ela contou algumas experiências de parto de
primeira viagem. Deixou que cada um ali falasse sobre
suas inseguranças e dúvidas. E também disse os pós e os
contras de cada tipo de parto. Era parto normal, cesárea,
natural em casa, natural na banheira... eram tantas opções.
Eu já tinha decidido e, se meu corpo fosse capaz,
minha primeira opção seria o parto normal. Em último
caso, cesariana. Eu estava confortável com qualquer uma
delas, mesmo preferindo o parto normal, só queria que
meus bebês chegassem com segurança.
Durante a palestra, a orientadora ensinou muitas
coisas.
Eu percebi que não sei nada, mesmo tendo lido
alguns livros para mamães de primeira viagem. Foram
tantas informações úteis. Mas o melhor foi praticar com
bonecas. Treinamos o banho, a troca de fraldas, curativo
umbilical, técnicas de amamentação, colocar o bebê pra
arrotar e massagem para acalmar o bebê.
E admito que mesmo sendo um bebê falso, eu
fiquei encantada com o Henry o segurando com cuidado e
tentando trocar a fralda. Meu coração derreteu e se
apaixonou por ele mais um pouquinho.
Nesse momento, estávamos sentados em um
colchonete, treinando respirações e algumas posições
para o parto normal. Henry estava sentado atrás de mim,
minhas costas apoiada em seu peito, e ele segurando
minhas mãos. Técnica utilizada para passar tranquilidade,
segundo a orientadora.
— Estou te passando tranquilidade? — sussurra
em meu ouvido.
— Te garanto que não é tranquilidade que estou
sentindo agora — respondo, divertida.
Qual é?! Eu estava praticamente sentada em seu
colo.
— Cristine! — Ele repreende, baixinho.
Eu ri e continuei me deliciando com as técnicas
de “tranquilidade”.
E não é que saí da aula mais confiante? Deixei
agendado mais uma aula para o próximo final de semana.
Informação nunca é demais, certo?
— Onde vamos almoçar, meu bem? — Henry
pergunta assim que entramos no carro.
— Não sei, amor. Eu estava querendo ir visitar
sua mãe hoje. Será que ela está ocupada?
— Duvido muito. E mesmo que esteja, para você
ela sempre está disponível! — Ele diz, revirando os
olhos.
Rachel realmente tem sido tão carinhosa e
atenciosa comigo. Me sinto muito bem com ela e tenho
certeza que ela será uma excelente avó para meus
pimpolhos.
BEATRIZ
Dou uma olhada no relógio em meu pulso e
calculo o que tenho que fazer hoje. Não são nem dez da
manhã. Estou com tempo.
Posso almoçar com meus pais, e até dar uma
volta no shopping hoje à tarde. Só preciso estar na casa da
Cris por volta das quatro pra receber a decoradora do chá
de bebê.
Essa hora ela deve estar no tal curso para pais.
Henry ficou de distraí-la durante o dia e só irá levá-la pra
casa à noite. O chá será uma surpresa.
Reviro minha bolsa enquanto vou em direção ao
meu carro. Não sei como um celular consegue
desaparecer aqui dentro.
Paro, repentinamente, quando noto alguém
encostado num carro ao lado do meu.
Eu só posso estar delirando. Meu coração
bandido começa a bater rápido, empolgado a visão de
Pedro.
Sem querer demonstrar alguma reação ao vê-lo,
faço uma careta e caminho até parar em frente a porta do
meu carro.
— Virou um perseguidor, Carter?
Aquele sorriso idiota e tentador surge em seus
lábios.
— É, pode se dizer que sim. — Ele estrala a
língua e balança a cabeça. — Olha só no que você está me
transformando, loirinha.
— Me tira fora dessa. O mérito da esquisitice é
todo seu.
— Te tirar dessa? Amor... você está metida na
minha esquisitice até o topo. Afinal, você é a razão dela.
Tento segurar um sorriso. Carter é divertido. E
quando ele age assim eu quase me rendo aos seus
encantos.
— O que você quer, Carter?
— Você. — Vacilo quando ele responde sem
hesitar.
Esse excesso de confiança dele era tão atraente.
Meus pensamentos se confundem por alguns instantes.
— Bom, já diziam que querer não é poder, não é
mesmo? — Brinco, tentando esconder o quanto ele tá
mexendo comigo.
— Me dê um bom motivo, Bia. — Pede,
seriamente.
— Como assim?
— Eu te quero. Você me quer também. É uma
equação simples, mas você a complica. Quero saber o
motivo. E se me der um bom, prometo te deixar em paz.
Minha boca fica seca. Maldição. Eu tenho um
bom motivo, não tenho? Então por que não consigo dizer
nada agora?
Diante do meu silêncio, ele diz:
— Eu só quero entender se você tem motivos
reais pra fugir.
Meu coração tá quase saindo pela boca. Na
minha cabeça, eu poderia listar alguns motivos para
acabar com isso de uma vez. Mas minha boca não
consegue dizer as palavras. O que estava acontecendo
comigo?
Como um soco no estomago, a ficha caiu. Eu não
queria que isso acabasse. Eu gostava dessa perseguição
boba. Dos joguinhos e palavras provocantes. Eu gostava
de brincar com fogo.
Porque o Pedro era fogo, e estava pronto pra me
queimar.
— Nada? — pergunta, triunfante.
Ele abre a porta do passageiro de seu carro e
estende uma mão.
— Vamos dar uma volta.
Minha indecisão é temporária. Já que estou
disposta a me queimar, que seja logo. Estava cansada de
ficar fugindo do Pedro. Era desgastante.
Com a mão tremendo, seguro na sua e deixo ele
me conduzir para dentro do veículo. Seja o que Deus
quiser!
Pedro entra em silêncio e coloca o carro pra
andar.
— Pra onde vamos? — pergunto, minutos depois.
Antecipação correndo solta em minhas veias.
— Estamos saindo da cidade.
Minha boca fica escancarada por alguns
segundos, enquanto minha mente processa o que
eu acho que ouvi.
— Carter, um de nós dois está ficando louco! Ou
sou eu, por ter entendido errado o que você falou, ou
você, se acha que vou sair da cidade. — Minha voz vai
subindo conforme vou dizendo.
Pedro fica calado por um momento, somente me
lança alguns olhares, acredito que está avaliando minha
reação.
Acabo perdendo a paciência com o silêncio do
idiota:
— Pare esse carro, seu imbecil. Eu tenho um
compromisso hoje.
Vejo a mão dele ir em direção a trava das portas
do carro e, logo em seguida, ouço todas sendo travadas
automaticamente. O idiota acha que eu vou me jogar do
carro em movimento?
— Eu sei, sua maluca. Também fui convidado
para essa coisa de bebê da Cristine. — Ele diz, com
desgosto. — Estaremos de volta a tempo.
Coisa de bebê? Quase dou uma risada notando
seu desconforto com o chá de bebê. Se ele soubesse as
brincadeiras que os homens terão que participar...
— Eu tenho que chegar mais cedo. Preciso
organizar as coisas.
— Chegaremos com tempo — diz,
pacientemente.
Bom. Agora que sei que ele não está me
sequestrando por dias, fico mais tranquila. Ok. Fiquei
empolgada com a atitude travessa dele.
Encosto minha testa na janela e fecho os olhos.
Não acredito que estava me rendendo ao Pedro. Euforia e
medo borbulham dentro de mim.
Aproveito sua concentração na estrada e avalio
seu perfil! Esse homem é muito bonito. Ele tem uma
beleza tão jovial. Se eu não soubesse que ele tem vinte e
oito anos - sim, eu pesquisei! -, poderia pensar que ele
passava de vinte e dois anos.
Seu cabelo rebelde, sua barba rala, seu sorriso
convidativo, seu corpo esbelto, mas atlético. Tudo nele é
adorável e desejável.
Mordo os lábios e balanço a cabeça. Não
acredito que depois de tanto garantir que iria ficar longe
dele, olha onde estou. Estou parecendo cachorro que
ladra, mas não morde!
Depois de mais alguns minutos o admirando, e
mais conformada com meu "rapto", decido quebrar o
silêncio:
— Vamos pra muito longe?
— Não muito! — Pedro me olha e sorri, feliz
com minha mudança. — Tenho uma casa de campo nos
arredores da cidade. Estamos quase chegando.
— Você é rico?
Ele me olha de esguelha e responde com um
sorriso.
— Depende do seu ponto de vista.
Suspiro e volto a me concentrar na paisagem do
lado de fora. Como a mulher adulta que sou, decido
trancar todos meus receios num lugar muito escuro e
longe, e aproveitar a noite.
Estou com um cara quente, que quer passar a
noite comigo. Simples.
— Chegamos.
Saio dos meus pensamentos com a voz do Pedro.
Volto minha atenção para o lugar e vejo uma casa
toda trabalhada na madeira. Pedro destrava as portas e
desce. Antes que ele venha ser gentil, e foda ainda mais
com meus pensamentos, eu desço do carro.
— Custava esperar dois segundos? — reclama,
fazendo uma careta por eu ter descido antes dele chegar.
— Depois de me raptar quer dar uma de
cavalheiro? Contraditório, Carter.
Pedro revira os olhos e me puxa pela mão,
deixando nossos corpos perigosamente perto.
— Você vai me dar trabalho, não vai?
Sentindo seu cheiro maravilhoso, mordo o lábio
inferior.
— Pode apostar sua bunda bonita nisso.
CRISTINE
— O dia foi longo — falo, enquanto me arrasto
pra entrar em nossa casa.
Henry me olha culpado e dá um aperto leve em
minha mão.
— Desculpa, meu bem. Acho que exageramos no
passeio.
Almoçamos na casa da minha sogra e tivemos
uma agradável tarde. Mas acho que foi um mau julgamento
decidir andar pelo enorme jardim da casa da Rachel.
Henry para na porta da frente e me olha
cauteloso.
— O que?
— É pra ser uma surpresa, mas estou começando
a achar que você está cansada demais pra isso.
— Surpresa?
— Se for demais pra você, me avisa. Darei um
jeito de espantar todo mundo. — Ele diz, ignorando minha
pergunta.
— Tudo bem — respondo, incerta.
Ao entrarmos, olho abismada para a cena a minha
frente.
O hall de entrada tinha um grande arco de balões
rosa e azul. E pude ouvir uma música bem baixinha
tocando na sala.
Alguns móveis foram retirados dando bastante
espaço. As paredes e o teto da sala estavam repletos de
balões. Tinha uma mesa retangular enorme, encostada em
uma parede, e ela estava dividida por duas cores; rosa e
azul.
Sobre ela havia um bolo de fraldas descartáveis,
lembrancinhas feitas de sapato de bebê, e vários
docinhos.
Na parede, acima da mesa, tinha uma faixa
escrita "Chá dos bebês A e B". Sorrio, emocionada. Como
não tínhamos decidido nenhum nome até agora,
brincávamos chamando os bebês de bebê A e bebê B.
A minha sala estava irreconhecível com as
mudanças.
Estava linda!
Minha tia, Rachel e a Bia sorriam, felizes, para
mim. Elas tinham convidados algumas amigas,
funcionárias da loja, e conhecidas da Estela.
Senti duas mãos enlaçar minha cintura.
— O que achou, meu bem?
— Adorei. A ideia foi de quem?
— Da Beatriz, e ela teve ajuda da minha mãe e
sua tia.
Só podia ser! Me desvencilho dos braços do
Henry, e vou em direção a minha tia e a Rachel, que estão
perto da mesinha do centro.
— Oh, tia! Que lindo. Obrigada — digo, e
abraço bem forte.
— Não precisa agradecer, minha filha. Fizemos
com o maior amor pra vocês!
Ela me dá um beijo na bochecha e sinto meus
olhos arderem. Hoje realmente minhas emoções estarão
flutuando a todo instante! Me viro para abraçar a Rachel
também.
— Obrigada, Rachel! Fiquei muito feliz com a
surpresa!
— Minha querida, eu que fico feliz por poder
fazer parte desse momento da vida dos meus netos.
Meu coração aquece com tanto amor a minha
volta e na vida dos meus filhos! Vou até a Beatriz que está
cutucando o bolo de fraldas.
— Obrigada, Bia. Por fazer isso para meus
bebês! — falo, com a voz embargada.
— Ah, não Cris! Pare já com isso! Não vai
começar o chororô agora, não é? — diz e nos separa, ela
está brincando, mas vejo seus olhos brilhando de emoção
também. — Esses seus hormônios você guarda só para o
Henry. Nós ficamos só com a parte boa!! Que é mimar
vocês três.
— Ouvi isso, Beatriz! — Henry resmunga ao meu
lado.
Nem notei que ele estava por perto.
— Eu sei, Henry. Essa era a intenção! E você,
senhorita Morgan, vai se trocar! Temos uma programação
organizada pra essa noite. — Ela diz e me puxa em
direção aos quartos.
— Bia, ainda não cumprimentei o restante do
pessoal.
— Vai ter tempo pra isso. Agora, retire sua blusa
e coloque o top azul que deixei no banheiro pra você!
Entro no banheiro e encontro o top que ela
mencionou. O visto e fico um pouco envergonhada. Ele
cobre somente meus seios, deixando o barrigão de 8
meses de fora. Continuo usando minha calça preta, mas
retiro as sandálias que já estavam me machucando.
Saio do banheiro e encontro Bia sentada numa
poltrona me esperando.
— Ai, Cris! Sua barriga está linda.
Beatriz se levanta carregando uma fita que eu não
tinha percebido. Ela a amarra em minha barriga como se
fosse um laço de presente. A fita é metade azul e metade
rosa, como toda a decoração.
Sorrio quando ela termina. A fita fez bem seu
papel, pois realmente são meus dois presentes mais
valiosos.
Antes de voltarmos para a sala, calço uma
sapatilha confortável e solto meu cabelo. Fico tão
empolgada com a surpresa que até me esqueço do cansaço
que sentia.
Assim que saímos pro corredor, encontro Henry
vindo em nossa direção. Ele olha, carinhosamente, para
minha barriga com o laço. Depois, outra coisa chama sua
atenção.
— Vai ficar só com isso? — pergunta, franzindo
o cenho.
— Vou, amor. Por quê? Não está bom? —
pergunto, achando graça, mas já imagino qual é o
problema.
— Qual o problema, Henry? — Bia pergunta.
— Tem homens lá na sala! — exclama.
Beatriz revira os olhos, enquanto eu sorrio da
cena.
— Henry, não se preocupe. Eles já viram peitos
antes. E sabem que esses daqui, — Aponta para meus
seios — são seus!
Henry bufa, mas não reclama. Vou pra sala e
cumprimento as pessoas que estavam presentes. Algumas
amigas da minha tia, que participaram de alguma maneira
da minha vida, estavam aqui. Fui apresentada a algumas
amigas da Rachel, inclusive uma tia do Henry, a dona
Marieta. Uma senhora muito gentil e com um sorriso
encantador.
Também cumprimentei e conheci alguns amigos
do Henry.
Beatriz tomou as rédeas da festa.
— Bom, a primeira brincadeira, é os papais
tentarem descobrir o que é o presente, com os olhos
vendados! — informa e Henry fez uma careta.
Com o passar da festa, Bia vai fazendo mais e
mais brincadeiras. Inclusive, incluiu alguns dos homens
nela.
Eu ri quando Henry sussurrou pra mim que ela,
praticamente, o obrigou a trazer alguns amigos.
A primeira brincadeira foi divertida e difícil.
Henry acertou somente a chupeta.
A segunda era para os homens; eles tinham que
fazer a troca da fralda em uma boneca. Não só colocar a
fralda, mas limpar com os lenços, colocar talco e depois
prender a fralda do lado certo.
Foi engraçado ver as caretas que eles fizeram,
além da bagunça com o talco, na hora da brincadeira.
Henry venceu esse desafio e me olhou todo orgulhoso.
Pelo menos nossos bebês iriam ficar sempre limpinhos.
Também brincamos de acertar o sabor da papinha
– por incrível que pareça, Henry ganhou essa. Achar a
chupeta escondida, acertar o tamanho da circunferência da
minha barriga – não gostei muito dessa, pois onde já se
viu, me lembrar o tamanho da minha cintura?
A última brincadeira foi a mais surpreendente! O
objetivo era colocar uma fralda de tecido no bebê.
Daquele jeito que usava antigamente. Eu não fazia ideia
de como montar uma fralda daquela. Mas a disputa era
entre os homens!
E quando ouvimos um "terminei", eu quase caí da
cadeira quando vi quem tinha ganhado!
Pedro segurava a boneca com a fralda
devidamente colocada.
Até Beatriz ficou chocada.
Todo mundo ficou boquiaberto. Principalmente,
os homens. E quando o Henry murmurou: “O mundo está
perdido”, todo mundo caiu na risada. Eu sabia que eles
nunca mais deixariam o Pedro em paz.
Por volta das nove, as pessoas foram indo
embora.
Rachel e Estela carregaram os presentes para o
quarto dos bebês, mesmo eu argumentando que não
precisava!
Henry e Pedro também ajudaram colocando os
moveis no lugar, enquanto eu fui pro quarto descansar e
levei Bia comigo.
Era hora de emboscá-la.
Tomei um banho rápido e me deitei. Meus pés
estavam enormes. Henry me encheria o saco dizendo que
exagerei.
— Tudo saiu como o planejado, Cris. Você
gostou? — Bia pergunta, se deitando ao meu lado.
— Adorei, adorei, adorei... obrigada, novamente.
— Ah, pare de agradecer! Já disse que fizemos
com muito carinho! — ela se vira de lado e começa a
acariciar minha barriga. — Como você está sentindo?
Fiquei preocupada se você não ia se esforçar muito, além
de toda hora Henry me ameaçar que estava demorando
demais.
— Esse homem não tem jeito.
— É o jeito dele cuidar de vocês. Não fale pra
ele, mas acho isso fofo!
— Bia, vai me contar o que está acontecendo
entre você e o Pedro? — ergo uma sobrancelha.
Ela revira os olhos e coloca um travesseiro no
rosto. Eu o puxo e continuo a encarando.
— Tudo bem! Já está na hora mesmo! — diz,
suspirando.
Finalmente, eu saberia o que está rolando entre
esses dois.
BEATRIZ
— Nós estamos ficando.
— Só isso? Cadê os detalhes?
Respiro fundo, exasperada. Sabia que ela não ia
deixar isso passar. Mas, não a culpo, se fosse ela eu
também não deixaria isso quieto.
— O que quer saber? Se ele é bem-dotado? Sim,
o infeliz é ...
— Beatriz!!
— O que? — dou risada da sua cara.
— Poupe-me desses detalhes. — Ela briga, mas
logo caímos na risada.
Não adianta! Os detalhes sórdidos são os que
mais nós mulheres gostamos de comentar.
— Pode me contar só a parte do romance, por
favor.
Meu sorriso morre aos poucos.
— Não tem essa parte, amiga.
— Como assim?
Conto pra ela sobre nossa pequena fugida hoje
mais cedo e o que decidimos.
∞∞∞
Fecho os olhos bem apertados. Como se isso
fosse me esconder do que acabou de acontecer. Duas
vezes.
Sinto dedos percorrem minha barriga.
— O que foi, Bia? — A voz rouca do Pedro faz
algo dentro de mim se contrair.
— O que fizemos, Pedro? — pergunto, ainda de
olho fechados.
O corpo saciado. O coração calado. E a mente
achando que eu tinha cometido a maior besteira da vida.
— Se eu vou ter que explicar significa que não
fiz direito. — Ele brinca, dando mordidas em meu ombro.
Ah, não. Ele fez direito. Direitinho. Melhor
impossível! E o bastardo sabe disso.
— Estou falando sério, Pedro.
Ele tira o braço que eu estava escondendo o meu
rosto e paira sobre mim.
— Eu não sei, Beatriz. Mas não quero parar.
Você quer?
— Não, não quero. Mas... não sei, Pedro! Eu
tenho medo de ... de que ...
— Você possa se apaixonar. — Ele me
surpreende completando meu pensamento.
— Olha, Pedro. É legal esse nosso joguinho, mas
não procuro um relacionamento sério, não por agora.
Ainda quero conquistar muitas coisas e também
amadurecer um pouco. Não me sinto preparada para amar.
— Olho para o teto e admito sem encará-lo. — A reação
que meu corpo tem quando estou com você é fantástica.
Mas, me sinto tão perdida ao mesmo tempo.
Pedro sobe em cima de mim, o lençol fazendo
cocegas em minha pele nua. Ele me olha, seriamente, e
depois de algum tempo diz:
— Então não vamos nos apaixonar. Eu também
não procuro por isso, Beatriz. Mas não vou perder a
oportunidade de viver algo excepcional, que é isso que
nós temos, por medo de algo que talvez nem aconteça.
Mastigo o lábio, pensando em suas palavras.
Inferno, o olhar dele me desconcerta!
— Você está certo. Com o tempo isso deve
passar, não é? — Brinco, e enrosco meus dedos em seu
cabelo. — Além do mais, não deve ser tão difícil não me
apaixonar por você! Basta continuar sendo o idiota de
sempre.
Ele abre aquele enorme sorriso cara de pau dele.
— E você continue sendo essa doida varrida!
Ele se inclina para me beijar, mas me afasto.
— Nada de romantismos e gentilezas, Carter!
Nada de café na cama, dormir de conchinha, abrir a porta
do carro... só seja o babaca de sempre. Quando
enjoarmos, vai cada um para seu lado! Ok?
— Hum, então será comer e sair? Eu posso me
acostumar com isso, Beatriz!
Faço uma careta pelo seu trocadilho horroroso.
— Viu? Começou bem, idiota.
Ele gargalha e se inclina novamente. Dessa vez,
deixo ele me beijar. Talvez eu esteja mesmo sendo
neurótica sobre algo que não vai acontecer.
Com esse pensamento, me rendo ao seu beijo e
aproveito seu toque, pela primeira vez, sem medo do
amanhã.
Minha mente ainda estava revoltada comigo.
Eu deveria tê-la escutado ...
∞∞∞
— Tem certeza que isso vai dar certo? —
Cristine pergunta, após ouvir minha história com Pedro.
— Por que não daria certo? Dois adultos em
concordância com a situação.
Ela me olha, cética. Por mais que ela tenha se
escondido atrás do seu trauma, Cristine sempre teve seu
lado romântico de ver as coisas. Pra ela, sexo e amor não
podiam andar separados. Coisa eu estava totalmente
disposta provar o contrário.
No meu caso, eles tinham a obrigação de andar
separados.
CAPÍTULO 18
HENRY
∞∞∞
Estou deitada no sofá, observando o tempo pela
enorme janela da sala de estar, coisa que faço muito
ultimamente, quando ouço o barulho do carro do Henry
estacionar. Alivio me invade. Eu já tinha me acostumado
com ele em casa.
Pouco depois ouço a chave sendo colocada no
aparador e, em segundos, ele aparece no meu campo de
visão.
Na hora percebo que tem algo errado com ele.
Henry está com uma expressão muito cansada e fechada.
Mesmo quando ele reclama de o dia ter sido exaustivo, o
sorriso encantador não sai do seu rosto. A falta dele em
seu rosto não me dá um bom pressentimento.
— Oi — cumprimenta ao se aproximar.
Ele se inclina e me dá um beijo rápido. Ele
bebeu? Segunda dica que algo aconteceu.
— Está tudo bem? — pergunto, preocupada.
— Sim, está. Vou tomar um banho e já volto —
responde já indo em direção ao quarto.
Dica número três: ele mal olhou pra mim. Henry
sempre faz uma avaliação exagerada quando chega,
verificando que está tudo bem comigo e minha enorme
barriga.
Suspiro e fecho os olhos. Vou dar espaço pra ele.
Às vezes, é problema na empresa e ele não quer me
preocupar.
Sem perceber, acabo cochilando no sofá. Acordo
sentindo um pequeno chute. Abro os olhos e Henry está
agachado ao meu lado, alisando minha barriga e olhando
pra ela.
Uma sensação ruim aperta meu peito, mas logo
trato de afastar.
Henry me olha e dá um pequeno sorriso.
— Ei! Queria deixar você dormir, mas não sabia
se tinha jantando ou não. Como vocês estão?
Fico feliz ao vê-lo de volta ao normal.
— Estamos bem!
Esfrego meu indicador em sua testa franzida.
— Está tudo bem mesmo?
— Sim, está. — Ele se levanta e me ajuda a
levantar também. — Já jantou?
— Ainda não. Estava te esperando!
— Já disse que não precisa me esperar.
Reviro os olhos.
— Não passei fome, Henry. E não queria jantar
sozinha.
— Você disse que convidaria a Bia pra vir, ela
não vem?
— Não. Hoje ela é do Pedro.
Apesar de se esforçar para manter a conversa,
Henry continuou o resto da noite mais calado do que o
normal. Eu decidi não o importunar e deixá-lo no seu
espaço. Quando ele quisesse, ele dividiria comigo a sua
preocupação.
Assistimos um pouco de TV após o jantar. Quer
dizer, ele assistiu, porque eu dormi assim que me
aconcheguei no sofá. É incrível ficar cansada sem fazer
nada.
Quando deitei na cama, horas depois, me ajeitei
ao lado do Henry e ele começou a mexer no meu cabelo,
como fazia de costume. Isso me confortou um pouco, mas
ainda percebia o corpo dele tenso ao meu lado.
Olhei para seu rosto e vi seu olhar perdido no
teto.
— Ei, qual é o problema? Você está estranho
hoje. — Lá se foi minha decisão de dar espaço.
Ele me olha por alguns instantes e percebo uma
luta interna em seus olhos.
— Quero te perguntar uma coisa. Mas não quero
que fique nervosa.
Péssima escolha de palavras. Fico nervosa antes
mesmo de saber o que é.
— Pode falar — minto, aparentando
tranquilidade.
— Queria falar com você sobre o exame de DNA
— diz, cautelosamente.
Eu não estava preparada pra isso. E vem como
um choque para mim. Sinto meu corpo enrijecer e fico
sem palavras por um instante.
Henry me avalia em silêncio, esperando minha
reação.
São tantas emoções passando por mim agora que
nem sei identificar o que estou sentindo.
— Quer fazer o exame de DNA?
— Sim. Se estiver tudo bem pra você. Há um
tempo você mencionou que gostaria de fazer e meu
advogado falou hoje que seria bom ter o exame, para
segurança dos bebês! — Henry, justificou.
Era por isso que ele estava tão estranho? Com
medo de falar do exame e da minha reação?
Deixando de lado meus sentimentos confusos,
falo:
— Claro. Eu lembro o que eu disse antes.
Podemos pedir para a doutora Ellen fazer o exame assim
que eles nascerem. — Sorrio, fracamente.
— Obrigado.
Eu só não sabia porque tinha a impressão de que
essa não era toda a história.
∞∞∞
No dia seguinte, tudo parecia normal. Henry
estava com uma expressão melhor e não o achei mais
estranho, perdido em seus pensamentos.
Ele saiu cedo para trabalhar. E, assim que ele se
foi, mandei uma mensagem pra Bia. Precisava falar com
alguém.
— Oi, pequeninos da tia. Já não está na hora de
sair daí? — Ela brinca com minha barriga quando chega.
— Ainda não ... Só mais três semanas! — digo,
esperançosamente.
Nos sentamos na mesa da varanda e lanchamos,
enquanto Bia me informa como estão as coisas na loja.
— Adam vai estar na cidade. Acho que vou pedir
que me ajude com a campanha do dia dos pais.
— Seu amigo bonitão publicitário?
— Sim. Vai ajudar muito. Ele manda muito bem,
principalmente, em campanhas com o público alvo
masculino.
— Que bom, Bia. Traga-o aqui se puder.
Ela me olha desconfiada.
— Quer babar um pouquinho, hein?
Sorrio, sem negar. O cara é um colírio.
— Mas e aí? Não vai me contar nada sobre seu
amigo com benefícios?
Beatriz retira suas sandálias e estica as pernas.
Sempre fomos assim, totalmente à vontade na casa da
outra. Mas claro que ela sempre foi a mais folgada de nós
duas.
— O que quer saber? Está tudo certo. Sempre
que queremos sexo nos encontramos. E fim.
— Tem certeza que isso vai dar certo, Beatriz?
— Claro. Por que não? Já tive amigos dessa
forma antes, Cris.
— Como o Pedro?
— O que o Pedro tem de diferente?
— Sei lá. As coisas só parecem ser mais
explosivas com vocês dois.
— Ele só é mais irritante do que qualquer um.
Balanço a cabeça, sem acreditar muito nessa sua
indiferença. Havia algo de errado ali, eu só não sabia
identificar o que exatamente.
— E você, não vai me contar o motivo dessa
carinha triste? — Ela questiona.
Bia é minha amiga há anos. É normal que meu
humor não passe despercebido pra ela.
Não tinha como esconder minha decepção
quando contei pra ela sobre as reações do Henry ontem à
noite.
— Que estranho. Poderia esperar isso dele no
início. Por que será que ele tocou nesse assunto agora?
— Não sei, Bia. — Dou de ombros. — Talvez
ele estivesse pensando nisso há muito tempo, e só faltava
coragem para perguntar.
— Não acredito nisso. Algo não está batendo.
— Acho que não quero mais pensar nisso. Ele
está no direito dele.
Beatriz estreita os olhos e fica um tempo calada,
pensativa. Sei que ela vai ficar remoendo esse assunto um
bom tempo. Ela é boa em tomar as dores dos amigos para
si mesma.
— Cris! — Ela exclama, se sentando ereta na
cadeira. — Será que não é coisa da tal Carol? E se ela
andou plantando algumas sementinhas de suspeita na
cabeça do Henry?
Faço uma careta com a possibilidade de Henry
estar vendo a Carol.
— Não acho isso possível. Com qual motivo? E
outra, eu tenho certeza que o Henry é o pai. Essas pessoas
não poderiam colocar essas suspeitas por muito tempo.
Aliás, um DNA só confirmaria minha palavra.
— Faria sentido se a intenção fosse só fazer
vocês brigarem. Pensa comigo: vocês têm se dado super
bem desde que estão juntos. Se eu quisesse separar vocês,
precisaria abalar esse relacionamento — diz, com
convicção e se cala por um momento. — E olha só, não
estou paranoica não, mas é bom fazer esse exame em um
lugar muito confiável, viu?
Eu quase reviro os olhos para a teoria de
conspiração da Beatriz, mas fico nervosa com o que ela
diz.
O mau pressentimento voltou. Ficamos um pouco
em silêncio, cada uma com seus pensamentos, quando eu
tive uma ideia.
— Não quero acreditar que tenha alguém
tentando algo contra mim e Henry. Ou acreditar que ele
poderia estar acreditando em suposições desse tipo. —
Era quase inconcebível crer que alguém seria capaz de
fazer algo assim. E doloroso demais pensar que Henry
poderia pensar que esses bebês não eram dele. Não
depois de todo esse tempo juntos. — Mas, por via das
dúvidas, eu tenho um plano.
— Adoro planos — diz, esfregando as mãos
juntas.
Conto minha ideia e ela aprova imediatamente.
Só não sei como vou pedir isso para a doutora
Ellen.
Espero que tudo seja paranoia minha. Odiaria
saber que Henry possa sustentar alguma duvida nessa
altura do campeonato.
CAPÍTULO 19
CRISTINE
Duas semanas depois...
Quem disse que tudo são flores durante uma
gestação? Caramba, eu estou esgotada. A barriga pesa,
minhas costas doem, meus pés incham, a fome não passa e
muito menos o sono.
Parece que estou grávida há um ano. Não via a
hora dos bebês nascerem.
Mas aí me lembrava da dor que todo mundo diz
sobre o parto normal e essa vontade passava.
Meu humor então, está terrível. Muito pior do
que o mau humor comum da TPM. Eu poderia matar
facilmente. O Henry, por exemplo, torna-se meu alvo
constantemente.
Mas aí eu me lembro de todo o cuidado que ele
tem comigo, respiro fundo, e não cometo o assassinato.
Depois daquele dia, quando ele mencionou o
exame de DNA, o clima entre nós tem melhorado. Ele
voltou a agir normalmente, carinhoso e atencioso como
sempre. Eu tratei de esquecer o assunto, não dando tanta
importância a algo que pode não ser nada!
Claro que a ideia que eu tive ainda está de pé.
Mas vou deixar as coisas acontecerem em seu tempo!
Tenho recebido visita da Estela e da Rachel
quase todos os dias. Estão super empolgadas com o
nascimento chegando.
Combinei que a Estela, a Rachel e a Bia, se
quiserem, poderão me acompanhar no parto. E claro, o
Henry, que diz fazer questão de ver tudo.
Eu não me importo. São minha família. Precisarei
do apoio de cada um!
∞∞∞
Depois de tirar um cochilo no final da tarde,
decido tomar um banho de banheira pra relaxar. Após o
almoço tenho sentido uma dor diferente nas minhas costas,
e uma leve pressão no ventre.
Não querendo fazer alarde por causa de
contrações de treinamento, procura repousar e ficar atenta
no que estava sentindo.
Após o banho, escolho um vestido bem solto.
Ultimamente tenho tido problemas com o que vestir. Meus
seios estão muito inchados e me incomodo usando sutiã.
Além da barriga estar do tamanho de uma melancia
gigante.
Vou pra biblioteca em busca de um livro para
ajudar passar o tempo. Tento achar uma posição
confortável no sofá, mas a dor nas costas não está me
ajudando muito.
Irritada depois de tentar, em vão, mais de mil e
uma posições, me levanto e vou em direção ao jardim. Li
em algum lugar que caminhar era bom quando se estava
tendo contrações.
Gosto de passear aqui, não é tão grande e
majestoso quanto o da Rachel, mas é tranquilo e relaxante
observar a paisagem.
O espaço do jardim foi algo que pesou na nossa
decisão quando compramos a casa. Tem até uma área para
construir um parquinho para quando eles estiverem
maiores.
Nem cinco minutos caminhando e já tenho que
parar pra acalmar minha respiração.
Uau, hoje eu estou mais cansada que todos os
outros dias.
Dou mais alguns passos e agarro o tronco de uma
pequena árvore.
— Wow — exclamo, quando sinto uma pontada
mais intensa na barriga.
— Cristine? — Ouço a voz do Henry e me viro
em sua direção.
Ele está lindo como sempre, vestido uma calça
social preta que marca bem suas pernas fortes e uma
camisa social vinho, que destaca sua pele clara.
— O que foi, meu bem?
— Foi só uma pontada de dor! Já passou.
Não vou contar que suspeito ser as contrações
começando, senão ele surta e vai querer ir para o hospital
agora.
Ellen me avisou que se eu começasse a sentir as
dores, era pra observar de quanto em quanto tempo elas
estavam vindo, pra ter certeza que não era alarme falso. O
ideal é que as contrações estivessem acontecendo a cada
cinco minutos.
— Tem certeza? — pergunta, assustado. Eu
afirmo com um aceno. — Venha, vamos entrar.
Henry passa o braço pela minha cintura e me
ajuda a entrar dentro de casa. Tento me controlar para não
fazer nenhuma careta, pois Henry está me observando.
Ele me guia até o sofá.
— Chegou cedo — comento, tentando desviar a
atenção dele.
— Consegui adiantar tudo no escritório. Tem
certeza que está bem? — indaga, com a testa franzida.
— Estou, amor. Pode ir tomar seu banho!
Qualquer coisa eu te chamo!
Ele se inclina e me beija. Quando ele sai da sala,
encosto minha cabeça no sofá e fecho meus olhos.
Estou começando a sentir a mesma pontada de
novo e gemo baixinho. Dou uma olhada no relógio para
contar a diferença de tempo entre cada contração.
Um tempo depois ouço a porta da frente abrir e
fechar.
— Querida! Cheguei. — Bia, cantarola entrando
na sala.
— Que honra receber sua visita! — Brinco.
— Decidir visitar você, mera mortal, aproveite
esse presente com sabedoria!
— Sei ... Pedro não pode te ver agora, não é?
— Não! — Bufa, insatisfeita. — Mas a culpa é
do Henry que fica escravizando o coitado lá na empresa.
Desse jeito não sobra tempo pra mim! Henry empata foda!
Eu tento gargalhar, mas bem na hora uma forte
contração me atinge e só consigo gemer. Ah, não. Elas
estão acelerando.
— Cris? O que foi? — Bia pergunta, se sentando
ao meu lado.
— Acho que está chegando a hora, Bia! — De
repente, sinto uma vontade enorme de fazer xixi. — Bia,
me ajude a levantar, preciso ir ao banheiro.
Ela arregala os olhos e segura minha mão, me
ajudando a levantar. A vontade de fazer xixi ficou
incontrolável e assim que fico de pé, sinto um liquido
jorrar pelas minhas pernas.
Uh-oh, acho que não era xixi!
Os olhos da Bia ficam maiores ainda e na mesma
hora Henry entra na sala. Não sei qual dos dois tem a
expressão mais aterrorizada. Eu até riria se não tivesse
tendo outra concentração nesse exato momento.
— Oh, meu Deus! — Bia murmura, chocada.
— Amor, acho que podemos arrumar tudo para
irmos para o hospital — falo, puxando uma longa
respiração. Quando olho em sua direção o vejo ainda
parado. — Henry! — digo um pouco mais alto.
— Hospital! Certo. Então ... é ... eu vou ... hmm
...
Reviro os olhos. Sabia que ele ia surtar. Começo
a andar em direção ao banheiro e o oriento:
— Que tal ir colocar as cadeirinhas no carro? E
aproveita e coloca as malas que eu tinha preparado para a
maternidade!
A médica tinha dito que se a bolsa estourasse eu
teria que ir imediatamente para o hospital.
— Eu posso fazer isso! — Ele sai desorientado
da sala.
Beatriz olha pra mim, já se recuperando, e
balança a cabeça se divertindo com o momento.
— Me ajuda a me trocar?
— Claro. Como está se sentindo, Cris?
— Bem. Estamos no início, então, não sinto dor a
todo instante, só quando a contração vem.
Tomo uma ducha bem rápida, enquanto Beatriz
separava outro vestido pra mim. Ela me ajuda a vesti-lo e,
enquanto eu prendo meu cabelo em um rabo de cavalo, a
Bia liga para a média a avisando.
— Pronto, Cris. Ela perguntou se o liquido da
bolsa estava claro e eu respondi que sim, pelo o que eu vi
na sala. Ela falou que vai estar te aguardando.
— Obrigada, Bia — agradeço, me sentando na
cama. — Cadê o Henry que não deu sinal de vida ainda?
— Deve ter ido para o hospital e te deixado pra
trás. — Ela diz, rindo.
Eu pego um travesseiro e jogo nela.
— Pare com isso. Ele ficou nervoso, só isso!
— Cris, nervosa estou eu! Ele está em pânico. —
Ela ri mais ainda e eu reviro os olhos.
Um minuto depois, Henry entra no quarto e, pela
cara dele, tenho que concordar com a Beatriz. O homem
está em pânico!
— Está tudo bem? Vamos, eu te ajudo.
— Pegou tudo? — pergunto, assim que estamos
entrando no carro.
Bia deixa o carro dela na garagem e vem com a
gente no nosso.
— Sim. As cadeirinhas, as malas que você tinha
preparado e sua bolsa com seus documentos! Acho que
não me esqueci de nada. E, principalmente, não fui para o
hospital sem você! — diz a última parte com os olhos
estreitados para a Bia, que só dá de ombros pra ele.
C.a.c.e.t.e. Andar de carro quando está tendo uma
contração não é nada agradável. Demoramos quinze
minutos pra chegar até o hospital, durante esse tempo, tive
três contrações. Cada vez está pior.
No hospital, me colocaram em uma cadeira de
rodas para me levarem para um quarto. Não queriam
deixar o Henry entrar enquanto estavam me preparando,
mas o homem bateu o pé, e não saiu do meu lado em
momento algum. Eu estava muito agradecida por ele estar
ali comigo.
Meia hora depois eu já estava pronta e deitada na
maca de um quarto de parto. As dores estavam
insuportáveis e vindo a cada três minutos. Eu não
imaginava que a dor era tão terrível assim.
— Você está bem, amor? — Henry pergunta,
sentado ao meu lado.
— Estou com cara de que estou bem, Henry?
— Eita, mulher! Fique tranquila.
Ela já tinha avisado a Estela e a Rachel, que a
qualquer momento estariam chegando também.
— Ficar tranquila, Bia? Não é você que está
sendo dilacerada de dentro pra fora!
— Olha só, sei que deve estar morrendo de dor
aí, mas não precisa ser uma cadela!
— Beatriz! — Henry a repreende.
— Ela tem razão, amor. Estou sendo uma cadela
malvada com vocês. Sinto muito — choramingo.
— Está tudo bem! Você pode ser uma cadela se
quiser. — Ele diz olhando pra Bia.
Ela revira os olhos.
— Obrigada!
Mal termino de falar e sinto uma contração, e das
grandes, chegando. Eu grito de dor.
— Mas se você me engravidar mais uma vez, eu
arranco suas bolas.
Ele arregala os olhos e eu ouço a risada da
Beatriz.
Nesse instante a porta se abre e a médica entra.
Ela já tinha feito o exame inicial. Eu estava com quatro
centímetros de dilatação.
— Como está se sentindo?
— Como se um bebê estivesse tentando passar
pela minha vagina!
Henry estremece ao meu lado.
— Imagino, querida.
Ela dá uma olhada na máquina que está conectada
a minha barriga.
— Vou repetir o exame de toque, Cristine.
Eu somente aceno, me sinto esgotada de tanto
sentir dor.
— Seis centímetros. Está evoluindo bem rápido.
Acho que se passam três horas até que dilate
completamente. Não tenho certeza. Me perdi em meio a
tantas dores. O significado de bem rápido da médica é
muito diferente do meu. Parece que demorou um século
para, finalmente, chegar no dez.
A médica retira o lençol das minhas pernas e as
ajeitam no estribo.
— Ok. Tudo indica que conseguiremos seguir
com o parto normal, querida. — Ela me instrui em como
segurar minhas coxas.
Henry está suando ao meu lado, e um pouco
verde, mas permanece firme em seu lugar. Beatriz está
grudada na parede, no canto mais longe do quarto.
— Cristine, na próxima contração você pode
empurrar, ok?
Eu aceno, já sentindo a próxima chegando.
Agarro a beirada do lençol até os nódulos dos meus dedos
ficarem brancos. A dor é insuportável.
Sinto como se uma faca estivesse me cortando de
dentro pra fora. Mas empurro do jeito que a Ellen
orientou. Empurro até achar que não conseguirei. Meus
olhos se enchem de lágrimas e uma forte queimação piora
as coisas.
Quando acho que vou desmaiar, o primeiro bebê
sai.
O choro fraquinho inunda a sala, e é o som mais
lindo de todos.
Henry olha fixamente para o bebê. Tento olhá-lo
também, mas estou exausta. Encosto minha cabeça na
maca e fecho os olhos. Preciso recuperar o folego antes
do próximo sair.
— Aqui o garotão! Henry, quer cortar o cordão
umbilical? — Ellen pergunta pra Henry. Ele se levanta,
vacilante, e corta o cordão. — Isso mesmo, papai. Aqui,
pode segurá-lo e o mostrar para Cristine.
Vejo ela enrolando o pequeno ser em um tecido
azul e o entregar ao Henry.
Henry se aproxima, segurando um pacotinho em
seus braços. Ele olha tão admirado para o bebê que me
comove.
— Olha a mamãe, filho! — diz, visivelmente,
emocionado.
Sinto as lágrimas caírem ao ver o rostinho que
tanto sonhei por esses meses. Ele é tão perfeito! Henry
estende seus braços, trazendo o rosto do bebê para perto
do meu. Roço o dedo em sua bochecha gordinha e sorrio.
— Noah — sussurro, quando acho o nome
perfeito.
Olho para o pequenino e a conexão é instantânea.
— Noah! — Henry, repete, concordando com o
nome do nosso filho.
Dou um beijinho na testa do Noah que está
caladinho no colo do papai. Uma enfermeira se aproxima
e pede para Henry entregar o bebê, pois ele precisa dos
primeiros cuidados.
Acompanho com o olhar a enfermeira levar o
Noah para o canto do quarto e começar a limpá-lo.
Beatriz vai até lá e fica falando baixinho com o bebê.
— Cristine, quando as contrações voltarem, você
empurra novamente! — Ellen avisa, ainda sentada no
meio das minhas pernas.
Um pouquinho depois as contrações voltam com
força total. Henry segura minha mão quando eu começo a
empurrar.
A mesma dor insuportável, e mais alguns
empurrões depois, e mais um choro pode ser escutado.
Dessa vez, é estridente.
— Olha o pulmão forte dessa mocinha. — A
médica brinca.
Mais uma vez, Henry corta o cordão e traz meu
pacotinho pra mim. Minha princesinha está bem mais
agitada que o irmão.
— É tão linda! — Henry murmura ao incliná-la
para que eu a veja.
Ela é menor que Noah. E mais barulhenta
também. Ela só cessa seus gritos quando Henry encosta o
rostinho dela ao meu.
Meu coração derrete por esses pequenos que eu
amei antes mesmo de conhecer.
— Qual nome, amor? — pergunto pra Henry,
deixando que ele escolha o nome da nossa bonequinha.
Ele olha um pouco pra ela e diz:
— Sophia!
— Sophia ... é lindo!
Ele a segura com tanto cuidado! E o mesmo amor
que eu sinto por eles, vejo refletido no olhar do Henry.
Sophia também é levada para receber os
primeiros cuidados. Bia fica paparicando e tirando muitas
fotinhas dos dois.
Cansada demais, permaneço deitada, quietinha,
enquanto a médica termina os procedimentos em mim.
— Você conseguiu, meu bem! Eu te amo! — diz,
orgulhoso, e me beija.
Sim, eu tinha mesmo conseguido. Olho para meus
bebês e sinto que, agora, minha família está completa.
HENRY
— O Noah, nasceu com 2,840 kg e 49 cm. A
Sophia, nasceu com 2,420 kg, e 47 cm. São medidas
excelentes para gêmeos. — A médica informa depois de
ter terminado o procedimento de pós-parto com a Cristine.
Eu tentava prestar atenção no que a médica dizia,
mas meus olhos estavam fixos em Noah, que estava com
os olhos abertos em meu colo.
Não sei descrever essa sensação, mas desde
quando eles nascerem, sinto uma felicidade que não cabe
em mim.
Realmente eu surtei no momento em que a bolsa
da Cristine estourou, e fiquei boa parte do tempo sem
saber o que fazer. Vê-la sentindo as dores das contrações
e não poder fazer nada me causou uma sensação de
impotência terrível.
Mas quando segurei os meus filhos tudo a minha
volta parou. Como uma pessoinha desse tamanho pode
gerar tantos sentimentos bons e poderosos na gente?
Meus olhos procuram por minha princesinha.
Estela a tem aninhada em seus braços e anda de um lado
para o outro no quarto. Sophia sabe ser bem barulhenta
quando quer.
Olho de novo para Noah e seguro seus dedinhos.
Eles são perfeitos.
— Me dê ele um pouquinho, Henry. Pare de
monopolizar! — Minha mãe reclama. Faço uma careta,
mas o entrego.
Olho em direção a Estela, mas ela fecha a cara,
deixando claro que não vai me dar a menina. Suspiro. É ...
vou ter que aprender a dividir.
Volto para o lado de Cristine. Ela está tão abatida
que me preocupo com ela. Não demorou muito depois do
parto e ela apagou. A medica disse que é normal. Suas
energias se esgotaram na hora do parto. Era pra deixá-la
descansar o máximo possível. O que seria difícil, pois os
bebês choramingam e ela abre os olhos.
— As visitas têm que ir agora. — Uma
enfermeira avisa entrando no quarto. — A mamãe precisa
descansar.
— Quer que a gente fique com a Cristine, filho?
— Minha mãe pergunta e eu nego.
— Não, mãe. Pode deixar que cuido deles.
— Tudo bem. Amanhã voltaremos para visitar
vocês. Qualquer coisa pode nos ligar.
Relutantemente, elas se despedem e vã embora.
Os bebês dormiram e estão em seus berços ao lado da
cama da Cris.
Fico um bom tempo velando o sono dos três. É
tudo tão surreal e maravilhoso ao mesmo tempo.
∞∞∞
Cristine está terminando de jantar quando um
médico chega, avisando que está na hora de colher o
sangue dos bebês para o exame.
Demoro alguns segundos para compreender a
qual exame ele se refere. Quase peço para cancelar.
Olhando para esses dois pequeninos, meu coração não
sente dúvida alguma que não sejam meus.
Mas prefiro fazer os exames para poder esfregar
na cara de quem quer que insinuasse outra vez que eles
não eram meus.
Um pouco depois um médico vem me chamar
para o exame de DNA. Ele nos leva para outra sala e tudo
é muito rápido. Ele preenche uns papéis e pede que eu
assine. Rapidamente, tiram sangue de nós três. Sophia, é
claro, é quem mais se rebela com a picada. E parte meu
coração ouvir seu chorinho.
Quando terminam de tirar o sangue e etiquetar os
tubos, todos na minha frente, a Dra. Ellen chega para me
explicar o procedimento mais uma vez. Ela diz que no
máximo em quinze dias, o resultado ficará pronto.
Noto uma pequena mágoa no olhar de Cristine
quando chegamos no quarto. E me odeio por ser o motivo
de ela se sentir assim.
Ela se anima com os bebês, que também estão
agitados, provavelmente procurando comida.
A enfermeira orienta que, enquanto a Cris tenta
amamentar um bebê, geralmente o que estiver mais
agitado, eu segure o outro para mantê-lo calmo.
Ela nos deixa a sós, para que Cristine fique mais
à vontade, mas se tiver qualquer dificuldade basta chamá-
la.
Sophia foi a primeira a tentar mamar e, imagino
que se o fator do bebê mais agitado for real, ela sempre
vai mamar primeiro.
Segurando Noah, me sento na cama com Cristine,
enquanto ela leva Sophia até o seio. É inevitável meu
olhar saudoso para o seio dela – eu sou homem, me
condenem!
Sophia, claramente, está com fome, parece ficar
farejando o peito da Cris, mas tem dificuldade para
mamar de verdade.
Noah já está ficando estressado em meu colo e
mudo ele de posição dando leves tapinhas em suas costas.
Eles são tão pequenos e frágeis. Confesso que fico
receoso de carregá-los nos braços.
Quando Cristine murmura um "ai" ao meu lado,
vejo que Sophia, finalmente, conseguiu.
— Dói?
— Não. Foi só o susto quando ela realmente
pegou o peito. Mas a sensação é ... incrível — afirma,
com um sorriso radiante.
— Se você diz ... — falo, ceticamente.
Ela ri e se concentra em amamentar nossa filha. É
uma cena linda. A menina mama com gosto, as
bochechinhas trabalhando a todo vapor e seus olhinhos
fechados.
Noah começa a dar pequenos gritinhos de
irritação.
Me levanto e ando em círculos com ele pelo
quarto.
— Calma, rapaz. Primeiro as damas, depois será
sua vez! — digo, baixinho, em seu ouvido.
Esse esquema funcionou. Eu segurei um, enquanto
a Cristine amamentou o outro. Depois a enfermeira trouxe
o complemento, pois Cristine ainda estava só no colostro,
seja lá o que fosse isso. Eu não entendia nada, só sabia
que era para os pequeninos não sentirem fome e ficassem
realmente satisfeitos.
Me sentei na poltrona, ao lado de Cristine,
quando os três dormiram. A exaustão me alcançando. O
dia tinha sido muito longo. Permaneci com os olhos
abertos, fixo nos bebês, pelo máximo de tempo que
consegui.
Eles eram mais que perfeitos ...
CAPÍTULO 20
CRISTINE
E nossa vida mudou demais com a chegada dos
bebês. Cansativo? Demais. Mas a alegria reina na nossa
casa.
Noah e Sophia testam nossos limites diariamente.
Cuidar de dois, definitivamente, não é fácil. Sophia,
então, às vezes parece que é filha da Beatriz, porque vai
ter um gênio parecido assim!!
Os dois bebês são bem diferentes, enquanto
Sophia é agitada e barulhenta, Noah é calado e
dorminhoco.
Quer dizer, isso durante o dia, porque não sei o
que acontece durante à noite para que os dois fiquem nos
mantendo acordados.
Teve um dia que Henry disse os dois estavam
combinando, porque quando um dormia, outro chorava e
acordava o que tinha acabado de dormir.
Na semana que chegamos em casa, recebemos
muitas visitas de amigos da família, e alguns familiares
distante de Henry. Foi extremamente exaustivo, mas muito
reconfortante receber o carinho de todas essas pessoas
que farão parte da vida dos bebês.
Nos primeiros dez dias, Rachel e Estela se
revezaram aqui. Passaram as primeiras noites, nos
ajudando a pegar o ritmo de ter dois bebês em casa. E
serei eternamente grata por isso, porque tinha momentos
onde eu achei seriamente que não conseguiria passar por
cólicas, amamentação, privação de sono ... Mas, agora,
quinze dias depois, parece que encontramos uma
harmonia.
Henry e eu sofremos um pouquinho no começo,
mas agora estamos entrando num bom ritmo. Ele tem sido
uma surpresa agradável, e é protetor do jeito que eu achei
que seria.
O cuidado que tinha comigo quando estava
grávida, é redobrado agora com os nossos filhos. Algumas
noites, já acordei e o encontrei no quarto ninando um dos
bebês. É um pai muito babão.
O exame de DNA ficou pronto. Fomos
informados hoje. Não tocamos no assunto. E, embora às
vezes sinto uma vontade imensa de confrontá-lo para
saber o motivo de ele ter pedido esse exame justo agora,
fico com medo de ouvir a resposta. Então, recuo.
A minha parte racional entende que é um direito
dele. Poxa, eu mesmo tinha sugerido esse exame há alguns
meses.
Mas meu instinto diz que tem mais coisas aí
nessa história. E isso me preocupa. Mas resolvi deixar
todas essas questões para quando pegarmos o exame.
No momento estamos bem, aliás, tenho me
divertido com a nossa abstinência sexual, e sofrido ao
mesmo tempo. A médica deixou bem claro que temos que
esperar os quarenta dias de resguardo. Mas é muito
complicado cumprir com isso, principalmente, quando
começamos com algumas carícias e de repente
empolgamos bastante.
Estamos treinando muito o autocontrole, além do
número de banhos ter aumentado esses dias.
∞∞∞
Henry tinha ido resolver umas pendencias na
empresa. Minha tia e a Rachel estavam aqui, corujando os
netinhos.
Querendo sair um pouco de casa, pedi que elas
olhassem os baixinhos, enquanto eu ia ao hospital. Queria
logo resolver essa questão do DNA. Sentia como se fosse
um empecilho entre nós dois. E eu queria colocar uma
pedra logo nisso.
A Rachel e a Estela aceitaram sem hesitar. Elas
não perderiam qualquer oportunidade de ter os bebês só
pra elas. Ainda bem que tinham dois. Eu não pretendia
demorar, mas os bebês estavam tomando fórmula para
completar o leite materno. Eu tinha um tempinho extra.
Antes de sair, retiro um pouco de leite e deixo
para os bebês caso eu demore. Tomo um banho rápido, e
visto uma calça jeans preta, uma blusa verde com mangas
curtas, meus protetores de seio que ultimamente são
fundamentais se eu não quiser ter minha blusa molhada e
calço botas de salto médio. Cabelos soltos e uma
maquiagem leve. Voilà! Uma nova mulher. Eu ainda não
tinha perdido todo o peso que ganhei na gravidez, mas
estava quase lá.
Me despeço dos meus bebês com um beijinho
rápido. Eles estão quase acordando e se eu ainda estiver
aqui quando isso acontecer, não conseguirei sair.
No hospital, chamo pela doutora Ellen.
— Como está a sua recuperação, querida? — Ela
pergunta, assim que me encontra, ainda na recepção.
— Ótima. Sem nenhuma dor ou desconforto.
— Que bom. Veio buscar os exames?
— Sim. Os três estão aqui?
Ela confirma com um aceno. Henry não sabe que
solicitei dois exames a mais. Mas aquela pulga atrás da
orelha me fez tomar essa precaução. Quando colheram o
sangue dele e dos bebês, logo após o nascimento,
retiraram o suficiente para três exames.
Eu pedi para ser feito dois aqui e outro e um
laboratório conveniado, bem renomado, da região. Podia
ser paranoia, eu sei. Mas preferi me certificar dessa
forma.
Espero a medica voltar com os resultados,
ansiosa.
— Querida, aqui estão. — Ela me entrega três
envelopes grandes lacrados. — Mas deixa eu te avisar, no
sistema consta que já foi retirado uma cópia de um deles
aqui.
Franzo o cenho. Só Henry teria autorização para
ter pego o resultado. Mas por que a pressa? Olho no
relógio. Ainda é cedo. O que significa que ele veio bem
cedo aqui.
Meu coração se aperta. Será que o Henry estava
com dúvidas? Deus, eu não sei o que pensar sobre isso.
Agradeço a médica e resolvo ir a empresa do
Henry. Chega de tanta hipótese. Eu precisava conversar
com ele pra esclarecer tudo logo.
Vou direto para o andar da presidência e quando
chego, estranho não ver a secretária em sua mesa. Aliás, o
andar parece estar deserto.
Vou em direção a sala do Henry, mas está
trancada. Ouço vozes de dois homens, acho que uma delas
é do Pedro, e estão bem exaltados.
Bato de leve e tudo fica em silêncio do outro
lado.
— Henry? Está tudo bem? — pergunto, enquanto
bato na porta insistentemente.
PEDRO
Puta que pariu! As coisas não poderiam ficar
pior agora.
— Henry? Está me preocupando. Abra a porta,
por favor!
Olho para Henry e não sei o que fazer. O homem
está bêbado, de um jeito que nunca o vi ficar. Nem quando
passávamos a noite toda na balada, ele ficava nesse
estado.
Cristine batia furiosamente na porta.
Inferno!
Por que eu sempre estava presente nessas horas?
— Deixa ela entrar! — Ele diz, seriamente. Ou
pelo menos, tenta. Não duvido nada que já esteja quase
perdendo a consciência.
— Não acho uma boa ideia.
Henry estava descabelado, todo amarrotado e
tinha esvaziado uma garrafa inteira de uísque
Merda. Merda. Merda.
E o pior, eu não sabia porra nenhuma do que
tinha motivado isso.
Dispensei a assistente dele e pedi que ela
cancelasse qualquer compromisso que o Henry tivesse pra
hoje.
Era melhor que ninguém o visse assim.
Eu estava justamente tentando levá-lo pra ducha
que tinha em seu banheiro particular, e tentando impedir
que destruísse o escritório todo, quando ouvi a batida na
porta.
Tentei ficar em silêncio, pra ver se a pessoa do
outro lado ia embora, mas isso é um trabalho impossível
com um bêbado!
Henry sem querer derrubou uma estatueta de cima
da sua mesa, fazendo o maior barulho e nos delatando
aqui dentro. Idiota!
Foi aí que ouvi a voz da única pessoa que não
deveria ter chegado nessa hora.
Olho para o Henry, nesse estado deplorável, e
sabia que a merda ia ser grande.
Cocei minha cabeça, ficando tão descabelado
quanto o Henry. Mas quem dera se eu também estivesse
alcoolizado para não passar pelo o que está pra
acontecer!
Vou até a porta e abro só uma pequena fresta.
Cristine estava com uma expressão assustada.
— Cristine! Não é um bom momento!
— Pedro, o que está acontecendo? Cadê o
Henry? Ele está machucado? — Ela pergunta, tentando
olhar pra dentro da sala.
E antes que eu pudesse inventar algo o jumento
resolve falar.
— Eu quero falar com ela, Pedro! Agora — diz,
meio meio enrolado.
— É melhor não, Cristine.
Beatriz vai me matar se eu não tentar impedir a
briga aqui. Sei disso.
Cristine, no entanto, passa como um furacão por
mim.
Ela estaca no meio da sala, olhando a desordem
que o Henry causou. Eu não queria participar da briga,
que com certeza viria a seguir, mas ele não estava bem.
Não podia deixar os dois sozinhos. Fico perto da porta,
tentando dar um pouco de espaço pra Cristine, e torcendo
para o idiota bêbado permanecer calado e não piorar as
coisas.
— Por que ele está nesse estado? — ela
pergunta, se virando pra mim.
Praguejo mentalmente, quando vejo seus olhos
rasos de lágrimas.
— Por que você fez isso comigo? — Henry se
antecipa falando, enquanto tenta se levantar do sofá.
— O que eu fiz? — Ela pergunta, baixinho.
— Por que você me fez amá-los??
Cristine dá um passo para trás com o tom rude do
Henry e eu fecho meus olhos.
Merda. Merda. Merda.
Definitivamente, um homem não sabe quando
ficar calado! Nem sei se o Henry sabe o que está falando
agora para Cristine. Com o tanto que bebeu, duvido muito
que vai se lembrar disso mais tarde.
Ela vai até o sofá, onde ele está jogado, e arranca
um papel amassado que ele segura firmemente. Cristine
fecha os olhos com força e balança a cabeça.
— Meu Deus.
— Pois, é! Negativo! Surpresa? — Ele grita e ela
estremece.
— Henry ... — Ela começa a falar, mas para.
Pega dois envelopes em sua bolsa e os rasga rapidamente.
Suspira depois de conferir algo. — Esse exame foi
manipulado, Henry.
— Eu não sou um idiota. — Ele grita mais uma
vez. — Eu devia ter imaginado.
— Henry ... — Cristine tenta falar, mas ele a
interrompe.
— Cale-se. Não quero mais ouvir suas mentiras.
Ele segura o pulso dela e eu resolvo me meter.
Não acho que ele a machucaria fisicamente, mas, pelo
visto, ele pretendia feri-la de um jeito que ia se
arrepender profundamente.
— Henry, solta ela!
— Não, não, não ... ela vai ter que me explicar ...
— Não deixo que ele termine de dizer o que quer que
fosse.
Dou um soco no infeliz, impedindo que ele
falasse algo irreversível. Henry desmaia no sofá.
Porra, doeu!
Mas o idiota mereceu! Depois vai me agradecer
por tê-lo silenciado antes que fosse tarde demais. Olho
para Cristine que está com a mão na boca e os olhos
arregalados.
— Está tudo bem. Ele não ia te agredir, Cristine.
Só não quis que ele dissesse algo estúpido.
Ela balança a cabeça e enxuga algumas lágrimas.
— Eu sei. Eu preciso ... — Ela tenta dizer, mas
se cala, observando o Henry no sofá. — Só cuida dele,
por favor. Eu tenho que ir — diz, com a voz embargada, e
se apressa pra sair da sala.
Maldição!
— Cristine. — A chamo antes que ela saia. Ela
para na porta do escritório e se vira pra mim. — Eu não
sei o que está acontecendo, além de supor, mas Henry não
quis dizer aquelas coisas ... Ele só bebeu demais. Não
está pensando direito.
Ela desvia o olhar para o Henry e diz, magoada:
— Pedro, o álcool não faz ninguém mentir. Pelo
contrário, ele dá coragem para as pessoas dizerem aquilo
que verdadeiramente pensam!
Ela se vira e vai embora, sem me dar chance de
contestar o que falou. Olho para a bagunça a minha volta e
pego o celular do meu bolso.
— Meu idiota preferido está com saudades? —
Bia diz ao atender.
Daria tudo para estar perto dessa loirinha
maluca, em vez de estar lidando com esse caos.
— Espero ser o único idiota, Beatriz! E sim,
sinto sua falta, mas não liguei pra isso. Quero pedir que
vá atrás da Cristine.
— O quê? Por que? Aconteceu alguma
coisa? — Ela pergunta, preocupada.
— Sim. Os dois discutiram, se é que se pode
chamar de discussão o que acabou de acontecer, e ela saiu
muito abalada.
— O que o idiota do Henry fez? Eu vou matá-lo,
eu avisei! — Sorrio da sua ameaça.
— Cristine te contará o que aconteceu, eu nem
sei direito ainda. Mas não se preocupe, eu dei um soco
nele se isso te deixa mais calma!
— Um soco? Precisou de um soco seu? Oh, meu
Deus, a coisa foi séria mesmo! — Beatriz exclama, se
dando conta da seriedade.
Ela se despede e desliga. Guardo o celular no
bolso e olho para o Henry:
— É, amigo ... quando você acordar vai estar
fodido! E sua ressaca vai ser fichinha, perto da encrenca
em que acabou de se meter!
Antes que eu decidisse o que fazer a seguir, ouço
gritos no corredor. Corro até a porta e vejo Cristine se
pegando com a Carol.
— Ahhh, qual é?! — exclamo, antes de interferir.
CRISTINE
Seco as lágrimas do rosto. Elas parecem que não
terão fim. Deus! Eu não acreditava no que tinha acabado
de presenciar e ouvir.
Doeu muito ver a desconfiança nos olhos do
Henry. Doeu ver a raiva em seu olhar. Doeu que ele não
me ouviu. Não quis ver meu lado.
Meu coração parecia doer a cada batida que
dava. E isso era uma merda. Era por isso que eu relutei
em aceitar me apaixonar de novo. Não queria sofrer assim
outra vez.
Bato o pé, nervosamente, no chão, esperando o
elevador chegar. E quando as portas se abrem, me
surpreendo ao encontrar ela aqui. Quer dizer, nem é tanta
surpresa assim.
— Que conveniente, não? — comento,
ironicamente.
Carol joga o cabelo ruivo por cima do ombro e
me olha como se estivesse confusa.
— Não sei o que está falando.
— Não? Henry pega o resultado de DNA e você
aparece logo em seguida. Jura que não pega a ironia dos
fatos?
— Destino, talvez? — Ela ergue uma
sobrancelha, com desdém.
— Eu não queria acreditar, mas você é louca. O
que eu te fiz?
— Eu não sou louca! — Ela se altera. — E você
não deveria ter entrado no meu caminho. Golpista.
Respiro fundo, me sentindo tremer dos pés a
cabeça.
— Golpista? — pergunto, dando um passo em
sua direção. Ela, sabiamente, recua. — Fui eu que, de
alguma forma, adulterei um resultado de exame de DNA?
Sabe que isso é crime, certo?
— Não faço ideia do que está falando. — Ela
diz.
Mas sei que está mentindo. Posso ver em seu
olhar o blefe. Ela não esperava que eu a acusasse frente a
frente.
— Carol, eu vou descobrir a verdade. Vou
colocar você na cadeia.
Ela ri.
— Garota... está inconformada porque foi pega
dando um golpe?
— Pra sua informação, fizemos três exames de
DNA. O que você acha de só o exame oficial ter dado
resultado diferente?
Ela vacila com a informação.
— Quem garante que você não comprou esses
resultados, sua golpista? Eu sempre disse que aqueles
bastardos não poderiam ser filhos do Henry.
Ah, a minha cota de paciência foi toda para o
ralo. Eu não ia deixar que essa desbotada falasse assim
dos meus filhos outra vez. Antes eu tinha me segurado por
causa da segurança dos meus bebês, mas agora ela ia ver
só.
Quando Carol percebe, eu já estou em cima dela.
Bato com vontade naquela cara sem vergonha dela.
Desconto todo ódio, magoa e frustração que estou
sentindo.
— Senhoras! Por favor. Não façam isso comigo.
De repente, sou retirada de cima dela. Me
debato, tentando me soltar, pois ainda queria descontar
mais um pouco de raiva nessa mulher odiosa.
— Não entre você no meu caminho, Carol —
grito, ainda tentando me soltar.
Pedro me arrasta, me afastando dela. Carol se
levanta e ajeita sua roupa e cabelo. Eu tinha dado um belo
trato nessa mulherzinha.
— Essa golpista me atacou. — Ela grita, furiosa.
Tento me libertar com mais vontade quando ela
me chama de golpista novamente.
— Carol, saia antes que eu chame os seguranças.
— Pedro ameaça.
— O que? Ela que me atacou e eu vou ser
expulsa? — Carol questiona, indignada.
— Sim. Vai embora agora ou vai passar vergonha
sendo acompanhada por seguranças. Você que escolhe.
Ela olha para o Pedro e depois para mim e aperta
o botão do elevador, inconformada. A adrenalina cai e
meu corpo desmorona. Só não caio porque Pedro ainda
está me segurando.
— Vou exigir um aumento. — Pedro reclama.
Seu comentário me faz rir e me ajuda a acalmar
um pouco. Contudo, não afasta os pensamentos na minha
cabeça. Eu tinha certeza que essa mulher estava metida
nesse exame de DNA.
Eu sabia com certeza absoluta que o Henry era o
pai. Sem contar que dois exames deram positivo. Como só
um deu negativo? E ela vem aqui, descaradamente, no
mesmo dia que Henry pega o resultado?
Ah, mas eu ia descobrir a verdade. E a faria
pagar. Ela podia apostar a tintura daquele cabelo
desbotado dela.
HENRY
Porra! Que dor de cabeça infernal. Tento abrir
os olhos, mas a claridade incomoda e volto a fechá-
los. Mas que merda aconteceu comigo?
Me sinto todo dolorido, como se tivesse sido
atropelado, e minha cabeça lateja, como se tivesse tomado
um porre! Ergo um braço e coloco sobre meu rosto, meus
pensamentos ainda confusos. Assim que meu braço
encosta no meu rosto, sinto dolorido embaixo do olho
esquerdo.
Mas que diabos?
Me concentro e novamente tento abrir meus
olhos. Pisco rapidamente até me acostumar com a luz e
noto que estou no quartinho que tem ao lado do meu
escritório.
Tento forçar minha memória pra saber como vim
parar aqui, mas só lembro de alguns flashes.
O exame de DNA, é isso.
Foi onde tudo começou, só não era pra ter bebido
tanto assim, ao ponto de desmaiar.
Com essa lembrança vem a aflição que eu senti
ao ler a pior frase da minha vida. É impossível esquecer,
acho que li essa parte milhões de vezes ontem.
"Concluímos, portanto, que Henry Banks, não é
o pai biológico de..."
Nem sei dizer o que senti na hora. Primeiro a
incredulidade ao ler e reler, depois raiva, depois confusão
e por último dor. Somente dor!
— Olha quem resolveu despertar, não é, bela
adormecida? — Vejo Pedro entrando no quarto.
Ele está carregando café e um saco marrom.
— Que porra é essa? — pergunto, apontando
para alguns papéis que estão jogados na beirada da cama
de solteiro.
Projetei esse quarto para emergências. Nada
muito confortável, só o suficiente para quando eu
precisasse dormir aqui. Ás vezes, eu terminava algum
contrato de madrugada e ficava com preguiça de ir
embora. Ele veio a calhar muitas vezes.
— Cristine deixou aqui. Não lembra?
Com a menção do nome da Cristine, tento me
levantar.
— O que? Quando? — pergunto, confuso, a
memória ainda embaralhada.
— Que merda, Henry! Não se lembra de nada?
Nem do incrível gancho de direita que dei em você? —
pergunta, sarcasticamente, e eu levo minha mão ao meu
rosto, bem no ponto dolorido.
— Você me bateu? Por quê?
— Estava salvando sua vida.
O que? Me endireitando, reviro os papéis.
— O que aconteceu? Eu não me lembro de muita
coisa. — pergunto, enquanto leio os documentos.
O que é isso? Outros exames de DNA?
— Cara, nunca te vi tão bêbado quanto ontem.
Você precisa ver a bagunça no seu escritório. Mas o mais
preocupante foi o jeito que falou com a Cristine ontem.
Cara ... pelas mensagens que tenho recebido da Bia, você
tá na merda.
Sinto o sangue fugir do meu rosto ao terminar de
ler os documentos.
— Eu não entendo. O outro exame deu negativo.
— De um jeito suspeito, não é? — Pedro
pergunta, erguendo uma sobrancelha. — Toma, beba o
café. E depois vai correr atrás do prejuízo. Ontem você
foi agressivo com a Cristine. Precisava ver o jeito que ela
foi embora. Ah, sem contar na surra que ela deu na Carol.
Meu cérebro estava dando voltas. Positivo?
Ontem? Surra?
— Ontem? Que dia é hoje? — pergunto, em
pânico.
— Hoje é o dia depois de ontem. Você bebeu
ontem e apagou, companheiro. Tudo bem que o soco pode
ter ajudado a te apagar, mas ...
— Espera. Como assim agressivo com Cristine?
Eu ... — Paro de falar, sem conseguir concluir.
— Não. Você não a agrediu fisicamente. Quer
dizer, você a segurou pelo pulso, mas acho que só estava
tentando a manter perto de você. Mas verbalmente, acho
que você pode ter dito algumas besteiras. Ela só se
assustou.
Coloco o rosto em minhas mãos. Com o histórico
da Cristine e eu ainda fui agressivo? Meu Deus ...
— Preciso ir ver a Cristine. Ela deve estar me
odiando.
— Possivelmente. Mas acho melhor trocar de
roupa e tomar um banho antes de enfrentar a fera. Aliás, as
feras porque Beatriz tá possessa com você. Eu teria medo.
Maldição. Ainda lembro da ameaça da Beatriz
quando a conheci.
Vou em direção ao pequeno box, tomo um banho
e visto uma das minhas peças de roupa que deixo aqui.
No caminho, peço pra que ele me fale sobre a
visita da Cristine e o que eu disse pra ela. Ainda me sinto
confuso pelo álcool.
Ao chegar em casa, fico em pânico. Sim, tenho
medo de ter destruído a melhor coisa que me aconteceu.
Mas eu vou dar um jeito! Farei de tudo para
consertar minha estupidez. Nós vamos conversar, vou me
desculpar e acertaremos as coisas.
Respiro fundo e tento me acalmar. A casa está
silenciosa demais.
Congelo quando meus olhos encontram as
enormes malas encostadas no canto da parede.
Não, isso não pode estar acontecendo.
Encontro a Cristine sentada no sofá da sala.
— Por que essas malas?
— São suas. — Ela responde, friamente.
— Nós precisamos conversar.
— Não, Henry. Você está de saída. Se não sair,
saio eu com os meus filhos.
CRISTINE
Deus, como dói! A dor no coração parece estar
atingindo cada órgão e cada musculo em meu corpo. Está
insuportável. Ainda mais vendo a desolação no rosto do
Henry.
— Cristine, eu sei que errei em ter pedido o
exame e, até mesmo, em ter bebido demais sem antes ter
vindo falar ...
— Chega, Henry! — O interrompo. — Primeiro:
o DNA era um direito seu. Inclusive, há alguns meses, eu
te falei que iria fazer quando as crianças nascessem.
Porém, você garantiu que confiava em mim e nunca mais
tocou no assunto. Mas, na primeira oportunidade, você
decide jogar essa confiança no lixo.
— Eu sei. Eu errei. Mas quando eu vi aquele
resultado eu pensei ...
— Que eu tinha mentido! — completo sua frase.
— Eu sei, você gritou isso na minha cara ontem.
Ele estremece quando eu o lembro. Se é que ele
lembra de algo ontem.
— Eu esperava uma reação assim de você,
quando ficou sabendo da gravidez. Seria aceitável porque
não nos conhecíamos na época, mas não depois desse
tempo juntos. — Rio, sem achar graça. Me levanto e cruzo
os braços no peito. — Merda, Henry, tínhamos decidido
construir um relacionamento. Eu achei que já tivéssemos
superado as inseguranças. Que se você ainda as sentisse,
poderia ter sido sincero comigo. Eu poderia ter ficado
chateada, mas faria o maior esforço para entender.
— Eu sinto tanto. — Ele lamenta e dá um passo
em minha direção. Sem conseguir me conter, encolho.
Henry empalidece e arregala os olhos. Ele
conhece meu passado. Entende o motivo da minha reação.
— Eu nunca encostaria um dedo em você. Sabe
disso, não sabe?
— Eu sei. Só estou assustada.
Ele não se move, mas suplica:
— Por favor, não me tire da sua vida agora. Eu
preciso de você e dos bebês.
Meus olhos ardem selvagemente, tentando chorar,
mas não permito nenhuma lágrima cair. Henry tinha me
ferido demais.
— Agora são seus filhos?
— Cristine, por favor. Não faça isso!
— Já fiz, Henry. Não vou continuar em um
relacionamento onde não há confiança.
— Mas eu confio em você.
— Não. Você confiou nos outros resultados de
exame. Se confiasse em mim, teria me dado uma chance
de conversar com você quando pegou o resultado.
Ele se cala. Henry é esperto. Sabe que passou
dos limites ontem.
— Tudo bem. Mas saiba que vou dar um pouco
de espaço pra você, mas não vou sair da sua vida tão fácil
assim.
Pisco mais rápido para impedir as lagrimas de
caírem.
— Só vai embora, por favor.
Henry coloca as mãos no quadril e me fita por
alguns instantes. Sei que ele quer dizer mais alguma coisa,
mas fico de costas pra ele. Se ele continuar aqui, me
olhando assim, eu quebrarei.
— Me perdoa se te feri de alguma forma. — Ele
fala, baixinho.
Fecho os olhos e duas lagrimas me escapam.
Tentando causar o mesmo tanto de sofrimento que ele me
causou ontem, digo:
— Sebastian me feriu, Henry! Você me devastou.
BEATRIZ
Estava sentada num banco de madeira no jardim
da casa da Cristine, enquanto admirava a paisagem.
Eles tinham uma bela casa.
Resolvi esperar aqui pra evitar de presenciar o
confronto entre a Cris e o Henry. Por mais que estava
morrendo de vontade de meter a mão na cara daquele
idiota, não podia fazer isso.
Esse era um assunto deles e eu não me
intrometeria, pelo menos não agora.
Cristine estava muito magoada. Ontem quando a
encontrei depois que Pedro me avisou que eles tinham
brigado, achei o caos.
Ela contou o que tinha acontecido, mas não quis
comentar muito. Conheço essa reação dela e não gosto
nada disso, pois ela está se fechando novamente.
Da outra vez, foi quando Sebastian a machucou
daquele jeito. Ela ficou dias presa em seu próprio mundo.
E depois não foi mais a mesma. Tenho medo do Henry ter
feito pior.
Ainda estou perdida em meus pensamentos,
quando sinto dois braços me envolverem por trás. Levanto
minha cabeça e vejo o Pedro, parado em pé atrás do
banco que estou sentada.
Nos encontramos mais do que eu gostaria de
admitir, nesse último mês. Mesmo eu impondo um monte
de barreiras, nossa conexão cresce diariamente. E isso
está me assustando.
Acabo de presenciar minha amiga arrumando as
malas do pai dos seus filhos. Cristine está tão ferida! Sua
expressão de sofrimento me chateou.
E, enquanto a via chorar e arrumar as roupas do
homem que ama na mala, só conseguia pensar que não
suportaria passar por um rompimento assim.
O que só reforça minha decisão de não amar esse
traste. Não posso permitir que meu coração se quebre.
— Tudo bem? — Pedro pergunta, se sentado ao
meu lado.
— Comigo sim, e você? Henry já entrou?
— Eu estou bem. E, sim, ele entrou agora mesmo
— responde, dando uma olhada para a casa.
— Então já vai começar! — Encosto meu rosto
em seu ombro, cansada.
— Acha que eles vão se acertar?
— Dificilmente. Pelo menos, não por agora.
Cristine está inflexível, já até arrumou as malas dele.
Pedro que arregala os olhos.
— Ela vai mandá-lo embora? — perguntou,
surpreso.
— Sim. E olha que a Estela tentou conversar com
ela ontem, mas não quer nem saber. Mas bem que o tapado
do seu amigo merece um pouco de sofrimento!
— Beatriz ... sei que ela é sua amiga, mas não
vamos nos meter, ok?
— Ok, vou tentar. — Faço biquinho e ele ri.
Suspiro, voltando a encostar em seu ombro. — É que é
difícil não tomar as dores dela, Pedro. Ela é como minha
irmã.
— Eu sei, baby. Eu sei! Cadê os bebês?
— Dormindo. A Estela foi embora agora pouco.
A Nora está no quarto, vigiando-os dormir.
Depois de um tempo nessa posição, Pedro me
pega no colo e me leva para o gramado.
— Pedro! Na grama não! Tem insetos, e
formigas, e pinica.
Ele ignora minha reclamação e se senta, comigo
em seu colo. Tudo beeem! Eu poderia relevar os
incômodos de sentar no mato, se ele me deixasse
aproveitar seu colo.
— Quero te levar em um lugar! — diz, alisando
meus cabelos.
— Onde? — pergunto, tensa.
Sair era uma das barreiras que eu colocava. Não
queria começar a fazer programa de casal com ele.
Ultimamente, tenho percebido certa diferença em
Pedro. Ele está mais carinhoso comigo.
— Em um lugar legal, curiosa. Acho que você
vai gostar!
— Não é tipo um encontro, é? — Levanta a
cabeça para olhá-lo e pergunto, receosa.
Ele solta um suspiro e responde:
— Não, Beatriz. Só ... vamos nos divertir fora do
quarto também, ok? Estou me sentido usado por você! —
Ele brinca, mas seu olhar demonstra certa chateação.
— Tudo bem, mas vamos entrar agora, o tempo
está se fechando. Logo vai começar a chover — falo,
começando a me levantar.
Pedro foi mais rápido, nos mudando de posição e
ficando em cima de mim.
— Deixa chover! Dizem que todo mundo precisa
de um banho de chuva, porque banhos de chuva servem
para lavar a alma — diz, baixinho, e ri quando eu reviro
os olhos pra sua filosofia barata.
O clima muda rapidamente e Pedro me encara
com olhos desejosos. Meu coração safado pula uma
batida.
— Está com a alma suja, Pedro? Conheço uma
igreja onde pode fazer algumas confissões se sentir
necessário.
Ele se inclina, encostando nossas bocas, e diz:
— Estava com saudades dessa boca espertinha.
— Ele admite e começa a distribuir beijos pelo meu rosto
e queixo.
Quando ele aprofunda o beijo, ouvimos vozes
exaltadas dentro da casa. Ele rola para o lado e fita o céu.
Logo quando a coisa estava ficando boa ...
— Henry vai levar outro soco por causa disso.
Dou uma risadinha e o incentivo a levantar. Não
deveríamos estar nesse amasso todo no quintal do Henry.
Assim que entramos na sala, ouço Cristine falar:
— Sebastian me feriu, Henry! Você me devastou.
Estremeço com sua acusação. Mesmo achando o
Henry merecedor da agonia, que ele mesmo causou, não
acho certo o que ela acabou de fazer.
Dou um beijo rápido em Pedro e começo a ir
atrás da minha amiga, que se afasta da sala
apressadamente.
A encontro no quarto, deitada na cama,
soluçando. Automaticamente, meus olhos se enchem de
lágrimas. Detesto vê-la sofrendo assim.
Me aproximo e subo em cima da cama:
— Vem aqui amiga. — A puxo para meu colo.
Ela vem e dou graças a Deus por ela permitir
essa aproximação e não se fechar, sofrendo sozinha.
A deixo chorar o tempo que quiser.
Fico quietinha, fazendo um cafuné nela. Meu
coração dói com cada soluço que ela solta, e me sinto
impotente, por não conseguir resolver esse problema pra
ela.
— Eu o mandei embora, Bia. — Ela diz depois
de se acalmar.
— Eu notei, Cris. Tem certeza disso? Sei que ele
errou, mas não acha que poderiam resolver isso de outra
forma?
— Não. Não consigo, estou tão magoada.
— Cris, eu entendo sua mágoa e te dou toda a
razão. Mas você foi cruel ao compará-lo com o crápula
do Sebastian.
Cristine se afasta do meu colo, limpa as lágrimas
e fixa seu olhar em algum canto do quarto.
— Eu sei. A vontade de fazê-lo sofrer do jeito
que estou sofrendo falou mais alto.
— Querida ... só de olhar para o Henry podemos
ver que ele já estava sofrendo com a situação. Deu até dó
de vê-lo tão arrasado na sala, quando você o deixou lá
sozinho.
Ela estremece e fecha os olhos. Eu não queria
facilitar as coisas para o Henry, mas ela precisava ver a
injustiça do seu comentário.
Ela fica em silêncio por mais um tempo, e só se
levanta quando ouvimos um choro pela babá eletrônica.
Ela vai até o quarto e eu dou um pulo na sala,
constatando que o Henry e o Pedro já tinham ido embora.
Peço pra Eva preparar um lanche para a Cris. Ela
precisa se alimentar bem durante a amamentação.
Quando entro no quarto dos bebês, encontro
Sophia esperneando no berço, enquanto seu irmão é
alimentado. Essa menina é adorável e terrível ao mesmo
tempo.
Ajudo a Cristine com os dois e saímos de lá só
quando eles dormem novamente. Cristine vai tomar um
banho e eu a espero na sala.
Meu telefone toca e atendo animada, quando vejo
quem é.
— Ora, ora... se não é o carinha mais pegador
que conheço!
— Nossa, assim eu fico com o ego inflado, Bia!
Tudo bem, princesa?
— Tudo sim, Adam. E você?
— Trabalhando como um escravo. Falando
nisso, como posso ser útil?
Mordisco o lábio, sorrindo.
— Preciso de uma mãozinha com alguns
contratos na loja, Adam. Minha sócia está de licença
maternidade e lá ficou uma loucura. Pode me ajudar?
— Quando sou capaz de te dizer não? Vou
pegar uma folga de uma semana, e estarei a seu dispor.
Conheci Adam na faculdade, estudamos juntos e
tivemos um pequeno rolo. Ele sempre foi O mulherengo
da faculdade. E ele podia porque o cara é bonito pra
caralho.
Depois, cada um foi pra seu lado. Porém, não
perdemos contato.
Eu abri a loja com a Cris e ele entrou em uma
agência de publicidade. Muda constantemente de cidade e
continua o mesmo galinha de sempre.
Quando fiquei sabendo que estava de volta na
cidade, logo pensei em pedir sua ajuda. E fico mais
tranquila agora que ele aceitou, sua ajuda será mais do
que bem-vinda!
CAPÍTULO 21
CRISTINE
Há quatros dias que minha vida se resume a
cuidar dos meus filhos e voltar para meu quarto. Tem sido
muito difícil desde que o Henry foi embora. Aliás, desde
quando eu o mandei embora.
Não que tenha sido fácil como todos têm
pensado, muito pelo contrário, foi doloroso mandar o
homem que amo pra longe.
Mas eu precisava fazer isso. Quando eu o
encontrei no escritório, bêbado daquele jeito, pude ver em
seus olhos que ele acreditou no exame. Foi uma decepção
esmagadora.
Se ele tivesse me confrontando, eu teria
explicado sobre os outros exames, poderíamos ter
brigado, discutido, mas no fim, teríamos esclarecido a
situação.
Poxa, eu tinha outros dois exames a meu favor.
Mas ele não me deu a chance de explicar e
procurou o caminho mais fácil. Na verdade, um caminho
que ele tem buscado muito nesses últimos dias. Porque ele
acha que eu não percebi o tanto que ele tem bebido, mas
desde que pediu o exame, era comum sentir cheiro de
álcool dele. Entretanto, ele nunca tinha exagerado. Não até
cinco dias atrás.
Na noite que o mandei sair, pedi pra Bia o avisar
que ele poderia ver os bebês sempre que quisesse.
E ele veio, todos esses dias, ver Sophia e Noah.
Quando ele chega, me tranco no quarto, pois
ainda não quero vê-lo.
Contudo, não poderei me esconder por mais
tempo. Tínhamos marcado um jantar com todos juntos
nesse domingo.
Tentei desmarcar, mas a Estela e a Rachel não
aceitaram. Obviamente, estão tentando uma reconciliação,
custe o que custar.
Eu não quero pensar no futuro agora nem em uma
reconciliação. Na verdade, só quero ficar na minha cama.
Ás vezes, trago Noah e Sophia pra deitar comigo.
Sentir a pele fofinha deles e aquele cheirinho que só eles
têm, me traz um conforto imenso.
Amo meus pequenos e, ao mesmo tempo que me
dão consolo, também trazem a lembrança do pai. Ambos
têm o cabelo loirinho, igual ao de Henry, mas os olhos são
da cor do meu. Uma mistura de nós dois.
— Ei! — reclamo, escondendo meu rosto na
coberta por causa da claridade repentina.
— Vamos levantar, Cristine. Chega de viver
nesse poço de lamentação! Temos um almoço hoje —
Ouço Estela falar enquanto ela continua abrindo as
cortinas do quarto.
— Ah, não tia! Que horas são? — pergunto e me
sento na cama.
— Hora de levantar e resolver sua vida! Já
choramingou o suficiente, presa dentro dessa casa.
— Tia, não quero falar sobre isso. E outra, a
culpa das coisas estarem assim não é minha!
— Pode não ser toda sua, mas sim, você tem uma
parcela dela. Até quando vai fugir da situação, Cristine?
— Eu não estou fugindo! — respondo,
emburrada.
— Está sim e você sabe disso. Está se
escondendo aqui dentro para não ter que enfrentar o
problema. Você resolveu jogar toda a culpa em cima do
Henry e usa isso como pretexto para fugir da
responsabilidade.
— Vai ficar do lado do Henry agora?
— Não estou do lado de ninguém, minha filha.
Aliás, estou do lado das duas crianças que mais sofrerão
com tudo isso! Pare de ser orgulhosa, Cristine! — Ela
respira fundo e depois senta ao meu lado na cama. Sua
voz sai mais gentil. — Minha filha, não aguento mais vê-
la sofrer assim. Henry também está sofrendo com tudo
isso! Os dois erraram, ele por não ter te dado o benefício
da dúvida, e você por não ter sido sincera com ele.
— Eu fui sincera, sim!
— Não foi, não. Se fosse, teria falado do que
suspeitava quando pediu os exames extras. Meu bem, você
passou por tudo sozinha, talvez, isso tenha prejudicado
seu julgamento. Mas, ambos têm culpa nessa situação.
Eu não respondo. Estela me dá um beijo na
cabeça e antes de sair do quarto e me deixar remoendo
tudo o que falou, ela completa:
— Seja corajosa, querida. Não faz mal deixar o
orgulho de lado e lutar pela felicidade. E já pensou que
você está cumprindo o propósito da pessoa que fez isso
com o exame? Não desista do seu relacionamento assim?
Fechei os olhos e deito novamente. Por mais que
eu queira, dói ser forte, dói perdoar e dói mudar. Mas eu
não quero perder o Henry, o amo de todo o meu coração,
só não sei como fazer dar certo. Não sei como corrigir
essa situação e nem por onde começar a lutar.
Levanto-me e tomo um banho, decidida a sair
desse estado lamentável. Minha tia tem razão, tenho que
resolver minha vida. Ficar trancada num quarto, chorando
e resmungando, não me levará a lugar algum, e muito
menos solucionará o problema.
Passo a manhã com os bebês, já que Estela está
ajudando com o almoço. Vai ser algo simples, será
somente para a família comemorar a chegada dos bebês.
Beatriz vai trazer o amigo, Adam. Eu ainda não o
conheci, mas ouvi maravilhas das meninas da loja. Parece
que além de bonito, o rapaz é eficiente.
Conforme as horas vão passando, vou ficando
nervosa, pois sei que reencontrarei o Henry. E a
expectativa de vê-lo me causa tanto alegria quanto receio,
pois não sei como reagir.
Deixo minha tia com os bebês e me arrumo. Uma
saia preta longa e uma blusa florida em tons de branco e
vermelho, daquelas com alças ajustáveis para facilitar na
hora de amamentar.
Uma rasteirinha e os cabelos soltos, já que
ficaremos em casa, quero me sentir à vontade.
Beatriz chega assim que fico pronta,
acompanhada do Adam. Ele é um homem bonito e muito
simpático. Alto pra cacete, tenho que olhar pra cima pra
ver seu rosto. Os olhos são de um azul bem claro, da cor
do céu, em uma manhã ensolarada.
Ele conta um pouco da sua vida, da sua mãe, da
irmã e também da sobrinha que adora. Ele não esconde o
amor pela sua família. O que aumenta mais ainda seu
charme!
A conversa é interrompida quando os bebês
acordam. Coloco os dois no carrinho duplo e os levo pra
sala. No entanto, sei que logo eles estarão no colo de
alguém.
— Ei, garotão! Como você é bonito. — Adam
parabeniza. — Os dois são.
— Obrigada.
— Você tem que segurá-los, Adam! É assustador.
— Bia brinca, e pega a Sophia no colo.
Adam a pega com facilidade.
— Esqueceu que sou tio?
Bia faz uma careta e coloca língua pra ele.
Um barulho bem conhecido interrompe a
conversa. Sophia acabou de encher a fralda. Adam faz
uma careta e a Bia ri.
— O que? Sua sobrinha não suja a fralda?
Balançando a cabeça, me levanto e pego a
pequena fazedora de cocô.
— Vou trocá-la. Já volto.
Já estava craque em limpar bumbum de bebê,
após duas semanas de fraldas sem fim. Então, sem
demora, Sophia já estava cheirosinha novamente.
— Coisinha mais linda da mamãe. — Pego-a do
trocador e a aninho em meu colo.
Cheirinho de bebê era tão bom!
Quando me viro para sair, encontro Henry parado
na porta, nos observando.
Meu coração entra numa corrida enlouquecida.
Ele me olha, seriamente, sem falar nada por
alguns instantes. Seu semblante está cansado. Seus olhos
sem brilho. Provavelmente, uma cópia da minha própria
expressão no momento.
Não tem como negar que ele também está
sofrendo.
— Está pronta pra conversar? — pergunta, com a
voz rouca.
— Agora?
— Não precisa ser agora. Mas precisamos
conversar, Cristine. Hoje.
Desvio o olhar de seu rosto. Doía ver o
sofrimento estampado em seu olhar. Me lembrando das
palavras da minha tia, confirmo, balançando a cabeça.
— Tudo bem.
Pronta eu não estava. Mas era necessário. Não ia
adiantar procrastinar. Só íamos sofrer mais.
Henry entra no quarto, devagar, atento a minha
reação, e se aproxima de mim. Odeio colocar essa
insegurança entre nós, deixando-o cauteloso ao se mover
perto de mim.
Quero dizer que não sinto medo dele, mas não
consigo.
Aperto Sophia em meu peito, usando minha filha
como alicerce. Meu corpo confuso, querendo se
aproximar e se afastar de Henry ao mesmo tempo.
— Contemplei um futuro sem você, Cristine —
diz, parando tão próximo que podia sentir seu perfume. —
E não gostei do que vi.
Ele levanta uma mão e brinca com a ponta de
alguns fios do meu cabelo.
— Sinto tanto sua falta.
Resfolego, me sentindo um pouco tonta. A
vontade de me aproximar dessa vez vencendo a de me
afastar dele.
— Ops! — A voz da Bia me sobressalta.
Dou um passo para trás e tento recuperar o
fôlego.
— Desculpe. Vir ver se precisava de ajuda. —
Ela diz, sem graça.
— Não. Já estamos voltando pra sala — digo,
sem olhar para o Henry.
Bia concorda e sai. Henry pega a Sophia dos
meus braços e a aconchega gentilmente em seu braço.
Quando estamos saindo do quarto, ele sussurra:
— Hoje, Cristine.
∞∞∞
O almoço foi divertido, tranquilo. Adam sabia
conduzir facilmente a conversa, não importa se era
comigo ou a Bia, com a Rachel ou a Estela, e nem mesmo
com o Pedro e o Henry. Apesar desses dois últimos
estarem dificultando um pouco as coisas.
Pedro estava visivelmente irritado com a
presença do Adam. Era engraçado de se ver. E Bia não
parava de revirar os olhos. Claro que ela tinha percebido
a tensão que seu amigo colorido estava exalando.
Henry só estava um pouco arredio. Talvez por ter
outro homem em sua casa. Ele já demonstrou certo nível
de ciúme anteriormente, então, não é surpresa que se sinta
assim.
Era muito estranho tê-lo em casa e não estar
perto, não o tocar ... nesses meses que passamos juntos,
Henry se tornou meu lar. Não estava sendo fácil vê-lo
como um estranho.
— Alguém está com ciúmes. — Brinco, bem-
humorada, quando Bia se aproxima.
Ela dá uma olhada a nossa volta, certificando que
estão todos distraídos.
— Não sei o que deu nesse homem.
— Ah, eu sei! Ele tá vendo a namorada de
conversinha com outro.
— Não sou namorada do Pedro. — Ela rebate,
imediatamente.
— Hum. Acho que na cabeça dele você é, sim.
— Preciso acabar com isso. Tá indo longe
demais. — As palavras convictas da Bia, contradizem o
desamparo em seu olhar.
Ela não quer terminar essa amizade colorida com
o Pedro. Não sei o motivo de tanta relutância.
— Vai com calma, amiga. Pode se arrepender
depois.
Seu olhar fica perdido por um tempo.
— Não. Acho que vou me arrepender se não
terminar com isso antes que vá longe demais.
Quero perguntar o que ela acha que é ir longe
demais em um relacionamento. Se apaixonar? Eu tinha a
impressão que já estava um pouco tarde demais pra isso.
Mas não era hora para discutir com ela.
Aliás, quem era eu para dar conselho amoroso
para alguém? Minha situação estava um caos.
Meus olhos procuram por Henry. Ele está do
outro lado da sala, ninando o Noah, e olhando pra mim.
HENRY
Esses últimos dias, têm sido uma verdadeira
tortura. Eu sinto falta da minha casa, da minha família, da
minha mulher ...
Como eu pude deixar a situação se agravar
assim? Cada vez que olho para os rostos dos meus bebês,
um remorso cruel machuca minha alma. Eu tinha duvidado
que eles eram meus filhos. E coloquei o nosso futuro em
risco.
Se eu estava desapontado comigo mesmo,
imagina a Cristine? Eu não sabia o que fazer se ela não me
perdoasse.
Procuro-a novamente pela sala. Só por poder vê-
la me sinto agradecido. Após nossa briga, eu não a tinha
visto mais.
Todos os dias, quando vinha visitar os bebês, ela
estava trancada no quarto. Cheguei até a ir à nossa porta,
mas desisti no último segundo. Deixei ela ter seu tempo
e esfriar a cabeça, colocando os pensamentos em ordem.
Mas, sinto que cheguei no meu limite! Não
suporto mais ficar longe dela.
Conversei bastante com minha mãe. Dona Rachel
me deu um sermão gigantesco. Acho que a última vez que
a desapontei assim, eu estava no colegial, quando entrei
numa briga com outro garoto.
E ela me fez entender o quanto eu fui tolo e
cheguei perto de estragar algo incrível.
Eu teria que me esforçar para corrigir meu erro.
E não desistiria. Cristine e os bebês são minha
família. E eu estava disposto a lutar com unhas e dentes
para mantê-los em minha vida.
∞∞∞
Quando, finalmente, todos vão embora. Começo a
ficar impaciente. Estar perto de Cristine e não poder tocá-
la, está acabando comigo. Sinto falta dela. Muito.
A ajudo, enquanto ela banha os bebês e os
prepara para dormir. Ambos têm dormido bem, mas têm
tido alguns episódios com cólica durante a madrugada.
Não conversamos muito enquanto cuidamos
deles, mas é prazeroso voltar a fazer algo tão cotidiano ao
seu lado.
Deus, eu precisava corrigir isso.
Quando só falta colocar o Noah no berço, a deixo
no quarto e a espero na sala. Tento organizar meus
pensamentos e o que falar pra ela. Não quero estragar as
coisas mais ainda.
Cristine demora muito. Incomodado, volto para o
quarto dos bebês. Os dois estão dormindo, pacificamente.
Confuso, procuro por Cristine. A encontro em
nosso quarto, perto da janela, com o olhar perdido no
jardim.
Instantaneamente fico apreensivo. Eu sei o que
ela está fazendo.
— Não fuja de mim, Cristine — murmuro,
entrando no quarto.
Ela me olha, assustado, e desvia o olhar.
— Não estou fugindo. — nega, sem muito
entusiasmo.
— Sim, está! Você fugiu na nossa primeira noite
no hotel, fugiu quando soube da gravidez e preferiu
escondê-la, fugiu na noite em que descobri, fugiu quando
tentei me envolver com você, fugiu quando me viu no
restaurante com a Carol, e fugiu quando resolveu esconder
suas suspeitas sobre o exame de DNA. Você vive fugindo,
Cris! — exclamo, exaurido. — Por favor, não fuja mais de
mim — imploro.
Eu queria tanto lutar por nós. Mas só iria
conseguir se ela parasse de correr. E isso só dependia
dela.
CRISTINE
Sinto uma enorme vontade de chorar. Fecho os
olhos, bem apertado. Suas palavras me quebram.
Ele estava certo?
Desde o fim do meu relacionamento com
Sebastian, fugir se tornou mais fácil pra mim. A fuga
evitava confrontos. E como eles me lembravam da fúria
de Sebastian, eu aprendi a fugir de qualquer meio que me
levasse a essas lembranças.
Mas Henry não é o Sebastian. Ele não merecia
ser tratado assim.
— Você tem razão — admito, ao abrir os olhos.
Henry tinha se aproximado ainda mais e me olhava
preocupado. — Foi confrontando e pressionando o
Sebastian que todo o problema desencadeou, e no fim,
acordei num hospital. — Dou de ombros. — Não sei,
talvez seja um sistema de defesa que eu criei.
Ele balança a cabeça, o olhar suavizado, e diz:
— Não foi culpa sua, por ter confrontado esse
cara, que levou a agressão, Cristine. A culpa disso é
totalmente dele, que tinha um problema e não buscou
ajuda.
Balanço a cabeça, freneticamente. As lagrimas
lutando para escapar.
— Está tudo bem, Cristine. — Ele chega bem
perto e segura meu rosto em suas mãos. — Está tudo bem.
Ele acaricia minha bochecha com o polegar.
— Me perdoa. — Ele diz, aflito. — Me perdoa
por ter te magoado tanto.
Deixo minha cabeça cair em seu peito. Toda a
dor da nossa briga enche meu peito. Não consigo mais
segurar as lagrimas.
— Não sei como reparar as coisas, Henry. Eu
quero, mas não sei o que fazer.
Choro, enquanto ele me segura em seus braços.
Me sinto tão desgastada emocionalmente. Só queria voltar
a ser feliz. Sem nada nos magoando desse jeito.
Henry volta a segurar meu rosto, me fazendo
olhar pra ele. Seu olhar recuperando o brilho que se
perdeu nesses dias separados. Ele estava determinado.
— Deixa eu consertar tudo, meu bem. Eu farei
isso por nós dois.
Ele se inclina e roça nossos lábios, suavemente,
testando nossa pele, matando a saudade. Suspiro, sentindo
a suavidade de sua boca e seu hálito quente. Henry, aos
poucos, aprofunda o beijo. E dentro de mim algo se
completa. Eu estava em casa outra vez.
Com certa resistência, ele nos separa. Me apoio
nele, ofegante, tentando controlar a respiração e alguns
hormônios rebeldes.
Ele acaricia meu cabelo e me olha,
amorosamente.
Relutante, dá um passo para trás, quando estamos
mais estabilizados.
— Por que pediu três exames, Cris? — pergunta,
quebrando o silêncio.
Então tinha chegado a hora de esclarecer as
coisas. Pensei em sua pergunta e procurei as palavras
certas.
— Depois que você pediu o exame, te notei
tenso. Você estava mais distraído e distante. E achei
estranho, depois de todo o tempo que estamos juntos, você
falar justo no final da gravidez sobre o teste de
paternidade. Ainda mais depois de ter afirmado que não
precisava de um, quando mencionei isso anteriormente. —
Franzo o cenho. — Pode chamar de paranoia, mas fiquei
incomodada demais. Me deixei levar pela intuição e pedi
os exames extras para a doutora.
— Você acha que o exame foi manipulado? —
pergunta, sério.
Pelo seu olhar eu sei que ele também pensa isso.
— Henry, somente o exame oficial é que deu
resultado diferente!
Ele aquiesce, pensativo.
— E foi a Carol — afirmo, sem hesitar.
Ele franze o cenho e diz, receoso:
— Não gosto de especular. E não é bom acusar
sem provas.
A indignação começa a borbulhar em mim,
quando ele completa:
— Mas, eu também acredito que possa ter sido
ela.
Apaziguada, respiro fundo. Eu sabia que aquela
megera estava metida nisso. Eu só não tinha como provar.
Ainda.
— Você acreditou no exame? — pergunta difícil
de se fazer, mas eu precisava saber.
Ele desvia o olhar, mas acena, confirmando. Meu
coração se parte mais um pouquinho, mas, tentando agir
com a razão, falo: — Tudo bem, Henry. Você não sabia o
que estava acontecendo, eu posso entender isso. Mas ... —
Solto um suspiro cansado, e fixo meus olhos em algum
ponto na parede. — Acho que o que doeu mesmo foi não
ter recebido o benefício da dúvida. Afinal, não sou
nenhuma estranha pra você, não é?
Henry puxa meu rosto para encará-lo novamente,
meu coração batendo forte, magoado com essa conversa.
Colocar as palavras pra fora era como cutucar uma ferida,
que ainda nem tinha se cicatrizado direito e já estava
sendo remexida.
— Eu sinto tanto por isso. E pode ter certeza que
toda vez que eu olhar nos olhos da Sophia e do Noah, eu
me arrependerei amargamente por ter acredito naquele
exame. Eu devia ter apostado no meu coração. Ele sempre
soube que eles eram meus. — Ele diz, agoniado, os olhos
cheios de culpa. — Eu fui fraco, Cristine. E nunca mais
vou deixar a insegurança abalar meu julgamento. Se eu
tivesse seguido meu instinto, o que meu coração sabia e
defendia, eu não teria causado essa confusão toda.
Ele beija, ternamente, minha testa.
— E eu jamais vou me perdoar por fazer você
sentir medo de mim.
Lagrimas enchem meus olhos pela centésima vez
hoje. A aflição e dor em sua voz, faz meu peito condoer-
se.
Me afasto dele para que ele veja a sinceridade no
que vou afirmar.
— Não tive medo de você, Henry. Nunca achei
que pudesse me machucar, foi só um reflexo defensivo
idiota.
— Você não deveria ter reflexos comigo.
— Já acabou. Não vamos ficar remoendo essas
coisas.
— Só se você me perdoar por toda dor que nos
causei. — Ele pede, tristemente.
Seguro sua mão e entrelaço nossos dedos.
— Só se me perdoar por ter exagerado e te
expulsado de casa. Eu não vou mais fugir, Henry. —
prometo, seriamente. — Haja o que houver, eu enfrentarei
com você. Por nós.
Ele fecha os olhos, brevemente, e usa nossa mão
entrelaçada para me puxar em sua direção. Vou para
dentro de seus braços, confortada. Começando a sentir
que as coisas estavam se encaixando novamente.
— Foi horrível ficar esses dias longe de você —
admite, torturado. — Nunca mais passarei uma noite longe
de você. Nunca mais!
Ergo minha mão e acaricio seu maxilar. Uma
coisa ainda me incomodava muito.
— Henry, me desculpe por ter falado aquilo. —
Não precisei explicar sobre o que eu estava falando, a
sombra de tristeza em seu olhar me disse que ele sabia
bem do que se tratava. — Eu fui injusta fazendo essa
maldosa comparação entre você e o Sebastian. Henry
você é tão melhor que ele. Nem se Sebastian quisesse, ele
chegaria aos seus pés. Me perdoa por isso!
Henry só acena, mas percebo o alivio tomando
conta do seu rosto. Eu tinha sido muito cruel com ele, e
me desculparia todo dia se fosse necessário.
Ele limpa meu rosto e só agora percebi que
estava chorando de novo.
Puxo o rosto dele para mim e junto nossas bocas.
Henry vem de bom grado e, com o beijo, encerramos esse
assunto.
A mágoa ainda estava presente, de ambos os
lados, mas o tempo tudo curava.
E não ia fazer a besteira de perdê-lo por falta de
coragem. Ele valia a pena. Eu lutaria com ele. Mesmo se a
luta fosse contra minhas próprias inseguranças. Nada ia
ficar no nosso caminho.
Não era assim que devia ser um relacionamento?
A união fazendo os dois mais fortes, não importando a luta
que enfrentassem?
Estava imersa em meus pensamentos e novas
convicções, quando Henry para o beijo. Com os lábios
ainda colados nos meus, ele sussurra, fazendo meu
coração pular uma batida:
— Casa comigo?
Era o momento para surtar, certo? Do coração
vacilar, da mente se sentir insegura ...
— Caso — respondi, prontamente.
Chega de dúvidas.
Daqui pra frente, seriam só certezas!
BEATRIZ
Abrir uma loja assim que saí da faculdade,
lutando pela independência? Moleza.
Terminar a porcaria de um rolo com o Pedro?
Impossível.
Tentei mandar as palavras saírem da boca umas
cinco vezes. Nada!
Eu estava fazendo o que era certo. O melhor
pra mim! – Tentei mentalizar algumas vezes.
Meu coração rebelde discordava.
— Está tudo bem, Beatriz? — Pedro pergunta,
avaliando meu rosto.
Ele já tinha notado que algo estava errado
comigo e, erroneamente, achava que eu estava preocupada
com Cristine.
Sim, eu não tirava a Cristine dos meus
pensamentos, mas tinha a sensação que eles se acertariam
hoje.
— Tudo! — minto.
Ele estreita os olhos, mas não insiste.
Estávamos no parque perto do meu apê. Três
anos morando aqui e eu só tinha visitado esse lugar uma
vez. Depois que comecei a sair com o Pedro, ele já me
trouxe aqui umas oito vezes.
Tinha se tornado um programa divertido. E,
provavelmente, eu não voltaria aqui mais.
Ele parou no carrinho de pipoca e pediu uma de
doce. Ele era viciado nisso.
Nego quando ele me oferece um pouco. Meu
estomago embrulhava só de pensar em comer, tamanha era
a tensão que eu sentia.
Paramos perto do carrossel estragado. Há anos o
brinquedo tinha deixado de funcionar, e não foi consertado
mais. O lugar era ótimo para casais querendo privacidade.
Ou para criminosos, dependendo da hora.
Minha memória se lembra de uns dias atrás,
quando tivemos um momento de amasso entre os cavalos
de brinquedo.
Pedro tenta manter uma conversa agradável, mas
não consigo me concentrar no assunto. Começo a ficar
irritada comigo mesmo. Não era pra ser tão difícil assim.
O problema é que eu já estava envolvida. Por
isso, não estava sendo nada fácil terminar com Pedro.
— Fala de uma vez, Bia. — Pedro, fala,
chamando minha atenção.
Seu olhar atento, fixo em meu rosto. Minha
garganta fecha e meus olhos ardem. Engulo em seco,
buscando coragem.
— Não está dando certo, Pedro.
— Por quê? — Ele pergunta, somente.
Estava na cara o que eu estava enrolando pra
falar?
— Não sei. — Faço uma careta. Eu podia
elaborar melhor meus pensamentos. — Só não quero
mais!
Pedro fica olhando para frente, porém, desconfio
que não está vendo nada especifico.
— Está com medo do que estamos virando. —
Ele fala, por fim.
Aceno a cabeça, confirmando.
— Sim! Você sabia que eu queria manter as
coisas casuais entre nós.
Pedro permanece, calado, olhando para o parque.
Um vento frio me faz estremecer. Ele percebe e começa a
andar.
— Vamos voltar. Está ficando muito frio.
Apreensiva, o sigo de volta para meu
apartamento. Ele está muito calado. E eu não sei o que
fazer. Sinto uma vontade imensa de voltar atrás. Mas eu
não posso. Eu estava me apaixonando por esse idiota
bonito, inteligente e divertido.
Quando chegamos na porta do meu apê, ele para
e enfia as mãos no bolso da calça jeans.
— Tem certeza disso? — pergunta, me
encarando.
Meu coração bate forte, tentando impedir a
burrice, que ele achava, que eu estava cometendo. Mas eu
sabia melhor. Esse pequeno órgão idiota teria que dançar
conforme a minha música.
— Sim, tenho — respondo, fracamente.
Minha mente estava confiante com minha
decisão. Mas todo o restante de mim, travava uma seria
batalha comigo.
Ele balança a cabeça, assentindo. Não consigo
pegar nenhuma reação dele. Pedro é muito bom em
esconder seus sentimentos. Mas ele me surpreende ao
dizer:
— Sei bem o quero pra mim, mas não posso
decidir nada por você. Não quero nada pela metade.
O que ele queria dizer com isso? O fito, confusa.
Ele não tinha o mesmo raciocínio que o meu, quando
começamos esse rolo?
Cadê o sujeito sem compromisso que conheci?
Por que ele estava tentando me confundir assim?
Sem me dar chance, ou tempo, para entender suas
palavras, ele se inclina e me dá um beijo no canto da
boca. Um beijo de despedida.
Fecho os olhos, me conformando em saber que é
a última vez que sentirei sua boca.
— Te vejo por aí, Bia.
Ele se vira e caminha pelo corredor. Não espera
o elevador e sai pela porta das escadas. Suspiro,
tremulamente. Uma dor profunda enchendo meu coração.
Deus, se doía agora, imagina se eu tivesse
deixado isso ir mais longe? Ele acabaria comigo.
Engolindo toda o sofrimento que ameaçava me
sufocar, entro para meu apartamento. Eu tinha feito minha
escolha. Só restava saber conviver com as consequências
dela.
Jogo minha bolsa na mesinha de centro e ligo o
aparelho de som. Música sempre me ajuda a extravasar.
Me concentro na letra da música e tento esquecer do olhar
agoniado que Pedro me deu, quando foi embora.
∞
"Você é tão difícil para eu entender
Me ama hoje e amanhã me abandona, sim
Mas se eu me apaixonar por você
Nunca me recuperarei
Se eu me apaixonar por você
Nunca mais serei o mesmo"
LOVE SOMEBODY – MAROON 5
∞∞∞
— Você me entende, Levine. Você me entende ...
CAPÍTULO 22
CRISTINE
Três meses depois...
— Está tão linda, minha filha! — Ouço a voz
embargada da minha tia.
— Está mesmo, Cris. Você está um arraso.
Suspiro, feliz, observando meu reflexo no
espelho. Hoje era dia de provar meu vestido de noiva.
O vestido é lindo e eu adorei o caimento em meu
corpo. Escolhi um estilo sereia, todo rendado, que
marcava perfeitamente as curvas do meu corpo. O decote,
discreto, em formato de coração dava um charme a mais.
Acho que me olhei por cinco minutos inteiros
antes de falar.
— Eu adorei o vestido! — Desvio o olhar do
espelho e olho para minha tia e a Bia.
Claro que elas não perderiam a oportunidade de
me ver provando o vestido.
— Meu amor, você está linda. É tão emocionante
estar aqui, vendo a minha pequena provando seu vestido
de noiva. Não tenho nem palavras — diz, emocionada.
Seus olhos marejados.
— Ah, não, tia! Se está chorando na prova do
vestido, imagina quando a ver no dia do casamento. —
Bia provoca.
— Eu posso, menina. É como ver a minha filha se
casando. É um dia importante pra ela, consequentemente,
pra mim também.
— Eu sei. — Bia, sorri e abraça minha tia. — Só
por isso está liberada. Pode chorar à vontade!
— Não pode, não. — Interrompo as duas. — Se
ela chorar, eu também irei. E tenho certeza que esse
vestido lindo não vai combinar com minha maquiagem
escorrendo pelo rosto.
— Tudo bem! Se chororô, eu entendi! — Estela
brinca e seca o canto dos olhos. — Agora deixa eu enviar
uma foto para mostrar pra Rachel!
Espero ela pegar o celular para me fotografar.
Rachel já tinha visto o vestido quando eu estava
escolhendo. E hoje ela ficou com a Sophia e o Noah para
que eu pudesse provar o vestido com tranquilidade.
Mesmo tendo a Nora e a Eva me ajudando, não
gosto de abusar das duas. E a Rachel cuida dos dois com
tanto amor, que eu nem fico preocupada quando saio de
casa e os deixo.
Noah e Sophia são mês bens mais preciosos. E
esses quatro meses de vida têm sido abençoados. Eles
estão se desenvolvendo muito bem. Espertos, risonhos,
barulhentos ... eles encantam nossos dias.
Noah é o mais calmo, ao contrário da irmã que
berra e esperneia sempre que se estressa. Ela tem uma
personalidade forte. Noah já é mais tranquilo e paciente.
E amam a companhia um do outro.
— O que vai fazer agora? — Estela pergunta,
quando saímos da loja.
— Vamos pra casa. Já pedi pra prepararem o
almoço. À tarde tenho que escolher o bolo e os doces.
— Ah, não. — Bia faz biquinho. — Eu queria
provar doces também.
— Não pode desmarcar?
— Não. Preciso aprovar logo o material senão
não ficará pronto quando mudarmos as vitrines.
Dou um abraço apertado em minha amiga antes
de ela sair. Por mais que alegue estar bem, era visível que
faltava algo nela. Bia perdeu o brilho que tinha no olhar
desde que terminou com o Pedro.
— Vocês, jovens, são tão tolas. — Minha tia diz,
após Bia partir. — Desperdiçando oportunidades de ser
feliz.
— Nossa. Obrigada, tia — desdenho.
— Mas é verdade. Você quase deixou o orgulho
acabar com seu relacionamento. E essa daí está fazendo o
mesmo, só que por teimosia.
Tive que concordar. E Bia era mestre quando
queria ser teimosa. Não ouvia ninguém. Batia o pé e
pronto.
Eu esperava do fundo do meu coração que ela
percebesse o erro que estava cometendo. Pois, o
sofrimento que a separação deles está causando um ao
outro não é banal. Não é de alguém que terminou uma
coisinha qualquer, uma aventura passageira.
∞∞∞
Assim que chego em casa, ouço o choro do Noah.
— O que foi com meu garotão?
— Ele não quer a mamadeira. — Rachel, diz,
segurando um menininho muito bravo em seus braços.
Sorrio e o pego no colo. Ainda amamentava os
dois, mas quando saía tinha que ser a mamadeira. Sem
contar que eles tomavam complemente nela.
Não que eles aprovassem isso. O peito da mamãe
é o preferido dos dois. Noah choraminga e começa a
esfregar o rosto em minha blusa.
— Calma, filho! Deixa a mamãe tirar o peito pra
fora — falo, rindo de seu desespero, e me sento na
poltrona.
Assim que sua boquinha começa a sugar o meu
seio, ele se acalma.
— Até parece que não mama há dias! — Rachel
se diverte com o neto esfomeado.
— E Sophia?
— Está no jardim com a Nora. Ela a levou para a
menina não se agitar por causa do choro do irmão.
Minha menina adora o jardim. Sempre que fica
nervosa, a gente corre com ela pra fora. Seus olhinhos
ficavam ávidos observando a plantação.
O Noah dorme no peito e Sophia também dormiu
enquanto passeava lá fora. Deixo os dois em seus berços e
encontro minha tia e a Estela na sala.
— Cristine, você está magnífica no vestido! —
Rachel diz, olhando o celular da Estela.
Minha tia tinha se empolgado e tirado várias
fotos.
— Obrigada, Rachel. Eu amei meu vestido
também!
— Agora só resta a última prova que é feita na
semana do casamento, certo? — Ela pergunta e eu aceno
confirmando.
— Ainda falta muita coisa?
— Um pouco aqui, um pouco ali. Só detalhes.
Graças a Deus, eu estava contando com a ajuda
de uma ótima cerimonialista. Ela sabia exatamente o que
fazer, facilitando as coisas pra mim.
Ela até tinha me dado uma agenda com o
cronograma de tudo o que eu tinha que fazer. Hoje, por
exemplo, tinha mais um compromisso. Que era escolher o
sabor do bolo e os doces.
Fiz uma nota mental de ligar para o Henry mais
tarde, o lembrando desse compromisso.
Volto a observar a Rachel e a Estela conversando
empolgadas sobre o vestido. Elas não podiam esperar
para o grande dia.
HENRY
— Flávia, mande o Pedro entrar. — Dou a
ordem pelo interfone. — E não estou pra ninguém nas
próximas horas, só transfira se for a Cristine.
— Sim, senhor.
Pedro entra segundos depois, carregando sua
pasta em uma das mãos.
— Sério que me deixou de molho? — Ele
reclama.
— Estava em uma videoconferência, Pedro. E
você não esperou mais do que cinco minutos.
— Tempo é dinheiro, chefe! O que precisa de
mim?
Nesse momento, o interfone toca. Levanto um
dedo para que ele aguarde.
— Senhor Banks, a senhorita Morgan na linha
2.
— Pode passar. — Faço um sinal para que Pedro
se sente. — Cristine?
— Henry. Desculpe se estou interrompendo, mas
seu telefone está caindo direto na caixa postal.
Pego meu celular e vejo que está sem bateria.
Droga.
— Sinto muito, amor. Nem percebi. Aconteceu
algo?
— Não. Quer dizer, só liguei pra te lembrar de
que às quatro, teremos que estar na confeitaria. — Ela
mal termina de falar e um choro estridente irrompe pela
ligação.
— Sophia? — Pedro, sussurra, impressionado.
Eu balanço a cabeça, confirmando. Só minha menininha
pra fazer esse escândalo todo.
— Henry, tenho que desligar. Não esqueça! —
Ouço o barulho de algo caindo no chão e depois a voz
abafada da Cristine. — Não, filha, não faz assim!
Dou uma olhada no relógio em meu pulso e ajeito
minha gravata. Já era quase duas da tarde.
— Meu bem, hoje meu dia está uma loucura. Não
podemos remarcar?
— Henry ... — ela responde com uma voz
ameaçadora.
Vejo Pedro dar uma risada e o olho. Ele sussurra
ao mesmo tempo que eu falo:
— Ela rosnou pra você?
— Confeitaria às quatro. Entendido, estarei lá!
Levanto o dedo do meio pra ele, que ri mais
ainda.
— Ótimo! Tchau, te amo!
Assim que eu desligo, Pedro começa com as
gracinhas.
— Uau. Ela assustou até a mim do jeito que falou
com você!
— Ela está nervosa com o casamento se
aproximando.
— Falta quanto tempo mesmo?
— Três meses!
— Está chegando! Está pronto mesmo para se
amarrar?
— Não vejo a hora. E você? Nada de se acertar
com a Bia?
— Não temos mais nada pra acertar, Henry.
— Sei.
— Não sabe de nada. — Ele retruca, irritado.
— Sei que os dois estão num humor do cão há
dois meses. Bia está terrível se quer saber.
— Me chamou aqui pra isso? Pra bancar o
psicólogo?
Reviro os olhos. É sempre assim. Quando eu toco
nesse assunto, ele desvia. E quando a Cris fala com a Bia
ela desconversa.
— Preciso que fale com a empresa de engenharia
que a gente sempre usa sobre esse contrato. — digo,
mudando de assunto, e passo um monte de papéis pra ele.
— É sobre o hotel em Chicago.
— Ok! Vou dar uma olhada.
∞∞∞
Estava arrumando minha maleta, apressadamente,
quando o interfone toca.
— Flávia, estou saindo e não vou atender
ninguém agora.
— Senhor, é uma ligação do detetive Bruce. Ele
diz que é urgente.
— Pode passar a ligação.
Bruce é um policial aposentado, que faz
freelance como detetive. Nem sempre seus métodos são
legais, mas eficientes.
— Bruce, tem notícias dos exames?
Ele estava investigando sobre os exames de
DNA. Estava quase comprovado que foi uma armação da
Carol.
Depois de muito pensar, decidi que vou abrir,
sim, um processo contra ela. Mas até agora tudo é
considerado prova circunstancial. Ela tentou destruir o
que tenho de melhor na vida. Está muito enganada se acha
que não vou retribuir o favor.
— Não, Banks! Liguei pra avisar que tenho
localizei o Sebastian Monroe.
Fico surpreso. Há meses ele estava tentando
encontrar o ex da Cristine, mas sem sucesso.
— Demorou. Ele está muito longe?
— Na verdade, não. Ele está a cem quilômetros
daqui, numa clínica de reabilitação.
A notícia me deixa sem reação. Pela demora em
encontrá-lo e, depois da ameaça da Estela de tornar o
caso público, imaginei que mandariam esse infeliz para
bem longe ... tipo, o quinto dos infernos seria um local
excelente.
— Vou mandar por e-mail tudo o que descobri.
Ele desliga e fico ainda alguns minutos na minha
cadeira. O que eu faria com essa informação?
∞∞∞
Bruce ligou novamente no final do dia. Ele tinha
uma ideia de como pegar Carol admitindo o que fez.
Estávamos esperando ele aqui em casa para discutirmos
melhor o assunto.
— Tem certeza disso, amor? — Cristine
pergunta, inquieta.
Ela queria que a Carol fosse responsabilizada
pelo que fez, mas se preocupava comigo. Afinal Carol era
amiga da família há anos.
Entretanto, esse relacionamento com a família
Atkins não tinha significância alguma se comparado com
meu relacionamento familiar. Cristine e meus filhos é o
que eu tenho de mais valioso. E Carol brincou não só com
isso, mas com o futuro dos meus filhos, colocando a minha
paternidade em dúvida.
Carol era alguém que eu tinha certa
consideração. Mas isso acabou quando ela tentou me fazer
mal.
— Tenho, sim. Carol foi longe demais. Ela vai
arcar com as consequências do que fez.
— Olha, eu descobri que a Carol teve um
envolvimento rápido com Rogerio, um de seus
funcionários.
Franzo o cenho. Carol já se envolveu com muitos
conhecidos. Não sei porque isso era importante.
— E a breve relação deles foi, justamente, no
período que ele insinuou sobre sua paternidade, Henry.
Quando contratei o Bruce para investigar sobre
os exames de DNA, ele pediu que nos lembrássemos de
qualquer pessoa que tivesse duvidado que eu fosse o pai.
Achei exagerado, mas relatamos tudo o que conseguimos
lembrar durante a gestação. Ninguém nunca atacou
abertamente, exceto a Carol, mas, de vez em quando,
alguém fazia um sútil comentário maldoso.
Rogério foi o que mais se atreveu quando me
perguntou se eu tinha certeza de que Cristine não estava
me dando um golpe.
De repente, a ficha foi caindo.
— Acha que o Rogério disse aquelas besteiras
por causa da Carol?
— Não sei. — Ele passa a mão em sua cabeça
raspada e depois ajeita os óculos. — Podemos chegar a
várias teorias. Precisamos eliminá-las se vocês quiserem
dar queixa. Não conseguiremos nenhuma evidencia se
ficarmos só nas hipóteses.
Cristine morde o canto da unha, pensativa.
— Como faremos isso?
— Confronto. — Bruce diz e sinto Cristine
enrijecer. Ela odeia confrontos.
— Confrontar os dois?
— Não. Somente o Rogerio, a princípio. Tenho
um bom pressentimento.
— Posso fazer isso — afirmo.
Cristine me olha, receosa.
— Vai dar tudo certo. — Tranquilizo-a. Olho pra
Bruce e pergunto: — Você só precisa que ele admita que
Carol tem algo a ver com a situação?
— Sim. Se ele admitir, eu já tenho algo
preparado a seguir.
— Vamos conseguir algo concreto contra ela?
— Se tudo ocorrer como planejo, é bem
possível.
Seguro a mão de Cristine. Eu só queria acabar
com isso pra deixar essa situação no passado.
∞∞∞
— Isso é um porre! – Pedro resmunga ao sair do
trocador pela vigésima vez.
— Eu não vou deixar você usar qualquer trapo no
meu casamento, Pedro — falo, achando graça.
Dou uma olhada em seu smoking.
— Não sei por que está demorando tanto pra
escolher um. Fica vendo milhares de defeito nas roupas,
parecendo mulherzinha.
— Vá se danar, Henry. Eu tenho mesmo que usar
esse troço? — pergunta, apontando para a faixa em sua
cintura.
— Sim, vai ter que usar o cummerbund. —
explico, pausadamente.
— Por que não posso trocar pelo colete?
— Porque eu irei usar o colete. E a Cristine já
escolheu o traje dos padrinhos. E, adivinha: você é o
padrinho. Quando for o noivo, poderá escolher.
Pedro bufa e sai resmungando de volta para o
trocador. Volta um pouco depois já vestido em suas
próprias roupas.
— Então vai escolher o último mesmo?
— Vou.
Saímos da loja depois de alguns arranjos e fomos
almoçar. Tinha praticamente arrastado o Pedro para
experimentar a roupa de padrinho. Cristine estava
querendo matá-lo pela demora em escolher sua roupa.
— Como estão as coisas? — pergunto, quando
nos sentamos, em uma lanchonete.
— Bem — responde, distraidamente, enquanto
passa os olhos pelo cardápio.
— Está vendo alguém?
Pedro estreita os olhos, desconfiado.
— Essa pergunta veio de você ou da sua mulher?
Não consigo reprimir um sorriso.
— Não pode culpá-la, certo?
— Fale pra Cristine que se a Bia quiser essa
informação ela que pergunte diretamente pra mim — diz,
rabugento.
Dou de ombros não insistindo no assunto. Eu
sabia que a Beatriz não tinha perguntado nada. A
curiosidade tinha brotado somente em Cristine. Ela não
estava aguentando mais ver a Bia sabotando a própria
vida sentimental – palavras da Cristine. Eu me
preocupava que Cristine acabasse se chateando ao tentar
consertar algo impossível.
∞∞∞
— Cristine, o pior que pode acontecer é ele me
irritar até eu querer dar uma surra nele.
Ela revira os olhos.
— É justamente isso que não quero que aconteça.
— Está tudo bem, amor. Vamos resolver isso e
enterrar de vez no passado, ok?
Hoje eu conversaria com o Rogério. Esperava
que a intuição do Bruce estivesse certa. Não aguentava
mais ficar de mãos atadas sobre esse assunto.
— Ainda não gosto disso. — Cristine, rebate.
Querendo desviar sua atenção do assunto que a
estava perturbando, e em parte por benefício próprio
mesmo, enlaço sua cintura e a beijo. Logo, ela envolve
seus braços em meu pescoço e não impede meus avanços.
— Estamos aproveitando o sono dos bebês? —
pergunta, quando afasta nossa boca a procura de ar.
— Estamos.
∞∞∞
Chego alguns minutos atrasado, não que eu me
arrependa do motivo, e peço para Flavia chamar o
Rogério aqui. Desde o dia que ele veio com aquele monte
de besteira, estava evitando sua presença.
— Mandou me chamar? — Ele pergunta, parado
na porta do escritório.
— Sim. Entre e feche a porta, por favor.
Espero que ele se sente na poltrona a minha
frente. Rogério tem sido cauteloso comigo. Sabe que suas
palavras estremeceram o nosso convívio.
— O que precisa?
— Por que veio falar comigo naquele dia,
Rogério?
Não preciso esclarecer o assunto. Obviamente,
ele sabe bem a que me refiro. Vejo seu pomo de adão
subir e descer. Ele ficou nervoso com a pergunta.
— Vou me desculpar com você pelo resto da vida
se for necessário — garante.
— Não preciso disso. Só quero saber o motivo
de você ter vindo falar comigo. Eu tenho pouquíssimo
convívio com os advogados, sócios e funcionários aqui da
empresa. Você era um dos poucos. Talvez, por estar
sempre perto do Pedro. Gostava de sair com vocês. E
nunca te vi sendo indiscreto ou se metendo na vida de
alguém. — Entrelaço meus dedos sobre a mesa. —
Entende minha dúvida?
Ele, pelo menos, tem a decência de parar
envergonhado.
— Eu sei. Realmente achei que estava ajudando,
se isso ameniza a situação.
Lembro das instruções de Bruce e pergunto
diretamente, avaliando sua reação:
— A Carol tem algo a ver com isso?
Rogério fica boquiaberto, inicialmente, depois
esfrega a mão no rosto.
— Não. Quer dizer... ela falou comigo, sim,
sobre isso. — Ele me lança um olhar culpado. — Nós
tivemos um pequeno caso, na época. E acabamos
conversando sobre sua ... situação.
Cerro os dentes ao ouvir isso, não gostando nada
de saber que minha situação já foi assunto de alguém.
Respiro fundo, pois ainda precisava conduzir a conversa
para onde eu queria.
— Sabia que a Carol foi a pessoa que mais
tentou atrapalhar meu relacionamento com a Cristine?
— Não. Ela nunca comentou desse tipo, Henry —
responde, confuso. — Quando nós conversávamos sobre
você era somente a respeito da gravidez repentina. Ela
nunca demonstrou nada além de preocupação de uma
amiga por você.
Penso com cuidado nas minhas próximas
palavras.
— Então você não faz ideia de que a Carol é
suspeita de adulterar um dos exames de DNA que fiz em
meus filhos?
Ele empalidece quando, finalmente, começa a se
dar conta da seriedade do assunto. Ele balança a cabeça,
negando enfaticamente.
— Não. Meu Deus! O que ... eu não ... — Ele se
cala, chocado, por alguns segundos. — Eu não sei de nada
a respeito disso, Henry.
Balanço a cabeça, calmamente, acreditando em
sua palavra. Sua surpresa foi real. Ele não poderia ter
atuado tão bem.
— Fico feliz em saber que não participou de algo
tão baixo. — Ergo uma mão quando ele começa a falar. —
Quer saber como pode compensar a burrice que fez e
consertar as coisas entre nós?
Ele me olha, intrigado, mas me dá um aceno
positivo.
— Você vai me ajudar a pegar uma confissão da
Carol.
Dúvida é o que sinto enquanto eu explico que
quero que o Rogério faça. Todavia, só quero poder viver
em paz com a mulher que amo. É pedir muito?
CAPÍTULO 23
HENRY
Era uma mentira pequena. Não! Era uma omissão.
Isso!
Bom, pelo menos, era o que eu tentava fazer
minha mente acreditar.
Hoje eu estaria fazendo algo escondido da
Cristine.
— Não vá se empolgar hoje, hein! — Ela
ameaça antes de sair do carro.
Continuo olhando pra frente, tentando esconder
minha diversão.
— Eu já disse que não vai ser nada de mais, meu
bem. Estou mais preocupado com a sua festinha aí. —
Aceno em direção ao hotel.
Faltava um mês para o casamento. Não achei que
isso fosse me afetar, afinal, não era grande coisa. Eu já
vivia com Cristine e a considerava minha mulher. A
cerimônia só era uma oficialização perante a sociedade.
Meros trâmites legais.
Só não sabia explicar o nervosismo que insistia
em tirar minha paz, conforme o dia se aproximava. Não
era medo do compromisso. Era um nervosismo no sentido
de expectativa. Surpreendentemente, eu estava ansioso
para me casar.
— Não vai ser nada demais. — Ela repete
minhas palavras.
Mas isso não me acalma. Não quando quem
preparou a despedida de solteiro dela, foi a Bia. Eu
começava a ter pequenos ataques cardíacos quando
imaginava o que poderia acontecer hoje.
— Sei.
— É sério, amor. Eu disse pra ela não se animar
e extrapolar. — Ela coloca a mão em meu rosto. Seu toque
me tranquilizando. Um pouco. — Eu não faria nada que te
chateasse, sabe disso, não é?
Um pingo de culpa me corrói.
— Eu sei.
Confundindo meu remorso com tristeza, ela se
inclina e puxa meu rosto em direção ao seu para um beijo.
— Não fique assim. Nos vemos mais tarde.
A observo sair do carro e entrar no hotel. O
vestido marcando suas curvas perfeitas me faz querer
colocá-la de volta no carro e levá-la pra casa.
Mas eu tinha um compromisso importante hoje. E
não teria outra oportunidade de me afastar sem que ela
percebesse.
Suspirando, ligo o carro e saio dali.
CRISTINE
— E a noiva chegou! — Bia exclama, animada.
Sorrio um pouco envergonha. A atenção de todo
mundo concentrada em mim me deixou encabulada.
A minha despedida ia ser no mesmo hotel que
conheci o Henry. Quem diria que minha vida mudaria
tanto em pouco mais de um ano?
— Não acredito que o Henry liberou você essa
noite.
— Ele não tinha motivo para impedir, Bia. —
Estreito os olhos. — Não vai acontecer nada demais.
— Se você diz ... — Ela dá de ombros.
Abro a boca para perguntar o que ela quis dizer
com isso, mas sou interrompida pelas outras meninas.
Bia convidou algumas amigas da faculdade que
ainda mantemos contato, algumas funcionárias da loja,
amigas de longo tempo ... ela pensou em todas.
Dou um abraço especial na Clara, afinal, ela deu
os convites do aniversário do Rogério. Graças a ela, e a
insistência da Bia, que eu conheci o Henry.
— Vamos começar a bebedeira! — Bia, grita,
erguendo um shot de tequila.
— Sabe que ela preparou dez tipos de shots
diferente para hoje? — Clara me informa, divertida.
Que Deus me proteja.
∞∞∞
Duas horas depois e eu não sabia como a Bia
estava de pé. Nunca a tinha visto beber tanto. E estava
achando incrível, e preocupante, sua resistência ao álcool.
Eu bebi um pouquinho, sim, mas tentei me
controlar. Na noite anterior, eu tinha preparado um
estoque de leite materno para meus bebes, já que não
poderia amamentá-los no dia seguinte após ingerir tanta
bebida alcoólica.
Agora, a situação da Bia ... bem, digamos que ela
afogando as mágoas com vontade.
— Como ela faz isso? — Fátima pergunta,
inconformada.
— Não sei.
— É um dom! — Bia responde, sentando ao
nosso lado.
A batida da música fazendo com que ela se
balançasse. Ou seria sintomas da bebedeira? Eu não
estava muito apta para julgar.
Fatima deixa seu corpo escorar, de uma forma
nada graciosa, no sofá.
— Eu te odeio.
— Invejosa.
Gargalho quando vejo a Fatima fazendo um gesto
obsceno para a Bia.
— Bem que você podia ter autorizado os
strippers. — Bia, reclama. — Não sente que está faltando
algo?
Quando eu balanço a cabeça negando, ela me
mostra a língua.
— Eu acho.
— Ah, é mesmo! Eu sei o que você sente que
falta — falo, convencida. — Se chama Pedro.
Bia me olha feio. Mas me sinto corajosa por
causa do teor alcoólico no meu sangue, por isso continuo
a provocação:
— O cara é bonito, inteligente, tem um excelente
emprego e, segundo você, é bem-dotado. — Balanço a
cabeça, revoltada. — Estou duvidando de sua sanidade
mental, amiga.
— Arg! Esquece esse homem.
— Olha quem fala!
— Você romantizou uma história que já acabou,
Cris — mente, descaradamente.
— Por que está sofrendo tanto, amiga?
Ela não me responde. Aproveito e insisto:
— Você se afastou dele pra não sofrer, mas está
sofrendo do mesmo jeito. Qual a lógica disso?
— Você não entende — murmura, desanimada.
— Não mesmo.
Vejo-a mastigar o polegar e o olhar perdido.
Aproveitando o momento filosófico, solto:
— O corajoso pode não viver para sempre, mas
o cauteloso nunca vive plenamente.
Tanto a Fátima quanto a Bia me olham
boquiabertas.
— Você acabou de citar o Diário da Princesa?
Depois de um silêncio atordoado, explodimos em
gargalhadas.
— Oh, meu Deus! Acho que bebi demais.
— Eu não sei o que é pior: você citar esse filme
adolescente ou a gente ter entendido a referência! — Bia
diz, em meio aos risos.
Levantamos para dançar mais um pouco, mas
pela expressão da Beatriz, a conversa toda sobre o Pedro
a deixou meditativa. Espero que ela repense sua decisão.
Estava cansada de ver minha amiga sofrer.
HENRY
— Me explica de novo. Por que está perdendo a
própria festa de despedida?
— Não vou perder. Só chegarei um pouco
atrasado.
Apesar da música alta, ouço praguejando.
— E quer que eu invente uma desculpa para o
seu atraso?
— Exatamente.
— Tá! Mas é bom não demorar muito.
Não disse onde eu estava indo e nem direi. Isso é
algo que ninguém precisa saber. Cristine que me perdoe,
mas nem mesmo ela vai descobrir isso.
Eu só precisava olhar na cara daquele monstro.
Precisava me certificar de que alguém mais sabia a
atrocidade que ele tinha feito com a Cristine. E que se ele
se aproximasse dela novamente, ele iria pagar.
∞∞∞
Olho ao redor, enquanto aguardo por Sebastian
na sala de espera. O local é chique, constato revoltado.
Sebastian não deveria estar aqui, nessa
mordomia. Deveria estar na cadeia.
A porta dupla faz barulho ao abrir e meus olhos
focam no homem, moreno, se aproximando. Ele me
encara, cauteloso, confuso por eu estar aqui.
— Olá? — cumprimenta, indeciso. — Me
informaram que queria me ver.
Aceno e aponto para a cadeira. Ele se senta e
continua a me sondar. Alto, magro, olhos claros ... um cara
de boa aparência, aparentemente, inofensivo.
— Nos conhecemos?
— Não. Mas sei algumas coisas sobre você.
— Mesmo? Como o que?
— Cristine tem histórias interessantes sobre
você.
Reconhecimento brilha em seu olhar. Sua postura
fica apreensiva.
— O que sabe sobre Cristine? — Sua voz
também se tornou hostil.
— O suficiente pra achar que você está no lugar
errado.
Ele olha a nossa volta, desconfiado.
— Não sei o que ela te falou, mas nossa história
deveria ser... confidencial.
— É isso o que vim dizer, não existe mais
história com a Cristine. Ela já faz um bom trabalho em
manter você no passado. E eu irei garantir que você seja
esquecido da mente dela. — Ele estreita os olhos, ao
compreender meu relacionamento com a Cristine. — Ela
agora tem alguém que a proteja. E Deus te ajude se você
algum dia sair desse lugar e resolver chegar a cem metros
dela.
Ele me olha por um tempo e depois balança a
cabeça.
— Entendi.
Antes de perder o juízo e devolver cada
machucado que ele deu a Cristine, me levanto, sem
importar o barulho que a cadeira faz ao ser arrastada
bruscamente.
Quando me viro, ele diz:
— Sei que errei com ela. Me arrependo do que
fiz.
— Duvido. Se estivesse arrependido teria ido a
uma delegacia e admitido o que fez, como um homem de
verdade. Mas, então, um homem de verdade nunca
encostaria um dedo em uma mulher. Olha onde você se
escondeu: eu um hotel de luxo — falo, ironicamente, e
olho ao redor.
∞∞∞
O dia já tinha amanhecido quando o táxi parou
em frente ao hotel onde Cristine estava. O carro tinha
ficado no estacionamento do bar, eu o buscaria mais tarde.
Eu sentia um leve zumbido na cabeça, mas não
tinha bebido demais. Minha adorável noiva, porém,
parece ter perdido a conta.
— Querido! — Ela joga os braços em volta do
meu pescoço. — Senti sua falta.
— Eu também. Se divertiu?
Ela balança a cabeça, sonolenta.
— Vamos pra casa?
— Sim. Quero ver os meus filhos.
— Talvez depois de umas horas de sono e um
bom banho.
Ela afasta o cabelo do rosto. Nunca em minha
vida eu tinha achado uma mulher com a maquiagem
borrada, bonita. Mas Cristine estava, constantemente,
mudando meus conceitos.
— Ok. Pedro veio?
— Estou bem aqui.
— Posso saber por que pediu pra ele vir?
— Bia precisa de ajuda. — Ela diz, balançando
o polegar em direção ao hotel. — Ela, finalmente, ficou
bêbada. A mulher é uma esponja! Certeza que hoje ela
quebrou algum recorde pessoal.
Pedro a encara com o cenho franzido, depois
suspira.
— Onde ela está?
— Lá dentro, apagada em um dos sofás.
Cristine tenta ficar na ponta dos pés e se
desequilibra. Agarro sua cintura, a mantendo no lugar. Ela
puxa meu pescoço e tenta sussurrar.
— Não conta, mas estou agindo como cupido
agora. Vou reaproximar o Pedro e a Bia — afirma,
tropeçando em algumas palavras.
Dou risada. Acho que todo mundo no hall ouviu
seu plano mirabolante.
— Vou lá, então. — Pedro diz, infeliz, por ser
alvo do cupido.
Balanço a cabeça, achando graça da expressão
presunçosa de Cristine, enquanto ela observa meu amigo
ir atrás da Bia.
— Podemos fazer sexo no banco de trás do táxi?
Coloco a mão cobrindo a boca de Cristine.
— Não — respondo, rindo.
Ela faz biquinho e encosta a cabeça em meu
ombro. Beijo o topo de sua cabeça e logo seu corpo
relaxa, quando ela adormece.
Pego a Cristine no colo e a levo para dentro de
casa. Eva nos recebe na porta.
— A festa foi boa — comenta, vendo Cristine
apagada.
— Imagino que sim. Tudo bem por aqui? —
pergunto, caminhando rumo ao nosso quarto.
— Tudo. Os bebês dormiram a noite inteira. A
dona Estela ainda não se levantou. Um homem veio atrás
do senhor. Disse que tinha algo para te entregar. Deixei lá
no quarto.
— Ok. Obrigado, Eva.
Ajeito a Cristine na cama e, antes de ir tomar um
banho, vejo o envelope no criado. Retiro e abro a nota
dele.
“Meu presente de casamento pra vocês. Mais
uma vez, sinto muito. ”
Dentro do envelope, encontro o gravador que
Bruce deu para o Rogério.
Ele tinha conseguido a confissão!
BEATRIZ
Eu só queria dormir. E rir. Algo em minha mente
alertou: eu estava bêbada.
Era sempre assim ... toda vez que bebia demais,
eu me tornava o ser mais risonho da face da terra.
E olha que nem estava feliz.
Por isso o álcool seria meu melhor amigo a partir
de hoje.
De repente, um cheiro maravilhoso, e familiar,
inundou meus sentidos. Eu não conseguia me lembrar de
onde ele vinha, mas me aconcheguei melhor, querendo
aproveitar cada instante.
Eu estava sendo carregada?
Tentei abrir os olhos, mas a tarefa era difícil.
Minha visão borrada e zonza me fez fechar os olhos outra
vez.
— O que aprontou, hein?
— Pedro? — pergunto, confusa.
Eu não conseguia me concentrar. Mas essa voz
era inconfundível. Era o Pedro que estava falando comigo.
— Estou aqui, sua pequena maluca. Está se
sentindo bem?
Tento focar minha visão nele. Pedro me olhava,
preocupado. O que ele estava fazendo em meu
apartamento?
— Está me ouvindo, Bia? Está tudo bem?
— Acho que sim.
Meu estomago estava embrulhando. Ah, não! Eu
não podia vomitar agora.
Me concentro novamente em Pedro e meu
coração se aperta. Se não me engano, estou deitada em
minha cama e ele está agachado ao meu lado.
O seu perfume me trazendo recordações
agradáveis e dolorosas. Eu sabia que não devia falar, mas
não consegui evitar:
— Sinto sua falta. — Pedro me olha,
atormentado. Encosta sua testa na minha e fecha os olhos.
— Muito mesmo.
O sono chega tentando me levar pra longe. A
noite tinha sido divertida, mas eu estava exausta.
— Queria que você dissesse isso sóbria. — A
voz dele capta minha atenção. — E algumas semanas
atrás.
— É tarde demais? — pergunto, sonolenta?
— Receio que sim.
Ele retira, delicadamente, alguns fios de cabelo
do meu rosto. É triste ver o olhar frustrado em seu rosto.
Eu não conseguia encontrar as palavras certas agora.
Mas de uma coisa meu inconsciente bêbado
sabia: eu tinha estragado tudo.
CAROL
Jogo o celular em cima da cama. Que ódio! Em
todos os grupos na internet, só se falavam no evento de
hoje.
Hoje era o dia do jantar na casa da Rachel. Jantar
em comemoração ao casamento dos pombinhos.
Casamento que seria exatamente daqui uma
semana.
Maldição! Como as coisas chegaram até aqui?
Onde foi que eu errei?
Amarro o cadarço do tênis com mais força do
que o necessário. Espero que aquela mulherzinha acabe
com a vida do Henry. Esse idiota!
O problema era dele se não reconhecia onde sua
verdadeira felicidade estava.
Eu não ia mais perder tempo com ele.
Prendo meu cabelo em um rabo de cavalo e dou
mais uma conferida no espelho. Tudo perfeito, como
sempre.
Estou descendo as escadas quando escuto minha
mãe me chamar. Estava cansada de depender deles.
Custava me dar um apartamento para eu viver só? Eles
estavam ficando velhos e mesquinhos.
— O que é? — pergunto, quando saio do último
degrau.
Minha mãe tem um olhar de repreensão quando
passo por ela.
— Você tem que assinar o documento.
— Que documento?
— Senhorita Carol Atkins? — O homem parado
na porta, pergunta. — Está sendo intimada para
comparecimento em audiência.
Meu coração acelera. Vou até o oficial e assino o
papel que me entrega. Faço cara de paisagem, enquanto
minha mãe me observa, atentamente.
— O que você fez dessa vez? — minha mãe
pergunta quando o oficial vai embora.
Dou de ombros, enquanto meus olhos passam
pelo documento.
— Deve ser algum engano, mãe — minto.
Volto para as escadas e subo em direção ao meu
quarto. Minha mãe ainda grita meu nome por alguns
segundos, mas logo desiste.
Eles não têm nenhuma prova!
Sim, eu fui a responsável pela falsificação do
exame de DNA. Eu conhecia uma amiga que estava de
rolo com um enfermeiro do hospital. Ele tinha algumas
dividas e eu um problema. O útil ao agradável.
Tudo muito discreto, e dei um jeito de nenhum
rastro chegar em mim.
A única pessoa no mundo que sabe o que fiz é o
enfermeiro. E ele não diria nada, pois, ele que sujou as
mãos.
Não achei que o Henry se ofenderia tanto no final
das contas. Tudo não acabou sendo resolvido? Ele não
descobriu que os bebes são seus filhos?
Não sabia o motivo de tanto drama.
De repente, uma lembrança me abala.
Há algumas semanas eu tinha saído com o
Rogério. E eu acabei contando pra ele sobre minha
pequena travessura. O que o idiota tinha feito?
CAPÍTULO 24
CRISTINE
— Não acredito nisso! — Henry, esbraveja,
irritado. — Como a Carol saiu da cidade?
Ele anda de um lado para o outro, quase fazendo
um buraco no chão.
— Ela, simplesmente, saiu. — Bruce explica,
pacientemente, sem se deixar afetar pelo nervosismo dele.
— Ela foi avisada, como é procedimento padrão, que não
deveria deixar a cidade por causa da investigação. Mas
isso só vai ser mais uma consequência negativa pra ela.
— E o que fazemos agora? — pergunto,
frustrada.
— Nada. Vocês já fizeram a parte de vocês
quando a denunciaram. Agora é confiar na justiça!
Carol tinha admitido na fita que tinha armado a
falsificação do exame. Ela pagou um enfermeiro para que
ele trocasse a amostra de sangue do Henry por uma dele
mesmo, alterando assim, o resultado.
Mas ela foi esperta. Não teve contato direto com
o enfermeiro, se teve não descobrimos. Foi cuidadosa ao
negociar com ele. Provavelmente, pagou em dinheiro.
Nada ligava ela ao enfermeiro. Ela tinha sido muito
esperta.
Mas a fita mudava as coisas. Ela não deu
detalhes de como agiu, mas admitiu ter planejado tudo.
Era o suficiente. Pelo menos, foi o que o detetive afirmou.
Ouço Henry suspirar. O problema é que a Carol
tem dinheiro. E isso facilita que a pessoa saia de
situações assim.
Tudo que eu menos queria era ver a Carol
impune. Mas o detetive estava certo. Nossa parte foi feita.
Agora, tínhamos que esperar a justiça fazer a dela.
∞∞∞
Os dias estavam passando tão rápido que, às
vezes, eu ficava um pouco perdida. De repente, estávamos
a uma semana do casamento.
Hoje à noite seria o jantar de comemoração.
Felizmente, eu tinha a cerimonialista, que era um anjo
enviado pelos deuses. Eu não me imagino cuidando de
gêmeos e planejando um casamento ao mesmo tempo.
Confiro a maquiagem, vendo meu reflexo no
espelho. As pessoas logo começariam a chegar e eu
precisava estar lá embaixo com o Henry.
Bia também retocou o batom.
Estávamos na casa da minha sogra, onde também
ocorreria o casamento. O jardim dela era lindo demais
pra não ser aproveitado sempre que possível.
— Só isso? Ele só te deixou em casa? Não rolou
nada? — pergunto, desapontada com o Pedro.
Bia dá de ombros.
— O que queria que acontecesse, Cris?
— Que vocês, finalmente, se acertassem! Nossa,
que casal difícil! — reclamo, contrariada.
Bia sorri, mas não diz nada.
— Você precisa resolver isso, Bia. E não adianta
negar, dá pra ver que você gosta dele. Na verdade, eu só
insisto tanto porque vejo o quanto você tá sofrendo desde
que essa amizade colorida de vocês terminou.
Pra minha surpresa, ela não nega.
— Eu sei, Cris — fala, e guarda o batom em sua
bolsa. Olha pra mim, e diz: — Pretendo falar com ele
hoje.
Uau! Isso foi inesperado. Bia ri da minha
expressão.
— Te deixei sem palavras, não foi?
— Sim, deixou — assumo, alegre. — Você
estava sendo teimosa por tempo demais.
Seu sorriso vacila.
— É, eu estava. Mas você tem razão. Ficar sem o
Pedro está me fazendo sofrer. Eu ainda não sei se isso
entre nós pode dar certo, mas cansei de lutar contra o que
sinto. Estou exausta de fingir pra mim mesma.
— Finalmente! Não sabe como fico feliz por
você.
— Obrigada. Mas, não sei se iremos resolver
algo, Cris. Pedro está... distante!
— Você o afastou. É normal que ele tenha essa
reação.
— E se ele tiver seguido em frente? — pergunta,
insegura.
— Ei, eu o vejo com frequência e ele tem esse
mesmo olhar triste no rosto. E se ele tivesse com outra,
Henry teria me contado.
— Ouvi meu nome? — Henry pergunta, parando
na porta do banheiro.
— Ouviu. Mas, de dez palavras que sai da boca
da Cristine, nove é sobre você! Então não é nenhuma
surpresa, certo? - Bia falou brincando.
Meus olhos estavam presos ao Henry. Ele vestia
uma camisa social preta, calça chumbo e seus sapatos
italianos. Gente, como suportar tanta beleza?
Percebo seus olhos varrendo meu corpo. Ele
tinha ajudado a escolher o vestido e pelo olhar em seu
rosto, estava satisfeito.
O vestido verde esmeralda, era de um ombro só,
estilo grego, justo no busto e cintura, e solto do quadril
pra baixo. Uma fenda gigante do lado direito, deixando
minha perna toda de fora.
— Vai começar o momento meloso de vocês
dois, não é? — Bia resmunga, ao notar o clima mudando.
— Ah não. Ninguém merece. Vou esperá-los do lado de
fora.
Escuto ela fechando a porta do quarto quando sai.
— Você está linda! — Henry se aproxima.
Mesmo com salto, eu ainda ficava alguns centímetros
menor. Ele enlaça minha cintura e eu me penduro em seu
pescoço. — Espetacular seria uma palavra melhor,
senhora Banks.
— Obrigada. E sua mãe é a senhora Banks!
— Mas, logo você também. — Ele franze a testa.
— Você vai querer usar meu sobrenome, não é?
— Claro — respondo, alisando as linhas
franzidas de seu cenho. — Quero me prender a você de
qualquer jeito que eu puder. Orgulhosamente, serei a
senhora Banks. Se quiser, eu posso até tatuar.
— As únicas marcas em seu corpo serão,
ocasionalmente, das minhas mordidas em você. — Pra
fazer seu ponto, ele mordisca a minha orelha.
— Henry ... — Tento repreender, mas parece
mais um pedido.
— Nós podemos ter alguns minutos. Posso
trancar o quarto e ...
— Não, senhor. — Me desvencilho dele. —
Pode parar com isso. Estamos na casa da sua mãe.
Beatriz, inclusive, está logo ali nos esperando.
Henry solta um longo suspiro, dá mais uma
olhada em meu corpo, mas assente.
— Vim aqui por outra razão também!
— Está tudo bem? E as crianças?
— Sim. Já estão desfilando nos colos das avós. E
eu vim te entregar isso. — Ele retira uma caixinha de
veludo do bolso. — Esse anel era da minha mãe. Meu pai
deu pra ela quando noivaram. Ela me deu pra que fosse da
minha esposa.
Ele retira da caixa um anel com um solitário
lindo. Sorrio, emocionada, enquanto ele o coloca em meu
dedo.
— Pra ser sincero, não quero ser como meu pai.
Pretendo te fazer muito feliz e ser feliz ao seu lado. Quero
que você e nossos filhos tenham uma boa lembrança do
marido e pai que eu quero ser.
— Você é perfeito para nós, amor! — exclamo e
o puxo pela nuca até seus lábios encontrarem os meus. —
Eu te amo, Henry. Vou te amar por toda a vida.
Ele aprofunda o beijo e quase me perco em seus
braços. Mas uma batida na porta me traz de volta a
realidade.
— Ei, vocês dois. A lua-de-mel ainda não
começou. Nada de consumar alguma coisa aí agora!
Eu dou uma risadinha e Henry faz uma careta
para a porta. Ajeito nossa roupa desalinhada e juntos
saímos do quarto.
Era hora de falar com os familiares e amigos
presentes. Olho mais uma vez para o anel em meu dedo. A
vida estava tão perfeita!
BEATRIZ
Passei a semana organizando meus pensamentos e
decorando argumentos. Eu tinha que conversar com o
Pedro.
Cristine estava certa. Eu estava sofrendo por
causa dele. E a culpa era toda minha. Eu tinha fugido e o
mandado embora.
Eu tinha que dar um jeito de consertar isso.
Bufo, ouvindo o casal apaixonado trocar caricias
logo atrás de mim. Henry e Cristine estavam começando a
ficar insuportáveis.
Estava saindo pelas portas duplas da varanda,
quando paro bruscamente.
— Bia? O que é isso? Quase passei por cima de
você. Bia? — Ouvi a voz da Cris, mas não conseguia
desviar o olhar da cena um pouco a nossa frente.
Cristine deve ter reparado, pois tentou encontrar
o que eu encarava.
— Oh, merda! Henry, por que não me disse que o
Pedro viria acompanhado?
— Porque eu não sabia! Cadê ele?
— Na pista de dança.
Ouvi os dois sussurrando, mas meu corpo estava
entorpecido. Toda minha coragem e determinação se
evaporou quando vi Pedro dançando com uma mulher na
pista de dança.
Ele sorria, largamente, enquanto rodopiava ao
som da música com ela. Ele sorriu muitas vezes assim pra
mim também. Ver isso doeu!
— Quem é ela? — Foi a última coisa que ouvi a
Cris falando.
De repente, não queria saber quem era ela.
Andei rapidamente para longe dali. Fui direto
para o bar. Não sei o que seria dos corações partidos se
não existisse chocolate ou álcool!
Só queria correr pra minha cama, me enrolar
numa bola, e chorar. Depois de dois drinques, decidi que
não sofreria assim mais. Hoje era o dia da Cristine.
Eu poderia estar um caco por dentro, mas, por
fora, ela encontraria a amiga feliz por ela.
Me esquivei de muita gente. Se Pedro estava de
um lado, eu ia para o outro. Resolvi não afogar minhas
mágoas no álcool, pelo menos, não aqui. Ia esperar chegar
em casa pra fazer isso.
Dei uma volta no jardim, na parte mais distante
das pessoas, tentando respirar ar puro. Como se isso fosse
amenizar a dor que estraçalhava meu peito!
Cinco minutos ali e senti alguém se aproximando.
— Você é boa em se esconder. Tem um bom
tempo que estamos te procurando.
— O que foi, Henry?
— Cristine está preocupada. Por que saiu
daquele jeito?
— Estou bem.
— Beatriz, sobre o Pedro ...
— Não quero falar sobre ele. Já vi. Ele seguiu
em frente.
— Meu Deus, como são teimosos! — Ele
reclama, olhando para o céu. — Se não tivesse fugido,
teria escutado quando eu respondi para a Cris, que aquela
mulher com o Pedro é a irmã dele.
— Irmã?
Henry assente. Quase desabo de alívio.
— Cristine me disse que você ia tentar resolver
as coisas hoje. Não acha que está perdendo tempo se
escondendo?
— Cristine é uma fofoqueira. — Sinto o medo
ameaçando me invadir de novo. — Eu não sei o que fazer!
Henry me observa, calado, sem saber o que dizer.
— Diz a verdade. Diga o que sente. Mesmo
ficando meses separados, ele não seguiu em frente como
você achou. Acho que no fundo, ele está esperando por
você.
— Ainda não sei o que fazer!!
Henry revira os olhos.
— Cante.
— O quê?
Cristine para ao lado de Henry, e ele a puxa para
dentro de seus braços.
— Cante. — Ela repete, me olhando com
expectativa. — Lembra na faculdade? Você não podia ver
um karaokê. Você sempre soube se expressar através da
música. Não sei por que parou. — Ela lembra, sorrindo.
— Então, vá lá agora e cante o que seu coração está
sentindo!
— Cris, eu não canto desde a faculdade!
— É pelo Pedro! Não vale a pena arriscar?
Meu coração estava acelerado, mas
estranhamente comecei a me sentir confortável com essa
ideia. Será que eu conseguiria fazer isso agora? Era
diferente quando fazia isso por diversão na faculdade.
Mas... era o Pedro. Eu não vou perdê-lo uma
segunda vez.
Decidida, começo a andar em direção a festa
novamente. Cristine sussurra algo para o Henry e depois
ele responde:
— Eu não vou perder isso por nada. Vou até
gravar!
∞∞∞
Quando chego na pista de dança, olho para o
pequeno palco improvisado. Ele foi colocado para que a
banda tocasse durante a noite. Cristine adora bandas ao
vivo.
Começo a suar frio. Nervosa, procuro por Pedro.
O encontro no bar conversando com outros caras.
Inspire e expire, Bia!
Peço o microfone para o pessoal da banda e se
eles podem tocar uma música pra mim.
As pessoas conversam distraídas, espalhadas
pelo jardim.
Respiro fundo mais uma vez.
— Com licença!
Sinto minhas mãos ficarem suadas quando ganho
a atenção das pessoas.
Ok, isso vai ser complicado. Umedeço meus
lábios secos com a língua.
— Olá. — Sorrio, sem graça. Cristine me dá um
aceno incentivador. — A vida é feita de acertos e erros. E
aprendemos a conviver com as consequências das nossas
atitudes, sejam elas boas ou não. — Arrisco um olhar na
direção de Pedro. Ele está me encarando, atentamente. —
Eu cometi um erro. E as consequências dele foram
dolorosas demais. E, se eu tiver a oportunidade, quero
tentar consertá-lo.
Com um aceno, a banda começa a tocar a música
que pedi.
Não deixo que o constrangimento atrapalhe. Fixo
os olhos em Pedro, deixando claro que as palavras
cantadas são para ele.
∞
"Você está na defensiva, e eu sei por quê
Porque a última vez que você me viu
Continua queimando no fundo da sua mente
Você me deu rosas e eu as deixei lá, para morrerem
Então aqui estou eu engolindo o meu orgulho
Em pé na sua frente dizendo que sinto muito por aquela
noite”
∞
Pedro continua de pé, sem demonstrar qualquer
emoção. Seu olhar, porém, acompanhava cada movimento
meu.
∞
“E percebi que eu te amei no outono
E então veio o frio com os dias escuros
Quando o medo invadiu a minha mente
Você me deu todo o seu amor e tudo que eu te dei foi um
adeus
Eu sinto falta da sua pele bronzeada, do seu doce
sorriso
Tão bom para mim, tão certo
Mas se nos amássemos novamente, eu juro que te amaria
certo
Eu voltaria no tempo e mudaria tudo, mas não posso
Então se a sua porta estiver trancada, eu entendo
Mas aqui estou eu engolindo o meu orgulho
Em pé na sua frente dizendo que sinto muito por aquela
noite
E eu volto para dezembro
Acontece que a liberdade não é nada além de sentir sua
falta
Desejando ter percebido o que eu tinha quando você era
meu"
TAYLOR SWIFT – BACK TO DECEMBER
∞
Agradeço quando aplausos indicam que a música
terminou, e desço do palco. Cristine estava eufórica.
Tento não revirar os olhos pra sua torcida nada discreta.
Olho novamente para o Pedro, mas não o
encontro. Ele sumiu.
Sinto meu peito apertar com a decepção. O que
eu estava esperando? Eu nem sabia ao certo ...
— Não sabia que cantava! — Sua voz familiar,
logo atrás de mim, me faz fechar os olhos.
Ele não estava me ignorando. Era um bom sinal,
certo?
— Pois, é! — Dou de ombros. — Pequeno
passamento da faculdade.
Ele fica em silêncio. Droga! Eu que tinha que dar
o primeiro passo? Nunca estive nessa posição. Ter que
encontrar as palavras que melhor descriam os meus
sentimentos.
— Pedro, eu ... eu sinto muito. Eu ... — Paro,
irritada sem saber o que dizer. Ou melhor, como dizer. —
Eu não devia ter terminado as coisas ... Mas, fiquei com
medo. — Atropelo as palavras.
Nem sei se fez algum sentido por causa da
rapidez que eu falei.
Olho para seu rosto e me surpreendo ao vê-lo se
divertindo com a situação.
— Você é péssima nisso. — Ele diz, sorrindo,
mas antes que eu fique irritada com seu divertimento, ele
se aproxima, ficando a centímetros de mim. — Tá
perdoada.
— Nem foi tão difícil assim — brinco, revirando
os olhos.
Apesar de tentar mostrar indiferença, meu
coração batia ensandecido no peito.
— Eu deveria, então, me fazer de difícil? —
pergunta, baixinho.
Sua respiração soprando em meu rosto, me
trazendo lembranças de seu gosto.
— Deveria. Mas, perdeu a oportunidade agora
que me perdoou.
No canto da boca, surge um sorriso maroto.
Felicidade me inunda ao perceber que tudo iria,
finalmente, ficar bem.
Seu olhar se fixa na minha boca, mudando o
clima de diversão para desejo.
Engulo, nervosamente, e prendo a respiração
quando ele se inclina lentamente, demais pra meu gosto, e
nossos lábios se encostam.
— Tem crianças no recinto!
— Henry!
— Só avisando! Meus filhos estão aqui.
Sorrio ainda com minha boca grudada nos lábios
do Pedro. Estava me decidindo se tirava meu salto ou não
para jogá-lo em Henry, mas Pedro me distrai quando
aprofunda o beijo.
Derreto em seus braços. Lugar que eu pretendia
ficar por muito, muito, muito tempo.
CAPÍTULO 25
CRISTINE
— Nervosa, minha filha?
— Um pouco, tia. — Brinco com a corda do
roupão que eu usava. — As horas parecem se arrastar.
Minha tia fecha a porta do quarto ao entrar,
segurando uma caixa retangular pequena.
— É normal se sentir assim. — Ela coloca a
caixa em cima da cama e começa a abri-la. — Trouxe isso
pra você.
Ela pega um laço rendado, azul.
— Era de sua mãe. — Ela diz, me deixando
surpresa. — Ela usou no casamento, como parte da
tradição de usar algo azul.
A segura, gentilmente, e a coloca em minha mão.
— No dia do casamento, usamos algo velho,
algo novo, algo emprestado e algo azul. Eu estarei te
ajudando com uma delas, o algo velho. Isso é para te
lembrar de suas relações familiares, e à sua vida antes do
casamento!
— Obrigada, tia — agradeço, emocionada.
— Por nada, meu amor. Sua mãe estará com você
sempre, assim como seu pai! Vou colocar a fita em seu
buquê! — Ela pega a fita de volta e vai até meu buquê, em
cima da cômoda.
— Cheguei na hora certa! — Rachel diz,
entrando no quarto também. — Seu cabelo e maquiagem
estão lindos, querida.
Eu estava quase pronta. Só faltava entrar no
vestido, calçar as sandálias e colocar as joias.
— Obrigada!
Rachel também estava muito bonita e elegante.
Seu vestido de chiffon, perolado, a deixava bem jovial,
sem perder a classe.
— Bom, como a Estela, vim seguir a tradição. —
A caixa que ela segura é maior. — Vim te trazer algo
emprestado. Geralmente, usamos algo de outra pessoa que
foi ou é feliz no casamento. Infelizmente, meu marido
faleceu, mas vivi dias maravilhosos ao seu lado. Ele tinha
um jeito durão, porém, sempre me senti amada. Eu fui
muito feliz e, com essa peça, quero desejar felicidade ao
casal.
Ela retira um par de sandálias, prata e azul.
— Muito obrigada, Rachel.
Era tão importante essas coisas simples que
faziam por mim. Deu vontade de chorar.
Ouvimos uma batida na porta e, novamente, ela é
aberta. Beatriz entra, carregando meu principezinho! Ele
estava lindo em seu mini traje pra casamento.
Meus bebês já estavam com sete meses. E era a
maior alegria da minha vida. Sinceramente, eu nem sabia
descrever o que sentia por eles, tamanho era o amor.
— Que galã, meu Deus! — exclamo,
paparicando-o.
Pego ele do colo da Bia e dou um cheirinho em
seu pescoço, ganhando um sorriso encantador.
— E Sophia?
— Grudada no pai.
Ficamos ali conversando mais um pouco,
enquanto eu amamentava o Noah. Pedro chega com a
Sophia alguns minutos depois.
— A princesa está agitada. Acho que está
querendo tirar o vestidinho. — Ele fala, entregando a
pequena para a Bia.
Comprei um vestido de princesa pra Sophia, todo
bordado. Ela irá entrar no colo do Henry, juntamente, com
a Rachel. E Noah irá entrar comigo. Foi o jeitinho que
arrumamos para que eles também participassem desse
momento mais que especial para seus pais.
— Oi, filhinha! — Me aproximo dela e dou um
beijinho em sua cabeça. — Logo vamos te tirar dessa
roupa, ok?
A coloquei na cama junto com o Noah e os
observei brincar com as almofadas. Eles estavam numa
fase de curiosidade. Além de colocar tudo na boca, o que
nos deixava alertas a qualquer perigo.
Eles estavam ficando a cara do pai. Os cabelos
claros e o sorriso charmoso eram iguaizinhos aos do pai.
Só os olhos dos dois pareciam com os meus.
Não me cansava de afirmar que eles são a
mistura perfeita de nós dois.
∞∞∞
Faltando alguns minutos para o casamento, minha
tia e minha sogra levaram as crianças lá pra baixo. O bom
de me casar na casa da Rachel é a praticidade, que tornou
tudo mais fácil e menos estressante.
A cerimonialista vinha me conferir a cada meia
hora. Sempre prestativa, me informando de tudo o que
estava acontecendo no andar de baixo.
Estava retocando o rímel quando ouvi a porta
sendo aberta. Em instantes, Henry apareceu na porta do
banheiro.
Ele ainda não estava vestido com a sua roupa do
casamento, usava jeans e uma camisa branca simples. Era
difícil de acreditar que teria esse homem para admirar
pelo resto da minha vida.
— Como conseguiu entrar aqui sem que as
mulheres fizessem um escândalo? — pergunto, curiosa.
Mal o vi durante o café da manhã. E sempre que
perguntava por ele, me diziam que ele estava fazendo suas
coisas de noivo. Eu sabia que era só uma desculpa pra nos
manter afastado. Tradição muito boba!
— Você ainda não está com o vestido de noiva,
então usei isso ao meu favor. Foi uma luta, mas me deram
uns cinco minutos. Como está se sentindo?
— Bem. Ansiosa, na verdade, mas estou bem. E
você? Está tudo certo lá embaixo?
— Tudo certo. — Ele se aproxima e roça um
beijo, delicadamente, em meus lábios. — Eu só estava
com saudades.
Suas mãos foram para as minhas costas e me
puxou para mais perto, me pressionando contra seu corpo.
Pra minha decepção, ele não aprofunda o beijo.
— Joanne me ameaçou fisicamente, caso eu
estrague sua maquiagem — diz, frustrado. Dou uma
risadinha. A cerimonialista mantinha o casamento em
rédeas curtas mesmo. — Por que não nos casamos em
Vegas?
— Porque sua a mãe e a minha tia teriam um
ataque se fizermos isso!
Ele suspira e, com dificuldade, se afasta.
— Vim aqui também por outro motivo! — Enfia a
mão no bolso e retira um pequeno saco marrom. Sorrindo,
diabolicamente, ele se agacha a minha frente. — Eu vou te
dar algo novo. Dizem que representa a sorte e o sucesso
para a noiva.
Não seguro o meu sorriso. Seguro a respiração
quando ele abre meu robe e coloca, demorada, e
sugestivamente, a cinta liga azul que trouxe pra mim. Era
tudo mais sensual do que o necessário e eu poderia muito
bem ter colocado sozinha, mas não estava reclamando.
Mas tudo acabou rápido demais. Ele se levantou
com um sorriso de lado, ciente do quanto tinha me
afetado, e deu um passo atrás. Minha pele pegava fogo
onde seus dedos roçaram pela minha perna.
Ele enfia, novamente, a mão no bolso da calça e
pega uma caixinha de veludo.
— Eu também irei te dar o algo azul. Que
representa o amor, a pureza e a fidelidade. — Ele coloca
a caixinha em minha mão.
A abro e encontro um lindo anel de prata com um
solitário azul.
— Que lindo, Henry!
Ele retira o anel e o coloca em mim.
— O próximo anel que colocarei no seu dedo vai
ser nossa aliança.
— Não vejo a hora.
Ele se inclina e me dá mais um beijo.
— Eu te amo!
Ele sorri, e antes que possa me dizer algo, a
porta do quarto se abre.
— Chega! Vocês vão se casar daqui a pouco e
terão muito tempo a sós. — Bia diz, e Henry revira os
olhos.
Ele ainda rouba um beijo antes da Bia enxotá-lo
pra fora.
Então, minha amiga, que também é minha
madrinha, começa a me ajudar a me vestir.
— Ainda não acredito que a Carol só pegou
serviços comunitários como pena.
Eu também não. Mas essa semana, o juiz
sentenciou somente trezentas horas em serviço
comunitários, e o pagamento de cestas básicas, pois a
Carol não tem antecedentes.
Obviamente, Henry ficou irado. Eu também, não
vou negar. E não duvido nada que a família da Carol deu
um jeito de amenizar as consequências para a filha.
Mas eu tinha decidido colocar um ponto final
nesse assunto. Embora achasse a justiça muito leve para a
Carol, ela teve um castigo mais humilhante: a história
vazou e se tornou pública.
Sua preciosa reputação estava manchada.
Ela ficaria fora de circulação até a poeira baixar,
eu apostava.
Eu estava satisfeita? Não. Mas acredito veemente
que a vida devolve tudo o que plantamos. E um dia, em
breve ou não, ela irá receber o que merece.
— Se ela ficar longe de mim e da minha família,
já está ótimo.
Eu não iria gastar mais um segundo pensando
nessa infeliz no dia do meu casamento!
— Vamos casar você, amiga!
HENRY
— Que demora pra colocar um vestido!
— Se está difícil pra entrar, imagina na hora de
tirar? — Pedro, zomba.
Sem dar atenção a suas besteiras, digo:
— Não pode ser só o vestido!
Joanne, cerimonialista, me olha, irritada.
— Já disse que está tudo bem. Se acalme, noivo.
Pedro dá uma risada.
— Henry, você viu ela ainda pouco. Para com
essa chatice.
Suspiro, impaciente. Tinha mesmo, não tinha?
Não sabia de onde veio toda essa ansiedade.
— Ela já está descendo! — Minha mãe diz,
descendo as escadas com a Sophia nos braços.
Suspiro, dessa vez, aliviado, e Pedro revira os
olhos.
— Cada um em seu lugar, conforme ensaiamos.
— A cerimonialista pede e eu pego Sophia.
Minha pequenininha estava encantadora.
— Oi, princesa!
Ela enrola seus bracinhos gordinhos em volta do
meu pescoço e encosta a cabeça em meu ombro. Se
demorasse mais um pouco, ela ia dormir.
A música começou e todos foram para seus
assentos. Entrei com minha mãe e minha gatinha no colo,
que olhava para todo mundo ao redor.
Tinha muita gente, porém ela não estava
assustada, e sim, curiosa. Quando chegamos no altar
improvisado, dou um beijo no rosto da minha mãe e outro
em Sophia. As duas vão para seus lugares.
Eu não reparei muito em decoração, ou nas
pessoas, muito menos nas músicas. Meus olhos estavam
fixos no fim do corredor, esperando por uma única
pessoa.
E quando começou a tocar a música que escolhi
pra ela, meu coração bateu mais forte.
∞
“Onde você estiver, estou perto
Aonde quer que você vá, eu estarei lá
Sempre que você sussurrar meu nome, você verá
Como eu cumpro cada promessa”
∞
De repente, todos ficaram em pé. E lá estava ela.
Tão linda. Tão delicada. E tão minha!
∞
“E eu sei que um anjo foi enviado
Apenas para mim
E eu sei que eu devia
Estar onde estou
E eu vou estar
Bem ao seu lado esta noite
E eu vou estar ao seu lado”
CHRIS MEDINA – WHAT ARE WORLD
∞
Cristine me olhou com os olhos brilhando.
Aqueles olhos prateados, intensos, e que sempre me tirava
o fôlego.
Meu peito foi sendo bombardeado com muitas
emoções. O coração batendo erraticamente, a cada passo
que ela dava para mais perto de mim.
Eu não sabia no momento, mas ele já batia assim
por ela desde o momento que a vi pela primeira vez. Ele
já sabia que se renderia a ela.
∞∞∞
O casamento foi realizado por um padre
conhecido de minha mãe. O sermão foi acerca do
matrimonio e do que é esperado dele. Tentei prestar
atenção, mas me via admirando a Cris o tempo todo.
Não sei o motivo, talvez pela importância do que
estava acontecendo aqui hoje, mas eu me peguei pensando
muito em minha vida de alguns anos antes. Eu não
acreditava que estava me casando. E nem que fosse capaz
de amar tanto assim.
Finalmente, a cerimônia acabou. Estávamos
casados perante Deus e a lei. Cristine era minha e eu a
manteria ao meu lado pelo resto de nossas vidas.
Recebemos os cumprimentos, tiramos inúmeras
fotos, e fomos para a tenda montada próximo ao jardim da
minha mãe, onde seria a recepção.
Não consegui um minuto a sós com minha esposa.
Sempre tinha alguém conversando, puxando minha mulher
para um abraço ou para alguma foto.
— Cristine, preciso de você! — Bia diz, se
aproximando e pegando a outra mão da Cris.
— Não precisa, não! — retruco, me colocando
no meio delas.
— Henry, saia da frente e libere ela um momento.
É rapidinho!
— Não!
— Henry ...
— Só se você conseguir que não sejamos
interrompidos nos próximos cinco minutos — exijo e ela
estreita os olhos.
— Ok. Cinco minutos, Henry!
Levo a Cristine, que assistia nossa negociação,
divertida, para um canto mais afastado, onde as pessoas
dançavam.
— Vamos ... dançar? — Ela pergunta, assim que
coloco minhas mãos em seu quadril.
— Sim! Tinha outra ideia em mente, senhora
Banks?
— Na verdade, tinha.
— Que mente suja, senhora Banks.
— Não pode me culpar. — Ela dá de ombros e
coloca os braços em volta do meu pescoço.
Não, eu não podia culpá-la. Essa semana foi
muito corrida. E a vi exausta todos os dias quando íamos
nos deitar. Por isso, com muita força de vontade, não
tivemos nada mais do que alguns amassos.
— Não vejo a hora da festa acabar — sussurro,
descendo a mão por suas costas, um pouco mais atrevido
do que o permitido.
Que se dane. Eu tinha acabado de me casar.
— Eu também. Eu vou ver o que a Bia quer e
podemos fugir secretamente. O que acha?
— Uma excelente ideia
Dou uma olhada ao redor, me deliciando com o
corpo dela colado ao meu.
Vejo o Pedro e a Bia dançando do outro lado da
pista.
— Eles estão tão bem, não é? — pergunto,
acariciando suas costas.
— Sim.
— Pedro vai pedi-la em casamento — confesso.
Ela ergue a cabeça, surpresa, e só não para de
dançar porque continuo guiando nossos movimentos.
— Jura? Quando?
— Não sei. Mas acho que antes de saírem de
férias.
Os dois estavam indo conhecer a família do
Pedro. E ele tinha me dito que ia fazer o pedido nos
próximos dias.
Quando ele me contou, fiquei receoso. Eles eram
como cão e gato. Brigavam e se amavam na mesma
medida.
Mas aí eu me lembrei como minha história
começou nada convencional com a Cristine e me
tranquilizei.
Pouco tempo de convivência não podia ditar
quando o amor era verdadeiro ou não. E isso era algo que
cabia, exclusivamente, aos dois.
— No que está pensando? — Cristine pergunta,
notando minha distração.
— Em como nos conhecemos.
Ela sorri.
— Mudaria algo em nosso passado?
Penso por um breve instante e nego.
— Não.
— Não?
— Não. Era pra tudo ter acontecido exatamente
assim.
Cristine transformou minha vida e deu
significado a ela. O que será que aconteceria se ela não
tivesse fugido aquela primeira noite? Será que nosso
relacionamento teria ido tão longe? Eu teria conseguido
quebrar as barreiras dela, e ela as minhas?
Honestamente? Tudo aconteceu quando tinha que
acontecer. Nosso encontro, a gravidez, nossas
dificuldades ao nos ajustar um na vida do outro ...
simplesmente, era pra ser!
Eu não mudaria uma vírgula. Estava
extremamente grato por tudo que eu tinha.
E lutaria todos os dias para nunca perder o que a
vida tinha me dado de mais valioso. Sem a Cristine e sem
meus filhos, não haveria sentido em existir.
FIM
∞∞∞
RECADO DA AUTORA