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Prof. MS.

Maurício Machado Fernandes


Introdução ao estudo do aborto.
Aborto biológico, legal e criminoso.
Meios abortivos.
Perícias no aborto.
 A Organização Mundial da Saúde define abortamento como sendo a interrupção
da gestação antes de 20-22 semanas ou com peso inferior a 500 gramas.
Subclassifica ainda em precoce, quando ocorre até 12 semanas e tardio quando
entre 12 e 20-22 semanas.

 Quando o tempo de gravidez é desconhecido deve-se considerar o peso ou ainda


o limite de 16 cm de comprimento, aceito por alguns autores.

 A ciência médica distingue o termo aborto de abortamento. Para a Medicina,


abortamento é o processo de perda do produto conceptual, enquanto que aborto
é o próprio produto da concepção.

 Cabe alertar que o produto da concepção não é apenas o feto, mas também a
placenta, membranas amnióticas e cordão umbilical.

 Quando ocorre óbito fetal após as 20-22 semanas, chamamos de Óbito Fetal
Intra-útero, sendo sua expulsão o parto de um natimorto. Se o feto inviável,
porém com mais de 20-22 semanas, nascer com vida e falecer em seguida,
falasse em parto prematuro e não em aborto.

 Caldas Aulete define abortamento como sendo a ação de abortar e aborto como
sendo o efeito da ação de abortar.
 Coelho e Jarjura, renomados médicos-legistas do Estado de São Paulo,
definem aborto como sendo a interrupção da prenhez, com a morte do
produto, haja ou não expulsão, qualquer que seja o seu estado
evolutivo, desde a concepção até o parto.

 A palavra aborto é derivada de “ab-ortus”, que significa privação do


nascimento.

 A legislação, ao contrário da medicina, não define tempo limite para a


ocorrência de aborto, aceitando a denominação desde a concepção até o
termo.

 Brandão afirma que o abortamento consiste, em essência, na morte do


concepto antes de sua viabilidade. Quando provocado dolosamente,
tipifica o crime de aborto, tratado nos artigos 124º e seguintes do
Código Penal Brasileiro.

 Flamínio Fávero define abortamento como a interrupção da gravidez


antes do termo normal, com morte do embrião, sendo indiferente sua
expulsão ou não, assim como a viabilidade do produto sobre o qual
incidem as manobras.
 A Medicina classifica o abortamento conforme ao tempo em que ocorre,
as características do colo uterino, quanto a presença de infecção e ainda
quanto a eliminação total, parcial ou não eliminação do embrião e dos
anexos.

 Quanto ao tempo em que ocorre o aborto ele pode ser definido como
precoce (até 12 semanas de gestação) ou tardio (de 12 a 20 semanas).
De maneira diversa ao Direito, quando ocorre a morte intra-útero após
20 semanas de gestação os médicos já não falam em aborto mas sim em
óbito fetal intra-útero (OFIU). Da mesma forma, o nascimento antes de
20 semanas, ainda que vivo, é aborto e após esse período, parto
prematuro, ainda que o recém-nascido evolua a óbito poucas horas
depois (neomorto). Ao nascido sem vida após as 20 semanas denomina-
se natimorto.

 Para que ocorra a eliminação do aborto é necessário que o colo uterino


se dilate permitindo sua expulsão. Assim, quando a mulher apresenta
sangramento e dilatação cervical, ainda que por hora persista a atividade
cardíaca fetal, fala-se em aborto inevitável. Entretanto, existem
situações em que há sangramento sem cervico-dilatação. A estes
chamamos de abortamento evitável ou ameaça de abortamento.
 Uma das complicações potencialmente fatais do
abortamento é a infecção.Quando há sinais de
infecção denomina-se o aborto infectado. Por outro
lado, na ausência de sinais e sintomas infecciosos
simplesmente não se classifica quanto a este fator ou
fala-se em abortamento asséptico.

 Ocorrendo a eliminação completa do embrião e dos


anexos (membranas, placenta) configura-se o
abortamento completo. Se a expulsão for parcial,
temos o abortamento incompleto. Pode ocorrer, no
entanto, de não haver a eliminação espontânea do
produto conceptual em até trinta dias após a morte
do embrião. Falamos então em aborto retido.
 Do ponto de vista legal, o aborto pode ser classificado
como natutal (espontâneo) ou provocado.

 O aborto espontâneo é aquele em que o próprio


organismo se encarrega de realizá-lo, independe da
vontade da mulher. Caracteriza-se pela inviabilidade
natural do concepto e sua morte devido a diferentes
fatores etiológicos. Observa-se que o filho é desejado,
mas ocorre a interrupção da gestação por fatores
impeditivos da própria natureza, sem participação da
vontade.

 O aborto provocado é aquele feito intencionalmente,


ocasionando, então, a morte do feto por vontade da
própria gestante e/ou de outrem. Subclassifica-se em
legal ou criminoso.
 Aborto legal é aquele que se enquadra em situações
previstas e amparadas pela lei.

 Atualmente, no Brasil, apenas duas situações são


consideradas legais: gravidez decorrente de estupro
e quando este é o único meio de salvar a vida da
gestante. Na primeira situação fala-se em aborto
sentimental, moral ou humanitário. A segunda
situação configura o chamado aborto terapêutico.

 A lei não define tempo de gravidez, permitindo que


nessas situações a gravidez seja interrompida a
qualquer tempo de sua evolução (ovo, embrião ou
feto).
 No aborto sentimental o perigo deve ser real e
não presumível por prognósticos. A lei oferece
amparo ao aborto em situações, por exemplo, de
gestação ectópica, câncer de colo uterino, formas
graves de diabete, cardiopatia grave, nefropatia
severa, insuficiência hepática. Instalado o perigo
iminente não há necessidade de autorização
judicial, pois a demora poderia caracterizar
negligência, imprudência ou omissão de socorro.
O médico deve dar ciência à gestante e à família.
A questão deve ser discutida e assinada por pelo
menos mais dois médicos, p.ex. anestesista e
diretor clínico.
 Ainda nesses casos, é mister a autorização
expressa e formal da gestante ou de seu
representante legal para que se proceda a
prática do aborto. O procedimento poderá ser
realizado sem o consentimento como medida
de absoluta exceção.

 Não é absurdo ressaltar que mesmo o aborto


legal somente pode ser efetuados por médico
devidamente habilitado.
 No caso de estupro (conjunção carnal
mediante violência física ou grave ameaça) é
permitido o aborto. Em geral há outras lesões
associadas e frequentemente há sinais de
asfixia. Mesmo na ausência de sinais típicos,
a violência pode ser presumida no caso da
vítima ser menor de 14 anos, alienada ou
débil mental, desde que isso seja de
conhecimento do autor, ou ainda se a vítima
for incapaz de oferecer resistência contra o
agressor.3
 Além do aborto provocado – legal, há o
aborto acidental, ou seja, aquele decorrente
de um traumatismo acidental, por exemplo,
atropelamento, queda de escada, acidente
motociclístico. O aborto decorrente de
acidente também não configura crime.

 Qualquer outra prática diversa das duas


previstas pelo Código Penal Brasileiro e de
acidentes é considerado crime. Portanto, o
aborto eugênico, econômico, social ou
estético são práticas criminosas.
 O abortamento espontâneo pode ter diversas
etiologias.

 As alterações genéticas, em especial as translocações


balanceadas, são as principais responsáveis pelos
abortamentos espontâneos que ocorrem até a
12ªsemana de gestação. As modificações genéticas
podem determinar alterações químicas no óvulo, as
quais serão precursoras de alterações na
vascularização placentária e, por conseguinte, aborto.

 O óvulo também pode sofrer alterações pela ação de


agentes tóxicos (intoxicação exógena), por infecções
e por distúrbios metabólicos.
 Alterações anatômicas com malformações uterinas,
vícios de posição do útero, miomas, septos uterinos,
sinéquias (aderências), pólipos, incompetência
cervical e doenças endometriais são outros fatores
etiológicos. As causas habitualmente vistas como
alterações anatômicas, em geral, se correlacionam
com o abortamento de repetição, isto é, aquele que
ocorre por mais de duas gestações consecutivas.

 O Corpo Lúteo é a estrutura ovariana responsável


pela produção de progesterona até a 12ª semana de
gravidez. A progesterona, por sua vez, é responsável
pela sustentação da gestação até este período por ser
a principal responsável pela maturação do
endométrio. Na chamada Insuficiência do Corpo
lúteo, a produção deste hormônio é deficiente ou
mesmo ausente. Consequentemente, o endométrio
não sofre maturação e é incapaz de suportar a
nidação (implantação) e desenvolvimento do
embrião. 8
 As infecções maternas por agentes como
a Chlamydia tracomatis,
Citomegalovírus, Toxoplasma gondii,
Mycoplasma hominis e Listeria
monocytogenes, foram relacionadas ao
aborto.

 A investigação da presença de auto-


anticorpos maternos associados ao aborto
recorrente tem adquirido importância
crescente, principalmente no que se refere
aos anticorpos antifosfolípides.
 A baixa renda per capita, o alto custo de vida e o preço
cada vez mais alto da educação são alegações frequentes
no estudo da causas determinantes do aborto.

 Verificamos uma maior incidência de abortos provocados


nas populações menos abastadas e ainda nas classes
economicamente mais favorecidas quando ocorrem
momentos de crise econômica. Assim, a natalidade
eventualmente diminui à custa do aumento do número de
abortos e não da maior adesão a métodos contraceptivos,
como deveria se esperar que fosse.

 Nas populações mais pobres também é maior o número de


relações extraconjugais o que leva à mulher a provocar o
aborto. O mesmo ocorre com a chamada mãe solteira.
 A jurisprudência não admite a defesa da honra
pessoal quando a gravidez é decorrente de
relação sexual consciente e voluntariamente
desejada. Portanto, em todas as situações acima
descritas está configurado o crime de aborto.

 Outras mulheres alegam procurar o aborto por


questões estéticas pois acreditam que a gravidez
determina o envelhecimento e deformidade da
mulher. Alguns autores citam ainda o medo das
dores do parto, o que é absolutamente
inconcebível uma vez que as dores do aborto são
tão intensas quanto as dores do parto, além de
somarem-se aos traumas psicológicos.
 O chamado aborto eugênico, que se
fundamenta na preservação da qualidade de
vida da gestante em detrimento do feto com
provada má-formação congênita, não é aceita
pelo texto legal brasileiro, motivo pelo que
deve ser classificado, na realidade como
aborto criminoso.

 Decisão do STF alterou esta situação.


 Os métodos abortivos podem ser os mais variados:

 químicos,
 medicamentosos,
 por indução,
 físicos,
 cirúrgicos e
 psíquicos.

 A variedade de formas buscada para a prática do aborto aumenta


os riscos à integridade física e psicológica da gestante além de
poder determinar sua morte de forma direta ou não, imediata ou
não. As principais complicações são perfuração uterina e de
outros órgãos, formação de aderências, esterilidade, infecção,
sepses, hemorragias, coagulopatias, intoxicação hídrica, parada
cardíaca por reflexo vagal (morte por inibição), embolia aérea e
óbito.
 As principais complicações, tanto em frequência quanto pelo
risco de morte, são a hemorragia e a infecção.
 Os métodos químicos se dão pelo uso de substâncias
inorgânicas como o fósforo, arsênico e mercúrio ou
orgânicas, como o princípio ativo de algumas plantas,
que podem matar o produto da concepção por
perigosa intoxicação das gestantes, muitas vezes,
colocando em risco a própria vida, agindo, portanto
em todo o organismo da mulher, provocando, por
toxicidade, o deslocamento do ovo, seguido do
aborto.

 As substâncias químicas mais utilizadas para fins


abortivos são: fósforo amarelo, arsênico, ingestão de
mercúrio, antimônio, esporão de centeio, quinina,
apiol, jalapa, ópio, estricnina, álcool, óleo de Sabina,
chumbo, ferro, cobre, dentre outros.

 Substâncias orgânicas animais, como cantáridas e


pituitrina também foram usadas. Todas estas
substâncias causam intoxicação da gestante.
 A intoxicação exógena por determinados agentes
químicos pode determinar alterações da coagulação
sanguínea, com hipofibrinogenemia.
Consequentemente, a gestante apresenta graves
hemorragias o que pode levar a choque hemorrágico
e morte.

 Os métodos medicamentosos ou farmacológicos são


utilizados por alguns médicos em situações
específicas como por exemplo o aborto retido,
situação em que ocorre morte do concepto sem que
ocorra sua expulsão naturalmente. São utilizadas, por
exemplo, prostaglandinas, que determinam a
contração da musculatura lisa do miométrio,
provocando a expulsão do concepto. Podem ser
utilizadas endovenosamente, por via oral, vaginal ou
retal.
 O Misoprostol (Citotec®) inicialmente era utilizado
para tratamento de úlceras gastroduodenais porém à
partir da observação de que mulheres grávidas em
uso da medicação evoluíam com aborto, passou a ser
utilizado com tal finalidade, tanto no meio
terapêutico como no meio criminoso.

 No meio médico, além do misoprostol, utiliza-


se ainda a Oxitocina, substância capaz de estimular
a contração uterina. De forma isolada ou associada,
podem ser utilizados estrógenos, progestágenos,
curetagem e vácuo-aspiração. Antigamente utilizava-
se a laminaria, alga que colocada no canal cervical
absorve o conteúdo hídrico local e aumenta de
tamanho provocando a dilatação do canal
cervical. Alguns centros têm voltado a usar a
laminaria para indução do parto.
 O aborto pode ainda ser induzido por punção da
cavidade uterina por agulha de 1,5 a 2 mm de
diâmetro interno visando a extração de líquido
amniótico. O agente injeta um volume de solução
glicosada a 50% ou de cloreto de sódio a 20%
igual ao retirado, desde que não exceda 200 ml.
O tempo médio de latência desde a injeção até a
ocorrência de aborto é de 36,5 horas, com
limites entre 7 a 114 horas, conforme os
diferentes autores. Vale ressaltar que a via de
acesso pode ser também a vaginal. A solução
hipertônica salina causa contrações
extremamente fortes, com risco de rotura
uterina, além de predispor a outras complicações
como retenção placentária e hemorragias,
arritimia, embolia.
 Outras substâncias podem determinar a falta de
contração do miométrio (parede uterina), com perda
sanguínea substancial e potencialmente fatal. É o
fenômeno conhecido por atonia uterina. Nestas
circunstâncias, frequentemente é necessário intituir-
se transfusão de sangue, uso de drogas que
promovem a contração uterina e até a realização de
histerectomia (retirada do útero).

 Há relatos de utilização de agentes físicos como o


calor ou a eletricidade diretamente sobre o abdômen
grávido. Os métodos mecânicos térmicos são as
bolsas de água quente, cataplasmas, que podem
causar congestão pélvica e consequentemente o
aborto. Já o elétrico seria a passagem de corrente
elétrica pelo útero.
 Os meios mecânicos ainda são usados com determinada
frequência, principalmente nas camadas populares
incultas e paupérrimas.

 Os mecânicos indiretos atuam à distância do aparelho


genital, por exemplo sucção dos mamilos, sangrias,
banhos, escalda-pés, exercícios extenuantes, queda.

 Os diretos atuam por pressão sobre a parede uterina,


traumatismos da vagina, do colo ou do ovo.

 São exemplos de meios abortivos mecânicos as agulhas de


tricô, talos da mamona, varetas de bambu, penas de
ganso, sondas, duchas, dentre outras. Estes métodos
apresentam um maior risco de causar aborto incompleto,
isto é a não eliminação ou eliminação parcial do produto
conceptual (feto e placenta), tornando imperativa a
intervenção médica no sentido de salvaguardar a vida da
mulher.
 Traumatismos violentos aplicados diretamente sobre
o abdômen grávido, ou em outras regiões do corpo,
até extragenitais, podem provocar a interrupção
endo-uterina da gravidez, apesar de não frequente. É
o caso dos acidentes e violência doméstica, por
exemplo. No entanto, não raramente nos deparamos
com gestantes que foram atropeladas ou sofreram
queda de alturas significativas sem que
desenvolvessem qualquer alteração gestacional.

 Nas formas mecânicas de aborto, podem ocorrer


graves lesões locais, como perfurações uterinas, das
alças intestinais e bexiga. Com a rotura desses
órgãos, ocorre contaminação da cavidade peritoneal e
consequente infecção (pelviperitonite), que por sua
vez é potencialmente fatal quando não feito
diagnóstico precoce, fato bastante comum.
 A perfuração do útero é mais comum quando é
usado o histerômetro (instrumento que mede a
cavidade uterina), a colher de curetagem ou o
aspirador, porém mesmo em mãos experientes e
em procedimentos legalmente aceitos pode
ocorrer este acidente, sobretudo com o
histerômetro. O útero grávido é mais
fino, podendo ser perfurado mesmo pelo
cirurgião mais experiente.

 Havendo perfuração uterina, a conduta médica


pode ser desde observação até histerectomia,
dependendo da extensão da lesão. Podem
sobrevir infecção, esterilidade, lesão intestinal,
vesical, tubárea, arterial e de qualquer outra
estrutura pélvica, por exemplo ureter..
 Ainda vemos como consequência do aborto
provocado, a insuficiência cervical que consiste
na incapacidade do colo uterino em manter-se
fechado numa próxima gestação, determinando
o nascimento prematuro ou aborto espontâneo.

 A aspiração manual intra-uterina (Método


Karman ) é método reconhecido pela medicina e
consiste na aspiração do ovo por pressão
negativa, à partir da introdução de uma cânula,
após a dilatação do colo do útero com velas
seriadas de Hegar, conectada a um recipiente
completamente vazio, ao qual se adapta uma
seringa para fazer vácuo. Pode-se ainda utilizar a
aspiração elétrica de pressão regulada, com uma
bomba aspirante e um manômetro controlador,
sob anestesia.
 Os métodos cirúrgicos compreendem a
microcesariana e a curetagem uterina. A
microcesariana é tecnicamente idêntica à cesariana
segmentar transversa. Tem os mesmos riscos
inerentes a ela e é empregada em gravidez cujo
estágio de desenvolvimento é de monta a impedir a
passagem do feto pelo canal cervical e colo do útero
ou ainda quando há contraindicação materna para o
trabalho de parto, por exemplo, mulher com duas ou
mais cesáreas prévias (devido o risco de rotura
uterina).

 A curetagem uterina consiste na raspagem, por
curetas, das paredes da
 matriz, após dilatação cervical, para deslocar o ovo e
a placenta para o exterior, sob sedação ou sob
anestesia, que pode ser geral ou raqueanestesia.
 Alguns autores acreditam que fatores psíquicos
como o choque emocional, o susto, o terror, a
sugestão, em certas circunstâncias, possam ser
determinantes do aborto. É difícil se provar o
nexo técnico entre esses agentes e seu efeito.

 Para a mulher e sua família ainda restam as


consequências psicológicas, como queda na
autoestima pessoal pela destruição do próprio
filho, frigidez (perda do desejo sexual), aversão
ao parceiro, culpabilidade ou frustração de seu
instinto materno, desordens nervosas, insônia,
neuroses diversas, doenças psicossomáticas e
depressões. 1
 Aborto provocado é um crime doloso, contra a vida, de ação
pública incondicionada, sujeito, portanto, a julgamento pelo
tribunal de júri. A lei protege a vida humana, a pessoa humana
em formação e não a vida autônoma.

 Segundo Tardieu, o aborto é a “expulsão prematura e


violentamente provocada do produto da concepção,
independentemente de todas as circunstâncias de idade,
vitalidade e mesmo formação regular”. Compartilhamos a
opinião de Flamínio Fávero de que o autor não foi feliz em sua
definição pois com esta definição não diferencia por exemplo a
mola hidatiforme e os casos de óbito intra-útero por razões
diversas e prévias às medidas para sua expulsão.

 Já Garimond, definiu como a “cessação prematura, voluntária da


gestação ou sua interrupção intencional, com ou sem expulsão
do feto”.
 Para Leoncini é “a interrupção da gravidez antes do termo
normal, com morte do produto da concepção, em nexo de
causa e efeito. Pode haver ou não expulsão do feto. Na
última hipótese, a expulsão pode ser tardia, pode haver
mumificação ou formação de litopédio”. Esta nos parece
ser a definição mais completa, exceto por deixar de lado
as gestações a termo e pós-termo.

 Lazzaretti diz que é o “assassinato do feto no útero ou sua


expulsão e morte subsequente”.

 Rocco diz que “o aborto, no sentido legal, é qualquer


interrupção violenta do processo fisiológico de maturação
do feto”.

 Para Carrara e Altavilla, “a dolosa morte do feto no útero,


ou sua violenta expulsão do ventre materno, e de que se
siga a morte”.

 Flamínio Fávero afirma que “o infanticídio é a destruição


de uma pessoa e o aborto de uma esperança”.
 O código penal disciplina a matéria nos seguintes termos:

 Art. 124. Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:
 Pena: detenção, de um a três anos.

 Art. 125. Provocar aborto, sem o consentimento da gestante


 Pena: reclusão, de três a dez anos.

 Art.126. Provocar aborto com o consentimento da gestante:


 Pena: reclusão, de um a quatro anos.

 Parágrafo único: Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14


(quatorze) anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido
mediante fraude, grave ameaça ou violência.

 Art. 127. (Aborto Qualificado) As penas cominadas nos dois artigos anteriores são
aumentadas de um terço, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados
para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; são duplicadas, se,
por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.

 Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:


 I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
 II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento
 da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
 O tipo penal só ocorre na forma dolosa, devendo ser
demonstrado os meios necessários à interrupção da
gravidez para se tipificar o delito. Havendo aborto, mas
não tendo havido a interferência externa sobre a gravidez,
ou não sendo esta demonstrada, não há como caracterizar
o crime. Caso o feto sobreviva à manobra abortiva, o crime
não terá se consumado, mas tentado.

 O Estado protege o nascituro através de suas leis dando
ênfase ao direito à vida, integridade física e psíquica.

 O nascituro tem seus direitos garantidos, além das nossas


leis, através de convenções, declarações e recomendações
internacionais tais como: Declaração de Genebra, Pacto de
São José da Costa Rica e as Recomendações n.º 934/82,
1.046/86 e 1.100/89 do Conselho da Europa 1
 O Código Civil, em seu artigo 4º dispõe que a
personalidade do homem começa ao nascimento com
vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os
direitos do nascituro.

 O Código Penal, em seus artigos 124 a 128, adota


medidas coercitivas contra a prática de aborto. As
condutas previstas nestes artigos referem-se à
provocação do aborto, ocorrendo a morte do produto
da concepção tanto dentro como fora do útero e
independendo os meios utilizados para alcançá-lo.

 O Código Penal protege tanto os fetos viáveis quanto


os inviáveis, normais ou não. Em geral, o ato é
pretendido pela gestante e o concepto é o verdadeiro
alvo. Portanto, ela é a própria agente ou
coparticipante, por isso protege e oculta o coautor.
 O artigo 124 dispõe: “Provocar aborto em si mesma ou consentir
que outrem lho provoque”. No caso de auto-aborto a punição a
ser aplicada à gestante é a descrita neste artigo: detenção de um
a três anos. Caso terceiro participe por instigação, induzimento
ou auxílio secundário à gestante a prática de aborto a pena será
a mesma.

 Haverá crime impossível se o meio empregado for inteiramente


ineficaz e consistirá em tentativa inidônea as manobras
realizadas em mulher que não se encontra grávida ou na qual o
feto já esteja morto.

 Poderá ocorrer o aborto por omissão nos casos onde as pessoas


envolvidas têm o dever jurídico de impedir esse resultado. Sendo
assim, o médico, a parteira ou enfermeiro, que dolosamente, não
tomar as medidas para evitar tal resultado, responderão por
aborto.

 Com relação ao partícipe, responderá pelo artigo 124 aquele que


intervier na conduta praticada pela gestante, ou que na conduta
dela consentir.
 Artigo 125: Provocar Aborto, sem o consentimento
da gestante. Este artigo trata sobre o aborto
praticado por terceiro, sendo a pena cominada mais
grave pela falta de consentimento da grávida. Sempre
que houver problemas em relação ao consentimento,
quer seja pela falta de capacidade da grávida (menor
de 14 anos), por debilidade mental, alienação ou
utilização de fraude, grave ameaça e violência, o
delito será o previsto neste artigo e não o do artigo
126. A pena nesse caso é de reclusão de três a dez
anos.

 O artigo 126 se refere ao aborto consensual: Provocar


o aborto com o consentimento da gestante. Neste
caso a gestante irá responder pelo crime previsto no
artigo 124 e o executor será punido de forma mais
severa como demonstra este artigo: Pena - reclusão
de um a quatro anos. 1
 O consentimento pode ser expresso ou
tácito e deve existir desde o início até a
consumação do crime. Caso a gestante
revogue o consentimento durante o crime o
agente irá responder pelo que está previsto
no artigo 125. No entanto, se o agente supôs,
justificadamente, que houvera consentimento
ele responderá pelo artigo 126 e não pelo
125, dado o erro de tipo.
 O aborto qualificado é tratado no artigo 127.
Esse artigo se refere ao crime preterdoloso, em
que o agente não quer o resultado mas assume o
risco da consequência. As penas cominadas nos
dois artigos anteriores são aumentadas de um
terço, se, em consequência do aborto ou dos
meios empregados para provocá-lo, a gestante
sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe
sobrevém a morte. Não ocorre a qualificadora
quando houver lesão grave necessária para o
aborto, pois ela é conseqüência normal do fato.
Se a ofensa corporal for de natureza leve, o
executor responderá pelo artigo 124 e não pelo
127.
 O artigo 128 trata sobre o aborto
legal e dispõe que não se punirá o
aborto praticado por médico (aborto
necessário) se não há outro meio de
salvar a vida da gestante e se o aborto
é em Gravidez resultante de estupro e
é precedido de consentimento da
gestante ou, quando incapaz, de seu
representante legal. (aborto
sentimental, piedoso ou moral).
 O aborto terapêutico embasa-se no
estado de necessidade. Para ser
realizado obrigatoriamente têm que
estar presentes os seguintes itens:
perigo vital e real da gestante sob
influência da gravidez, sendo a
interrupção da gravidez fundamental e
a única forma de cessar o perigo de
vida da gestante.
 O aborto necessário visa salvar a vida da
gestante quando há risco de vida decorrente
de diversas doenças, como tuberculose,
anemia profunda, diabetes, cardiopatias,
tuberculose, câncer uterino, entre outras.

 Contudo, no decorrer do século XX, diversos


médicos se insurgiram contra o aborto em
mulheres com essas doenças, alegando ser
essa prática uma agravante do quadro em vez
de uma atenuante.
 O médico que realizar o aborto necessário não será
punido criminalmente, desde que haja laudo de
médicos atestando que a gestação trará risco de vida
à gestante. Neste caso, o juiz deverá excluir a
ilicitude do crime, absolvendo o médico, por se tratar
um direito público subjetivo do autor do fato,
também remediável por habeas corpus.

 Igualmente não se pune em nosso país, o chamado


“aborto sentimental”, ou seja, aquele decorrente de
estupro, desde que haja aquiescência da vítima ou se
incapaz, de seu representante legal e desde que
praticado por médico devidamente constituído. Esta
norma permissiva tem cunho de proteger a mulher,
não a obrigando a ficar com o fruto de um ato
violento, não desejado, não querido. Prioriza a
vontade da gestante como propulsor da autorização
do aborto.
 O Alvará Judicial que muitas vezes é exigido por
muitos médicos para a realização do aborto
autorizado, não se faz necessário em nenhum desses
dois casos.

 O aborto eugênico é aquele executado ante a


suspeita de que o filho virá ao mundo com anomalias
graves, por herança dos pais ou por acidentes
genéticos. Neste caso tem-se entendido que não há
excludente de responsabilidade. Da mesma forma é
punido o aborto social e o honoris causa.

 Assim, a lei não considera a presença de anomalias


genéticas como excludente de ilicitude, necessitando,
portanto de autorização judicial. É o caso da
anencefalia, doença na qual o feto não apresenta
abóbada craniana e os hemisférios cerebrais ou não
existem, ou se apresentam como pequenas
formações aderidas à base do crânio, sendo a morte
inevitável durante a gestação ou logo após o parto.
 Essa discussão é muito longa e ainda não se
encontra pacificada. Em julho de 2004, o
ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Marco Aurélio de Mello chegou a conceder à
Confederação Nacional dos Trabalhadores na
Saúde uma liminar que permitia a interrupção
da gravidez nos casos de anencefalia.

 Porém, o plenário do STF cassou a liminar em


outubro. Ainda em 2004 foi proposto um
projeto de lei (227/2004) para liberar os
abortos nesses casos. O projeto ainda está
em tramitação no Congresso, aguardando
aprovação.
 Conforme afirma Flamínio Fávero, são dois os
elementos do crime: o subjetivo e o objetivo.

 O Elemento Subjetivo do Tipo é representado pela


intenção específica do agente em interromper a
gravidez, expulsar o embrião. Apresenta variantes
como define Marciano (Tratado de Direito Penal de
Eugênio Floriano): sofrido (a mulher é vítima),
consentido (ela participa), procurado (ela é autora).
Há ainda aquele por conseqüência a lesões corporais
ou ainda qualificado, se são sobrepostas lesões ou
morte da gestante.

 O Elemento Objetivo é a morte do feto, a qualquer


tempo, antes do nascimento.
 A perícia no caso de aborto se destina a confirmar o
diagnóstico de gravidez atual ou pregressa e a
ocorrência ou não de aborto.

 Comprovando-se a presença de gravidez atual ou


recente, deve-se tentar estimar o tempo de gestação
e em que época ocorreu o aborto. Não havendo
comprovação de gravidez não pode haver aborto e
por conseguinte trata-se de crime impossível.

 Deve diferenciar aborto espontâneo, traumático


(acidental), provocado e decorrente de lesão corporal.

 No caso de aborto provocado a perícia deve verificar


a presença de vestígios de trauma (lesões, secreção
purulenta), buscando comprovar a prática abortiva e
estabelecer o nexo causal entre a ação e o dano,
identificando o meio causador do aborto sempre que
possível.
 Os restos fetais e placentários devem ser
encaminhados para exame necroscópico ou
anátomo-patológico.

 Não se esquecer de que a paciente / pericianda é um


ser humano e deve ser dada especial atenção ao
estado clínico geral, padrões hemodinâmicos, sinais
de infecção, enfim, proceder-se ao exame e
descrição completa. O estado psicológico também
deve ser descrito devido o risco de intoxicações.
Sugere-se coleta de exame toxicológico, ou pelo
menos que se mantenha amostra disponível no caso
de solicitação judicial.

 Exames complementares devem ser realizados


sempre que necessário. Sugere-se a realização de
radiografia do conteúdo expelido que pode
comprovar a existência de partículas ósseas
imperceptíveis a olho nu.
 As lesões observadas no embrião devem ser
relatadas em prontuário pelo médico
assistente que posteriormente encaminhará o
feto e anexos para o Instituo Médico Legal.

 Se houver informações, descrever a data e as


manobras realizadas e horário das expulsões.
Do mesmo modo, se houver relato de
ingestão de droga, procurar estabelecer o
que, quando e quanto (dose).
 As lesões encontradas podem variar de pequenos
sangramentos e escoriações locais até a morte nos
casos mais graves. A morte pode decorrer da
intoxicação, de hemorragias, de infecções, de
rompimentos de órgãos internos, como a bexiga e o
 intestino, além do próprio órgão genital. Os casos
mais graves, em geral, podem ser associados ao
aborto provocado, onde a presença de escoriações,
perfurações do útero e da vagina, de vísceras
abdominais e muitas vezes o produto ou parte do
aborto ainda no corpo da mulher denunciam a prática
criminosa. Já nos casos de aborto espontâneo as
lesões não são frequentes, da mesma forma que nos
casos autorizados por lei, nos quais diversas
precauções são tomada para preservar a integridade
da mulher.
 O artigo 127 do Código Penal estabelece que as
penas cominadas nos crimes de aborto
provocado pela gestante ou com seu
consentimento (art. 124), e no aborto provocado
por terceiro (art. 125), “são aumentadas de um
terço se, em consequência do aborto ou dos
meios empregados para provocá-lo, a gestante
sofre lesão corporal de natureza grave; e são
duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe
sobrevém a morte”.

 Nestes casos os legisperitos verificarão se houve


ou não lesão corporal grave na gestante, para
posterior aplicação deste artigo.
 É fato que o Código de Ética Médica e o próprio
código Penal protege a paciente quando impede o
médico de divulgar fato que obtenha conhecimento
no exercício de sua profissão. No entanto, o direito
da paciente não dá direito ao médico de deixar de
relatar, em prontuário, fatos absolutamente
pertinentes e importantes para a avaliação e
conclusão pericial. Deste modo, torna-se facultativo à
autoridade policial ou judiciária a solicitação do
prontuário, a quem poderá ser entregue cópia
integral, em envelope lacrado, devendo ser
compulsado apenas por médico devidamente
habilitado, pela própria paciente ou por seu
representante legal, em decorrência dos limites legais
e do Código de Ética Médica.

 Assim, o médico assistente e o perito devem


descrever o exame de forma mais minuciosa possível.
 Na anamnese buscaremos obter informações da mulher a
respeito de sinais de presunção e de certeza de gravidez.

 Alterações digestivas como enjôos , inversões do apetite,


vômitos são sinais indiretos. O cloasma gravídico, congestão das
mamas, pigmentação da “línea alba” estrias abdominais são
outros sinais comumente encontrados na gravidez porém não
são sinais de certeza.

 Na anamnese deve-se ainda questionar o uso de


anticoncepcional, preservativo, fase do ciclo, data das últimas
relações, obter informações sobre ejaculação no interior ou
próximo à vagina, coito anal.

 Outras alterações encontradas na mulher grávida são


a amenorréia (ausência de menstruação), cianose da vagina (
sinal de Jaquemier), rechaço vaginal ( sinal de Puzos), hipertrofia
uterina ( sinal de Noble), alteração da forma uterina ( sinal de
Piskacek).
 O relato de percepção dos movimentos fetais pela
gestante é um sintoma característico, porém não se deve
confiar integralmente na anamnese.

 Existem diversos sinais e sintomas, diretos e indiretos,


porém apenas a presença do feto é sinal de certeza, seja
esta indicada por ultrassom ou visualizado após sua
expulsão. Na ausência de ultrassom ou em gestações com
mais de 3 meses pode-se realizar a radiografia para
confirmação da morte intrauterina. A Ressonância
Magnética e a Tomografia computadorizada também dão
certeza de diagnóstico.

 Do ponto de vista prático, dosagem do BHcg (exame de


sangue) é o meio mais utilizado para comprovação da
gravidez por questões práticas, econômicas e
financeiras. A gonadotrofina coriônica persiste por até 27
a 39 dias. Pode manter-se positivo em mola hidatiforme
acompanhado de embrião atrófico, coriocarcinoma .
 O exame físico geral deve ser minucioso,
descrevendo todas as alterações observadas.

 Inicia-se pelo estado geral que pode ser


classificado como bom, regular, mau e
péssimo estado geral. É claro que se trata de
uma avaliação subjetiva, mas de qualquer
forma permite uma ideia do estado em que
se encontrava a mulher no momento do
exame.
 A avaliação das mucosas dará uma ideia da
presença de anemia, desidratação e icterícia. A
coloração da mucosa subconjuntival nos fornece
indicadores do grau de anemia. Assim, mucosas
bem vermelhas (coradas) teoricamente afastam a
presença de anemia. Deve-se, no entanto estar
atento para razões associadas de vermelhidão
que podem esconder a presença de anemia, por
exemplo, conjuntivite, irritação, gripe. Em
situações como estas as conjuntivas podem estar
vermelhas mesmo na presença de anemia.
Quando a mucosa está esbranquiçada,
procuramos classificar o grau de descoramento
em “cruzes”, de uma a quatro. Assim, uma
mucosa pouco decorada seria classificada como
descorada +/4+ e outra totalmente descorada
como descorada 4+/4+, passando pela
descorada 2+/4+ e 3+/4+.
 A hidratação é avaliada e classificada da
mesma forma que a anemia. Avaliasse
principalmente a língua e turgor da pele.
Também classificamos em cruzes: hidratada,
desidratada +/4+, desidratada 2+/4+,
3+/4+ e 4+/4+.
 No caso da icterícia, pesquisamos a coloração
amarelada na esclera ocular (parte branca do
olho), pele e freio lingual. Analogamente,
classificamos em anictérica, ictérica +/4+,
2+/4+, 3+/4+ e 4+/4+.
 Quando a concentração de oxigênio no
sangue (saturação) diminui, ocorre
arroxeamento das unhas, lábios e
extremidades dos dedos. Tal fenômeno
ocorre porque o organismo promove uma
vasoconstricção periférica, priorizando a
distribuição de sangue para os órgãos mais
nobres. O arroxeamento (cianose) também é
classificado em cruzes. Dizemos então que a
paciente está acianótica, cianótica +/4+,
2+/4+, 3+/4+ e 4+/4+.
 Ainda no Exame Físico Geral, cabe a referência ao
estado de consciência da paciente. Não
especificamente a classificação do nível de
consciência, por exemplo com a escala de
Glasgow (CÔMA), mas ao menos a citação de
presença ou ausência de consciência e noção
têmporo-espacial, isto é , a capacidade da
paciente / pericianda saber que dia e mês está,
onde está, quem é, de onde veio, para onde vai.

 Se possível, deve-se classificar o nível de


consciência de acordo com a escala de Glasgow.
Essa classificação varia de 3 a 15, sendo 15 o
estado vigil normal e 3 o estado comatoso mais
profundo. A pontuação é obtida segundo os
seguintes critérios:
 Caso sejam observadas lesões corporais, estas devem ser
descritas nessa parte do exame, por segmento. As lesões
devem ser minuciosamente observadas e descritas,
detalhadamente, em número, características e topografia.
Na descrição da topografia deve-se procurar dar pelo
menos três referências espaciais, por exemplo: ferimento
em parede anterior do abdome, a 5 cm da cicatriz
umbilical e 10 cm da crista ilíaca anterossuperior direita.
Se possível, ilustrar a topografia das lesões.

 De particular interesse no exame da paciente com


hipótese de aborto é o exame físico obstétrico. Neste
iremos buscar o diagnóstico de gravidez atual ou recente,
sinais de trabalho de parto, parto, lesões associadas a
prática do aborto.
 Durante a gravidez e puerpério, as mamas
tornam-se túrgidas, o mamilo intumescido e
ocorre hiperpigmentação da aréola. Observa-
se na aréola a presença dos corpúsculos de
Montgomery, que são glândulas
hipertrofiadas. Pode haver a saída espontânea
de colostro ou mesmo leite. A presença de
colostro pode indicar parto recente. O leite
somente aparece por volta do 3º dia e
persiste por até 3 semanas e não amamentar.
 A inspeção do abdome poderá nos revelar a presença de
um abdome gravídico, globoso. Cicatrizes préveas podem
sugerir o antecedente de partos cesáreas. A linha nigra é
indicativo quase certo de antecedente de gestação, porém
não há relação temporal. A presença de estrias e sua
coloração também podem ser indicativos de gravidez
prévia. Lesões corporais na região do abdome são fortes
indícios da prática abortiva.

 Deve-se sempre fazer referência ao útero afirmando se é


palpável ou não, no caso afirmativo, medi-lo e descrever
as características e a sua consistência.

 No útero gravídico, a ausculta de batimentos cardíacos


fetais dá certeza de gravidez. No entanto, a não ausculta
não afasta a possibilidade de uma gestação viável.
 Atenção aos sinais de lesões
corporais. Agressões sobre as glândulas
mamárias, mais especificamente sobre os
mamilos, podem estimular a produção de
ocitocina, hormônio capaz de produzir
contrações uterinas. Portanto, lesões
torácicas podem ser causas indiretas de
aborto.
 Realizar inspeção cuidadosa, descrevendo as
lesões traumáticas e cicatrizes se houver, lesões
dermatológicas de interesse médico-legal
sugestivas de DST, descrevendo o Monte de
Vênus, sua pilificação e lesões.

 O Hímen deve ser descrito minuciosamente em


sua forma, presença de roturas e carúnculas.

 Na vulva, descrever a coloração, presença de


lacerações e/ou cicatrizes.
 No exame especular, observar a parede vaginal para
a pesquisa de lesões traumáticas, presença de
objetos ou corpos estranhos. Descrever a
característica do orifício externo do colo, se
puntiforme ou fenda transversa. Mencionar a
presença e coloração de secreções intravaginais.
Verificar a presença de lesões instrumentais,
sangramento, restos placentários, concepto,
leucorréia hemopurulenta.

 No exame de toque, descrever a localização do colo,


sua consistência se amolecido ou normal, orifício
impérveo ou pérveo para quantas polpas digitais,
descrever o corpo uterino, quanto a sua posição,
tamanho e consistência. Anexos e fundos de sacos.
Descrever dor à mobilização uterina que pode ser
indicativo de pelviperitonite, gangrena gasosa do
útero ou sepse.
 Logo após um parto de termo (9 meses), o útero
quase que invariavelmente se encontra ao nível da
cicatriz umbilical. Involui então, 1 cm por dia, até
retornar ao seu tamanho normal. No entanto, na
presença de infecções ocorre hipoinvolução uterina,
fazendo com que o útero “regrida” em velocidade
inferior ao esperado. Além de infecções, outros
fatores como gestação gemelar, miomas e fetos
macrossômicos (maiores do que 4000 gramas)
podem distorcer esta avaliação por serem
responsáveis por determinar um maior volume
uterino.

 A loquiação inicia-se logo após o parto, com aspecto


sanguinolento, clareando gradativamente, podendo
continuar por 30-40 dias.

 O colo uterino de uma multípara em geral tem forma


de um “H” e o de uma nulípara o orifício é circular.
 No exame cadavérico, distinguimos o útero da
nulípara e da multípara pela forma, peso, largura,
tamanho, comprimento do colo e espessura da
parede. O útero da nulípara possui aspecto
triangular, pesando até 50 gramas, com até 7 cm de
comprimento e 4 cm de largura. O colo uterino
costuma medir até 1 cm de comprimento e a parede
uterina de 1 a 2,5 cm. Já na multípara, o útero possui
aspecto globoso, pesando 60 gramas ou mais, com
7-8 cm de comprimento e 5 cm de largura. O colo
uterino pode medir até 3 cm de comprimento e a
parede uterina de 2 a 3,5 cm.

 Na cavidade uterina podem ser visualizados vestígios


de inserção placentária à partir de 8 semanas. No
endométrio, reação decidual (crescimento
volumétrico das células endometriais que passa a se
chamar decídua e é eliminado após o parto).
 O diagnóstico de parto recente na mulher viva se verifica
por edema da vagina e vulva, ruptura himenal, fluxos
genitais,colo uterino amolecido e no caso de parto cesárea
a cicatriz cirúrgica.

 A perícia tem a finalidade de determinar a existência do


parto, recenticidade do parto,antiguidade do parto,
número de partos.

 O Puerpério é a fase que se inicia com o desprendimento


da placenta , terminando quando o organismo da mulher
retoma suas condições pré-gravidez.

 Diagnostica-se pelo útero ainda aumentado de tamanho,


retorna gradativamente ao seu tamanho normal. O colo
uterino apresenta fechamento progressivo do colo uterino
que se completa em torno de 10-12 dias. A vagina
permanece ampla e espaçosa contraindo-se
gradualmente. A ovulação, em geral, só ocorre após a 10ª
semana.
 Para a Medicina, o início do trabalho de parto se dá
clinicamente pela presença de contrações uterinas,
estendendo-se por mais uma hora após o nascimento (4º
período). No entanto, o início médico-legal se dá com a
ruptura da bolsa e o término do parto ocorre com a
expulsão da placenta.

 O trabalho de parto é caracterizado pela presença de


contrações uterinas capazes de provocar alterações
plásticas no colo, isto é, esvaecimento e dilatação. A
rotura da bolsa, apesar de considerada pela Medicina
Legal, não nos parece uma definição adequada de início
do trabalho de parto, pois uma mulher pode ficar dias,
semanas e até meses com a bolsa rota sem que ocorra o
parto ou qualquer prejuízo para o produto da concepção.
 No primeiro mês o ovo é dificilmente encontrado
pois possui no máximo 2cm de diâmetro,
entretanto à partir desta época não é raro,
mesmo macroscopicamente encontrarmos o
embrião no conteúdo expelido pelo útero. Assim,
todo o material expulso deve ser analisado e
minuciosamente descrito. Mesmo que não
observado a presença do embrião, o material
deve ser enviado para análise de exame
anatomopatológico, onde através de macro e
microscopia se tentará identificar a presença de
embrião e tecidos placentários.
 O exame laboratorial de maior confiança para
diagnóstico de gravidez é a dosagem de hormônio
coriônico. A fração beta deste hormônio (b-HCG)
pode ser dosada no sangue e além de apresentar
elevada sensibilidade é altamente específico, isto é,
dificilmente dará um resultado negativo na presença
de gravidez e quando positivo, raramente
representará situação diversa de gestação. Persiste
por até 27 a 39 dias, podendo se manter e até
aumentar na presença de mola hidatiforme ou
coriocarcinoma.

 A dosagem do BHcg (exame de sangue) é o meio


mais utilizado para comprovação da gravidez por
questões práticas, econômicas e financeiras.
 O exame anatomopatológico de eventuais materiais coletados
advindos da cavidade uterina representa exame de certeza de
gravidez. Por isso, mesmo com sinais extremamente claros de
gravidez, deve-se sempre encaminhar os materiais para este tipo
de análise. Os materiais suspeitos de serem restos ovulares ou
fetais deverão ser obtidos do interior da cavidade vaginal ou
uterina, pelo próprio médico-legista, no ato da perícia, e
enviados à exame anatomopatológico. Caso o médico assistente
tenha que realizar a curetagem antes da perícia, deve-se tomar
todo o cuidado envolvido na cadeia de custódia. Mesmo assim,
este material já passa a ser uma prova questionável pelo fato de
não ter sido colhido por médico perito. Os materiais trazidos
pela vítima (por exemplo: fetos dentro de recipientes) ou
trazidos por policiais, não serão encaminhados pelo médico-
legista, nem serão analisados no laudo. Estes materiais deverão
ser encaminhados diretamente pela autoridade requisitante ao
Instituto Médico-Legal (Núcleo de Anatomia Patológica), quando
for pertinente ao caso. Os materiais colhidos no ato da perícia
devem ser realizados “às vistas” do examinador (coleta de urina),
não devendo, jamais, serem aceitos materiais e/ou resultados de
exames laboratoriais que não os realizados dentro do IML.
 Deve-se sempre solicitar cultura e
bacterioscopia. Coletar corpos estranhos
(sondas, tampões, comprimidos) e entregar à
autoridade policial quando solicitado.

 É importantíssimo o diagnóstico perfeito,


pois se não era gravidez, mas mola, então
não há crime de aborto, mas apenas de lesão
corporal.
 Os resultados de exames ultrassonográficos devem
ser analisados com restrição, pois lembramos que na
clínica privada não se faz a identificação adequada da
paciente que se submete ao exame. Lembramos
também que os resultados impressos são de fácil
adulteração, tanto na formatação da imagem, como
no laudo do exame. Portanto, os exames de imagem
são de grande valia para o diagnóstico médico, mas
de pouca importância médico-legal.

 Na ausência de ultrassom ou em gestações com mais


de 3 meses pode-se realizar a radiografia, a
Ressonância Magnética e a Tomografia
computadorizada para confirmação de diagnóstico.
 O diagnóstico da realidade do aborto se faz pela
existência do embrião no “conteúdo” eliminado,
ou ainda de partes fetais ou de anexos. Sinais de
gravidez e parto recentes corroboram para o
diagnóstico de nascimento, mas não
necessariamente de aborto. O exame direto do
útero e ovários na mulher morta podem ser
indícios importantes. A presença de lesões e
instrumentos, compressas na vagina, alterações
orgânicas compatíveis com intoxicação , lesões
do embrião (verificar se lesões vitais ou não) são,
quase que invariavelmente, sinais de certeza.
 As características fetais como peso,
tamanho, presença e distribuição de pelos,
forma dos órgãos genitais, aspecto das
unhas, presença de pontos de ossificação são
elementos que nos ajudam a determinar o
período em que ocorreu o aborto (idade
gestacional). Da mesma forma, o aspecto
uterino em seu volume, características da
loquiação e dilatação cervical nos ajudam a
estimar há quanto tempo ocorreu o parto.
 As lesões no aborto, na mulher e suas
resoluções, bem como mumificação e
maceração são indicativos do tempo
transcorrido entre a prática do aborto e o
momento do exame.
 O perito ou o médico assistente frente à
impossibilidade de encaminhamento imediato ao
Instituto Médico-Legal deverá além do exame físico
já descrito, colher Swab vaginal, oral, anal, esfregaço
vaginal, coleta de pelos pubianos para DNA, exames
laboratoriais para diagnóstico de gravidez e doenças
sexualmente transmissíveis (B-HCG, VDRL, HIV).

 Ao médico assistente, caso tenha que intervir antes


do perito, além dos acima haverá a necessidade de
prescrever a pílula do dia seguinte, reparar lesões,
promover a profilaxia de DST e realizar
encaminhamentos para o IML e de retorno para
resultado de sorologias.

 Ao perito cabe ainda a orientação da possibilidade de


realização de exame de DNA do feto se houver
dúvida se o nascituro é legítimo ou fruto de estupro.
Como em toda requisição de perícia esta
também é proveniente de autoridade judicial ou
policial.
 No preâmbulo, deve ser pormenorizada a
qualificação e formação do médico que está
realizando a perícia, com nome, documento
de identificação, titulação, além das
informações da autoridade solicitante. Deve
ainda se fazer constar o local, data e hora em
que foi realizada a perícia.
 Este item refere-se à qualificação da
pericianda. Deve conter seu nome completo,
data de nascimento, documento de
identidade, cor, sexo, naturalidade,
procedência, filiação, estado civil, religião,
profissão.
 O histórico deve ser conciso e esclarecedor, com uma narrativa breve e
que mencione todos os dados relevantes, além de os demais que podem
vir a ser utilizados “a posteriori”. O histórico deve obter informações que
ajudem a esclarecer alguns dados fundamentais como:

 a. Abortou ou permanece grávida?

 b. Em que idade gestacional se encontrava na ocasião do incidente?

 c. A data do incidente, o que o ocasionou e a sua consequência.

 d. Citar os sinais e/ou sintomas alegados

 e. Quais providências tomou, se procurou assistência médica, mencionar


 o nome do nosocômio e o tratamento recebido

 f. Data da última menstruação, menarca, o número de gestações


pregressas, partos ou abortos e cirurgias ginecológicas prévias
 O histórico deve ser redigido respeitando a
cronologia dos fatos, tentando manter a
coerência descritiva. Mencionar dados que,
informados, possam nos ajudar na condução do
caso, por exemplo, se houve o encontro do feto,
se foi enviado ao IML, se houve complicações
decorrentes do incidente.

 Enfim, todas as informações obtidas do diálogo


com a pericianda, familiares, relatórios médicos,
resultado de exames, devem constar nesta parte
do laudo. Vale ressaltar que todas as
informações que serão descritas devem ser
acompanhadas da fonte informativa, a qual
atribuiremos maior ou menor credibilidade.
 Nesta parte do Laudo serão descritos todos
os detalhes do exame físico, seguindo-se o
princípio "Visum et repertum". O perito deve
nortear-se pelo já descrito anteriormente em
relação ao exame físico geral e especial, com
especial atenção ao exame genital.
 Na discussão o perito irá traçar o paralelo entre os
achados da perícia e as bases técnicas científicas,
buscando não se afastar da linha de raciocínio que
conduzirá a formação do juízo.

 Deverá buscar esclarecer, na perícia de mulher viva,


se houve aborto, se havia outro meio para salvar a
mãe, a estimativa de idade de mãe e feto e se havia
alienação mental.

 No caso de mulher morta, verificar se houve aborto,


estabelecer nexo causal entre a prática e a Causa
mortis e se havia outro meio para salvar a mãe.
 A conclusão do laudo pericial de aborto
deverá ser obtida unicamente através dos
dados objetivos obtidos pelos legistas
durante a perícia, isto é, não basear a
conclusão em relatórios médico-hospitalares
ou relatórios de ginecologistas ou obstetras
que prestaram atendimento anterior ou
posterior à perícia. Os mesmos poderão ser
utilizados para elaboração de laudos
indiretos ou pareceres médico-legais.
 Os quesitos oficiais no caso de aborto são:

 Primeiro – Houve aborto?

 Segundo – Foi ele provocado?

 Terceiro – Qual o meio de provocação?

 Quarto – Em consequência do aborto ou do meio empregado para provocá-


lo, sofreu a gestante: incapacidade para as ocupações habituais por mais de
30 dias, perigo de morte, debilidade permanente de membro, sentido ou
função, incapacidade permanente para o trabalho, enfermidade incurável,
perda ou inutilização de membro, sentido ou função ou deformidade
permanente?

 Quinto – Era a provocação do aborto o único meio de salvar a vida da


gestante?

 Sexto – A gestante é alienada ou débil mental?


 O médico assistente deve ter claro o limite de sua
atuação. Não deve deixar de fornecer elementos
essenciais às autoridades, porém deve ter
salvaguardado o direito da paciente em ter
resguardada sua privacidade.

 O médico perito por sua vez deve atuar com absoluta


isenção, rigor, objetividade, clareza e ética,
permitindo que a autoridade policial e judiciária
forme opinião de juízo e possa garantir a preservação
do bem maior da Sociedade, o direito a vida.

 As autoridades, experts da jurisprudência e doutrina


relativa ao Sigilo Profissional, devem entender que o
posicionamento do médico assistente sempre é em
benefício da paciente, não significando eventuais
demoras ou contrariedades qualquer forma de
tentativa de obstrução do trabalho da justiça.

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