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Jorge Pozzobon

O lumpen-indigenismo do estado brasileiro


In: Journal de la Société des Américanistes. Tome 85, 1999. pp. 281-306.

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Pozzobon Jorge. O lumpen-indigenismo do estado brasileiro. In: Journal de la Société des Américanistes. Tome 85, 1999. pp.
281-306.

doi : 10.3406/jsa.1999.1738

http://www.persee.fr/web/revues/home/prescript/article/jsa_0037-9174_1999_num_85_1_1738
Abstract
The low-grade indigenism of the Brazilian State This paper focuses on the Fundação Nacionál do Índio
(FUNAI), the Brazilian State department of Indian affairs. The inefficiency and anomy of this institution is
eloquent proof of the neglect of Indian problems by the Brazilian government. The FUNAI often seems
to be merely a means of life for its functionaries, since many of them act as if the Indians were, rather
than the object of their professional care, a kind of additional embarrassement. Some of these
functionaries engage in illicit activities such as the robbing of equipment, the illegal sale of Indian land,
illegal gold mining and timber exploitation. Others manipulate the Indians through a clientelist system of
exchange of favors and trade-goods. It is thus very difficult to deliver the FUNAI from the grip of these
internal « Maffias ». The present article analyses the process of deterioration of the FUNAI, presents a
diagnosis of its current situation and offers a series of proposals for a structural change in the policy of
the Brazilian State in regard to indigenous peoples.

Résumé
L'indigénisme de misère de l'État brésilien L'article traite de la Fundação Nacionál do Índio (FUNAI),
l'organisme gouvernemental brésilien en charge des affaires indigènes. L'état d'anomie et l'inefficacité
qui caractérisent cet organisme démontrent de façon éloquente la place mineure que les pouvoirs
constitués du pays réservent à la question indigène. Tout se passe comme si la FUNAI ne servait qu'à
assurer l'existence de ses propres cadres : plusieurs d'entre eux agissent d'ailleurs, en effet, comme si
les Indiens, loin d'être les groupes au service desquels ils exercent leur profession, étaient des gêneurs.
Certains fonctionnaires se livrent à des activités illicites comme le vol d'équipements, le négoce des
terres indigènes ou le trafic du bois et de l'or exploités illégalement. La manipulation des Indiens par le
biais du clientélisme en échange de faveurs et de marchandises est aussi monnaie courante et rend
très difficile l'élimination des maffias qui régnent au sein de la FUNAI. La présente étude analyse le
processus de détérioration de la FUNAI, pose un diagnostic de la situation actuelle et présente une
série de propositions de changements structurels dans la politique de l'État brésilien à l'égard des
populations indiennes.

Resumen
Trata-se da Fundação Nacionál do índio (FUNAI), organismo através do qual o governo brasileiro
presta assistência ás populacões indígenas do país. О estado de ineficácia e anomia no qual se
encontra a Fundação é uma prova éloqüente do papel secundário reservado à questão indígena pelos
poderes constituídos. Tudo se passa como se a FUNAI fosse apenas um meio de vida para seus
funcionários, pois muitos agem como se os índios nào fossem a substância que justifica sua profissão,
mas apenas um incômodo adicional. Alguns se entregam a atividades ilícitas, tais como o roubo de
equipamentos, as negociatas com terras indígenas, bem como ao tráfico de madeira e ouro ilegalmente
explorados. Há mesmo aqueles que manipulam os índios através de um sistema clientelista de troca de
favores e mercadorias, о que torna extemamente dificil a tarefa de livrar о orgào dessas « máfias »
internas. Este artigo analisa o processo de deterioração da FUNAI, faz um diagnóstico de sua situaçâo
atual e apresenta uma série de proposiçôes de mudança estrutural na politica do Estado brasileiro para
os povos indígenas.
О LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO

Jorge POZZOBON *

Trata-se da Fundaçâo Nacionál do índio (FUNAI), organismo através do qual o governo


brasileiro presta assistência as populacóes indígenas do pais. О estado de ineficácia e anomia no
qual se encontra a Fundaçâo é uma prova éloquente do papel secundário reservado à questào
indígena pelos podereš constituídos. Tudo se passa como se a FUNAI fosse apenas um meio de
vida para seus funcionários, pois muitos agem como se os índios nào fossem a substância que
justifica sua profissâo, mas apenas um incômodo adicional. Alguns se entregam a atividades
ilícitas, tais como o roubo de equipamentos, as negociatas com terras indígenas, bem como ao
tráfico de madeira e ouro ilegalmente explorados. Ha mesmo aqueles que manipulam os índios
através de um sistema clientelista de troca de favores e mercadorias, о que torna extemamente
dificil a tarefa de livrar о orgào dessas « mafias » internas. Este artigo analisa o processo de
deterioraçâo da FUNAI, faz um diagnóstico de sua situaçâo atual e apresenta uma série de
proposiçôes de mudança estrutural na politica do Estado brasileiro para os povos indígenas.
Palavras-chave : políticas públicas, índios brasileiros, clientélisme

L'indigénisme de misère de l'État brésilien

L'article traite de la Fundaçâo Nacionál do índio (FUNAI), l'organisme gouvernemental


brésilien en charge des affaires indigènes. L'état d'anomie et l'inefficacité qui caractérisent cet
organisme démontrent de façon éloquente la place mineure que les pouvoirs constitués du pays
réservent à la question indigène. Tout se passe comme si la FUNAI ne servait qu'à assurer
l'existence de ses propres cadres : plusieurs d'entre eux agissent d'ailleurs, en effet, comme si les
Indiens, loin d'être les groupes au service desquels ils exercent leur profession, étaient des
gêneurs.
Certains fonctionnaires se livrent à des activités illicites comme le vol d'équipements, le
négoce des terres indigènes ou le trafic du bois et de l'or exploités illégalement. La manipulation
des Indiens par le biais du clientélisme en échange de faveurs et de marchandises est aussi
monnaie courante et rend très difficile l'élimination des maffias qui régnent au sein de la
FUNAI. La présente étude analyse le processus de détérioration de la FUNAI, pose un
diagnostic de la situation actuelle et présente une série de propositions de changements structur
els dans la politique de l'État brésilien à l'égard des populations indiennes.
Mots clés : politiques publiques, Indiens du Brésil, clientélisme.
* Pesquisador do Museu Paraense Emilio Goeldi. Av. Magalhàes Barata 376, caixa postal 399, 66.040-
170 BelémPA, Brésil.
Journal de la Société des Américanistes 1999, 85 p. 281 à 306. Copyright © Société des Américanistes.
:
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The low-grade indigenism of the Brazilian State

This paper focuses on the Fundaçâo Nacionál do índio (FUNAI), the Brazilian State
department of Indian affairs. The inefficiency and anomy of this institution is eloquent proof of
the neglect of Indian problems by the Brazilian government. The FUNAI often seems to be
merely a means of life for its functionaries, since many of them act as if the Indians were, rather
than the object of their professional care, a kind of additional embarrassement. Some of these
functionaries engage in illicit activities such as the robbing of equipment, the illegal sale of
Indian land, illegal gold mining and timber exploitation. Others manipulate the Indians through
a clientelist system of exchange of favors and trade-goods. It is thus very difficult to deliver the
FUNAI from the grip of these internal « Maffias ». The present article analyses the process of
deterioration of the FUNAI, presents a diagnosis of its current situation and offers a series of
proposals for a structural change in the policy of the Brazilian State in regard to indigenous
peoples.
Key words : public policies, Brazilian Indians, clientelism.

О estado de ineficiência e anomia em que se encontra a Fundaçâo Nacionál do


índio (FUNAI) é uma prova éloquente do papel secundário que o Governo Federal
tem reservado à questâo indigena. Nâo fosse о bom trabalho de alguns técnicos
realmente comprometidos com о bem estar dos índios, dir-se-ia que o único objetivo
da FUNAI é o de ser um meio de vida para seus funcionários.
Todas as pessoas ligadas à questâo indigena sabem que о orgâo é refém de vários
grupos organizados de servidores, que se digladiam entre si e manipulam os índios
para conduzir ao poder ou derrubar chefias segundo seus interesses de ascensâo
hierárquica e salarial. A luta interna pělo poder emperra — quando nâo sabota — о
trabalho dos técnicos que de fato querem melhorar as condiçôes de vida dos índios. O
resultado final é que a FUNAI parece existir para si mesma, como se o índio nâo fosse
a substância que lhe confere razâo de ser, mas um mero acidente, um epifenômeno,
uma engrenagem que se aciona quando a distribuiçâo de cargos de confiança nâo é
favorâvel.
A disputa interna decorre fundamentalmente da inexistência de uma política
indigenista capaz de fazer face ao assistencialismo que o órgao herdou do antigo
Serviço de Proteçâo ao índio (SPI). Além de dar margem à manipulaçâo de índios, o
assistencialismo enseja e acoberta a incompetência, o desvio de verba e o envolvi-
mento de funcionários e índios com a exploraçâo ilegal e predatória das areas
indígenas.
Nos últimos trinta anos, о Executivo Federal limitou-se a enunciar politicas
indigenistas institucionais sem a preocupaçâo de romper a relaçâo assistencialista
entre о Estado brasileiro e os índios. Рог isso mesmo, a FUNAI continuou e continua
em sua rota de deterioraçâo, corn о óbvio prejuízo das populaçôes indígenas. Os índios
nào sâo marginalizados apenas pela injustiça social que émana de toda economia
periférica e oligarca como a nossa. Eles também sâo marginalizados pela deterioraçâo
paulatina do orgào indigenista oficial.
О présente artigo résulta da experiência do autor como Chefe de Gabinete e
Presidente Substituto da FUNAI entre setembro de 1995 e fevereiro de 1996 (gestâo de
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Márcio Santilli). A esta introduçâo, segue-se uma análise do processo de deterioraçâo


da FUNAI e um diagnóstico da situaçâo atual, para que todos quantos se interessam
pela questâo indígena disponham de mais elementos para discutir о destino a ser dado
ao indigenismo oficial brasileiro. As propostas contidas no final do artigo devem ser
encaradas mais como um convite à discussâo aberta e democrática sobre esses
destinos do que um elenco de soluçôes prontas. Nâo há soluçôes prontas. '

1 . OS VÍCIOS DE ORIGEM

Ao criar a FUNAI em 1967, extinguindo o antigo SPI 2, o governo militar


pretendia coibir a escalada de corrupçâo que solapava о indigenismo oficial, para que
este pudesse realizar com maior eficiência sua missâo originária, que « era a de
integrar o índio à comunhào nacionál ». Os militares também queriam livrar о orgâo
das ingerências politicas locais e regionais, que, além de estarem nào raro envolvidas
com a corrupçâo, constituiam ameaça ao projeto de hegemonia da ditadura militar. A
politica indigenista do governo militar nâo se fundava necessariamente em conside-
raçôes humanitárias. Ela decorria de um projeto mais amplo de integraçào nacionál e
modernizaçâo forçada do pais — daí o combate à corrupçâo e o desmantelamento
dos feudos politicos que até entâo dominavam a vida publica brasileira. Porém, na
prática indigenista a FUNAI pouco se diferenciou do SPI.
Para entender essa continuidade, é preciso recuar no tempo. 3 Ao longo de sua
existência, o SPI padecera de uma penúria orcamentária crônica. Em vista disso, fora
criada a famosa renda indígena, destinada a manter a infra-estrutura e as équipes do
orgâo em campo. A renda se compunha da comercializaçâo do artesanato e da
produçâo agricola dos indios, bem como do arrendamento de porçôes importantes
das terras indigenas para fazendeiros e pequenos produtores rurais. Porém, dada a
falta de contrôle da direçâo do SPI, grande parte dos recursos assim gerados era
desviada pelos próprios funcionários do orgâo, que chegavam mesmo a negociar as
áreas arrendadas em benefício próprio. 4 Por outro lado, o SPI fora um orgâo
extremamente vulnerável as ingerências politicas locais e regionais. Interessados na
reduçào das terras dos indios, ou no minimo em livrar suas propriedades de um
indesejável reconhecimento como area indígena, potentados locais e regionais costu-
mavam controlar boa parte das unidades descentralizadas do orgâo através dos
favores, do apadrinhamento ou simplesmente por meio da ameaça à integridade fisica
daqueles que se mostravam contrários aos interesses deles. 5
Este estado de coisas era agravado pela própria prática do indigenismo, baseada
num modelo assistencialista, que envolvia a criaçâo de dependência entre os indios, о
apadrinhamento e a cooptaçâo de lideranças. Para garantir sua presença cotidiana no
seio de um grupo indígena recém contactado, os funcionários do orgâo distribuiam
présentes, como facôes, machados, roupas etc. Corn о tempo, isso gerava dependência
e demanda entre os indios. Criada a demanda, tornava-se fácil agrupá-los em torno
dos chamados postos de atraçâo, sob o pretexto de tornar mais fácil o trabalho
indigenista. Mas estes postos, que reuniam populaçoes descabidas para os padrôes
tradicionais de aldeamento, funcionavam como focos de transmissâo das doenças
infecto-contagiosas trazidas pelos brancos. Com isto, entrava-se um círculo vicioso :
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os indios eram aldeados para facilitar a assistência à saúde, mas nos aldeamentos eles
se tornavam muito mais vulneráveis as doenças que se pretendia combater. Por outro
lado, seus padrôes alimentares se deterioravam, uma vez que a concentraçâo espacial
dificultava a prática da agricultura itinérante, da pesca, da caça e da coleta. Impossi-
bilitados de praticar a economia tradicional, os indios se tornavam dependentes do
fornecimento de ferramentas agricolas, gado e outras alternativas econômicas. Porém,
dada a inconstância de um orgâo indigenista depauperado, esse fornecimento era
irregular, sendo a distribuiçâo deixada ao encargo de chefes de posto despreparados e
fora de contrôle da direçâo do orgâo. Grande parte destes distribuia mercadorias
apenas entre as lideranças indigenas que os apoiavam. Isso aprofundava os facciona-
lismos tradicionais e rompia paulatinamente о tecido social dos grupos onde о orgâo
atuava, além de camuflar os desvios de verba, os arrendamentos ilegais e a exploraçâo
dos recursos naturais em benefício próprio e dos indios cooptados. 6
É bem verdade que os militares combateram os desvios de verba da renda
indígena, mas, ao absorverem na estrutura do novo orgâo uma boa parte dos
funcionários do SPI, trouxeram para a FUNAI о modelo assistencialista, com vários
dos seus vicios de origem, como a criaçâo de dependência e a manipulaçâo de
lideranças indigenas. A diferença em relaçâo ao periodo anterior era que os militares,
dispondo de somas incomparavelmente maiores de recursos financeiros, 7 puderam
implementar projetos de grande impacto, como de resto todos os projetos decorrentes
das estratégias de integraçâo nacionál e modernizaçâo do pais. 8
A contrapartida indigenista do gigantismo rodoviário dos anos 70 foi o quase
desaparecimento de vários povos indigenas, cujo território era cortado pelas novas
rodovias. 9 Um dos casos mais tipicos foi о dos indios Panará, conhecidos na época
como Kren-a-karore. О traçado da rodovia Cuiabá-Santarém passava pela area
tradicional destes indios, mas mudar o traçado de uma rodovia federal para preservar
um grupo indígena estava totalmente fora das estratégias de modernizaçâo e integra
çâo do governo militar. Entâo, sob o pretexto de que os Kren-a-karore seriam
dizimados pelas doenças e pela violência das frentes de expansâo, eles foram removi-
dos das imediaçôes da Serra do Cachimbo, no sul do Para, para dentro do Parque
Indígena do Xingu. Em pouco tempo, a populaçâo Panará decaiu de 600 para 1 80
pessoas. 10
Casos como este, que proliferaram durante a ditadura militar, atrairam para os
dirigentes da FUNAI severas criticas por parte de vários funcionários, incluindo a
geraçâo de novos indigenistas que eles, militares, haviam trazido para о orgâo a fim de
modernizá-lo. Esta nova geraçâo nâo tardou a se identificar aos anseios progressistas
de redemocratizaçâo da sociedade nacionál, colocando-se contra о que chamavam de
« política genocida dos militares ». Porém, a nova geraçâo nâo deixou de se aliar, por
conveniência política ou falta de alternativa, a um grupo de funcionários fisiológi-
cos, n que os militares haviam reaproveitado na FUNAI ao extinguirem o SPI. Essa
nova geraçâo tampouco foi capaz de superar a relaçâo assistencialista com os indios.
Assim, criou-se dentro do novo orgâo uma curiosa aliança entre aqueles que se
indignavam corn о « genocídio » promovido pelos militares e aqueles que se sentiam
prejudicados com a « moralizaçâo » que os mesmos se dispunham a implantar no
orgâo. E com esta aliança surgiu dentro da FUNAI, em meados dos anos 70, uma
cultura de conspiraçâo e golpe que vale a pena descrever.
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A coisa toda repousava na especialidade de certos indigenistas em determinados


indios, especialmente os do Brasil Central. Sobre a base das relaçoes pessoais que
mantinham com as lideranças indígenas em campo, os indigenistas promoviam
verdadeiros levantes indígenas contra os militares que ocupavam os postos-chave na
estrutura da FUNAI. Essa estratégia de intimidaçâo se articulava ao que poderiamos
chamar de « parte podre do indigenismo », isto é, o conjunto dos servidores incomp
étentes, fisiológicos e corruptos. Estes, descontentes com a moralizaçâo ou simples-
mente com o ritmo acelerado de trabalho imposto pelos militares, ou ainda para se
manter nos cargos de confiança de que eram mandatários, tratavam de enviar à sede da
FUNAI em Brasilia o maior numero possível de indios, que vinham de suas areas com
toda a sorte de pedidos, os quais podiam muito bem ser atendidos pelas unidades
regionais da FUNAI em suas areas de origem. Isto curto-circuitava o sistema de
assistência ao índio, baseado em postos indígenas e delegacias regionais, 12 deslo-
cando para Brasilia uma massa importante de indios, que faziam da presidência da
FUNAI um balcâo onde se negociavam pedidos no mais das vezes de caráter pessoal,
para atender determinados « caciques » e seus aliados.
A base sobre a quai se fazia essa aliança entre idealistas e fisiológicos era о
assistencialismo. Tanto uns quanto outros aproveitavam-se do fato de que os indios
haviam sido levados, desde a época do SPI, a conceber a assistência parte do Estado
Brasileiro em termos de bens palpáveis. Já se sabia desde o SPI que о contrôle da
distribuiçâo de bens facultava a manipulaçâo dos indios em benefício próprio. Com a
FUNAI, a distribuiçâo seletiva de bens passou a ter um caráter mais politico : visava
mobilizar os indios contra os militares, mas nunca deixou completamente de atender
aos apetites individuais.
Através da implantaçâo de um sistema de informaçôes e delaçâo dentro da
FUNAI, os militares nâo tardaram a descobrir a rede de influências e laços entre
funcionários e indios. Obviamente, optaram por penalizar aqueles que se opunham à
política indigenista oficial, sob o pretexto de que esta oposiçâo era subversiva e
contraria à Doutrina de Segurança Nacionál. Uma série de demissôes desfalcou
a FUNAI de seus melhores quadros, sendo poupados os fisiológicos e aqueles cujo
grau de comprometimento com os interesses dos indios tendia a zero. Assim, a
capacidade de mobilizaçâo dos indios passou a ser usada apenas na defesa dos
interesses pessoais, tendo, no entanto, adquirido o know how dos movimentos de
caráter politico.

2. Lut as intestinas, ineficiência e corrupçâo

Quando sobreveio a Nova Republica, havia um vazio dentro da instituiçâo, tanto


nos setores técnicos quanto nos administratives. O governo civil preencheu este vazio
da forma negociada como preencheu os postos-chave em todos os niveis da adminis-
traçâo publica federal, isto é, através de nomeaçôes que procuravam contentar os
partidos politicos que se haviam coligado para brecar о avanço das esquerdas. Assim
como os ministérios foram distribuidos politicamente pelo Governo Tancredo Neves
(e pelo sucessor Sarney), assim também foram a presidência, as diretorias e as chefias
dentro da FUNAI.
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Por outro lado, o modelo de gestâo que os militares haviam implantado mantivera
durante cerca de 20 anos as diretorias e departamentos do orgâo atrelados vertical-
mente a sua presidência, sem que se desenvolvessem formas horizontais de gerencia-
mento. Corn о advento da Nova República, era natural que a presidência do orgâo
perdesse o caráter autocrático do periodo militar. Porém, essa desconstruçâo do
autoritarismo nâo se fez acompanhar de uma reconstruçâo administrativa, de modo
que as diretorias e departamentos da FUNAI, na falta da presidência todo poderosa
que as unia e em consequência das nomeaçôes negociadas que passaram a vigorar a
partir da Nova República, transformaram-se em pequenos feudos, agindo de forma
desconexa e quase independente.
Desfalcada de seus melhores quadros técnicos durante o governo militar, a
FUNAI da Nova República passou a ser um orgâo externamente controlado pelos
compromissos résultantes dos sucessivos loteamentos politicos em nivel federal e
internamente feudalizado pelos antagonismos entre funcionários.
О motivo desses antagonismos é basicamente a luta pelos cargos de confiança. О
caráter acirrado desta luta decorre das progressivas perdas salariais que o funciona-
lismo público em gérai sofreu desde о final da ditadura militar, corn о fim dos grandes
empréstimos internacionais e as exigências impostas pelo FMI a cada novo emprés-
timo ou negociaçâo da divida externa.
Desmotivado pelos baixos salários, o servidor público passou a cumprir suas
obrigaçôes normais apenas quando detentor de um cargo de confiança. Mais do que
isso, passou a conceber este о cargo como complementaçâo salarial e direito adqui-
rido. A destituiçâo de um cargo de confiança passou a ser vista como injustiça e
pretexto suficiente para justificar sabotagens e manobras visando a derrubada da
chefia que a praticou. Na FUNAI essas atividades assumem um caráter particular-
mente agudo, dado que os indios sâo usados como massa de manobra, como veremos
adiante.
Contribuiu para о agravamento deste estado de coisas o sucateamento generali-
zado da administraçâo publica federal, decorrente da estratégia neo-liberal de mini-
malizaçâo do Estado, que trouxe novas perdas salariais, precários investimentos na
qualificaçâo do servidor público, cortes orçamentarios e obsolescência da infra-
estrutura fisica. Na FUNAI, desde 1986 nâo se fazem cursos de qualificaçâo de
funcionários. O resultado perverso para os indios é que se proliferou no orgâo a
prática do desvio de funçâo : 13 vários chefes de posto e mesmo administradores
regionais foram recrutados entre os motoristas, os auxiliares de serviços gérais e
outros servidores administratives, sem o menor preparo para lidar com as populaçôes
indigenas ou para aplicar corretamente о orçamento do orgâo. Por outro lado, os
cortes orçamentarios progressives e a degradaçâo dos equipamentos fisicos, tais como
postos indigenas, viaturas e enfermarias de campo, trouxe, para aqueles que nâo
integram os círculos do poder, a desmotivaçâo nas tareras diárias, o descomprometi-
mento com os indios e a apatia em relaçâo aos destinos do orgâo.
Esse desmazelo nào deixa de ter seus efeitos psicológicos sobre os setores técnicos
especializados do orgâo em Brasilia, entre eles, os departamentos de Saúde e Educa-
çâo. Nesses setores, о desânimo com as açôes do orgâo em campo tem levado à
naturalizaçâo da ineficiência, como se ela fizesse parte da ordem do mundo. É comum
ouvir-se afirmaçôes do tipo « a FUNAI nâo tem jeito. » Mas quando se trata de
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conjugar esforços com a Fundaçào Nacionál de Saúde e com o Ministério da


Educaçâo para implementar açôes conjuntas, sem as quais a FUNAI nâo é capaz de
dar conta da crescente demanda indigena nos dois setores, os técnicos do orgâo
limitam-se a alegar que os interlocutores da FNS e do Ministério da Educaçâo nâo
compreendem as especificidades da populaçâo indigena. Diante dessa incom-
preensâo, que alias nâo deixa de ser verdadeira, os técnicos da FUNAI se fecham
numa atitude corporativista, como se fosse possível ressuscitar o antigo monopólio da
assistência ao indio, que se mostrou sobejamente ineficaz desde a época do SPI. Ora,
os técnicos conhecedores da problemática indigena sâo (ou deveriam ser) os da
FUNAI e nâo os dos outros ministérios. Portanto cabe aos da FUNAI a tarefa de
esclarecer aos demais, em vez de ficar na defensiva corporativista. Talvez o corpora-
tivismo para fora possa ser entendido como uma atitude recalcada frente ao desânimo
admitido apenas para dentro. Mas o fato é que ele contribui para a deterioraçâo da
assistência ao indio.
Para dar um quadro completo deste estado de deterioraçâo, é preciso trazer à tona
о que circula nos bastidores da FUNAI. A presidência do orgâo nâo é assediada
apenas por indios em busca de favores clientelisticos, mas também pelos diversos
grupos antagônicos de funcionários, que buscam arrebatar uns dos outros os cargos
de confiança disponiveis mediante acusaçôes mutuas de corrupçâo. Fazendo-se o
mapa dessas acusaçôes mútuas, tem-se a nitida impressâo de que os grupos organiza-
dos lutam pělo poder também para escamotear, sabotar ou simplesmente desaparecer
auditagens, sindicâncias e processus administrativos disciplinares, para que nâo se
revelem as redes de corrupçâo que vâo desde os postos indígenas até a sede do orgâo
em Brasilia.
As informaçôes cruzadas e mapeadas indicam as seguintes atividades ilicitas, das
quais certos funcionários do orgâo tiram proveito direta ou indiretamente :
1 . garimpo ilegal de ouro e corte ilegal de madeiras nobres em áreas indígenas (os exemplos
mais destacados ocorrem nas varias áreas Kayapó e Nhambiquara) ;
2. arrendamento ilegal de terras indígenas (no mais das vezeš no sul do pais, nas áreas
Kaingáng) ;
3. produçào e/ou trânsito de entorpecentes nas áreas indígenas (no nordeste do pais, nomea-
damente nas áreas indígenas do Maranhâo) ;
4. licitaçôes fraudulentas, com recebimento de propinas oferecidas por comerciantes locais
para ter preferência nas compras (na sede da FUNAI em Brasilia e em certas administraçôes
regionais do sul do Para, como Redençào, que assiste os Kayapó) ;
5. cobrança de percentagem para agilizar a liberaçâo de suprimentos de fundo ou diárias (na
sede da FUNAI em Brasilia e em algumas administraçôes regionais do Brasil central) ;
6. desvio de combustível e uso de viaturas do orgào para cumprir tarefas em beneficio pessoal
ou em beneficio de lideranças indígenas cooptadas (fréquente nas administraçôes regionais
que assistem os Bororo e os Xavante, no leste de Mato Grosso) ;
7. roubo e venda de equipamentos do orgâo (fréquente nas administraçôes regionais do Brasil
central) ;
8. liberaçâo de suprimentos de fundos para obter apoio politico de lideranças indígenas (na
sede da FUNAI em Brasilia e nas administraçôes regionais do Brasil central e do Nord
este) ;
9. uso da telefonia, da radiofonia e do serviço de fax do órgáo para propósitos pessoais,
incluindo as articulaçôes que visam a conquista do poder (na sede da FUNAI em Brasilia) ;
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10. chantagem a membres de facçôes opostas por meio de documentos que provam participa-
çào em atividades ilícitas (na sede da FUN AI em Brasilia).

Tudo isso tem um efeito deletério adicional para os índios : mobiliza os poucos
advogados da FUNAI em comissôes de sindicância e processos administratives
disciplinares, de modo que a defesa dos direitos indigenas, que deveria estar no centra
das preocupaçôes desses advogados, fica relegada a um segundo piano, a tal ponto que
se criou entre eles uma estranha cultura juridica, segundo a quai os advogados estâo là
para resolver os problemas do orgâo e nâo os dos índios. Um dos présidentes récentes
da FUNAI (1994), nâo dispondo de sustentaçâo interna capaz de mudar esta cultura
juridica, viu-se obrigado a criar a Coordenaçâo Gérai de Defesa dos Direitos Indige
nas, que funcionava de modo independente e sem intercâmbio com a Procuradoria
Juridica, о que vem a ser mais uma prova de esquizofrenia administrativa e deterio-
raçâo.
Como se nâo bastassem todas essas distorçôes, a comissâo de anistia da FUNAI
readmitiu (1990 em diante), junto com os funcionários que os militares haviam
demitido por motivos políticos, uma série de funcionários demitidos por corrupçâo,
de modo que se futuramente alguém questionar a anistia concedida aos funcionários
demitidos por improbidade, terá de questionar também a anistia aos que de fato
sofreram perseguiçâo politica durante a ditadura militar.
E bem verdade que a readmissâo de funcionários realmente comprometidos com
a defesa dos índios teve um efeito positive Foi por conta desta readmissâo que о orgâo
logrou nâo perder por completo a credibilidade, especialmente no que diz respeito à
demarcaçâo de terras indigenas. Nos dois primeiros anos da década de 90, a FUNAI
promoveu uma campanha de demarcaçâo sem précédentes na história do pais, sob a
égide do Art. 231 da Constituiçâo de 1988 e do Decreto 22, de 1991, que regulamen-
tava os procedimentos administratives de demarcaçâo de areas indigenas.
Para entender por que no inicio dos anos 90 a Diretoria de Assuntos Fundiários da
FUNAI se destacou do marasmo e da incompetência caracteristica das demais
diretorias e departamentos é preciso levar em conta dois fatores. 14 De um lado, a
esquizofrenia administrativa do orgâo, que permite aos diferentes setores agirem de
modo independente, sem qualquer meta em comum. De outro lado, o caráter para
doxal do Governo Collor de Mello, que se apresentara como a única alternativa capaz
de deter о avanço das esquerdas, sem ser ao mesmo tempo uma coalizâo da direita
tradicional. Apoiado maciçamente pelos meios de comunicaçâo de massa, Collor de
Mello se elegera sem recorrer ao loteamento politico que embasou todos os demais
governos da Nova Republica, inclusive os que о sucederam. Portanto, ele podia se dar
ao luxo de tomar medidas de agrado internacional, como por exemplo o reconheci-
mento oficial da Area Indígena Yanomami durante a ECO 92 e a campanha sem
précédentes de demarcaçâo de terras indigenas que se seguiu a este ato, mesmo que
essas medidas desagradassem a bancada ruralista, a cupula militar e os neo-liberais. 15
De qualquer forma, a excelêneia da FUNAI nos assuntos fundiários tinha o indese-
jável efeito colateral de minimizar aos olhos da opiniâo publica o caos administrativo,
a incompetência e a corrupçâo nos demais setores. A despeito de um desempenho
espetacular no setor fundiário, a FUNAI continuava e continua até hoje na rota da
degeneraçâo.
Pozzobon, I] O LUMPEN-INDIGENISMO DO EST ADO BRASILEIRO 289

3. О ASSISTENCIALISMO DEGENERADO E A COOPTAÇÂO DE ÍNDIOS

A esta altura cabe perguntar por que motivo as organizaçôes indigenas sérias, as
ONGs, a Igreja, os parlamentares ligados à causa indígena e os funcionários etica-
mente corretos da FUNAI ainda nâo conseguiram desbaratar os esquemas de poder
e corrupçâo dentro do orgâo. A resposta é simples. O assistencialismo impossibilita o
saneamento no âmbito de governos sem vontade política para criar outro tipo de
relaçâo entre о Estado e os povos indigenas. Vejamos como isto funciona na prática.
Ao longo de quase um século de indigenismo oficial, desde o SPI até a FUNAI de
hoje, os indios foram acostumados a um tratamento assistencialista. 16 Em vista disso,
demonstram dificuldade para entender os poucos projetos de desenvolvimento sus-
tentável que a Fundaçâo tem sido capaz de formulář e lhes propor nos ultimos anos.
Projetos sâo coisas abstratas. Seus rendimentos demoram a aparecer. A fim de que a
produçâo indígena de banana-passa, por exemplo, renda o suficiente para satisfazer a
demanda dos indios por bens industrializados, é preciso racionalizar a produçâo,
padronizar о produto e coloca-lo no mercado a preços competitivos ou com algum
apelo adicional do tipo « produto natural », « produçâo indígena » etc. Dada a
incompetência dos setores responsáveis da FUNAI, nada disso acontece, de modo
que os projetos se convertem amiúde em frustraçâo para os indios. A saida que eles
encontram é fazer pressâo sobre os dirigentes do orgâo para que estes simplesmente
doem as mercadorias que eles desejam, o que, alias, vem ocorrendo desde a época do
SPI. Nâo é fácil se livrar de uma longa história de assistencialismo, sobretudo com
alternativas acanhadas e técnicos despreparados.
Porém, o maior obstáculo à formulaçâo e à implementaçâo de qualquer projeto
que confira autonomia aos indios nâo é о despreparo dos técnicos. О maior obstáculo
é o clientelismo, essa forma degenerada de assistencialismo, que se estabeleceu na
FUNAI da Nova Republica e constitui prática corrente até os dias atuais. Čada grupo
de interesse dentro do orgào possui uma espécie de « curral eleitoral » ou « clientela »
entre os indios, a fim de garantir a permanência em postos-chave e cargos de
confiança. Na época do SPI e mais tarde durante o periodo militar, o indigenismo
oficial brasileiro se encarregara de criar e aprofundar a dependência dos indios em
relaçâo aos bens industrializados, sem dar-lhes condiçôes de adquiri-los por meio de
seu próprio trabalho. A partir da Nova Republica, além de gerar dependência, о
assistencialismo assumiu um caráter francamente clientelista. A distribuiçâo de bens
e vantagens entre os indios passou a ser feita seletivamente a fim de garantir a
permanência de grupos no poder e derrubar grupos antagônicos.
Um dos principais meios de cooptaçâo de indios é a propina. Habitualmente ela
assume a forma de uma « ajuda de custo » que os indios obtêm cada vez que vâo a
Brasilia. A quantia é variável. Alguns caciques importantes recebem quantias de até
US$ 1.500,00. Houve um reajuste, que estabeleceu US$250,00 para os caciques,
US$ 150,00 para os vice-caciques 1? e US$ 68,00 para os demais indios. Essa verba é
repassada junto com as passagens de volta para os municí pios em que incidem as areas
indigenas. Alega-se que eles precisam corner na viagem. Porém as quantias excedem
bastante о que se gasta em refeiçôes de Brasilia até о leste do Mato Grosso, de onde
vem a maior parte da « clientela » da FUNAI. Diante disso, os indios vào a Brasilia
290 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

cerca de duas vezes рог mes, о que rende para cada cacique um salário mensal de
US$ 500,00.
Visto que о dinheiro nâo faz parte dos bens que normalmente integram as trocas
tradicionais entre os grupos de parentesco que constituem a malha social de uma etnia
indigena, a distribuiçâo de propinas, além de ser um desperdício de recursos fmancei-
ros, acaba gerando privilégios e, com eles, algumas perigosas rupturas no tecido social
das comunidades indigenas envolvidas. 18
Um outro meio utilizado pelos funcionários para garantir o apoio dos índios é
oferecer-lhes emprego na FUNAI. Inicialmente, isso era usado pela presidência do
orgâo como antidoto à mobilizaçâo de índios рог parte de funcionários descontentes.
Corn о passar do tempo, о descontrole e a feudalizaçâo administrativa resultaram na
disseminaçâo e na cristalizaçâo desta prática, de modo que cada grupo organizado de
funcionários passou a ter um grupo de funcionários índios como apoiadores.
Absorver índios na estrutura da FUNAI nâo é por si coisa condenável, desde que
eles demonstrem capacitaçâo para desempenhar as funçôes que se lhes designam.
Porém, о modo como os índios sâo absorvidos e os critérios de escolha têm sido
inteiramente ditados pělo oportunismo. Salvo algumas exceçôes, empregam-se nâo os
índios que tenham algum preparo, mas aqueles cujos laços de parentesco com
lideranças e aldeias importantes asseguram apoio a quem os coloca na FUNAI.
Este problema é particularmente agudo nos postos indigenas. Quando se conduz
um índio à chefia de um posto indigena sem o devido treinamento, ele dificilmente
compreenderá que deve atender as comunidades sem discriminaçâo de afiliaçâo tribal,
clânica ou de linhagem. Dará preferência ao seu grupo de parentesco, deixando
desassistidos os demais. Por exemplo, usará a viatura do posto em tareras que
extrapolam suas funçôes, tais como pescarias, passeios na cidade mais próxima,
visitas a parentes que moram em outras areas. Enquanto isso, nas aldeias que nâo têm
a sorte de serem sedes de postos indigenas, crianças morrem de diarréia e outras
doenças perfeitamente controláveis. 19
Um terceiro meio bastante utilizado para obter о apoio dos índios, sobretudo o
apoio dos índios do Brasil Central, é a distribuiçâo estratégica de viaturas utilitárias.
A demanda por viaturas foi criada na época da ditadura militar : a fim de inibir a
mobilizaçâo de índios e também para dar uma versâo indigenista das estratégias de
desenvolvimento e integraçào nacionál que norteavam seus pianos de governo, os
militares haviam fomentado entre os índios do Brasil Central uma série de « projetos
de desenvolvimento », que nâo passavam de imensas plantaçôes de arroz, com farta
distribuiçâo de viaturas e máquinas agrícolas. Com a falência dos projetos — atri-
buivel à falta de previsâo da capacidade de absorçâo dos mercados locais e à falta de
transmissâo de tecnologia aos índios — o saldo foi uma énorme demanda indigena de
viaturas, que a FUNAI da Nova Republica passou a satisfazer segundo o apoio dado
pelos índios as pretensóes políticas e salariais dos diferentes grupos organizados.
Obviamente, isso géra revolta e faccionalismos entre os índios excluídos, pois os
beneficiados nâo se sentem obrigados a estender o benefício das viaturas segundo as
linhas tradicionais de cooperaçâo e solidariedade. Para mitigar as brigas internas,
adotou-se a regra segundo a quai haveria uma viatura para cada aldeia. Mas os índios
cada vez mais se dâo conta da demanda de apoio politico por parte dos grupos
organizados da FUNAI, que usam a viatura como moeda de troca. Com isto, os
Pozzobon, 1} O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 291

índios passam a subdividir suas próprias aldeias no intuito de ganhar mais viaturas, o
que novamente résulta em ruptura do tecido social. Esse processo é particularmente
agudo entre os Xavante. Suas aldeias tradicionais tinham em média 150 pessoas. 20
Hoje em dia há uma grande quantidade delas com 30 ou 40 pessoas — um decréscimo
que nâo pode ser atribuído à depopulaçâo, posto que a populaçâo Xavante aumentou
desde a década de 60, mas a uma mudança nos padrôes de assentamento devido à
disputa pelas viaturas e outras mercadorias.

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Gráfico 1 — Estatística do clientélisme


.

O Gráfico 1, acima, dá uma idéia dos demandas colocadas pelos índios. Foi
elaborado a partir de uma amostra de 78 pedidos formulados por eserito e entregues
por índios nas mâos do presidente do órgáo em Brasilia, entre 29/02/96 e 01/4/96. 21
Salta aos olhos a desproporçâo entre os pedidos de emprego, viaturas e dinheiro face
aos demais pedidos. Isso revela, antes de mais nada, um grande desconhecimento por
parte dos índios das atribuiçôes da FUNAI, que sâo a demarcaçâo e a proteçâo das
terras indigenas, bem como a assistência à saude, à educaçâo e as atividades produti-
vas das comunidades. Apenas très dos 78 pedidos — dois projetos de produçâo
agricola e uma solicitaçâo de équipe volante de saúde — enquadram-se em tais
atribuiçôes. Com boa vontade, podemos incluir também as ferramentas de trabalho, o
gado e as máquinas agrícolas. De qualquer forma, isso deveria partir das administra-
çôes regionais da FUNAI e nâo da direçâo central do orgâo em Brasilia, cujo papel é
coordenar о trabalho das administraçôes regionais. Muitas vezes a viagem dos índios
a Brasilia sai mais cara do que comprar о que desejam na cidade mais próxima.
О uso combinado desses très meios de cooptaçâo — propinas, empregos e
viaturas — produziu ao longo dos anos uma espécie de clientela preferencial da
FUNAI, cujos membros mais reivindicativos pertencem aos povos Xavante e Kayapó.
Um dos motivos do constante assédio desses dois povos indigenas à sede da FUNAI
292 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

em Brasilia é о fato de que seus respectivos territórios se situam rmma regiâo


comparativamente bem servida de estradas de rodagem e relativamente próxima do
Distrito Federal. Mas a proximidade geográfica é apenas uma faceta do problema. É
preciso levar em conta igualmente as variáveis culturais e históricas que distinguem
esses dois povos indigenas dos demais.
Primeiramente, ambos pertencem à naçào Je, cujo caráter guerreiro, competitivo e
expansionista se conhece desde о século XVII. As comunidades Je sâo cindidas por
uma série de facçôes, cuja origem e desavenças os nativos explicam por meio da
mitologia, procurando interpretar o comportamento atual dos oponentes nos qua-
dros conceituais do mito. As fréquentes contendas internas nâo sâo resolvidas pela
arbitragem, como acontece entre os Kampa, ou pela luta ritual, como no Parque do
Xingu, ou ainda pela dispersâo no espaço, como entre os indios das Guianas. Entre os
Je, as contendas internas mais graves se resolvem pela guerra aos povos vizinhos :
além de proporcionar a conquista de novos territórios, ela une as facçôes rivais no
combate ao inimigo comum.
Em segundo lugar, os Xavante e os Kayapó sâo povos de contato relativamente
récente. Assim, nâo houve tempo histórico para que seu espirito guerreiro fosse
domesticado pela « paz branca ». 22 Pelo contrario, a partir dos anos 70, em razâo de
sua proximidade a Brasilia e da facilidade com que se acirram seus ânimos, os Xavante
e os Kayapó passaram a ser mobilizados por aqueles servidores da FUNAI que se
opunham à politica indigenista dos militares. Os indios viram nisto a oportunidade de
reeditar as antigas guerras unificadoras. Em resposta, os militares distribuiam viatu-
ras e outros bens, no bojo dos grandes projetos, a fim de cooptar os indios para o seu
lado. E nisso encontravam terreno fértil, pois a viatura passou a ser um símbolo de
superioridade para os caciques beneficiados e seus seguidores. Em vez de brigarem
entre si, os indios passaram a ostentar Toyotas. A « paz branca » se impôs através da
mercadoria.
Criada a demanda, hoje em dia é extremamente dificil contê-la sem provocar a
tomada da sede da FUNAI por uma centena de caciques enfurecidos com a possibi-
lidade da perda de status que représenta nâo obterem viaturas novas — e ai nâo
faltarâo funcionários para dizer que a restriçào da distribuiçâo de viaturas é anti-
indigena e que os verdadeiros amigos dos indios sâo eles mesmos, que sempře
procuraram atender os pedidos de cargos, viaturas e ajudas de custo. Ou seja : através
de um discurso favorável aos indios, dotado inclusive de uma čerta aura esquerdista,
о fisiologismo da FUNAI levanta os indios contra toda e qualquer medida anti-
clientelista.
О caso dos Xavante e Kayapó é particularmente emblemático porque seu assédio
a Brasilia repercute imediatamente na imprensa nacionál e internacional, sem que se
revelem no entanto os esquemas clientelisticos que movem esse assédio. Ao silêncio
interessado dos funcionários fisiológicos se une involuntariamente о silêncio cons-
trangido dos que militam pela causa indigena. E essa obscura rede de silêncios acaba
acobertando também os casos mais localizados e de repercussâo menos espetaculosa,
como os esquemas de cooptaçâo de grupos Guajajara no Maranhâo e Kaingáng em
Santa Catarina. Entre estes últimos, alias, há indícios de cooptaçâo de indios por
indios. Alguns Kaingáng estariam se beneficiando das alianças e dos favores clientelis
ticos que mantêm com lideranças Xokleng cooptadas, em detrimento da grande
Pozzobon, J.] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 293

maioria do povo Xokleng, relegada à desassistência e ao esquecimento. Há indícios de


práticas semelhantes em Máto Grosso do Sul, onde alguns Terena teriam cooptado
lideranças Guarani-Kaiová mediante a distribuiçâo clientelística dos benefïcios envia-
dos pela FUNAI a fim de conter a récente onda de suicídios (circa 1995).
Talvez estas sej am revelaçôes um tanto duras para o leigo simpatizante da causa
indígena e mesmo para о militante indigenista, sempře disposto a dar o sangue a fim
de compensar a divida social que temos para com os brasileiros originários. Que a
perplexidade sirva entâo para nos libertar da imagem romântica do « selvagem
inocente », pois duvidar que algumas pessoas indigenas se utilizam de esquemas
« civilizados » de cooptaçào e corrupçào em beneficio particular e ao prejuizo de seu
próprio povo é uma atitude tâo equivocada quanto preconceituosa, porque nâo
corresponde aos fatos e nega aos indios a capacidade de se aproveitar da venalidade
dos brancos. Professando a ideologia da pureza, jamais seremos capazes de resgatar a
divida social que temos para com os indios. Continuaremos maquiando o caráter
perverso da nossa relaçào com eles. 23
Felizmente, sâo poucos os indios envolvidos nos esquemas clientelistas. A soma
das populaçôes Xavante e Kayapó nào passa da casa dos 1 3.000. Se acrescentarmos a
estes os Guajajara, os Kaingáng e os Terena, teremos um total aproximativo de 60.000
indios, isto é, cerca de 20 % da populaçâo indígena do pais. Mas séria um erro crasso
e imperdoável afirmar que 20 % da populaçâo indígena constituem a clientela favo-
recida da FUNAI, em prejuizo dos restantes 80 %. Somente algumas lideranças, suas
linhagens e aliados é que estâo efetivamente envolvidos. A maior parte dos Kayapó,
Xavante, Kaingáng, Guajajara e Terena é tâo desassistida quanto os demais indios do
pais. Na verdade, os indios que assediam e se beneficiam dos esquemas clientelisticos
da FUNAI nâo passam de um milhar.
Isto nâo apenas nâo deixa duvidas quanto ao caráter profundamente desvirtuado
e injusto do indigenismo oficial, mas também mostra que é possível transformá-lo
com vistas ao estabelecimento de uma relaçâo de parceria e colaboraçâo com os
indios, quanto mais nâo seja porque a esmagadora maioria da populaçâo indígena
esta fora das malhas do clientelismo. Mas antes de passar as consideraçôes proposit
ivas, é preciso fornecer ainda alguns dados sobre mais uma das falhas crônicas do
indigenismo oficial, que é a proteçâo do patrimônio indígena.

4. COMO A INEFICIÊNCIA, О CLIENTELISMO E A CORRUPÇAO SE ARTICULAM À EXPLORAÇÂO


ILEGAL DAS AREAS INDIGENAS

Estamos agora em condiçôes de estabelecer os nexos entre os fatores diagnostica-


dos como causas da degradaçâo do orgâo indigenista oficial. Comecemos pela ausên-
cia de um modelo alternativo de relaçâo entre o Estado e as populaçôes indigenas,
capaz de romper com a longa tradiçâo assistencialista. A ausência desse modelo
soma-se ao despreparo dos servidores na lide com as populaçôes indigenas. O resul-
tado é о deslocamento para a FUNAI da demanda indígena рог bens industrializa-
dos, que eles esperam receber de graça, demanda esta que о orgâo é incapaz de
satisfazer, por nâo ter recursos orçamentarios e nem sequer previsâo orçamentaria
para tanto.
294 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

Nos últimos anos, a despeito da vigência do modelo assistencialista, alguns téc-


nicos têm tentado absorver essa demanda em projetos produtivos auto-sustentáveis,
de modo que os indios possam obter por meio de seu próprio trabalho os bens que
desejam. Porém, devido ao despreparo dos servidores, as unidades regionais e locais
da FUNAI, que deveriam avaliar a demanda indígena e orientá-la para tais projetos,
falham sistematicamente neste trabalho, de modo que ao sofrerem pressâo dos indios,
о chefe de posto no mais das vezes desliza para o clientelismo seletivo habituai.
Além de falhar no apoio as atividades produtivas, as unidades regionais da
FUNAI deixam muito a desejar no que diz respeito à saúde e à educaçâo indígena.
Muito desse caráter falho decorre do despreparo dos administradores regionais, cuja
maioria nâo teve treinamento adequado para o planejamento orçamentario e acaba
gastando de forma irracional as verbas que recebe. Os efeitos do despreparo dos
administradores regionais se agravam pela falta de politica e pelo imobilismo dos
departamentos de Educaçâo e Saúde da sede da FUNAI em Brasilia, incapazes, como
vimos, de explorar as vantagens obvias das parcerias com os ministérios da Saúde e da
Educaçâo.
Mas a ineficiência das administraçôes regionais do centro-oeste nas areas de saúde
e educaçâo se deve sobretudo ao clientelismo, que corrói o orçamento com présentes
e propinas. Em algumas delas, o clientelismo ultrapassa os limites da legalidade :
entregam-se aos indios notas de compra assinadas e em branco, que eles entregam aos
comerciantes para que estes as preencham, enquanto os indios se servem das merca-
dorias que desejam. Uma dessas administraçôes regionais, a de Redençâo, no Sul do
Para, chegou em outubro de 1995 a uma dívida de cerca de US$ 1 .500.000,00 acima da
previsâo orçamentaria, com despesas realizadas sem empenho, licitaçâo ou qualquer
forma valida de regularizaçâo. 24 Se considerarmos que as verbas de custeio da sede e
das 47 administraçôes regionais da FUNAI somavam um total US$ 53.129.015,47 a
serem gastos ao longo de todo aquele ano, podemos imaginar as proporçôes da
corrupçâo e dos rombos orçamentarios gerados pelo clientelismo.
Os indios excluidos desses favores, insatisfeitos em sua demanda por mercadorias
e carentes de açôes de saúde, acorrem à sede do orgâo em Brasilia — e ai caem
novamente nas malhas do clientelismo. О clientelismo, quaisquer que sejam seus
objetivos, géra dois subprodutos nefastos : de um lado, o mau emprego de verbas e,
portanto, о emperramento das tareras obrigatórias do orgâo ; de outro lado, o
descosimento do tecido social que liga as diferentes unidades familiares componentes
de um grupo indígena.
Isso tudo transforma os indios em alvos muito fáceis daqueles que exploram
ilegalmente suas areas. Entre estes, contam-se principalmente os garimpeiros e os
madeireiros, embora haja também Pescadores e produtores rurais. A despeito dos
objetivos diferentes, о modo de agir desses grupos para com os indios é sempře o
mesmo : entram no vácuo assistencialista e clientelista criado pela FUNAI, procu-
rando satisfazer através de présentes a demanda de mercadorias e as carências em
termos de assistência à saúde. Em conseqûência, proliferam nas areas indigenas (em
especial no sul do Para, em Roraima, Rondônia e Mato Grosso) a extraçâo ilegal de
madeira e ouro das areas indigenas, bem como a pesca predatória e a invasâo por parte
de criadores de gado e agricultures. Em algumas areas, a madeira de lei arrisca se
esgotar. Em outras, os rios e riachos estâo poluidos pelo mercurio.
Pozzobon, J.] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 295

Em resposta as açôes movidas pělo Ministério Público Federal contra a FUNAI,


para que esta cumpra com a obrigaçâo de protéger as áreas indígenas, costuma-se
montar operaçôes de fiscalizaçâo, mas elas sào dispendiosas e incapazes de produzir
efeitos duradouros. É preciso reconhecer que a FUNAI nâo é a única instituiçâo
responsável pela ineficácia dessas operaçôes. Nâo tendo poder de policia, vê-se
obrigada a contar com a cooperaçào do IBAMA e da Policia Federal, que nem sempře
demonstram boa vontade. Cooperam apenas se a FUNAI fornece as diárias e as
passagens para os policiais.
Alias, existe uma verdadeira indústria de diárias dentro da FUNAI. É comum os
funcionários se oferecerem para tomar parte nas operaçôes de fiscalizaçâo, alegando
aos seus chefes, sem o menor pejo, que estâo precisando de « um dinheirinho extra ».
Os próprios chefes dâo о mau exemplo, passando até seis meses por ano em campo, a
custa de diárias de US$ 150,00, sob o pretexto de coordenar as operaçôes.
clientelismo

investimento
em présentes

incremerto
da demanda
indígena

descompro-
inetimento desassistência alianças entre incapacidade
e despreparo nos setores indios.madeireiros corrupçâo de
dos vitais e garimpeiros planejatnento
.

funcionários

operaçôes de
vigilâneia

mau emprego
do orçamento

carencias na
formaçâo de pessoal

Gráfico 2. — Organograma da incompetência.

A relaçào custo/beneficio dessas operaçôes é sempře negativa. Enormes fatias do


orçamento anual da FUNAI sào gastas para se obter umas poucas prisôes, sempře de
trabalhadores, nunca de mandantes, e umas apreensôes insignificantes de material. 25
Diante disso, a reaçào quase sempře negativa do setor de meio ambiente da FUNAI
aos projetos de exploraçâo sustentável de riquezas naturais em áreas indígenas é no
296 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

minimo desconcertante. Dado o caráter invariavelmente ineficaz e dispendioso das


operaçôes de fiscalizaçâo das áreas indígenas, a única forma de fazer face à exploraçâo
ilegal das mesmas — a única forma de evitar que os próprios índios tragam depreda-
dores para as suas areas — é a implantaçâo de programas de exploraçâo sustentável
regionalmente adaptados. Mas a FUNAI tem-se mostrado sistematicamente incapaz
de entrar nessa discussâo.
A incapacidade de formulář projetos (ou a falta de vontade politica para tanto) e
o caráter inócuo das operaçôes de vigilância abrem espaço para as atividades de
funcionários corruptos e seu envolvimento na exploraçâo ilegal das áreas indígenas.
Na verdade, muitos dos acordos entre garimpeiros e índios ou entre madeireiros e
índios sâo feitos com a mediaçâo de servidores da FUNAI, que naturalmente obtêm
ganhos pecuniários.
Os casos de envolvimento de servidores com essas atividades ilegais sâo de
conhecimento gérai dentro do orgâo, em todos os pontos do território nacionál.
Quando alguns desses casos se tornám tâo évidentes a ponto de chamar atençâo da
imprensa — ou quando os envolvidos fazem parte dos desafetos de um grupo anta-
gônico de funcionários, que se encarrega de fazer a denuncia para eliminar os rivais —
a direçâo da FUNAI é obrigada a tomar providências, instaurando auditorias,
comissôes de sindicância, processos administratives disciplinares e mesmo processus
de intervençâo nas administraçôes regionais envolvidas. Porém, nem sempře isso é
possível, uma vez que os funcionários implicados se apoiam nas alianças entre índios
e garimpeiros ou madeireiros, que, como sabemos, entram no vácuo assistencial da
FUNAI. Desse modo, a perspectiva de puniçâo desses funcionários pode trazer um
levante indígena de proporçôes dificilmente controláveis.
Рог exemplo, diante do rombo orçamentario de US$ 1.500.000,00 na Administra-
çâo Regional da FUNAI em Redençâo, foi enviada, no inicio de 1996, uma équipe de
auditoria e uma équipe de intervençâo. Um grupo Kayapó sequestrou e manteve em
cativeiro por mais de uma semana a équipe de intervençâo. Os próprios sequestrados
obtiveram em campo fortes indicios de que estavam por tras do sequestra, incitando os
índios, os mesmos funcionários que os auditores haviam indicado como responsáveis
pela exploraçâo ilegal das áreas indígenas, pelos desvios de verba, bem como pela
presença de garimpeiros e madeireiros entre os índios.
Se abstrairmos os fatores politicos externos, tais como a estratégia neo-liberal de
minimalizaçâo do Estado, o rebaixamento dos salários, o baixo investimento na
formaçâo de quadros, os cortes no orçamento e o sucateamento da infra-estrutura,
temos na FUNAI um ambiente interno que adquiriu dinâmica propria, através de um
circulo vicioso, cujas etapas principais podem ser deseritas no Gráfico 2, acima.
Poderiamos ter colocado no gráfico um outro efeito tipicamente circular do
clientélisme Ele transforma os índios em pedintes sem noçâo dos limites orçamen-
tários do orgâo. A maioria dos funcionários, carentes de formaçâo indigenista ade-
quada, desconhece os paramétras culturais e históricos em que isto deve ser com-
preendido. Em decorrêneia, vê os índios como desprovidos de senso de medida, um
pouco como crianças mimadas em shoping centers. О clientelismo produz um índio
caricato e essa caricatura acaba orientando a relaçâo dos funcionários com o indige-
nato, de modo que uma coisa reforça a outra. Poderiamos ter colocado ainda outras
tantos exemplos de distorçoes, que ilustrariam o caráter vicioso e aparentemente
Pozzobon, J.] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 297

insolúvel do indigenismo oficial, mas isso entulharia o gráíico, afastando-nos da


questâo de fundo.
A questâo de fundo é saber se é possível modificar este estado de coisas através do
estabelecimento de uma relaçâo de cooperaçâo com os índios, no lugar da relaçâo
clientelista. Em outras palavras, trata-se de saber se é possível, no âmbito do indige
nismo oficial, reorientar a politica indigenista para о fomento de projetos sustentáveis,
a fim de criar as condiçôes necessárias para que os índios e suas comunidades possam
se libertar da condiçâo de clientela mal tratada do Estado.

5. Uma tentativa de mudança

Quando assumimos a FUNAI em setembro de 1995, incumbimo-nos justamente


desta tarefa. Para tanto, formulamos uma proposta de reestruturaçâo do orgâo, cujo
conceito-chave era о de programa regional. Os programas regionais incidiriam sobre
determinadas áreas geográficas, defmidas em termos de proximidade espacial e afini-
dades culturais entre os índios beneficiados. Esses programas seriam adaptados as
caracteristicas culturais dos povos indigenas e ao seu grau de contato com a sociedade
envolvente. Deveriam levar em conta também as potencialidades dos recursos natu-
rais de suas areas e a capacidade de absorçâo dos mercados regionais.
Tendo essas informaçôes como paramétras definidores, os programas deveriam
diagnosticar as necessidades dos índios em termos de saúde e educaçâo, além de
captar seus anseios quanto aos beneficios do progresso técnico, orientando esses
anseios para a formulaçâo de projetos produtivos ecologicamente corretos, a fim de
criar condiçôes para que suas comunidades pudessem ter acesso ao que desejam sem
cair nas malhas do clientelismo, sem sérem absorvidas de modo marginal e dégradante
pela economia regional, ou ainda sem abrirem suas areas à exploraçâo ilegal e
predatória. Os projetos produtivos deveriam ser formatados nâo só para atender esses
anseios, mas também para prover recursos para açôes mais eficazes de saúde e
educaçâo.
Os programas teriam uma vantagem indiscutivel em comparaçâo com a assistên-
cia tradicional : as metas a serem atingidas seriam definidas com clareza ; calendários
físico-financeiros seriam elaborados para implementar sub-projetos ; sistemas de
avaliaçâo periódica (algo que nunca houve na FUNAI) poderiam ser implantados, a
fim de corrigir о andamento dos trabalhos. Com isso, a assistência ao indio poderia
finalmente superar o nível do emergencialismo e passar ao nivel da prevençào e da
proposta. Por exemplo, em vez de organizar dispendiosas e ineficazes operaçôes de
retirada de madeireiros das áreas Kayapó ou de mobilizar as pressas uma équipe
volante de saúde para conter uma epidemia de malaria entre eles, о Programa
Regional Sudoeste do Para implementaria projetos de exploraçâo sustentável da
madeira, cujos rendimentos, além de possibilitar a compra das viaturas e outros bens
que eles tanto desejam, seriam suficientes para manter em campo équipes sanitárias
preventivas e desenvolver subprogramas de formaçâo de agentes nativos de saúde.
Imaginamos inicialmente dezenove programas regionais e, mais adiante, vinte e
cinco. 26 Das quarenta e sete administraçôes regionais da FUNAI, atualmente todas
de mesmo nível hierárquico e diretamente vinculadas à Presidência do orgâo em
Brasilia, vinte e cinco subiriam ao nível de Coordenaçâo de Programa Regional. As
298 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

vinte e duas restantes desceriam ao nivel de Núcleo de Apoio, instância intermediária


entre as Coordenaçôes de Programa e os Postos Indígenas. Outros núcleos de apoio
poderiam ser criados, onde a intermediaçâo se fizesse necessária, рог motivos de
abrangência geográfica do programa, de especificidades culturais merecedoras de
atençâo especial, de dificuldades de acesso etc.
Ao abrirmos a discussâo, subestimamos a capacidade de mobilizaçâo dos grupos
fisiológicos da FUN AI. Esses grupos, temendo a extinçâo das administraçôes regio-
nais que os apoiavam, bem como о desmantelamento dos esquemas clientelistas e a
reabertura de esquecidas sindicâncias e auditorias sobre casos de corrupçâo, nào
tardaram a se unir em torno do objetivo comum, que era о de nos remover da direçâo
do orgâo. Para tanto, espalharam entre os índios do centro-oeste (sempře os mesmos)
о boato de que todas as administraçôes regionais seriam rebaixadas ao nivel de núcleo
de apoio, sendo cortados os benefïcios oferecidos até entào.
Em vista destes rumores, de setembro de 95 a fevereiro de 96, a Presidência do
orgâo foi se transformando cada vez mais em palco de múltiplos assédios indígenas,
uns mais, outros menos exaltados. Abundaram evidências de que vários desses
assédios eram financiados nâo só com verbas das administraçôes regionais, mas
também com recursos dos próprios servidores envolvidos, tal era o medo que os
boateiros tinham de perderem seus currais. De qualquer forma, a tarera de pensar о
futuro do indigenismo oficial, bem como a implantaçâo de um planejamento estraté-
gico e as reuniôes de avaliaçâo de desempenho, tiveram de ser postergadas, cedendo
lugar ao emergencialismo de sempře, exacerbado pela multiplicaçâo de reivindicaçôes
indígenas de caráter clientelista, que agora assumiam feiçôes de exigência.
Ao mesmo tempo, havia a morosidade de sempře na aprovaçâo do orçamento da
Uniâo por parte do Congresso Nacionál, devido à quantidade de emendas miudeiras
e interessadas. Como se sabe, nos primeiros meses de cada ano, todos os orgâo
públicos padecem desta demora, tendo que implementar suas açôes com 1/12 por mes
do orçamento previsto, até que о conjunto do orçamento da Uniâo seja aprovado pelo
Congresso, о que nunca ocorre antes de março. Mas as açôes da FUNAI nâo podem
ser divididas desta forma abstrata, pois dependem das estaçôes do ano, dos ritmos
culturais nativos e de fatores imprevisiveis, tais como epidemias e invasôes de areas
indígenas. Em vista disso, passamos a negociar diretamente a liberaçâo de verbas
junto ao Tesouro Nacionál.
Ocorre que a FUNAI é um orgâo vinculado ao Ministério da Justiça. Alegando a
necessidade de atender as emergências da Polícia Federal e da Polícia Rodoviária
Federal, o Ministério passou a reter a maior parte da verba negociada. Na última
negociaçâo, em fevereiro de 1996, obtivemos junto ao Tesouro Nacionál uma libera
çâo de US$ 5.500.000,00. Destes, a FUNAI recebeu apenas US$ 300.000,00 — menos
de um dolar por índio para passar o mes.
Nessa época, como acontece todos os anos devido à estaçâo das cheias no
centro-oeste, as crianças Xavante costumam ter crises de diarréia e muitas morrem se
nâo há assistência médica. Nas regiôes Xavante, esta assistência já padece de uma
precariedade crônica, dada a incompetência também crônica das administraçôes
regionais de Nova Xavantina e Barra do Garças. Com os cortes no repasse de verbas,
a precariedade passou de crônica a aguda. E os índios, obviamente, se tornaram mais
suscetiveis que de hâbito à cantilena conspiratória dos grupos organizados.
Pozzobon, J.] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 299

Piorou este estado de coisas a promulgaçâo do decreto 1775, de 8 de Janeiro de


1996, que introduz o princípio do contraditório no processo administrativo de demar-
caçâo das terras indigenas. Nào cabe discutir aqui os méritos e deméritos do decreto,
mas apontar о clima de inquietaçâo e instabilidade que se estabeleceu entre os indios,
decorrente da forma palaciana com que a discussâo foi conduzida, com precaríssima
participaçâo da sociedade civil e nenhuma dos próprios índios, contradizendo, et pour
cause, о programa de governo de Fernando Hernique Cardoso. 2? Na promulgaçâo do
1775 nâo houve nem parceria, nem transparência, nem participaçâo.
Tendo em vista о contexto politico externo desfavorável e principalmente о clima
de sabotagem em nível interno, nâo havia outra coisa a fazer senâo apresentar nosso
pedido de exoneraçâo, о que foi feito no inicio de março de 1996.

6. Perspectivas

Seguem abaixo algumas recomendaçoes para a soluçâo do impasse em que se


encontra о indigenismo do Estado brasileiro. Elas decorrem do diagnóstico apresen-
tado acima, bem como de nossa experiência na direçâo do órgao. O caráter afirmativo
dessas recomendaçoes nâo deve fazer supor qualquer pretensâo à verdade indiscu-
tivel, de modo que descontextualizá-las, separando-as do que precede, é o mesmo que
esvaziá-las de sentido. О objetivo é esquentar о debate entre aqueles que realmente se
interessam pelo futuro do indigenismo oficial e pelo bem estar das populaçôes
indigenas do Brasil.
1. О futuro do indigenismo oficial nâo deve depender do futuro da FUNAI.
Para transformá-la num orgâo realmente eficiente no trato das questôes indigenas,
séria preciso renovar os quadros, treinar adequadamente о pessoal disponivel,
mudar a cultura gerencial a fim de substituir о emergencialismo pelo planejamento
estratégico, implantar uma filosofia indigenista voltada para a auto-sustentaçâo e
desbaratar os esquemas de manipulaçâo de indios e corrupçâo. Este é um processo
desgastante e moroso, que certamente nâo poderia ser concluído pelo atual Presidente
da República e provavelmente tampouco pelos dois próximos. Séria uma injus-
tiça abandonar os indios sine die nas malhas de um sistema discricionário e incompét
ente.
2. Quando formulamos nossa proposta de reestruturaçâo do orgâo, ainda nâo
tinhamos todos os paramétras necessários para avaliar os possiveis efeitos da emprei-
tada. Sabemos agora que dotar a FUNAI de uma capacidade maior de intervençâo,
tornando-a mais présente nas areas indigenas, sem no entanto promover as profundas
modificaçôes apontadas acima, séria estender para outras areas indigenas do pais um
modelo viciado, que felizmente ainda se restringe a alguns bolsoes do centro-oeste, do
sul e do nordeste.
3. Sendo assim, é preciso inverter o raciocínio. Em vez de corrigir o velho modelo
рог dentro, coisa que tomaria um tempo de que os indios nâo dispôem, um indige
nismo eficiente deve ser capaz de captar os anseios dos grupos indigenas que ainda nâo
cairam nas malhas do clientelismo e orientá-los para a autonomia e a auto-
sustentaçao.
300 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

— 3.1. As potencialidades neste sentido sâo grandes, pois existem contextos


indigenas importantes em termos geográficos e populacionais que permaneceram à
margem do indigenismo tradicional, dada a presença incipiente do antigo SPI e da
atual FUNAI. Em alguns desses contextos, como o Vale do Rio Negro, os índios
souberam tirar proveito de um contato prolongado com a sociedade envolvente para
se organizar em associaçôes e federaçôes, com vistas à busca de meios alternatives
para realizar seus projetos de coexistência e cooperaçâo com a sociedade envolvente.
Os Tikuna e outros grupos do vale do Solimôes, bem como os Makuxi e outros, da
Serra e do Lavrado em Roraima, também podem ser tornados como exemplos tipicos
desta situaçâo.
— 3.2. Em outros contextos, devido ao caráter récente dos contatos com a
sociedade nacionál, os índios ainda nào estâo suficientemente organizados para
formulář seus próprios projetos. Embora a FUNAI se faça présente, ainda nâo houve
tempo histórico suficiente para se cristalizar a tradicional promiscuidade entre о
orgâo e os índios, de modo que as perspectivas para um indigenismo nâo clientelista
sâo promissoras. Podemos incluir aqui os Nhambiquara e outros grupos do oeste de
Mato Grosso e Rondônia, os Yanomami, alguns grupos do Acre e outros tantos do
norte do Para. É bem verdade que em todos esses grupos há lideranças envolvidas na
exploraçâo ilegal das terras indigenas, mas a inexistência de uma rede de relaçôes
clientelisticas com a FUNAI indica as boas chances de uma intervençâo visando
torná-los capazes de formulář seus próprios projetos, a ponto de dispensarem os
brindes que lhes fazem os madeireiros e os garimpeiros.
— 3.3. Uma terceira situaçâo pode ser identificada entre aqueles índios cujo grau
de contato é análogo aos dos índios que estâo na situaçâo anterior (3.2), mas cujo
processo de contato tem sido orientado pelas entidades de apoio (Igreja, ONGs etc.)
de modo a minimizar seus efeitos negativos. Os Waimiri-Atroari, os Kayapó-Xicrim,
os Waiâpi, os Enawenê-Nawê e os Araweté sâo alguns exemplos tipicos.
4. Em todos esses exemplos transparece о fato de que os índios têm seus projetos
de coexistência e cooperaçâo com a sociedade envolvente. Obviamente, alguns desses
projetos sâo ilegais e predatórios, como, por exemplo, as parcerias entre índios e
garimpeiros ou madeireiros. Outros sâo corretos do ponto de vista legal e ecológico,
mas carecem de formataçâo adequada para obter financiamento. Falta-lhes a clareza
da linguagem, a formulaçâo correta dos objetivos e das justificativas, o planejamento
fisico-financeiro e assim por diante. Outros ainda já superaram este estágio, obtiveram
financiamento de agêneias nacionais ou internacionais, e se encontram em fase de
implementaçâo. É preciso portanto um processo criterioso, rápido e eficiente de
identificaçâo desses projetos, para que se possa implementar um programa de asses-
soramento e formaçâo de índios, com vistas a adequar os projetos as exigêneias legais,
as caracteristicas dos mercados regionais e ao formato exigido pelas agêneias finan-
ciadoras.
5. A discussâo sobre como implementar esse processo ainda esta em aberto. A
forma mais adequada parece ser uma entidade gerenciadora de projetos indigenas,
dotada de autonomia financeira e administrativa frente à rigidez buroerática e as
amarras trabalhistas tipicas dos orgâos publicos da administraçâo direta. Em vez de se
guiar por critérios buroeráticos de administraçâo, essa agêneia deverá ter um caráter
Pozzobon, J] O LUMPEN-INDIGENISMO DO EST ADO BRASILEIRO 301

gerencial : os serviços prestados serâo avaliados pela qualidade, pela agilidade e pela
capacidade de baixar os custos do atendimento através de um planejamento eficaz.
— 5.1. Na verdade, as fundaçôes públicas, entre elas a FUNAI, foram concebidas
para implementar formas gerenciais, nào burocráticas, de administraçâo dos serviços
sociais. Para tanto, tinham maior liberdade na contrataçâo de pessoal (regime CLT) e
no emprego de verbas públicas (licitaçôes menos rigidas). Porém, a ausência de
instrumentes de contrôle e avaliaçâo por parte do Estado e da sociedade civil abriu
espaço para a oligarquizaçâo e o apodrecimento desses organismos, de modo que foi
preciso reestabelecer a antiga centralizaçâo do sistema, através do Regime Jurídico
Único e da nova lei de licitaçôes.
— 5.2. Para evitar a deterioraçâo mencionada acima, é preciso que a nova agêneia
seja dirigida por um conselho de composiçâo mista, governamental e nâo governa-
mental. Do lado governamental, devem participar os ministérios implicados nas açoes
indigenistas, isto é, о Ministério da Saúde, Ministério do Meio Ambiente, o Ministério
da Educaçào, о Ministério da Justiça e о Ministério da Agricultura. 29 Do lado nâo
governamental, deverâo participar organizaçôes indigenas, organizaçoes nào gover-
namentais de idoneidade e tradiçâo comprovadas e pessoas de notório saber no
domínio em questâo.
— 5.3. A presença de membres da sociedade civil organizada no conselho, bem
como a flexibilidade na contrataçâo de pessoal e os critérios gerenciais, nâo buroerá-
ticos, de avaliaçâo de desempenho, serâo mecanismos impedidores do surgimento, na
nova agêneia, do assistencialismo e do clientelismo caracteristicos do indigenismo
tradicional.
— 5.4. A nova agêneia deverá estar vinculada ao Ministério do Meio Ambiente,
cujas caracteristicas mais téenicas do que politicas serâo a garantia minima de que о
fomento aos projetos indigenas nâo padeça da descontinuidade tipica dos ministérios
de vocaçâo mais política, como o Ministério da Justiça.
— 5.5. A nova agêneia nâo implica de modo algum em qualquer espécie de
monopólio no trato das questôes indigenas. Neste sentido, nâo haverâ concorrêneia
com a FUNAI, tanto mais quanto esta se tem demonstrado sistematicamente incapaz
de avaliar e fomentar os projetos indigenas de autonomia e cooperaçâo com a
sociedade nacionál.
— 5.6. Tendo em vista as grandes potencialidades econômicas de certas areas
indigenas, os rendimentos dos projetos fomentados pela nova agêneia serào destina-
dos nâo apenas à aquisiçâo dos bens industrializados que os indios necessitam, mas
também pata implementar açoes de saúde e educaçào indigenas, agindo de forma
complementar à FUNAI, a fini de cobrir as falhas crônicas do orgâo nestes dominios.
— 5.7. A capacitaçào dos indios através do fomento de projetos trará com о tempo
a eliminaçào dos intermediaries na exploraçào das riquezas das areas indigenas
(garimpeiros, madeireiros etc.) e о fini das alianças entre eles e os indios. Com isto, as
operaçôes de vigilâneia e fiscalizaçâo das areas indigenas se tornarâo bem mais fáceis
e menos dispendiosas para a FUNAI, que poderâ aplicar mais verbas na assistência à
saúde e à educaçào dos indios.
6. Quanto aos grupos indigenas que tradicionalmente têm feito parte dos esque-
mas de cooptaçào praticados pelo indigenismo oficial, é preciso um tratamento de
302 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

« desintoxicaçâo » lenta e gradativa. Cortar de chofre esses esquemas certamente


provocaria reaçôes entre os indios a eles acostumados. Em vez disso, programas
demonstratives serâo implementados, com visitas sistemáticas das lideranças tradi-
cionalmente cooptáveis aos grupos indigenas em que о fomento de projetos já esteja
em pleno funcionamento.
— 6.1. Assim, a priorizaçâo dos grupos deixados à margem do indigenismo oficial
(alias, a grande maioria da populaçâo indigena do pais) nâo deve fazer supor qualquer
espécie de discriminaçâo dos grupos cooptados, mas um metodo para implodir a
antiga relaçâo de tutela.
— 6.2. Espera-se que o processo de reorientaçâo do indigenismo oficial provoque
uma mudança significativa nas expectativas dos indios, que passarâo a se dirigir as
agendas governamentais nâo mais com pedidos de dinheiro, mercadorias ou cargos
na estrutura da FUNAI, mas com propostas de projetos objetivando a autonomia de
suas comunidades.
7. A médio e longo prazo, a depender do sucesso do processo de reorientaçâo
referido acima, poder-se-á pensar na implantaçâo de um Sistema Nacionál de Apoio
as Comunidades Indigenas, envolvendo os ministérios que tenham afinidades com a
questâo, tais como о da Saúde, о da Educaçâo, о do Meio Ambiente e о da Agricul-
tura.
— 7.1. Esta sugestâo decorre de uma avaliaçâo da capacidade potenciál da
FUNAI. Mesmo tendo passado pelas profundas modificaçôes mencionadas acima
(sugestâo numero 2), a FUNAI nâo séria capaz de atender as crescentes demandas dos
indios, pois a populaçâo indigena do pais cresce em ritmo acelerado, assim como seu
grau de contato com a sociedade envolvente, о que provoca um crescimento propor-
cional de demandas em termos de saúde, educaçâo, atividades produtivas e acesso aos
beneficios da civilizaçâo industrial. О modelo centralizador do atendimento ao indio
num só orgâo, como se este fosse capaz de reproduzir em seu interior os ministérios da
Saúde, da Educaçâo, do Meio Ambiente e da Agricultura, é um modelo defasado no
tempo. Ela valia para a época do SPI, em que os indios tinham pouco contato com a
sociedade envolvente e a ordem do dia era interiorizar os serviços de assistência para
zonas ainda « virgens » do pais, que nâo dispunham de estradas, aeroportos e telefo-
nia. Nos dias de hoje, pode-se atingir a todos os quadrantes do pais, de modo que a
permanência do antigo modelo se deve a fatores alheios ao indigenismo. 30
— 7.2. Ao invés de centralizar saúde, educaçâo, demarcaçâo, fiscalizaçâo e
fomento de projetos sustentáveis num orgâo que tem demonstrado incapacidade para
tanto desde a sua criaçâo e cujo saneamento lento e de resultados duvidosos deixaria
os indios em situaçâo precária рог um tempo indeterminado, essas tareras seriam
entâo progressivamente distribuidas aos ministérios implicados. A saúde e a educaçâo
indigenas, ficariam obviamente ao encargo dos ministérios da Saúde e da Educaçâo. A
demarcaçâo e a proteçâo de terras, bem como о fomento de projetos, sob a responsa-
bilidade do Ministério do Meio Ambiente, com apoio do Ministério da Agricultura.
— 7.3. A formulaçâo e a coordenaçâo da politica indigenista oficial ficariam ao
encargo de uma Secretaria Especial de Assuntos Indigenas, gerida por um conselho de
composiçâo mista, em que tenham assento as organizaçôes indigenas, as organizaçôes
nâo governamentais ligadas ao indigenismo e os ministérios mencionados acima.
Pozzobon, I] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 303

— 7.4. Há duas hipóteses para a vinculaçâo desta Secretaria ao Executivo Federal.


7.4. 1 . A mais óbvia é uma vinculaçâo direta à Presidência da República. Esta hipótese
traz o risco de atribuir diretamente à Presidência uma tarefa demasiado polêmica —
algo como retirar a responsabilidade pela reforma agrária do INCRA e pendurá-la
diretamente no núcleo central do Governo.
7.4.2. A segunda hipótese séria a vinculaçâo ao Ministério do Meio Ambiente, dadas
as óbvias afinidades com a questâo indígena. Essa hipótese traz o risco de agravar os
efeitos nefastos dos loteamentos políticos habituais, já que o bem estar dos índios
ficaria repartido entre ministérios diferentes, sob os diferentes feudos políticos que
habitualmente se coligam para garantir a base parlamentar dos governos da Nova
República e estancar o avanço das propostas de caráter socializante.
— 7.5. Em qualquer das duas hipóteses mencionadas acima, é preciso que a
politica brasileira ultrapasse o nível da coalizâo a todo preço contra о avanço das
esquerdas. Cabe aos índios e as entidades de apoio trabalhar junto aos setores
progressistas da sociedade civil para que о Executivo e о Congresso adquiram maior
solidez e independência frente as oligarquias de sempře. Se nâo, qualquer proposta de
nova estrutura e filosofia para o indigenismo oficial estará fadada a existir apenas em
intencionado*
duas dimensôes, como mais um documento bem
* Manuscrit reçu en mars 1999, accepté pour publication en juin 1999.

NOTAS

1. As referidas propostas foram formuladas após um intensivo processo de discussào no quai as


principals figuras foram Márcio Santilli (Presidente da FUNAI de setembro de 1995 a fevereiro de 1996),
Luiz Arnaldo Pereira da Cunha Jr (Diretor de Administraçâo do orgào naquele periodo), alem do autor
destas linhas (cf. Santilli, 1996). No entanto, gostaria de isentar meus pares das eventuais imprecisôes
contidas aqui. Algumas opiniôes sobre os efeitos deletérios do neo-liberalismo sobre a prática indigenista
oficial também sào inteiramente minhas. Devo acrescentar que este artigo foi escrito entre fevereiro e junho
de 1996, mas permanece válido para os dias atuais, posto o Governo Federal ainda nào tomou providências
para desbaratar a politica de clientela que grassa na FUNAI
.

2. Sobre o SPI, veja Lima, 1995.


3. Sobre a transiçào do SPI para a FUNAI, veja Lima, 1985 e 1987.
4. A corrupçào no SPI envolvia basicamente о seguinte : (1) apropriaçào de equipamentos do orgâo
(viaturas, material de construçâo, maquinário agrícola) рог funcionários ; (2) uso dos mesmos em benefício
próprio ou de lideranças indígenas cooptadas ; (3) desvio de verbas da renda indígena para funcionários e
índios apaniguados ; (4) arrendamentos ilegais de trechos de areas indígenas para fazendeiros ou pequenos
agricultores. Muitas áreas indígenas, sobretudo no sul do pais, têm dimensôes insuficientes em funçâo de
antigos arrendamentos desse tipo, onde fazendeiros e pequenos agricultores se estabeleceram por mais de 50
anos e agora contestam qualquer pretensào indígena à posse da terra.
5. As ingerências politicas locais e regionais sobre os ôrgàos de governo se fazem présentes ao longo de
toda a história republicana no Brasil. Trata-se sobretudo de influenciar a distribuiçào de cargos de confiança
para garantir hegemonia num determinado dominio (territorial, de produçào, de comércio etc.). A cada nova
eleiçào, correm os políticos locais (vereadores) e regionais (deputados) aos ministérios e ao Governo Federal,
tentando amealhar para si о maior numero possível de cargos, a fim distribui-los entre os seus protegidos,
como forma de garantir seus feudos políticos e seus interesses econômicos (os que agem desta maneira
costumam ser grandes proprietaries de terra). Quanto ao Governo Federal, ele cede a essas pressées para
garantir maioria no Congresso. O SPI (e posteriormente a FUNAI) sempře foi objeto de cobiça por parte
desses políticos, pois além de dispor de cargos de confiança em sua estrutura, lida com grandes extensôes
fundiárias (as terras indígenas), também objeto de cobiça por parte dos mesmos atores.
304 JOURNAL DE LA SOCIÉTÉ DES AMÉRICANISTES [85, 1999

6. A politica da dependência praticada na época do SPI e aquela que se pratica hoje em dia nâo sâo
diferentes na estrutura, apenas no valor das mercadorias envolvidas : naquela época barganhava-se apoio
indigena por ferramentas, sementes, animais de tiro e corte. Hoje, barganha-se o mesmo apoio por viaturas
utilitárias. Porém, dada a diversidade geogránca e a desigualdade econômica do pais, em muitas regiôes as
barganhas ainda envolvem os antigos itens, sobretudo na Amazônia. Um bom exemplo deste ultimo ponto
é o caso dos Waimiri-Atroari, contactados pela FUNAI em meados dos anos 70, porém segundo os mesmos
métodos do antigo SPI (cf. Baines, 1990).
7. Recursos financeiros eram fáceis e fartos no primeiro decênio da ditadura militar, com as injeçôes
advindas dos paises ricos do Ocidente, preocupados em deter о avanço do comunismo internacional no
terceiro mundo.
8. Sobre os grandes projetos, veja Gomes, 1988.
9. Cf. Davis, 1978.
10. Cf. Cohen, 1996.
11. О termo « fisiológico » é uma ironia corrente na administraçâo publica brasileira. Aplicado a um
funcionário ou a um politico, désigna o indivíduo que exerce cargo público em benefício próprio, para
satisfazer suas necessidades « fisiológicas » — isto é, seus anseios de enriquecimento fácil e rápido mediante
о desvio de verbas, o tráfico de influência e o apadrinhamento politico.
12. As delegacias regionais eram unidades administrativas intermediárias entre a sede da FUNAI e os
postos indigenas. Em alguns casos, havia entre os postos e as delegacias uma unidade chamada ajudância. As
delegacias regionais sào as atuais administraçôes regionais.
13. « Desvio de funçâo » é uma expressào tipica da administraçâo publica brasileira. Um funcionário
esta em desvio de funçâo quando foi contratado para fazer um tipo de trabalho, mas na verdade faz outro,
geralmente comissionado (cargo de confiança) e para о quai о nào recebeu treinamento — daí o termo
« desvio ».
14. Sobre a FUNAI e a demarcaçâo de terras indigenas, veja Oliveira e Almeida, 1998.
15. Sobre o periodo Collor de Melo, veja Vilas Boas, 1991.
16. Ao final desta seçâo, retomo о assunto do costume indigena corn о assistencialismo.
17. Vice-cacique é alias uma categoria burocrática alienigena. Foi criada pělo SPI sob o pretexto de
dividir as responsabilidades e com isto garantir um maior engajamento das lideranças nas atividades
assistenciais dos postos indigenas, mas na prática o vice-cacicato acirrava e cristalizava os faccionalismos
internos, impedindo que eles se resolvessem conforme a tradiçâo. No mais das vezeš o vice-cacicato tern a
funçâo de captar mais « ajuda de custo » quando das idas a Brasilia.
18. Pode-se dizer que a fragilidade dos grupos indigenas diante dos meios monetários de troca decorre
da natureza de suas economias, fundadas no modo de produçâo doméstico (Sahlins, 1974 ; Gianotti, 1983),
cuja caracteristica principal é a subprodutividade. Esta, por sua vez decorre, de alguns fatores culturais
encontre veis em maior ou menor grau em qualquer sociedade indigena : (1) idéias modestas de demanda
e satisfaçào ; (2) certas barreiras sócio-políticas ao incremento da produçâo, tais como o faccionalismo
e a dispersâo populacional que ele provoca ; (3) sub-uso da força de trabalho, pois dadas as idéias modestas
de satisfaçào, os grupos domésticos mais produtivos trabalham menos que os menos produtivos para
produzir as mesmas coisas. О incremento produtivo só ocorre em situaçôes rituais, quando os grupos
domésticos mais produtivos compensam о menor esforço diârio com présentes que celebram a vida coletiva.
Ora, se as idéias modestas de satisfaçào forem substituídas pělo desejo de mercadorias ou de dinheiro para
comprá-las, as situaçôes rituais, que tinham sentido apenas diante daquelas idéias modestas, já nâo serào
mais capazes de obrigar os grupos domésticos mais jovens a doar excedente de trabalho em prol da
coletividade. Daí o caráter desagregador do dinheiro e das mercadorias (Cf. Hugh-Jones, 1992 e Appadurai,
1986).
19. O individualismů dos indios chefes de posto certamente chocará os espiritos afeitos à ideologia do
bom selvagem e do comunismo primitivo, fantasias que serviram de justificativa para as Utopias ocidentais,
de Morus a Voltaire, de Rousseau a Marx, e que só fazem atrapalhar a investigaçào etnológica. As sociedades
indigenas reais sâo cindidas por diversos segmentos e segmentes de segmentos que se estruturam em torno
das idéias locais de parentesco e incorporaçâo social. A reciprocidade e solidariedade interna e externa
variam de uma « tribo » para outra, conforme essas idéias. Em alguns casos, a reciprocidade pode ser
francamente negativa (cf. Sahlins, 1974), daí o perigo de se colocar um índio sem treinamento na chefia de um
posto indigena.
20. Cf. Maybury-Lewis, 1984 : 52.
21. О eixo horizontal contém os tipos de pedidos. О vertical, as quantidades de pedido de cada tipo.
22. О termo, criado por Jaulin (1970), aplica-se perfeitamente ao caso.
Pozzobon, J] O LUMPEN-INDIGENISMO DO ESTADO BRASILEIRO 305

23. A esta altura, o leitor atento quererá saber quais sào os mecanismos que possibilitam, pělo lado dos
índios, esse costume com o clientelismo e essa comunhào de interesses com os funcionários fisiológicos da
FUNAI. O assunto merece sem dúvida pesquisa de campo demorada e nào pode ser desenvolvido no curto
espaço děste artigo. Mas pode-se formulář algumas hipóteses a respeito. A mais óbvia é que a « gramática »
do clientelismo nào é estranha as sociedades indigenas, pois além dos modelos formais de organizaçào
(mormente expressos nas estruturas de parentesco e nas hierarquias etárias, rituais ou ligadas à filiaçào), em
muitas delas prevalece о regime do big man, isto é, do homem alçado à condiçào de lider рог força de carisma
e habilidade politica na formaçâo de clientelas, e nào por pertencer a esta ou àquela linhagem, classe etária
ou segmento ritual. A partir desta hipótese genérica, podemos formulář hipóteses específicas sobre o caráter
mais ou menos propenso aos apelos clientelistas da FUNAI, conforme a sociedade em estudo se oriente mais
pelo kinship ou mais pelo bigmanship. Um estudo comparativo dos Karibe e Kayapó, por exemplo, poderá ser
bastante esclarecedor a este respeito.
24. Vale lembrar que na administraçâo publica nào se pode realizar empenho ou licitaçâo sem cobertura
orçamentaria.
25. Por exemplo, os gastos efetuados no aluguel de helicópteros de pequeno porte para a operaçâo
Yanomami desde 1990 seriam suficientes para adquirir 2,5 helicópteros de médio porte a US$ 7.000.000,00
cada.
26. Varias versôes foram discutidas, mas todas giravam em torno das seguintes areas : Acre, Javari,
Solimôes, Rio Negro, Roraima (lavrado), Roraima (mata), Norte do Para, Amapá, Sudoeste do Amazonas,
Sudoeste do Para, Sudeste do Para, Maranhào, Nordeste, Rondônia, Oeste de Mato Grosso, Xingu, Leste de
Mato Grosso, Mato Grosso do Sul I (Terena, Xerente etc.), Mato Grosso do Sul II (emergencial Kaiová),
Tocantins, Leste, Sul.
27. No programa Màos à obra, Brasil, Sâo Paulo : PSDB, 1994, lê-se à p. 209 « О Governo Fernando
Henrique Cardoso fárá da parceria Estado-Sociedade uma das suas características marcantes, aprofundando

:
e consolidando о processo de democratizaçâo, aumentando a eficácia do gasto governamental e dando
transparência as acóes públicas. » Mais adiante (p. 241), esta escrito : « A participaçâo das populaçôes e
comunidades indigenas nas questôes que afetam seu modo de vida é condiçào bàsica para a manutençào de
seus bens naturais e culturais. » (grifos meus)
28. О futuro dos grupos já cooptados se discute adiante, na recomendaçâo de numero 6.
29. Até о présente momento, este ultimo pouco tem contribuído para о indigenismo oficial. Mas com a
implementaçâo de uma politica de fomento aos projetos indigenas, deverá ser cada vez mais solicitado.
30. Um desses fatores é provavelmente a tradiçâo ibérica do centralismo burocrático, de que tanto
padecemos desde о Brasil Colônia até os dias atuais. Além desse, devemos levar em conta o corporativismo
que о servidor público herdou da ditadura varguista, bem como a inércia que possuem os órgáos públicos em
gérai, muitos dos quais seguem existindo a despeito de nâo cumprirem mais as funçôes para as quais foram
concebidos. A titulo de ilustraçâo, conto о caso de um servidor da FUNAI que declarou, aparentemente sem
se dar conta, a seguinte barbaridade « Até que é bom trabalhar na FUNAI. О problema é o índio. »
:

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