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Offenbach
no
Rio
A
febre
da
opereta
no
Brasil
do
Segundo
Reinado
Nos
anos
1860,
uma
febre
de
novo
tipo
parece
ganhar
o
Rio
de
Janeiro:
Offenbach
e
suas
óperas
buffa,
representadas
em
francês,
traduzidas
em
português
ou
parodiadas
por
autores
brasileiros,
dominam
a
cada
dia
mais
os
teatros
da
cidade,
para
desgosto
dos
defensores
da
moral,
do
bom
gosto
e
da
literatura
nacional.
A
origem
da
epidemia
encontra-‐se
em
Mlle
Aimée
e
a
trupe
parisiense
do
Alcazar
lyrique,
nas
paródias
de
Vasques
no
Phenix
Dramatica
e
nos
espetáculos
do
Gymnasio,
que
apresentam
os
charmes
da
opereta
a
um
público
numeroso,
socialmente
diversificado
e
majoritariamente
masculino,
como
testemunha
a
série
de
caricaturas
publicadas
pela
revista
satírica
A
Vida
Fluminense
em
março
de
1869
sob
o
título
“Offenbach
no
Rio”
1.
1
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
13/03/1869.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
O
sucesso
de
Offenbach
na
capital
imperial
é
mencionado
em
numerosos
estudos
sobre
a
história
do
teatro
e
da
música
brasileira.
Alguns
autores
veem
nesse
fenômeno
um
sinal
do
afrancesamento
das
elites
latino-‐americanas
e
da
dominação
de
um
novo
modelo
de
divertimento
fundado
no
tríptico
opereta,
cocotes
e
café-‐concerto2.
Outros
preconizam
uma
abordagem
mais
crítica
da
presença
das
trupes
estrangeiras
na
capital
brasileira,
insistindo
no
desenvolvimento
da
competição
internacional
no
ramo
do
espetáculo3.
Outros
ainda
encontram
nas
operetas
francesas,
rapidamente
seguidas
pelas
zarzuelas
espanholas,
uma
das
origens
do
teatro
musical
brasileiro
e
da
aparição
de
novas
formas
artísticas,
como
a
revista
do
ano
e
a
burleta4.
Além
do
mais,
a
figura
de
Offenbach
foi
associada
à
biografia
de
alguns
atores
como
Vasques,
a
estrela
do
Phenix
Dramatica,
e
às
polêmicas
sobre
o
teatro
nacional
que
agitaram
a
crítica
brasileira
ao
longo
do
século
XIX5.
No
entanto,
as
modalidades
de
apropriação
das
obras
de
Offenbach
pelo
público
brasileiro
são
ainda
hoje
pouco
conhecidas.
Na
realidade,
os
autores
mencionam
frequentemente
apenas
um
número
reduzido
de
espetáculos
-‐
2
TINHORÃO,
José
Ramos
História
social
da
música
popular
brasileira.
São
Paulo:
Editora
34,
p.
213-‐215.
3
Ver,
entre
outros,
MERCARELLI,
Fernando
Antonio,
«
O
eclectismo
e
as
companhias
musiquais
»,
in
FARIA,
João
Roberto
(dir.),
História
do
teatro
brasileiro.
São
Paulo:
SESC,
t.
1.
p.
253-‐275.
4
Cf.
LOPES,
Antônio
Heculano,
«
Da
Tirana
ao
maxixe
:
a
“décadencia”
do
teatro
nacional
»,
in
Música
e
historia
no
longo
século
XIX,.Rio
de
Janeiro:
Fundação
Casa
de
Rui
Barbosa,
2011.
p.
239-‐
261
;
BRITO
Rubens
José
Souza,
«
O
teatro
cômico
e
musicado
:
operetas,
mágicas,
revistas
de
ano
e
burletas
»,
in
FARIA
João
Roberto
(dir.),
História
do
teatro
brasileiro.
São
Paulo:
SESC,
t.
1.
p.
219-‐233.
5
Cf.
MARZANO
Andrea,
Cidade
em
cena.
O
ator
Vasques,
o
teatro
e
o
Rio
de
Janeiro
(1839 1892).
Rio
de
Janeiro:
Faperj,
2008
;
SOUZA,
Sivia
Martins
de,
As
noites
do
Ginásio
–
teatro
e
tensões
culturais
na
corte
(1832 1868).
Campinas:
Editora
da
Unicamp,
2002.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
6
Ver,
por
exemplo
:
«
Acerca
dos
Theatros
»,
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
06/03/1869,
p.
2-‐3.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
Alcazar.
Cf.
MENEZES
Lená
Medeiros,
«
(RE)inventando
a
noite:
o
Alcazar
Lyrique
e
a
cocotte
comédienne
no
Rio
de
Janeiro
oitocentista
»,
Revista
Rio
de
Janeiro,
Rio
de
Janeiro,
UERJ/
Faperj,
n.
20-‐21,
2007,
p.
90.
9
«
Teatrologia
»,
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
25/04/1868.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
10
L.
Odoro
«
Resenha
teatral
»,
Revista
illustrada,
26/08/1876,
p.
3.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
vezes,
a
versão
em
português
antecede
mesmo
a
original:
Monsieur
va
au
Cercle
é
assim
apresentado
em
francês
no
teatro
São
Januário
em
1857,
mas
o
relatório
da
censura
indica
que
essa
peça
já
havia
sido
montada
em
português
sob
o
título
Estive
no
círculo11.
Convém
acrescentar
ainda
ao
repertório
de
Offenbach
stricto
sensu
as
obras
que
lhe
são
atribuídas,
assim
como
as
paródias
que
se
multiplicam
na
segunda
metade
dos
anos
1860.
Desse
gênero,
a
criação
mais
conhecida
é
Orfeu
na
roça,
uma
paródia
de
Orphée
aux
enfers
criada
por
Vasques
e
pela
trupe
do
Phenix
Dramatica,
que
atinge
as
400
representações
e
constitui
um
marco
na
história
do
teatro
no
Rio12.
Mas
nós
poderíamos
citar
ainda
a
Baroneza
de
Cayapó,
“immitation
de
la
Grande
Duchesse
de
Gérolstein”,
criada
pela
companhia
de
Furtado
Coelho
no
Gymnasio
em
dezembro
de
1868;
Barba
de
milho
e
Traga-moças,
paródias
de
Barbe
Bleue
criadas
no
Phenix
e
no
Gymnasio
em
fevereiro
e
maio
de
1869;
Orfeu
na
cidade
montada
no
Phenix
em
1870;
ou
Abel,
Helena
assinada
por
Artur
Azevedo.
A
maior
parte
dessas
paródias
funciona
segundo
um
esquema
similar:
a
ação
é
transportada
para
o
cenário
brasileiro
(paisagem,
personagens)
e
incrementada
com
diversos
efeitos
cômicos;
a
música,
quanto
a
ela,
permanece
idêntica
e
estabelece
o
elo
com
a
obra
original,
podendo,
ao
mesmo
tempo,
incluir
certas
variações.
Assim,
o
final
de
Orfeu
na
roça
inclui
um
fadinho
brasileiro
ao
longo
do
qual
todos
os
personagens
se
entregam
ao
prazer
de
uma
dança
sincopada.
Para
os
“puristas”,
estas
variações
eram
um
suplício,
como
testemunham
as
caricaturas
que
apareceram
na
imprensa
da
época13.
11
Arquivo
CDB
(FBN)
:
I-‐8-‐14,
112.
12
Cf.
SOUZA,
Silvia
Cristina
Martins
de.
«
Um
Offenbach
tropical:
Francisco
Correia
Vasques
e
o
teatro
musicado
da
segunda
metade
do
século
XIX
»,
História
e
Perspectivas,
Uberlândia,
2006,
n.
34,
p.
225-‐259.
13
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
13/03/1869.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
Elas
constituem,
no
entanto,
vetores
de
difusão
eficazes
do
repertório
de
Offenbach,
do
qual
elas
propõem
uma
primeira
modalidade
de
abrasileiramento
que
seria
conveniente
estudar
mais
profundamente.
Como
percebeu
judiciosamente
Antônio
Herculano
Lopes,
essa
estratégia
de
criação
se
baseia
na
deformação
cômica,
mas
procede
também
a
uma
busca
de
legitimação
retomando
o
repertório
francês
tão
apreciado
pelas
elites
brasileiras14.
Mais
do
que
“paródia”,
é
o
termo
de
“imitação”
que
a
imprensa
emprega
para
anunciar
os
espetáculos,
o
nome
de
Offenbach
servindo,
de
uma
certa
maneira,
como
apelo.
14
Op.
cit.,
p.
255.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
15
A
Reforma,
Rio
de
Janeiro,
19
/06/1869
[citado
por
Orna
Levin]
16
SOUZA,
Silvia
Cristina
Martins
de.
«
O
teatro
de
São
Januário
e
o
“corpo
caixeiral”:
teatro,
cidadania
e
construção
de
identidade
no
Rio
de
Janeiro
oitocentista
»,
Associação
Nacional
de
História
–
ANPUH
XXIV
Simpóqio
nacional
de
história,
2007.
17
Revista
illustrada,
Rio
de
Janeiro,
17/06/1876,
p.
3;
n.
255
07/1881,
p.
3
;
n.
693,
08/1895,
p.
6-‐
7.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
18
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
10/12/1872,
p.
6.
19
«
Acerca
dos
Theatros
»,
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
06/03/1869,
p.
2-‐3.
20
«
Rapadura
teatral
»,
A
Vida
Fluminense,
Rio
de
Janeiro,
31/08/1872,
p.
3.
21
Ver,
por
exemplo,
Diário
do
Rio
de
Janeiro,
Rio
de
Janeiro,
20/03/1868,
p.
4.
22
Citado
por
BRITO,
Rubens
José
Souza,
op.
cit.,
p.
222.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
grossa
deve
ser
a
nuvem
em
que
tem
de
sumir
esta
ultima
estrela,
que
se
não
é
de
primeira
grandeza
é
com
certeza
de
primeira
gordura23”.
Apesar
de
tais
reservas,
os
itinerários
dos
atores
constituem
um
indicador
de
primeira
importância
para
acompanhar
a
circulação
das
obras
não
somente
entre
Paris
e
Rio,
mas
também
entre
a
capital
imperial
e
as
outras
cidades
do
Brasil.
Para
além
dos
espetáculos
no
Alcazar
lyrique,
a
trupe
parisiense
efetua
turnês
nas
Províncias
do
Império
durante
a
qual
ela
entusiasma
o
público,
como
no
Maranhão
em
fevereiro
de
186824.
Ela
visita
também
em
diversas
ocasiões
a
Argentina,
assim
como
a
companhia
do
teatro
Phenix25
–
estabelecendo
um
eixo
Rio
/
Buenos
Aires
cujo
peso
deve
ser
considerado
para
o
estudo
das
circulações
transatlânticas.
Vem
acrescentar-‐se
a
circulação
das
trupes
entre
o
Brasil
e
Portugal,
que
se
acentua
a
partir
dos
anos
de
1880,
graças
à
atividade
de
certos
dramaturgos
e
empresários
do
espetáculo
como
Antônio
de
Sousa
Bastos26.
As
partituras
constituem
um
segundo
vetor
de
difusão
do
repertório
de
Offenbach
no
Brasil.
Algumas
são
editadas
na
França
e
distribuídas
pelos
editores
brasileiros
como
indicam
os
carimbos
apostos
sobre
a
primeira
página
dos
libretos.
A
partitura
de
La
Chanson
de
Fortunio,
conservada
na
FBN,
apresenta
assim
dois
carimbos:
o
primeiro
indica
o
editor
parisiense
Au
Ménestrel,
Heugel
&
Cie,
situado
no
2
bis
rue
Vivienne;
o
segundo,
o
distribuidor
brasileiro,
no
caso
“o
estabelecimento
imperial
Narciso
&
Artur
Napoleão,
Pianos
e
Músicas”
instalado
no
60-‐62,
Rua
dos
Ourives
no
Rio
de
Janeiro.
Da
mesma
forma,
Le
Fille
du
tambour
major,
editada
por
Choudens
père
et
fils
em
Paris,
apresenta
o
carimbo
do
estabelecimento
de
“piano
e
músicas”
de
Isidoro
Bevilacqua
situado
no
43,
Rua
dos
Ourives,
no
Rio27.
Ademais,
essa
partitura
apresenta
a
vantagem
de
conter
várias
menções
escritas.
Nela
encontramos
assim
a
seguinte
indicação:
“representado
pela
primeira
vez
em
Português
no
Théâtro
das
Novidades,
1˚
de
julho
de
1883,
Rio
de
Janeiro.
Direção:
Sousa
Bastos.”
–
assim
como
a
distribuição
dos
diferentes
papéis.
Longas
passagens
do
libreto
são
igualmente
traduzidas
diretamente
na
pauta
musical
–
o
que
permite
acompanhar
de
perto
o
procedimento
de
apropriação.
A
partitura
de
Pont
des
soupirs,
conservada
na
FBN,
contém
igualmente
longas
passagens
traduzidas
à
23
L.
Odoro,
«
Resenha
theatral
»,
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
13/04/1876,
p.
2-‐3.
24
«
Correspondência.
Maranhão
»,
Diário
do
Rio
de
Janeiro,
Rio
de
Janeiro,
29/02/1868,
p.
2.
25
L.
Odoro,
«
Resenha
theatral
»,
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
07/12/1876,
p.
3.
26
Não
obstante
um
caráter
voluntariamente
romanceado,
encontra-‐se
preciosas
indicações
sobre
empresa
de
edição
musical
»,
in
LOPES
et
alii,
Música
e
historia
no
longo
século
XIX.
Rio
de
Janeiro:
Fundação
Casa
de
Rui
Barbosa,
2011,
p.
117-‐160.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
mão
para
o
português,
assim
como
passagens
riscadas
que
oferecem
preciosas
indicações
sobre
os
processos
de
seleção
da
obra
na
criação
de
espetáculos
além-‐
mar.
Por
ora,
eu
não
identifiquei
com
precisão
o
autor
de
tais
traduções,
mas
pode
tratar-‐se
de
Eduardo
Garrido,
que
traduziu
diversas
operetas
de
Offenbach
para
o
português,
inclusive
Orphée
aux
enfers,
La
Grande
Duchesse
de
Gerolstein
e
Le
Voyage
dans
la
lune28.
Para
além
das
traduções,
partituras
são
editadas
no
Brasil.
Trata-‐se,
na
maioria
dos
casos,
de
números
separados
para
piano.
O
editor
musical
Filippone
e
Tornhaghi,
situado
no
101
da
Rua
do
Ouvidor
no
Rio,
publica
assim
uma
série
de
quadrilhas
sobre
temas
de
Offenbach,
como
Les
Bavards,
Toto
e
La
Belle
Hélène
com
arranjo
de
E.
Kelterer.
A
casa
de
piano
Buschman
e
Guimarães,
situada
no
52,
Rua
dos
Ourives,
publica
a
quadrilha
de
Orphée
aux
enfers
por
Strauss;
J.
C.
Meirelles
&
Cie
põe
à
venda
números
separados
das
Géorgiennes
no
58,
Praça
da
Constituição
(atual
Praça
Tiradentes);
enquanto
que
a
casa
de
música
A
Lyra
de
Apollo,
situada
no
111,
Rua
do
Ouvidor,
propõe
uma
quadrilha
do
Roi
Carotte
e
a
valsa
de
La
Belle
Hélène
por
Strauss.
Essas
partituras
são
interessantes
sob
diversos
aspectos.
Por
um
lado,
elas
lembram
a
importância
do
impresso
nas
circulações
musicais
numa
época
onde
as
técnicas
de
gravação
ainda
são
balbuciantes
–
a
primeira
apresentação
do
fonógrafo
de
Thomas
Edison
data
de
dezembro
de
1877.
Por
outro
lado,
elas
indicam
que
a
difusão
das
obras
de
Offenbach
transbordam
largamente
as
salas
de
espetáculo.
Assim,
se
o
Alcázar
é
proibido
às
meninas
de
boa
família,
elas
constituem
o
principal
alvo
dos
comerciantes
de
piano
e
dos
editores
de
partitura,
o
que
convida
a
repensar
não
somente
a
questão
do
gênero,
mas
também
a
dimensão
social
da
difusão
do
repertório
de
Offenbach.
À
guisa
de
conclusão,
eu
evocarei
brevemente
a
questão
da
recepção
–
estudada
mais
detalhadamente
por
Orna
Levin.
O
nome
de
Offenbach
foi
frequentemente
associado
às
noções
de
crise
e
de
decadência
no
Brasil:
crise
do
teatro
nacional
em
concorrência
com
trupes
estrangeiras,
decadência
do
gosto
do
público
buscando
unicamente
a
diversão,
degenerescência
dos
costumes
sobretudo
–
o
reino
das
cocotes
ameaçando
a
perenidade
da
família
patriarcal
e
anunciando
o
desregramento
das
relações
de
gênero.
A
consulta
das
fontes
da
época
na
sua
diversidade
convida,
entretanto,
a
nuançar
essas
afirmações.
Até
hoje,
eu
não
encontrei
nenhuma
indicação
de
obra
censurada
nos
arquivos
do
Conservatório
Dramático
Brasileiro.
Para
o
período
de
1843-‐1864,
existem
relatórios
sobre
as
seguintes
peças:
L’Apothicaire
et
le
perruquier,
Le
66
!,
Le
28
Cf.
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
13/
04/1876,
p.
2-‐3
;
20/10/1877,
p.
2.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
Mariage
aux
lanternes,
Le
Violoneux,
Monsieur
va
au
Cercle,
Deux
Vieilles
Gardes
et
Vent
du
soir
ou
l’horrible
festin.
Todas
são
autorizadas
sem
dificuldade
pelos
censores,
que
em
geral
só
lhes
dedicam
algumas
linhas.
O
relatório
mais
detalhado
é
assinado
por
Francisco
Joaquim
Bittencourt
da
Silva
sobre
Vent
du
soir
em
1859:
“A
opereta
em
um
ato
do
Sr
Gilles,
intitulada
Vent
du
soir
ou
l’horrible
festin,
é
um
brinquedo
literário
que
talvez
o
autor
escrevesse
para
satisfazer
ao
gênio
musical
do
distinto
J.
Offenbach,
que
neste
gênero
de
composição
se
tem
celebridade.
Não
[oferece
ao]
auditório
os
horrores
que
o
titulo
lhe
promete,
pois
terá
por
fim
de
satisfazer
com
alguns
ditos
engraçados
e
com
as
belezas
da
partitura.
Não
há
caracteres
pronunciados,
nem
protagonista,
e
qualquer
tipo
que
se
quiser
afinar
definhará
por
falta
de
animação
e
interesse
cênico.
A
custa
do
que
[...]
dito
está
claro
que
não
ataca
nenhum
dos
artigos
proibitivos
da
nossa
lei
regulamentar,
9
de
maio
de
185929”.
A
leitura
atenta
da
imprensa
parece
confirmar
os
relatórios
da
censura:
se
certos
críticos
evocam
o
perigo
que
corre
o
teatro
nacional,
outros
saúdam
o
“gênio
musical”
de
Offenbach.
Outros
ainda
confessam
apreciar
fortemente
a
opereta,
mesmo
sendo
suspeitos
de
cometer
um
“crime
de
lesa-‐Wagner30”.
Além
disso,
a
crítica
aponta
elementos
que
ultrapassam
frequentemente
a
oposição
dicotômica
entre
defensores
e
detratores
do
criador
de
Orphée.
A
questão
da
interpretação
musical
é
assim
recorrente
nas
crônicas
teatrais,
como
testemunha
este
trecho
da
Revista
Illustrada
do
dia
20
de
maio
de
1876:
“De
notas
falsas
houve
também
grande
abundância
esta
semana
pelo
Alcazar.
Foram
pretexto
para
a
sua
emissão
a
Chanson
de
Fortunio
e
La
tymbale
d’argent,
duas
operetas
tão
lindas
e
que
já
foram
ali
mesmo
tão
bem
cantadas
!
É
pena
que
assim
se
estraguem
as
peças.
Verdade
é
que
embaçados
são
somente
os
que
querem
ser,
pois
fácil
é
a
diferença
entre
as
notas
verdadeiras
e
as
que
estão
sendo
ali
postas
em
circulação31”.
A
qualidade
das
traduções
é
também
objeto
de
comentários
altamente
negativos
como
nesta
crônica
de
1883:
“Já
sabem
de
sobra
o
que
eu
penso
sobre
a
tradução
de
Mme
L’archiduc,
ora
em
cena
nas
Novidades.
Pareceu-‐me
sempre
demasiada
liberdade
traduzir
Mme,
l’archiduc
por
A
arqui
duquesa,
e
com
a
franqueza
que
tantos
desafetos
me
tem
angariado,
o
disse
aqui
mesmo
neste
lugar.
Com
o
espírito
que
todos
lhe
reconhecemos,
um
dos
tradutores
desculpou-‐se
com
a
bestidade
do
público:
“Se
29
Rio,
9
de
maio
de
1859.
Archives
CDB
(FBN)
:
I-‐08.16.003.
30
Segundo
A.
Gil
no
editorial
da
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
28/07/1877.
31
«
Resenha
theatral
»,
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
20/05/1876,
p.
3.
Offenbach no Rio. A febre da opereta no Brasil do Segundo Reinado. In. Abreu Márcia, Deaecto
Marisa Midori (Org.). Conexões. A Circulação Transatlântica dos Impressos. São Paulo: Edusp,
Unicamp/IEL, 2014, p. 311-324
traduzimos
como
devíamos,
o
público
não
entenderia”.
O
público
tem
as
costas
largas32”.
Para
concluir,
parece-‐me
que
numerosas
pistas
se
apresentam
a
nós
para
estudar
a
presença
de
Offenbach
no
Brasil:
os
lugares,
os
homens,
as
partituras,
mas
também
a
censura
e
a
crítica
formam
um
conjunto
complexo
e
por
vezes
contraditório
que
convida
a
pensar
no
plural
e
em
diferentes
escalas
as
modalidades
de
circulação
da
opereta
francesa
entre
as
duas
margens
do
Atlântico.
Anaïs
Fléchet
Université
de
Versailles
Saint-‐Quentin-‐en-‐Yvelines
Centre
d’Histoire
Culturelle
des
Sociétés
Contemporaines
32
JULY,
Daniel,
«
Pelos
Teatros
»,
Revista
Illustrada,
Rio
de
Janeiro,
n.
351
08/1883,
p.
6-‐7.