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Crislaine Gruber
Federal Institute of Santa Catarina
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All content following this page was uploaded by Crislaine Gruber on 29 September 2017.
*
Olivier Allain
**
Paulo Roberto Wollinger
Crislaine Gruber ***
INTRODUÇÃO
*
Doutor em Literatura, professor no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC),
olivier@ifsc.edu.br.
**
Doutor em Educação, professor no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC),
wollinger@ifsc.edu.br.
***
Mestra em Design, professora no Instituto Federal de Santa Catarina (IFSC),
crislaine.gruber@ifsc.edu.br.
qual permeia teorias, orientações didáticas, formação (e até contratação) de
docentes em EPT. O que atravessa estes dois aspectos levantados são práticas
discursivas e crenças teóricas, a nosso ver, epistemologicamente equivocadas:
a constante hierarquização e inferiorização do conhecimento técnico em
relação ao conhecimento científico. Incorpora-se facilmente aí uma
associação da técnica à prática e da teoria à ciência, de modo que a técnica
fica esvaziada de saberes, ao contrário da teoria, que passa a ser exclusiva
detentora do conhecimento válido;
a compreensão da Tecnologia enquanto produto (em geral sofisticado), ou,
dito de outro modo, a Tecnologia tomada no sentido vulgar dos produtos
tecnológicos, que se tornaram objetos “fetiches” na modernidade (VIEIRA
PINTO, 2005). Em outras palavras, ocorre, ao mesmo tempo, uma reificação
e uma demonização da Tecnologia, em detrimento de outras abordagens
epistemologicamente embasadas e fundamentais para a EPT;
a técnica é associada à atividade mecânica, inferior e ingrata do ser humano,
separada da atividade reflexiva e criativa;
de forma mais ampla ainda, os saberes do trabalho são sistematicamente
depreciados em relação aos saberes próprios à formação de “intelectuais”;
a Técnica, a Tecnologia e o que denominamos, com Rose (2007), dos
Saberes no Trabalho, não entram no círculo científico das disciplinas dignas
de consideração por parte da interdisciplinaridade.
Esta lista não é exaustiva, porém já traça um panorama de alguns dos
engodos epistemológicos mais recorrentes nos discursos educacionais sobre
Educação Profissional.
Entretanto, as distinções elaboradas por pensadores da filosofia,
antropologia, psicologia ou da didática acerca destes dois temas correlatos podem
fornecer subsídios para que teorias politicamente engajadas (ao menos
declaradamente), porém carentes destas discussões, ou, de forma mais geral,
praticantes da Educação Profissional deixem de operar num vazio conceitual e
educacional ao abordar EPT.
No intuito de aclarar e aprofundar as avaliações supracitadas, fizemos o
levantamento de currículos de cursos de formação docente para a EPT no Brasil e
avaliamos como é inserida a didática. Trata-se de verificar como é tratada a
“especificidade” didática anunciada nas ementas e amparada na bibliografia listada.
Apesar de não apresentarmos resultados inequívocos, já que não fizemos uma
análise das práticas didáticas associadas a estas ementas, é possível encontrar
muitos indícios de uma tendência à generalidade e de ausência de bases
epistemológicas específicas para a EPT.
Podemos adiantar, ainda, que, na esteira de tal tendência, pode-se deduzir a
necessidade de ir além de um discurso da totalidade, que recorre a categorias
filosoficamente ultrapassadas e que, amiúde, vem mascarar suas ausências ou
contrassensos epistemológicos e a reprodução dos pré-conceitos oriundos de nossa
herança colonial e bacharelesca (WOLLINGER, 2016). Em decorrência, confirma-se
a relevância de tratar as “especificidades” de fato e não apenas como repetição de
uma generalidade educacional que ignora diferenças entre as modalidades
educacionais. É sobremaneira premente tal necessidade, já assinalada por alguns
(raros) autores nacionais, dada a superação de insuficiências epistemológicas que
se pode testemunhar ao redor do mundo, em teorias e orientações de diferentes
matizes. As consequências políticas e sociais destas carências epistemológicas têm
alcance difícil de medir e suas raízes culturais constam na literatura e serão objeto
de outro estudo. No entanto, acreditamos que elas possam ser decisivas em
inúmeros aspectos da EPT, desde o cumprimento da missão dos Institutos Federais
(formação ampla, de excelência e inclusiva do trabalhador cidadão), passando por
modelos pedagógicos, práticas didáticas, seleção de docentes e até formas de
acesso à EPT.
1
Nas palavras de Marx: “Mas o que distingue o pior arquiteto da melhor abelha é que ele figura na
mente sua construção antes de transformá-la em realidade. No fim do processo do trabalho aparece
um resultado que já existia antes idealmente na imaginação do trabalhador. Ele não transforma
apenas o material sobre o qual opera; ele imprime ao material o projeto que tinha conscientemente
em mira, o qual constitui a lei determinante do seu modo de operar e ao qual tem de subordinar sua
vontade. E essa subordinação não é um ato fortuito. Além do esforço dos órgãos que trabalham, é
mister a vontade adequada que se manifesta através da atenção durante todo o curso do trabalho. E
isto é tanto mais necessário quanto menos se sinta o trabalhador atraído pelo conteúdo e pelo
método de execução de sua tarefa, que lhe oferece por isso menos possibilidade de fruir da
aplicação das suas próprias forças físicas e espirituais.
Os elementos componentes do processo de trabalho são:
1) a atividade adequada a um fim, isto é o próprio trabalho;
2) a matéria a que se aplica o trabalho, o objeto de trabalho;
3) os meios de trabalho, o instrumental de trabalho.”
É preciso agora ressaltar um dos pontos primordiais, na esteira desta ruptura
com uma tradição excludente das categorias mais fundamentais da Educação
Profissional, que esta epistemologia que se debruça sobre o trabalho enquanto
exercício social da técnica permite caracterizar: o status do saber técnico, de modo
a estabelecer mais claramente o objeto do ensino e de uma didática mais coerente
com a Educação Profissional. Barato (2002, p.147) afirma que “para não fazer da
educação profissional aquilo que educadores críticos de todos os matizes chamam
de ‘mero adestramento’ [...] é preciso buscar referências epistemológicas capazes
de assegurar tratamento analítico da técnica enquanto um saber”. Afinal, “a técnica
tem um estatuto epistemológico próprio.” (BARATO, 2002, p.141).
Tal status pode distinguir-se do status do conhecimento científico em sentido
clássico, embora não sejam excludentes. Muito pelo contrário, ambos foram
entrelaçando-se em íntima interação, muitas vezes chegando a depender um do
outro. Porém, distingui-los é importante aqui, uma vez que esta mesma linha da
tradição excludente da técnica também eleva hierarquicamente o saber científico,
muitas vezes como único saber válido.
Ora, o saber técnico (entenda-se, de modo amplo, técnico-profissional) não é
nem derivado do saber científico – crença mais do que difundida na tradição
excludente descrita acima – nem inferior. É outro e é preciso “reconhece[r], com
Paulo Freire, que entre a ciência e a técnica não há saberes menores, mas saberes
diferentes” (MORAES, 2016, p.21). Barato (2004) se vale de uma expressão
extremamente acertada para definir o que é o conhecimento técnico: é um saber
processual. Isso porque a técnica é um processo de intervenção. Como processo,
envolve não apenas a realização material ou simbólica da intervenção, mas sim o
seu todo: métodos, saberes técnicos e profissionais, teorias ou conceitos de
diversas áreas e ciências, previsão de impacto social e ambiental do ato técnico,
etc. Assim, pode-se qualificar esta intervenção com estas dimensões
epistemológicas, que envolvem aspectos metodológicos, conscientes, planejados,
atravessados por uma cultura e uma linguagem própria.
Qual a diferença, então, com o saber “científico”? Este é, de forma
predominante, teórico, verbal, é “discurso sistematizado” (BARATO, 2004). Inclui
métodos e realizações materiais, evidentemente (que estão mais do lado da técnica,
vale dizer), porém estes não constituem seu escopo, sua finalidade, seu corpo
privilegiado a ser transmitido. Infelizmente, de modo geral, ao se privilegiar esta
forma do conhecimento, inclusive em Educação Profissional, “qualquer
experimentação, execução, manipulação está fora do jogo” (BARATO, 2008, p.8).
Pior ainda: supõe-se que “depois de bem assentada a teoria, (…) os alunos estarão
preparados para aplicá-la”. Segundo esta concepção epistemologicamente
esvaziada, a “aplicação” seria “a prática”, “um fazer guiado pela teoria”.
Para evitar este engodo e devolver à técnica seu status epistemológico,
Barato propõe inclusive o abandono do recurso ao par “Teoria/Prática”, uma vez que
a técnica é associada à “prática” e a teoria à “ciência”, ou seja, o saber fica do lado
da teoria e da ciência e é retirado da técnica. “É bastante provável que a insistência
sobre a prioridade de teoria sobre a prática seja um modo de esvaziar a técnica de
significado, justificando a divisão entre trabalho manual e trabalho intelectual”
(BARATO, 2002, p.165). Alerta, ainda, com outras palavras, o autor: “ao esvaziar a
técnica de seu status epistemológico, a divisão conhecimento/habilidades perpetua
e justifica a separação entre concepção e execução.” (BARATO, 2002, p.191).
Todavia, nem sempre é fácil o acesso à compreensão de que os saberes
técnico-profissionais se desenvolvem desde que existem com ou sem o recurso à
“Ciência” e que eles não são mera aplicação desta. Mas basta tomar um exemplo
para verificar a generalidade desta proposição: Sigaut (1975a, 1975b, 1977), como
muitos outros antropólogos da técnica, mostrou muito bem em sua obra como a
agricultura, por exemplo, se desenvolveu ao longo dos séculos, evoluiu, inovou, sem
a constituição de uma disciplina científica ou, antes, sem a existência de “Ciências”,
em sentido moderno, para lhes dar um fundamento (da qual ela seria a aplicação
prática). O mesmo ocorre em todos os domínios profissionais (e em domínios tidos
às vezes como não “profissionais” também): as técnicas podem ser desenvolvidas,
estudadas e consolidadas no interior de um campo de estudos elaborado (uma
corporação, uma área profissional, um curso superior de tecnologia ou um
bacharelado, uma associação, etc.) ou em um campo menos consolidado (um grupo
social determinado, uma comunidade virtual, etc.), mas é no que Lave e Wenger
(1991) também chamaram de “comunidade de práticas” que tais saberes se
formam. Assim, no desenvolvimento de técnicas, ou de saberes técnico-
profissionais, a “Ciência”, ou a “Teoria”, pode ter um papel preponderante,
coadjuvante, ou simplesmente não ter nada a oferecer.
Em suma, o que se propõe aqui é uma mudança radical de foco. A técnica
tendo valor epistemológico, passando a representar um conjunto de saberes válidos
e não inferiores aos da Ciência, seu valor residindo em primeiro lugar na
possibilidade de uma intervenção qualificada no mundo, fundamental ao indivíduo e
à sociedade, então o foco deixa de ser o ensino de teorias, de saberes verbais
apenas, uma prática eminentemente discursiva. A educação deixa de ter sentido
somente pelo recurso a narrativas (como querem nos fazer acreditar autores como
Postman (2002)). O sentido do saber em Educação Profissional ultrapassa o recinto
narrativo e verbal de uma cultura intelectual excludente.
Passa-se a ter, destarte, de forma mais interventora, um foco epistemológico
para a formação docente e, sobretudo, para a didática na Educação Profissional.
Restabelece-se o valor epistemológico da intervenção no mundo e do exercício
social desta intervenção de modo a poder orientar as práticas docentes, os
currículos, a formação, num diálogo com as demais formas de conhecimento. A esta
circulação de saberes e fazer-saberes Moraes (2016, p.21) atribuiu o nome de
“interdisciplinaridade ampla”:
Bibliografia Básica:
ARAÚJO, R. M. L., RODRIGUES, D. S. (Orgs). Filosofia da práxis e
didática da educação profissional. Campinas: Autores Associados.
2011.
LIBÂNEO, J. C. Didática. São Paulo: Cortez, 2008.
VEIGA, I. P. A. (Org). Técnicas de ensino: novos tempos, novas
configurações. Campinas: Papirus, 2006.
Complementar:
COMÊNIO, J. A. A Didática Magna. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
FAZENDA, I. (Orgs). Didática e Interdisciplinaridade. 17.ed. Campinas,
SP: Papirus, 2011.
GADOTTI, M. R., J. e. (Orgs). Educação de jovens e adultos: teoria,
prática e propostas. São Paulo: Cortez, 2000.
LUCKESI, C. Avaliação da Aprendizagem Escolar. 16.ed. São Paulo:
Cortez, 2005.
ZABALA, A. A prática educativa: como ensinar. Tradução de Ernani F.
da Rosa. Porto Alegre: Artes Médicas, 2010.
Bibliografia Básica:
BORDENAVE, Juan Dias. Estratégias de ensino-aprendizagem. 19. ed.
Petrópolis: Vozes, 1998.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (org.). Técnicas de ensino: por que
não? 4.ed. Campinas(SP): Papirus, 1996.
ZABALA, Antoni. A prática educativa: como ensinar. Porto Alegre (RS):
Artes Médicas, 1998.
Complementar:
ANASTASIOU, Léa das Graças Camargos; ALVES, Leonit Pessate
(Org.) Processos de ensinagem na universidade: pressupostos para as
estratégias de trabalho em aula. 6. ed. Joinville: Univille, 2006.
LIBÂNEO, José Carlos. Didática. 14. ed. São Paulo: Cortez, 1999
VASCONCELLOS, Celso dos Santos. Construção do conhecimento em
sala de aula. 6. ed. São Paulo: Libertad, 1997.
VEIGA, Ilma Passos Alencastro (Org.). Repensando a didática. 10. ed.
Campinas(SP): Papirus, 1995
_____. Didática: o ensino e suas relações. Campinas (SP): Papirus,
1996.
Quadro 4: Ementa 4: Processos de ensino e aprendizagem
Curso/Instituição/Estado Programa Especial de Formação Pedagógica (PROFOP) / UTFPR /
PR
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BARATO, Jarbas Novelino. Em busca de uma didática para o saber técnico. B. Téc.
Senac. Rio de Janeiro, v.30, n.3, p. 46-55, Set/Dez. 2004. Disponível em:
http://www.senac.br/BTS/303/boltec303d.htm.
SIGAUT, François. Comment homo devint faber : comment l’outil fit l’homme.
Paris: CNRS Éd. (« Biblis »), 2012.