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DURKHEIM, MARX E A DIVISÃO DO


TRABALHO
Aline Bezerra Lopes1

RESUMO:
O presente artigo discute
a divisão do trabalho e tem
por objetivo estabelecer
um diálogo, a partir das
teorias de Marx e
Durkheim, a fim de com-
preender de que maneira
a sociedade aceitou o
modo de produção capita-
lista e as conseqüências
dessa opção ao longo da
história.

PALAVRAS-CHAVE: Solida- UM OLHAR FUNCIONAL e sim uma pessoa mais velha e


riedade, coerção, consciência, sábia do grupo, chamada basileus
modo de produção, processo Pensar a divisão do traba- ou pater famílias, responsável
produtivo, classes sociais, lho sob a perspectiva por transmitir uma consciência
ideologia, alienação. durkheimiana nos remete à refle- padronizada que é reproduzida
xão sobre solidariedade em dois pelos indivíduos no grupo social.
aspectos: o da solidariedade me- Sobre consciência coletiva
INTRODUÇÃO cânica e da solidariedade orgâni- Durkheim (1988) afirma que é:
ca em desenvolvimento inversa-
A intensão de fazer um mente proporcional. “O conjunto de cren-
paralelo entre dois autores que Durkheim (1988), utiliza as ças e de sentimentos
utilizam métodos diferentes para hordas – sociedades simples – comuns à média dos
interpretar uma realidade nasce, para demonstrar que a medida em membros de uma mes-
da necessidade de criar uma in- que os homens desenvolvem há- ma sociedade forma
quietação acerca da forma como bitos equivalentes no modo de um sistema determina-
aceitamos algumas verdades sem falar, de agir, de se vestir, existin- do que tem sua vida
criticá-las. E alertar que sempre do diferenças mínimas já que os própria; pode-se
existe mais de uma versão sobre laços são consangüíneos e fisica- chamá-lo de consciên-
esta, o que nos permite escolher mente também se parecem, na cia coletiva ou co-
de que modo queremos construir forma como são educados pelo mum. Sem dúvida, ela
nossa sociedade. fato de que não existem ‘mestres’ não tem por substrato

1
Aluna concluinte do curso de Ciências Socias e monitora da disciplina Metodologia da Pesquisa na Universidade da Amazônia

Lato & Sensu, Belém, v. 4, n. 1, p. 3-5, out, 2003. 1


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um único órgão; ela é, meio às suas necessidades, hou- ção das atividades produtivas au-
por definição, difusa em ve um aumento da taxa de natali- menta, quanto mais diferenciados
toda extensão da so- dade e, conseqüentemente, a in- os grupos e as inter-relações so-
ciedade; mas não tem tensificação dos laços de inde- ciais, menor o número de pesso-
menos caracteres es- pendência e da produção materi- as que dominam a consciência
pecíficos que a tornem al, o que segundo o autor, propor- comum em cada um deles. Se há
uma realidade distinta. cionaria aos membros da socie- um número maior de grupos na
Com efeito, ela dade uma diferenciação dos de- produção, menos pessoas conhe-
independe das condi- mais grupos tornando-o relativa- cerão os diferentes tipos de cons-
ções particulares em mente independente das imposi- ciência coletiva que se desenvol-
que se encontram os ções que lhe eram feitas. Esta ve em cada grupo para que as
indivíduos, estes pas- transformação seria decorrente tarefas, em geral, sejam execu-
sam e ela permanece. da divisão do trabalho social, tadas. A individualização é pos-
(...)”. (pg. 74) que possibilitou ao homem uma sível, mas não escapa à coerção
‘liberdade’ de opção, reflexão e e agora de forma diferenciada,
A consciência coletiva é o de escolha dentro da comunida- pois em uma sociedade mais
psicológico do corpo social, é a de na qual estabelece seus laços complexa existem mecanismos
representação de um pacto invi- de interdependência à solidarie- que interagem de forma diferen-
sível entre os membros. Perce- dade orgânica, Sobre ela ciada, mas com um objetivo:
be-se, então, dois lados da moe- Durkheim (1988) ilustra; construir uma consciência coleti-
da: uma consciência particular e va através de informações conti-
uma coletiva, ambas funcionan- “(...) Com efeito, é da na- das na moda, arte, literatura, pro-
do de modo contraditório uma vez tureza das tarefas especi- cedimentos jurídicos e etc.
que a segunda prevalece sobre a ais escapar a ação da As instâncias organizacio-
consciência coletiva; por-
primeira produzindo um conflito nais mencionadas são responsá-
que, para que uma coisa
interno nos membros que se seja objeto de sentimen-
veis pela construção de um pa-
opõem às imposições desta. Os tos comuns, a primeira drão comportamental, regras que
comportamentos são reproduzi- condição é que ela seja devem ser cumpridas para que as
dos quando há a necessidade de comum, isto é, que esteja pessoas possam ser enquadradas
relacionarem-se com um deter- presente em todas as e estereotipadas como morais ou
minado grupo para que sejam consciências e que todas imorais, de acordo com o grupo a
aceitos como membro. possam representá-las de que pertencem.
O conflito permanece um único ponto de vista É através dela, de forma
quando um ou mais indivíduos se (...)” (pg.80). coercitiva, que a sociedade indus-
negam a agir conforme o que é trial se estabelece, Durkheim pen-
pré-estabelecido, principalmente A divisão do trabalho sa a sociedade como um corpo
se há uma lei que determine e li- social nasce em um contexto vivo em funcionamento e da mes-
mite certas manifestações, nes- onde o homem não consegue con- ma forma que um organismo vivo
se caso, ou o indivíduo aceita a trolar o crescimento populacional ela nasce, se desenvolve e mor-
consciência coletiva como sua e atender à demanda de produ- re.
e a reproduz, ou sofrerá sansões ção de alimentos exigida por ele. A passagem da solidarie-
sendo cobrado e até mesmo ex- A divisão do trabalho social dade mecânica para a solidarie-
cluído, ficando à margem da so- surge em um contexto que é ex- dade orgânica, em Durkheim, é a
ciedade. terno e foge do controle das so- base do entendimento para a for-
Tendo o homem desenvol- ciedades simples. A consciência mação da sociedade capitalista e
vido mecanismos para adaptar o comum diminui e a especializa- através do conceito de solida-

2 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.


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riedade orgânica cumpre seu traz conseqüências positivas a rar mais valor sob o seu trabalho.
papel de teórico das elites crian- todos. Analisando-a sob a pers- Entretanto, na medida em
do uma consciência otimista em pectiva social, utiliza como exem- que o trabalhador limita-se a pro-
relação ao novo processo que in- plo para explicar as contradições duzir isoladamente as peças da
dividualizaria tanto os bens de pro- produzidas, o período carruagem dentro das oficinas, ao
dução, quanto as técnicas de pro- manufatureiro entre os séculos mesmo tempo em que mais mer-
dução. A sociedade acredita e in- XVI e início do século XVIII. cadorias são produzidas em um
corpora a solidariedade orgânica A produção manufatureira menor tempo, menos este traba-
como algo promissor e revolu- de carruagens era desenvolvida lhador pratica sua capacidade téc-
cionário que atribui aos indivídu- entre produtores independentes – nica de construção da carruagem,
os papeis de privilégio e desta- artesãos falidos – e um único bur- afasta-se da compreensão do
que na sociedade acreditando que guês. Marx denominou a este tipo processo produtivo por completo
a transformação seria benéfica, de produção de cooperação sim- e dos bens de produção, não con-
mas não conseguem perceber ples, onde os burgueses contra- seguindo se enxergar no produto
que nesse caso o que não é be- tavam os trabalhadores para pro- final do seu trabalho, uma vez que
neficiado é desfavorecido, como duzirem uma carruagem, poden- o produziu de maneira parcial,
veremos no próximo tópico. do tornar-se livre se pudessem tornando-se alienado com Marx
reaver os seus meios de produ- (1983), nos mostra a seguir;
UM OLHAR CRÍTICO ção. Ocorre que, durante o pro-
cesso produtivo, o capitalista per- “(...) Progressivamente,
Segundo Marx (1983), cebe que o tempo para desenvol- ela se transforma em divi-
ver determinada atividade difere são da produção de car-
para que haja sociedade, primor-
de trabalhador para trabalhador ruagens em suas diversas
dialmente deve haver um homem operações particulares,
que estabeleça uma relação com e o que produzia mais rápido aju-
em que cada operação
a natureza articulando maneiras dava no que tinha uma produção
cristaliza-se em função
que possam contribuir para sua mais lenta. Surge a idéia de exclusiva de um trabalha-
subsistência. Parte desse princí- separá-los em grupos de ativida- dor, e a sua totalidade é
pio para explicar a sociedade ca- des para produzirem a carruagem, executdada pela união
pitalista, pois a forma como este o que tornou gradativamente esse desses trabalhadores par-
homem produz a materialidade trabalhador especializado de for- ciais (...)” (pg. 267).
que garantirá seu sustento, refle- ma parcial – já que se especializa
tirá a maneira como idealiza seu em apenas uma peça da carrua- Quando os burgueses per-
mundo e a ele mesmo. Neste sen- gem – nascendo, assim a divi- cebem que com a divisão do tra-
tido, o método dialético possibili- são do trabalho. balho há um aumento da produ-
tou a Marx um resgate histórico Quando o trabalhador tinha tividade, gradativamente esse pro-
dos fenômenos e das contradições acesso aos meios de produção, cesso se expande até as ativida-
que resultaram da negação de dos instrumentos e da técnica do des mais simples. O que
uma realidade natural a qual o processo produtivo por comple- Durkheim (1988), chama de di-
homem desfrutava, para aceita- to, poderia prestar serviços na visão do trabalho social, e en-
ção de uma nova realidade que o oficina do capitalista, utilizar suas xerga como progresso da huma-
torna prisioneiro de sua própria ferramentas e ser pago pelo ser- nidade através da solidarieda-
criação. viço, o que lhe possibilitaria ad- de orgânica, Marx (1983) admi-
É dessa forma que Marx quirir suas próprias ferramentas te à divisão social do trabalho
(1983), nos revela que o otimis- para tornar-se independente des- a causa da alienação do homem
mo em relação à divisão do tra- ligando-se da subordinação que em todos os aspectos imagináveis
balho na teoria durkheimiana não proporcionava ao burguês explo- da vida, tanto em relação à natu-

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reza, quanto ao outro e em rela- rão separadamente atividades impostos e direitos trabalhistas
ção à sociedade. Algo que é pro- específicas em diferentes níveis, aumentando absurdamente a pro-
duzido por ele em forma de arte o que irá destingui-los. O que a dução de mais valia, conseqüen-
e prazer, passa a ser uma ativi- melhor desenvolver a tarefa será temente as diferenças sociais.
dade desenvolvida de maneira qualificado como apito, capaz de E ao mesmo tempo um pro-
mecânica que o condiciona e li- produzir e de ser engajado no pro- gresso significativo na tecnologia
mita sua capacidade criacional cesso de produção; e o que não e aprimoramento de máquinas no
tornando-se cada vez mais dis- se adaptar a nova realidade será processo produtivo o que exige
tante a possibilidade de indepen- tido como desqualificado para o do trabalhador conhecimento do
dência, uma vez que perdem o capitalista. funcionamento das máquinas e do
conhecimento da técnica e agora processo produtivo, mas não per-
desenvolvem atividades parciais mite que este desfrute do conhe-
no processo de produção. Certa- CONSIDERAÇÕES FINAIS cimento capaz de torná-lo livre
mente houve mudanças nas fer- dessa realidade.
ramentas que eram utilizadas por Dentro das manufaturas,
eles, de forma que aperfeiçoasse surge a divisão social do traba-
a ação limitada e, conse- lho, a capacidade de produção de REFERÊNCIAS BIBLIO-
qüentemente, sua alienação. mercadorias e a divisão de clas- GRÁFICAS
De acordo com Marx ses. A desigualdade nasce a par-
(1983); tir da produção de um exceden- ALVES, Giovanni. Trabalho e
te, o que possibilitou a apropria- Mundialização do Capital: a
“(...) A diferenciação dos ção tanto de homens quanto da
instrumentos de trabalho,
nova degradação do trabalho na
sua capacidade intelectual, o que era da globalização. 2. ed. Lon-
que atribui aos instru-
mentos da mesma espécie Alves (1999), denomina “captu- drina: Práxis, 1999.
formas fixas particulares ra da subjetividade operária”.
para cada emprego útil Hoje, o que se percebe é um re- MARX, Karl. O Capital: crítica
particular, e sua especia- trocesso, quando o capitalismo da economia política. Tradução
lização, que faz com que utiliza o trabalho escravo contra- de Regis Barbosa e Flávio Kother.
cada um desses instru- tando mão-de-obra barata para São Paulo: Abri Cultural, 1932.
mentos particulares só desenvolver o processo de pro- v. 1.
atue com total plenitude dução transferindo-o para dentro
na mão de trabalhadores dos lares dos trabalhadores para
parciais e específicos, ca-
RODRIGUES, José Albertino.
que incorporem à fábrica o tra- (Org.). Grandes Cientistas So-
racterizam manufatura”
(pg. 270). balho doméstico juntamente com ciais: Durkheim. São Paulo:
sua família - como no período Ática, 1988.
Assim, dentro das manufa- manufatureiro no início do desen-
turas, serão organizados grupos volvimento do capitalismo - os
de trabalhadores que desenvolve- empresários poupam custos com

4 Lato& Sensu, Belém, v.4, n.2, p. 6, out, 2003.

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