Você está na página 1de 4

1

Entrevista
-Q

o
6
INTERFERÊNCIA PERIGOSA
o
o
.0
o
(ri

Em instituições hospitalares, existem muitos equipamentos


ele fromédicos que dão suporte à vida dos pacientes ou que
monitoram dados vitais, funcionando como oríentadores da terapêu-
tica instalada. Há monitores cardíacos, oxímetros de pulso,
eletroencefalógrafos, eletrocardíógrafos, bisturis elétricos, bombas
de infusão e manguitos de pressão automáticos e não-invasivos, entre
outros. Nos últimos tempos, os profissionais de saúde têm relatado
dificuldade para regular tais equipamentos em locais de uso intenso
de diferentes tíoos de aparelhos, o que provoca problemas funcionaís
como desligamento, não-regulagem do tempo de infusão desejado,
modificação do fluxo inicíalmente programado e alteração indevida
dos dados registrados. Ciente dos riscos que esse fenômeno pode
oferecer aos pacientes, a Revista SOB ECC foi buscar esclarecimen-
tos sobre o assunto com o engenheiro eletrônico e biomédico Sérgio
Santos Mühlen, professor doutor da Faculdade de Engenharia Elétrica
e de Computação - Centro de Engenharia Biomédica, da Universi-
L
dade Estadual de Campinas. A conversa com o especialista resultou
na entrevista que se segue.

Revista SOBECC - Esses problemas dr tros equipamentos, mas tais circuitos sem- equipamentos de telecomunicação - ou
interferência podem mesmo acontecer? pre se comunicam, com maior ou menor indesejável, quando causar o funcionamen-
Por quê? intensidade. Quando, ao contrário, que- to imprevisível de outras máquinas. Os
Mühlen .- Sim. A razão é que os equi- remos impedir a interferência pelas per- efeitos das EMI5 são particularmente
pamentos médicos são controlados por turbações indesejáveis que ela pode pro- preocupantes quando atingem aparelhos
circuitos eletrônicos, que podem se co- vocar no equipamento-alvo, então temos eletromédicos que estejam monitorando
municar entre si indistintamente, como se que adotar diversas medidas preventivas, um paciente ou dando suporte à sua vida.
dá entre um aparelho de televisão e uma entendendo, antes de tudo, o fenômeno De qualquer forma, só vai ocorrer interfe-
antena transmissora ou, então, entre um da interferência eletromagnética. rência se houver simultaneamente três con-
telefone sem fio e sua base. Qualquer cir- dições: ao menos um equipamento
cuito eletrônico tem o poder de radiar RS - O que vem a ser interferência eletrônico que funcione como fonte, ao
energia na forma de ondas eletromagnéticas eletromagnética entre equipamentos? menos um equipamento-alvo e um meio
(de rádio) e, do mesmo modo, a capaci- Mühlen - A interferência eletromagnética de comunicação para as ondas
dade de receber parte dessa energia (ou e/ectromagnetic interíerence - EM 1) eletromagnéticas entre eles. Por aí já dá
eletromagnética transmitida. Quando a consiste na ocorrência de modificações no para perceber que, para evitar ou limitar
transmissão é intencional, como nos exem- funcionamento de um determinado equi- os efeitos das EMIs, devemos agir de
plos que mencionei, então são escolhidas pamento devido à sua exposição a cam- maneira a dificultar a emissão por parte da
freqüências de trabalho e níveis de po- pos eletromagnéticos, geralmente produ- fonte, a recepção no alvo e a comunica-
tência bem determinados, até estabeleci- zidos por outros aparelhos. Essa modifi- ção das ondas eletromagnéticas.
dos por lei, para maximizar a eficiência do cação pode ser desejável - no caso de
processo e evitar sua interferência em ou- transmissão de imagem ou de voz por RS - Que aparelhos causam alterações
iw r _____ i
IJ%i1LiI .4 t ., são% p. 9$ jan./mar. 2603-
i I 1. 7WL -

o
eletromagnéticas entre si ou provocam objetivo? aparelhos a uma distância segura dos de-
. interferência em outras maquinas? Mühlen - O fenômeno da interferência mais, de modo a reduzir a ocorrência de
o
Mühlen - Em princípio, qualquer equi- magnética é tão antigo quanto a radiodi- interferência.
pamento eletrônico pode agir como fon- fusão, e o que eu disse até aqui não re-
a te de perturbações, assim como ser vul- presenta novidade alguma. O assunto tem RS - Que distância é essa? Dê um
nerável a algum nível de radiação vindo sido estudado há décadas. Alguns rela- exemplo.
do exterior, gerado por outros aparelhos tos já foram publicados no Japão, em Is- Mühlen - A distância de segurança varia
(médicos ou não). Por isso, o controle rael, nos EUA e em paises europeus (veja para cada par fonte-alvo, pois os equipa-
das EMIs é, às vezes, um pouco intrin- as referências na página 12). No Brasil, mentos nunca são igualmente interferen-
cado, uma vez que deve considerar a tive a oportunidade de participar do pri- tes ou vulneráveis. De acordo com nossas
interferência entre cada equipamento pre- meiro estudo publicado a respeito da in- medidas e com as referências internacio-
sente em um ambiente, da mesma forma terferência da telefonia celular sobre equi- nais, a maioria dos equipamentos médi-
que as instalações elétricas desse local pamentos médicos, em 2001. O proble- cos construídos segundo as normas de
(aparelhos de ar-condicionado, motores ma é que, com o aumento assustador da segurança do Ministério da Saúde já to-
de elevador, centrais de computação ou quantidade de equipamentos eletrônicos lera a intensidade do campo eletromagné-
de telefonia, transformadores de alimen- que hoje apóiam as atividades médicas, tico produzido por um telefone celular a
tação elétrica, etc.). somado à presença dos aparelhos não mé- mais de três metros de distância. Isso não
dicos que passaram a infestar os hospitais significa proteção absoluta, mas, sim, re-
RS - O telefone celular pode interferir (equipamentos de comunicação e de dução da probabilidade de interferência.
em outro equipamento? informática, instalações elétricas, etc.), Afinal, há também radiações refletidas no
Mühlen - Sem dúvida. Por se tratar de hoje a probabilidade de haver interferên- mobiliário, no teto e no pessoal que ocu-
um aparelho feito para estabelecer comu- cia eletromagnética ficou muito maior que pa a sala, uma vez que a trajetória da in-
nicação com outro via ondas eletromagné- no passado. terferência nem sempre é previsível ou
ticas, o celular é intrinsecamente interfe- reprodutível. Por essa razão, a maior par-
rente, gerando ondas que podem ser cap- RS - Há alguma relação das EMls com te dos hospitais preocupados com tal pro-
tadas por quaisquer antenas, nas quais apa- a distância entre os equipamentos? blema adota medidas de restrição ao uso
rece uma pequena corrente elétrica. E o Mühlen - Sim, e isso é devido a uma de aparelhos de comunicação móvel (te-
que se espera para a comunicação da voz, característica presente em todas as formas 1 eíones celulares, radiocomunicadores,
mas a captação ocorre também quando de radiação: a intensidade do campo pagers, etc.) nas proximidades de recin-
um fiozinho, ou um componente eletrônico eletromagnético radiado sempre diminui tos com grande concentração de equipa-
dentro do equipamento médico, funcio- com a distância da fonte. Se a radiação é mentos eletromédicos, como é o caso do
na como antena receptora. Pelas caracte- intencional, como nas telecomunicações, Centro Cirúrgico, em especial as Salas de
rísticas da freqüência da onda eletro- essa falta de proximidade constitui um pro- Operação e de Recuperação Pós-Anes-
magnética emitida, basta o fiozinho ter blema que todos conhecemos: quando o tésica, das UTI5 e dos locais onde se
alguns centímetros, e nele vai ser induzida receptor está longe demais da fonte, te- realizam exames como eletroencefalografia
uma corrente elétrica proveniente do ce- mos uma recepção deficiente ou mesmo e angiografia, entre outros.
lular. Existe a possibilidade de que essa impossível. Se a radiação é indesejável,
corrente parasita não acarrete nenhuma pode-se aproveitar tal característica para RS - Que equipamentos sofrem maior
modificação no equipamento médico, po- diminuir os efeitos da interferência, afas- influência das EMIs?
rém ela pode ser confundida com as cor- tando a fonte do alvo. Nessa linha, os Mühlen - Os equipamentos eletromé-
rentes elétricas normais do aparelho, re- limites máximos já foram determinados por dicos podem ser sempre vulneráveis, con-
sultando em um comportamento imprevi- normas de emissão tolerável para equipa- forme a intensidade da radiação eletro-
sível e, às vezes, lesivo para o paciente. mentos eletromédicos, assim como os li- magnética, o que, contudo, depende tam-
mites mínimos de imunidade que eles de- bém de suas características construtivas,
RS - Existe algum estudo sobre esse fe- vem suportar. Para respeitar os níveis es- ou seja, de seu projeto: se são ou não
nômeno? Se afirmativo, com que tabelecidos, muitas vezes basta colocar os controlados por microprocessador, se têm
'p. • -

'!14fi'
1 r

Entrevista

ou não blindagem eletromagnética no ga-


binete, se possuem ou não Filtros nos ca-
bos de alimentação para evitar interferên-
cias conduzidas pela rede, etc. Além dis-
so, o modo de operação igualmente é
capaz de tornar um mesmo aparelho mais
suscetível em um momento do que em
outro. As máquinas que podem ser pro-
gramadas, por exemplo, ficam mais vul-
neráveis no instante da programação do
que quando estão executando as tarefas;
do mesmo modo, são mais facilmente ví-
timas das EMI5 quando realizam cálculos
ou processam imagens. Curiosamente, a
sofisticação dos equipamentos faz com
que eles sejam, até certo ponto, menos
confiáveis do que os mais simples, embo-
ra esse fato não constitua uma regra. E
apenas uma constatação de que vivemos,
atualmente, um conflito de gerações
tecnológicas: nos hospitais coexistem
tecnologias modernas com tecnologias tros aparelhos, disparar alarmes, apresen- eletrônicos é propício ao aparecimento de
antigas, mas o projeto de cada uma nem tar tendências na evolução do quadro clí- interferências eletromagnéticas. Portanto,
sempre pode ter tomado os cuidados ne- nico dos pacientes, propor condutas mé- sempre que possível, deve-se evitar a li-
cessários para considerar o efeito dos equi- dicas, etc. Mas continuam a ser equipa- gação de mais aparelhos do que for estri-
pamentos vizinhos. Uma bomba de infu- mentos eletrônicos, estando, portanto, tamente necessário, observando uma dis-
são ou um monitor cardíaco que hoje têm suscetíveis às ondas eletromagnéticas. Pelo tância de segurança entre eles - ou seja,
cinco anos de idade e funcionam de for- Fato de executarem muito mais operações quanto menores os espaços, maiores os
ma perfeita provavelmente foram proje- por segundo que máquinas mais simples, problemas. Dá para entender, agora, por
tados há uns dez anos, numa época em são proporcionalmente mais sujeitos a er- que evitar telefonia móvel nas áreas hos-
que a preocupação com a telefonia celu- ros, no caso de haver alguma interferência. pitalares é uma das formas mais fáceis de
lar nem existia. Essa realidade, às vezes, Por outro lado, os mais modernos têm de controlar o efeito das EMIs.
torna incompatíveis duas tecnologias efi- satisfazer às exigências de normas de segu-
cientes e seguras, se consideradas indivi- rança recentes, muito mais estritas do que ic Uííl ,j,iíi.3

dualmente, mas que não estão adaptadas eram no passado, o que compensa, em arâmetros para identificar a interferên-
para funcionar perto uma da outra. parte, sua maior vulnerabilidade potencial. a eletromagnética aceitável e a não ac'ei-

De qualquer maneira, é preciso ter certeza "eI


RS - Então, uaW .. de que os aparelhos estão realmente em Sim. Além de algumas normas
vido de ajustes internos com chips fo i, conformidade com tais normas. internacionais, o Ministério da Saúde, no
equipamento, mais vulnerável ele vai Brasil, adotou os limites de emissão e
a nter suscetibilidade prescritos na Norma
Os equipamentos microcon- ior para a existência de interferênr Colateral' Compatitili'd'ad'e Eletromagné-
trolados possuem verdadeiros computa- letromaqnética? Em que locais o tica, Prescrições e Ensaios em Equioamen-
dores em seu interior, que podem realizar qen tosEletromeclicos, NBR-IEC 60601-1-2,
grandes quantidades de cálculos, armaze- Todo ambiente em que há gran- da ABNT (São Paulo, 1996). Todos
nar informações em memórias, controlar ou- de concentração de equipamentos os equipamentos eletromédicos comercia-
:

d
o
lizados legalmente no Pais devem atender trar o fenômeno com conhecimento e responsabilidade, seguindo as regras aqui des-
às determinações dessa norma, o que é critas.
o
verificado no momento de seu registro no
Ministério da Saúde. Um certificado de
- conformidade, emitido por um organismo
de certificação credenciado pelo
PARA SABER MAIS
INMETRO, deve ser apresentado como
parte dos documentos exigidos para a
Baba, 1.; Furuhata, H.; Kano, T i Watanabe, 5.; Ito, T,; Nojima, 1.; Tsubota,
obtenção do registro.
S. Experimental Study of Electromagnetic Interference from Ceilular Phone
with Electronic Medical Equipment, Journal 0/ Clínica! Eagineering,
RS - O que podemos fazer para dimi-
march/april, 1998, p. 122-134.
nuir os riscos para o paciente, tornando
mais segura a avaliação dos dados emiti-
Boyd, S.; Boivin, W.; Coletta, J.; Harris, C.; Neubaner, L. Documenting
dos pelos monitores?
Radiated Electromagnetic Field Strenght in the Hospital Environment,
Mühlen - Evitar a proximidade de todo
Journal o/ Clínica! Engineering, march/april, 1999,
p. 124-132.
equipamento eletrônico que não seja im-
prescindível no ambiente médico; alimen-
Casamento, J.; Ruggera, P. Applying Standardized Electromagnetic Com-
tar aparelhos interferentes (como os bistu-
patibility Testing Methods for Evaluating Radiofrequency Interíerence
ris elétricos) em tomadas de circuitos dis-
with Ventilators, Biomeclical !nstrumentatíon & Teclino!ogy, september/
tintos dos de equipamentos de monito-
october, 1996, p. 418-425.
ração ou medição (a exemplo de monitores
cardíacos ou oxímetros de pulso); priorizar
David, Y.; Bukahari, 5.; Paperman, D. Management of Electromagnetic
a comunicação pelo telefone fixo, evitan-
1 nteríerence at a Hospital, Journa! o/Clínica! Engineering, march/april,
do, ao máximo, a telefonia móvel; manter
2000, p. 95-103.
celulares desligados nos locais de maior
concentração de equipamentos eletromé-
Kimel, W.; Gerke, D. E!ectromagnetic Compatibility ia Medica!
d icos; somente adquirir novas máquinas que
Equinient. A Guicle for Designers and lnstallers, 1 EEE, 1 nc, 1995,
estejam em conformidade com a legislação
New York, p. 3-20.
de segurança em vigor; realizar periodica-
mente manutenção preventiva nos apare-
Silberberg, J. Performance Degradation of Electronic Medical Devices Due
lhos e nas instalações para minimizar a ocor-
to Electromagnetic Interíerence, Comphance Engineeríng, vol, X, n° 5,
rência de interferências causadas por mau
fali 1993.
funcionamento dos dispositivos de prote-
ção e segurança; treinar as equipes de tra-
AHA, Electromagnetic Interference: Causes and Concerns in the Health
balhadores das unidades de saúde (médi-
C are Environment, Hea!tlicare Facilities Management Series, Texas,
cos, profissionais de Enfermagem, estudan-
1994, p. 1-15.
tes, pessoal da limpeza e técnicos de ma-
nutenção) sobre os riscos das interferên-
cias eletromagnéticas. Em resumo, o uso
de telefonia móvel no hospital não resulta
obrigatoriamente na EMI, com prejuízo AUTORIA
para o paciente, mas aumenta bastante sua
probabilidade. Por outro lado, não se tra- Entrevista concedida a Maria Isabel Pedreira de Freitas Ceribeili, enfermeira e
ta de jogar fora todos os equipamentos professora doutora do Departamento de Enfermagem da Faculdade de Ciências
médicos que apresentarem sintomas de in- Médicas da Universidade Estadual de Campinas e membro do Conselho Editorial
terferência - o melhor remédio é adminis- da Revista SOBECC

Você também pode gostar