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Superior Tribunal de Justiça

RECURSO ESPECIAL Nº 1.381.606 - DF (2013/0058831-6)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


R.P/ACÓRDÃO : MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA
RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE S/A
ADVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
ANTONIO CARLOS DANTAS RIBEIRO E OUTRO(S)
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S)
ADVOGADA : ADRIANA BARBOSA DE CASTRO E OUTRO(S)
ADVOGADOS : CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
RAFAEL MAGALHÃES MARTINS E OUTRO(S)
ASSISTENTE : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR -
FENASAÚDE
ADVOGADOS : GUILHERME VALDETARO MATHIAS
ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA
ANDRÉ TAVARES
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA
SÉRGIO BERMUDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO
DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
EMENTA
DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA DE
REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. SEGURADO IDOSO.
DISCRIMINAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
1. Nos contratos de seguro de saúde, os valores cobrados a título de prêmio
devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco
coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.
2. O aumento da idade do segurado implica a necessidade de maior assistência
médica. Em razão disso, a Lei n. 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da
mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do
segurado.
Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a
discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que
deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto.
Na hipótese dos autos, o aumento do valor do prêmio decorreu do maior risco, ou
seja, da maior necessidade de utilização dos serviços segurados, e não do simples
advento da mudança de faixa etária.
3. Se o reajuste está previsto contratualmente e guarda proporção com o risco e
se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/1998, o aumento é
legal.
4. Recurso especial conhecido e provido em parte.

ACÓRDÃO
Documento: 1266615 - Inteiro Teor do Acórdão - Site certificado - DJe: 31/10/2014 Página 1 de 6
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Vistos, relatados e discutidos estes autos em que são partes as acima indicadas,
acordam os Ministros da TERCEIRA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade
dos votos e das notas taquigráficas a seguir, prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr.
Ministro João Otávio de Noronha, renovou-se o julgamento. Após a sustentação oral, a Terceira por
maioria, dar parcial provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio
de Noronha, que lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso
Sanseverino. Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha, os Srs. Ministros Ricardo Villas
Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.

Brasília (DF), 07 de outubro de 2014(Data do Julgamento)

MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Relator

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.381.606 - DF (2013/0058831-6)

RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE


ADVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
ANTONIO CARLOS DANTAS RIBEIRO E OUTRO(S)
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S)
ADVOGADA : ADRIANA BARBOSA DE CASTRO E OUTRO(S)
ADVOGADOS : CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
RAFAEL MAGALHÃES MARTINS E OUTRO(S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO
DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)

RELATÓRIO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cuida-se de recurso especial interposto por SUL AMÉRICA COMPANHIA DE


SEGURO SAÚDE, com fundamento no art. 105, III, “a” e “c”, da CF, contra acórdão proferido
pelo TJ/DF.
Ação: civil pública, ajuizada pela ACODE – ASSOCIAÇÃO DOS
CONSUMIDORES EXPLORADOS DO DISTRITO FEDERAL em desfavor da recorrente,
objetivando, com base no art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, a declaração de nulidade da
cláusula inserida nos contratos de seguro saúde celebrados pela seguradora, autorizando o
aumento das mensalidades dos usuários com 60 anos ou que venham a completar essa idade na
vigência do vínculo contratual.
Sentença: julgou procedente o pedido, para declarar a nulidade da cláusula
contratual que assegura à recorrente o direito de elevar as mensalidades quando o segurado
alcança a idade de 60 anos – inclusive nos instrumentos celebrados antes da vigência do Estatuto
do Idoso, desde que os respectivos segurados tenham completado os 60 anos após a entrada em
vigor da referida lei – condenando-a a restituir aos consumidores lesados o valor das diferenças
apuradas (fls. 394/405, e-STJ).
Acórdão: o TJ/DF negou provimento ao apelo da recorrente, nos termos do
acórdão (fls. 527/535, e-STJ) assim ementado:

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DIREITO CIVIL. REVISÃO DE CONTRATO. PLANO DE SAÚDE.


REAJUSTE POR FAIXA; ETÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. VIOLAÇÃO AO
ESTATUTO DO IDOSO. NORMA DE ORDEM PÚBLICA.
1. O prazo prescricional, quando a pretensão da autora é a revisão das
cláusulas que entende abusivas, em seu contrato de plano de saúde, deve estar
amparado no artigo 206, § 30, inciso IV, do Código Civil que afirma que a pretensão
de ressarcimento de enriquecimento sem causa prescreve em 03 (três) anos.
2. O Estatuto do Idoso, por se tratar- de norma de ordem- pública, é aplicável
inclusive aos contratos de planos de saúde entabulados antes de sua entrada em
vigor.
3. Por força do disposto no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do
Consumidor, impõe-se o reconhecimento da nulidade das cláusulas de plano de saúde
que permitem o reajuste das mensalidades com base na-faixa etária do associado,
porquanto contrariam manifestamente a norma inserta no artigo 15, § 3, do Estatuto
do Idoso.
4. Preliminar rejeitada. Recurso conhecido e não provido. Unânime.

Embargos de declaração: interpostos pela recorrente, foram rejeitados pelo


TJ/DF (fls. 543/549, e-STJ).
Recurso especial: alega violação dos arts. 535, II, do CPC; 6º da Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga LICC); 15 e 35-E da Lei nº 9.656/98; 206, §
1º, II, “b”, do CC/02; e 51 do CDC, bem como dissídio jurisprudencial (fls. 556/582, e-STJ).
Prévio juízo de admissibilidade: o TJ/DF negou seguimento ao recurso (fls.
661/664, e-STJ), dando azo à interposição do AREsp 306.800/DF, provido para determinar sua
reautuação como especial (fl. 728, e-STJ).
É o relatório.

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RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO
DISTRITO FEDERAL
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VOTO

A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relator):

Cinge-se a lide a determinar a aplicabilidade do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso


aos contratos firmados antes da sua entrada em vigor, notadamente no que se refere às cláusulas
que autorizam a majoração do valor da mensalidade do seguro saúde em virtude do segurado ter
completado 60 anos de idade. Preliminarmente, cumpre verificar a existência de negativa de
prestação jurisdicional e de prescrição.

I. Do sobrestamento do processo.

Preliminarmente, registro o protocolo de petição pela recorrente, por meio da qual


requer seja determinada a remessa dos presentes autos à origem, a fim de que se aguarde o
julgamento do RE 630.852/RS, no âmbito do qual o STF reconheceu a repercussão geral em
relação à incidência retroativa do Estatuto do Idoso a contratos de plano de saúde.
Na realidade, o processo que justificaria a suspensão deste julgamento seria o RE
578.801/RS, no qual o STF reconheceu a existência de repercussão geral especificamente no que
se refere à aplicação retroativa da Lei nº 9.656/98, objeto do presente recurso especial.
Seja como for, a Corte Especial do STJ, no julgamento dos AgRg nos EREsp

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1.149.594/RS e 1.142.490/RS, Rel. Min. Luiz Fux e Castro Meira, DJe de 08.11.2010,
consolidou o entendimento de que o reconhecimento da repercussão geral pelo STF, com fulcro
no artigo 543-B, do CPC, não tem o condão de sobrestar o julgamento dos recursos especiais
pertinentes.
Isso porque, os artigos 543-A e 543-B do CPC asseguram apenas o
sobrestamento de eventual recurso extraordinário, interposto contra acórdão proferido pelo STJ
ou por outros tribunais, versando sobre controvérsia de índole constitucional cuja repercussão
geral tenha sido reconhecida pelo Pretório Excelso.
Em outras palavras, o sobrestamento do feito, ante o reconhecimento da
repercussão geral, configura questão a ser apreciada tão somente no momento do exame de
admissibilidade de eventual recurso dirigido ao STF.
Não se ignora o fato de que alguns Ministros integrantes da 4ª Turma têm optado
por determinar a baixa à origem de processos que se encontrem nessa situação, mas se trata de
decisão discricionária do Relator, conforme as peculiaridades de cada caso, sendo certo que na
espécie não se verifica nenhum motivo plausível a justificar o sobrestamento.
Diante disso, rejeito o pedido e prossigo no julgamento do recurso.

II. Da negativa de prestação jurisdicional. Violação do art. 535, II, do CPC.

Da análise do acórdão recorrido, constata-se que a prestação jurisdicional dada


corresponde àquela efetivamente objetivada pelas partes, sem vício a ser sanado, O TJ/DF se
pronunciou de maneira a abordar todos os aspectos fundamentais do julgado, dentro dos limites
que lhe são impostos por lei, tanto que integram o objeto do próprio recurso especial e serão
enfrentados adiante.
O não acolhimento das teses contidas no recurso não implica obscuridade,
contradição ou omissão, pois ao julgador cabe apreciar a questão conforme o que ele entender
relevante à lide. Não está o Tribunal obrigado a julgar a matéria posta a seu exame nos termos
pleiteados pelas partes, mas sim com o seu livre convencimento, consoante dispõe o art. 131 do
CPC.

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No mais, pacífico no STJ o entendimento de que os aclaratórios, mesmo quando
manejados com o propósito de prequestionamento, são inadmissíveis se a decisão embargada
não ostentar os vícios que autorizariam a sua interposição.
Constata-se, em verdade, a irresignação da recorrente com o resultado do
julgamento e a tentativa de emprestar aos embargos de declaração efeitos infringentes, o que se
mostra inviável no contexto do art. 535 do CPC.

III. Da prescrição. Violação do art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02.

Na ótica da recorrente, o comando do art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02, incidiria
em “toda e qualquer pretensão do segurado contra o segurador”, ressalvando que “mesmo sendo
aplicável o prazo prescricional constante do § 3º do referido art. 206 em relação à pretensão
revisional, este não se aplica, de modo algum, à pretensão de devolução dos valores pagos pelos
segurados” (fl. 570, e-STJ).
A presente ação pretende seja reconhecida, à luz do Estatuto do Idoso e do CDC,
a abusividade de cláusula contratual, com o consequente ressarcimento dos segurados que
tiverem sido lesados.
Todavia, nenhuma dessas normas contém previsão específica acerca do prazo
prescricional aplicável à hipótese dos autos. Não se ignora a previsão contida no art. 27 do CDC,
mas seu campo de incidência fica restrito às ações de reparação de danos causados por fato do
produto ou do serviço, do que não se cogita na espécie.
Por outro lado – sendo o CDC lei especial para as relações de consumo – as
quais não deixam de ser, em sua essência, relações civis – e o Código Civil, lei geral sobre direito
civil, convivem ambos os diplomas legislativos no mesmo sistema, de modo que, em casos de
omissão da lei consumerista, afigura-se perfeitamente possível a aplicação do CC/02.
Não se olvide que o art. 7º do CDC caracteriza esse diploma legal como uma
codificação aberta, estabelecendo o denominado diálogo de fontes, de modo que toda lei que
garanta algum direito ao consumidor poderá se somar a seu microssistema.
Conforme anotam Cláudia Lima Marques, Antônio Herman Benjamin e Bruno

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Miragem, “o CDC é um sistema permeável, não exaustivo, daí determinar o art. 7º que se utilize a
norma mais favorável ao consumidor, encontre-se ela no CDC ou em outra lei geral, lei especial
ou tratado do sistema de direito brasileiro (Comentários ao Código de Defesa do Consumidor.
São Paulo: RT, 2003, p. 185).
Em outras palavras, esse permeabilidade do CDC, voltada para proteger o sujeito
dos direitos fundamentais, ou seja, o consumidor, permite que o Código Civil, ainda que lei geral,
encontre aplicação nas relações de consumo, quando importante para a consecução dos
objetivos da norma consumerista.
Outro não é o entendimento do STJ, conforme se depreende dos seguintes
precedentes: REsp 995.995/DF, 3ª Turma, minha relatoria, DJe de 16.11.2010; e REsp
1.261.469/RJ, 3ª Turma, Rel. Min. Ricardo Villas Bôas Cueva, DJe de 19.10.2012.
Dessa forma, frente à lacuna existente, tanto no Estatuto do Idoso, quanto no
CDC, no que concerne ao prazo prescricional aplicável em hipóteses em que se pleiteia a
devolução de valores indevidamente cobrados, bem como considerando a subsidiariedade do
Código Civil às relações de consumo, deve-se aplicar, na espécie, o prazo prescricional de 03
anos previsto no art. 206, § 3º, IV, do CC/02.
Aliás, a própria recorrente fundamenta sua tese recursal na aplicação subsidiária
do CC/02, divergindo apenas com relação a qual regra do art. 206 incidiria na hipótese específica
dos autos.
Nesse aspecto, ao contrário do que sustenta, o art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02
não se aplica a toda e qualquer pretensão do segurado frente à seguradora. A leitura do
dispositivo legal evidencia que este incide apenas em situações envolvendo sinistro.
Por outro lado, igualmente equivocada a sua alegação genérica – sem apontar a
qual inciso estaria se referindo – de que o prazo prescricional do art. 206, § 3, do CC/02 não se
aplicaria à pretensão de devolução dos valores pagos pelos segurados.
Como destacado pelo TJ/DF, essa pretensão se enquadra no inciso IV do art.
206, § 3º, do CC/02, relativo à pretensão de ressarcimento de enriquecimento sem causa ou, ao
menos, no inciso V do mesmo parágrafo, relacionado à pretensão de reparação civil, ambas
sujeitas ao prazo prescricional de 03 anos.

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Seja como for, inexiste violação do art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02.

IV. Da incidência do comando do art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso.


Violação dos arts. 6º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (antiga
LICC); 15 e 35-E da Lei nº 9.656/98; e 51 do CDC.

A recorrente defende a inaplicabilidade do Estatuto do Idoso aos contratos


celebrados antes da sua entrada em vigor. Afirma que haveria violação de ato jurídico perfeito, do
direito adquirido e de expressa disposição legal, além de desvirtuamento da natureza do contrato
e prejuízo para o seu equilíbrio.
De início, noto que o art. 35-E da Lei nº 9.656/98 está com eficácia suspensa em
razão de decisão proferida pelo Pleno do STF na MC na ADI 1.931/DF, circunstância que
inviabiliza a análise do recurso especial à luz do referido dispositivo legal.
O Estatuto do Idoso contém disciplina contrária à legislação que rege os planos de
saúde, vedando, a partir dos 60 anos de idade, o reajuste das mensalidades dos contratos de
assistência à saúde em razão exclusiva de mudança de faixa etária.
A perspectiva adotada pelo TJ/DF, ditada pelo princípio da aplicação imediata da
lei, confere a possibilidade de condicionar a incidência da cláusula de reajuste por faixa etária
igual ou superior a 60 anos ao momento não da celebração do contrato, e sim de quando a
aludida idade foi atingida. Se o consumidor, usuário do plano de saúde, atingiu a idade de 60 anos
já na vigência do Estatuto do Idoso, fará ele jus ao abrigo da referida regra protetiva.
Nesse contexto, o primeiro aspecto a ser levado em consideração é o de que a
cláusula de reajuste por faixa etária possui caráter aleatório, ficando, pois, o seu aperfeiçoamento
condicionado a evento futuro e incerto, ou seja, não sabemos se o segurado alcançará a idade
preestabelecida na cláusula contratual.
Assim, até que o contratante atinja o patamar etário predeterminado, os efeitos da
cláusula permanecerão condicionados a evento futuro e incerto, não se caracterizando o ato
jurídico perfeito, tampouco se configurando o direito adquirido da operadora de receber os
valores de acordo com o reajuste predefinido.

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No processo em julgamento, tem-se a controvérsia instaurada porque os fatos
nascidos na lei antiga, a partir, portanto, da pactuação, produzem efeitos sob a égide da lei nova.
Isso ocorre porque a previsão de reajuste contida na cláusula depende de um elemento básico
prescrito na lei, isto é, o direito está sujeito, conforme já mencionado, à ocorrência de um fato
futuro e incerto exigido pela lei, e o contrato só poderá operar seus efeitos, nesse ponto, quando
satisfeita a condição contratual e legal, qual seja, completar o segurado a idade de 60 anos.
Portanto, se o implemento da idade de 60 anos, que confere à pessoa a condição
jurídica de idosa, realizou-se sob a égide da Lei nova, não estará o consumidor usuário do plano
de saúde sujeito ao reajuste estipulado no contrato e permitido pela lei antiga. Estará amparado
pela Lei nova.
Diante disso, não se vislumbra violação do art. 6º da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro (antiga LICC), porque a aplicação da Lei nova, no particular, não prejudica
o ato jurídico perfeito ou o direito adquirido.

A questão também deve ser apreciada à luz da própria natureza dos contratos de
assistência à saúde, perspectiva essa adotada no recente julgamento, por esta 3ª Turma, do REsp
1.228.904/SP, de minha relatoria, DJe de 08.03.2013, no qual se concluiu que “o surgimento de
norma cogente (impositiva e de ordem pública), posterior à celebração de contrato de trato
sucessivo, como acontece com o Estatuto do Idoso, impõe-lhe aplicação imediata, devendo
incidir sobre todas as relações que, em execução contratual, realizarem-se a partir da sua
vigência, abarcando os planos de saúde, ainda que firmados anteriormente à vigência do Estatuto
do Idoso”.
Os contratos de assistência à saúde envolvem a transferência onerosa de riscos
que possam afetar o futuro bem-estar físico e psicológico do segurado e seus dependentes,
mediante a prestação de serviços de assistência médico-ambulatorial e hospitalar, diretamente ou
por rede credenciada, ou ainda pelo simples reembolso das despesas.
Como característica principal, sobressai o fato de envolver execução periódica ou
continuada. Por se tratar de contrato de fazer de longa duração, que se prolonga no tempo, os
direitos e obrigações dele decorrentes são exercidos por prazo indeterminado e sucessivamente:

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mês a mês o consumidor efetua o pagamento das mensalidades para ter acesso à cobertura
contratualmente prevista, o que, em contrapartida, lhe assegura o direito de, também mês a mês,
ter prestada a assistência à saúde tal como estabelecida na lei e no contrato.
Dessarte, ao firmar o contrato de assistência à saúde, o consumidor tem como
objetivo primordial a garantia de que, no futuro, quando ele e/ou sua família necessitarem, será
dada a cobertura nos termos em que contratada. A operadora, por sua vez, a qualquer momento,
pode ser acionada, desde que receba mensalmente o valor estipulado na avença.
Portanto, também sob essa ótica – de os contratos de assistência à saúde serem
de trato sucessivo – não se verifica violação de ato jurídico perfeito ou de direito adquirido.

Ademais, para além da continuidade na prestação, assume relevância a


denominada catividade do contrato de assistência à saúde, presente na relação de consumo
havida entre as partes. O convívio ao longo de anos a fio gera expectativas para o consumidor
quanto à manutenção da prestação do serviço, com qualidade e equilíbrio econômico. Esse
vínculo de convivência e dependência, movido com a clara finalidade de alcançar segurança e
estabilidade, reduz o consumidor a uma posição de cativo do fornecedor.
Após anos pagando regularmente sua mensalidade e cumprindo outros requisitos
contratuais, não mais interessa ao consumidor desvencilhar-se do contrato, mas sim que suas
expectativas quanto à qualidade do serviço oferecido e à relação de custo-benefício sejam
mantidas, notadamente quando atinge idade em que essas preocupações já não mais deveriam lhe
açodar.
Nessa condição, a única opção aceitável para o consumidor idoso passa a ser a
manutenção da relação contratual, para que tenha assegurado seu bem-estar nessa fase da vida.
Ele deposita confiança nessa continuidade.
Os serviços cativos assumiram indiscutível importância na sociedade de consumo
em que atualmente vive a humanidade, pois passaram a ser imprescindíveis para a vida e conforto
do homem, havendo grande estímulo ao aparecimento desse tipo contratual, socialmente relevante
e merecedor de respostas equitativas do Judiciário quando provocado a se manifestar.
O próprio art. 15 da Lei nº 9.656/98 já reconhecia e protegia a catividade para

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idosos, tanto que em seu parágrafo único veda a variação de contraprestações pecuniárias
previstas no caput para consumidores com mais de 60 anos de idade detentores de planos
privados de assistência à saúde há mais de dez anos.
Não se ignora as ressalvas feitas pela recorrente quanto à álea e ao equilíbrio dos
contratos de assistência à saúde, mas a partir das considerações tecidas acima, constata-se que a
idade do segurado, notadamente o seu enquadramento na condição jurídica de idoso, não deve
ser tomada isoladamente como um fator objetivo de risco atribuível de maneira exclusiva ao
segurado individualmente considerado.
Embora seja indiscutível que, à medida que a idade avança, a chance de utilização
do plano de saúde aumenta, esse risco, a partir dos 60 anos de idade, deve ser diluído entre os
participantes mais jovens do grupo segurado, tendo em vista a maior catividade do idoso e,
principalmente, a importância social que a assistência à saúde tem para os mais velhos.
Em outras palavras, na realização dos cálculos atuariais, o aumento de custo
representado pelo incremento da idade para além dos 60 anos deve ser repartido entre todos os
segurados, de modo a que não haja sobrecarga de preço para os idosos.
Aliás, conforme se depreende da tabela transcrita na sentença, retirada da própria
cláusula contratual em discussão, esse raciocínio já vinha sendo aplicado pela recorrente, apenas
de forma diferida no tempo, isto é, ao invés dos aumentos cessarem aos 60 anos, eles cessam aos
70 anos de idade.
Ora, partindo do argumento da própria recorrente – de que, como o reajuste por
faixa etária advém da natureza do contrato, o aumento da idade implica inexorável elevação do
risco segurado – o seu contrato deveria prever novos aumentos para outras faixas etárias: de 70 a
79 anos, de 80 a 89 anos, e assim por diante.
E por que não há essa previsão? Justamente porque, a partir dos 70 anos, a
recorrente suspende os aumentos de prêmio por idade, sendo certo que, a partir daí, o inevitável
incremento de custos é, necessariamente, diluído entre os demais segurados.
Conclui-se, portanto, que o Estatuto do Idoso não inovou quando impôs que, a
partir de um dado momento, a elevação de custos advinda do envelhecimento dos segurados seja
suspensa (e consequentemente diluída entre os demais segurados). Na realidade, o legislador

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apenas fixou como marco inicial desse rateio a idade de 60 anos, fazendo coincidir, por
coerência, com o momento em que as pessoas passam a ser juridicamente consideradas idosas.
Nem se diga que a aplicação dessa premissa para grupos já existentes – derivada
da incidência imediata do Estatuto do Idoso – seria impossível, pois, dada a rotatividade dos
grupos, com a constante entrada e saída de segurados, nada impede a administradora de rever os
prêmios a serem pagos pelos novos aderentes ou, no limite, até mesmo promover a
reestruturação total do grupo, mediante demonstração da inviabilidade financeira de
implementação da política de distribuição dos custos decorrentes do aumento da idade.
Na realidade, ao que parece, há certa conveniência na metodologia de cálculo
empregada pelas operadoras, que privilegia o ingresso de novos segurados, mais jovens, ainda
que cobrando um prêmio menor, estimulando a saída dos segurados antigos, idosos, que, mesmo
pagando mais caro, representam elevado custo.
Seja como for, resta demonstrado que a incidência imediata do Estatuto do Idoso
não desvirtua a natureza dos contratos firmados antes da sua entrada em vigor, tampouco
prejudica de forma indelével o equilíbrio financeiro do grupo de segurados.
Em síntese, não se vislumbra violação dos arts. 6º da Lei de Introdução às Normas
do Direito Brasileiro (antiga LICC); 15 da Lei nº 9.656/98; e 51 do CDC.

Noto, por fim, que não se está aqui alçando o idoso à condição que o coloque
acima do sistema privado de planos de assistência à saúde, permanecendo ele sujeito a todo o
regramento emanado em lei e decorrente das estipulações dos contratos que entabular,
ressalvada a constatação de abusividade que, como em qualquer contrato de consumo que busca
primordialmente o equilíbrio entre as partes, restará afastada por norma de ordem pública.

Forte nessas razões, NEGO PROVIMENTO ao recurso especial.

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CERTIDÃO DE JULGAMENTO
TERCEIRA TURMA

Número Registro: 2013/0058831-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.381.606 / DF

Números Origem: 1163355 157619220068070001 163351820068070001 20060110163355


20060110163355AGS 26978

PAUTA: 24/09/2013 JULGADO: 24/09/2013

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI
Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO
Subprocurador-Geral da República
Exmo. Sr. Dr. MAURÍCIO VIEIRA BRACKS
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE
ADVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
ANTONIO CARLOS DANTAS RIBEIRO E OUTRO(S)
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S)
ADVOGADA : ADRIANA BARBOSA DE CASTRO E OUTRO(S)
ADVOGADOS : CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
RAFAEL MAGALHÃES MARTINS E OUTRO(S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO DISTRITO
FEDERAL
ADVOGADO : AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

SUSTENTAÇÃO ORAL
Dr(a). GUILHERME VALDETARO MATHIAS, pela parte RECORRENTE: SUL AMÉRICA
COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Após o voto da Sra. Ministra Nancy Andrighi, negando provimento ao recurso especial,
pediu vista o Sr. Ministro João Otávio de Noronha.
Aguardam os Srs. Ministros Sidnei Beneti e Paulo de Tarso Sanseverino. Ausente,
justificadamente, o Sr. Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva.

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RECURSO ESPECIAL Nº 1.381.606 - DF (2013/0058831-6)

RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI


RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE S/A
ADVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
ANTONIO CARLOS DANTAS RIBEIRO E OUTRO(S)
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S)
ADVOGADA : ADRIANA BARBOSA DE CASTRO E OUTRO(S)
ADVOGADOS : CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
RAFAEL MAGALHÃES MARTINS E OUTRO(S)
ASSISTENTE : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR -
FENASAÚDE
ADVOGADOS : GUILHERME VALDETARO MATHIAS
ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA
ANDRÉ TAVARES
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA
SÉRGIO BERMUDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO
DISTRITO FEDERAL
ADVOGADO : AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)
EMENTA

DIREITO CIVIL. CONSUMIDOR. PLANO DE SAÚDE. CLÁUSULA DE


REAJUSTE POR MUDANÇA DE FAIXA ETÁRIA. SEGURADO IDOSO.
DISCRIMINAÇÃO. INEXISTÊNCIA.
1. Nos contratos de seguro de saúde, os valores cobrados a título de prêmio
devem ser proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento risco
coberto. Maior o risco, maior o valor do prêmio.
2. O aumento da idade do segurado implica a necessidade de maior assistência
médica. Em razão disso, a Lei n. 9.656/1998 assegurou a possibilidade de reajuste da
mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da mudança de faixa etária do
segurado.
Essa norma não confronta o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a
discriminação consistente na cobrança de valores diferenciados em razão da idade.
Discriminação traz em si uma conotação negativa, no sentido do injusto, e assim é que
deve ser interpretada a vedação estabelecida no referido estatuto.
Na hipótese dos autos, o aumento do valor do prêmio decorreu do maior risco, ou
seja, da maior necessidade de utilização dos serviços segurados, e não do simples
advento da mudança de faixa etária.
3. Se o reajuste está previsto contratualmente e guarda proporção com o risco e
se foram preenchidos os requisitos estabelecidos na Lei n. 9.656/1998, o aumento é
legal.
4. Recurso especial conhecido e provido em parte.

VOTO-VISTA
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O EXMO. SR. MINISTRO JOÃO OTÁVIO DE NORONHA:

ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO DISTRITO


FEDERAL propôs ação civil pública em desfavor de Sul América Companhia de Seguro Saúde S/A,
pretendendo ver declarada a nulidade das cláusulas dos contratos de seguro saúde que preveem
reajuste dos valores dos prêmios no tocante aos usuários com mais de 60 anos de idade.

Para tanto, a associação sustentou violação do art. 15, § 3º, da Lei n. 10.741/2003,
afirmando que essa lei revogou tacitamente o art. 15, parágrafo único, da Lei n. 9.656/1998.

A ação foi julgada procedente em primeira instância, e a sentença foi confirmada pelo
Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios.

No que interessa à divergência suscitada, o acórdão recorrido embasou sua decisão em


dois aspectos, conforme exposto a seguir:

"O Estatuto do Idoso, por se tratar de norma de ordem pública, é aplicável


inclusive aos contratos de planos de saúde entabulados antes de sua entrada em
vigor.
3. Por força do disposto no artigo 51, inciso IV, do Código de Defesa do
Consumidor, impões-se o reconhecimento da nulidade das cláusulas de plano de
saúde que permitem o reajuste das mensalidades com base na faixa etária do
associado, porquanto contrariam manifestamente a norma inserta no artigo 15, § 3º,
do Estatuto do Idoso."

Assim, interpôs SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE recurso


especial fundado nas alíneas "a" e "c" do permissivo constitucional, argumentando que foram
vulnerados os seguintes dispositivos legais:

a) art. 535, II, do Código de Processo Civil já que houve omissão quanto à aplicação
retroativa da Lei n. 10.741/2003, sem que se tenha mencionado o ato jurídico perfeito e o direito
adquirido, questões interligadas à retroatividade da lei;

b) art. 6º da Lei de Introdução do Código Civil, pois o acórdão recorrido feriu o ato
jurídico perfeito e o direito adquirido;

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c) art. 51, VI, do Código de Defesa do Consumidor porquanto o reajuste por faixa etária
decorre da natureza do contrato;

d) arts. 15 e 35-E da Lei n. 9.656/1998 visto que os reajustes dos contratos sub judice
estão dentro dos parâmetros e limitações legais, observando-se, inclusive, a época de sua
comercialização;

e) arts. 206, § 1º, II, “b”, do Código Civil uma vez que o prazo prescricional para
restituição aos segurados dos valores pagos a maior é de um ano.

A Ministra relatora, na sessão de 29 de setembro de 2013, negou provimento ao recurso


especial. Então, para melhor análise das questões trazida a julgamento, pedi vista dos autos e, data
venia, opto por divergir.

Antes de apresentar minhas razões, esclareço que vou ater-me à questão da


possibilidade de reajuste do valor do prêmio em relação aos idosos, pois, concordo como os
fundamentos referentes ao afastamento da alegada ofensa às disposições do art. 535, II, do Código
de Processo Civil e à inexistência de violação do art. 206, § 1º, II, “b”, do CC/02.

A discussão não é nova. Já tive oportunidade de sobre ela me manifestar na Quarta


Turma, no julgamento do REsp n. 866.840/SP, ocasião em que não apresentei voto escrito,
porquanto concordei plenamente com o voto vencedor, proferido pelo Ministro Raul Araújo, cujos
fundamentos, inclusive, vou aqui utilizar, pois perfeitamente pertinentes à causa.

Entendo serem necessários alguns comentários sobre o voto da Ministra Nancy


Andrighi no ponto em que divirjo.

No sistema sócio-econômico da sociedade brasileira atual, os meios de produção são,


em sua maioria, de propriedade privada. Assim, todo serviço oferecido à sociedade tem um custo
gerado com base nesse sistema, de forma que elementos como custos, percentual de lucro e preços
dos produtos são calculados conforme a capacidade da absorção do público-alvo, levando-se em
conta sua necessidade e possibilidade de pagamento, bem como a expectativa de lucros do
fornecedor.

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Em relação aos ditos planos de saúde, que tomaram um vulto nos últimos anos, pois
preenchem as frestas deixadas pelo Estado na assistência à saúde, é certo, como afirmou a Ministra
relatora, que “passaram a ser imprescindíveis para a vida e conforto do homem, havendo grande
estímulo ao aparecimento desse tipo contratual, socialmente relevante e merecedor de respostas
equitativas do Judiciário quando provocado a se manifestar”.

Contudo, essa resposta do Judiciário deve ponderar uma série de questões, primando
pela legalidade do ajuste de forma ampla. Isso, todavia, não significa a flexibilização de normas
jurídicas a ponto de impor o que a lei não previu.

Melhor esclareço: o cerne da demanda é o reconhecimento de impossibilidade de


reajuste do prêmio seguro-saúde a partir de quando o beneficiário completa 60 anos. Evidentemente
que essa restrição, se implementada, tem um custo, já que alguém terá de suportar em termos
financeiros a maior demanda dos idosos pelos serviços prestados, sem a contraprestação.

Concluiu a relatora que tal custo “deve ser diluído entre os participantes mais jovens do
grupo segurado, tendo em vista a maior catividade do idoso e, principalmente, a importância social
que a assistência à saúde tem para os mais velhos". Acrescenta: “[...] em outras palavras, na
realização dos cálculos atuariais, o aumento de custo representado pelo incremento da idade para
além dos 60 anos deve ser repartido entre todos os segurados, de modo a que não haja sobrecarga
de preço para os idosos”.

Ora, além de tal fundamento transbordar do objeto da lide, que não tratou da repartição
de custos dos planos, tal solução é impraticável num grupo de seguro-saúde já formado, o que, ao
fim, faria da prestação jurisdicional ofertada ineficaz.

Essa solução encontrada pela relatora, além de irregularmente redirecionar custos para
quem não foi parte na demanda, deixa de mensurar a capacidade contributiva dos demais
segurados.

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Ademais, do pondo de vista do contratante/consumidor, tem-se, normalmente, a seguinte


situação: ao contratar um seguro-saúde ou aderir a um plano de saúde, escolhe aquele que se
amolda a suas possibilidades financeiras, pois o valor do prêmio ou da mensalidade deve se ajustar
ao seu orçamento. O orçamento doméstico da classe média brasileira (grande usuária desse tipo de
serviço) é simples: faz-se um levantamento das despesas mensais, computando-se impostos, taxas
de serviços públicos, escola de filhos, aluguéis, transporte e plano de saúde.

Caso se aumente um dos itens, de onde esse consumidor irá tirar dinheiro suficiente
para pagar o plano com custos maiores que os contratados? Essa conta vai desaguar em algum
lugar. No mínimo, o segurado irá reduzir as possibilidades de seu plano ou rescindi-lo. Em muitos
casos, desamparam-se uns (os mais jovens e suas famílias) para pretensamente amparar outros, isto
é, os mais velhos.

Essa é uma solução rasa para uma situação complexa que envolve vários elementos,
além de ultrapassar o objeto do presente feito.

Até agora, os planos de saúde são ajustados de forma que aquele que apresente maior
risco – na verdade, que mais se utiliza do plano –, arque com os custos disso. Tal fato não é
discriminatório, pois não se está onerando uma pessoa pelo simples fato de ser idosa, mas
por demandar mais do serviço ofertado.

A discriminação, que é ato coibido por lei, é fomentada pelo preconceito, o qual, por sua
vez, localiza-se na esfera da consciência do indivíduo e, ao ser externado, acaba por ferir direitos
positivos.

Nesse sentido, se considerado que os aumentos dos planos de saúde visam cobrir a
maior demanda, não se pode falar em discriminação, que somente existiria na hipótese de o aumento
decorrer, pura e simplesmente, do advento da idade. Aí sim, seria violado o art. 15, § 3º, do Estatuto
do Idoso.

Outra hipótese de ferimento de disposições do Código de Defesa do Consumidor ocorre


quando os reajustes são abusivos, no sentido de o segurador ou admininstrador do plano
aproveitar-se do advento da idade do segurado para aumentar lucros, e não simplesmente para
cobrir despesas ou riscos maiores.
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Mas, na hipótese dos autos, o objeto restringe-se à análise da pretensa divergência entre
a Lei n. 9.656/1998 e o art. 15, § 3º, do Estatuto do Idoso, que veda a discriminação pela cobrança
de valores maiores no ditos planos de saúde.

Feitas essas considerações, volto ao objeto da minha divergência. Como afirmei, essa
matéria já foi decidida na Quarta Turma, sendo vencedor o voto do Ministro Raul Araújo, ao qual
somei o meu, e que utilizo como razão de decidir no presente feito. Confira-se o teor do julgado:
"De início, faz-se oportuna uma digressão sobre os contratos de seguro,
gênero no qual se inserem os seguros e planos de saúde.
O seguro, de acordo com Sérgio Cavalieri Filho 'é o contrato pelo qual o
segurador, mediante o recebimento de um prêmio, assume perante o segurado a
obrigação de pagar-lhe uma determinada indenização, prevista no contrato, caso o
risco a que está sujeito se materialize em um Sinistro. Segurador e segurado
negociam as consequências econômicas do risco, mediante a obrigação do segurador
de repará-las' (in Programa de Direito do Consumidor, 2ª edição, pág. 214).
Ainda segundo o renomado autor, são três os elementos essenciais do seguro:
o risco, a mutualidade e a boa-fé.
O primeiro elemento divide-se em: a) risco objetivo, que traduz as
circunstâncias fáticas que envolvem a coisa ou a pessoa segurada, influindo na
probabilidade de ocorrência do evento danoso; e b) risco subjetivo, que se relaciona
com as características pessoais do segurado, definindo o seu perfil.
A mutualidade, por sua vez, caracteriza-se por ser o 'elemento econômico do
seguro'. Sobre tal elemento, ensina o ilustre autor que:

'Quando falamos em mutualidade estamos falando de uma operação coletiva


de poupança. Um grupo de pessoas, expostas aos mesmos riscos, resolvem formar
um fundo capaz de cobrir os prejuízos que possam vir a sofrer. A toda evidência, a
contribuição de cada um para esse fundo será proporcional à gravidade do risco a
que está exposto. É possível prever, através de dados estatísticos e cálculos
atuariais, o número de sinistros que poderão ocorrer dentro de um determinado
período, os gastos que terão que ser feitos e a contribuição de cada uma'. (ob. cit.,
págs. 214/215)

Do terceiro elemento se tratará mais adiante.


O contrato de seguro de saúde, embora regido por legislação específica, segue
a mesma lógica, ou seja, é razoável que os valores pagos a título de prêmio ou
mensalidade sejam proporcionais ao grau de probabilidade de ocorrência do evento
risco coberto, além de outras circunstâncias relevantes normalmente já levadas em
conta por ocasião da contratação inicial do seguro, como, por exemplo, o nível de
qualidade da cobertura (v.g. enfermaria ou apartamento) e a abrangência da
cobertura (internações hospitalares, honorários médicos e seus limites, consultas
médicas etc). Maior o risco, maior o valor do prêmio.
Nessa esteira, é cediço que quanto mais avançada a idade do segurado,
independentemente de ser ele enquadrado ou não como idoso, nos termos do
respectivo Estatuto, maior será seu risco subjetivo, pois, normalmente, é provável
que a pessoa de mais idade necessite de serviços de assistência médica com maior
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frequência do que a pessoa que se encontre em uma menor faixa etária. Trata-se de
uma constatação natural, de um fato que se observa na vida e que pode ser
cientificamente confirmado.
Por isso mesmo, os contratos de seguro de saúde normalmente trazem
cláusula prevendo reajuste em função do aumento da idade do segurado.
Atento a tal circunstância, veio o legislador a editar a Lei Federal nº 9.656/98,
rompendo o silêncio que até então mantinha acerca do tema, preservando a
possibilidade de reajuste da mensalidade de plano ou seguro de saúde em razão da
mudança de faixa etária do segurado, estabelecendo, contudo, algumas restrições a
tais reajustes. É o que se depreende da leitura dos seguintes dispositivos:

Art. 14. Em razão da idade do consumidor, ou da condição de pessoa


portadora de deficiência, ninguém pode ser impedido de participar de planos
privados de assistência à saúde.
Art. 15. A variação das contraprestações pecuniárias estabelecidas nos
contratos de produtos de que tratam o inciso I e o § 1o do art. 1o desta Lei, em
razão da idade do consumidor, somente poderá ocorrer caso estejam previstas
no contrato inicial as faixas etárias e os percentuais de reajustes incidentes
em cada uma delas, conforme normas expedidas pela ANS, ressalvado o
disposto no art. 35-E. (Redação dada pela Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)
Parágrafo único. É vedada a variação a que alude o caput para consumidores
com mais de sessenta anos de idade, que participarem dos produtos de que tratam o
inciso I e o § 1o do art. 1o, ou sucessores, há mais de dez anos. (Redação dada pela
Medida Provisória nº 2.177-44, de 2001)

Tal possibilidade encontra-se também prevista no art. 35-E da referida lei


(antigo art. 35-G), dispositivo que, no entanto, está com a eficácia suspensa, por
motivos diversos dos alegados na presente ação, em razão de decisão proferida pelo
eg. Supremo Tribunal Federal, em medida cautelar na ADI nº 1.931.
Da leitura dos mencionados preceitos, vê-se que o próprio ordenamento
jurídico permite expressamente o reajuste das mensalidades em razão do ingresso do
segurado em faixa etária mais avançada em que os riscos de saúde são abstratamente
elevados, buscando, assim, manter o equilíbrio atuarial do sistema.
Sucede que, em aparente contradição com as disposições do art. 15
supratranscrito, adveio o chamado Estatuto do Idoso, Lei Federal n. 10.741/2003,
dispondo o seguinte:
Art. 15. É assegurada a atenção integral à saúde do idoso, por intermédio do
Sistema Único de Saúde – SUS, garantindo-lhe o acesso universal e igualitário, em
conjunto articulado e contínuo das ações e serviços, para a prevenção, promoção,
proteção e recuperação da saúde, incluindo a atenção especial às doenças que afetam
preferencialmente os idosos.
§ 1o A prevenção e a manutenção da saúde do idoso serão efetivadas por meio
de:
I – cadastramento da população idosa em base territorial;
II – atendimento geriátrico e gerontológico em ambulatórios;
III – unidades geriátricas de referência, com pessoal especializado nas áreas
de geriatria e gerontologia social;
IV – atendimento domiciliar, incluindo a internação, para a população que dele
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necessitar e esteja impossibilitada de se locomover, inclusive para idosos abrigados e
acolhidos por instituições públicas, filantrópicas ou sem fins lucrativos e
eventualmente conveniadas com o Poder Público, nos meios urbano e rural;
V – reabilitação orientada pela geriatria e gerontologia, para redução das
seqüelas decorrentes do agravo da saúde.
§ 2o Incumbe ao Poder Público fornecer aos idosos, gratuitamente,
medicamentos, especialmente os de uso continuado, assim como próteses, órteses e
outros recursos relativos ao tratamento, habilitação ou reabilitação.
§ 3o É vedada a discriminação do idoso nos planos de saúde pela cobrança de
valores diferenciados em razão da idade.
§ 4o Os idosos portadores de deficiência ou com limitação incapacitante terão
atendimento especializado, nos termos da lei.

Então é preciso encontrar um ponto de equilíbrio na interpretação de tais


comandos normativos a fim de se chegar a uma solução justa para os interesses em
conflito, envolvendo seguradoras e segurados idosos.
E é nesse ponto que entra o terceiro elemento do contrato do seguro, a boa-fé.
Sobre tal elemento, leciona Sérgio Cavalieri Filho que 'não basta que as partes
tenham boa intenção apenas na hora da celebração do contrato de seguro; a boa-fé
objetiva impõe um comportamento jurídico de lealdade e cooperação nos contratos,
não somente na hora da sua celebração, mas também durante toda a sua execução,
mormente naqueles contratos que se prolongam no tempo' (ob. cit., pág. 216).
É, portanto, com base em tais premissas que se deve interpretar o art. 15, §
3º, do Estatuto do Idoso, que veda 'a discriminação do idoso nos planos de saúde
pela cobrança de valores diferenciados em razão da idade'.
Ora, não se extrai de tal norma interpretação que determine, abstratamente,
que se repute abusivo todo e qualquer reajuste que se baseie em mudança de faixa
etária, como pretende o promovente desta ação civil pública, mas tão somente o
reajuste discriminante, desarrazoado, que, em concreto, traduza verdadeiro fator de
discriminação do idoso, justamente por visar dificultar ou impedir sua permanência
no plano.
A cláusula contratual que preveja aumento de mensalidade com base
exclusivamente em mudança de idade, visando forçar a saída do segurado idoso do
plano, é que deve ser afastada. Esse vício se percebe pela ausência de justificativa
para o nível do aumento aplicado, o que se torna perceptível sobretudo pela demasia
da majoração do valor da mensalidade do contrato de seguro de vida do idoso,
comparada com os percentuais de reajustes anteriormente postos durante a vigência
do pacto. Isso é que compromete a validade da norma contratual, por ser ilegal,
discriminatória.
Neste ponto, faz-se oportuna a transcrição de salutar lição do il. Professor
Celso Antônio Bandeira de Mello, a qual bem traduz os critérios a serem
considerados para se definir se uma regra se encontra em conformidade ou em
confronto com o princípio constitucional da isonomia, in verbis:

'Então, no que atina ao ponto central da matéria abordada procede afirmar: é


agredida a igualdade quando o fator diferencial adotado para qualificar os
atingidos pela regra não guarda relação de pertinência lógica com a inclusão
ou exclusão no benefício deferido ou com a inserção ou arredamento do

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gravame imposto.
Cabe, por isso mesmo, quanto a este aspecto, concluir: o critério
especificador escolhido pela lei, a fim de circunscrever os atingidos por uma
situação jurídica - a dizer: o fator de discriminação - pode ser qualquer elemento
radicado neles; todavia, necessita, inarredavelmente, guardar relação de
pertinência lógica com a diferenciação que dele resulta. Em outras palavras: a
discriminação não pode ser gratuita ou fortuita. Impende que exista uma
adequação racional entre o tratamento diferenciado construído e a razão diferencial
que lhe serviu de supedâneo. Segue-se que, se o fator diferencial não guardar
conexão lógica com a disparidade de tratamentos jurídicos dispensados, a
distinção estabelecida afronta o princípio da isonomia.' (in 'O Conteúdo Jurídico
do Princípio da Igualdade', Ed. Malheiros, 3a. ed. SP, 2010, p. 38)

Na esteira do ensinamento acima, não há como se considerar violador do


princípio da isonomia o reajuste, autorizado em lei, decorrente de mudança de faixa
etária, baseado no já mencionado natural incremento do elemento risco, pois
caracterizada a pertinência lógica que justifica tal diferenciação, máxime quando já
idoso o segurado.
O que não se mostra possível, de acordo com as regras do art. 15, § 3º, da Lei
Federal nº 10.741/2003 (Estatuto do Idoso) e do art. 14 da Lei Federal nº 9.656/98,
transcritos supra, por afrontar nitidamente o princípio da igualdade, repise-se, é que
a seguradora, em flagrante abuso do exercício de direito e divorciada da boa-fé
contratual, aumente sobremaneira a mensalidade dos planos de saúde, aplicando
percentuais desarrazoados, que constituam verdadeira barreira à permanência do
idoso no plano de saúde. Procedendo de tal forma, a seguradora criaria, em verdade,
fator de discriminação do idoso, com o objetivo escuso e ilegal de usar a majoração
para desencorajar o segurado a permanecer no plano, o que, evidentemente, não
pode ser tolerado.
Nesse contexto, deve-se admitir a validade de reajustes em razão da mudança
de faixa etária, que, como visto, se justifica em razão do aumento do risco subjetivo,
desde que atendidas certas condições, quais sejam: a) previsão no instrumento
negocial; b) respeito aos limites e demais requisitos estabelecidos na Lei Federal nº
9.656/98; e c) observância do princípio da boa-fé objetiva, que veda índices de
reajuste desarrazoados ou aleatórios, que onerem em demasia o segurado.
Portanto, não procede a pretensão deduzida na presente ação civil pública, no
sentido de ser declarada a nulidade das cláusulas dos contratos firmados entre a
sociedade empresária ré e todos os contratantes filiados à entidade-autora, que
estabelecem aumento em razão de mudança de faixa etária. Como visto, a decretação
de nulidade das cláusulas que prevejam majoração de mensalidade em razão da
mudança de faixa etária, além de contrariar a lógica atuarial do sistema securitário,
afronta a legislação regente da matéria, que expressamente prevê tal possibilidade de
reajuste, desde que respeitado o que nela está disposto.
O mesmo se pode dizer, sem indevida supressão de instância, acerca do
pedido subsidiário, também formulado na inicial, no qual a promovente requer, caso
o julgador 'não se convença da ilegalidade das cláusulas', seja 'fixada uma
percentagem determinada para os aumentos das mensalidades em virtude de
mudança de faixa etária, com base no que se apurar na fase instrutória' (e-STJ, fls.
39/40).

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Ora, se não se reconhece a ilegalidade da cláusula contratual, igualmente
improcedente é o pedido de o julgador, atuando como legislador, fixar um percentual
determinado para os aumentos das mensalidades, de forma prospectiva e rígida, sem
levar em conta a dinâmica do contrato de trato sucessivo. Tal negócio, como cediço,
pode ser afetado por mudanças no complexo quadro fático que envolve a relação
jurídica de direito material a ser regulada pela decisão. Trata-se, assim, de pretensão
incompatível com o reconhecimento da legalidade das cláusulas impugnadas.
Evidentemente, como se deixou registrado acima, caso algum consumidor
segurado perceba abuso no aumento de sua mensalidade, em razão de mudança de
faixa etária, aí sim poder-se-á cogitar de ilegalidade, cujo reconhecimento autorizará
o julgador a revisar o índice aplicado, seja em ação individual ou coletiva.
Diante do exposto, conheço e dou provimento ao recurso especial, para julgar
improcedente a ação civil pública, invertendo-se os ônus sucumbenciais.
É como voto."

Ante o exposto, conheço do recurso especial e dou-lhe provimento em parte, já


que divirjo, como afirmei acima, apenas na questão atinente à possibilidade de reajuste do
prêmio do seguro em razão da faixa etária.

É como voto.

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Número Registro: 2013/0058831-6 PROCESSO ELETRÔNICO REsp 1.381.606 / DF

Números Origem: 1163355 157619220068070001 163351820068070001 20060110163355


20060110163355AGS 26978

PAUTA: 07/10/2014 JULGADO: 07/10/2014

Relatora
Exma. Sra. Ministra NANCY ANDRIGHI

Relator para Acórdão


Exmo. Sr. Ministro JOÃO OTÁVIO DE NORONHA

Presidente da Sessão
Exmo. Sr. Ministro RICARDO VILLAS BÔAS CUEVA
Subprocuradora-Geral da República
Exma. Sra. Dra. LINDÔRA MARIA ARAÚJO
Secretária
Bela. MARIA AUXILIADORA RAMALHO DA ROCHA

AUTUAÇÃO
RECORRENTE : SUL AMÉRICA COMPANHIA DE SEGURO SAÚDE S/A
ADVOGADOS : FERNANDO NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
ANTONIO CARLOS DANTAS RIBEIRO E OUTRO(S)
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA E OUTRO(S)
ADVOGADA : ADRIANA BARBOSA DE CASTRO E OUTRO(S)
ADVOGADOS : CRISTINA MARIA GAMA NEVES DA SILVA E OUTRO(S)
RAFAEL MAGALHÃES MARTINS E OUTRO(S)
ASSISTENTE : FEDERAÇÃO NACIONAL DE SAÚDE SUPLEMENTAR - FENASAÚDE
ADVOGADOS : GUILHERME VALDETARO MATHIAS
ANDRÉ LUIZ SOUZA DA SILVEIRA
ANDRÉ TAVARES
LUIS FELIPE FREIRE LISBOA
SÉRGIO BERMUDES E OUTRO(S)
RECORRIDO : ASSOCIAÇÃO DOS CONSUMIDORES EXPLORADOS DO DISTRITO
FEDERAL
ADVOGADO : AUCELI ROSA DE OLIVEIRA E OUTRO(S)

ASSUNTO: DIREITO DO CONSUMIDOR - Contratos de Consumo - Planos de Saúde

CERTIDÃO
Certifico que a egrégia TERCEIRA TURMA, ao apreciar o processo em epígrafe na
sessão realizada nesta data, proferiu a seguinte decisão:
Prosseguindo no julgamento, após o voto-vista do Sr. Minsitro João Otávio de Noronha,

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Superior Tribunal de Justiça
renovou-se o julgamento. Após a sustentação oral, a Terceira Turma, por maioria, deu parcial
provimento ao recurso especial, nos termos do voto do Sr. Ministro João Otávio de Noronha, que
lavrará o acórdão. Vencidos os Srs. Ministros Nancy Andrighi e Paulo de Tarso Sanseverino.
Votaram com o Sr. Ministro João Otávio de Noronha, os Srs. Ministros Ricardo Villas Bôas Cueva
e Marco Aurélio Bellizze.

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