Você está na página 1de 58

UNIVERSIDADE DE COIMBRA

Faculdade de Direito
Doutoramento em Direito

ILDO FUCS

A TOLERÂNCIA COMO PRINCÍPIO NORMATIVO DO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

Coimbra
2020
ILDO FUCS
A TOLERÂNCIA COMO PRINCÍPIO NORMATIVO DO ESTADO DEMOCRÁTICO

DE DIREITO

Artigo apresentado ao Programa de Doutoramento em Direito da


Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, como requisito à
aprovação da disciplina Tolerância e Direito ministrada pela Profa.
Dra. Ana Margarida Simões Gaudêncio.

Coimbra
2020
RESUMO

O presente trabalho visa a discutir e analisar a tolerância como princípio normativo do Estado
Democrático de Direito. O texto destaca a evolução histórica da tolerância desde a sua
concepção subjetiva, na condição de virtude inserida no pensamento filosófico-clássico grego,
passando pelo seu cariz intersubjetivista nas relações religiosas até ser incorporado na Teoria
Política do Estado. Passa-se a travar uma reflexão da tolerância como princípio normativo, no
sentido jurisprudencialista do termo, afastando-se do binômio “regra-princípio” como norma
jurídica, estabelecido por outros pensamentos doutrinários do Direito. Estabelecem-se os
requisitos da tolerância, bem como a sua definição diante da sua conotação jurídica
preconizada, para, ao final, inseri-la dentro da principiologia reinante do Estado Democrático
de Direito.

Palavras-chave: Tolerância. Jurisprudencialismo. Princípio Normativo. Estado Democrático


de Direito.
SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO 5

2 TOLERÂNCIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, CONCEITO E FUNDAMENTOS 9

3 O PRINCÍPIO JURÍDICO NORMATIVO DA TOLERÂNCIA 28

4 TOLERÂNCIA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO 44

5 CONCLUSÃO 53

6 REFERÊNCIAS 55
5

1 INTRODUÇÃO

O tema de investigação proposto neste artigo, desenvolvido a partir das reflexões afloradas nas
discussões ocorridas nas classes ministradas pela Professora Dra. Ana Margarida Simões
Gaudêncio na Disciplina Tolerância e Direito do curso de Doutoramento em Direito da
Faculdade de Direito da Universidade Coimbra, bem como nas leituras daí derivadas e
decorrentes, tem como objeto por em relevo a tolerância como Princípio Normativo do Estado
Democrático de Direito.

A curiosidade a respeito do liame entre o Direito, mais particularmente entre a Filosofia do


Direito, e a tolerância foi sendo despertada e estimulada de forma constante e crescente com o
avançar dos textos lidos e apropriados nos debates realizados, dentro e fora da sala de aula,
sempre com um importante e curioso resquício inicial de desconfiança, segundo a qual,
indagava-se a possibilidade de tornar a tolerância um elemento jurídico dentro do sistema
normativo, já que não se poderia falar em obrigar alguém a ser tolerante, tornando-se
incompatível, em termos lógicos e deontológicos, a exigência da tolerância diante de uma
pessoa intolerante.

O contato inicial e, todavia, perfunctório com o jurisprudencialismo, especialmente com os


textos produzidos e brindados pelo Prof. Dr. António Castanheira Neves, pelo Prof. Dr. José
Manuel Aroso Linhares e pelo Prof. Dr. Fernando José Bronze, serviu de lume e base para a
consolidação da tese e do objeto buscados na análise realizada, embora não seja preconizado,
pelo menos na Academia, que um problema qualquer, traçado como matéria de estudo, seja
positiva e assertivamente respondido. Tanto assim que o tema inaugural, que se chamava de
“Tolerância como Princípio do Estado Democrático de Direito”, transmutou de colorido e
consolidou-se como “Tolerância como Princípio Normativo do Estado Democrático de
Direito”.

A locução “Princípio Normativo” ofereceu duas consequências importantes para o trabalho


realizado. Primeiramente, como abrolho, trouxe a obrigação de uma leitura mais atenta e
preocupada com os fundamentos da Escola Jurídica do Jurisprudencialismo, o que, se num
primeiro instante carreou uma preocupação maior, diante da falta prévia de ilustração sobre o
6

assunto, provocou a necessidade de superação dos obstáculos identificados em um curto lapso


de tempo, ao requisitar uma dedicação maior ao tema, até mesmo para se afeiçoar à
terminologia específica inerente à sua sistematização.

Em segundo lugar, tal como “fiat lvx”, aflorou-se uma resposta interessante ao problema posto
em vislumbre, pois, se a tolerância não poderia ser estabelecida como uma regra jurídica
deontológica direta, ou num contexto jurisprudencialista, um critério normativo prescritivo,
tendo em vista não se encontrar a possibilidade de obrigar alguém a ser tolerante, permitir-se-
ia ser observada como um princípio normativo, fundamento de validade dentro de um sistema
jurídico, especialmente aquele dedicado ao estabelecimento e à garantia de direitos
fundamentais, noutros termos, relacionado ao chamado Estado Democrático de Direito. A
partir deste momento o estudo ganhou corpo e densidade sistêmicas, estabelecendo uma
coerência entre o problema proposto e a solução alcançada, o que permitiu um “goodwill”
intelectual acadêmico de importante relevo pessoal.

O Capítulo 1, chamado de “Tolerância: Aspectos Históricos, Conceito e Fundamentos” busca,


inicialmente, realizar uma sintética incursão histórica da tolerância, desde a sua conotação
subjetiva, como encontrada no pensamento filosófico grego-clássico, em uma acepção de
virtude, doutrina do meio-termo, passando-se a uma dimensão intersubjetiva, que, se,
inicialmente tratou da relação entre indivíduos de matizes religiosos diferenciados,
encontrados nos reinos e nos impérios então vigentes, especialmente com o advento e a
ascensão do Cristianismo, até ser aceita como religião oficial do Império Romano, para,
posteriormente tecer-se a sua consideração dentro da Teoria do Estado, com o estabelecimento
dos Estados-Nação, não se olvidando de rememorar considerações hodiernas, plasmadas nas
realidades sociais atualmente identificadas.

O Capítulo 1 também versa sobre os fundamentos da tolerância, ao estabelecer as suas


condições de possibilidade de manifestação, quais sejam, a liberdade humana; a dissonância
substantiva em face de um tema relevante; a intersubjetividade das relações interpessoais; e; ao
final, a ausência de reação por parte do tolerante, diante de um comportamento divergente
tolerado. Trata também do locvs identificado no seu conceito, ou melhor, a posição
intermediária encontrada pela tolerância entre a aceitação e a indiferença, para ao final
arriscar-se a sua conceituação, já dentro de uma percepção normativa jurisprudencialista,
7

considerando-a como princípio normativo do Estado Democrático de Direito.


O Capítulo 2, denominado de “O Princípio Jurídico Normativo da Tolerância”, inicia-se com
um estudo comparativo específico da Teoria do Direito, mais especificamente em relação ao
entendimento acerca da compreensão binária da norma jurídica, difundida pelo pensamento de
Robert Alexy e bastante aceita pela doutrina jurídica, segundo a qual o gênero “norma
jurídica” estaria dividido em suas espécies, quais sejam, “princípio” e “regra”. A despeito de
sua plasticidade, o trabalho adotou, até mesmo, por coerência sistêmico-epistemológica, a
taxionomia proposta pela Escola Jurisprudencialista do Direito, capitaneada pelo Prof. Dr.
António Castanheira Neves, através da qual o sistema normativo estaria composto por
princípios normativos, ao fundamentar o seu âmbito de validade, e por outros critérios, ou
melhor, pelas normas legais, pela jurisprudência e pela doutrina, já no espectro da prescrição e
da concretização do Direito em relação ao caso concreto.

O texto apresentado também propôs o destaque de um novel critério jurídico dentro do


esquema jurisprudencialista analisado, qual seja, a “militância jurídica”, essa entendida como
a atuação prática dos operadores jurídicos, no sentido de interpretar e analisar comportamentos
existentes no meio social, dotando-os de significação normativa, ao serem carreados para o
sistema jurídico como um todo por se exigir a concreção do direito subjetivo básico extensível
a qualquer cidadão de receber prestação jurisdicional do Estado, como terceiro imparcial,
mediador de conflitos despertados no âmago da comunidade. Trouxe-se à colação exemplo
específico, qual seja, a solicitação de intervenção do Poder Judiciário brasileiro no
enquadramento em níveis funcionais e salariais mais elevados do empregado público de
sociedade empresária controlada pelo Estado, quando seu corpo diretivo-administrativo deixa
de aperfeiçoar os pré-requisitos de avaliação estatuídos em seus planos de cargos e salários,
privilegiando determinados funcionários em detrimento de outros, ao malferir o princípio
normativo da isonomia ou da igualdade.

Por fim, o Capítulo 3, alcunhado de “Tolerância e Estado Democrático de Direito”, inaugura a


discussão a respeito do Estado de Direito com a necessidade da existência de suas condições
básicas, com a divisão interna e independente dos seus poderes; o controle de
constitucionalidade dos atos jurídicos, sejam esses legislativos ou não; a demarcação de sua
principiologia imanente com a existência, a título de exemplos, do devido processo legal, da
ampla defesa, do contraditório, da publicidade, demarcando o Estado de Direito como aquele
8

servil ao Direito e não ao revés, sob pena de se transformar um Estado de Direito em Direito
do Estado.

Na complementação da acepção acima discorrida, a locução “democrático” na expressão


“Estado Democrático de Direito” incorpora a soberania popular em suas trincheiras, pois todo
poder emana do povo, delegatário/constituinte de todas as suas instâncias, através de sua
participação por meio do voto direto, universal e secreto.

Já no final do texto arrazoado, busca-se diferenciar a tolerância da isonomia, através de


exemplo e reflexão específicos, para se concluir que a tolerância consubstancia-se em
princípio normativo do Estado Democrático de Direito.
9

2 TOLERÂNCIA: ASPECTOS HISTÓRICOS, CONCEITO E FUNDAMENTOS

A perspectiva impressa neste trabalho substancializa-se através de uma visão


jurisprudencialista do Direito, ou seja, promove-se uma reflexão sobre a tolerância apartada da
“rein” filosofia clássico-metafísica, distanciando-a de uma reflexão puramente a priori,
sediada unicamente na razão, ao vê-la inserida dentro de uma práxis jurídica, no âmbito da
validade normativa do Direito, decorrente dos problemas do cotidiano da vida humana, ao
tratar a pessoa, sujeita de direitos e deveres, ou seja, de acordo com o seu referencial ético na
relação “igualdade-responsabilidade”, a partir da sua mundanidade encontrada na humanidade
ontológica que lhe é pertinente e que reflete as relações intersubjetivas, ocorridas no âmbito da
convivência interpessoal, ao se exigir a mediação do Direito, em vez da interferência de outras
dimensões, como, por exemplo, a da política e/ou a da economia, dentre outras, mas não
somente a essas se limitando, para a solução dos dilemas humanos instaurados.

Dois aspectos suscitados no parágrafo precitado evocam uma continuada digressão.


Primeiramente ao ser mencionado, anteriormente, a pura ou “rein” metafísica clássica, está a
se referir ao legado kantiano oriundo da sua reflexão transcendental, marcantemente
desenvolvida em suas Críticas, bem como de pensadores que lhe seguiram ou sucederam, no
sentido de utilização de um método racionalista-sistemático do conhecimento, da moral e do
Direito com base na razão, para além da experiência, através de juízos apriorísticos, cujo
substrato cognitivo transcendente, posto à disposição do sujeito cognoscente, encontra-se
dimensionado na valoração do mundo prático ou empírico encontrado na natureza, esse último
ao servir de base e de domicílio aos sentidos, como propõe Kant na Crítica da Razão Pura:

Se chamarmos sensibilidade à receptividade do nosso espírito em receber


representações na medida em que de algum modo é afectado, o entendimento é, em
contrapartida, a capacidade de produzir representações ou a espontaneidade do
conhecimento. Pelas condições da nossa natureza a intuição nunca pode ser senão
sensível, isto é, contém apenas a maneira pela qual somos afectados pelos objectos,
ao passo que o entendimento é a capacidade de pensar o objecto da intuição
sensível. Nenhuma destas qualidades tem primazia sobre a outra. Sem a
sensibilidade, nenhum objecto nos seria dado; sem o entendimento, nenhum seria
pensado. Pensamentos sem conteúdo são vazios; intuições sem conceitos são
cegas. Pelo que é tão necessário tornar sensíveis os conceitos (isto é, acrescentar-lhes
o objecto na intuição) como tornar compreensíveis as intuições (isto é, submetê-las
aos conceitos). Estas duas capacidades ou faculdades não podem permutar as suas
funções. O entendimento nada pode intuir e os sentidos nada podem pensar. Só
pela sua reunião se obtém conhecimento. Nem por isso se deverá confundir sua
participação; pelo contrário, há sobejo motivo para os separar e distinguir
cuidadosamente um do outro. Eis porque distinguimos a ciência das regras da
10

sensibilidade em geral, que é a estética, da ciência das regras do entendimento, que é


a lógica.1 (grifo nosso) (itálico do original)

A razão seria, portanto, a fonte do conhecimento a priori, tendo em vista que o conhecimento
não deveria partir do objeto cognoscível para o sujeito, mas, outrossim, esse último, como ser
cognoscente, faria parte significante na construção daquele. Deste modo todo juízo a priori
seria aquele que é, necessariamente, necessário e universal, no sentido de que não admite o
contrário e, ademais, seria válido em todas as situações postas. Entende-se como juízo,
conforme aqui discorrido, demais a mais, a unidade de percepção, redução ampliativa de todo
o múltiplo, que ocorre na intuição de um objeto sensível, e, portanto, o juízo como um sentido
objetivo e não subjetivo deste objeto.

Saindo do âmbito da razão pura, ao se adentrar ao campo da moral dentro de uma acepção
metafísica, base do estudo da razão prática, mas também pura, pois oriunda de um juízo
apriorístico à conduta humana intersubjetiva, que alicerça a própria moralidade, percebe-se a
aplicação dos seus mandamentos ou imperativos, esses últimos que poderiam ser
consubstanciados em leis práticas impostas à vontade humana, de acordo com a regra moral
estabelecida. São os chamados, na acepção kantiana, imperativos categóricos, ou seja,
proposições práticas a priori ou transcendentais, independentemente dos interesses e das
vontades pessoais subjetivos envolvidos, como revela Kant em seus estudos:

... – A regra prática é sempre um produto da razão, porque prescreve a acção


como meio para o efeito, como intenção [Absicht]. Mas, para um ser, no qual a razão
não é o único princípio determinante da vontade, esta regra é um imperativo, isto é,
uma regra que é designada por um dever [Sollen], que exprime a obrigação
[Nötigung] objectiva da acção, e significa que, se a razão determinasse inteiramente a
vontade, a acção dar-se-ia inevitavelmente segundo esta regra. Os imperativos têm,
pois, um valor objetivo / e são totalmente distintos das máximas, enquanto
princípios subjectivos. Determinam, ou as condições da causalidade do ser racional,
enquanto causa eficiente, simplesmente em relação ao efeito e à capacidade para o
produzir, ou unicamente a vontade, quer ela seja ou não suficiente para o efeito. Os
primeiros seriam imperativos hipotéticos e conteriam simples prescrições de
dexteridade [Geschicklichkeit]; pelo contrário, os segundos seriam categóricos e
unicamente leis práticas. As máximas são, pois, certamente princípios
[Grundsätze], mas não imperativos. Mas os próprios imperativos, quando são
condicionados, isto é, quando não determinam a vontade simplesmente como
vontade, mas apenas em vista de um efeito desejado, quer dizer, quando são
imperativos hipotéticos, são sem dúvida preceitos práticos, mas não leis. Estas
últimas devem determinar suficientemente a vontade como vontade, ainda antes de eu
perguntar se tenho a faculdade necessária para um efeito desejado, ou o que devo
fazer para o produzir; devem, por conseguinte, ser categóricas, de outro modo não
são leis, porque lhes falta a necessidade, a qual, se deve ser prática, tem de ser

1 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 88-89.
11

independente de condições patológicas e, portanto, aderentes de modo contingente à


vontade... Por conseguinte, as leis práticas relacionam-se unicamente com a
vontade, sem atender ao que é levado a cabo pela sua causalidade e pode abstrair-se
da última (como pertencente ao mundo dos sentidos) para as ter puras.2 (grifo
nosso) (itálico do original)

No transcorrer da evolução do seu pensamento, enuncia Kant o imperativo categórico moral,


ou seja, a lei fundamental da razão prática pura, representação metafísica, fundamento prático
objetivo, pois aplicado a qualquer pessoa, ou seja, não com base nos interesses finalísticos
individuais subjetivos:

Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo
como princípio de uma legislação universal.3

Por sua vez, em segundo plano e dentro dos limites estabelecidos nesta discussão em torno da
tolerância como princípio jurídico normativo do Direito, objeto ora em análise, em ressonância
ao pensamento kantiano formulado e acima exposto de forma sumarizada, encontra-se o
entendimento realizado por Rainer Forst, ao associá-la a um princípio da razão prática, como
imperativo categórico, ou seja, princípio moral, na condição de lei metafísica, residente na
razão, como juízo a priori, extensível a todas as pessoas, independentemente de suas
características pessoais, identidades e concepções, apesar de tal percepção teórico-metafísica,
não se coadunar com o entendimento versado neste estudo:

Der Anspruch, den ich damit erhebe, ist folglich im Einzelnen:


[…]
(b) Dass damit eine den gesellschaftlichen und theoretischen Toleranzkonflikten
immanente Toleranzgrundlage rekonstruirt werden kann, die sich keinen externen
Normen oder Werten verdankt, sondern einem moralischen Verständnisdes
Rechtfertigungsprinzips selbst, dem eine unbedingte Plicht zur bzw. ein fundamentals
Recht auf Rechtfertigung entspricht, dass allen Menschen als Menschen – als
rechtfertigenden, endlichen Vernuftwesen – zukommt, unabhängig von ihren
spezifischen eigenschaften, Überzeugungen und Identitäten (dazu ebenfalls unten
mehr). Als Prinzip der praktischen Vernuft liefert es die autonome Basis für eine
Interpretation und Begründung der Toleranz, die diesem normative abhängigen
Begriff einen substanziellen, übergeordneten und verbindlichen Gehalt gibt. Dadurch
gewinnt die Tolleranz innehalb des Rahmens einer moralisch begründeten
Konzeption der Gerechtigkeit Gestalt.
[...]
2. Zunächst zur rekursiven Begründung des Rechtfertigungsprinzips... Die
Geltungskriterien von Reziprozität und Allgemeinheit sind moralischen Normen
eingeschrieben: Ihrer Struktur nach implizieren sie, dass jede praktische
vernüftige Person diese einsehen kann und ihnen folgen muss und dies auch von
jeder anderen Person verlangen kann – ohne dass die Person diese einsehen

2 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. 9. ed. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 34-36.
3 Ibid, p. 50.
12

spezifischen ethischen oder politischen Kontext teilen. Moralische Normen drücken


eine kategorische Sollgeltung aus…4
(grifo nosso) (itálico do original)

Na linha do mesmo sentido externado em Forst, Guy Haarscher, ao diferenciar a tolerância


entre ativa e passiva, conclama o caráter de imperativo categórico daquela:

1. Philosophy: the Multiple Aspects of the Idea of Tolerance


What does tolerance mean in contemporary societies? It can be defined on a broad
spectrum. At one end, tolerance is identified with a sort of passive acceptance of the
“other”: There can be no question of considering his opinions valid, and still less as
potentially enriching. He is simply tolerated, that is one accepts his existence,
basically for prudential or opportunist purposes and not on principle. Let’s only
mention the French Edit de Nantes (1598), which granted certain rights to the
Protestants (Huguenots). This document was signed by King Henry IV in particular
circumstances: The Protestants were too strong to be wiped out and too weak to be
able to seize power; so a compromise was reached according to which the Huguenots
were confirmed in their right to possess some fortified towns (particularly in Western
France), and their religious liberty was affirmed. When these circumstances changed
(as Machiavelli said: “time pushes everything forward”), that is, when the French
Catholic monarchy was strengthened, Louis XIV simply revoked the Edit (1685).
However, one must not underestimate such an idea of prudential or “self-interested”
tolerance: It is of course much less legitimate than active tolerance, based on a
principled attitude, a “categorical imperative” in the Kantian sense. But it means
beginning with an imperfect, an “impure tolerance”, based on enlightened self-
interest. We could reasonably say that we need not overtax people strength in matter
of virtue, provided we want to build political society on a sufficiently broad
foundation.
Active tolerance is related to a quite different intellectual framework. Such an
attitude has an essentially ethical character: Freedom of conscience is affirmed as
being a categorical principle…5
(grifo nosso) (itálico do original)

A percepção da influência do cariz kantiano no pensamento de Rainer Forst acima discorrido


também pode ser observada nas lições de Ana Margarida Simões Gaudêncio, como se verifica
no fragmento abaixo reproduzido:
Consubstancia-se, neste sentido, eticamente, a categoria tolerância, em aproximação à
supra referenciada posição ética de APEL, porém em divergência com esta pela
menor ênfase conferida à determinação dialógica da mesma, para a substancializar
num horizonte axiológico de referência praticamente constituído e pensado, e assim
não tanto argumentatitivamente estabelecido. E, pela mesma razão, em maior
divergência ainda face à proposta de HABERMAS. Diferindo assim, em último
termo também, e essencialmente, de Rainer Forst – embora com este sempre em
diálogo privilegiado –, na sua construção de inspiração nitidamente kantiana e
habermasiana, em que a tolerância surge compreendida como uma virtude assente em
ponderações morais, o que evidencia uma característica fundamental da tolerância -
já supra enunciada – a de conceito normativamente dependente (“normativ abhängig
Begriff”, “normatively dependente concept), isto é, na determinação de que, por si só,
a categoria tolerância seria demasiado indeterminada, vazia, para responder a

4 FORST, Rainer. Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegenwart eines umstrittenen Begriffs. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 2003, p. 592-596.
5 HAARSCHER, Guy. Tolerant of the Intolerant. Ratio Juris, v. 10, n. 2, June 1997, p. 236-237.
13

questões referentes ao cariz das razões de objecção, de aceitação e de rejeição...6


(grifo nosso) (itálico do original)

Discordância essa destacada em outra passagem da mesma obra de Ana Margarida Simões
Gaudêncio, ao afastar, expressamente, o sentido de imperativo categórico impresso à
tolerância por alguns pensadores, dentre os quais, os acima declinados:

Sendo, então, a par e passo cotejado nesta reflexão, procurar-se-á destacar deste
pensamento a específica significação jurídica que oferece ao princípio da tolerância,
e, ainda, e, já para além do direito, o corolário em que projecta toda esta construção,
ao formular, por inspiração directamente kantiana, um imperativo categórico da
tolerância, consubstanciando assim a respectiva fundamentação, operatividade e
objectivo: “Handle so, daß die Folgen deiner Handlung verträglich sind mit der
größtmöglichen Vermeidung oder Verminderung menschlichen Elends”.
Construção esta do princípio da tolerância, e da respectiva relevância jurídica, cujo
sentido se distingue, afinal, do que aqui temos vindo a construir – não obstante os
contributos convocados e, sobretudo, partilhando nós com KAUFMANN a recusa
duma justificação relativista da tolerância –, principalmente por conferir à
tolerância o sentido de um imperativo categórico, por um lado, e de estrito
princípio jurídico, por outro. Como já supra se reflectiu e infra se concretizará.7
(grifo nosso) (itálico do original)

Sem externar uma preocupação cronológica rigorosa com o contexto da tolerância ao longo da
história, mesmo porque não seria esse o escopo deste trabalho, algumas referências histórias
serão aqui expostas, para uma melhor inserção e compreensão do tema proposto em sua
evolução histórico-temporal.

No pensamento grego-clássico de Aristóteles não se encontra alcunhado o termo “tolerância”


de forma específica e direta. O conceito situa-se associado a uma dimensão ético-moral,
tratado como uma forma de virtude, doutrina do meio-termo entre o “demais” e o “muito
pouco”, sendo considerada uma ação justa, aquela pautada na “temperança”, na “sobriedade”,
na “tranquilidade”, como versa o filósofo em Ética a Nicómaco, ao abordar a questão das
“excelências”, como disposições teóricas e éticas da conduta humana:

Além disso, tudo o que se constitui em nós depende em primeiro lugar de havermos
recebido a sua condição de possibilidade e depois de termos procedido ao seu
accionamento... É da mesma maneira, então, que adquirimos as excelências. Isto é,
primeiramente pomo-las em prática. É assim também que fazemos com as restantes
perícias, porque, ao praticar, adquirimos o que procuramos aprender. Na verdade,
fazer é aprender. Por exemplo, os construtores de casas fazem-se construtores de casa

6 GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. O intervalo da tolerância nas fronteiras da juridicidade: fundamentos e
condições de possibilidade da projecção jurídica de uma (re)construção normativamente substancial da exigência de
tolerância. Tese (Doutoramento em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012, p. 389-390.
7 Ibid, p. 511.
14

construindo-as e os tocadores de cítara tornam-se tocadores de cítara, tocando-a. Do


mesmo modo também nos tornamos justos praticando acções justas,
temperados, agindo com temperança, e, finalmente, tornamo-nos corajosos
realizando actos de coragem. O que acontece com as constituições políticas
comprova-o também. Ou seja, os legisladores tornam os cidadãos bons cidadãos
habituando-os a agir bem – é este de resto o seu propósito. E todos os legisladores
que não tiverem em mente esse propósito erram. É nisto, precisamente, que se
distingue uma boa constituição política de uma má... O mesmo acontece com as
excelências. Ao agir-se em transações com outrem, tornamo-nos justos ou injustos. É
também ao agir em face de situações terríveis, que sentimos sempre medo ou
conseguimos ganhar confiança, isto é, que podemos ficar cobardes ou tornamo-nos
corajosos. De modo idêntico a respeito das coisas que fazem nascer em nós desejo e
ira. Uns conseguem tornar-se temperados e ser gentis, outros, porém, tornam-se
devassos e são irascíveis...
[...]
Primeiro tem de se considerar que as disposições do carácter são de uma natureza tal
que podem ser destruídas por defeito e por excesso tal como veremos acontecer com
o vigor físico e com a saúde... Assim, com efeito, também acontece com a
temperança e a coragem, bem como com as restantes excelências... Ou seja, a
temperança e a coragem são destruídas pelo excesso e pelo defeito.
[...]
Também isto atestam os castigos que infligem sofrimento. Isto é, alguns castigos são
uma espécie de curativos... Por esta razão alguns definem as excelências como
sendo uma certa desafectação ou tranquilidade...8
(grifo nosso)(itálico do original)

Em síntese explicativa expõe Ursula Wolf ao versar sobre a “arete ética” do pensador grego:

Uma arete ética corresponde mais ou menos ao que chamaríamos de uma


virtude, uma boa propriedade do caráter. Por muito tempo a temática do caráter foi
negligenciada na filosofia. Nesse meio-tempo, porém, alguns filósofos da moral
chegaram à concepção de que seria possível superar certas carências presentes na
vigente teoria moral kantiana se fossem completadas ou substituídas por uma moral
das virtudes. Como o novo interesse pela concepção aristotélica da arete ética se
deve quase exclusivamente à teoria moral, também a palavra “virtude” pela qual se
substituiu tradicionalmente a arete, restringe-se, no debate atual, na maioria das
vezes, ao seu sentido moral. Vimos, porém, que Aristóteles aconselha viver no
exercício das aretai éticas, não a partir de questões morais. Antes, a investigação da
arete ética prende-se diretamente em I 6 e I 13, explicitando o modo de vida
correspondente como uma das duas formas de eudaimonia humana ou do bem viver
individual. O aspecto moral da arete ética só ocupa o lugar central no Livro V, que
tem por tema o conceito de justiça.
No Livro II, de forma genérica, Aristóteles desenvolve a teoria da arete ética
como meio-termo (mesotes)...9 (grifo nosso)(itálico do original)

Percebe-se, portanto, uma mais marcante dimensão subjetiva da tolerância, na medida em que
é tratada como uma espécie de virtude, conforme exposto acima no pensamento filosófico
clássico grego, não se podendo, entretanto, subdimensionar a questão da tolerância em face do
domínio de outros povos, esses últimos detentores de culturas, modos de pensar, credos e
costumes diversos e a necessidade do reconhecimento destas práticas peregrinas à autoridade

8 ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução António de Castro Caeiro. 2. ed. Lisboa: Quetzal Editores, 2006, p. 43-47.
9 WOLF, Ursula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução Enio Paulo Giachini. São Paulo: Edições Loyola, 2010, p.
66.
15

central dominadora por parte da força dominante, de acordo com a sua conveniência e com as
circunstâncias político-sociais vigentes, por se tratar de uma questão de dominação e
preservação das fronteiras e do poder imperial então em curso, como se observou no despertar,
no crescimento, no apogeu e, por que não dizer, na derrocada do Egito, de Atenas, de Esparta,
do Reino de Alexandre o Grande da Macedônia, dos Persas, do Império Romano, dentre
outros.

Saindo da relação subjetiva anteriormente destacada, encontra-se a manifestação da tolerância


intersubjetiva no pensamento cristão clássico, tendo em vista ser esta postulada como
“patientia”, “Duldsamkeit”, indulgência, clemência, seja frente às fraquezas espirituais e
carnais alheias, seja diante das formas humanas de opressão, adquirindo, nessa última
consideração, a tolerância como possibilidade de suportar a dor, a tortura, a pobreza, a
injustiça, as contingências negativas da vida terrena, sendo que, em ambas as dimensões
discorridas, procura-se a busca do beneplácito da ascensão divino-cristão em direção ao reino
dos céus, grandeza espiritual teológica e teleológica, capaz de resgatar a liberdade plena e
eterna do ser humano através de uma contemplação celestial salvadora e finalística.

Verifica-se tal acepção de tolerância como “patientia”, “Erdulden” na descrição realizada por
Santo Agostinho em seu pensamento teológico:

Houve de facto homens de bem, mesmo cristãos, que foram torturados para que
entregassem seus bens ao inimigo. Porém nunca puderam entregar nem perder os
bens pelos quais se tornaram bons. E se alguns preferiram ser torturados a entregarem
as suas riquezas iníquas, nesse caso já não eram bons. Estes, que tanto sofreram por
causa do ouro, deviam ter sido advertidos de quanto tinham que padecer por Cristo.
Aprenderiam assim a amar quem faz ricos de vida eterna todos os que por ele
padeceram, em vez de amarem o ouro ou a prata. A desgraça foi terem padecido pelo
ouro e pela prata, quer mentindo para os ocultarem, quer confessando para os
entregarem. Ninguém perdeu a Cristo confessando-o nas torturas; ninguém conserva
o ouro senão negando-o. Por isso talvez fossem mais úteis os tormentos que
ensinavam a amar o bem incorruptível do que os outros benefícios por que os seus
donos sofriam tormentos sem qualquer proveito.
[...]
Diz-se que uma prolongada fome matou muitos cristãos. Também isto converteram
em seu proveito os autênticos homens de fé, suportando-a com espírito de religião. A
fome, ao tirar-lhes a vida, como se fora uma enfermidade corporal, libertou-os dos
males desta vida. Porém, aos que não matou, ensinou-lhes a viverem mais
sobriamente e a jejuarem mais prolongadamente.10

10AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições J. Dias Pereira. 3. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, v. 1, p. 130-131.
16

A novel crença cristã, diante de sua força religiosa resiliente e persistente, marcada por uma
catequese proselitista crescente e de dimensões marcantes, com a conquista cada vez maior de
frequentes novos adeptos, após séculos de perseguição, com a imposição de privações físicas e
psicológicas aos seus fiéis, passa, a ser aceita e considerada, inclusive, de forma normativa,
podendo-se citar, a título de exemplo, a promulgação do Édito de Milão em 313 da nova era,
firmado pelos imperadores do Ocidente e do Oriente, respectivamente Constantino e Licínio,
ao estabelecer a imparcialidade religiosa do Império Romano, com a aceitação das práticas e
dos dogmas preconizados principalmente pelo Cristianismo, apesar da liberdade de religião ter
sido estendida aos demais credos, a despeito da palavra “tolerância” não ter sido
expressamente grafada no seu texto, como se observa de alguns dos seus dispositivos:

2. Eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto, em boa hora reunidos em Milão
para tratarmos de questões que tivessem a ver com o bem-comum e a segurança do
Estado, entre tudo o mais que víamos ser de proveito para grande parte da
população, antes de tudo, julgámos por bem regular aquilo que respeitava ao culto
da divindade e por isso dar tanto a cristãos como a todos os mais a faculdade de
poderem seguir livremente a religião que cada um quisesse, por tal forma que,
qualquer que seja a divindade que está no assento celeste, a Nós e a todos os que
estão sob nosso domínio ela seja para nós benevolente e propícia.
[...]
5. Considerámos isto dever comunicar à Tua Solicitude em toda a sua plenitude,
para que fiques ciente de que aos cristãos concedemos livre e absoluta capacidade
de praticarem a sua religião.11
(grifo nosso)(itálico do original)

Já buscando ressaltar a utilização do termo tolerância propriamente dito, dentro da


contextualização histórica ora percorrida, inclusive com a sua conotação jurídico-normativa,
no trato das relações intersubjetivas, a palavra fora emprestada do latim e do francês no século
XVI, num contexto de condescendência ou indulgência católico-cristã em relação a outros
credos religiosos, como contextualiza Jürgen Habermas:
(1) Das Wort , Tolernanz‘ ist erst im 16. Jahrhundert, also im Zusammenhang der
Konfessionsspaltung, aus dem Lateinischen und dem Französischen entlehnt worden.
In diesem Enststehungskontext hat es zunächst die engere Bedeutung der gegnüber
anderen religiösen Bekenntnissen angenommen. Im Laufe des 16. Und 17.
Jahrhunderts wird religiöse Toleranz zum Rechstbegriff. Regierungen erlassen
Toleranzakte, die den Beamten und einer rechtgläubigen Bevölkerung tolerantes
Verhalten im Umgang mit religiösen Minderheiten – Lutheraern, Hugenotten,
Papisten – auferlegen. Aus dem Rechtsakt der obrigkeitlichen Tolerierung von
Andersgläbigen und ihrer Praxis ergibt sich die Zumutung toleranten
Verhaltens gegenüber Angehörigen einer bis dahin unterdrückten oder
verfolgten Religionsgemeinschaft.12 (grifo nosso)(itálico do original)

11 NASCIMENTO, Aires Augusto. Édito de Milão: apostilas para uma tradução. Lisboa: Universidade Católica, 2013, p. 24-
26.
12 HABERMAS, Jürgen. Wann müssen wir tolerant sein? Über die Konkurrenz von Weltbildern, Werten und Theorien.

Jahrbuch des Berlin-Bradenburgischen Akademie der Wissenshcaften, 2002, p. 167.


17

Já em relação ao vínculo com o Estado, forma de poder organizada, através da existência da


demarcação de um território soberano e a presença de um povo sob a sua tutela, John Locke
estabelece a tolerância como consequência direta da sua separação com a Igreja:

Estabelecido isto, examinemos a seguir quais são os deveres que dizem respeito à
tolerância...
Em segundo lugar, nenhuma pessoa privada deve de modo algum lesar ou destruir os
benefícios civis de outrem sob pretexto de professar outra religião ou praticar outros
ritos. Todos os seus direitos de humanidade e de cidadania lhe devem ser
conservados como sagrados; não derivam da religião: há que abster-se de violentar
ou prejudicar tanto um cristão como um pagão...13
(grifo nosso)

Voltaire destaca, em torno da tolerância, em seu arquetípico estrutural, pelo menos de forma
inaugural, uma relação vertical, ou seja, aquela estabelecida entre o Estado e o cidadão, por
intermédio da lei, como preconizado em sua obra:

L’Allemagne serait un desért couvert des ossemens de Catholiques, Evangéliques,


Réformés, Anabatistes, égorgés les uns par les autres, si la paix de Westphalie n’avait
pas procuré enfin la liberte de conscience.
Nous avons des Juifs à Bordeaux, à Metz, en Alzace ; nous avons de Luthéeriens, des
Molinistes , des Jansénistes ; ne pouvons-nous pas souffrir & contenir des Calvinistes
à peu près aux mêmes conditions que les Catholiques sont tolérès à Londres? Plus il y
a de sectes, moins chacune est dangereuse, la multiplicité les affaiblit ; toutes sont
réprimées par de justes loix, qui defendente les assemblées tumultueuses, les injures,
les séditions, & qui sont toujours em vigueur par la force coactive. 14

De forma positivada, sendo incorporada textualmente em diplomas normativos, a locução


“tolerância” pode ser encontrada em algumas leis e mesmo em Constituições Estatais, como,
por exemplo, na Constituição da República de Cabo Verde, ao versar sobre a principiologia
atinente à educação, à relação do cidadão com os seus semelhantes, com a Nação e com a sua
comunidade; na Constituição da República Portuguesa, ao considerar os fundamentos da
educação; bem como na Lei de Liberdade Religiosa de Portugal, sendo considerada, inclusive,
como um princípio:

Constituição da República de Cabo Verde


Art. 77
(Direito à educação)
1. Todos têm direito à educação.

13 LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Tradução: João Silva Gama. Revisão: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1997, p.
96-97.
14 VOLTAIRE. Traité sur la tolérance. [S.l.: s.n.], [17--?]. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?hl=pt-
PT&lr=&id=e5h75J5jhEMC&oi=fnd&pg=PA12&dq=%22trait%C3%A9+sur+la+toler%C3%A1nce%22&ots=b
wGg-Mfn8c&sig=smEv2QAUfAZNDoss6cjbyd0ibas#v=onepage&q&f=false. Acesso em 08 dez. 2019.
18

2. A educação, realizada através da escola, da família e de outros agentes, deve:


[...]
f) Promover os valores da democracia, o espírito de tolerância, de solidariedade, de
responsabilidade e de participação.
Artigo 83º
(Deveres para com o seu semelhante)
Todo o indivíduo tem o dever de respeitar e considerar os seus semelhantes, sem
discriminação de espécie alguma, e de manter com eles relações que permitam
promover, salvaguardar e reforçar o respeito e a tolerância recíprocas.
Artigo 84º
(Deveres para com a Nação e a comunidade)
Todo o cidadão tem o dever de :
[...]
Contribuir activamente para a preservação e a promoção do civismo, da cultura, da
moral, da tolerância, da solidariedade, do culto da legalidade e do espirito
democrático de diálogo e concertação;15
(grifo nosso)

Constituição da República Portuguesa


Artigo 73.º
Educação, cultura e ciência
[...]
2. O Estado promove a democratização da educação e as demais condições para que
a educação, realizada através da escola e de outros meios formativos, contribua para a
igualdade de oportunidades, a superação das desigualdades económicas, sociais e
culturais, o desenvolvimento da personalidade e do espírito de tolerância, de
compreensão mútua, de solidariedade e de responsabilidade, para o progresso social e
para a participação democrática na vida coletiva.16
(grifo nosso)

Lei da Liberdade Religiosa – Lei n.o 16/2001


Artigo 5.º
Princípio da cooperação
O Estado cooperará com as igrejas e comunidades religiosas radicadas em Portugal,
tendo em consideração a sua representatividade, com vista designadamente à
promoção dos direitos humanos, do desenvolvimento integral de cada pessoa e dos
valores da paz, da liberdade, da solidariedade e da tolerância.
Artigo 7.º
Princípio da tolerância
Os conflitos entre a liberdade de consciência, de religião e de culto de uma pessoa e a
de outra ou outras resolver-se-ão com tolerância, de modo a respeitar quanto
possível a liberdade de cada uma.17
(grifo nosso)

Permite-se, portanto, diante do trilhar cronológico acima discorrido, construir uma linha de
reflexão teórico-conceitual e histórica em torno da tolerância, antes da sua caracterização

15 CABO VERDE. Constituição da República de Cabo Verde. Disponível em: https://www.stj.pt/wp-


content/uploads/2018/01/caboverde_constituicao.pdf. Acesso em: 17 dez. 2019.
16 PORTUGAL. [Constituição (1974)]. Constituição da República Portuguesa. VII revisão constitucional, [2005].

Disponível em: https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx#art73. Acesso em: 17


dez. 2019.
17 PORTUGAL. Lei da Liberdade Religiosa. Lei n.o 16/2001 - Diário da República n.º 143/2001, Série I-A de 2001-06-22.

Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-consolidada/-


/lc/106639383/201912171748/exportPdf/maximized/1/cacheLevelPage?rp=indice. Acesso em: 17 dez. 2019.
19

normativo-jurisprudencialista como se pretende neste texto, ao emergir da significância do


pensamento grego-clássico, através de uma profunda e ascética concepção solipsista
subjetivista da virtude de “temperança”, “arete ética” na forma de excelência do “meio-
termo”, para, em seguida, já num cariz intersubjetivista, e, por meio de uma formulação cristã-
medieval, que, se numa postura inicial, adotou como base o suportar da dor, do sofrimento e
da tortura, tendo o Cristianismo ocupado o “polo passivo” da relação social de tolerância
estabelecida, até serem acatadas as suas práticas religiosas e, depois, aceita como religião
oficial do Império, para, num terceiro momento, já na condição de força espiritual dominante,
instalando-se no trono-mor do “polo ativo” do liame de transigência vislumbrado, do alto do
seu pedestal, inaugurar a indulgência católico-cristã diante de outros credos, de acordo com os
seus interesses, variáveis em face das circunstâncias e dos momentos específicos divisados em
cada contexto histórico-social. Construção conceitual-histórica de pensamento gravitacional
em torno da tolerância essa que, com o perpassar do tempo, esvai-se das mãos individualizadas
de grupos e/ou indivíduos e/ou mesmo de alguma forma, mais solidamente ou não,
institucionalizada pelos Reinos e pelos Impérios então vigorantes, mas sempre de forma
contingencial e fortuita, diante mesmo de sua própria situação geográfico-institucional,
recheada de fronteiras e situações políticas instáveis e precárias, para passar a ser incorporada
pela Teoria Política do Estado, já nas fases moderna e posteriores da civilização humana, ao
incrustar-se no pensamento da doutrina da Filosofia do Direito, principalmente desde os
pensadores da contratualística, e preconizar a sua possibilidade de existência conceitual, seja
como princípio ou não, mas principiologicamente, na ordem jurídica instituída, até poder ser
caracterizada como princípio normativo do Estado do Direito, como se identifica neste artigo.

Ao se ultrapassar o feixe histórico da tolerância, da forma sumarizada como acima exposto,


resta, para o termo deste Capítulo, atrever-se a arriscar a sua conceituação, desta vez, por um
viés jurídico, tarefa essa de natureza não simplista, diante da abertura e das múltiplas
conotações semânticas, que o termo é capaz de seduzir, mesmo porque, tendo em vista tal
possibilidade e a sua derivada polivalência de exegeses, preconizar a sua definição, talvez não
fosse a tarefa mais indicada, diante dos ardis, que possam ser aflorados, na tentativa de se
empreender o rigor de tal aventura científica.
20

Aliás, vários pensadores já destacaram e alertaram sobre a existência dos permanentes


escolhos na realização de tal empreitada intelectual, como, por exemplo, ilustra Jose Ramon
Torres Ruiz:

Frecuentemente, al tratar de fijar los perfiles de um concepto filosófico, político


o jurídico, nos encontramos con uma serie de dificultades que proceden –en su
mayor parte- de una múltiple utilización de los términos, no siempre en el sentido
proprio al que nosostros queremos referirnos. Esto, como parece obvio, es
consecuencia de la recíproca dependencia existente entre el linguaje común y los
lenguajes, más precisos y elaborados, delineados para su uso en las distintas áreas del
conocimiento.18 (grifo nosso) (itálico do original)

Situação de penumbra conceitual essa corroborada por afirmação de Günter Püttner, desta vez,
com o alvo mais específico em vetor direcionado para o conceito de tolerância, em sua
acepção generalizada:

Der Begriff der Toleranz ist wie so viele Begriffe im höchsten Maße unklar... 19

Mesma posição alertada por Paulo Mota Pinto:

O termo “tolerância”, apesar de utilizado frequentemente no contexto político,


social, cultural ou religioso, não é unívoco, carecendo de precisão e recebendo
uma função ambivalente no debate político e jurídico. 20 (grifo nosso)

Ao trazer esta discussão para o campo filosófico, em sua interseção ou não com a seara
jurídica, importante, perceber, dentro do conceito de tolerância a existência de alguns
preceitos, requisitos e/ou condições, para a objetivação almejada nos contornos discursivos
deste escrito.

O primeiro aspecto reside no âmbito da liberdade da pessoa, podendo-se enobrecer o sabor


deste debate através da riqueza jurídico-filosófica jurisprudencialista do termo, diante da
dimensão ética do sujeito de direitos, a pessoa, ou seja, aquele ator jurídico detentor, através
do respeito à sua individualidade, corolário da dignidade extensível a todo ser humano, de um
plexo de direitos subjetivos sociais, aliás, oponíveis a terceiros, inclusive ao Estado, e que,
ademais, como membro participante da comuna e, por conseguinte, alvo de um feixe de
responsabilidades, sempre possui, como consectário da sua autodeterminação como pessoa

18 RUIZ, Jose Ramon Torres. El concepto de tolerancia. Revista de Estudios Políticos, n. 48, nov.-dic. 1985, p. 105.
19 PÜTTNER, Günter. Toleranz als Verfassungsprinzip: Prologomena zu einer rechtlichen Theorie des pluralistischen
Staates. Berlin: Duncker & Humbolt, 1977, p. 13.
20 PINTO, Paulo Mota. In: Estudos em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida. Nota sobre o ‘imperativo da

tolerância’e seus limites. Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 748.


21

humana, a sua plena liberdade, até mesmo, no sentido de realizar algum ato ilícito, contrário à
moral e ao próprio Direito.

Por conseguinte, como decorrência lógica necessária, não se pode falar em tolerância numa
relação jurídica com um escravo, um servo, tendo em vista esse estar, todavia, compreendido
fora do conceito de pessoa, mas, outrossim, ainda ser tratado como “coisa” ou “objeto”, sendo
passível, até mesmo, de tráfico e/ou comercialização, até porque, não se deve pensar em tal
situação como algo pertinente somente a um passado longínquo dos navios negreiros, dada a
existência atual do comércio ilegal de crianças, de órgãos humanos, de pessoas na condição de
imigrantes, escapando da submissão ao terror opressivo vigente em seus locais de origem, da
exploração do trabalho humano em circunstâncias análogas à escravidão, dentre outros
diversos exemplos existentes e espraiados em muitas regiões do globo terrestre.

Deriva-se deste primeiro aspecto elaborado, portanto, a conclusão, segundo a qual não seria
adequado tratar a tolerância como critério normativo, ou seja, como preceito legal elaborado
no seu devido processo gestativo legislativo, seja de qual quadrante for, ou seja, como
comando preceptor direto da conduta humana, estabelecida na esfera intersubjetiva
comunitária. Ao se impor a tolerância através de uma regra própria e específica, obrigando a
pessoa a ser “tolerante”, por malferir e desdizer da sua esfera de liberdade libertária, não se
estaria mais a tratar da tolerância propriamente dita, diante da imposição estabelecida pelo
comando normativo direto estabelecido. Obrigar o intolerante a ser tolerante com outrem, não
seria o mesmo que tratar o intolerante com intolerância, mas aproximar a exigência da
tolerância duma verdadeira intolerância.

O segundo aspecto a ser considerado como fundamental para a manifestação da tolerância


seria a intersubjetividade intrínseca às condutas humanas travadas no seio de uma comunidade
qualquer. O raio de ação da tolerância abrange a relação intersubjetiva manifestada nas
relações sociais, não devendo estar circunspecta nem na esfera única subjetiva de uma pessoa,
nem tampouco estabelecida diante de alguma “coisa” inanimada ou não. Não se pode falar em
(in)tolerância para com a cor de uma pedra, diferentemente de quando se relaciona, por
exemplo, quanto à cor da pele de uma pessoa, ai, sim, residindo a sua esfera de incidência.
Também não se pode substancializar a (in)tolerância no trato de considerações individuais,
unicamente domiciliadas no campo subjetivo da pessoa, pois, seja a (in)tolerância objeto de
22

consideração do Direito, da Moral, da Religião ou outra dimensão normativo-social qualquer,


há de se manifestar um ato de tolerar diante de uma rejeição de uma conduta alheia qualquer,
pertencente a uma terceira pessoa.

Esta percepção da intersubjetividade na relação de tolerância é identificada por Rainer Forst ao


abordar a questão do Paradoxo do “Racista Tolerante”, tecendo críticas à perspectiva da
tolerância ser vislumbrada por um viés subjetivo, espécie de virtude individual, fazendo-se
lembrar, relativamente, o pensamento aristotélico svpra discorrido:

Mit der Formulierung „normativ gehaltvoll“ ist allerdings in dem Fall (und nur in
diesem Fall, worin bereits eine Spezifizierung des allgemeinen Begriffs der Toleranz
besteht), in dem Toleranz als individuelle Tugend angesehen wird, ein sehr wichtiges
Problem bezüglich der möglichen Ablehnungs-Komponente angesprochen... Wenn
nun aber die Ablehnung auf bloßen Vor-Urteilen wie dem der Minderwertigkeit
bestimmter „Rassen“ (oder gar auf blidem Hass) beruht und keine in einem basalen
Sinne intersubjektiv vertretbaren Gründe vorliegen, würde der Aufruf zur
Toleranz solche Ablehnungen und Vorurteile quasi als begründete Urteile
akzeptieren. Dann könnte die Paradoxie des „tolerantes Rassisten“ entstehen, der
zufolge jemand, der extreme rassistische Abneigungen hat, als tolerante (im Sinne
einer Tugend) bezeichnet würde, sofern er nur sein Handeln begrenze (ohne sein
Denken zu verändern)... 21 (grifo nosso)(itálico do original)

Intersubjetividade essa também demarcada no pensamento de Ana Margarida Simões


Gaudêncio como pressuposto da tolerância, conjuntamente com o “reconhecimento recíproco”
da diferença:

O reconhecimento da diferença implicará assim, desde logo num patamar pré-


jurídico – mesmo transjurídico (ético...) –, admitir o outro como diferente, num
primeiro patamar, para, num segundo patamar, fundadamente decidir quanto à
posição a tomar perante tal diferença. Pelo que perspectivaremos também aqui o
reconhecimento enquanto subjacente à tolerância, aliás, enquanto verdadeiro
pressuposto da tolerância, na medida em que aquele e esta hão-de relevar na
substacialização fundamentante da intersubjectividade... Postulando, assim, os
aqui delineados sentidos de reconhecimento e intersubjectividade como essenciais a
uma alternativa de dialéctica (re)construção normativamente substancial da categoria
tolerância, como infra de imediato se expõe.22 (grifo nosso)(itálico do original)

Paulo Mota Pinto também, de acordo, com a orientação impressa neste estudo, ao buscar
definir a tolerância, destaca a oposição do tolerante diante de uma atitude ou comportamento
de um terceiro:

21 FORST, op. cit., p. 32-33.


22 GAUDÊNCIO, op. cit., p. 334.
23

Menos do que adesão ou aceitação positiva, a ideia de “tolerância” remete para mais
do que mera “condescendência” ou “indulgência” e traduz-se na renúncia, por parte
do tolerante, ao exercício de um poder negativo em relação a ideias, comportamentos
ou pessoas que não lhe são indiferentes e que desaprova, designadamente, nos
domínios da crença e religião, das ideias políticas, de convicções ou costumes
sociais, ou de outros aspectos relativos à “forma de vida” alheia.23

Tercivs, somente se deve tolerar ou não uma conduta intersubjetiva pertencente a um tema
relevante. A matéria deve possuir densidade discursiva substanciosa em sua dissonância, não
se tratando de uma mera divergência estabelecida diante de causas banais, triviais ou comuns,
não carreadoras de um dissenso efetivo e incisivo, incapaz para a eclosão da manifestação da
(in)tolerância. Em princípio não se pode falar de in(tolerância) ao tipo de grafite a ser utilizado
como ponta de um lápis qualquer; à divergência entre as cores de um xale a ser usado como
agasalho durante os meses de inverno; ao tipo de panela a ser manuseada, para a fritura de um
pedaço de carne, a ser servida numa refeição, dentre outros vários exemplos singelos e de
menor relevo, que preenchem a vida das pessoas no seu cotidiano. Diferentemente, por
exemplo, quando se diverge ao ver tatuado o símbolo de uma suástica na pele de uma pessoa;
ao se carregar bandeiras com motivos políticos separatistas, ou emblemas e brasões de
organizações que preconizam o terror, como meio para atingir os seus desideratos políticos de
(in)dependência; ao proferir discursos de cunhos odiosos e afrontosos a determinados grupos
sociais, preconizando a sua segregação ou marginalização, até mesmo servindo de mote para
campanhas políticas, sedutoras de parte do grupo social.

Esta consideração acerca da relevância do tema a ser (in)tolerado encontra eco no pensamento
de Claus Weiß:
Dort, wo die Belange des Staates, der Gesellschaft, der anderen Bürger nicht berührt
werden, dort darf es allerdings überhaupt keine Grenzen der Toleranz geben. Ob ein
junger Mensch mit langen oder mit kurzen Haaren herumläuft, ist seine
ureigenste Sache und geht weder die Gesellschaft noch seinen Nachbarn etwas
an. Die hierfür erforderliche Toleranz kann jedoch nicht vom Staat dekretiert werden,
sie ist eine Frage des gesellschaftlichen Bewußtseins und gehört daher vor allem zur
Aufgabe einer politischen Pädagogik. 24 (grifo nosso)

Por fim, em quarto aspecto, há que se ressaltar a resistência à reação por parte da pessoa
tolerante perante a pessoa tolerada. Por mais que se haja uma discordância ácida e acrimoniosa

23 PINTO, op. cit., p. 748.


24 WEIß, Claus. Toleranz als Verfassungsprinzip. Zur Frage der Selbstverwirklung des Menschen in der Demokratie.
Gewerkschaftlich Monatshefte, Feb. 1971, p. 72. Disponível em http://library.fes.de/gmh/main/pdf-files/gmh/1971/1971-02-
a-065.pdf. Acesso em: 12 dez. 2019.
24

frente a uma visão de mundo alheia, a uma concepção divergente, a um credo diferente, etc.,
capaz de gerar uma rejeição no âmago da pessoa tolerante, esquiva-se esse último de agir
contrário aos interesses do seu antagônico, resignando-se a suportar a rejeição estabelecida, por
um respeito à alteridade e às diferenças intrínsecas a qualquer meio social. Por esta percepção,
cristãos não somente devem respeitar judeus, mulçumanos, budistas, espíritas, etc., mas
garantir-lhes o direito subjetivo ao exercício de suas práticas religiosas e vice-versa;
mutuamente, homossexuais e heterossexuais devem conviver em sociedade de forma pacífica,
sem haver interferência na orientação sexual individual e unicamente pessoal de cada qual; a
cor da pele de cada um jamais pode ser utilizada como fator limitador do convívio
interpessoal, nem muito menos estabelecer qualquer limitação à percepção de direitos sociais
garantidos a todos, somente a título de exemplos.

Três dos quatro requisitos da tolerância svpra mencionados, são tratados por Ana Margarida
Simões Gaudêncio como suas “condições de possibilidade”, que devem estar obrigatória e
cumulativamente reconhecidos, para que essa se possa materializar:

Efectivamente, a determinação de condições de possibilidade de verificação da


tolerância demonstra-se essencial, quer para a delimitação, quer para a
autonomização, quer ainda para a densificação substancial da categoria tolerância,
posto que só na presença de todas elas, cumulativamente, se estará perante uma
situação de tolerância, e só especificando o respectivo sentido se explicitará a
compreensão da tolerância em presença.
Reconhecido o posicionamento da tolerância no insterstício-intervalo entre a negação
activa e a aceitação, mais do que componentes da tolerância, os requisitos que se
reconhecem dever estar reunidos para que possa estar-se perante situações de
tolerância hão-de ser assumidos como efectivas condições de possibilidade de
efectivação da categoria tolerância, de verificação necessária e cumulativa na sua
substância e finalidade. Tomadas as alternativas supra referenciadas, e à luz de uma
determinação material de conteúdo, aqui objectivo sempre presente, elencar-se-ão
três condições de possibilidade necessárias e de verificação sucessiva: (a)
divergência de base essencial (materialmente fundamentada); (b) liberdade; e (c)
renúncia à reação.25 (grifo nosso)(itálico do original)

Importante também destacar os limites “geográficos” da tolerância, para a compreensão do


sentido almejado nestes traços de tinta, quando se estabelece que a tolerância possui um locvs
intermediário entre a indiferença e a aceitação. Quando um fato ou uma situação não desperta
a atenção da pessoa, sendo-lhe indiferente, sem qualquer conotação de valor e tornando-se
irrelevante a sua existência ou não, não há que se falar em manifestação de tolerância. Da
mesma forma, se a conduta alheia é aceita pela pessoa em perspectiva, despicienda se torna a

25 Ibid., p. 373-374.
25

referência à tolerância, tendo em vista que a conduta, a crença, a visão de mundo diferente se
incorpora no patrimônio pessoal do suposto “tolerante”. Não se poderia falar em tolerância se
não houvesse um dissenso, uma dissonância entre concepções de vida e de mundo diversas,
uma discordância substancial entre pontos de vista, que, embora não sejam conciliáveis,
despertam o respeito e a transigência no convívio da adversidade, com a expressa renúncia a
qualquer reação contrária. Tal referência teórica encontra-se alinhavada também em Rainer
Forst, ao discursar especificamente sobre o componente de objeção “Ablehnungs-Komponent”,
como parte integrante do conceito de tolerância discutido:

(2) Von größer Bedeutung für den Begriff der Toleranz ist es, dass die tolerierten
Überzeugungen oder Praktiken in einem normativ gehaltvollen Sinne als falsch
angesehen bzw. als schlecht verurteilt werden; dies lässt sich im Anschluss an
Preston King als Ablehnungs-Komponent bezeichnen. Ohne diese Komponente
würde man nicht von Toleranz sprechen, sonder entweder Indifferenz (dem
Fehlen einer negativen oder positiven Bewertung) oder von Bejahung (dem
Vorliegen einer allein positiven Bewertung). Diese beide Einstellungen werden zwar
häufig mit Toleranz verwechselt, doch sind sie in Wahrheit mit Toleranz
unverträglich. 26 (grifo nosso)(itálico do original)

Ao já tentar provocar um caminho em direção à definição normativa do conceito de tolerância,


compete trazer em ilustração o pensamento de Günter Püttner, que a preconiza como a virtude
e a necessidade constitucionais básicas, no sentido de, ao se encontrar com outra condição ou
concepção de vida social diferente, de raízes e características próprias, respeitá-la, desde que
não seja possível convencê-la, pelos meios pacíficos existentes, à adesão à forma de se
comportar do tolerante, não escapando, porém, de considerar e salientar o desconforto
proporcionado pela atitude de tolerância, e, também, compará-la com a arte de formação da
vida social, apesar das diferentes concepções de mundo existentes em sociedade:

Toleranz ist, um eine abschließende Definition zu versuchen, unter dem Grundgesetzt


die Tugend und die Notwendigkeit, sich mit einem anderen gesellschaftlichen
Zustand abzufinden, als er der eigenen Überzeugung entspricht, soweit es nicht
gelingt, diese mit den friedlichen Mitteln des Überzeugens und Gewinnens anderer
durchzusetzen. Toleranz beinhaltet folglich für jeden, der das ohne Ergebnis versucht
hat, ein entscheidendes Mißerfolgserlebnis. Insofern ist Toleranz nichts Bequemes;
sie fordert etwas, vor allem von dem, dessen Anschauungen sich gerade und in erster
Linie auf die Herbeiführung eines bestimmten gesellschaftlichen Zustands beziehen.
27
(grifo nosso)

... Toleranz ist die Kunst der Gerstaltung des Soziallebens trotz
unterschiedlicher Anschauungen; sie läßt sich, wie es Celsius für das Recht getan

26 FORST, op. cit., p. 32.


27 PÜTTNER, op. cit., p. 31.
26

hat, als „ars aequi et bon“ definieren.28 (grifo nosso)

Hans Kelsen, por sua vez, considera a tolerância como princípio moral, “freedom of thought”,
relacionado à filosofia da justiça, ao se manifestar através de uma postura compreensiva por
parte do tolerante em face de concepções políticas e religiosas dissonantes de terceiros, sem,
entretanto, as aceitá-las:

The particular moral principle involved in a relativistic philosophy of justice is


the principle of tolerance, and that means the sympathetic understanding of the
religious or political beliefs of others-without accepting them, but no preventing them
from being freely expressed. It stands to reason that no absolute tolerance can be
commended by a relativistic philosophy of values; only tolerance within an
established legal order guaranteeing peace by prohibiting and preventing the use of
force among those subjected to the order, but not prohibiting or preventing the
peaceful expression of ideas. Tolerance means freedom of thought…29 (grifo
nosso)

A densificação da tolerância como princípio normativo autônomo, a justificar a sua inserção


dentro do sistema jurídico, como veio axiológico a fundamentar e dotar de validade a sua
dimensão estruturante, já que se torna reflexo de valores a serem considerados e incorporados
na ordem jurídica estabelecida, servindo inclusive de base para o estabelecimento de critérios
jurídicos derivados, encontra expressa acolhida no multicitado trabalho realizado por Ana
Margarida Simões Gaudêncio, podendo ser resumida esta ideia no fragmento ora trazido à
colação:

Visando reflectir a eventual relevância que um dogmaticamente construído princípio


da tolerância juridicamente reconhecível, como o que aqui vai proposto, poderia
assumir, admitamos então a possibilidade de a categoria tolerância, tomada
como princípio, se apresentar, enquanto fundamento de definição da relevância
jurídica, e portanto como filtro de conferência dessa relevância, em questões em que
seja patente a presença e/ou a necessidade de fazer presente um compromisso
tolerante, e, cumulativamente, cuja gravidade exija do direito uma tomada de
posição... Ou seja, estarão aqui em causa questões em que se verifiquem as condições
de possibilidade da tolerância, e, assim, (1) que impliquem discordância recíproca, e,
portanto, em que se verifique uma divergência de base materialmente justificada; (2)
em que o(s) sujeito(s) tolerante(s) seja(m) livre(s) de reagir contra o comportamento
de que se discorda, e, portanto, se verifique a condição de liberdade, ou seja, de não
constrangimento livre do comportamento tolerante; e (3) a opção pela renúncia à
reacção...30

28 Ibid., p. 41.
29 KELSEN, Hans. What is justice: justice, law, and politics in the mirror of science. Los Angeles: University of California
Press, 1957, p. 22-23. Disponível em: https://books.google.pt/books?hl=pt-
PT&lr=&id=psPzDa5cCpwC&oi=fnd&pg=PA1&dq=What+is+justice%3F+:+justice,+law+and+politics+in+the+mirror+of+s
cience+:+collected+essays.&ots=77yApNN5KX&sig=BCL7rc8LFM-
Wlf4xym9donW94qY&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 19 dez. 2019.
30 GAUDÊNCIO, op. cit., p. 551.
27

Percorrido este sendeiro histórico-teórico-elucidativo nos traços anteriormente rabiscados,


poder-se-ia, numa tentativa de conceituar a tolerância, dentro do âmbito de validade e
autonomia do Direito, considerá-la, de acordo com a visão jurisprudencialista, um princípio
normativo suprapositivo, já que, tanto não poderia configurar-se como norma legal ou outro
critério normativo pertencente ao sistema jurídico como um todo, quanto, em segundo lugar,
caracterizar-se-ia como fundamento de outro fundamento, ou melhor, um “dever-ser” do
“dever-ser”, ao incorporar axiologicamente um feixe de determinados e específicos valores,
dotando-o de validade jurídica, dentro do seio da comunidade, através das práticas humanas ali
realizadas, a necessidade de se tolerar um comportamento alheio e, portanto, intersubjetivo,
caracterizado por um dissenso ou por uma discordância substancial, sem padecer de reação
contrária, ao servir de base fundante, influência axiológica, para os demais elementos
constitutivos do sistema normativo jurisprudencialista, quais sejam, o critério normativo legal,
a jurisprudência dogmática, a jurisprudência judicial e a própria militância jurídica, ao servir
de esteio ou fundamento básico, condição sine qva non, para um Estado que almeje a alcunha
de democrático e de Direito.
28

3 O PRINCÍPIO JURÍDICO NORMATIVO DA TOLERÂNCIA

Muito se tem versado sobre as locuções do tipo: regras, princípios, postulados, normas
jurídicas e termos congêneres, através da doutrina da Filosofia do Direito, ao ponto de se
constituir verdadeira “cortina de fumaça” ao derredor dos seus conteúdos semânticos,
dificultando o seu entendimento e a sua ordenação epistemológica, necessários à compreensão
do tema ora inaugurado neste Capítulo.

Tal percepção e preocupação sobre a dubiedade e a incerteza reinantes acerca da matéria


postulada, principalmente ao versar sobre a composição binária “regras/princípios”, como
normas que detenham caráter jurídico ou juridicidade, encontram-se externadas no pensamento
de José Manuel Aroso Linhares:

1. Trata-se muito claramente de interpelar o contraponto normas como


princípios/normas como regras, um binómio ou distribuição binária cuja
produtividade (no plano da dogmática do direito constitucional), Canotilho tem
exemplarmente explorado...
De o interpelar em que sentido? Perguntando directamente se a “visão binária dos
tipos normativos” que este contraponto constrói (“sob o ponto de vista estrutural”)
contribui (e com que alcance) para “despoluir” o “ambiente”” de indeterminação
e de instabilidade com que a teoria dos princípios (indissociada da reflexão
metodológica) persistentemente nos fere. Ou mais rigorosamente, querendo saber se
(e até que ponto é que) a articulação-distribuição assim preservada se revela
produtiva, nas suas pretensões de unidade – estas levadas a sério (como veremos)
tanto no plano da concretização normativa auto-subsistentemente compreendida
quanto no plano da vinculatividade prescritiva – quando mergulhamos na
diagnosticada “coroa de fumo” e na “auréola” nebulosa que, na perspectiva da
“aplicação”-“uso” (Anwendung-Gebrauch), rodeia (enquadra) os significantes
principais do seu discurso (als ein (...) “Hof” schwach angedeuteter
Verwendungen).31
(grifo nosso)(itálico do original)

Ausência de luz e falta de clarividência sobre o quanto ora versado, ou seja, a delimitação
normativa da questão das regras e dos princípios como composição binária da norma jurídica,
encontra-se alertada em reflexão própria exercida por J. J. Gomes Canotilho:

Quem hoje se abeirar da imensa literatura sobre princípios jurídicos não pode
deixar de sentir a angústia intelectual já detectada por Aristóteles há milhares
de anos: “No domínio dos princípios não existe qualquer saber” (Analytica
Posteriora, II). Em meados da década de sessenta do século XX, Josef Esser, ao
iniciar a sua estimulante dissertação sobre princípio e norma, alertava os estudiosos
para a necessidade de proceder a uma urgente desambiguação do vocábulo
princípio. E a avaliar pela nutrida literatura ultimamente produzida sobre a distinção

31 LINHARES, José Manuel Aroso. In: CORREIA, Fernando Alves/MACHADO, Jónatas E. M./Loureiro, João Carlos (org.).
Na “Coroa de Fumo” da teoria dos princípios: poderá um tratamento dos princípios como normas servir-nos de guia?
Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra Editora, Coimbra, 2012, v. 3, p. 396-
397.
29

metódico-dogmática entre normas e princípios e princípios e regras, a polissemia e


equivocidade parecem sobrecarregar cada vez mais estas fórmulas mágicas da
ciência jurídica do último meio século. Em termos wittgensteinianos, diríamos que
os princípios transportam “uma coroa de fumo à sua volta, o halo das aplicações
vagamente sugeridas”...32 (grifo nosso)(itálico do original)

Para, ao final do texto acima indicado, segundo o Autor, através da contribuição doutrinária de
Ronald Dworkin e Robert Alexy, se estabelecer a dicotomia binária normativa das regras e dos
princípios, ambos como normas jurídicas, e preconizar a sua diferenciação metodológico-
exegética, através da qual os princípios se concretizariam numa lógica de ponderação,
enquanto as regras numa outra de interpretação.

O último passo para a sedimentação teórico-dogmática da problemática dos


princípios assentou na leitura das várias teorias sobre a estrutura jurídica dos
princípios (sobretudo os trabalhos fundamentais de R. Dworkin e R. Alexy)... As
normas ou são regras ou são princípios, ou são preceitos determinados ou
princípios indeterminados (indetermináveis). Em terceiro lugar, e estreitamente
conexionado com os dois primeiros pressupostos, existirá um diferente processo
metodológico consoante se trata de interpretar uma regra ou princípio. As regras
interpretam-se; os princípios concretizam-se. As regras adaptam-se aos modelos
tradicionais de interpretação; os princípios apontam para os modelos de
concretização e de ponderação.33 (grifo nosso)(itálico do original)

Posição essa destacada pelo mesmo Autor em outra obra de sua referência:

No presente capítulo procurar-se-á lançar as bases da compreensão dogmática do


direito constitucional. Convém, por isso, adiantar o ponto de partida fundamental
para a compreensão dos desenvolvimentos seguintes: o sistema jurídico do Estado de
direito democrático português é um sistema normativo aberto de regras e princípios.
Este ponto de partida carece de “descodificação”: 1) é um sistema jurídico porque é
um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura
dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e “capacidade de aprendizagem” das
normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às
concepções cambiantes da “verdade” e da “justiça”; (3) é um sistema normativo,
porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e
pessoas, é feita através de normas; (4) é um sistema de regras e princípios, pois as
normas do sistema tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a
sua forma de regras.34 (grifo nosso)(itálico do original)

Sobre a situação de falta de clareza da doutrina da Teoria do Direito sobre a questão dos
princípios e regras, na acepção de norma jurídica, no sentido até aqui discorrido, verifica-se o

32 CANOTILHO, J. J. Gomes. Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem. Boletim da Faculdade de Direito. Separata
de: Ars Ivdicandi: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves. v. I, Coimbra Editora, Coimbra,
2008, p. 376-377.
33 Ibid, p. 386.
34 CANOTILHO, J. J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Edições Almedina, [200-], p.

1159.
30

posicionamento harmônico de Robert Alexy, com as digressões anteriormente reproduzidas,


apesar de não ser a linha de abordagem a ser adotada neste artigo:

Die Unterscheidung von Regeln und Prinzipien ist nicht neu. Trotz ihres Alters
und ihrer häufigen Verwendung aber herrscht über sie Unklarheit und Streit. Eine
verwirrende Vielfalt von Unterscheidungskriterien wird angeboten. Die
Abgrenzung zu anderes Dingen, wie etwa Werten, ist Dunkel, und die Terminologia
schwankt.
Häufig werden nicht Regel und Prinzip, sondern Norm und Prinzip oder Norm und
Grundsatz gegenübergestellt. Hier sollen Regeln und Prinzipien unter dem Begriff
der Norm zusammengefaßt werden. Sowohl Regeln als auch Prinzipien sind
Normen, weil beide sagen, was gesollt ist. Beide lassen sich mit Hilfe der
deontischen Grundausdrücke des Gebots, der Erlaubnis und des Verbots formulieren.
Prinzipien sind ebenso wie Regeln Gründe für konkrete Sollenurteile, wenn auch
Gründe sehr verschiedener Art. Die Unterscheidung von Regeln und Prinzipien ist
also eine Untercheidung zwischen zwei Arten von Normen.35
(grifo nosso)

O sentido da análise aqui proposto neste trabalho se distancia do discrímen acima discorrido,
segundo o qual, de forma resumida, tanto o “princípio”, quanto a “regra” seriam espécies do
gênero “norma jurídica”. Adotar-se-á, até mesmo tendo em vista a coerência com a orientação
filosófico-jurídica ora impressa na reflexão empreendida, a taxionomia dos planos ou estratos
estruturados da validade jurídica vindicada pelo jurisprudencialismo, ao dar consistência,
coerência sistêmica e concretização à normatividade jurídica, exigida pelo Direito em uma
perspectiva autônoma, como esfera de resolução de problemas comunitários.

Assim sendo, de acordo com a referência jurisprudencialista em relação aos estratos ou planos
jurídicos acima mencionados, encontram-se discriminadas e diferenciadas, como partes
integrantes, ao compor a estrutura do sistema jurídico: os princípios normativos como seus
“fundamentos”; as normas legais; bem assim também os precedentes judiciais ou a
jurisprudência judicial e a dogmática jurídica, na condição de seus “critérios”, essa última em
referência à contribuição doutrinária exercida pelos pensadores do Direito, como densificadora
da juridicidade, ao propor saídas e/ou resoluções práticas aos dilemas, aos problemas
enfrentados na intersubjetividade humana em convivência coletiva ativa.

Perspectiva essa abordada por Castanheira Neves, ao realizar considerações acerca do


momento prático-metodológico e jurídico das dimensões constitutivas da estrutura da
juridicidade, no qual se concretiza a realização jurídica da normatividade, através de sua
especial e própria estratificação normativa, ao preconizar o entendimento do Direito em sua
31

real esfera de autonomia:

b) Pois bem, o primeiro momento da nossa proposta de reconstituição crítica do


sentido autónomo do direito fica assim compreendido, e manifesta-o a articulada
conjugação das quatro dimensões que ficaram enunciadas –... O segundo momento –
vimo-lo – convoca um correlativo modelo de pensamento chamado a assumir esse
sentido e a sua normatividade em ordem à sua concreta realização judicativa – e será
o momento metodológico da reconstituição crítica... Todo o modelo se perspectiva
por uma específica compreensão do “problema metodológico-jurídico” – o problema
do problemático-concreto juízo jurídico –, assim como refere um adequado “tipo de
racionalidade” – nem teorética, nem tecnológico-social, e antes prático-
jurisprudencial –,... Depois, organiza-se segundo uma também específica estrutura
que se traduz numa particular dialéctica entre “sistema” e “problema”, dialéctica essa
que tem no “juízo”, no concreto juízo jurídico, a sua mediação normativa. Mas
sistema, enquanto a adquirida objectivação da normatividade jurídica em todos os
seus planos, de validade e positiva, que se reconhece como a unidade de uma
estratificada totalização normativa – constituem-na os princípios (o momento de
validade), as normas (o momento de autoridade de prescrição), a jurisprudência
(o momento de experimentação problemático-casuística, a reconhecer com uma
particular presunção de justeza) e a doutrina ou dogmática (o momento de
racionalidade sistemático-reconstrutiva). E sistema com as características, além
disso, de abertura problemática e de sentido normativo regressivamente reconstrutivo,
e que oferecerá ao juízo os fundamentos (nos princípios) e os critérios (nas
normas) imediatamente decisórios... 36 (grifo nosso)(itálico do original)

De forma esquematizada o próprio António Castanheira Neves expõe as dimensões normativas


do sistema jurídico jurisprudencialista em sua racionalidade, através da percepção didática,
discorrida em outro estudo:

Dissemos, no entanto, que este universo não se manifesta apenas na sua estrutura,
organiza-se pela racionalidade de um sistema, e sistema também juridicamente
específico... A estruturada complexidade vemo-la constituída pelos quatro
elementos estratificados que lhe reconhecemos 1) os princípios, em todas as suas
modalidades (positivos, transpositivos e suprapositivos), enquanto o elemento em
que se exprime normativamente e se assume a validade axiológico-normativa na sua
intenção regulativa e fundamentante – os fundamentos, portanto; 2) as normas,
enquanto categoria geral da objectivação dogmática, na determinante positivação das
pré-soluções normativas em critérios jurídicos, fundados na validade normativa e
relativamente a ela possíveis, como vimos antes, mas imediatamente sustentados, já
pela legitimidade-autoridade prescritiva (desde logo legislativa), já pela auctoritas
quer jurisprudencial quer doutrinal; 3) a jurisprudência, a objectivação e
estabilização de uma como que experimentada casuisticamente, problemático-
concreta realização do direito e com o valor normativo que lhe advém não só da
particular auctoritas institucional como da presunção de justeza dessa sua realização;
4) a dogmática, estritamente agora a dogmática doutrinal ou a doutrina jurídica,... 37
(grifo nosso)(itálico do original)

35 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 72.
36 NEVES, A. Castanheira. O direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro. In: NUNES, António José
Avelãs/COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coord.). O direito e o futuro – o futuro do direito. Coimbra: Edições
Almedina, 2008, p. 66-67.
37 NEVES, A. Castanheira. Pensar o Direito num Tempo de Perplexidade. In DIAS, A. Silva (organização.) et. al, Liber

Amicorum de José de Souza e Brito, Almedina, 2009, p. 20-21.


32

No mesmo sentido a reflexão exercida por José Manuel Aroso Linhares em sua contribuição
jusfilosófica, ao perceber nos princípios normativos a sua função de fundamentação
constitutiva da validade do Direito, agregada pelos demais componentes de sua realização
prático-estabilizadora, consubstanciados pelas normas jurídicas, pela jurisprudência judicial e
pela doutrina ou dogmática:

ɣ) Trata-se enfim de mergulhar neste sistema, levando a sério a distinção


fundamentos / critérios ... e tal distinção na sua relevância metodológica
(indissociável da dialética de estabilização-realização sistema/ problema). Ao
assumir uma compreensão dos princípios normativos como autêntico direito vigente
– ao reconhecer nestes os fundamentos constitutivos da validade do direito ( em
todos os planos de afirmação e experimentação da juridicidade) –, a reconstituição
jurisprudencialista não só nos expõe, efetivamente, a uma experimentação
permanente do excesso normativo dos princípios – enquanto intenções constitutivas
de um normans (inesgotáveis nos critérios e nas realizações que fundamentam) –
como também exige que ao problema do tratamento destes fundamentos corresponda
uma experiência de constituição-manifestação-realização inconfundível.
[...]
ɣ)” Significa isto depois levar a sério esta vinculação... exigindo a convocação dos
fundamentos como dimensão imprescindível da experimentação dos critérios – o
que, no plano das prescrições legislativas, corresponde à exploração decisiva de
uma face de ratio juris (com as implicações metodológicas que esta determina).
[...]
ɣ)’’’’ Como significa ainda e por fim ter presente que o percurso de emergência e de
objectivação constitutiva dos princípios (numa permenente reinvenção dos seus
conteúdos que é também indissociável da força normativa ou da justiciabilidade que
lhes corresponde) se cumpre sempre envolvendo distintas práticas de estabilização-
realização (e a relação circular com o novum problemático que cada uma delas
distintamente estabelece): práticas que não são evidentemente apenas aquelas que
correspondem ao exercício contingente da voluntas legislativa (não obstante a
importância exemplar da mediação constitucional!), que são também e
decisivamente aquelas que as jurisprudências judicial e dogmática (com outros
tempos e outras dinâmicas) vão assumindo... como o são também e ainda aquelas que
as «situações institucionais» e os cânones das comunidades dos juristas (e estes
como dimensões imprescindíveis de uma realidade jurídica levada a sério como
estrato do sistema) permanentemente reinventam.38
(grifo nosso)(itálico do original)

Tal próximo entendimento domicilia-se, também, inclusive nas revelações promovidas por
Fernando José Bronze, ao versar sobre a objetivação da normatividade jurídica, em fragmento
que tratou dos princípios normativos do sistema jurídico, onde se pode perceber a
diferenciação entre “fundamentos” e “critérios” jurídicos, os primeiros, residência oficial dos
princípios normativos, em que se atesta a validade do Direito, enquanto que os segundos, a
destacarem a coabitação da norma legal, do precedente jurisdicional e da solução impressa
pela dogmática se fazendo presente, como elos de ligação fundantes entre a decisão jurídico-

38 LINHARES, op. cit., p. 416-418.


33

normativa tomada em um caso concreto e a fundamentação na qual se consubstanciam(ram):

O que acaba de sublinhar-se mostra-nos que enquanto as normas pretendem dar, de


um modo directo, a solução para os casos que pré-vêem, pois “são auto-suficientes no
critério abstracto que hipoteticamente prescrevem” (e que estamos aqui perante mais
uma das aporias do positivismo é o que logo nos desvela a existência, nomeadamente,
dos chamados limites normativo-intencionais das normas legais), os princípios
normativos apontam, tão-somente (em termos ora mais, ora menos difusos, mas
sempre constitutivamente...), o caminho para essa mesma solução, na medida em que
indicam o sentido prático que as soluções jurídicas devem assumir. Se quisermos,
enquanto as normas enunciam um ought to do, os princípios traduzem um ought
to be.
Disto isto, compreende-se que entre um princípio normativo (que não é uma
premissa lógica, mas um compromisso prático ...) e uma judicativo-decisória
solução concreta tenha de haver uma mediação, que realize a intencionalidade que o
predica, atenta a “especificidade da situação”: seja, mais ... mediatamente, devida a
um critério (a uma norma legal, a um precedente jurisdicional, a um moderno de
decisão elaborado pela dogmática), seja, mais ... imediatamente, realizada por um
acto judicativo (v. gr., da jurisprudência judicial, aquando da resolução de um caso
justificadamente qualificado como juridicamente relevante e para o qual se não
disponha de qualquer critério pré-objectivado no corpus iuris) – notas estas duas que
nos autorizam a observação de que os princípios inervam tão profundamente o
sistema jurídico que o podemos considerar, com R. DWORKIN, uma “community
of principles”.39
(grifo nosso) (itálico do original)

Há de se despertar a curiosidade pela qual, a classificação svpra exposta não seria, demais a
mais, numervs clavsvs, diante de outras contribuições e inspirações hauridas da dinâmica
social, a servirem de combustível para a ignição normativa assimilada pela e na dimensão
jurídica da realidade, com a existência de outros planos e incentivos na e pela formatação do
Direito em suas especificidades. Trata-se, por exemplo, da influência normatizante exercida
pelas realidades econômica, social, política, cultural, bem assim a dimensão procedimental do
Direito, ao adquirirem perspectiva no âmbito da juridicidade, mesmo porque o Direito não
poderia olvidar-se de estar sensível a tais esferas contributivas da normatividade, que clamam
por serem percebidas e fazerem parte da engrenagem social-comunitária ora em perspectiva,
como destaca o próprio Fernando José Bronze em passagens complementares de sua obra:

Se nos dispusermos a insistir naquela (parcialmente artificiosa, como se sublinhou)


tripartição, poderemos, exemplificativa e esquematicamente, chamar a atenção para a
importância da realidade económica na modelação de certos institutos como a
responsabilidade civil baseada no risco, os contratos de adesão (v. gr., os seguros), as
cláusulas contratuais gerais, a responsabilidade civil do produtor e a proteção do
consumidor,...
[...]
Quanto à realidade política, limitar-nos-emos a sublinhar o perfil normativo-jurídico
de múltiplos institutos é, decerto, ... politicamente condicionado (um exemplo, entre
tantos outros: o habeas corpus a que se referia a Constituição Portuguesa de 1933 – e
que veio a ser regulamentado por um diploma ordinário de 1945 – poderá

39 BRONZE, Fernando José. Lições de Introdução ao Direito. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 630-631.
34

compreender-se sem um adequado enquadramento na ... “realidade política” de


então? ...) ... – pois bem sabemos já que o direito-normatividade (que sempre temos
vindo a distinguir da mera normatividade constitucional) integra (mesmo de uma
óptica constitucionalmente interessada, como esta com que agora estamos,
circunstancial e intencionalmente, a operar) o corpus iuris vigente, no horizonte de
um autêntico Estado de ... direito –, não deixa de ter que recorrer a “valorações
políticas”.
Finalmente, a realidade cultural (que já caracterizámos, em várias oportunidades,
como o conjunto das valências que o progressivo afinamento da consciência ética
comunitária vai excogitando) apresenta-se-nos como o “englobante” horizonte do
deveniente mundo axiológico ... E, dentro da mencionada realidade cultural,
especificaremos a realidade técnico-científica, com o intuito de chamar a atenção
para a “função normativa” de muitas das informações de caráter técnico-
científico...
Por último, uma decisiva componenente do sistema jurídico é ainda aquela que
designaremos a sua dimensão procedimental – o conjunto das específicas (...)
regulae decidendi (...), que o jurista deve utilizar, para poder desempenhar, de um
modus adequado, a tarefa que lhe está cometida (...), pois só por sua mediação
logrará normativo-consonantemente articular, em termos materialmente
redensificantes e dinamicamente projectantes, os demais estratos do corpus iuris
vigente.40
(grifo nosso) (itálico do original)

Na esteira deste arrazoado porque não atrever-se a ousar e propor como adicional corpo do
sistema jurídico a aqui denominada “militância jurídica”, ao evocar digressão promovida por
A. Castanheira Neves em outro ensaio: “... E nessa preocupação não sou de Pedro nem de
Paulo, procuro antes Cristo – se a metáfora não for sacrílega –, que o mesmo é dizer que viso
o essencial como ele a mim se me ofereça. E com que legitimidade esse apenas em nome
próprio? Com a legitimidade do grão de verdade que cada um possui e de que deverá dar
testemunho, se o der com autenticidade e entrega...”41, entendida a “militância jurídica” como
o sentido valorizador do operador jurídico prático da advocacia, na própria acepção
jurisprudencialista já evocada, ao integrar-se como parte/elemento do sistema normativo, ou
melhor, como, também, uma de suas dimensões normativas.

Tal dimensão específica integrante do sistema jurídico evidenciado pelo jurisprudencialismo


pode não dispor de uma vinculação normativa tão direta ou imediata quanto os princípios
normativos ou as normas legais a detêm, entrementes, o operador do direito, mais
especificamente a “militância jurídica”, aguça e reduz tecnicamente, de forma mediadora, a
percepção mundana do problema prático, vivenciado pelo titular do direito subjetivo, a pessoa
humana, tanto numa perspectiva negativa, quando este seu direito for violado e, desta forma,
estaria apta a solicitar (postular) a intervenção do poder judiciário, como forma de mediação,

40 Ibid, p. 664-671.
41 NEVES, op. cit., p. 11.
35

na busca da solução ao caso concreto evocado, quanto numa orientação positiva, como ocorre,
por exemplo, na proposição de alternativas a uma situação vigente, através da qual se
implemente alguma melhora ou acréscimo a algum bem jurídico da comunidade afetada.

Como a outra dimensão do sistema normativo, ou seja, a jurisprudência, em princípio, é


passiva, no sentido de, normalmente, necessitar de um impulso motivador para a sua entrada
em cena no palco do mundo jurídico, noutros termos, diante de sua eventual, específica e em
menor escala atuação ex officio, tendo em vista ser inerte até aperceber-se da cinemática
realizada pela “militância jurídica”, essa última que, ao exercer a percepção da microfísica da
situação reclamante e reclamada pela intervenção do Direito, e, ao fazer parte desta
engrenagem jurídica, serve de estopim para que os demais elementos sistêmicos não somente
se desencadeiem, mas também entrem em operação simbiótica e harmônica, possibilitando ao
Direito aflorar com todas as suas energias integradoras, no âmbito de validade, que lhe é
característico.

Seria recomendável ilustrar a proposta da “militância jurídica”, como parte integrante do


sistema normativo, na sua acepção de critério jurídico, através de uma ilustração. Verificava-
se, nas relações mundanas do cotidiano laboral brasileiro, um comportamento iníquo por parte
de determinadas empresas, especialmente aquelas cujo capital social era controlado pelo
Estado, as assim chamadas “empresas públicas” ou “empresas de economia mista”, qual seja,
a realização lesiva e discriminatória do enquadramento de determinados empregados públicos
em faixas salariais diferenciadas, por ocasião da implantação dos seus planos salariais de
carreira, apesar de possuírem os mesmos critérios preconizados pela avaliação objetiva
exigida, mas preteridos diante dos apadrinhados políticos, detentores de cargos em comissão,
notadamente quando a avaliação subjetiva do corpo funcional não era realizada, deixando as
promoções à guisa da plena discricionariedade da administração diretiva de tais sociedades.

Com fundamento no princípio da isonomia e na dicção legal exercida pelo art. 129 do Código
Civil brasileiro42, usando-o com força normativa ancilar no Direito do Trabalho, como

42 Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela
parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele
a quem aproveita o seu implemento. BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.
36

preconizado no art. 8 da Consolidação das Leis do Trabalho – CLT43, a “militância jurídica”


começou a postular o enquadramento dos funcionários não avaliados subjetivamente em graus
mais elevados dos planos de carreira promovidos pelas empresas controladas pelo Estado. Tal
situação, pelo menos de forma parcial, obteve o reconhecimento jurisprudencial, tornando-se
entendimento de referência no Tribunal Regional do Trabalho da 5A (Quinta) Região – TRT5,
através da sua Súmula n. 3244, inclusive não se restringindo tão somente às empresas estatais.

Apesar da tese jurídica não estar plenamente pacificada em sede do Tribunal Superior do
Trabalho, sofrendo inclusive revezes interpretativos45, o que importa salientar é o papel da
“militância jurídica” no sistema normativo como um todo, justificando a sua eleição como
elemento sistemático integrante, pois, somente com a identificação de comportamentos até
então estranhos à dimensão do Direito, poder-se-ia requisitar a sua interferência como esfera
mediadora.

Se se fosse esperar pela identifação ex officio de tal dilema/problema por outras instâncias
jurídicas, talvez a relação intersubjetiva jamais estivesse no radar do sistema normativo, não se
tornando objeto de sua apreciação e julgamento, daí o por quê de se preconizar a “militância
jurídica” como parte integrante e importante dentro da juridicidade.

Diante do quanto discorrido, assume-se neste ensaio, portanto, a tolerância como princípio
normativo, na acepção jurisprudencialista pensada, ou seja, fundamento normativo, ao não
somente incrustar dentro da normatividade determinados valores comunitários específicos,

43 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de
maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. BRASIL. Decreto-Lei no 5.452, de
1o de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.
44 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5 (Quinta) Região. SÚMULA TRT5 Nº0032. PROMOÇÃO POR

MERECIMENTO. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. OMISSÃO DO EMPREGADOR EM REALIZAR AS


AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO PREVISTAS. RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DO DIREITO DO
EMPREGADO. Resolução Administrativa nº 0044/2016 – Divulgada no Diário Eletrônico do TRT da 5ª Região, edições de
08, 09 e 10.08.2016, de acordo com o disposto no art. 187-B do Regimento Interno do TRT da 5ª Região. Disponível em:
https://www.trt5.jus.br/sites/default/files/www/jurisprudencia/sumulas/sumulas_do_trt_da_5a_regiao_divulgado_na_internet.
pdf. Acesso em: 19 dez. 2019.
45 BRASIL. Tribunal Superior do Trabalho (7. Turma). Recurso de Revista 47-12.2011.5.23.0005. I. AGRAVO DE

INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA


ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA DA LEI 13.015/2014. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS -
ECT. PROGRESSÃO HORIZONTAL POR MERECIMENTO. AUSÊNCIA DE DELIBERAÇÃO DA DIRETORIA DA
EMPRESA. CONDIÇÃO SIMPLESMENTE POTESTATIVA. IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AUTOMÁTICA.
Recorrene: Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT. Recorrido: Alenildo Souza da Silva. Min. Douglas Alencar
Rodrigues. 15 de Abril de 2016. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/. Acesso em: 19 dez. 2019.
37

hauridos da comunidade através de suas percepções ético-axiológicas dali colhidas, como


também poder orvalhá-los de maneira fundamentante nas demais dimensões do sistema,
especificamente nos critérios normativos consectários, verdadeiro compromisso prático a ser
entronizado e levado em conta pelo Direito, como potência mediadora e resolutiva da
problemática humana em sua convivência comunitária, onde a pessoa política, em sua
totalização associativa, realiza a sua própria existência, o seu “Dasein”, que poderia ser
estendido para um deveras “Damitsein”, diante da necessária participação do ser jurídico em
sua territorialidade, em sua comunidade, historicamente pensada e realizada, através da práxis
de suas condutas mundanas.

Mais duas outras considerações clamam por serem impressas neste discurso, sendo a primeira
pela qual se leva a considerar o princípio normativo da tolerância como um princípio
suprapositivo, ou seja, um autêntico “dever-ser” do “dever-ser”, princípio normativo
fundamentante de qualquer outro princípio normativo da ordem jurídica posta, ao constituir o
sentido maior do Direito e preencher e disseminar o seu espectro de validade em todas as suas
células ou partículas integrantes, vazo comunicante da afirmação de uma validade jurídica, que
atesta e solidifica o compromisso social pelo seu valor axiológico, que lhe é inerente e lhe
persegue. Princípio normativo da tolerância, com semelhante calibre normativo, por exemplo,
daquele existente na “dignidade da pessoa humana”, diante da dimensão ético-axiológica
incorporada no e pelo Direito, ao perceber a pessoa em sua vida comunitária, numa relação
ética entre liberdade e responsabilidade, detentora de um feixe recíproco de direitos subjetivos
e obrigações jurídicas, ao exercer o pleno domínio simbiótico do svvm-comvnne, situação essa
não factível de ser realizada, por qualquer ordem jurídica, sem a presença da tolerância, como
também da dignidade da pessoa humana.

O segundo aspecto, ao ser tratado já no espaço reservado ao final deste capítulo, refere-se à
necessidade da consideração do princípio normativo da tolerância em seu aspecto material e
não somente na sua incorporação formal, positivada ou não, dentro de uma ordem jurídica
qualquer. Noutros termos, não basta tão unicamente considerar a tolerância como princípio
normativo expresso ou implícito de um ordenamento jurídico, necessário se faz materializá-la
materialmente, ou melhor, substanciá-la, através de práticas e condutas sistêmicas, tuteladas
pelo poder público em comando, em todas as suas enervações e feixes de poder derivados,
38

inclusive através e pela conduta intersubjetiva das pessoas em seu convívio social diante das
diferenças discordantes e rejeitadas visões e concepções de mundo, livremente consideradas,
mas admitidas, até certo limite estabelecido, onde, a partir daí, haveria o espaço para a
manifestação da intolerância institucionalizada, noutros termos, o limite da tolerância
institucionalmente definido e garantido.

A questão formal/material da tolerância deve ser analisada, podendo-se tomar como base
reflexão em torno deste princípio normativo em âmbitos específicos da comunidade social,
especificamente no sistema educacional alemão, o que torna a análise mais contundente e
categórica, já que se deve realçar característica própria do Estado Alemão, ao deter elevados
índices de satisfação das necessidades coletivas básicas e até mesmo em dimensões mais
elevadas, através da disponibilização, aos seus cidadãos, de amplo acesso a cultura, ao lazer,
ao desporto, etc., além dele poder ser alcunhado de Estado Democrático de Direito, como
abaixo será versado na parte última deste texto, e tecer críticas à sua uniformização
institucional, apesar da tolerância estar prevista e positivada, formalmente, na acepção da
palavra “Duldsamkeit”, como princípio normativo, em, por exemplo, pelo menos, três
Constituições de Estados alemães diferenciados. Tolerância essa, portanto, textual e
formalmente prevista no Art. 56 da Constituição de Hessen, no Art. 33 da de Rheinland-Pfalz
e no Art. 26 da de Bremen:

Artikel 56 Es besteht allgemeine Schulpflicht. Das Schulwesen ist Sache des Staates.
Die Schulaufsicht wird hauptamtlich durch Fachkräfte ausgeübt. An allen hessischen
Schulen werden die Kinder aller religiösen Bekenntnisse und Weltanschauungen in
der Regel gemeinsam erzogen (Gemeinschaftsschule). Grundsatz eines jeden
Unterrichts muß die Duldsamkeit sein. Der Lehrer hat in jedem Fach auf die
religiösen und weltanschaulichen Empfindungen aller Schüler Rücksicht zu nehmen
und die religiösen und weltanschaulichen Auffassungen sachlich darzulegen.46
(Constituição do Estado Alemão de Hessen) (grifo nosso)

Artikel 33 [Grundsätze für die Schulerziehung] Die Schule hat die Jugend zur
Gottesfurcht und Nächstenliebe, Achtung und Duldsamkeit, Rechtlichkeit und
Wahrhaftigkeit, zur Liebe zu Volk und Heimat, zum Verantwortungsbewusstsein für
Natur und Umwelt, zu sittlicher Haltung und beruflicher Tüchtigkeit und in freier,
demokratischer Gesinnung im Geiste der Völkerversöhnung zu erziehen.47
(Constituição do Estado Alemão de Rheinland-Pflaz) (grifo nosso)

Artikel 26

46 ALEMANHA. Verfassung des Lades Hessen. Hessen. Disponível em:


http://starweb.hessen.de/cache/hessen/landtag/enquetekommissionverfassung/Hessische%20Verfassung.pdf. Acesso em: 01
dez. 2019.
47 ALEMANHA. Verfassung für Rheinland-Pflaz. Rheinland-Pflaz. Disponível em:
https://www.rlp.de/fileadmin/user_upload/Landesverfassung.pdf. Acesso em: 01 dez. 2019.
39

Die Erziehung und Bildung der Jugend hat im wesentlichen folgende Aufgaben:
1. Die Erziehung zu einer Gemeinschaftsgesinnung, die auf der Achtung vor der
Würde jedes Menschen und auf dem Willen zu sozialer Gerechtigkeit und politischer
Verantwortung beruht, zur Sachlichkeit und Duldsamkeit gegenüber den
Meinungen anderer führt und zur friedlichen Zusammenarbeit mit anderen
Menschen und Völkern aufruft.48 (Constituição do Estado Alemão de Bremen) (grifo
nosso)

Não basta preconizar e textualmente afirmar, que um Estado deve, em sua política de educação
ou em qualquer outra na seara do poder público, prestigiar o princípio normativo da
“Duldsamkeit” em acepção próxima ao termo “tolerância”, em formal respeito às diferenças
de origens, de concepções, de visões de mundo, de raças, de religiões, de orientações sexuais,
etc., se, na sua efetivação, exige-se, por demais, uma excessiva padronização ou uniformização
de hábitos, usos e costumes, tornando defesos outra(o)s, ao impor determinadas práticas
abusivas e violentadoras ao respeito à individualidade e às diferenças alheias, normalmente
manifestas contra os interesses e intenções de pessoas de outro cariz ideológico, político,
religioso, ao colocar o Direito a serviço de um discurso político recheado de vazios, sem
substância e sem consistência, servo submisso aos interesses implacáveis de determinadas
classes, que ascendem ao poder, até mesmo, às vezes, de forma legítima, mas capazes de
desvirtuá-lo, para a satisfação teleológica do seu projeto de dominação e perpetuação dos
privilégios de suas castas encasteladas e fincadas na estrutura estatal sob o seu domínio.

Meditação no sentido acima exposto pode ser encontrada no pensamento de Günter Püttner, ao
versar sobre o sistema educacional alemão e trazer em consideração a presença da palavra
“Duldsamkeit” em algumas Constituições dos seus Estados:

Die gefordete Rücksichtnahme wäre relativ leicht zu verwirklichen, wenn es in der


Schule nur technisches Training von Fertigkeiten oder um fachliche Information
ginge. Aber das trifft nicht zu: Es geht auch um die Einführung in das
Gesellschaftsleben, in Religion und Kultur, in soziale und politische Anschauungen.
Rücksicht zu nehmen und die verschiedenen Anschauungen sachlich darzulegen, wie
es etwa Art. 56 der Hessischen Verfassung formuliert...; die Verfassungen
verlangen sogar von ihm, daß er die Schüler zu demokratischer Gesinnung, zur
Nächstenliebe und zur Duldsamkeit erziehen müsse. Mit Neutralität ist das nicht zu
machen, hier muß sich der Lehrer als Person einsetzen und es hängt von seiner Person
ab, was die Schüler lernen und annehmen.
... Oder aber das System hat zur folge, daß alle spezifischen Anschauungen und
Meinungen ausgeklammert und abgeschliffen werden, mit anderen Worten eine
Nivellierung der Meinungen herbeigeführt wird... Vielleicht ist diese
Nivellierung auch ein algemeiner Zug der Industriegeselschaft. Jedenfalls zeigt

48 ALEMANHA. Landesverfassung der Freien Hansestadt Bremen. Bremen, 2016. Diponível em: https://www.bremische-
buergerschaft.de/fileadmin/user_upload/Informationsmaterial/LandesverfassungBremen_2016_web.pdf. Acesso em: 01 dez.
2019.
40

sich, daß es falsch wäre, Toleranz nur statisch zu betrachten als ein System des
zusammenlebens ausgereifter Menschen mit festem Standpunkt. Der
Meinungsfindungsprozeß in der jeweils heranwachsenden Generation gibt der
Toleranz einen dynamischen Aspekt, der für das Ganze von erheblicher Bedeutung
ist. In einem tolerantem Staat muß zumindest die Möglichkeit offen stehen, auch
Minderheits- oder Sonderanschauungen weiterzugeben und neue Anschauungen
wachsen zu lassen.49
(grifo nosso)

A análise acima promovida e proposta em torno do princípio normativo da tolerância serve


também para descrever um sinal de alerta ou pelo menos uma preocupação, tendo em vista a se
realizar a conservação e a defesa da dimensão autônoma do Direito, no sentido de eriçar os
seus portais e prover de armas as suas sentinelas, diante dos ardis e das sutilezas cada vez mais
frequentes, que permeiam a vida cotidiana moderna, verdadeira ameaça ao seu papel de
mediador dos dilemas intersubjetivos permeados na comunidade humana.

Está a se versar, na consideração acima tecida, sobre a submissão e a desvalorização do


Direito, identificadas presentemente, com a redução da sua importância e do seu papel
específico mesmo no chamado mundo desenvolvido, diante de outras grandezas conciliadoras
de conflitos intersubjetivos, como, por exemplo, a política ou a economia, que apresentam
munições e um potencial bélico de maior calibre, mais sedutores. O Direito encontra-se
permanentemente ameaçado e submetido a uma condição de vassalagem frequente a essas
dimensões anteriormente mencionadas. O veio axiológico-normativo, que serve de substrato
de validade aos fundamentos do Direito, encontra-se contaminado por outras intenções, até
mesmo disfarçadas pelo positivismo constitucional crescente, onde se afirma que a
Constituição é o Direito, quando, na verdade, seria o Direito quem deveria determinar a
Constituição, pois essa, como estatuto jurídico da política, teria de se decantar como fiel
depositária da principiologia imanente emanada do e pelo Direito.

Especialmente quando a política encontra-se lastreada por fortes interesses econômicos, esses
últimos capazes de fomentar um tecnicismo crescente, quando a valorização da sua eficiência,
aliada à eficácia da política são mais tenazes e, além disso, capazes de obnubilar o espectro da
validade jurídica preconizada pelo Direito.

A justiça dos homens encontra-se cada vez mais afastada dos seus alicerces e fundamentos
jurídicos, tornando-se inepta a responder pelo seu múnus ontológico, ou a sua razão de ser

49 PÜTTNER, op. cit., p. 49-50.


41

própria, pois a incessante e desenfreada busca do progresso material, a maximização do lucro


pelo lucro, perpassa qualquer centelha de raiz ideológica, ao não ser útil para o bem da
coexistência do sujeito de direitos, a pessoa, em sua relação comunitária intra (inter) sistêmica.

O mundo da crescente valorização do poder político e do poder emanado da riqueza financeira,


frequentemente entre si atrelados, não soluciona as proporções dos desastres ambientais
vigentes e cada vez mais frequentes; é impotente para diminuir a crescente e impiedosa
pobreza espalhada pelos quatro rincões globais, notadamente nos países periféricos, alguns
hipocritamente chamados de “países em desenvolvimento”, desenvolvimento esse marcado e
tatuado por um advir eviterno, mesmo porque concentrado e não distribuído; não minora a
frequente “ghetização” ou favelização de sua população mais carente e necessitada; não
controla a inevitável escassez de recursos naturais, dentre os quais, o bem líquido universal
denominado de “água”, escasseando continuadamente, indispensável para a vida em geral; não
logra produzir alimentos sem venenos e/ou agrotóxicos; impede o arado e o cultivo sadio da
mãe terra (“Pachamama”); não consegue deter a crescente escravização da força de trabalho
obreira, onde legiões de pessoas são submetidas a condições sub-humanas de labor; é débil
para disseminar os massacres humanos realizados por lutas fraticidas de poder, muitas dessas
de matiz religioso-fundamentalista, dentre outros efeitos deletérios, ou seja, noutras palavras, a
tão esperada felicidade humana, prosaicamente defendida pelo progresso humano, marcado
pela conquista do espaço sideral, com os avanços da medicina de ponta, com a explosão da
sociedade da informação, com o encurtamento constante das distâncias, tem-se afastado, em
muitas léguas, da sua materialização, tornando-se um ideal imaginário, distante da realidade
social presente.

Tal cenário, nas circunstâncias acima expostas, encontra ressonância na preocupação de


Castanheira Neves, ao descrever a sua sisudez à tal situação de submissão do Direito pensada:

A perspectiva do direito não é a perspectiva da sociedade, numa intencionalidade


que se dirá estratégico-regulativamente macroscópica, mas a perspectiva do homem,
de uma índole já microscópica em nuclear referência às concretas controvérsias
práticas e numa intencionalidade problemático-normativamente judicativa. O direito
não se propõe governar a sociedade, mas constituir uma validade normativa que ao
homem dê o sentido da sua prática. E daí a recusa do holismo prático,... – se em tudo
está o todo, o todo não será o critério imediato e específico de tudo – e com o
resultado de o triunfo vir a caber afinal, e de conferir boa consciência, a forças
mais poderosas, nos meios que mobilizam e na sua eficácia, despedaçando, já o
disse uma vez e repito-o agora, a panela de barro das validades, que vão na
42

intentio do direito, contra a panela de ferro do cinismo do poder e da astúcia dos


interesses.
Enfrenta o imperialismo do político para do político se distinguir – o direito não
é política, mas validade; não é estratégia, mas normatividade; não actua por decisão
de alternativas consequenciais, mas por juízo de fundamentante validade normativa.
E considero as duas modalidades principais que esse imperialismo tem tomado na
nossa história civilizacional relativamente ao direito – o legalismo ontem, o
constitucionalismo hoje. O legalismo conheceu duas fases que importa distinguir...
Numa segunda fase, a actual, e em consequência de uma marcada evolução em que
aquele primeiro sentido da legalidade de todo se subverteu, a legalidade, a lei,
tornou-se um facto político, um simples instrumento político prescritivo que o
poder político mobiliza sem peias para a realização das suas exclusivas
estratégias políticas. E por isso mesmo o legalismo viu-se absorvido, político-
juridicamente, pelo constitucionalismo, já que o que fora o legalismo para os
Estados moderno e iluminista passou a ser a constituição para o Estado
contemporâneo..., o que agora há que perguntar é se do mesmo modo o direito se
distingue, se deverá distinguir, e como, da normatividade constitucional... Conclusão
que temos problematizado, invocando justamente a autonomia do direito –... Com
efeito, para além do seu conceito – do que como constituição se deva entender –, o
sentido normativo da constituição conhece em si mesmo uma tensão entre o jurídico e
o político e segundo uma dialéctica que não se supera numa identidade – que só
significaria o total sacrifício do direito à política e isso com consequências
graves,... Depois a identificação da juridicidade com a constitucionalidade,
traduzir-se-ia igualmente na conversão do Estado, enquanto a última encarnação
intencional e institucional da polis (...), de um Estado-de-Direito – isto é, um Estado
em que o direito é, não só formal mas material, dimensão constitutiva, uma autónoma
instância normativa de validade e crítica – num apenas Estado-de-Constituição e a
significar, também por aqui, que no Estado o que por último conta e a que tudo
deve vassalagem é a política, num perigoso empobrecimento, ainda que
veementemente, do prático universo humano...50 (grifo nosso) (itálico do original)

No panorama da discussão aqui ponderada, há que se perceber a necessária consideração da


tolerância como princípio normativo do Estado Democrático de Direito. Noutro desenvolver,
não se pode conceber a existência do Estado Democrático de Direito sem considerar, como
parte do seu arcabouço jurídico, a presença da tolerância, como um dos seus princípios
fundamentantes, integração/interiorização à normatividade de sua valoração axiológica, como
ocorre, por exemplo, com a dignidade da pessoa humana.

A dimensão ético-normativa do sujeito de direitos, a pessoa, através do exercício pleno de sua


liberdade, numa determinada comunidade, prevê a coexistência de sua individualidade com o
grupo de sua inserção comunitária, cópula jurídica do svvm-comvnne, devendo, portanto, ser
valorizada, de igual modo que a percepção dedicada ao lado da “comvnne”, o polo do “svvm”,
o que significa realçar a importância da pessoa em sua unicidade, ou seja, dar relevo jurídico à
sua ipseidade, com todas as próprias características de sua individualidade, suas crenças,
visões de mundo e concepções, mesmo que minoritárias e tangenciadoras das da maioria, que

50 NEVES, op. cit., p. 26-27.


43

imperam no seu seio social. Portanto, a prática da intolerância não se coaduna neste quadro
normativo rabiscado.

Ao falar sobre a teoria da tolerância ministrada por Arthur Kaufmann, Ken Takeshita declara
somente ser possível de consubstanciá-la numa sociedade aberta e livre:

Nach der Theorie Kaufmanns kann man den anderen gerade deshalb als Person
anerkennen und achten, weil auch der andere nach Wahrheit strebt, und weil seine
Irrtümer auf dem Weg des Strebens nach Wahrheit unausweislich sind. Bloße
Duldung des Irrtums ist keine echte Toleranz. Wahrheitsfindung ist dagegen ein
Prozess der Freiheit, deshalb kann die Toleranz als Ermöglichung von Freiheit und
Wahrheit nicht als etwas Statisches verstanden werden. Nur eine offene Gesellschaft
verwiklicht wahre Toleranz. So war etwa die Gesellschaft des christlichen
Mittelalters keine tolerante Gesellschaft.
[...]
Auch wenn Bloom und Kaufmann hinsichtlich der Toleranz im Ergebnis zu
unterschiedlichen Auffassungen gelangen, stehen sie sich in der Sache ziemlich nahe.
Sie verteidigen beide die Freiheit des Menschen leidenschaftlich, besonders um der
Erforschung der Wahrheit oder Richtigkeit willen. Kaufmann schrieb über den
Zusammenhang zwischen Freiheit, Wahrheit und Toleranz folgenders: „Nur in der
freien Auseinandersetzung der vielen Meinungen hat die Wahrheit eine Chance. Nur
aus der Teilhabe an der Wahrheit erwächst echte Freiheit“. Eben weil Toleranz
Freiheit ermöglicht, ermöglicht sie damit letzten Endes auch Wahrheit. 51
(grifo nosso) (itálico do original)

Não se pode versar sobre o Estado Democrático de Direito sem salientar a importância da
presença da pessoa como plexo de direitos subjetivos, daí, apesar das divergências residentes
no seu interior, há que se preservar e proteger, através do Direito, pela validade aflorada dos
seus fundamentos, seu perfil de pluralidade, justificando-se, desta forma, tratar a tolerância
como seu inerente princípio normativo suprapositivo.

51 TAKESHITA, Ken. Toleranz als Rechtsprinzip: Kommentar zu Arthur Kaufmanns Theorie. In NEUMANN, Ulfrid;
HASSEMER, Winfried; SCHROTH, Ulrich. Verantwortetes Recht: Die Rechtsphilosophie Arthur Kaufmannns, Archiv für
Rechts- und Sozialphilosophie, Beiheft n. 100, Franz Steiner, 2005, p. 107-109.
44

4 TOLERÂNCIA E ESTADO DEMOCRÁTICO DE DIREITO

Rios de tinta versam sobre a teoria e a definição do Estado de Direito, entrementes, de uma
forma resumida e por que não dizer filisteia, poder-se-ia preconizar que o Estado de Direito
seria aquele caracterizado pelo dominvs pleno do Direito em suas hostes e confins. Somente
pelo Direito, através do Direito e com o Direito poderia ser estruturado o Estado de Direito,
como entidade autônoma e independente que se consubstancia, ao açambarcar um território, no
exercício de sua soberania, em face dos interesses de um determinado povo. Fora da presença
do Direito não se pode falar em Estado de Direito.

A caracterização da existência do Estado de Direito se manifesta através do relevo dado ao


Direito, diante do seu sistema normativo na regulação ou mediação dos comportamentos
intersubjetivos ocorridos no seio de uma comunidade, sejam esses travados de forma
“horizontal”, ou seja, entre os próprios cidadãos, ou “verticalmente”, entre esses últimos e o
Governo, por meio de suas instituições/entidades, de maneira recíproca.

A ordem jurídica delimita, através do seu sistema normativo, a forma de atuação, ou melhor,
os conteúdos deontológicos de “permissão”, “proibição” e “obrigação” das pessoas jurídicas
involucradas no tráfico das relações intersubjetivas vivenciadas pela raça humana, no exercício
de sua humanidade, de maneira a preencher o seu cotidiano, mesmo porque o “homem”, ou
melhor, a “pessoa”, essa entendida como sujeito de direito, onde se realiza a dimensão ética do
Direito, ao deter em seu patrimônio jurídico um feixe de direitos diante do seu “svvm”, perante
as responsabilidades assumidas em face da sua comunidade, ao ressaltar o seu comvnne,
precisa do outro “homem”, se aperfeiçoa em sua plenitude como ser ou “Dasein” na presença
da alteridade de outrem, percepção inequívoca do seu “Damitsein”. Inexiste a possibilidade de
coexistência ou mesmo da existência humana sem a presença do outro. Noutros termos, não se
pode falar em Direito, sem o convívio humano intersubjetivo. Não há o que se regular, se não
há comunidade, para a prática de comportamentos, que sejam axiologicamente considerados
relevantes pelo Direito. Até mesmo Robinson Crusoé precisou de seu “Sexta-Feira”, para
poder subsistir.

Na essência do Estado de Direito, há que se perceber que não é o Estado quem cria o Direito,
mas, outrossim, o Direito é quem o estabelece. Os limites de atuação do Estado e a sua forma
45

de atuar, organizar, realizar e agir, através da constituição e da regulação de suas instituições,


longa manvs do poder que lhe é delegado, são estabelecidos pelo Direito. O Estado de Direito
atua e se comporta em encômio aos princípios e critérios estabelecidos pelo seu sistema
normativo, sendo ancorado por uma série de institutos ou práticas, ao permitirem a sua
materialização e/ou manutenção. Está a se falar, por exemplo, da exigência de uma
independência entre os seus poderes de mando internos confiados, ao se construir uma
estrutura de pesos e contrapesos, capaz de equilibrar e balancear as iniciativas de sua autuação,
e, desta forma, evitar prevalências e arroubos autoritários ou desviados de sua finalidade, por
intermédio de quem quer que esteja, e não seja, no exercício de sua atuação. Adicionalmente,
fazendo parte integrante do Estado de Direito, há que se prever a sua forma de legislar; a forma
de controlar a constitucionalidade dos atos legislativos, bem como das decisões in loco, no
controle difuso ou concreto de sua compatibilidade com o texto mor constitucional; o
estabelecimento de direitos e garantias fundamentais, com o devido processo legal e seus
corolários derivados, quais sejam, a ampla defesa e o contraditório; a inexistência de
retroatividade nos efeitos das normas editadas; a não aplicação de penas e sanções gravosas ao
cidadão, sem a presença de uma previsão legal; a proteção à dignidade da pessoa humana pela
preservação da vida e da integridade física das pessoas e da sua propriedade; a consecução da
prática legislativo-normativa através de critérios claros, precisos, objetivos e públicos; a
existência e a determinação de órgãos julgadores de não exceção, com a institucionalização da
escolha de um juiz natural; a necessidade de fundamentação das decisões seja a qualquer nível
dentro da organização do Estado; dentre muitos outros aspectos.

Importante verificar, em consonância com os aspectos acima discorridos, o relato de J. J.


Gomes Canotilho:

Na década de 70 e principalmente na década de 80 para Estado de direito é uma


palavra de luta contra a chamada deriva totalitária socialista... A desesperada
tentativa da perestroika para alicerçar a “formação de um Estado de direito
socialista” demonstra que faltava o essencial de um Estado de direito: a separação
dos poderes, a garantia dos direitos e liberdades, o pluralismo político e social, o
direito de recurso contra abusos dos funcionários, a subordinação da
administração à lei constitucional, a fiscalização da constitucionalidade das
leis...52 (grifo nosso) (itálico do original)

Há que se considerar, entretanto, dois vetores distintos, mas não opostos, mas sim
complementares do sentido de Estado de Direito ora considerado, o que poderia ser resumido
46

na máxima, segundo a qual “ninguém seria obrigado a algo fazer ou deixar de praticá-lo
senão de acordo com o sentido de um critério normativo que o preveja, tendo sido respeitado
o devido processo legislativo de sua concepção”.

Primeiramente, deve-se perceber, em relação ao quanto acima considerado, o viés dedicado ao


cidadão, em sua percepção autônoma-individual, pois não haveria obstáculo à sua atuação ou à
manifestação de qualquer comportamento, desde que esse não esteja defeso(a) por critério
normativo, previamente estabelecido. As portas da liberdade citadina estariam, pois, abertas
para as condutas intersubjetivas praticadas pelo sujeito de direitos, num amplo espectro de
realização, tendo em vista a miríade de práticas e procedimentos presentes em sua comuna,
que não são sancionados pelo Direito, muitas das quais nem mesmo são valoradas e apreciadas
pelo sistema normativo, passando ao largo do crivo de sua estima. A margem de autuação da
pessoa, em sua individualidade, é ampla, dilatada na compreensão da vastidão de sua
liberdade, condição ontológica para a realização da sua cidadania, já que possui o Estado de
Direito a liberdade como um dos seus pressupostos fundamentais.

No segundo semblante, do quanto acima pontuado, já em relação ao Estado, a sua forma de


atuação é distintamente diferenciada, tendo em vista só poder atuar em conformidade com o
sentido estabelecido por um critério normativo. Há um pressuposto teleológico nesta acepção,
pois se deve restringir, através do Direito, o freio opressor de atuação do Estado em direção ao
cidadão, para que possa exercer a plenitude de sua existência humana dentro de sua
comunidade.

Não se deve soltar o Estado, através de suas instituições, de forma deliberadamente livre, num
espaço amplo de discricionariedade, sem limites e fronteiras, navegando de acordo com os
interesses exclusivos acastelados nas suas esferas do poder, sob o risco de transformar o
Estado de Direito em Direito do Estado e, portanto, subjugar o direito à política, ou à
economia ou a qualquer outra dimensão normativa, que não seja a jurídica, e privilegiar
interesses diversos e deletérios, peregrinos à sociedade onde atua, e, sob o título, formalmente
estatuído de “Estado de Direito”, configurar-se em promotor da violação dos seus
fundamentos básicos e desflorar os direitos e garantias básicos, que devem ser estendidos à sua
população.

52 CANOTILHO, J. J.Gomes. Estado de direito. 1. ed. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999, p. 16.
47

Seja em relação ao indivíduo, onde a liberdade de atuação lhe é manifestada de forma ampla,
seja em face do Estado, onde o ser livre é limitado, ambos os vetores se cumulam, nesta
geometria espacial normativa, ao contribuir para a formação de um Estado, que se digne a
denominar de Direito.

Por sua vez, haveria que se acrescentar o termo “democrático” ao qualificar o Estado de
Direito, apesar de talvez soar como um pleonasmo a locução “Estado Democrático de
Direito”, já que, ausente a democracia, não se poderia conjecturar na existência de um Estado
de Direito. Entrementes, para introduzir a expressão no texto do contexto ora vislumbrado, há
que se legitimar o poder conferido ao Estado de Direito através da participação popular. Tal
faculdade de manifestação política dos seus cidadãos ocorre, através do voto livre, universal e
secreto, ao estabelecer a soberania popular em sua essência democrática.

O Estado de Direito estaria, desta forma, submisso aos interesses e aos anseios dos seus
cidadãos, que legitimam a sua força e presença políticas, escolhendo, livremente, sem amarras,
os seus representantes, para assumirem as posições públicas nos órgãos e/ou entidades, que lhe
compõem, inclusive alguns detentores do múnus da produção legislativa.

O governo democrático seria, portanto, o da maioria, escolhido pelo sufrágio da maior parte da
sua população, sem, entretanto, descurar das minorias vencidas, também parcela comunitária,
detentora de voz importante a ser considerada e avaliada, ao servir o Estado Democrático de
Direito, adicionalmente, de garantia e proteção aos interesses minoritários de determinados
grupos sociais, para se evitar, que sob a sua denominação, se materialize a chamada “opressão
majoritária”.

A noção de Estado de Direito é também caracterizada no pensamento de Jorge Reis Novais, ao


versar sobre a sua imanente necessidade de participação popular:

Com este alcance, o princípio democrático confere uma nova inteligibilidade aos
elementos do Estado de Direito e, desde logo, legitima a recomposição verificada na
divisão de poderes tradicional. Assim, quer a autonomia do executivo quer o reforço
da independência e posição relativa do poder judicial se justificam à luz da
submissão básica de todas as funções estaduais à vontade democrática
48

livremente expressa.53 (grifo nosso) (itálico do original)

A ideia da participação democrática para legitimar a noção de “Estado Comunitário”, no


âmbito já em sede da Europa, ao preconizar uma Constituição entre os Estados-membros da
União Europeia, é salientada por J.J. Canotilho em outro texto:

Já atrás dissemos que a ideia de “Estado Europeu” se deve utilizar com o máximo de
contenção conceitual. Mas mesmo que se abdique da ideia de “Estado Europeu” é
razoável a exigência de legitimar o acto fundador de uma “União” positivamente
integradora através de dois momentos constituintes: (1) o momento da feitura do
“tratado-constituição” através de uma “convenção” democraticamente
representativa; (2) o momento de ratificação deste “tratado-constituição” através da
participação dos cidadãos nacionais (através dos representantes ao Parlamento ou
através de referendo).54 (grifo nosso) (itálico do original)

Uma vez traçadas as linhas conceituais em torno do Estado Democrático de Direito, necessário
se faz conectá-lo com o princípio normativo da tolerância. Como svpra dimensionado, a
essência do Estado de Direito é a proteção do cidadão, detentor de direitos e deveres jurídicos,
limitando a discricionariedade de atuação do Estado através, pelo e no Direito estabelecido,
consolidado pelo seu sistema normativo, onde ocorre a plena realização da pessoa em sua
comunidade, mesmo porque é no mundo prático que ocorre a mundanidade das condutas
intersubjetivas, havendo de se reconhecer, dentro do meio social, a presença de inúmeros
coloridos, de carizes variados, residentes na fauna humana: diversas concepções religiosas;
visões de mundo; orientações sexuais; cores de pele; padrões de indumentária; tipos de cabelo;
escolhas políticas; culinárias; expressões musicais; folclore; manifestações artísticas, seja na
música, na pintura, na escultura, etc., dentre variegadas outras possibilidades encontradas aqui
e alhures, ao possibilitar o destaque da raça humana na sua acepção mais fantástica e sedutora:
a sua variedade dentro da sua pluralidade, de forma que a unicidade do humano, destaca-se na
sua diversidade.

As variegadas manifestações e especialidades svpra entremostradas devem ser dotadas de voz


ativa na comunidade, como individuais e autônomos átomos da sua célula social e não podem,
jamais, serem desprezadas pelo sistema normativo, muito ao revés, é na percepção de sua
existência, brindando-lhe de encômio e consideração, como verdadeiro caldo cultural onde

53NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito liberal ao estado social e
democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2013, p. 208.
49

existe a manifestação da conduta interativa entre as pessoas, que se faz requisitar a presença do
Direito, como instância mediadora na solução dos seus problemas derivados.

Pluralidade na unidade ou unidade na pluralidade, não importando a acepção do contexto, o


Estado Democrático de Direito deve reconhecer e denotar de significância jurídica o
pluralismo como uma carga axiológica necessária para a sua real consecução, tendo em vista o
necessário reconhecimento, pelo seu sistema jurídico, da dignidade da pessoa humana, como
princípio normativo fundante e fundamental, ao garantir que as escolhas individuais sejam
respeitadas e tuteladas, como valor jurídico a ser preservado. Não se pode, portanto, dissociar
o Estado de Direito do Estado Democrático de Direito.

J. J. Gomes Canotilho também expressa consideração neste sentido:

... Páginas e páginas têm sido consumidas para se discutir se os princípios


estruturantes do estado de direito –... – valem por si mesmos ou se, pelo contrário, só
podem ser compreendidos em articulação com outras dimensões constitucionais,
como a democracia, a justiça e a sociabilidade... Estas razões afiguram-se
suficientemente poderosas para rejeitarmos uma abordagem do estado de direito
divorciada dos problemas da democracia, da justiça e da sociabilidade. Poderemos
afirmar que o estado de direito ou é Estado de direito democrático e social ou
será um Estado de legalidade reduzido a um esqueleto constituído por princípios
e regras formais...55 (grifo nosso) (itálico do original)

A tolerância deve ser contemplada e analisada no contexto acima discorrido. Otfried Höffe
expressamente declara a exigência da tolerância por parte da democracia e da liberdade num
Estado de Direito:

Prima facie ist die Toleranz für eine Rechts- und Staatsethik kein unmittelbares
Thema. Zusammen mit dem Pluralismus gehört sie zwar zu den Bedingungen, unter
denen die Moderne ihre politische Gerechtigkeit ausbildet. Für ein modernes
Gemeinwesen ist sie sogar so wichtig, daß man sie in einem Atemzug mit
Demokratie und Freiheit nennen, beiden Begriffen sogar voranstellen kann; denn
Demokratie und Freiheit setzen Toleranz aus...56 (grifo nosso)

De igual forma declara Günter Püttner ser a tolerância uma questão de orientação para o
Estado Democrático e Social de Direito:

54 CANOTILHO, J. J. Gomes. Precisará a teoria da Constituição Europeia de uma teoria do Estado?. Boletim da
Faculdade de Direito. Separata de: Colóquio ibérico: Constituição Europeia: Homenag,e ao Doutor Francisco Lucas Pires,
Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 669.
55 CANOTILHO, J. J.Gomes. Estado de direito. 1. ed. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999, p. 75-76.
50

In diesem Zusammenhang wird vielleicht mancher fragen, warum gerade ein in erster
Linie dem Verwaltungsrecht und der Kommunalwissenschaft verplichteter
Staatsrechtler dieses Thema aufgreift. Das Interesse hat durchhaus einen Grund:
Toleranz ist, wie angedeutet, nicht nur Bürger-Tugend, sondern mindestens in
gleichem Maße eine Orietierungsfrage für den demokratischen und sozialen
Rechtsstaat und seine Verwaltung...57 (grifo nosso) (itálico do original)

Para Claus Weiß a tolerância consubstancia-se em fundamento do Estado de Direito, valorada


e orientada para a tutela da dignidade da pessoa humana, sendo considerada um princípio
fundamental constitucional do Estado Alemão:

Jedes Bekenntnis zur Toleranz hat sich mit zwei entgegengesetzten Vorwürfen aus-
einanderzusetzen: Rechte Zeitgenossen befürchten gesellschaftliche, soziale,
moralische Anarchie durch die Aufweichung tradierter Verhaltensweisen und
Wertvorstellungen; die linken Revolutionäre hingegen sehen gerade in der Toleranz
ein besonders abge- feimtes Mittel zur Aufrechterhaltung bestehender, inhumaner
Herrschaftsverhältnisse. In der Tat kann die Toleranz sowohl der Befreiung als auch
der Unterdrückung des Menschen dienen. Sie ist gleichwohl die unabdingbare
Fundamentalnorm eines jeden der Menschenwürde seiner Bürger verpflichteten
Staates. Für die Bundesrepublik Deutschland ist die Toleranz ein
Verfassungsprinzip. 58 (grifo nosso)

O reconhecimento da alteridade humana em sua diversidade não pode ser juridicamente


desprezado. Deve, aliás, ser normativamente valorado e o seu conteúdo axiológico servir de
esteio principiológico-fundamental para a ordem jurídica em vigor, notadamente aquela
democrática e de Direito. Não se denomina um Estado de Democrático de Direito se não
houver, como fundamento básico, ao dotar de validade o seu sistema jurídico, a faculdade de
se tolerar um comportamento alheio rejeitável.

Perceber o alienígena em convívio conjunto comunitário e livremente aturá-lo em suas


condutas intersubjetivas, apesar de uma dissonância substancial e até mesmo não conciliável
com a carga subjetiva do tolerante, somente pode se traduzir em característica básica de um
Estado plural, orientado para o respeito à divergência, preservador da dignidade da pessoa
humana e domado pelo Direito.

Cabe aqui uma reflexão para o estabelecimento da divergência entre o princípio normativo da

56 HÖFFE, Otfried. Toleranz: Zur politischen Legitimation der Moderne. In FORST, Rainer. Toleranz: Philosophische
Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend, Campus, Frankfurt am Main, 2000, p. 60.
57 PÜTTNER, op. cit., p. 11.
58 WEIß, op. cit., p. 65.
51

tolerância e o da igualdade. Já acima traçado, quando da exposição da “militância jurídica”,


tratando-a como elemento integrante do sistema normativo, trouxe-se a discussão sobre o
enquadramento de empregados públicos em posições superiores nos planos de carreira,
estabelecidos pelas empresas estaduais, tendo como suporte referencial o art. 129 do Código
Civil brasileiro de 2002, ancorado no fundamento jurídico da igualdade.

Nas circunstâncias acima analisadas, aperfeiçoa-se o benefício do enquadramento salarial


daqueles funcionários públicos não avaliados pelas empresas estaduais, já que obstada a
progressão funcional, pela ausência de implementação de alguma condição preconizada pelo
plano de carreira destas organizações.

É chamado à intervenção o princípio normativo da isonomia ou igualdade, pois não se pode


tratar os iguais de maneira desigual. Há, portanto, uma conformidade de interesses jurídicos e
aquele quem malfere tal harmonia, há que ser sancionado pelo sistema jurídico vigente, de tal
forma que busque a materialização dos valores de harmonização socialmente exigidos.

Isonomia significa, portanto, harmonia, equiparação, ressonância, compatibilização de


situações jurídicas. Tolerância não. Essa, doutro modo, baseia-se numa desarmonia,
dissonância, desequilíbrio, incompatibilização de visões e concepções de mundo. São
identificados vetores antagônicos entre as condutas dos agentes jurídicos, ao passo que a
isonomia os prevê de maneira convergente, através da correção dos desvios anteriormente
estabelecidos pelo infrator normativo.

Novel exemplificação clama a ser chamada para o devido esclarecimento. Supõe-se a


existência de 02 (duas) diferentes pessoas, com concepções religiosas agudamente
antagônicas, ao ponto de haver sido incrustada uma divergência de base tão ácida, ao tornar
insuportável o convívio comum entre ambos. Num Estado Democrático de Direito, marcado
pela incidência normativa da tolerância como seu fundamento de validade, apesar do sério
antagonismo entre ambos, preconiza-se a ausência de qualquer reação contrária aos interesses
do próximo tolerado, sob pena se de ultrapassar o limite da tolerância e o infrator ser
sancionado pela ordem jurídica democrática vigente, de acordo com os critérios normativos
pré-estabelecidos.
52

Tal mesma situação, num Estado onde não haja a incidência da tolerância como princípio
normativo, o resultado poderia ser bem diverso, pois os grupos minoritários desassistidos,
normalmente alvos de ações intolerantes, poderiam sofrer ameaças à sua incolumidade física,
com sérios problemas à preservação do seu bem jurídico mor, qual seja, a vida humana.
Noticia-se aos quatro cantos deste globo a existência de tais ocorrências, quando minorias
étnicas, religiosas, etc., não são toleradas pela maioria, sofrendo discriminação, segregação,
violação física e outros tipos de privações.

Uma ordem jurídica intolerante, perpetradora de atrocidades e menosprezadora dos direitos e


das garantias humanas mais comezinhas, é incapaz de servir de esteio para um Estado
Democrático de Direito, esse último, sim, ontologicamente marcado pelo princípio da
tolerância, e, portanto, devendo ser preconizada como seu fundamento suprapositivo.
53

5 CONCLUSÃO

O despertar de uma “conclusão” propõe um “fim” ao trabalho proposto e empreendido. Trata-


se do vínculo, da ponte estabelecido(a) entre o “começo” e o “final”. Do início tortuoso, dos
dilemas operacionais e intelectuais vivenciados, das dúvidas lançadas nos papéis de tinta e dos
rabiscos hauridos após as leituras indicadas e pessoalmente escolhidas, de forma adicional,
empreendeu-se um texto, um artigo, alguma contribuição ao Direito, por mais humilde que
tenha sido provocada, mesmo porque tanta energia concentrada no estudo realizado, tem por
consequência, quase que automática, o surgimento de algum pensamento novo, tributário do
sendeiro luminoso percorrido.

Importante, desde os albores do trabalho proposto, concebê-lo de forma sistemática e


organizada, daí porque a partir do sumário inicial e de suas consecutivas alterações, sempre se
possuiu um norte acadêmico e intelectual a atingir, a despeito das correções de rumo, dos
percalços e dos obstáculos encontrados e superados, os quais podem ser, resumidamente,
mencionados: textos em literatura alemã, ao propor um novo e saudável desafio, uma
agradável e ousada surpresa, pois filosofar em alemão já não se aplica somente à referência de
Caetano Veloso, na letra da canção “Língua”59, alias onde se encontra referência a Camões,
sendo que qualquer referência a Portugal se trata de mera e aprazível coincidência; a
dificuldade de se penetrar com propriedade na Teoria Jurisprudencialista do Direito, cujo
contato ocorreu somente a partir do início do Doutoramento, pelo contato com textos densos e
de vocabulário próprio, mas fundamental para a resolução de problema clave na temática
analisada; o exíguo tempo para pensar um tema, um problema, questões complementares, etc.,
com o objetivo de dotar o trabalho de um caráter científico adequado, dentre outros
pedregulhos vivenciados.

Entretanto tudo conspirou positivamente e a reflexão condensada no artigo produzido se


tornou realidade material. Digno de nota, que a despeito de haver se formulado um tema, com
um problema específico e hipótese básica a ser respondida, com objetivos gerais e específicos,
poder-se-ia concluir pela negação da proposta básica dimensionada, ou melhor, chegar-se a
conclusão da inaplicabilidade da tolerância como princípio normativo do Estado Democrático

59 Gosto de sentir a minha língua roçar a língua de Luís de Camões...


Se você tem uma idéia incrível é melhor fazer uma canção
Está provado que só é possível filosofar em alemão...
VELOSO, Caetano. Língua. Disponível em: https://www.letras.com/caetano-veloso/44738/. Acesso em: 21 dez. 2019.
54

de Direito, o que não invalidaria o caminho traçado.

Mas a resposta conclusiva foi outra. Percebe-se nitidamente o caráter jurídico da tolerância
como princípio normativo do Estado Democrático de Direito e, para tal inferência o
jurisprudencialismo tornou-se peça chave, na abertura da porta da percepção intelectual
promovida, pois, se a tolerância não poderia ser considerada como um critério legal, nada
impediria que entrasse na dimensão da validade do sistema normativo, como um dos seus
fundamentos, na condição de princípio normativo, bem traçada e delineada no esquema
jurisprudencialista proposto pelos seus doutrinadores de escol.

Com isso não se quer desqualificar outras escolas de pensamento jurídico, mesmo porque cada
uma possui sua dimensão própria e suas específicas bases e ideais estruturantes, com espectros
de influência variados. Resolveu-se adotar o jurisprudencialismo por opção intelectual, ao
haver uma identificação entre o autor e a Teoria Jurisprudencialista proposta, essa ao assumir o
suporte filosófico-teórico, que o trabalho, segundo a perspectiva empreendida, desejava.

Por fim não há que se olvidar o necessário liame entre a tolerância, como princípio normativo,
ao servir de base e fundamento para os demais elementos do sistema normativo, e o Estado
Democrático de Direito, ao ponto desse restar desfigurado, se, por acaso, não prestigie a
tolerância, como parte de sua principiologia reinante.

Pensar e tolerar o diferente comportamento dissonante, apesar da negação que reina na pessoa
tolerante diante da atitude, da concepção, da visão de mundo do tolerado, por mais minoritária
que seja, haja vista as diferenças de credos, religiões, ideais políticos e quejandos existentes na
comunidade, deve fazer parte de qualquer Estado contemporâneo, orientado pelo Direito, que
paute como prioritário valorizar a dignidade da pessoa humana e materialize substancialmente,
e não formalmente, a alcunha de Estado Democrático de Direito.
55

6 REFERÊNCIAS

AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições J.


Dias Pereira. 3. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, v. 1.

ALEMANHA. Landesverfassung der Freien Hansestadt Bremen. Bremen, 2016. Diponível


em: https://www.bremische-
buergerschaft.de/fileadmin/user_upload/Informationsmaterial/LandesverfassungBremen_2016
_web.pdf. Acesso em: 01 dez. 2019.

____________. Verfassung des Lades Hessen. Hessen. Disponível em:


http://starweb.hessen.de/cache/hessen/landtag/enquetekommissionverfassung/Hessische%20V
erfassung.pdf. Acesso em: 01 dez. 2019.

___________. Verfassung für Rheinland-Pflaz. Rheinland-Pflaz. Disponível em:


https://www.rlp.de/fileadmin/user_upload/Landesverfassung.pdf. Acesso em: 01 dez. 2019.

ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994.

ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução António de Castro Caeiro. 2. ed. Lisboa:


Quetzal Editores, 2006.

BRASIL. Decreto-Lei no 5.452, de 1o de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do


Trabalho. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm.
Acesso em: 19 dez. 2019.

_______. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.

_______. Tribunal Regional do Trabalho da 5 (Quinta) Região. SÚMULA TRT5 Nº0032.


PROMOÇÃO POR MERECIMENTO. PLANO DE CARGOS E SALÁRIOS. OMISSÃO DO
EMPREGADOR EM REALIZAR AS AVALIAÇÕES DE DESEMPENHO PREVISTAS.
RECONHECIMENTO AUTOMÁTICO DO DIREITO DO EMPREGADO. Resolução
Administrativa nº 0044/2016 – Divulgada no Diário Eletrônico do TRT da 5ª Região, edições
de 08, 09 e 10.08.2016, de acordo com o disposto no art. 187-B do Regimento Interno do TRT
da 5ª Região. Disponível em:
https://www.trt5.jus.br/sites/default/files/www/jurisprudencia/sumulas/sumulas_do_trt_da_5a_
regiao_divulgado_na_internet.pdf. Acesso em: 19 dez. 2019.

________. Tribunal Superior do Trabalho (7. Turma). Recurso de Revista 47-


12.2011.5.23.0005. I. AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA
INTERPOSTO EM FACE DE DECISÃO PUBLICADA ANTERIORMENTE À VIGÊNCIA
DA LEI 13.015/2014. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS - ECT.
PROGRESSÃO HORIZONTAL POR MERECIMENTO. AUSÊNCIA DE DELIBERAÇÃO
DA DIRETORIA DA EMPRESA. CONDIÇÃO SIMPLESMENTE POTESTATIVA.
IMPOSSIBILIDADE DE CONCESSÃO AUTOMÁTICA. Recorrene: Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos – ECT. Recorrido: Alenildo Souza da Silva. Min. Douglas Alencar
56

Rodrigues. 15 de Abril de 2016. Disponível em: https://jurisprudencia.tst.jus.br/. Acesso em:


19 dez. 2019.

BRONZE, Fernando José. Lições de Introdução ao Direito. 2. ed. Coimbra: Coimbra


Editora, 2010.

CABO VERDE. Constituição da República de Cabo Verde. Disponível em:


https://www.stj.pt/wp-content/uploads/2018/01/caboverde_constituicao.pdf. Acesso em: 17
dez. 2019.

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra:


Edições Almedina, [200-].

____________, J. J.Gomes. Estado de direito. 1. ed. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999.

____________, J. J. Gomes. Precisará a teoria da Constituição Europeia de uma teoria do


Estado?. Boletim da Faculdade de Direito. Separata de: Colóquio ibérico: Constituição
Europeia: Homenag,e ao Doutor Francisco Lucas Pires, Coimbra Editora, Coimbra, 2005.

____________. Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem. Boletim da Faculdade de


Direito. Separata de: Ars Ivdicandi: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António
Castanheira Neves. v. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2008.

FORST, Rainer. Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegenwart eines umstrittenen
Begriffs. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2003.

GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. O intervalo da tolerância nas fronteiras da


juridicidade: fundamentos e condições de possibilidade da projecção jurídica de uma
(re)construção normativamente substancial da exigência de tolerância. Tese (Doutoramento
em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012.

HAARSCHER, Guy. Tolerant of the Intolerant. Ratio Juris, v. 10, n. 2, June 1997.

HABERMAS, Jürgen. Wann müssen wir tolerant sein? Über die Konkurrenz von Weltbildern,
Werten und Theorien. Jahrbuch des Berlin-Bradenburgischen Akademie der
Wissenshcaften, 2002.

HÖFFE, Otfried. Toleranz: Zur politischen Legitimation der Moderne. In FORST, Rainer.
Toleranz: Philosophische Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend,
Campus, Frankfurt am Main, 2000.

KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian,
2001.

______. Crítica da Razão Prática. 9. ed. Lisboa: Edições 70, 2008.

KELSEN, Hans. What is justice: justice, law, and politics in the mirror of science. Los
Angeles: University of California Press, 1957. Disponível em:
https://books.google.pt/books?hl=pt-
57

PT&lr=&id=psPzDa5cCpwC&oi=fnd&pg=PA1&dq=What+is+justice%3F+:+justice,+law+an
d+politics+in+the+mirror+of+science+:+collected+essays.&ots=77yApNN5KX&sig=BCL7rc
8LFM-Wlf4xym9donW94qY&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 19 dez. 2019.

LINHARES, José Manuel Aroso. In: CORREIA, Fernando Alves/MACHADO, Jónatas E.


M./Loureiro, João Carlos (org.). Na “Coroa de Fumo” da teoria dos princípios: poderá um
tratamento dos princípios como normas servir-nos de guia? Estudos em homenagem ao
Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra Editora, Coimbra, 2012, v. 3.

LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Tradução: João Silva Gama. Revisão: Artur Morão.
Lisboa: Edições 70, 1997.

NASCIMENTO, Aires Augusto. Édito de Milão: apostilas para uma tradução. Lisboa:
Universidade Católica, 2013.

NEVES, A. Castanheira. O direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro.


In: NUNES, António José Avelãs/COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coord.). O direito
e o futuro – o futuro do direito. Coimbra: Edições Almedina, 2008.

_______. Pensar o Direito num Tempo de Perplexidade. In DIAS, A. Silva (organização.) et.
al, Liber Amicorum de José de Souza e Brito, Almedina, 2009.

NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito
liberal ao estado social e democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2013.

PINTO, Paulo Mota. In: Estudos em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida. Nota
sobre o ‘imperativo da tolerância’e seus limites. Coimbra Editora, Coimbra, 2007.

PORTUGAL. [Constituição (1974)]. Constituição da República Portuguesa. VII revisão


constitucional, [2005]. Disponível em:
https://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx#art73.
Acesso em: 17 dez. 2019.

__________. Lei da Liberdade Religiosa. Lei n.o 16/2001 - Diário da República n.º
143/2001, Série I-A de 2001-06-22. Disponível em: https://dre.pt/web/guest/legislacao-
consolidada/-
/lc/106639383/201912171748/exportPdf/maximized/1/cacheLevelPage?rp=indice. Acesso em:
17 dez. 2019.

PÜTTNER, Günter. Toleranz als Verfassungsprinzip: Prologomena zu einer rechtlichen


Theorie des pluralistischen Staates. Berlin: Duncker & Humbolt, 1977, p. 13.

RUIZ, Jose Ramon Torres. El concepto de tolerancia. Revista de Estudios Políticos, n. 48,
nov.-dic. 1985.

TAKESHITA, Ken. Toleranz als Rechtsprinzip: Kommentar zu Arthur Kaufmanns Theorie. In


NEUMANN, Ulfrid; HASSEMER, Winfried; SCHROTH, Ulrich. Verantwortetes Recht:
Die Rechtsphilosophie Arthur Kaufmannns, Archiv für Rechts- und Sozialphilosophie, Beiheft
n. 100, Franz Steiner, 2005.
58

VELOSO, Caetano. Língua. Disponível em: https://www.letras.com/caetano-veloso/44738/.


Acesso em: 21 dez. 2019.

VOLTAIRE. Traité sur la tolérance. [S.l.: s.n.], [17--?]. Disponível em:


https://books.google.com.br/books?hl=pt-
PT&lr=&id=e5h75J5jhEMC&oi=fnd&pg=PA12&dq=%22trait%C3%A9+sur+la+toler%C3%
A1nce%22&ots=bwGg-
Mfn8c&sig=smEv2QAUfAZNDoss6cjbyd0ibas#v=onepage&q&f=falsehttps://books.google.c
om.br/books?hl=pt-
PT&lr=&id=e5h75J5jhEMC&oi=fnd&pg=PA12&dq=%22trait%C3%A9+sur+la+toler%C3%
A1nce%22&ots=bwGg-
Mfn8c&sig=smEv2QAUfAZNDoss6cjbyd0ibas#v=onepage&q&f=false. Acesso em 08 dez.
2019.

WEIß, Claus. Toleranz als Verfassungsprinzip. Zur Frage der Selbstverwirklung des Menschen
in der Demokratie. Gewerkschaftlich Monatshefte, Feb. 1971. Disponível em
http://library.fes.de/gmh/main/pdf-files/gmh/1971/1971-02-a-065.pdf. Acesso em: 12 dez.
2019.

WOLF, Ursula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução Enio Paulo Giachini. São
Paulo: Edições Loyola, 2010.

Você também pode gostar