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Faculdade de Direito
Doutoramento em Direito
ILDO FUCS
DE DIREITO
Coimbra
2020
ILDO FUCS
A TOLERÂNCIA COMO PRINCÍPIO NORMATIVO DO ESTADO DEMOCRÁTICO
DE DIREITO
Coimbra
2020
RESUMO
O presente trabalho visa a discutir e analisar a tolerância como princípio normativo do Estado
Democrático de Direito. O texto destaca a evolução histórica da tolerância desde a sua
concepção subjetiva, na condição de virtude inserida no pensamento filosófico-clássico grego,
passando pelo seu cariz intersubjetivista nas relações religiosas até ser incorporado na Teoria
Política do Estado. Passa-se a travar uma reflexão da tolerância como princípio normativo, no
sentido jurisprudencialista do termo, afastando-se do binômio “regra-princípio” como norma
jurídica, estabelecido por outros pensamentos doutrinários do Direito. Estabelecem-se os
requisitos da tolerância, bem como a sua definição diante da sua conotação jurídica
preconizada, para, ao final, inseri-la dentro da principiologia reinante do Estado Democrático
de Direito.
1 INTRODUÇÃO 5
5 CONCLUSÃO 53
6 REFERÊNCIAS 55
5
1 INTRODUÇÃO
O tema de investigação proposto neste artigo, desenvolvido a partir das reflexões afloradas nas
discussões ocorridas nas classes ministradas pela Professora Dra. Ana Margarida Simões
Gaudêncio na Disciplina Tolerância e Direito do curso de Doutoramento em Direito da
Faculdade de Direito da Universidade Coimbra, bem como nas leituras daí derivadas e
decorrentes, tem como objeto por em relevo a tolerância como Princípio Normativo do Estado
Democrático de Direito.
Em segundo lugar, tal como “fiat lvx”, aflorou-se uma resposta interessante ao problema posto
em vislumbre, pois, se a tolerância não poderia ser estabelecida como uma regra jurídica
deontológica direta, ou num contexto jurisprudencialista, um critério normativo prescritivo,
tendo em vista não se encontrar a possibilidade de obrigar alguém a ser tolerante, permitir-se-
ia ser observada como um princípio normativo, fundamento de validade dentro de um sistema
jurídico, especialmente aquele dedicado ao estabelecimento e à garantia de direitos
fundamentais, noutros termos, relacionado ao chamado Estado Democrático de Direito. A
partir deste momento o estudo ganhou corpo e densidade sistêmicas, estabelecendo uma
coerência entre o problema proposto e a solução alcançada, o que permitiu um “goodwill”
intelectual acadêmico de importante relevo pessoal.
servil ao Direito e não ao revés, sob pena de se transformar um Estado de Direito em Direito
do Estado.
A razão seria, portanto, a fonte do conhecimento a priori, tendo em vista que o conhecimento
não deveria partir do objeto cognoscível para o sujeito, mas, outrossim, esse último, como ser
cognoscente, faria parte significante na construção daquele. Deste modo todo juízo a priori
seria aquele que é, necessariamente, necessário e universal, no sentido de que não admite o
contrário e, ademais, seria válido em todas as situações postas. Entende-se como juízo,
conforme aqui discorrido, demais a mais, a unidade de percepção, redução ampliativa de todo
o múltiplo, que ocorre na intuição de um objeto sensível, e, portanto, o juízo como um sentido
objetivo e não subjetivo deste objeto.
Saindo do âmbito da razão pura, ao se adentrar ao campo da moral dentro de uma acepção
metafísica, base do estudo da razão prática, mas também pura, pois oriunda de um juízo
apriorístico à conduta humana intersubjetiva, que alicerça a própria moralidade, percebe-se a
aplicação dos seus mandamentos ou imperativos, esses últimos que poderiam ser
consubstanciados em leis práticas impostas à vontade humana, de acordo com a regra moral
estabelecida. São os chamados, na acepção kantiana, imperativos categóricos, ou seja,
proposições práticas a priori ou transcendentais, independentemente dos interesses e das
vontades pessoais subjetivos envolvidos, como revela Kant em seus estudos:
1 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Pura. 5. ed. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2001, p. 88-89.
11
Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo tempo
como princípio de uma legislação universal.3
Por sua vez, em segundo plano e dentro dos limites estabelecidos nesta discussão em torno da
tolerância como princípio jurídico normativo do Direito, objeto ora em análise, em ressonância
ao pensamento kantiano formulado e acima exposto de forma sumarizada, encontra-se o
entendimento realizado por Rainer Forst, ao associá-la a um princípio da razão prática, como
imperativo categórico, ou seja, princípio moral, na condição de lei metafísica, residente na
razão, como juízo a priori, extensível a todas as pessoas, independentemente de suas
características pessoais, identidades e concepções, apesar de tal percepção teórico-metafísica,
não se coadunar com o entendimento versado neste estudo:
2 KANT, Immanuel. Crítica da Razão Prática. 9. ed. Lisboa: Edições 70, 2008, p. 34-36.
3 Ibid, p. 50.
12
4 FORST, Rainer. Toleranz im Konflikt: Geschichte, Gehalt und Gegenwart eines umstrittenen Begriffs. Frankfurt am Main:
Suhrkamp, 2003, p. 592-596.
5 HAARSCHER, Guy. Tolerant of the Intolerant. Ratio Juris, v. 10, n. 2, June 1997, p. 236-237.
13
Discordância essa destacada em outra passagem da mesma obra de Ana Margarida Simões
Gaudêncio, ao afastar, expressamente, o sentido de imperativo categórico impresso à
tolerância por alguns pensadores, dentre os quais, os acima declinados:
Sendo, então, a par e passo cotejado nesta reflexão, procurar-se-á destacar deste
pensamento a específica significação jurídica que oferece ao princípio da tolerância,
e, ainda, e, já para além do direito, o corolário em que projecta toda esta construção,
ao formular, por inspiração directamente kantiana, um imperativo categórico da
tolerância, consubstanciando assim a respectiva fundamentação, operatividade e
objectivo: “Handle so, daß die Folgen deiner Handlung verträglich sind mit der
größtmöglichen Vermeidung oder Verminderung menschlichen Elends”.
Construção esta do princípio da tolerância, e da respectiva relevância jurídica, cujo
sentido se distingue, afinal, do que aqui temos vindo a construir – não obstante os
contributos convocados e, sobretudo, partilhando nós com KAUFMANN a recusa
duma justificação relativista da tolerância –, principalmente por conferir à
tolerância o sentido de um imperativo categórico, por um lado, e de estrito
princípio jurídico, por outro. Como já supra se reflectiu e infra se concretizará.7
(grifo nosso) (itálico do original)
Sem externar uma preocupação cronológica rigorosa com o contexto da tolerância ao longo da
história, mesmo porque não seria esse o escopo deste trabalho, algumas referências histórias
serão aqui expostas, para uma melhor inserção e compreensão do tema proposto em sua
evolução histórico-temporal.
Além disso, tudo o que se constitui em nós depende em primeiro lugar de havermos
recebido a sua condição de possibilidade e depois de termos procedido ao seu
accionamento... É da mesma maneira, então, que adquirimos as excelências. Isto é,
primeiramente pomo-las em prática. É assim também que fazemos com as restantes
perícias, porque, ao praticar, adquirimos o que procuramos aprender. Na verdade,
fazer é aprender. Por exemplo, os construtores de casas fazem-se construtores de casa
6 GAUDÊNCIO, Ana Margarida Simões. O intervalo da tolerância nas fronteiras da juridicidade: fundamentos e
condições de possibilidade da projecção jurídica de uma (re)construção normativamente substancial da exigência de
tolerância. Tese (Doutoramento em Direito) – Faculdade de Direito, Universidade de Coimbra, Coimbra, 2012, p. 389-390.
7 Ibid, p. 511.
14
Em síntese explicativa expõe Ursula Wolf ao versar sobre a “arete ética” do pensador grego:
Percebe-se, portanto, uma mais marcante dimensão subjetiva da tolerância, na medida em que
é tratada como uma espécie de virtude, conforme exposto acima no pensamento filosófico
clássico grego, não se podendo, entretanto, subdimensionar a questão da tolerância em face do
domínio de outros povos, esses últimos detentores de culturas, modos de pensar, credos e
costumes diversos e a necessidade do reconhecimento destas práticas peregrinas à autoridade
8 ARISTÓTELES. Ética a Nicómaco. Tradução António de Castro Caeiro. 2. ed. Lisboa: Quetzal Editores, 2006, p. 43-47.
9 WOLF, Ursula. A Ética a Nicômaco de Aristóteles. Tradução Enio Paulo Giachini. São Paulo: Edições Loyola, 2010, p.
66.
15
central dominadora por parte da força dominante, de acordo com a sua conveniência e com as
circunstâncias político-sociais vigentes, por se tratar de uma questão de dominação e
preservação das fronteiras e do poder imperial então em curso, como se observou no despertar,
no crescimento, no apogeu e, por que não dizer, na derrocada do Egito, de Atenas, de Esparta,
do Reino de Alexandre o Grande da Macedônia, dos Persas, do Império Romano, dentre
outros.
Verifica-se tal acepção de tolerância como “patientia”, “Erdulden” na descrição realizada por
Santo Agostinho em seu pensamento teológico:
Houve de facto homens de bem, mesmo cristãos, que foram torturados para que
entregassem seus bens ao inimigo. Porém nunca puderam entregar nem perder os
bens pelos quais se tornaram bons. E se alguns preferiram ser torturados a entregarem
as suas riquezas iníquas, nesse caso já não eram bons. Estes, que tanto sofreram por
causa do ouro, deviam ter sido advertidos de quanto tinham que padecer por Cristo.
Aprenderiam assim a amar quem faz ricos de vida eterna todos os que por ele
padeceram, em vez de amarem o ouro ou a prata. A desgraça foi terem padecido pelo
ouro e pela prata, quer mentindo para os ocultarem, quer confessando para os
entregarem. Ninguém perdeu a Cristo confessando-o nas torturas; ninguém conserva
o ouro senão negando-o. Por isso talvez fossem mais úteis os tormentos que
ensinavam a amar o bem incorruptível do que os outros benefícios por que os seus
donos sofriam tormentos sem qualquer proveito.
[...]
Diz-se que uma prolongada fome matou muitos cristãos. Também isto converteram
em seu proveito os autênticos homens de fé, suportando-a com espírito de religião. A
fome, ao tirar-lhes a vida, como se fora uma enfermidade corporal, libertou-os dos
males desta vida. Porém, aos que não matou, ensinou-lhes a viverem mais
sobriamente e a jejuarem mais prolongadamente.10
10AGOSTINHO, Santo. A Cidade de Deus. Tradução, prefácio, nota biográfica e transcrições J. Dias Pereira. 3. ed. Lisboa:
Fundação Calouste Gulbenkian, 2006, v. 1, p. 130-131.
16
A novel crença cristã, diante de sua força religiosa resiliente e persistente, marcada por uma
catequese proselitista crescente e de dimensões marcantes, com a conquista cada vez maior de
frequentes novos adeptos, após séculos de perseguição, com a imposição de privações físicas e
psicológicas aos seus fiéis, passa, a ser aceita e considerada, inclusive, de forma normativa,
podendo-se citar, a título de exemplo, a promulgação do Édito de Milão em 313 da nova era,
firmado pelos imperadores do Ocidente e do Oriente, respectivamente Constantino e Licínio,
ao estabelecer a imparcialidade religiosa do Império Romano, com a aceitação das práticas e
dos dogmas preconizados principalmente pelo Cristianismo, apesar da liberdade de religião ter
sido estendida aos demais credos, a despeito da palavra “tolerância” não ter sido
expressamente grafada no seu texto, como se observa de alguns dos seus dispositivos:
2. Eu, Constantino Augusto, e eu, Licínio Augusto, em boa hora reunidos em Milão
para tratarmos de questões que tivessem a ver com o bem-comum e a segurança do
Estado, entre tudo o mais que víamos ser de proveito para grande parte da
população, antes de tudo, julgámos por bem regular aquilo que respeitava ao culto
da divindade e por isso dar tanto a cristãos como a todos os mais a faculdade de
poderem seguir livremente a religião que cada um quisesse, por tal forma que,
qualquer que seja a divindade que está no assento celeste, a Nós e a todos os que
estão sob nosso domínio ela seja para nós benevolente e propícia.
[...]
5. Considerámos isto dever comunicar à Tua Solicitude em toda a sua plenitude,
para que fiques ciente de que aos cristãos concedemos livre e absoluta capacidade
de praticarem a sua religião.11
(grifo nosso)(itálico do original)
11 NASCIMENTO, Aires Augusto. Édito de Milão: apostilas para uma tradução. Lisboa: Universidade Católica, 2013, p. 24-
26.
12 HABERMAS, Jürgen. Wann müssen wir tolerant sein? Über die Konkurrenz von Weltbildern, Werten und Theorien.
Estabelecido isto, examinemos a seguir quais são os deveres que dizem respeito à
tolerância...
Em segundo lugar, nenhuma pessoa privada deve de modo algum lesar ou destruir os
benefícios civis de outrem sob pretexto de professar outra religião ou praticar outros
ritos. Todos os seus direitos de humanidade e de cidadania lhe devem ser
conservados como sagrados; não derivam da religião: há que abster-se de violentar
ou prejudicar tanto um cristão como um pagão...13
(grifo nosso)
Voltaire destaca, em torno da tolerância, em seu arquetípico estrutural, pelo menos de forma
inaugural, uma relação vertical, ou seja, aquela estabelecida entre o Estado e o cidadão, por
intermédio da lei, como preconizado em sua obra:
13 LOCKE, John. Carta sobre a tolerância. Tradução: João Silva Gama. Revisão: Artur Morão. Lisboa: Edições 70, 1997, p.
96-97.
14 VOLTAIRE. Traité sur la tolérance. [S.l.: s.n.], [17--?]. Disponível em:
https://books.google.com.br/books?hl=pt-
PT&lr=&id=e5h75J5jhEMC&oi=fnd&pg=PA12&dq=%22trait%C3%A9+sur+la+toler%C3%A1nce%22&ots=b
wGg-Mfn8c&sig=smEv2QAUfAZNDoss6cjbyd0ibas#v=onepage&q&f=false. Acesso em 08 dez. 2019.
18
Permite-se, portanto, diante do trilhar cronológico acima discorrido, construir uma linha de
reflexão teórico-conceitual e histórica em torno da tolerância, antes da sua caracterização
Situação de penumbra conceitual essa corroborada por afirmação de Günter Püttner, desta vez,
com o alvo mais específico em vetor direcionado para o conceito de tolerância, em sua
acepção generalizada:
Der Begriff der Toleranz ist wie so viele Begriffe im höchsten Maße unklar... 19
Ao trazer esta discussão para o campo filosófico, em sua interseção ou não com a seara
jurídica, importante, perceber, dentro do conceito de tolerância a existência de alguns
preceitos, requisitos e/ou condições, para a objetivação almejada nos contornos discursivos
deste escrito.
18 RUIZ, Jose Ramon Torres. El concepto de tolerancia. Revista de Estudios Políticos, n. 48, nov.-dic. 1985, p. 105.
19 PÜTTNER, Günter. Toleranz als Verfassungsprinzip: Prologomena zu einer rechtlichen Theorie des pluralistischen
Staates. Berlin: Duncker & Humbolt, 1977, p. 13.
20 PINTO, Paulo Mota. In: Estudos em memória do Conselheiro Luís Nunes de Almeida. Nota sobre o ‘imperativo da
humana, a sua plena liberdade, até mesmo, no sentido de realizar algum ato ilícito, contrário à
moral e ao próprio Direito.
Por conseguinte, como decorrência lógica necessária, não se pode falar em tolerância numa
relação jurídica com um escravo, um servo, tendo em vista esse estar, todavia, compreendido
fora do conceito de pessoa, mas, outrossim, ainda ser tratado como “coisa” ou “objeto”, sendo
passível, até mesmo, de tráfico e/ou comercialização, até porque, não se deve pensar em tal
situação como algo pertinente somente a um passado longínquo dos navios negreiros, dada a
existência atual do comércio ilegal de crianças, de órgãos humanos, de pessoas na condição de
imigrantes, escapando da submissão ao terror opressivo vigente em seus locais de origem, da
exploração do trabalho humano em circunstâncias análogas à escravidão, dentre outros
diversos exemplos existentes e espraiados em muitas regiões do globo terrestre.
Deriva-se deste primeiro aspecto elaborado, portanto, a conclusão, segundo a qual não seria
adequado tratar a tolerância como critério normativo, ou seja, como preceito legal elaborado
no seu devido processo gestativo legislativo, seja de qual quadrante for, ou seja, como
comando preceptor direto da conduta humana, estabelecida na esfera intersubjetiva
comunitária. Ao se impor a tolerância através de uma regra própria e específica, obrigando a
pessoa a ser “tolerante”, por malferir e desdizer da sua esfera de liberdade libertária, não se
estaria mais a tratar da tolerância propriamente dita, diante da imposição estabelecida pelo
comando normativo direto estabelecido. Obrigar o intolerante a ser tolerante com outrem, não
seria o mesmo que tratar o intolerante com intolerância, mas aproximar a exigência da
tolerância duma verdadeira intolerância.
Mit der Formulierung „normativ gehaltvoll“ ist allerdings in dem Fall (und nur in
diesem Fall, worin bereits eine Spezifizierung des allgemeinen Begriffs der Toleranz
besteht), in dem Toleranz als individuelle Tugend angesehen wird, ein sehr wichtiges
Problem bezüglich der möglichen Ablehnungs-Komponente angesprochen... Wenn
nun aber die Ablehnung auf bloßen Vor-Urteilen wie dem der Minderwertigkeit
bestimmter „Rassen“ (oder gar auf blidem Hass) beruht und keine in einem basalen
Sinne intersubjektiv vertretbaren Gründe vorliegen, würde der Aufruf zur
Toleranz solche Ablehnungen und Vorurteile quasi als begründete Urteile
akzeptieren. Dann könnte die Paradoxie des „tolerantes Rassisten“ entstehen, der
zufolge jemand, der extreme rassistische Abneigungen hat, als tolerante (im Sinne
einer Tugend) bezeichnet würde, sofern er nur sein Handeln begrenze (ohne sein
Denken zu verändern)... 21 (grifo nosso)(itálico do original)
Paulo Mota Pinto também, de acordo, com a orientação impressa neste estudo, ao buscar
definir a tolerância, destaca a oposição do tolerante diante de uma atitude ou comportamento
de um terceiro:
Menos do que adesão ou aceitação positiva, a ideia de “tolerância” remete para mais
do que mera “condescendência” ou “indulgência” e traduz-se na renúncia, por parte
do tolerante, ao exercício de um poder negativo em relação a ideias, comportamentos
ou pessoas que não lhe são indiferentes e que desaprova, designadamente, nos
domínios da crença e religião, das ideias políticas, de convicções ou costumes
sociais, ou de outros aspectos relativos à “forma de vida” alheia.23
Tercivs, somente se deve tolerar ou não uma conduta intersubjetiva pertencente a um tema
relevante. A matéria deve possuir densidade discursiva substanciosa em sua dissonância, não
se tratando de uma mera divergência estabelecida diante de causas banais, triviais ou comuns,
não carreadoras de um dissenso efetivo e incisivo, incapaz para a eclosão da manifestação da
(in)tolerância. Em princípio não se pode falar de in(tolerância) ao tipo de grafite a ser utilizado
como ponta de um lápis qualquer; à divergência entre as cores de um xale a ser usado como
agasalho durante os meses de inverno; ao tipo de panela a ser manuseada, para a fritura de um
pedaço de carne, a ser servida numa refeição, dentre outros vários exemplos singelos e de
menor relevo, que preenchem a vida das pessoas no seu cotidiano. Diferentemente, por
exemplo, quando se diverge ao ver tatuado o símbolo de uma suástica na pele de uma pessoa;
ao se carregar bandeiras com motivos políticos separatistas, ou emblemas e brasões de
organizações que preconizam o terror, como meio para atingir os seus desideratos políticos de
(in)dependência; ao proferir discursos de cunhos odiosos e afrontosos a determinados grupos
sociais, preconizando a sua segregação ou marginalização, até mesmo servindo de mote para
campanhas políticas, sedutoras de parte do grupo social.
Esta consideração acerca da relevância do tema a ser (in)tolerado encontra eco no pensamento
de Claus Weiß:
Dort, wo die Belange des Staates, der Gesellschaft, der anderen Bürger nicht berührt
werden, dort darf es allerdings überhaupt keine Grenzen der Toleranz geben. Ob ein
junger Mensch mit langen oder mit kurzen Haaren herumläuft, ist seine
ureigenste Sache und geht weder die Gesellschaft noch seinen Nachbarn etwas
an. Die hierfür erforderliche Toleranz kann jedoch nicht vom Staat dekretiert werden,
sie ist eine Frage des gesellschaftlichen Bewußtseins und gehört daher vor allem zur
Aufgabe einer politischen Pädagogik. 24 (grifo nosso)
Por fim, em quarto aspecto, há que se ressaltar a resistência à reação por parte da pessoa
tolerante perante a pessoa tolerada. Por mais que se haja uma discordância ácida e acrimoniosa
frente a uma visão de mundo alheia, a uma concepção divergente, a um credo diferente, etc.,
capaz de gerar uma rejeição no âmago da pessoa tolerante, esquiva-se esse último de agir
contrário aos interesses do seu antagônico, resignando-se a suportar a rejeição estabelecida, por
um respeito à alteridade e às diferenças intrínsecas a qualquer meio social. Por esta percepção,
cristãos não somente devem respeitar judeus, mulçumanos, budistas, espíritas, etc., mas
garantir-lhes o direito subjetivo ao exercício de suas práticas religiosas e vice-versa;
mutuamente, homossexuais e heterossexuais devem conviver em sociedade de forma pacífica,
sem haver interferência na orientação sexual individual e unicamente pessoal de cada qual; a
cor da pele de cada um jamais pode ser utilizada como fator limitador do convívio
interpessoal, nem muito menos estabelecer qualquer limitação à percepção de direitos sociais
garantidos a todos, somente a título de exemplos.
Três dos quatro requisitos da tolerância svpra mencionados, são tratados por Ana Margarida
Simões Gaudêncio como suas “condições de possibilidade”, que devem estar obrigatória e
cumulativamente reconhecidos, para que essa se possa materializar:
25 Ibid., p. 373-374.
25
referência à tolerância, tendo em vista que a conduta, a crença, a visão de mundo diferente se
incorpora no patrimônio pessoal do suposto “tolerante”. Não se poderia falar em tolerância se
não houvesse um dissenso, uma dissonância entre concepções de vida e de mundo diversas,
uma discordância substancial entre pontos de vista, que, embora não sejam conciliáveis,
despertam o respeito e a transigência no convívio da adversidade, com a expressa renúncia a
qualquer reação contrária. Tal referência teórica encontra-se alinhavada também em Rainer
Forst, ao discursar especificamente sobre o componente de objeção “Ablehnungs-Komponent”,
como parte integrante do conceito de tolerância discutido:
(2) Von größer Bedeutung für den Begriff der Toleranz ist es, dass die tolerierten
Überzeugungen oder Praktiken in einem normativ gehaltvollen Sinne als falsch
angesehen bzw. als schlecht verurteilt werden; dies lässt sich im Anschluss an
Preston King als Ablehnungs-Komponent bezeichnen. Ohne diese Komponente
würde man nicht von Toleranz sprechen, sonder entweder Indifferenz (dem
Fehlen einer negativen oder positiven Bewertung) oder von Bejahung (dem
Vorliegen einer allein positiven Bewertung). Diese beide Einstellungen werden zwar
häufig mit Toleranz verwechselt, doch sind sie in Wahrheit mit Toleranz
unverträglich. 26 (grifo nosso)(itálico do original)
... Toleranz ist die Kunst der Gerstaltung des Soziallebens trotz
unterschiedlicher Anschauungen; sie läßt sich, wie es Celsius für das Recht getan
Hans Kelsen, por sua vez, considera a tolerância como princípio moral, “freedom of thought”,
relacionado à filosofia da justiça, ao se manifestar através de uma postura compreensiva por
parte do tolerante em face de concepções políticas e religiosas dissonantes de terceiros, sem,
entretanto, as aceitá-las:
28 Ibid., p. 41.
29 KELSEN, Hans. What is justice: justice, law, and politics in the mirror of science. Los Angeles: University of California
Press, 1957, p. 22-23. Disponível em: https://books.google.pt/books?hl=pt-
PT&lr=&id=psPzDa5cCpwC&oi=fnd&pg=PA1&dq=What+is+justice%3F+:+justice,+law+and+politics+in+the+mirror+of+s
cience+:+collected+essays.&ots=77yApNN5KX&sig=BCL7rc8LFM-
Wlf4xym9donW94qY&redir_esc=y#v=onepage&q&f=false. Acesso em: 19 dez. 2019.
30 GAUDÊNCIO, op. cit., p. 551.
27
Muito se tem versado sobre as locuções do tipo: regras, princípios, postulados, normas
jurídicas e termos congêneres, através da doutrina da Filosofia do Direito, ao ponto de se
constituir verdadeira “cortina de fumaça” ao derredor dos seus conteúdos semânticos,
dificultando o seu entendimento e a sua ordenação epistemológica, necessários à compreensão
do tema ora inaugurado neste Capítulo.
Ausência de luz e falta de clarividência sobre o quanto ora versado, ou seja, a delimitação
normativa da questão das regras e dos princípios como composição binária da norma jurídica,
encontra-se alertada em reflexão própria exercida por J. J. Gomes Canotilho:
Quem hoje se abeirar da imensa literatura sobre princípios jurídicos não pode
deixar de sentir a angústia intelectual já detectada por Aristóteles há milhares
de anos: “No domínio dos princípios não existe qualquer saber” (Analytica
Posteriora, II). Em meados da década de sessenta do século XX, Josef Esser, ao
iniciar a sua estimulante dissertação sobre princípio e norma, alertava os estudiosos
para a necessidade de proceder a uma urgente desambiguação do vocábulo
princípio. E a avaliar pela nutrida literatura ultimamente produzida sobre a distinção
31 LINHARES, José Manuel Aroso. In: CORREIA, Fernando Alves/MACHADO, Jónatas E. M./Loureiro, João Carlos (org.).
Na “Coroa de Fumo” da teoria dos princípios: poderá um tratamento dos princípios como normas servir-nos de guia?
Estudos em homenagem ao Prof. Doutor José Joaquim Gomes Canotilho. Coimbra Editora, Coimbra, 2012, v. 3, p. 396-
397.
29
Para, ao final do texto acima indicado, segundo o Autor, através da contribuição doutrinária de
Ronald Dworkin e Robert Alexy, se estabelecer a dicotomia binária normativa das regras e dos
princípios, ambos como normas jurídicas, e preconizar a sua diferenciação metodológico-
exegética, através da qual os princípios se concretizariam numa lógica de ponderação,
enquanto as regras numa outra de interpretação.
Posição essa destacada pelo mesmo Autor em outra obra de sua referência:
Sobre a situação de falta de clareza da doutrina da Teoria do Direito sobre a questão dos
princípios e regras, na acepção de norma jurídica, no sentido até aqui discorrido, verifica-se o
32 CANOTILHO, J. J. Gomes. Princípios. Entre a sabedoria e a aprendizagem. Boletim da Faculdade de Direito. Separata
de: Ars Ivdicandi: Estudos em homenagem ao Prof. Doutor António Castanheira Neves. v. I, Coimbra Editora, Coimbra,
2008, p. 376-377.
33 Ibid, p. 386.
34 CANOTILHO, J. J.Gomes. Direito constitucional e teoria da constituição. 7. ed. Coimbra: Edições Almedina, [200-], p.
1159.
30
Die Unterscheidung von Regeln und Prinzipien ist nicht neu. Trotz ihres Alters
und ihrer häufigen Verwendung aber herrscht über sie Unklarheit und Streit. Eine
verwirrende Vielfalt von Unterscheidungskriterien wird angeboten. Die
Abgrenzung zu anderes Dingen, wie etwa Werten, ist Dunkel, und die Terminologia
schwankt.
Häufig werden nicht Regel und Prinzip, sondern Norm und Prinzip oder Norm und
Grundsatz gegenübergestellt. Hier sollen Regeln und Prinzipien unter dem Begriff
der Norm zusammengefaßt werden. Sowohl Regeln als auch Prinzipien sind
Normen, weil beide sagen, was gesollt ist. Beide lassen sich mit Hilfe der
deontischen Grundausdrücke des Gebots, der Erlaubnis und des Verbots formulieren.
Prinzipien sind ebenso wie Regeln Gründe für konkrete Sollenurteile, wenn auch
Gründe sehr verschiedener Art. Die Unterscheidung von Regeln und Prinzipien ist
also eine Untercheidung zwischen zwei Arten von Normen.35
(grifo nosso)
O sentido da análise aqui proposto neste trabalho se distancia do discrímen acima discorrido,
segundo o qual, de forma resumida, tanto o “princípio”, quanto a “regra” seriam espécies do
gênero “norma jurídica”. Adotar-se-á, até mesmo tendo em vista a coerência com a orientação
filosófico-jurídica ora impressa na reflexão empreendida, a taxionomia dos planos ou estratos
estruturados da validade jurídica vindicada pelo jurisprudencialismo, ao dar consistência,
coerência sistêmica e concretização à normatividade jurídica, exigida pelo Direito em uma
perspectiva autônoma, como esfera de resolução de problemas comunitários.
Assim sendo, de acordo com a referência jurisprudencialista em relação aos estratos ou planos
jurídicos acima mencionados, encontram-se discriminadas e diferenciadas, como partes
integrantes, ao compor a estrutura do sistema jurídico: os princípios normativos como seus
“fundamentos”; as normas legais; bem assim também os precedentes judiciais ou a
jurisprudência judicial e a dogmática jurídica, na condição de seus “critérios”, essa última em
referência à contribuição doutrinária exercida pelos pensadores do Direito, como densificadora
da juridicidade, ao propor saídas e/ou resoluções práticas aos dilemas, aos problemas
enfrentados na intersubjetividade humana em convivência coletiva ativa.
Dissemos, no entanto, que este universo não se manifesta apenas na sua estrutura,
organiza-se pela racionalidade de um sistema, e sistema também juridicamente
específico... A estruturada complexidade vemo-la constituída pelos quatro
elementos estratificados que lhe reconhecemos 1) os princípios, em todas as suas
modalidades (positivos, transpositivos e suprapositivos), enquanto o elemento em
que se exprime normativamente e se assume a validade axiológico-normativa na sua
intenção regulativa e fundamentante – os fundamentos, portanto; 2) as normas,
enquanto categoria geral da objectivação dogmática, na determinante positivação das
pré-soluções normativas em critérios jurídicos, fundados na validade normativa e
relativamente a ela possíveis, como vimos antes, mas imediatamente sustentados, já
pela legitimidade-autoridade prescritiva (desde logo legislativa), já pela auctoritas
quer jurisprudencial quer doutrinal; 3) a jurisprudência, a objectivação e
estabilização de uma como que experimentada casuisticamente, problemático-
concreta realização do direito e com o valor normativo que lhe advém não só da
particular auctoritas institucional como da presunção de justeza dessa sua realização;
4) a dogmática, estritamente agora a dogmática doutrinal ou a doutrina jurídica,... 37
(grifo nosso)(itálico do original)
35 ALEXY, Robert. Theorie der Grundrechte. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1994, p. 72.
36 NEVES, A. Castanheira. O direito interrogado pelo tempo presente na perspectiva do futuro. In: NUNES, António José
Avelãs/COUTINHO, Jacinto Nelson de Miranda (coord.). O direito e o futuro – o futuro do direito. Coimbra: Edições
Almedina, 2008, p. 66-67.
37 NEVES, A. Castanheira. Pensar o Direito num Tempo de Perplexidade. In DIAS, A. Silva (organização.) et. al, Liber
No mesmo sentido a reflexão exercida por José Manuel Aroso Linhares em sua contribuição
jusfilosófica, ao perceber nos princípios normativos a sua função de fundamentação
constitutiva da validade do Direito, agregada pelos demais componentes de sua realização
prático-estabilizadora, consubstanciados pelas normas jurídicas, pela jurisprudência judicial e
pela doutrina ou dogmática:
Tal próximo entendimento domicilia-se, também, inclusive nas revelações promovidas por
Fernando José Bronze, ao versar sobre a objetivação da normatividade jurídica, em fragmento
que tratou dos princípios normativos do sistema jurídico, onde se pode perceber a
diferenciação entre “fundamentos” e “critérios” jurídicos, os primeiros, residência oficial dos
princípios normativos, em que se atesta a validade do Direito, enquanto que os segundos, a
destacarem a coabitação da norma legal, do precedente jurisdicional e da solução impressa
pela dogmática se fazendo presente, como elos de ligação fundantes entre a decisão jurídico-
Há de se despertar a curiosidade pela qual, a classificação svpra exposta não seria, demais a
mais, numervs clavsvs, diante de outras contribuições e inspirações hauridas da dinâmica
social, a servirem de combustível para a ignição normativa assimilada pela e na dimensão
jurídica da realidade, com a existência de outros planos e incentivos na e pela formatação do
Direito em suas especificidades. Trata-se, por exemplo, da influência normatizante exercida
pelas realidades econômica, social, política, cultural, bem assim a dimensão procedimental do
Direito, ao adquirirem perspectiva no âmbito da juridicidade, mesmo porque o Direito não
poderia olvidar-se de estar sensível a tais esferas contributivas da normatividade, que clamam
por serem percebidas e fazerem parte da engrenagem social-comunitária ora em perspectiva,
como destaca o próprio Fernando José Bronze em passagens complementares de sua obra:
39 BRONZE, Fernando José. Lições de Introdução ao Direito. 2. ed. Coimbra: Coimbra Editora, 2010, p. 630-631.
34
Na esteira deste arrazoado porque não atrever-se a ousar e propor como adicional corpo do
sistema jurídico a aqui denominada “militância jurídica”, ao evocar digressão promovida por
A. Castanheira Neves em outro ensaio: “... E nessa preocupação não sou de Pedro nem de
Paulo, procuro antes Cristo – se a metáfora não for sacrílega –, que o mesmo é dizer que viso
o essencial como ele a mim se me ofereça. E com que legitimidade esse apenas em nome
próprio? Com a legitimidade do grão de verdade que cada um possui e de que deverá dar
testemunho, se o der com autenticidade e entrega...”41, entendida a “militância jurídica” como
o sentido valorizador do operador jurídico prático da advocacia, na própria acepção
jurisprudencialista já evocada, ao integrar-se como parte/elemento do sistema normativo, ou
melhor, como, também, uma de suas dimensões normativas.
40 Ibid, p. 664-671.
41 NEVES, op. cit., p. 11.
35
na busca da solução ao caso concreto evocado, quanto numa orientação positiva, como ocorre,
por exemplo, na proposição de alternativas a uma situação vigente, através da qual se
implemente alguma melhora ou acréscimo a algum bem jurídico da comunidade afetada.
Com fundamento no princípio da isonomia e na dicção legal exercida pelo art. 129 do Código
Civil brasileiro42, usando-o com força normativa ancilar no Direito do Trabalho, como
42 Art. 129. Reputa-se verificada, quanto aos efeitos jurídicos, a condição cujo implemento for maliciosamente obstado pela
parte a quem desfavorecer, considerando-se, ao contrário, não verificada a condição maliciosamente levada a efeito por aquele
a quem aproveita o seu implemento. BRASIL. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível
em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/2002/L10406.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.
36
Apesar da tese jurídica não estar plenamente pacificada em sede do Tribunal Superior do
Trabalho, sofrendo inclusive revezes interpretativos45, o que importa salientar é o papel da
“militância jurídica” no sistema normativo como um todo, justificando a sua eleição como
elemento sistemático integrante, pois, somente com a identificação de comportamentos até
então estranhos à dimensão do Direito, poder-se-ia requisitar a sua interferência como esfera
mediadora.
Se se fosse esperar pela identifação ex officio de tal dilema/problema por outras instâncias
jurídicas, talvez a relação intersubjetiva jamais estivesse no radar do sistema normativo, não se
tornando objeto de sua apreciação e julgamento, daí o por quê de se preconizar a “militância
jurídica” como parte integrante e importante dentro da juridicidade.
Diante do quanto discorrido, assume-se neste ensaio, portanto, a tolerância como princípio
normativo, na acepção jurisprudencialista pensada, ou seja, fundamento normativo, ao não
somente incrustar dentro da normatividade determinados valores comunitários específicos,
43 Art. 8º - As autoridades administrativas e a Justiça do Trabalho, na falta de disposições legais ou contratuais, decidirão,
conforme o caso, pela jurisprudência, por analogia, por eqüidade e outros princípios e normas gerais de direito,
principalmente do direito do trabalho, e, ainda, de acordo com os usos e costumes, o direito comparado, mas sempre de
maneira que nenhum interesse de classe ou particular prevaleça sobre o interesse público. BRASIL. Decreto-Lei no 5.452, de
1o de Maio de 1943. Aprova a Consolidação das Leis do Trabalho. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Decreto-Lei/Del5452.htm. Acesso em: 19 dez. 2019.
44 BRASIL. Tribunal Regional do Trabalho da 5 (Quinta) Região. SÚMULA TRT5 Nº0032. PROMOÇÃO POR
Mais duas outras considerações clamam por serem impressas neste discurso, sendo a primeira
pela qual se leva a considerar o princípio normativo da tolerância como um princípio
suprapositivo, ou seja, um autêntico “dever-ser” do “dever-ser”, princípio normativo
fundamentante de qualquer outro princípio normativo da ordem jurídica posta, ao constituir o
sentido maior do Direito e preencher e disseminar o seu espectro de validade em todas as suas
células ou partículas integrantes, vazo comunicante da afirmação de uma validade jurídica, que
atesta e solidifica o compromisso social pelo seu valor axiológico, que lhe é inerente e lhe
persegue. Princípio normativo da tolerância, com semelhante calibre normativo, por exemplo,
daquele existente na “dignidade da pessoa humana”, diante da dimensão ético-axiológica
incorporada no e pelo Direito, ao perceber a pessoa em sua vida comunitária, numa relação
ética entre liberdade e responsabilidade, detentora de um feixe recíproco de direitos subjetivos
e obrigações jurídicas, ao exercer o pleno domínio simbiótico do svvm-comvnne, situação essa
não factível de ser realizada, por qualquer ordem jurídica, sem a presença da tolerância, como
também da dignidade da pessoa humana.
O segundo aspecto, ao ser tratado já no espaço reservado ao final deste capítulo, refere-se à
necessidade da consideração do princípio normativo da tolerância em seu aspecto material e
não somente na sua incorporação formal, positivada ou não, dentro de uma ordem jurídica
qualquer. Noutros termos, não basta tão unicamente considerar a tolerância como princípio
normativo expresso ou implícito de um ordenamento jurídico, necessário se faz materializá-la
materialmente, ou melhor, substanciá-la, através de práticas e condutas sistêmicas, tuteladas
pelo poder público em comando, em todas as suas enervações e feixes de poder derivados,
38
inclusive através e pela conduta intersubjetiva das pessoas em seu convívio social diante das
diferenças discordantes e rejeitadas visões e concepções de mundo, livremente consideradas,
mas admitidas, até certo limite estabelecido, onde, a partir daí, haveria o espaço para a
manifestação da intolerância institucionalizada, noutros termos, o limite da tolerância
institucionalmente definido e garantido.
A questão formal/material da tolerância deve ser analisada, podendo-se tomar como base
reflexão em torno deste princípio normativo em âmbitos específicos da comunidade social,
especificamente no sistema educacional alemão, o que torna a análise mais contundente e
categórica, já que se deve realçar característica própria do Estado Alemão, ao deter elevados
índices de satisfação das necessidades coletivas básicas e até mesmo em dimensões mais
elevadas, através da disponibilização, aos seus cidadãos, de amplo acesso a cultura, ao lazer,
ao desporto, etc., além dele poder ser alcunhado de Estado Democrático de Direito, como
abaixo será versado na parte última deste texto, e tecer críticas à sua uniformização
institucional, apesar da tolerância estar prevista e positivada, formalmente, na acepção da
palavra “Duldsamkeit”, como princípio normativo, em, por exemplo, pelo menos, três
Constituições de Estados alemães diferenciados. Tolerância essa, portanto, textual e
formalmente prevista no Art. 56 da Constituição de Hessen, no Art. 33 da de Rheinland-Pfalz
e no Art. 26 da de Bremen:
Artikel 56 Es besteht allgemeine Schulpflicht. Das Schulwesen ist Sache des Staates.
Die Schulaufsicht wird hauptamtlich durch Fachkräfte ausgeübt. An allen hessischen
Schulen werden die Kinder aller religiösen Bekenntnisse und Weltanschauungen in
der Regel gemeinsam erzogen (Gemeinschaftsschule). Grundsatz eines jeden
Unterrichts muß die Duldsamkeit sein. Der Lehrer hat in jedem Fach auf die
religiösen und weltanschaulichen Empfindungen aller Schüler Rücksicht zu nehmen
und die religiösen und weltanschaulichen Auffassungen sachlich darzulegen.46
(Constituição do Estado Alemão de Hessen) (grifo nosso)
Artikel 33 [Grundsätze für die Schulerziehung] Die Schule hat die Jugend zur
Gottesfurcht und Nächstenliebe, Achtung und Duldsamkeit, Rechtlichkeit und
Wahrhaftigkeit, zur Liebe zu Volk und Heimat, zum Verantwortungsbewusstsein für
Natur und Umwelt, zu sittlicher Haltung und beruflicher Tüchtigkeit und in freier,
demokratischer Gesinnung im Geiste der Völkerversöhnung zu erziehen.47
(Constituição do Estado Alemão de Rheinland-Pflaz) (grifo nosso)
Artikel 26
Die Erziehung und Bildung der Jugend hat im wesentlichen folgende Aufgaben:
1. Die Erziehung zu einer Gemeinschaftsgesinnung, die auf der Achtung vor der
Würde jedes Menschen und auf dem Willen zu sozialer Gerechtigkeit und politischer
Verantwortung beruht, zur Sachlichkeit und Duldsamkeit gegenüber den
Meinungen anderer führt und zur friedlichen Zusammenarbeit mit anderen
Menschen und Völkern aufruft.48 (Constituição do Estado Alemão de Bremen) (grifo
nosso)
Não basta preconizar e textualmente afirmar, que um Estado deve, em sua política de educação
ou em qualquer outra na seara do poder público, prestigiar o princípio normativo da
“Duldsamkeit” em acepção próxima ao termo “tolerância”, em formal respeito às diferenças
de origens, de concepções, de visões de mundo, de raças, de religiões, de orientações sexuais,
etc., se, na sua efetivação, exige-se, por demais, uma excessiva padronização ou uniformização
de hábitos, usos e costumes, tornando defesos outra(o)s, ao impor determinadas práticas
abusivas e violentadoras ao respeito à individualidade e às diferenças alheias, normalmente
manifestas contra os interesses e intenções de pessoas de outro cariz ideológico, político,
religioso, ao colocar o Direito a serviço de um discurso político recheado de vazios, sem
substância e sem consistência, servo submisso aos interesses implacáveis de determinadas
classes, que ascendem ao poder, até mesmo, às vezes, de forma legítima, mas capazes de
desvirtuá-lo, para a satisfação teleológica do seu projeto de dominação e perpetuação dos
privilégios de suas castas encasteladas e fincadas na estrutura estatal sob o seu domínio.
Meditação no sentido acima exposto pode ser encontrada no pensamento de Günter Püttner, ao
versar sobre o sistema educacional alemão e trazer em consideração a presença da palavra
“Duldsamkeit” em algumas Constituições dos seus Estados:
48 ALEMANHA. Landesverfassung der Freien Hansestadt Bremen. Bremen, 2016. Diponível em: https://www.bremische-
buergerschaft.de/fileadmin/user_upload/Informationsmaterial/LandesverfassungBremen_2016_web.pdf. Acesso em: 01 dez.
2019.
40
sich, daß es falsch wäre, Toleranz nur statisch zu betrachten als ein System des
zusammenlebens ausgereifter Menschen mit festem Standpunkt. Der
Meinungsfindungsprozeß in der jeweils heranwachsenden Generation gibt der
Toleranz einen dynamischen Aspekt, der für das Ganze von erheblicher Bedeutung
ist. In einem tolerantem Staat muß zumindest die Möglichkeit offen stehen, auch
Minderheits- oder Sonderanschauungen weiterzugeben und neue Anschauungen
wachsen zu lassen.49
(grifo nosso)
Especialmente quando a política encontra-se lastreada por fortes interesses econômicos, esses
últimos capazes de fomentar um tecnicismo crescente, quando a valorização da sua eficiência,
aliada à eficácia da política são mais tenazes e, além disso, capazes de obnubilar o espectro da
validade jurídica preconizada pelo Direito.
A justiça dos homens encontra-se cada vez mais afastada dos seus alicerces e fundamentos
jurídicos, tornando-se inepta a responder pelo seu múnus ontológico, ou a sua razão de ser
imperam no seu seio social. Portanto, a prática da intolerância não se coaduna neste quadro
normativo rabiscado.
Ao falar sobre a teoria da tolerância ministrada por Arthur Kaufmann, Ken Takeshita declara
somente ser possível de consubstanciá-la numa sociedade aberta e livre:
Nach der Theorie Kaufmanns kann man den anderen gerade deshalb als Person
anerkennen und achten, weil auch der andere nach Wahrheit strebt, und weil seine
Irrtümer auf dem Weg des Strebens nach Wahrheit unausweislich sind. Bloße
Duldung des Irrtums ist keine echte Toleranz. Wahrheitsfindung ist dagegen ein
Prozess der Freiheit, deshalb kann die Toleranz als Ermöglichung von Freiheit und
Wahrheit nicht als etwas Statisches verstanden werden. Nur eine offene Gesellschaft
verwiklicht wahre Toleranz. So war etwa die Gesellschaft des christlichen
Mittelalters keine tolerante Gesellschaft.
[...]
Auch wenn Bloom und Kaufmann hinsichtlich der Toleranz im Ergebnis zu
unterschiedlichen Auffassungen gelangen, stehen sie sich in der Sache ziemlich nahe.
Sie verteidigen beide die Freiheit des Menschen leidenschaftlich, besonders um der
Erforschung der Wahrheit oder Richtigkeit willen. Kaufmann schrieb über den
Zusammenhang zwischen Freiheit, Wahrheit und Toleranz folgenders: „Nur in der
freien Auseinandersetzung der vielen Meinungen hat die Wahrheit eine Chance. Nur
aus der Teilhabe an der Wahrheit erwächst echte Freiheit“. Eben weil Toleranz
Freiheit ermöglicht, ermöglicht sie damit letzten Endes auch Wahrheit. 51
(grifo nosso) (itálico do original)
Não se pode versar sobre o Estado Democrático de Direito sem salientar a importância da
presença da pessoa como plexo de direitos subjetivos, daí, apesar das divergências residentes
no seu interior, há que se preservar e proteger, através do Direito, pela validade aflorada dos
seus fundamentos, seu perfil de pluralidade, justificando-se, desta forma, tratar a tolerância
como seu inerente princípio normativo suprapositivo.
51 TAKESHITA, Ken. Toleranz als Rechtsprinzip: Kommentar zu Arthur Kaufmanns Theorie. In NEUMANN, Ulfrid;
HASSEMER, Winfried; SCHROTH, Ulrich. Verantwortetes Recht: Die Rechtsphilosophie Arthur Kaufmannns, Archiv für
Rechts- und Sozialphilosophie, Beiheft n. 100, Franz Steiner, 2005, p. 107-109.
44
Rios de tinta versam sobre a teoria e a definição do Estado de Direito, entrementes, de uma
forma resumida e por que não dizer filisteia, poder-se-ia preconizar que o Estado de Direito
seria aquele caracterizado pelo dominvs pleno do Direito em suas hostes e confins. Somente
pelo Direito, através do Direito e com o Direito poderia ser estruturado o Estado de Direito,
como entidade autônoma e independente que se consubstancia, ao açambarcar um território, no
exercício de sua soberania, em face dos interesses de um determinado povo. Fora da presença
do Direito não se pode falar em Estado de Direito.
A ordem jurídica delimita, através do seu sistema normativo, a forma de atuação, ou melhor,
os conteúdos deontológicos de “permissão”, “proibição” e “obrigação” das pessoas jurídicas
involucradas no tráfico das relações intersubjetivas vivenciadas pela raça humana, no exercício
de sua humanidade, de maneira a preencher o seu cotidiano, mesmo porque o “homem”, ou
melhor, a “pessoa”, essa entendida como sujeito de direito, onde se realiza a dimensão ética do
Direito, ao deter em seu patrimônio jurídico um feixe de direitos diante do seu “svvm”, perante
as responsabilidades assumidas em face da sua comunidade, ao ressaltar o seu comvnne,
precisa do outro “homem”, se aperfeiçoa em sua plenitude como ser ou “Dasein” na presença
da alteridade de outrem, percepção inequívoca do seu “Damitsein”. Inexiste a possibilidade de
coexistência ou mesmo da existência humana sem a presença do outro. Noutros termos, não se
pode falar em Direito, sem o convívio humano intersubjetivo. Não há o que se regular, se não
há comunidade, para a prática de comportamentos, que sejam axiologicamente considerados
relevantes pelo Direito. Até mesmo Robinson Crusoé precisou de seu “Sexta-Feira”, para
poder subsistir.
Na essência do Estado de Direito, há que se perceber que não é o Estado quem cria o Direito,
mas, outrossim, o Direito é quem o estabelece. Os limites de atuação do Estado e a sua forma
45
Há que se considerar, entretanto, dois vetores distintos, mas não opostos, mas sim
complementares do sentido de Estado de Direito ora considerado, o que poderia ser resumido
46
na máxima, segundo a qual “ninguém seria obrigado a algo fazer ou deixar de praticá-lo
senão de acordo com o sentido de um critério normativo que o preveja, tendo sido respeitado
o devido processo legislativo de sua concepção”.
Não se deve soltar o Estado, através de suas instituições, de forma deliberadamente livre, num
espaço amplo de discricionariedade, sem limites e fronteiras, navegando de acordo com os
interesses exclusivos acastelados nas suas esferas do poder, sob o risco de transformar o
Estado de Direito em Direito do Estado e, portanto, subjugar o direito à política, ou à
economia ou a qualquer outra dimensão normativa, que não seja a jurídica, e privilegiar
interesses diversos e deletérios, peregrinos à sociedade onde atua, e, sob o título, formalmente
estatuído de “Estado de Direito”, configurar-se em promotor da violação dos seus
fundamentos básicos e desflorar os direitos e garantias básicos, que devem ser estendidos à sua
população.
52 CANOTILHO, J. J.Gomes. Estado de direito. 1. ed. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999, p. 16.
47
Seja em relação ao indivíduo, onde a liberdade de atuação lhe é manifestada de forma ampla,
seja em face do Estado, onde o ser livre é limitado, ambos os vetores se cumulam, nesta
geometria espacial normativa, ao contribuir para a formação de um Estado, que se digne a
denominar de Direito.
Por sua vez, haveria que se acrescentar o termo “democrático” ao qualificar o Estado de
Direito, apesar de talvez soar como um pleonasmo a locução “Estado Democrático de
Direito”, já que, ausente a democracia, não se poderia conjecturar na existência de um Estado
de Direito. Entrementes, para introduzir a expressão no texto do contexto ora vislumbrado, há
que se legitimar o poder conferido ao Estado de Direito através da participação popular. Tal
faculdade de manifestação política dos seus cidadãos ocorre, através do voto livre, universal e
secreto, ao estabelecer a soberania popular em sua essência democrática.
O Estado de Direito estaria, desta forma, submisso aos interesses e aos anseios dos seus
cidadãos, que legitimam a sua força e presença políticas, escolhendo, livremente, sem amarras,
os seus representantes, para assumirem as posições públicas nos órgãos e/ou entidades, que lhe
compõem, inclusive alguns detentores do múnus da produção legislativa.
O governo democrático seria, portanto, o da maioria, escolhido pelo sufrágio da maior parte da
sua população, sem, entretanto, descurar das minorias vencidas, também parcela comunitária,
detentora de voz importante a ser considerada e avaliada, ao servir o Estado Democrático de
Direito, adicionalmente, de garantia e proteção aos interesses minoritários de determinados
grupos sociais, para se evitar, que sob a sua denominação, se materialize a chamada “opressão
majoritária”.
Com este alcance, o princípio democrático confere uma nova inteligibilidade aos
elementos do Estado de Direito e, desde logo, legitima a recomposição verificada na
divisão de poderes tradicional. Assim, quer a autonomia do executivo quer o reforço
da independência e posição relativa do poder judicial se justificam à luz da
submissão básica de todas as funções estaduais à vontade democrática
48
Já atrás dissemos que a ideia de “Estado Europeu” se deve utilizar com o máximo de
contenção conceitual. Mas mesmo que se abdique da ideia de “Estado Europeu” é
razoável a exigência de legitimar o acto fundador de uma “União” positivamente
integradora através de dois momentos constituintes: (1) o momento da feitura do
“tratado-constituição” através de uma “convenção” democraticamente
representativa; (2) o momento de ratificação deste “tratado-constituição” através da
participação dos cidadãos nacionais (através dos representantes ao Parlamento ou
através de referendo).54 (grifo nosso) (itálico do original)
Uma vez traçadas as linhas conceituais em torno do Estado Democrático de Direito, necessário
se faz conectá-lo com o princípio normativo da tolerância. Como svpra dimensionado, a
essência do Estado de Direito é a proteção do cidadão, detentor de direitos e deveres jurídicos,
limitando a discricionariedade de atuação do Estado através, pelo e no Direito estabelecido,
consolidado pelo seu sistema normativo, onde ocorre a plena realização da pessoa em sua
comunidade, mesmo porque é no mundo prático que ocorre a mundanidade das condutas
intersubjetivas, havendo de se reconhecer, dentro do meio social, a presença de inúmeros
coloridos, de carizes variados, residentes na fauna humana: diversas concepções religiosas;
visões de mundo; orientações sexuais; cores de pele; padrões de indumentária; tipos de cabelo;
escolhas políticas; culinárias; expressões musicais; folclore; manifestações artísticas, seja na
música, na pintura, na escultura, etc., dentre variegadas outras possibilidades encontradas aqui
e alhures, ao possibilitar o destaque da raça humana na sua acepção mais fantástica e sedutora:
a sua variedade dentro da sua pluralidade, de forma que a unicidade do humano, destaca-se na
sua diversidade.
53NOVAIS, Jorge Reis. Contributo para uma teoria do estado de direito: do estado de direito liberal ao estado social e
democrático de direito. Coimbra: Almedina, 2013, p. 208.
49
existe a manifestação da conduta interativa entre as pessoas, que se faz requisitar a presença do
Direito, como instância mediadora na solução dos seus problemas derivados.
A tolerância deve ser contemplada e analisada no contexto acima discorrido. Otfried Höffe
expressamente declara a exigência da tolerância por parte da democracia e da liberdade num
Estado de Direito:
Prima facie ist die Toleranz für eine Rechts- und Staatsethik kein unmittelbares
Thema. Zusammen mit dem Pluralismus gehört sie zwar zu den Bedingungen, unter
denen die Moderne ihre politische Gerechtigkeit ausbildet. Für ein modernes
Gemeinwesen ist sie sogar so wichtig, daß man sie in einem Atemzug mit
Demokratie und Freiheit nennen, beiden Begriffen sogar voranstellen kann; denn
Demokratie und Freiheit setzen Toleranz aus...56 (grifo nosso)
De igual forma declara Günter Püttner ser a tolerância uma questão de orientação para o
Estado Democrático e Social de Direito:
54 CANOTILHO, J. J. Gomes. Precisará a teoria da Constituição Europeia de uma teoria do Estado?. Boletim da
Faculdade de Direito. Separata de: Colóquio ibérico: Constituição Europeia: Homenag,e ao Doutor Francisco Lucas Pires,
Coimbra Editora, Coimbra, 2005, p. 669.
55 CANOTILHO, J. J.Gomes. Estado de direito. 1. ed. Lisboa: Gradiva Publicações, 1999, p. 75-76.
50
In diesem Zusammenhang wird vielleicht mancher fragen, warum gerade ein in erster
Linie dem Verwaltungsrecht und der Kommunalwissenschaft verplichteter
Staatsrechtler dieses Thema aufgreift. Das Interesse hat durchhaus einen Grund:
Toleranz ist, wie angedeutet, nicht nur Bürger-Tugend, sondern mindestens in
gleichem Maße eine Orietierungsfrage für den demokratischen und sozialen
Rechtsstaat und seine Verwaltung...57 (grifo nosso) (itálico do original)
Jedes Bekenntnis zur Toleranz hat sich mit zwei entgegengesetzten Vorwürfen aus-
einanderzusetzen: Rechte Zeitgenossen befürchten gesellschaftliche, soziale,
moralische Anarchie durch die Aufweichung tradierter Verhaltensweisen und
Wertvorstellungen; die linken Revolutionäre hingegen sehen gerade in der Toleranz
ein besonders abge- feimtes Mittel zur Aufrechterhaltung bestehender, inhumaner
Herrschaftsverhältnisse. In der Tat kann die Toleranz sowohl der Befreiung als auch
der Unterdrückung des Menschen dienen. Sie ist gleichwohl die unabdingbare
Fundamentalnorm eines jeden der Menschenwürde seiner Bürger verpflichteten
Staates. Für die Bundesrepublik Deutschland ist die Toleranz ein
Verfassungsprinzip. 58 (grifo nosso)
Cabe aqui uma reflexão para o estabelecimento da divergência entre o princípio normativo da
56 HÖFFE, Otfried. Toleranz: Zur politischen Legitimation der Moderne. In FORST, Rainer. Toleranz: Philosophische
Grundlagen und gesellschaftliche Praxis einer umstrittenen Tugend, Campus, Frankfurt am Main, 2000, p. 60.
57 PÜTTNER, op. cit., p. 11.
58 WEIß, op. cit., p. 65.
51
Tal mesma situação, num Estado onde não haja a incidência da tolerância como princípio
normativo, o resultado poderia ser bem diverso, pois os grupos minoritários desassistidos,
normalmente alvos de ações intolerantes, poderiam sofrer ameaças à sua incolumidade física,
com sérios problemas à preservação do seu bem jurídico mor, qual seja, a vida humana.
Noticia-se aos quatro cantos deste globo a existência de tais ocorrências, quando minorias
étnicas, religiosas, etc., não são toleradas pela maioria, sofrendo discriminação, segregação,
violação física e outros tipos de privações.
5 CONCLUSÃO
Mas a resposta conclusiva foi outra. Percebe-se nitidamente o caráter jurídico da tolerância
como princípio normativo do Estado Democrático de Direito e, para tal inferência o
jurisprudencialismo tornou-se peça chave, na abertura da porta da percepção intelectual
promovida, pois, se a tolerância não poderia ser considerada como um critério legal, nada
impediria que entrasse na dimensão da validade do sistema normativo, como um dos seus
fundamentos, na condição de princípio normativo, bem traçada e delineada no esquema
jurisprudencialista proposto pelos seus doutrinadores de escol.
Com isso não se quer desqualificar outras escolas de pensamento jurídico, mesmo porque cada
uma possui sua dimensão própria e suas específicas bases e ideais estruturantes, com espectros
de influência variados. Resolveu-se adotar o jurisprudencialismo por opção intelectual, ao
haver uma identificação entre o autor e a Teoria Jurisprudencialista proposta, essa ao assumir o
suporte filosófico-teórico, que o trabalho, segundo a perspectiva empreendida, desejava.
Por fim não há que se olvidar o necessário liame entre a tolerância, como princípio normativo,
ao servir de base e fundamento para os demais elementos do sistema normativo, e o Estado
Democrático de Direito, ao ponto desse restar desfigurado, se, por acaso, não prestigie a
tolerância, como parte de sua principiologia reinante.
Pensar e tolerar o diferente comportamento dissonante, apesar da negação que reina na pessoa
tolerante diante da atitude, da concepção, da visão de mundo do tolerado, por mais minoritária
que seja, haja vista as diferenças de credos, religiões, ideais políticos e quejandos existentes na
comunidade, deve fazer parte de qualquer Estado contemporâneo, orientado pelo Direito, que
paute como prioritário valorizar a dignidade da pessoa humana e materialize substancialmente,
e não formalmente, a alcunha de Estado Democrático de Direito.
55
6 REFERÊNCIAS
_______. Lei no 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Disponível em:
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