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A filosofia na Grécia Antiga

Protágoras MAR NEGRO

Aristóteles
Epicuro Zenão
Pitágoras

e Eleia Pirro

( MAGNA
GRÉCIA

e Agrigento

,
Tales
Anaximandro
Anaxímenes
Filósofos da Grécia Antiga

Período pré-socrático
• Período clássico
• Período helenístico

Fonte: ABRÃO, Bernadete Siqueira [et al.]. Enciclopédia do Estudante. História da filosofia:
da Antiguidade aos pensadores do século XXI. v. XII. São Paulo: Moderna, 2008. p. 17.

Consulte o mapa dos principais filósofos gregos e identifique


aqueles que correspondem ao período pré-socrático. Observe
em que região (lônía ou Magna Grécía) e em que cidade eles se
estabeleceram. Em seguida veja como os filósofos do período
clássico (Sócrates, Platâo) se fixam em Atenas. Embora Aristóteles
tenha nascido em Estagira, cidade da Macedônia, foi em Atenas que
fundou sua escola. Localize também os filósofos do helenismo,
que se deslocam da Grécia continental e se espalham pelas ilhas.

Il Situando no tempo
Neste capítulo veremos o processo pelo qual se deu a passagem da
consciência mítíca para a consciência filosófica na civilização grega.
Vejamos de início um quadro que abrange desde os períodos míticos
até o século II a.C.

36
~ PARA SABER MAIS
Periodização da história da Grécia Antiga do comércio e a expansão da colonização grega. No
Civilização micênica (sécs.XX a XII a.C), Desenvolveu-se início desse período teria vivido Hesíodo. No final do
desde o início do segundo milênio a.C.Tem esse nome século VII e durante o século VI a.C. surgiram os pri-
pela importância da cidade de Micenas, de onde, por meiros filósofos.
volta de 1250 a.C, partiram Agamêmnon, Aquiles e Período clássico (sécs. V e IV a.C). Auge da civilização
Ulisses para sitiar e conquistarTroia. grega; na política, o apogeu da democracia ateniense;
Tempos homéricos (sécs.XII a VIII a.c.). Na tra nsição de desenvolvimento das artes, literatura e filosofia; época
um mundo essencialmente rural, os senhores enrique- em que viveram os sofistas e os filósofos Sócrates,
cidos formaram a aristocracia proprietária de terras, Platão e Aristóteles.
que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse período Período helenístico (sécs.111e II a.C). Decadência polí-
teria vivido Homero (séc.IX ou VIII a.C). tica, domínio macedônico e conquista da Grécia pelos
Período arcaico (sécs. VIII a VI a.c.). Com a formação romanos; culturalmente, significativa influência das
das cidades-estados (póleis), ocorreram grandes alte- civilizações orientais; florescimento das filosofias
rações sociais e políticas, bem como o desenvolvimento estoica e epicu rista.

fJ Uma nova ordem humana aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis, e geral-
mente mantém o caráter mágico: entre os antigos
Costuma-se dizer que os primeiros filósofos foram
egípcios, por exemplo, a palavra hierôglifo significa
gregos e surgiram no período arcaico, nas colônias
literalmente "sinal divino".
gregas. Embora reconheçamos a importância de
Na Grécia, já existira uma escrita no período
sábios que viveram na mesma época em outros luga-
micênico, mas restrita aos escribas que exerciam
res, suas doutrinas ainda estavam mais vinculadas à
funções administrativas de interesse da aristocra-
religião do que propriamente à reflexão filosófica.
cia palaciana. Com a violenta invasão dórica, no
século XII a.C., a escrita desapareceu junto com

tiJ PARA SABER MAIS


a civilização micênica, para ressurgir apenas no
final do século IX ou VIII a.C., por influência dos
Os sábios que viveram no Oriente no século VI a.C,
fenícios.
a mesma época em que a filosofia surgiu na Grécia,
foram: Confúcio e Lao Tsé na China; Gautama Buda
Em seu ressurgimento, a escrita assumiu função
na índia; Zaratustra na Pérsia. diferente. Suficientemente desligada da influência
religiosa, passou a ser utilizada para formas mais
democráticas de exercício do poder.
Alguns autores chamaram de "milagre grego" Enquanto os rituais religiosos eram cheios de
a passagem da mentalidade mítica para o pensa- fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados,
mento crítico racional e filosófico, destacando o os escritos passaram a ser divulgados em praça
caráter repentino e único desse processo. Outros pública, sujeitos à discussão e à crítica. Isso não
estudiosos, no entanto, criticam essa visão simplista significa que a escrita se tornasse acessível a todos,
e afirmam que a filosofia na Grécia não é fruto de muito pelo contrário, já que a maioria da popula-
um salto, do "milagre" realizado por um povo privi- ção era constituída de analfabetos. O que está em
legiado, mas é a culminação do processo gestado ao destaque é a dessacralização da escrita, ou seja, seu
longo dos tempos. desligamento do sagrado.
Por enquanto, fiquemos com alguns fatos do A escrita gera nova idade mental porque a pos-
período arcaico que ajudaram a alterar a visão tura de quem escreve é diferente daquela de quem
mítica predominante e contribuíram para o surgi- apenas fala. Como a escrita fixa a palavra para além
mento do filósofo: de quem a proferiu, exige maior rigor e clareza, o
• a invenção da escrita e da moeda; que estimula o espírito crítico. Além disso, a reto-
• a lei escrita; mada posterior do que foi escrito - não só por con-
temporâneos, mas por outras gerações - abre os
• a fundação da pólis (cidade- Estado) ..
horizontes do pensamento e proporciona o dístan-
ciamento do vivido e o confronto das ideias .
• A invencão
, da escrita Portanto, a escrita surge como possibilidade
A consciência mítica predomina em cultu- maior de abstração, de uma reflexão aprimorada
ras de tradição oral, quando ainda não há escrita. que tenderá a modificar a própria estrutura do
Mesmo após seu surgimento, a escrita reserva-se pensamento.

o nascimento da filosofia Capítulo 3


ti) PARA SABER MAIS
Periodização da história da Grécia Antiga do comércio e a expansão da colonização grega. No
Civilização micênica (sécs. XX a XII a.c.). Desenvolveu-se início desse período teria vivido Hesíodo. No final do
desde o início do segundo milênio a.c. Tem esse nome século VII e durante o século VI a.c. surgiram os pri-
pela importância da cidade de Micenas, de onde, por meiros filósofos.
volta de 1250 a.C, partiram Agamêmnon, Aquiles e Período clássico (sécs. V e IV a.c.). Auge da civilização
Ulisses para sitiar e conquistarTroia. grega; na política, o apogeu da democracia ateniense;
Tempos homéricos (sécs. XII a VIII a.C). Na transição de desenvolvimento das artes, literatura e filosofia; época
um mundo essencialmente rural, os senhores enrique- em que viveram os sofistas e os filósofos Sócrates,
cidos formaram a aristocracia proprietária de terras, Platão e Aristóteles.
que fez recrudescer o sistema escravista. Nesse período Período helenístico (sécs. III e II a.c.). Decadência polí-
teria vivido Homero (séc. IX ou VIII a.c.). tica, domínio macedônico e conquista da Grécia pelos
Período arcaico (sécs. VIII a VI a.C), Com a formação romanos; culturalmente, significativa influência das
das cidades-estados (póleis), ocorreram grandes alte- civilizações orientais; florescimento das filosofias
rações sociais e políticas, bem como o desenvolvimento estoica e epicurista.

fJ Uma nova ordem humana aos privilegiados, aos sacerdotes e aos reis, e geral-
mente mantém o caráter mágico: entre os antigos
Costuma-se dizer que os primeiros filósofos foram
egípcios, por exemplo, a palavra hieróglifo significa
gregos e surgiram no período arcaico, nas colônias
literalmente "sinal divino".
gregas. Embora reconheçamos a importância de
Na Grécia, já existira uma escrita no período
sábios que viveram na mesma época em outros luga-
micênico, mas restrita aos escribas que exerciam
res, suas doutrinas ainda estavam mais vinculadas à
funções administrativas de interesse da aristocra-
religião do que propriamente à reflexão filosófica.
cia palaciana. Com -a violenta invasão dórica, no
século XII a.C., a escrita desapareceu junto com
tilPARA SABER MAIS a civilização micênica, para ressurgir apenas no
final do século IX ou VIII a.C., por influência dos
Os sábios que viveram no Oriente no século VI a.C,
fenícios.
a mesma época em que a filosofia surgiu na Grécia,
foram: Confúcio e Lao Tsé na China; Gautama Buda
Em seu ressurgimento, a escrita assumiu função
na índia; Zaratustra na Pérsia. diferente. Suficientemente desligada da influência
religiosa, passou a ser utilizada para formas mais
democráticas de exercício do poder.
Alguns autores chamaram de "milagre grego" Enquanto os rituais religiosos eram cheios de
a passagem da mentalidade mítica para o pensa- fórmulas mágicas, termos fixos e inquestionados,
mento crítico racional e filosófico, destacando o os escritos passaram a ser divulgados em praça
caráter repentino e único desse processo. Outros pública, sujeitos à discussão e à crítica. Isso não
estudiosos, no entanto, criticam essa visão simplista significa que a escrita se tornasse acessível a todos,
e afirmam que a filosofia na Grécia não é fruto de muito pelo contrário, já que a maioria da popula-
um salto, do "milagre" realizado por um povo privi- ção era constituída de analfabetos. O que está em
legiado, mas é a culminação do processo gestado ao destaque é a dessacralização da escrita, ou seja, seu
longo dos tempos. desligamento do sagrado.
Por enquanto, fiquemos com alguns fatos do A escrita gera nova idade mental porque a pos-
período arcaico que ajudaram a alterar a visão tura de quem escreve é diferente daquela de quem
mítica predominante e contribuíram para o surgi- apenas fala. Como a escrita fixa a palavra para além
mento do filósofo: de quem a proferiu, exige maior rigor e clareza, o
• a invenção da escrita e da moeda; que estimula o espírito crítico. Além disso, a reto-
• a lei escrita; mada posterior do que foi escrito - não só por con-
temporâneos, mas por outras gerações - abre os
• a fundação da pólis (cidade- Estado).
horizontes do pensamento e proporciona o distan-
ciamento do vivido e o confronto das ideias .
• A invencão
, da escrita Portanto, a escrita surge como possibilidade
.A consciência mítica predomina em cultu- maior de abstração, de uma reflexão aprimorada
ras de tradição oral, quando ainda não há escrita. que tenderá a modificar a própria estrutura do
Mesmo após seu surgimento, a escrita reserva-se pensamento.

o nascimento da filosofia Capítulo 3


• o surgimento da moeda • A lei escrita
Na época da aristocracia rural, de riqueza basea- Antes de tratarmos da transformação da pólis
da em terras e rebanhos, a economia era pré-mone- é preciso destacar a importância de legislado-
tária. Os objetos usados para troca vinham carre- res como Drácon (séc. VII a.C.), Sólon e Clístenes
gados de simbologia afetiva e sagrada. As relações (séc. VI a.C.), que sinalizaram uma nova era: a jus-
sociais, impregnadas de caráter sobrenatural, eram tiça, até então dependente da interpretação da von-
fortemente marcadas pela posição social de pessoas tade divina ou da arbitrariedade dos reis, tornou-se
consideradas superiores, devido à origem divina de codificada numa legislação escrita. Regra comum a
seus ancestrais. todos, norma racional, sujeita à discussão e à modi-
Entre os séculos VIII e VI a.C., deu-se o desenvolvi- ficação, a lei escrita passou a encarnar uma dimen-
mento do comércio marítimo, decorrente da expan- são propriamente humana.
são do mundo grego, com a colonização da Magna As reformas da legislação de Clístenes fundaram
Grécia (atual sul da Itália e Sicília) e da jônia (hoje a pólis sobre nova base: a antiga organização tri-
bal foi abolida e estabeleceram-se relações que não
litoral da Turquia). O enriquecimento dos comer-
mais dependiam da consanguinidade, mas eram
ciantes acelerou a substituição de valores aristocrá-
determinadas por uma organização administrativa.
ticos por valores da nova classe em ascensão.
Essas modificações expressam o ideal igualitário
A moeda, inventada na Lídia - região da atual
que preparava a democracia nascente, já que a uni-
Turquia -, apareceu na Grécia por volta do século
ficação do corpo social aboliu a hierarquia fundada
VII a.C., vindo facilitar os negócios e impulsionar o
no poder aristocrático das famílias, que se assen-
comércio. Com o recurso da moeda, os produtos que
tava na submissão e no domínio.
antes se restringiam ao seu valor de uso passaram a
Segundo ]ean-Pierre Vernant, helenista e pensa-
ter valor de troca, isto é, transformaram-se em mer-
dor francês,
cadoria. Emitida e garantida pela pólis, a moeda fazia
reverter seus benefícios para a própria comunidade.
os que compõem a cidade, por mais diferentes
que sejam por sua origem, sua classe, sua função,
aparecem de uma certa maneira 'semelhantes'
uns aos outros". Se de início a igualdade existia
apenas entre os guerreiros, "essa imagem do mundo
humano encontrará no século VI sua expressão
rigorosa num conceito, o de jsopomja: igual
participação de todos os cidadãos no exercício
do poder.'
Dois lados de uma moeda
grega encontrada em
Atenas, c. 440 a.C.
A pólis buscava garantir a isonomia, do mesmo
modo que a ~goria, a igualdade do direito da pala-
Nessa moeda grega, vemos a deusa
vra na assembleia.
Atena e a coruja, símbolo da sabedoria. Por
consequência, a coruja passou a representar
também a filosofia. m ETIMOLOGIA
Isonomia. Do grego isos:'igua I",e nomos,"lei" (igua Idade
de direitos perante a lei no regime democrático).
Além desse efeito político de democratização de Isegoria. Do grego isos, "igual", e agoreuo, "d iscursa r
em público".
um valor, a moeda sobrepunha aos símbolos sagrados
e afetivos o caráter racional de sua concepção: a moeda
representa uma convenção humana, noção abstrata
de valor que estabelece a medida comum entre valores (;J PARA REFLETffi
diferentes. Nesse sentido, a invenção da moeda desem- Poderíamos dizer que ainda hoje a isonomia e a ise-
goria são princípios extensivos a todos os cidadãos
penha papel revolucionário, por vincular-se ao nasci-
em nosso país?
mento do pensamento racional crítico.

1 VERNANT, Iean-Pierre. As origens do pensamento grego. 2. ed. São Paulo: Difel, 1977. p. 42.

] Unidade 1 Descobrindo a filosofia


• o cidadão da pólis ordem humana surgiu o cidadão da pólis, figura
inexistente no mundo da comunidade tribal e das
Para Vernant, o nascimento da pólis (por volta
aristocracias rurais.
dos sécs. VIII e VII a.C.) é um acontecimento deci-
sivo que "marca um começo, uma verdadeira inven-
ção", por ter provocado grandes alterações na vida • A consolidação da democracia
social e nas relações humanas. Embora os regimes oligárquicos não tenham sido
A originalidade da pólis é que ela estava cen- extirpados, em muitas póleis consolidaram-se os
tralizada na ágora (praça pública), espaço onde ideais democráticos. Entre elas, Atenas é um modelo
se debatiam os problemas de interesse comum. clássico. O apogeu da democracia ateniense ocorreu
Separavam-se na pólis o domínio público e o pri- no século V a.C., quando Péricles governava.
vado: isso significava que ao ideal de valor de san- Os cidadãos livres, ricos ou pobres, tinham acesso
gue, restrito a grupos privilegiados em função do à assembleia. Tratava-se da democracia direta, em
nascimento ou fortuna, se sobrepunha a justa dis- que não eram escolhidos representantes, mas cada
tribuição dos direitos dos cidadãos como represen- cidadão participava ele mesmo das decisões de
tantes dos interesses da cidade. interesse comum.
Desse modo era elaborado o novo ideal de jus- No entanto, quando falamos em democracia
tiça, pelo qual todo cidadão tinha direito ao poder. ateniense, é bom lembrar que a maior parte da
A noção de justiça assumia caráter político, e não população se achava excluída do processo político,
apenas moral, ou seja, não dizia respeito apenas ao tais como os escravos e os estrangeiros (metecos),
indivíduo e aos interesses da tradição familiar, mas mesmo que estes fossem prósperos comerciantes.
~ à sua atuação na comunidade. Aliás, quanto mais se desenvolvia a ideia de cida-
A pólis se fez pela autonomia da palavra, não dania, com a consolidação da democracia, a escra-
mais a palavra mágica dos mitos, palavra dada vidão representava ainda mais um contraponto
pelos deuses e, portanto, comum a todos, mas a indispensável, já que ao escravo eram reservadas as
palavra humana do conflito, da discussão, da argu- tarefas dos trabalhos manuais e das atividades diá-
mentação. Expressar-se por meio do debate fez rias de sobrevivência.
nascer a política, que permite ao indivíduo tecer É difícil fazer o cálculo demográfico de Atenas,
seu destino na praça pública. Da instauração da mas no decorrer do século V a.C. a população variou
entre meio milhão a 250 mil habitantes, dos quais
a maioria era constituída por escravos. Excluídos
os estrangeiros, as mulheres e as crianças, restavam
apenas entre 10 a 14% de cidadãos propriamente
ditos capacitados para participar das discussões na
ágora e decidir por todos.
Apesar disso, o que vale enfatizar é a mutação do
ideal político e uma concepção inovadora de poder,
a democracia. O hábito da discussão pública, na
ágora, estimulava o pensamento racional, argumen-
tativo, mais distanciado das tradições míticas.

D Os primeiros filósofos
A grande aventura intelectual dos gregos não
começou propriamente na Grécia continental, mas
nas colônias da [ônia e da Magna Grécia, onde flo-
rescia o comércio. Os primeiros filósofos viveram por
volta dos séculos VII e VI a.C. e, mais tarde, foram clas-
sificados como pré-socráticos, quando a divisão da
o século de Péricles. Phillipp von Foltz, 1853-
filosofia grega centralizou-se na figura de Sócrates.
Na ágora ateniense, logo abaixo da acrópole,
o povo se reúne para a assembleia em que os Assembleia. Em grego se diz aqorá, local de reunião para
oradores discutem os destinos da cidade. decidir assuntos comuns. Designa também a praça
principal das póleis, local onde se instalava o mercado.

o nascimento da filosofia Capítulo 3


Os escritos dos filósofos pré-socráticos desa- multiplicidade, são as mais variadas. Vejamos algu-
pareceram com o tempo, e só nos restam alguns mas delas:
fragmentos ou referências de filósofos posterio-
• Para Tales de Mileto (640-c.548 a.C.), astrô-
res. Sabemos que geralmente escreviam em prosa,
nomo, matemático e primeiro filósofo, a arkhé
abandonando a forma poética característica das
é a água;
epopeias, dos relatos míticos.
• De acordo com Pitágoras (séc. VI a.C), filósofo
e matemático, o número é a essência de tudo;
~ PARA SABER MAIS todo o cosmo é harmonia, porque é ordenado
Períodos da filosofia grega pelos números.
Pré-socrático (séc. VII e VI a.C), Os primeiros filó-
sofos ocupavam-se com questões cosmológicas,
iniciando a separação entre a filosofia e o pensa-
mento mítico.
Sócrático ou clássico (séc. V e IV a.c.). Ênfase nas
questões antropológicas e maior sistematização do
pensamento. Desse período fazem parte os sofistas,
o próprio Sócrates, seu discí pu 10Platão e Aristóteles,
discípulo de Platão.
Pós-socrático (séc.1I1e 11a.C}. Durante o helenismo,
preponderou o interesse pela física e pela ética.
Surgiram-as correntes filosóficas do estoicismo
(Zenão de Cítio), do hedonismo (Epicuro) e do ceti-
cismo (Pirro de Élida).

~ PARA SABER MAIS o monocórdio - como o nome diz - é um


Entre os primeiros filósofos, Pitágoras foi o que pela instrumento de uma corda só. Nele, Pitágoras
primeira vez usou a palavra filosofia e ainda hoje é fez experiências para mostrar que a música
estudado em cursos de geometria. Você conhece o se expressa em linguagem matemática.
teorema sobre a hipotenusa e os catetos do triãn-
Ao calcular os intervalos entre os diferentes
guio retãngulo?
pontos pressionados na corda, descobriu
a relação entre as notas musicais e as
•• O principio de todas as coisas proporções no seu comprimento. Faça uma
Os primeiros pensadores centraram a aten- pesquisa para explicar com mais detalhes
ção na natureza e elaboraram diversas concep- quais foram as proporções estabelecidas por
ções de cosmologia. Note que dizemos cosmolo- Pitágoras no seu experimento. Se necessário,
gia, conceito que se contrapõe à cosmogonia de consulte alguém que conheça teoria musical,
Hesíodo. Enquanto no período mítico a cosmo- matemática ou ainda física.
gonia relata o princípio como origem no tempo
(o nascimento dos deuses), as cosmologias dos
pré-socráticos procuram a racionalidade consti- • Para Anaximandro (610-547 a.C.), o fundamento
tutiva do Universo. dos seres é uma matéria indeterminada, ilimi-
Todos eles procuram explicar como, diante da tada (ápeiron, em grego), que daria origem a
mudança (do devir), podemos encontrar a estabili- todos os seres materiais.
dade; como, diante do múltiplo, descobrimos o uno.
• Para Anaxímenes (588-524 a.C.), é o ar, que pela
Ao perguntarem como seria possível emergir o cosmo
rarefação e condensação faz nascer e transfor-
do caos - ou seja, como da confusão inicial surge o
mar todas as coisas.
mundo ordenado -, os pré-socráticos buscam o prin-
cípio (em grego, a arkhej de todas as coisas, entendido • Parmênides de Eleia (c.544-450 a.C.) e Heráclito
não como aquilo que antecede no tempo, mas como de Éfeso (sécs. VI-V a.C.) desenvolveram teorias
fundamento do ser. Buscar a arkhé é explicar qual é o que entraram em conflito e instigaram os filó-
elemento constitutivo de todas as coisas. sofos do período clássico (como veremos no
As respostas dos filósofos à questão do funda- capítulo 13, ''A busca da verdade"). Enquanto
mento das coisas, da unidade que pode explicar a para Parmênides o ser real é imóvel, imutável e

Unidade 1 Descobrindo a filosofia


Homem na
balança dos quatro
- .~ elementos. Autor
'-~ descon hecido, '532.
A teoria dos quatro elementos - terra, água, ar e fogo - faz parte da
tradição de vários povos antigos. A que foi elaborada por Empédocles
tomou-se a mais conhecida e aceita na cultura ocidental até o século XVIII,
quando o cientista Lavoisier contestou sua validade,

o movimento é uma ilusão, para Heráclito tudo filósofos jônicos, Cornford descobriu neles a mesma
flui e tudo o que é fixo é ilusão: "não nos banha- estrutura de pensamento existente no relato mítico:
mos duas vezes no mesmo rio". os jônios afirmavam que, de um estado inicial de
• Anaxágoras (499-428a.C.),nascido em Clazômena, indistinção, separam-se pares opostos (quente e
mudou-se para Atenas, onde foi mestre de Péricles. frio, seco e úmido), que vão gerar os seres naturais
Sustentava que as "sementes" de todas as coisas (o céu de fogo, o ar frio, a terra seca, o mar úmido).
foram ordenadas por um princípio inteligente, Para eles, a ordem do mundo deriva de forças opos-
uma Inteligência cósmica (Nous, em grego). tas que se equilibram reciprocamente, e a união dos
opostos explica os fenômenos meteóricos, as esta-
• Os quatro elementos, terra, água, ar e fogo, cons-
ções do ano, o nascimento e a morte de tudo o que
tituem a teoria de Empédocles (483-430 a.C.).
vive. Ora, para Cornford, essa explicação racional
• Os filósofos Leucipo (séc. V a.C.) e Demócrito
se assemelha aos relatos de Hesíodo na Teogonia,
(c.460-c.370 a.C.) são atomistas, por conside-
segundo os quais Gaia gera sozinha, por segregação,
rarem o elemento primordial constituído por
o Céu e o Mar; depois, da união de Gaia com Urano
átomos, partículas indivisíveis. Como para eles
resulta a geração dos deuses.
também a alma era formada por átomos, esta-
Embora em parte concorde com o fato de que a
mos diante de uma concepção materialista e
filosofia deriva do mito, em Mito e pensamento entre
determinista.
os gregos Vernant contrapõe-se a Cornford ao desta-
car o novo, "aquilo que faz precisamente com que a
11 Mito e filosofia: continuidade filosofia deixe de ser mito para se tornar filosofia",
Nesse sentido, existe uma ruptura entre mito e
e ruptura filosofia, Enquanto o mito é uma narrativa cujo con-
Já podemos observar a diferença entre o pen- teúdo não se questiona, a filosofia problematiza e,
samento mítico e a filosofia nascente: a cosmolo- portanto, convida à discussão. No mito a inteligibi-
gia racional distingue-se da cosmogonia mítica de lidade é dada, na filosofia ela é procurada. A filoso-
Hesíodo. fía rejeita o sobrenatural, a interferência de agentes
Para estudiosos como o inglês Francis Mcdonald divinos na explicação dos fenômenos. Ainda mais: a
Cornford, no entanto, apesar das diferenças o pen- filosofia busca a coerência interna, a definição rigo-
samento fílosófíco nascente ainda apresentava vin- rosa dos conceitos; organiza-se em doutrina e surge,
culações com o mito. Examinando os textos dos portanto, como pensamento abstrato.

o nascimento da filosofia Capítulo 3 _


r com m nt r
Leia o texto de Nietzsche sobre Tales de Mileto e responda às questões.

Tales, O primeiro filósofo QUEM É?

Tales de Mileto (640-


liA filosofia grega parece começar com uma ideia
-C.548 a.C], de origem
absurda, com a proposição: a água é a origem e a matriz fenícia, viveu em Mileto,
de todas as coisas. Será mesmo necessário deter-nos naJônia. É considerado
nela e levá-Ia a sério? Sirn, e por três razões: em pri- o primeiro filósofo e
meiro lugar, porque essa proposição enuncia algo sobre um dos Sete Sábios
da Grécia. Foi também
a origem das coisas; em segundo lugar, porque o faz
matemático: enquanto
sem imagem e fabulação; enfim, em terceiro lugar, por- os egípcios conheciam
que nela, embora apenas em estado de crisálida, está uma geometria prá-
contido o pensamento: 'Tudo é um'. A razão citada em tica, Tales transformou
primeiro lugar deixa Tales ainda em comunidade com esse saber empírico em
conhecimento cientí-
os religiosos e supersticiosos, a segunda o tira dessa
fico. É atribuído a ele o
sociedade e no-to mostra como investigador da natu- teorema de Tales (dois
reza, mas, em virtude da terceira, Tales se torna o pri- triângulos são iguais Tales de Mileto, imagem
meiro filósofo grego. Se tivesse dito: 'Da água provém quando possuem um do século XIX.
a terra', teríamos apenas uma hipótese científica, falsa, lado igual compreen-
mas dificilmente refutável. Mas ele foi além do cientí- dido entre dois ângulos iguais), e teria calculado a
altura de uma pirâmide comparando a sombra dela
fico. Ao expor essa representação da unidade através
com sua própria sombra. Como astrônomo, teria pre-
da hipótese da água, Tales não superou o estágio infe- visto um eclipse solar.Talvez porterviajado muito e
rior das noções físicas da época, mas, no máximo, sal- conhecido as cheias do Nilo, intuiu que a água deve-
tou sobre ele. As parcas e desordenadas observações ria ser o princípio de tudo, por estar ligada à vida, à
de natureza empírica que Tales havia feito sobre a germinação, mas também à corrupção e à putre-
fação. Por considerar a água um "deus inteligente",
presença e as transformações da água ou, mais exata-
conclui que "todas as coisas estão cheias de deuses".
mente, do úmido, seriam o que menos permitiria ou Como não restou nada do que escreveu - se é que
mesmo aconselharia tão monstruosa generalização; o escreveu -, nem todos os relatos a seu respeito são
que o impeliu a esta foi um postulado metafísico, uma confiáveis.
crença que tem sua origem em uma intuição mística
e que encontramos em todos os filósofos, ao lado dos
esforços sempre renovados para exprimi-Ia melhor - a Metafísica. Termo que adquiriu contornos diferen-
tes no transcurso da história da filosofia. Na tradi-
proposição: 'Tudo é um'.
ção aristotélica é estudo do "ser enquanto ser" (do
[...] Quando Tales diz: 'Tudo é água', o homem [...]
ser absoluto e dos primeiros princípios). A metafísica
pressente a solução última das coisas e vence, com esse procura analisar conceitos básicos como Deus, alma,
pressentimento, o acanhamento dos graus i nferiores do mundo. Atualmente, trata-se do campo da filosofia
conhecimento." que investiga questões que estão por trás ou além
daquelas que são objeto das ciências, como identi-
NIETZSCHE, Friedrich.A filosofia na época trágica dos gregos, § 3.
dade, verdade, existência, conhecimento, significado,
Em: Os pré-socrâticos. SãoPaulo:Abril Cultural, 1973. p.16.
(ColeçãoOsPensadores). causalidade, necessidade, liberdade.

} Questões
11 Identifique no trecho selecionado as três razões destacadas por Nietzsche se-
gundo as quais podemos levar a sério a reflexão de Tales de Mileto sobre a água
como principio de tudo.

• Em que sentido a reflexão de Tales é filosófica e, portanto, se distingue do mito


e da ciência?

leitura complementar Unidade 1


> Revendo o capitulo erram separados nas margens da vida. Assim
também com as árvores e peixes das águas, com
D A passagem da mentalidade mítica para o pensa- os animais selvagens das montanhas e os pás-
mento filosófico é justificada por alguns teóricos saros mergulhões levados por suas asas." (G.
com a tese do "milagre grego", posição descartada Bornheim. Os filósofos pré-socráticos. 3. ed. São
por outros. Em que consiste essa tese e que expli- Paulo: Cultrix, 1977. p. 70.)
cações lhe podem ser contrapostas?

11 Qual é a importância da ágora para o desenvolvi-


> Dissertação
mento da democracia na Grécia Antiga? 11 Faça uma dissertação sobre o tema "A filosofia é
D O que significa dizer que a democracia grega era filha da cidade". Nela você deve descrever e jus-
uma democracia direta? Sob esse aspecto, em que tificar a vinculação entre a fundação da pólis e o
se distingue das atuais democracias? nascimento da filosofia.

11 Identifique as características comuns à reflexão > Caiu no vestibular


dos filósofos pré-socráticos.

> Aplicando os conceitos


m (UEL-PR) "Há, porém, algo de fundamentalmente
novo na maneira como os gregos puseram a ser-
viço do seu problema último - da origem e es-
11 "Em todas as literaturas, a prosa é posterior ao
sência das coisas - as observações empíricas
verso, como a reflexão o é à imaginação. A litera-
que receberam do Oriente e enriqueceram com
tura grega não faz exceção à regra, antes a acen-
as suas próprias, ·bem como no modo de sub-
tua, pois o desnivel cronológico entre ambas deve
meter ao pensamento teórico e causal o reino
importar uns três séculos." (Maria Helena Rocha
dos mitos, fundado na observação das realidades
Pereira. Estudos de história da cultura clássica. v.
aparentes do mundo sensivel: os mitos sobre o
1. Cultura grega. 3. ed. Lisboa: Fundação Caloustes
nascimento do mundo." (w. Jaeger. Paideia. 3. ed.
Gulbenkian, 1970. p. 199.
São Paulo: Martins Fontes, 1995. p. 197.)
a) A que obras em verso se refere o texto? E a que
obras em prosa? Com base no texto e nos conhecimentos sobre a
relação entre mito e filosofia na Grécia, é correto
b) Quando prevalecem o verso e a prosa na cul-
afirmar.
tura grega?
a) Em que pese ser considerada como criação dos
c) O que o texto quer dizer com a oposição entre
gregos, a filosofia se origina no Oriente sob o
imaginação e reflexão?
influxo da religião e apenas posteriormente
11 Na Grécia Antiga, o surgimento da escrita propi- chega à Grécia.
ciou o nascimento da filosofia. E hoje, os altos b) A filosofia representa uma ruptura radical em
índices de analfabetismo constituiriam um obstá- relação aos mitos, uma nova forma de pen-
culo ao desenvolvimento da consciência critica de samento plenamente racional desde suas
seus cidadãos? origens.
11Tomando por base o significado da ágora na pólis c) Apesar de ser pensamento racional, a filosofia
democrática, quais seriam as "ágoras" nas demo- se desvincula dos mitos de forma gradual.
cracias contemporâneas? d) Filosofia e mito sempre mantiveram uma rela-
11 Neste fragmento de um texto de Empédocles, há ção de interdependência, uma vez que o pen-
elementos que denotam ruptura em relação ao samento filosófico necessita do mito para se
pensamento mítico. Identifique-os. expressar.
e) O mito já era filosofia, uma vez que buscava
"Esta [luta das duas forças] é manifesta na massa
respostas para problemas que até hoje são
dos membros humanos: às vezes, unem-se pelo
objeto da pesquisa filosófica.
amor todos os membros que atingiram a cor-
poreidade, na culminância da vida florescente; lEI Justifique com argumentos a escolha da alterna-
outras, divididos pela cruel força da discórdia, tiva assinalada.
L&I
Q
C

-z
Q

Capitulo 4

r Natureza
e cultura, 46
~ Capitulo 5
Linguagem e
pensamento, 54
Capitulo 6
Trabalho, alienação
e consumo, 66
[
Capítulo 7
Em busca da
felicidade, 80
Capítulo 8
Aprender
a morrer ..., 95

Pedras esculpidas
da civilização
pré-incaica Tiahuanaco
(Bolívia). 2006.

44
A partir das duas imagens e do texto de Cassirer, atenda às questões.
1. Identifique os elementos da tela de Torres-Garcia que remetem à tradição
e à inovação.
2. Interprete o titulo Construtivo misterioso, levando em conta o que o pintor
diz sobre construtivismo e mistério.
3. Que outro tipo de expressão da ação ou do pensamento humanos manifesta
o confronto entre tradição e inovação?
Essas e outras questões serão examinadas ao longo desta Unidade, que trata
de importantes aspectos da vida humana: a cultura, a linguagem, o trabalho,
a busca da felicidade e a morte. ...)
.~

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