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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR JUIZ DE DIREITO

DA 8ª VARA CRIMINAL DA COMARCA DE ATIBAIA-SP

PROCESSO Nº.: xxxxxxxxxxxx

Carmen, devidamente qualificada nos autos do processo em


epígrafe, vem perante Vossa Excelência, por meio do seu advogado que esta
subscreve (procuraçã o doc.1), com base nos arts. 396 e 396-A, ambos do Có digo de
Processo Penal, apresentar

RESPOSTA À ACUSAÇÃO
pelos fatos e fundamentos a seguir narrados.

1 – DOS FATOS
É importante retroagir a um período anterior ao fatídico dia do furto
e trazer ao juiz a difícil vida de Carmen. Esta foi expulsa da casa da avó onde residia
com seu filho menor, de 02 anos de idade, na cidade de Atibaia, Sã o Paulo. Sem ter
familiares, ficou perambulando pelas ruas da cidade, até encontrar um abrigo
pú blico, sobrevivendo de doaçõ es. Nesta época, fez amizade com Lucia, que vivia
na mesma situaçã o. Sendo assim, desamparada pela família e pelo Estado, Carmen,
há dias sem se alimentar, ou alimentar seu filho, decide impensadamente agir em
defesa de seu filho. Podemos aferir que a paciente, já nã o estava em suas
faculdades mentais normais e a esta altura, agia apenas por instinto de
preservaçã o da prole e impulso.
Dessa forma, no dia 14 de dezembro de 2018, passando por
dificuldades, sem emprego ou qualquer renda, e comovida com a fome do filho, já
doente pela ausência de alimentaçã o, estando assim ambos, mã e e filho em Estado
de Necessidade (Art 24, CP). Carmen, movida por ímpeto de preservaçã o da vida
de seu filho, decidiu ingressar em um supermercado pertencente da rede XXXXX,
onde escondeu embaixo da roupa, três pacotes de biscoito, cujo valor totalizava
insignificantes R$ 16,00 (dezesseis reais), aproximadamente 1,5% do salá rio
mínimo atual.
Ocorre que a conduta de Carmen foi percebida pelo fiscal de
segurança, que a abordou no momento em que ela deixava o estabelecimento
comercial sem pagar pelos bens, e apreendeu os produtos escondidos. Na ocasiã o,
sua amiga Lucia a aguardava na porta do estabelecimento.
Na Delegacia de Polícia, Carmen confirmou os fatos, alegando que se
desesperou ao ver o filho chorar de fome, bem como diante de sua saú de já
debilitada. Conformou também a ausência de recursos financeiros. Juntado à Folha
de Antecedentes Criminais (fls ...) sem outras anotaçõ es, o laudo de avaliaçã o dos
bens subtraídos confirmando o valor (fls ...), e ouvidos os envolvidos, inclusive o
fiscal de segurança e o gerente do supermercado(fls ...), o auto de prisã o em
flagrante foi encaminhado a juízo e concedida sua liberdade provisó ria em
audiência de custó dia(fls ...).
O inquérito policial (fls ...) foi encaminhado ao Ministério Pú blico,
que ofereceu proposta de acordo de nã o persecuçã o penal (art. 28-A do CPP), nã o
aceita por Carmen (fls ...). Assim, foi oferecida denú ncia (fls ...) em face de Carmen
pela prá tica do crime do Art. 155, caput, c/c Art. 14, inciso II, ambos do Có digo
Penal. Cabe destacar que nã o houve a proposta de suspensã o condicional do
processo pelo Ministério Pú blico.

Apó s o Ministério Pú blico oferecer denú ncia e tendo sido recebida


por este Juízo, a acusada foi citada, no dia 14 de novembro de 2019, para
apresentaçã o da medida cabível. Sendo assim os autos foram remetidos, para
apresentar resposta à acusaçã o.

2 – DO DIREITO
2.1 – ESTADO DE NECESSIDADE
A ré agiu em estado de necessidade, onde nã o se poderia esperar
comportamento diverso, causa esta excludente de ilicitude, conforme prescreve os
artigos 23, I, e 24, do Có digo Penal.
“Art. 23. Não há crime quando o agente pratica o fato:
(...) I. Em estado de necessidade
“Art. 24. Considera-se em estado de necessidade quem pratica o fato para salvar de perigo
atual, que não provocou por sua vontade, nem podia de outro modo evitar, direito próprio ou
alheio, cujo sacrifício, nas circunstancias, não era razoável exigir-se.”

Carmem nã o se escusou em momento algum no seu dever de cuidado


com seu filho, tentando inú meras vezes conseguir emprego ou ajuda de terceiro
para aplacar a fome de seu filho, que já se encontrava debilitado.
O Estatuto da Criança e do Adolescente Lei 8.069 de 1990 nos traz
que é dever dos pais e do pró prio Estado assegurar a alimentaçã o dos menores
conforme os artigos:
“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público
assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à
alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade,
ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.”

“Art. 22. Aos pais incumbe o dever de sustento, guarda e educação dos filhos menores,
cabendo-lhes ainda, no interesse destes, a obrigação de cumprir e fazer cumprir as
determinações judiciais.”

Venho ressaltar a Vossa Excelência, que nã o estamos mais nos


tempos da obra de Les Misérables, do autor francês Victor Hugo, em que a pena por
furtar pã o em face da alimentaçã o de seu filho, valha uma vida na prisã o. Sendo
assim, está seria uma conduta esperada de qualquer cidadã o médio nesta situaçã o,
pois nã o existe pai ou mã e que diante de tal situaçã o iria deixar seu ú nico filho
passar por este tipo de humilhaçã o e sofrimento.
Inclusive, já existe julgado que se assemelham a este caso concreto,
vejamos:

APELAÇÃ O CRIMINAL - CRIME DE TENTATIVA DE FURTO QUALIFICADO -


RECONHECIMENTO DO FURTO FAMÉ LICO - POSSIBILIDADE - ESTADO DE
NECESSIDADE COMPROVADO - ABSOLVIÇÃ O. - Resta caracterizado o furto
famélico quando o agente pratica o delito com intuito exclusivo de saciar a sua
fome ou de terceiro, quando nã o possuía outros meios para fazê-lo, agindo em
situaçã o nítida emergência. - A situaçã o de extrema penú ria material do réu e de
sua família à época do crime, com privaçã o de elemento bá sico e essencial à
sobrevivência, justifica, no presente caso, o reconhecimento da excludente de
ilicitude do estado de necessidade. (grifei).
A acusada foi pega na tentativa de furtar, sendo que o ato nã o foi
consumado em sua totalidade, pois o fiscal de segurança a impediu de subtrair os
itens mencionados. Tendo assim uma mera tentativa, conforme o Có digo Penal:
“Art. 14 - Diz-se o crime:
II - tentado, quando, iniciada a execução, não se consuma por circunstâncias alheias à
vontade do agente.”
2.2 DO PRINCÍPIO DA INSIGNIFICÂNCIA
Carmen, escondeu embaixo da roupa, três pacotes de biscoito, cujo
valor totalizava insignificantes R$ 16,00 (dezesseis reais), aproximadamente 1,5%
do salá rio mínimo atual. Vale ressaltar, que a mesma ainda o fez contra uma
reconhecida rede de supermercado que lucra milhõ es ao ano, sendo esse valor
milhares de vezes menor que as percas de alimentos, a qual esta rede de
supermercados suporta todos os dias, em decorrência de sua pratica comercial.
Sendo cabível assim perante o caso concreto o princípio da
insignificâ ncia pois nã o gerou efetiva lesã o ao bem jurídico tutelado. Mencionado
princípio incide quando presentes, cumulativamente, as seguintes condiçõ es
objetivas:
a) mínima ofensividade da conduta do agente;
b) nenhuma periculosidade social da açã o;
c) grau reduzido de reprovabilidade do comportamento; e
d) inexpressividade da lesã o jurídica provocada.

Inclusive, já existe julgado que se assemelham a este caso concreto,


vejamos:
PROCESSO PENAL. EMBARGOS INFRINGENTES. FURTO SIMPLES. PRINCÍPIO DA
INSIGNIFICÂ NCIA. ATIPICIDADE. ABSOLVIÇÃ O.
1. Aplica-se o Princípio da Insignificância quando o crime foi cometido sem
violência à pessoa, os bens subtraídos pelo réu perfazem importância menor
que a metade do valor do salário mínimo vigente à época dos fatos e foram
todos restituídos à vítima. 2. Recurso conhecido e provido.
(Acó rdã o n.434653, 20080610107559EIR, Relator: ALFEU MACHADO, Revisor:
LEILA ARLANCH, Câ mara Criminal, Data de Julgamento: 19/07/2010, Publicado no
DJE: 26/07/2010. Pá g.: 54) (grifei).
Nesse sentido, pelos requisitos mencionados e pela doutrina
tradicional e dominante, pugna-se pelo reconhecimento do princípio ora revelado,
qual seja o da insignificâ ncia, uma vez que no caso em tela, verifica-se
perfeitamente apropriada tal pretensã o.
Assim, ante a causa de exclusã o de tipicidade, a Defesa requer a
absolviçã o sumá ria do réu, nos termos do art. 397, inciso III, do Có digo de Processo
Penal.

3. DOS PEDIDOS
Ante o exposto, a defesa técnica requer o que se segue:
I. a) Nulidade da instruçã o, com oferecimento de proposta de
suspensã o condicional do processo;;
II. Requer que seja aplicado o art. 386, III e VI do Có digo de Processo
Penal que prevê que o juiz absolverá o réu desde que conheça a existência de
circunstancias que excluam o crime ou isentem o réu da pena (inciso VI) e
consequentemente a aplicaçã o do art. 397, I, CPP.;

III. Que o acusado seja absolvido sumariamente ante a atipicidade do


fato pelo princípio da bagatela com fulcro no artigo 397, III do CP.

IV. Caso Vossa Excelência entender pela continuaçã o do feito requer


que sejam arroladas as mesmas testemunhas do Ministério Pú blico, protestando
desde já por eventual substituiçã o.

V. Requer que seja feita a oitiva das testemunhas que presenciaram


os fatos (rol em anexo).

VI. Caso Vossa Excelência entenda pela condenaçã o, requer aplicaçã o


da pena base no mínimo conforme art. 59 do Có digo Penal;

VII. O reconhecimento da atenuante nos termos do artigo 65, inciso


III, alínea a e d, do Có digo Penal;

VIII. Substituiçã o da pena privativa de liberdade por restritiva de


direitos;

IX. Aplicaçã o do regime aberto.

Nestes termos, pede deferimento.

Atibaia/SP, 27 de Novembro, 2019

Advogado
Inscriçã o OAB

Rol de Testemunhas:

1. Lucia, xxxxxx;

2. fiscal de segurança do supermercado;

3. gerente do supermercado.

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