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10.37885/201001938
RESUMO
Na Grécia da Antiguidade, havia uma figura que se destacava pela visão, trata-se do
gigante Argos Panoptes, que possuía, espalhado sobre todo o corpo, cem olhos. Assim,
ninguém conseguia enxergar tão bem quanto ele. Por outro lado, havia um velho cego,
Tirésias, que apesar da limitação visual era reconhecidamente de muito destaque, por sua
inteligência, sabedoria e conhecimento. Para se destacar, Tirésias ganhou de Zeus, habili-
dades aumentadas nos outros sentidos que lhes restaram, incluindo o tato.
Para além dos ensinamentos da mitologia grega, hodiernamente, sabe-se que pessoas
com deficiência visual têm os demais sentidos amplificados, refinados, com destaque para
a audição e o tato (BATES, 2012). Não à toa, a linguagem padrão de escrita e leitura para
cegos e demais deficientes visuais, ou seja, a linguagem Braille é uma linguagem tátil.
Nos últimos tempos, a busca por isonomia, em todos os aspectos da vida, tem sido
uma das metas daqueles que lutam por igualdade de direitos. Nessa busca, a comunidade
de deficientes do Brasil, ganhou a partir de 2015, uma proteção legal com a promulgação
do Estatuto da Pessoa com Deficiência, a lei federal Nº 13.146, (BRASIL, 2015). Apesar do
avanço, a inclusão de pessoas com deficiência visual nos educandários brasileiros continua
sendo um dos grandes desafios da Educação Inclusiva.
Pressionados pela legislação, a preocupação com recursos pedagógicos inclusivos
se transformou nos últimos anos com o advento da tecnologia, levando os professores a
buscarem recursos alternativos com o objetivo de atrair a atenção dos alunos, fugindo, as-
sim, do ensino tradicional, em que o professor é o detentor do saber e os alunos, sujeitos
passivos no processo de ensino.
O ensino tradicional de Química, muitas vezes, faz com que os alunos percam o inte-
resse e, consequentemente, acabem tendo baixo aproveitamento. O desafio dos docentes,
portanto, é buscar recursos didático-pedagógicos, tornando as aulas mais atrativas e esti-
mulantes aos alunos para aprenderem e construírem seu próprio conhecimento.
Souza (2007, p. 111) afirma que “recurso didático é todo material utilizado como auxílio no
ensino-aprendizagem do conteúdo proposto para ser aplicado pelo professor a seus alunos”.
A fim de fugir do tradicionalismo, muitos educadores têm buscado por novos recursos
didáticos. Construindo seu próprio material ou utilizando materiais desenvolvidos pelos pares.
Sobre essa questão da utilização de recursos pedagógicos inovadores Castoldi e Polinarski
(2009, p. 685) destacam que:
DIDÁTICA
Como fator determinante para o sucesso dessa pesquisa, faz-se necessário levantar
alguns conceitos e definir a sua importância, como a Didática. Segundo Libâneo (1992), a
didática é uma área de estudo da Pedagogia que tem como objetivo investigar os funda-
mentos, as condições e modos do processo de ensino e aprendizagem. Haydt (2011, p. 13)
completa da seguinte forma:
Nessa perspectiva, o professor tem que ter ciência de que o seu ensino e a aprendiza-
gem do aluno andam de mãos dadas, sendo que o ensino é aquilo que é passado pela ação
do professor e a aprendizagem, portanto, é a ação realizada pelo aluno, mas que também
faz parte do aprendizado do professor, ao passo que este ensinando também aprende, como
afirma Haydt (2011) ao dizer que ensinar e aprender é um processo que enfatiza a relação
de professor e aluno e norteia a prática pedagógica.
A didática não é algo novo, ela já vem acompanhando o ensino por décadas, sobretu-
do no Brasil. Segundo Berbel (2014), a partir da segunda metade do século XX, a didática
passou a ter diferentes propostas de ensino, a abordagem escolanovista e posteriormente
a escola tecnicista.
Segundo Hamze (2010), as ideias da Escola Nova chegaram ao Brasil em 1882 trazi-
das por Rui Barbosa. Os ideais escolanovistas eram a favor de uma escola laica e gratuita,
fazendo o oposto da escola tradicional e religiosa e acreditavam que a educação é o princi-
pal elemento de transformação da sociedade, levando o aluno a refletir sobre a sociedade,
respeitando a diversidade e individualidade dos sujeitos.
A química tem que se tornar ao aluno uma disciplina que realmente este julgue
importante ao seu aprendizado, porém sem deixá-lo com medo. Esta disciplina,
em outras épocas, e como quando muitos de nós professores atualmente fize-
mos nosso antigo Colegial ou Ensino Superior, foi ministrada com estratégias
de ensino que fizeram muitos temerem a simples menção do nome Química.
(Berton, 2015 p.26554)
É notória, em nosso dia a dia, a presença desta disciplina, nos filmes ela vem en-
volta de magia, porém, no decorrer do ano letivo, essa impressão se perde, dando lugar
ao desinteresse.
Sobre a didática no ensino de química, o conceituado educador Attico Inácio Chassot pu-
blicara em 1993 a obra Catalisando transformações da educação. Nessa obra, ele apresenta
uma das maiores dificuldades dos professores de química: fazer imagens de um mundo quase
imaginário. Chassot enfatiza que a química para sem cabalmente compreendida necessita
ser explorada em três níveis: visual/macroscópico, simbólico e ultramicroscópico/molecu-
lar. E, como o mundo químico molecular, átomos e moléculas, não podem ser visualizados
mesmo nos mais potentes microscópios da atualidade, ele destaca que essa é a missão
dos professores de química, fazer os alunos imaginarem esse mundo ultra-microscópico.
Apesar de as pessoas que tem visão, também não conseguirem enxergar esse mundo
micro ou nano da química, eles podem enxergar o outro aspecto da química, o viés macros-
cópico, ou seja, para as pessoas que tem visão é possível, facilmente, distinguir um pouco
de sulfato de cobre penta hidratado, dado sua coloração azul intensa, que lembra sabão em
pó, de uma porção de dicromato de potássio, que apesar de também ser sólido, porém tem
uma coloração laranja tão marcante que dificilmente um aluno que foi apresentado a esse
sal não o reconhecerá sempre que se deparar com ele.
De igual modo, os ditos normais, quanto à visão, podem facilmente notar o que se
processa quando uma pequena lâmina de cobre e depositada dentro de um recipiente com
ácido nítrico concentrado, uma vez que a reação é tão marcante, pois aquece intensamente e
A inclusão social ganhou bastante força na última década, tornando um desafio a ser
superado pelos docentes quanto ao ensino e aprendizagem. A Lei de Diretrizes e Bases
(LDB) nº. 9.394/96 abriu possibilidades para que pessoas com deficiência sejam educadas
junto aos demais estudantes, assegurando a todos, inclusive aos deficientes, o direito de
estudar na rede regular de ensino. A LDB, pautada na política de direitos, estabelece o aten-
dimento de necessidades específicas e individuais a todos os educandos (BRASIL, 1996).
Esse ganho de atenção para a inclusão tem forçado as escolas de ensino regular a
se adaptarem e até mesmo a se reestruturarem, sobretudo formando as chamadas turmas
mistas, nas quais os alunos com e sem necessidades especiais aprendem juntos (BRASIL,
2001). Uma das necessidades especiais encontradas em turmas mistas é a cegueira.
Professores de diversas disciplinas que têm alunos com cegueira em suas salas de aula
batalham para contornar o desafio que é ensinar um aluno com esse tipo de necessidade
(LAPLANE; BATISTA, 2008).
Para compreender melhor o que é a deficiência visual, Laplane e Batista (2008, p.
210) afirmam que:
Laplane e Batista continuam esclarecendo sobre as pessoas com baixa visão e ceguei-
ra, sendo que as pessoas com baixa visão ou visão subnormal “apresentam uma redução
na sua capacidade visual que interfere ou limita seu desempenho, mesmo após a correção
de erros de refração comuns (LAPLANE; BATISTA, 2008 p. 210)” e quanto à cegueira eles
esclarecem, “A cegueira ocorre quando a visão varia de zero (ausência de percepção de
luminosidade) a um décimo na escala optométrica de Snellen, ou quando o campo visual é
reduzido a um ângulo menor que 20 graus (LAPLANE; BATISTA, 2008 p. 210)”.
Raposo e Mól (2010) asseveram que a elaboração de recursos didáticos para serem
explorados didaticamente com estudantes deficientes visuais devem ser construídos de tal
modo que propiciem um processo inclusivo no ambiente escolar, ou seja, em que todos –
com e sem deficiência visual – aprendam e participem.
De acordo com dados do IBGE (2010), há cerca de 500 mil pessoas incapazes de
enxergar no Brasil e mais de 6 milhões com algum tipo de deficiência visual, e esse núme-
ro em escolas regulares tem aumentado nos últimos anos no ensino regular (MEC, 2009),
porém, isso não garante a diminuição dos problemas, visto que não há, em regra geral,
uma formação para os professores voltada para a inclusão dessas pessoas, sobretudo os
professores de Química, levando esses alunos a um aprendizado incipiente na disciplina.
No ensino de Química, o professor ao explanar seu conteúdo, acaba tendo que mostrar
aos alunos, visualmente, a forma de reações, símbolos, cores de reações, entre outros, visto
a enorme quantidade de imagens, tabelas, gráficos e representações específicas, e essas
possuem um grau elevado para a aprendizagem dos conteúdos, pois a aprendizagem em
Química deve contemplar os três diferentes níveis de abordagem: o macroscópico, o mi-
croscópico e o representacional, o que mostra a importância da visão no ensino e também
na aprendizagem de Química (MORTIMER et al. 2000).
No entanto, uma aula para deficientes visuais pode ser considerada inclusiva se con-
siderarmos que a aquisição de conhecimento independe de ver e sim da necessidade da
contribuição dos outros sentidos (CAMARGO, 2005).
Conforme as Diretrizes Nacionais para a Educação Especial na Educação Básica
(BRASIL, 2002), a Educação Especial perpassa por todos os níveis de ensino, transversal-
mente, oferecendo o suporte necessário para a prática educacional inclusiva. Dessa forma,
considera-se importante o apoio oferecido pela Educação Especial ao professor do ensino
regular, para que ele desenvolva, com o aluno cego, os mesmos conteúdos que desenvolve
com os demais alunos, sem causar-lhe prejuízos na aprendizagem.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
Dessa forma, como estudo de caso descritivo, sabemos que os deficientes visuais
possuem grande dificuldade em imaginar o processo de ligações iônicas. Diante disso, foi
desenvolvida uma pesquisa de cunho qualitativo, haja vista que “se desenvolve numa situação
A princípio, foi feita a apresentação das maquetes (Figura 1), explanando a aplicabili-
dade do conteúdo de química no dia a dia das pessoas e, inicialmente, a aula foi ministrada
sobre a importância de relacionar as ligações químicas com o nosso cotidiano e foi utilizado
o tema “Produção de Alimentos e Agrotóxicos para revisar distribuição eletrônica, regra do
Para o ensino de distribuição eletrônica de Linus Pauling, foram utilizadas duas ma-
quetes com o intuito de verificar qual seria mais adequada para o ensino deste conteúdo
nas aulas de química para alunos cegos.
Com o intuito de obter respostas acerca do uso de maquetes táteis como recurso di-
dático alternativo no ensino de ligação iônica para alunos com deficiência visual da Unidade
Educacional Especializada Dr. José Tadeu Duarte Bastos (UEES), aplicou-se um questio-
nário com perguntas abertas e fechadas com o objetivo de verificar a aprendizagem dos
alunos após a utilização das maquetes táteis como recurso didático para ensinar química
aos alunos com deficiência visual.
Ao utilizar as maquetes sobre distribuição eletrônica, percebeu-se que a maquete
Linnus Pauling 02 (Figura 5) foi a que mais agradou aos participantes. Fato esse, atribuído
a praticidade e a facilidade de aprender a ordem da distribuição e contagem de elétrons.
Quando solicitado aos discentes, para fazerem a distribuição eletrônica para alguns elemen-
tos, como o magnésio, que possui o número atômico 12, o sódio com o número atômico 11
e o alumínio com o número atômico 13. Notamos que três deles (A1, A2 e A4) conseguiram
resolver o exercício no momento solicitado. No entanto, durante o uso da maquete Linnus
Pauling 01 (Figura 4), percebeu-se que apenas o aluno A3 se sentiu mais confortável ao
utilizá-la. De acordo com esse aluno “fica mais fácil de aprender”. Viveiros e Camargo (2011
p. 41) consideram que a estimulação tátil com a utilização de modelos tridimensionais para
simular átomos e moléculas, com a identificação em Braille e o monitoramento do profes-
sor, contribuem para construção mental do objeto em estudo em casos de alunos com
deficiência visual.
Após a utilização das maquetes táteis para o ensino de química, foi aplicado o ques-
tionário, para os alunos. Na primeira questão, foi solicitado que os alunos avaliassem em
uma escala numérica de 01 a 10 a metodologia aplicada a eles referente ao ensino do
conteúdo abordado.
Percebemos que esse resultado se deve também as dificuldades enfrentadas para as-
segurar os encontros com os alunos previamente escolhidos pelo corpo técnico da unidade.
Diante disso, participaram os alunos que estavam disponíveis na unidade de atendimento no
horário agendado. Entretanto, alguns deles não conheciam o Sistema de Escrita Tátil – Braille
– por serem alunos, apenas de baixa visão. Isso reflete diretamente o que Azevedo afirma:
O professor deverá antes de iniciar o processo de ensino-aprendizagem, conversar com
o aluno, com seus familiares, com professores que já trabalharam com ele para obtenção
de informações mais precisas e, assim, poder traçar as estratégias necessárias para iniciar
o processo de ensino-aprendizagem. (Azevedo, 2012 p.4).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
1. BATES, Mary. Super Powers for the Blind and Deaf: The brain rewires itself to boost the
remaining senses. New York: Scientific American. 2012.
4. BRASIL. Estatuto da Pessoa com Deficiência. Lei Nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Brasília:
Diário Oficial da União de 7 de julho de 2015.
11. CHASSOT, Attico Inácio. Catalisando transformações na educação. Ijuí: Editora Unijuí, 1993.
15. LAPLANE, A. L. F. de.; et al. Ver, não ver e aprender: a participação de crianças com baixa
visão e cegueira na escola. Cad. Cedes, Campinas, vol. 28, n. 75, p. 209-227, maio-ago. 2008.
20. PINHEIRO, N. A. M.; MATOS, E. A. S. A.; BAZZO, W. A. Refletindo acerca da ciência, tecno-
logia e sociedade: enfocando o ensino médio. Revista Iberoamericana de educación, v. 44,
n. 1, p. 147-166, 2007.
21. RAPOSO, P.N. e MÓL, G.S. A diversidade para aprender conceitos científicos: a ressignificação
do ensino de ciências a partir do trabalho pedagógico com alunos cegos. In: SANTOS, W.L.P.
e MALDANER, O.A. (Orgs.). Ensino de química em foco. Ijuí: Ed. Unijuí, 2010. p. 287-311.
22. SANTOS, W. L. P. dos; MORTIMER, Eduardo Fleury. Uma análise de pressupostos teóricos da
abordagem CTS (Ciência-Tecnologia-Sociedade) no contexto da educação brasileira. Ensaio
Pesquisa em Educação em Ciências (Belo Horizonte), v. 2, n. 2, p. 110-132, 2000.
24. SOUZA, S. E. O uso de recursos didáticos no ensino escolar. In: I Encontro de Pesquisa em
Educação, IV Jornada de Prática de Ensino, XIII Semana de Pedagogia da UEM: “Infância
e Práticas Educativas”. Maringá: Arq Mudi. 2007.
25. VIVEIROS, E.R.de; CAMARGO, E.P.de. Deficiência visual e educação científica: orientações
didáticas com um aporte na neurociência cognitiva e teoria de campos conceituais. Revista
Góndola, Enseñanza y Aprendizaje de las Ciências. Bogotá, Colômbia. Vol 6 nº 2 pp 25-50.
DOI: http://doi.org/10.14483/23464712.15332.