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JULIETA, A LOUCA!
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atriz surge, debruça-se no balcão e começa: "Oh, Romeu, Romeu, por que
és tu Romeu? Muda o teu nome". Os espectadores vão se olhar entre si,
embasbacados: "Tá maluca?". Mas devido à situação que nos foi proposta
anteriormente pelo autor... o conflito familiar... aqueles versos nos parecem
poéticos, nos sensibilizam. São dois seres apaixonados impedidos de se
unirem por causa das respectiva's famílias, as quais encontram-se em pé de
guerra - um primo de Julieta foi morto há pouco justamente por Romeu, e
também Mercúcio, amigo fraternal de Romeu, foi traspassado. A partir de
tudo isso, gera-se uma tremenda confusão, com armadilhas, equívocos, sub
terfúgios, etc., enfim, todo um jogo de situações que determina o sentido e
o significado dos diálogos, ressaltando o jogo teatral e a moral.
Retomando uma outra frase de Sartre, direi que "sem situações,
inexiste teatro". Agora, vamos analisar algumas tragédias gregas. Medéia
sustenta-se sobre uma seqüência incrível de situações: ela abandona o
pai por amor ao argonauta, o trai, mata o irmão, casa-se com Jasão -
ladrão de velocinos de ouro - , que, por sua vez, abandona-a por uma
outra mulher, Creúsa. Humilhada, Medéia vinga-se. Elimina a nova
amante, queima vivo o pai de Creúsa e, não suficientemente satisfeita,
degola os próprios filhos. Do mesmo modo, em Filoctetes há uma con
tínua sucessão de situações: uma serpente canalha pica Filoctetes na
perna, que gangrena. Ele é abandonado em uma ilha, Ulisses surrupia
lhe o arco, o filho de Aquiles entra em crise. O mesmo raciocínio é
válido para todas as outras tragédias, desde Fedra até as Troianas. No
teatro cômico romano encontramos inclusive um número excessivo de
situações: duplicidade e troca de identidade, disfarces, transvestimentos,
mudanças de papéis, equívocos, paradoxos, reviravoltas ... Evidentemente,
todas situações que são elementos estruturais da comédia ...
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Trieste e passeava pela cidade com Eduardo. Em um certo momento,
estávamos tão excitados em contar, um ao outro, histórias de teatro que,
por um triz, não fomos atropelados por um carro. A história do teatro
italiano teria se enriquecido de uma situação esplêndida. Porém, com
um salto agilíssimo, nos desviamos do carro. Dirigindo-se ao motorista
do automóvel, obcecado em ceifar a vida de homens de teatro, Eduardo
exclamou: "Ei! Você está atrás do grande golpe?".
Vocês têm idéia do motivo de nossa desorientação? É porque nós
nos recordávamos de uma das mais belas situações do teatro napolitano.
Alguns de vocês já devem ter ouvido falar da "cantata dos pastores", um
gênero de espetáculo que se desenvolveu na segunda metade do século
XVII, derivado da Commedia deli' Arte e do teatro popular. A situação
chave é aquela em que os diabos procuram fazer cair em suas armadi
lhas a Nossa Senhora e os santos. Os personagens motores do espetácu
lo, porém, são dois imorais, dois vagabundos picarescos, Razzullo e
Sarchiapone. Uma dupla de mort 'e famme* que se enredam em todo
gênero de rolos para sobreviver. Fingindo-se de carregadores, oferecem
ajuda para uma camponesa transportar cestas cheias de alimentos até o
mercado, onde as comercializaria. No meio do caminho, tentam roubar
toda carga, sendo perseguidos e alcançados pelo marido da mulher, que
deseja enchê-los de bordoadas. Nunca conseguem se dar bem.
Posteriormente, ocupados em revirar um latão de lixo próximo de
uma taverna, representam uma refeição "pantagruélica". Roem espinhas
de peixe, enumeram os sabores deliciosos de todos aqueles restos, insul
tam o cozinheiro já que ele não preparou algo com suficiente esmero e
sabedoria, discutem as várias técnicas da cozinha refinada. Mais tarde,
quando estão passeando pelo Vomero deparam-se com a chegada de
uma mulher. É a Nossa Senhora - personagem fixo nas cantatas dos
pastores - vestida como a Virgem de Pompéia. Na tradição popular, esta
é a verdadeira Nossa Senhora: adornada com cascatas de colares e jóias,
penduricalhos, ex-votos e notas pregadas na roupa com alfinetes. Ela
movimenta-se com sensível embaraço, como se estivesse longe de seu
hábitat Ao esbarrar com Razzullo e Sarchiapone, diz: "Perdão, mas
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como eu faço para ir à Palestina?". Os dois imorais se entreolham: onde
fica a Palestina? E, equivocadamente, pensam que se situa do outro lado
da baía de Nápoles. Oferecem-se para ajudá-la: "Nós podemos levá-la,
bela senhora...". Roubam um barco e põem a Nossa Senhora dentro dele.
Quando estão no meio da baía, o vento refresca, o mar começa a engros
sar, há uma tempestade em formação. Sem saber remar, apesar de terem
se fingido de pescadores, quase viram o barco. O vento toma-se mais
forte, as ondas ficam assustadoras. Razzullo e Sarchiapone, aterroriza
dos, põem-se de joelhos e começam a rezar à Nossa Senhora. Ela está aí,
mas eles a invocam dando-lhe as costas: "Nossa Senhora santíssima,
ajude-nos!". Ela comove-se com as súplicas daqueles charlatões e reali
za um milagre. Isso é fichinha para ela... nada mais do que estender o
seu véu, que se infla instantaneamente, elevando o barco e fazendo-o
escorregar pelo ar, sobrevoando as ondas... "Nossa Senhora santíssima,
obrigada por este belíssimo milagre". Não passa pela cabeça de nenhum
dos dois que aquela "forasteira" possa ser a própria Nossa Senhora. Em
seguida, os três ainda permanecem no barco, mas em um mar liso, em
plena bonança.
Porém, eis que no horizonte surge um barco com muitas velas. É
uma embarcação de piratas, que logo os capturam. Os dois vagabundos
tentam negociar pela Nossa Senhora: "É nossa, de nossa propriedade,
nós podemos vendê-la a vocês. Dêem-nos uma porcentagem sobre o seu
resgate e também nos deixem salva a vida". Ao invés disso, os piratas
afeiçoam-se pela Nossa Senhora, encantados com a sua doçura - no
mínimo - desarmante, decidindo cortar a cabeça dos dois homens. Eles
são forçados a ficar de quatro, com a cabeça inclinada. Logo, eles cla
mam: "Oh, Nossa Senhora, ajude-nos, santíssima virgem!". Em vão.
Trac ! A machadinha cai, as cabeças saem rolando. Ambos, embora deca
pitados, correm atrás das respectivas cabeças, pegam-nas e as ajeitam
sobre o pescoço. Só que se enganam: um colocou a cabeça do outro.
Razzullo, barrigudo, está com uma cabeça magra e minúscula, enquanto
Sarchiapone ostenta uma cabeça rechonchuda e exagerada sobre um
corpo delgado e definhado.
Os dois imorais e a Nossa Senhora finalmente chegam à Palestina,
onde se separam: "Bom dia, senhora, até logo e obrigado". Razzullo e
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Sarchiapone perambulam à procura de alguém para engabelar. Escutam
que há um estábulo onde nasceu um redentor. Avistam uma infinidade de
pessoas dirigindo-se até lá. Todos levam oferendas para depositar aos pés
da sagrada família. Os dois entreolham-se e exclamam em uníssono: "O
quê...!? Só se formos dois idiotas para não aproveitar a situação. Existe
um estábulo abandonado um pouco mais adiante; vamos criar um presé
pio por nossa própria conta". "Certo - galhofa Razzullo -, eu faço o papel
da mãe e você faz o pai do redentor... e vamos dizer que ele nasceu aqui."
Um deles se caracteriza de mulher, o outro se disfarça de José, com barba
postiça e todo o resto. Roubam uma ovelha, enrolando-a em um retalho de
tecido cortado em faixas. Colocam-na em um berço e põem-se de joelhos
para rezar. Aos pastores que passam, gritam descaradamente: "Somos nós
os redentores! Ei! Venham, o presépio é aqui!". Alguns caem na conversa
fiada e deixam sua oferenda. Porém, acontece o imprevisto: o estábulo é
invadido por guardas armados. São os soldados de Herodes, que recebe
ram a ordem de cortar a cabeça do menino santo. Dirigem-se até o berço,
tiram a ovelha embrulhada e - zás! - cortam-lhe a cabeça. Partem satisfei
tos. Os dois imorais, ainda disfarçados, desatam a chorar, gritando: "O
nosso patrimônio... Olha só o que estes esbirros bastardos fizeram... rou
baram até mesmo os cestos com as oferendas!". Naquele mesmo instante,
diante do estábulo, passam a Nossa Senhora, José, o menino e o burro.
Estão em fuga para o Egito. A dupla dirige a palavra à Nossa Senhora:
"Por favor, senhora, nos ajude. Se soubesse da desgraça que nos aconte
ceu!". Nem agora eles a reconhecem. A Nossa Senhora comove-se com a
história de Razzullo e Sarchiapone, deixando-lhes a maior parte das
oferendas carregadas no burro. "Que boa senhora! Quem será ela? Esque
cemos de perguntar. Em todo caso, rezaremos para ela uma oração à
Nossa Senhora." Como dois cegos, em todo o desenrolar da história, nun
ca se aperceberam do prodígio que estavam vivendo.
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lar dos acontecimentos, especialmente a respeito das técnicas envolvi
das nas contínuas reviravoltas existentes na narrativa. É a situação que
dá sustentação a essa história. Porém, neste momento, desejo fazer uma
demonstração prática, ao vivo, com a ajuda de três rapazes com alguma
experiência em mímica.
Ora, vamos, coragem, não importa se estão nos primeiros passos. Ótimo,
bravo... Vocês três... Subam. Agora, vou fazer cada um realizar um mesmo
movimento. Irei lhes indicar do que se trata, porém sem revelar-lhes a situ
ação por trás da história. Ou seja, vocês vão mimar às cegas. Ora pois,
imaginem ... É o seguinte: vindos do fundo do palco, vocês entrarão em cena
denotando desespero. Ao mesmo tempo, circunspectos e tensos. Olharão ao
redor; aí existe um muro, ali uma porta. Tentarão empurrar essa porta e abri
la. (Sugere agarrar a maçaneta e mima empurrar a porta com o ombro).
Mas ela está fechada. Não há nada a fazer. Então vocês vão tentar subir no
muro, esperando poder ver algo que está do outro lado. Mas é impossível,
pois o muro é muito alto. Afastam-se e dirigem-se para o outro lado do
palco, assim... (Realiza todas as passagens, desenhando com precisão cada
parede, objeto ou espaço que encontra) ... Tentarão abrir uma porta do outro
lado... Um, dois, nada. Ela também está travada. Angustiados, indicando
sempre uma tensão dramática, irão até o fundo, olharão para a direita e para
a esquerda, com esperança de descobrir alguém ou alguma coisa: "Não, não
há nada!". Viram-se, e finalmente: uma esperança! "Sim, ali está a salvação!
É maravilhoso!" Observam... Mas algo lhes perturba, aliás, aniquila-os, fa
zendo-os cair de joelhos... Igual a esta minha posição, totalmente agachados.
A ação termina aqui. Está claro? Então, vamos fazer juntos. (Apanha pela
mão um dos jovens atores) Mimarei com você, vem comigo, vamos fazer ao
mesmo tempo. Entramos correndo, desesperados... o desespero estampado
no rosto e no gesto. Eis aí a porta. Vai, tente abri-la, agarre a maçaneta.
Empurre. Pois bem, não há nada a fazer. A porta não abre. Espere, aqui
existe um muro, indique-o, apoiando-se nele por meio das mãos espalmadas.
Finja tentar subir nele. Alongue-se, opa, opa, nada, é impossível, vamos cair
fora daqui, devagar, opa, opa, olhe antes. Um momento, desculpe-me, espe
re, tateie antes, pois é possível que esteja aberta, sem precisar empurrar.
Você não tem condições de saber previamente que a porta está trancada; se
se jogar sobre ela, der golpes com o ombro, e ela estiver aberta, você vai
acabar rolando no chão. Vá lá para o fundo... hein? Existe outra porta sim,
mas, desculpe, você antes deve desenhar a maçaneta, portanto não pode
chegar com a mão fechada. Abra a mão, assim... Isso..•. Agarre, pegue a
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maçaneta, e depois empurre. Empurre com todo o corpo, até o máximo de
desequilíbrio. Vai. Assim, bom, depois largue a maçaneta. Não desse jeito,
assim você a arranca de um só golpe. Esqueceu-se de que a estava segurando
na mão? Veja, você deve fazer assim ... Não, ei, saiu de novo na sua mão! ...
Se você se afastar sem abrir a mão, você vai arrancá-la, não é mesmo?
Então: um, dois, três, vai! Isso, nada acontece (afasta-se da parede imaginá
ria), não abre, dê um golpe com o ombro, mime subir, trepar, não, segure-se
assim, mime descer, pronto, não dá, fora! Vai! Opa, por ali, talvez lá exista
alguma coisa; venha, venha, vire-se agora, finja ver alguma coisa que lhe
surpreende e diga: "Ah, finalmente!". Espere, antes você deve dar a entender
ao público que vislumbrou uma pessoa ou uma coisa que estava procurando
desesperadamente. Certo? Então, faça desse jeito (realiza uma breve pano
râmica com o olhar e pára), o público vai intuir: "Ah, ele viu alguma coi
sa!". Agora vai. Isso, vá ao encontro... pare! "Meu Deus, que decepção!"
Caia agachado, de joelhos, ficando nesta posição por um instante, desespe
rado. (Dirige-se ao segundo rapaz) Agora é sua vez. Vai. Sim, igual, exata
mente igual. (Repete a demonstração com os outros dois mímicos). Vamos
exagerar algumas passagens interessantes. (O primeiro rapaz afastou-se da
primeira parede da direita. Dario o impede) Não, não, agora eu preciso de
espaço. Desculpe, um momento. Ao mover-se, você deve se preocupar em
desenhar um espaço cenográfico virtual. Isto é, indicar a existência de duas
paredes paralelas, uma aqui e outra acolá, porque se você indicá-la no cen
tro, quando for atravessar o palco, vai bater com a cabeça nela. Não é mes
mo? Ei, o que está fazendo? ... Onde está desenhando a maçaneta? ... (O
rapaz indicou uma maçaneta enorme em uma porta altíssima). Mas que tipo
de portas vocês têm em Roma?! Isso, muito bem. Agora, tente pular por
cima do muro. Vire-se... não! Olhe lá, lá, sorria, sorria... e agora mude,
assuma um ar desesperado ... desesperado! (Os três rapazes aprenderam a
seqüência da pantomima. Dario acompanha-os até as coxias). Agora vocês
vão para lá, atrás do palco. Vocês não devem escutar em absoluto o que vou
contar para o público. Aliás, por favor, tranquem-se lá embaixo, dentro dos
camarins. Sim, assim que estiver pronto, eu chamo. (Os rapazes saem).
OS OLHOS DA SITUAÇÃO
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trás, isto é, da situação. Ei-las: são três situações diferentJ:!s. A primeira:
um homem brigou em um bar e deu uma facada no seu amigo - as facadas
sempre são dadas nos amigos. Foge, perseguido por todos os outros com
panheiros, desejosos de lhe dar uma lição. Escapa, procura uma saída,
encontra todas as portas fechadas, depois se vira e, por fim, vê a saída, que
está lá embaixo, toda livre: o campo! Mas, no mesmo instante, os amigos
postam-se diante dele, fechando-lhe todas as possibilidades de fuga. Estão
armados e avançam sobre ele. Está perdido. Não tem outra alternativa a
não ser cair agachado e aceitar o castigo.
A segunda situação: é uma relação amorosa. Uma mulher abandonou um
homem depois de uma briga terrível. Abatido, o homem está à procura dela,
pois continua apaixonado. Deseja se reconciliar. Empurra todas as portas.
Não a encontra. Finalmente, parece que a vislumbrou ao longe... Não, não é
ela... Espere... Sim, é ela sim... é ela! Mas está na companhia de outro
homem, lançando-se apaixonadamente em seus braços. É como se ele tives
se levado uma tremenda paulada: alquebrado, cai agachado.
Terceira situação: é um sujeito atormentado por exigências corporais pre
mentes. Procura desesperadamente um local afastado onde possa se aliviar.
Procura portas de um possível banheiro, encontrando-as todas trancadas.
O restante é de fácil compreensão, não existindo necessidade de fornecer
outras dicas... Em certo momento, corre, corre ... mas não consegue mais se
conter, e, rendido, deixa tudo se esvair... agachado... na liberação.
Agora vamos chamar os nossos mímicos. (Os três rapazes retornam ao
palco). Estão prontos? Venham, acomodem-se. Tomara que vocês não te
nham ficado ouvindo. (Risadas e murmúrios do público. Os três entreo
lham-se, perplexos). Não, não é nenhuma piada. Estamos fazendo um tra
balho; é um jogo, mas é sério. Pois bem, vamos, você começa. (Convida
um dos mímicos). Repetirei os tempos: antes a seqüência de empurrar a
porta... (Para o público) A situação oculta é a primeira, lembram-se... A
briga no bar. Vamos começar então! (Ação do primeiro ator. Risadas e
aplausos do público). Perfeito, excelente atitude de aniquilamento... a ân
sia e a prostração final. Muito bem. Agora você. Isso, você mesmo. Vai,
vai. (Para o público, quase à parte) Ele faz a situação do apaixonado.
(Ação do segundo mímico). Perfeito. (Ação do terceiro ator). Atenção, é a
da urgência trágica. (Durante a representação, o público explode em gran
des gargalhadas e aplausos. Quando o rapaz desconsolado agacha-se,
inconscientemente, para defecar... irrompe um imenso fragor). A partir
disso, fica claro que a situação é determinante no significado absoluto da
ação mímica, alterando completamente o sentido de todos os gestos, de
patéticos a trágicos, de sutilmente humorísticos a grotescos e obscenos.
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Para três execuções idênticas, alcançamos três resultados teatrais comple
tamente distintos. O raciocínio está claro?
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da, ela realiza os seus meneios com ainda mais calor, para depois desa
parecer repentinamente e, por fim, fechar a janela. Desprezado, o ho
mem atira a tigela fora, raivosamente.
Outra seqüência. Da j anela, a jovem observa o que acontece na
praça. Inicialmente, denota indiferença, olha distraidamente. Eis que -
em contraplano - chega a polícia. O seu olhar assume uma expressão de
angústia. A tensão facial amplia-se. Fica atônita após observar uma ex
plosão, seguida de uma carga da cavalaria, sem se aperceber de que está
praticamente nua. Sua atenção está toda concentrada nos acontecimen
tos da praça. Penteia-se mecanicamente, ausente daquilo que faz, parti
cipando somente do que os seus olhos vêem.
Terceira situação. Enquanto barbeia-se, o homem observa a pra
ça. A carga da cavalaria o atordoa de tal maneira que ele corta o rosto
com a navalha. Come a contragosto, pára diversas vezes, tem dificulda
de em engolir a sopa. Em certo momento, larga a tigela, pois aquilo que
ele vê na praça evidentemente causa-lhe repugnância.
Pabst colocou no projetor essas três seqüências e mostrou-as a
seus alunos. Quando a projeção terminou, perguntou-lhes : "De acordo
com vocês, os atores tiveram melhor desempenho em que seqüência? Na
primeira, na segunda . . . ?". Cada uma das respostas foi diferente: "O ho
mem me pareceu mais envolvido quando vê a ação policial pela janela,
e se corta com a navalha . . .". E outro aluno: "Não, de jeito nenhum. Ele
pareceu-me mais crível na seqüência com a moça". Mais um: "Gostei da
moça quando se exibe para seduzir o homem . . . Muito sutil e comedida;
algo melodramática em excesso na cena em que acompanha a ação po
licial". Pabst escuta as diversas opiniões. Em seguida, desliga o equipa
mento, desmonta os carretéis e mostra os negativos. Os alunos dão-se
conta de que os negativos são sempre os mesmos, apenas copiados e
montados em diferentes seqüências. A moça ao lado da j anela, assim
como o comportamento diverso do homem nas duas montagens, origi
nam-se de uma única película. Não havia participação direta, eram to
madas cinematográficas nas quais as intenções e as tensões dramáticas
não possuíam uma referência particular. Os diversos significados foram
determinados pelas diferentes aproximações e montagens dos mesmos
trechos do filme: o homem se barbeando em conj�nção com a moça
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desalinhada, a moça desalinhada em alternância com a ação policial.
São essas combinações que determinam a ilusão dos diferentes signifi
cados e das variantes no comportamento dos atores. Trechos de histórias
diferentes, sem nenhuma ligação aparente, adquirem um sentido lógico
devido à montagem. Por outro lado, a história do cinema apresenta inú
meras anedotas acerca dos expedientes usados pelos diretores para obte
rem imagens críveis.
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