Não penso que as mulheres ministras e teólogas tenham sido as primeiras a descobrir a
existência da angústia e ao mesmo tempo da intuição em nossas vidas, mas elas nos
ajudaram a percebê-las como dimensões importantes da realidade profética
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 8).
Lembra Flusser em A História do Diabo e em Língua e Realidade, ao falar do contato
com o abismo que experimentam os poetas.
Por isto, meu ponto de vista é que o ministério profético não está ligado, em primeiro lugar,
a crises públicas específicas, mas, sim, em tempo e fora de tempo, à crise dominante
que é duradoura e reconhecível pela prática de co-optar e domesticar nossa vocação
alternativa. Naturalmente, pode acontecer que esta crise permanente se manifeste em
qualquer oportunidade, em questões concretas, mas o que nos interessa é afirmar que a
permanência de uma crise real se transfere de uma questão para outra (BRUEGGEMANN,
1983, p. 12).
Por outro lado, a consciência alternativa, ao ser alimentada, ajuda a crítica que procura
desfazer a consciência dominante (BRUEGGEMANN, 1983, p. 12).
Procurei deixar claro que o ministério profético não consiste em ações espetaculares de
cruzadas sociais ou em medidas de indignação desgastante. Pelo contrário, o ministério
profético consiste em apresentar uma percepção alternativa da realidade e em levar as pessoas
a ver a própria história à luz da liberdade de Deus e de sua vontade de justiça
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 146).
E, mais concretamente, como apresentar e conduzir alternativas numa comunidade de fé, a
qual de forma alguma compreende que há alternativas, ou que não está preparada para abraçá-
las, no caso de se apresentarem? (BRUEGGEMANN, 1983, p. 13).
A paixão, como energia e prontidão para preocupar-se, sofrer, morrer e sentir, é o inimigo da
realidade imperial (BRUEGGEMANN, 1983, p. 51).
Esta alternativa confiada a nós, que recebemos o chamado, está enraizada não / na teoria
social ou na justa indignação ou ainda no altruísmo, mas na verdadeira alternativa, a saber,
Iahweh existe. Iahweh torna possível e exige uma teologia alternativa ao mesmo tempo que
uma sociologia alternativa. A profecia começa justamente quando se discerne que ele é,
verdadeiramente, a alternativa (BRUEGGEMANN, 1983, p. 20-21).
A profecia não pode ficar muito separada da doxologia, porque, ou ela perde o sentido ou
torna-se ideologia (BRUEGGEMANN, 1983, p. 30).
Ao fazer esta reivindicação em favor de Moisés, evitei cuidadosamente fazer qualquer ligação
entre imaginação profética e ação social, e assim o fiz porque acredito que Moisés não se
engajou em nenhuma daquelas atividades que nós identificamos como sociais. Não estava
empenhado em uma luta com o fim de transformar o regime, pelo contrário, sua
preocupação era com a consciência que sustentava e tornava aquele regime possível
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 33).
E aqui, minha sugestão é que o terceiro elemento básico foi o estabelecimento de uma
religião controlada, estática, na qual Deus e seu templo tornaram-se parte da paisagem da
corte, na qual a supremacia de Deus estava plenamente subordinada aos projetos do rei
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 42).
De/pois disto, desaparece a noção de que Deus é livre e que ele pode agir de forma
diferente e mesmo contra o regime (BRUEGGEMANN, 1983, p. 42-43).
Salomão manejou aquilo que se podia julgar impossível, pois apropriou-se do “novum”
mosaico tornando-o vazio e sem sentido (BRUEGGEMANN, 1983, p. 46).
Torna-se evidente que a recusa de qualquer palavra transcendente e o desrespeito para com o
próximo levam, fatalmente, ao desaparecimento de qualquer sentimento. E ali onde o
sentimento desapareceu, desaparecerá também qualquer forma séria de energia humanizadora
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 47).
Por isso a consciência profética torna-se sensível a qualquer agente histórico que assume uma
dimensão duradoura ou mesmo ontológica (BRUEGGEMANN, 1983, p. 50).
O faraó, rei passivo de um universo fechado, sem revolução, sem mudança, sem história, sem
promessa ou esperança, é o modelo de rei para um mundo que jamais apresenta mudanças,
através das gerações (BRUEGGEMANN, 1983, p. 51).
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POESIA E PROFECIA:
Mas, como observa David Noel Freendman, o que caracteriza o modo de ser de um profeta
em Israel, é a poesia e a lírica. O profeta liga-se a uma fantasia futura. O profeta não se
pergunta se sua visão pode ser efetivada, porque esta questão não tem importância, enquanto a
visão não for imaginada. A imaginação deve vir antes da realização. Nossa cultura é capaz de
realizar quase tudo, mas não imagina quase nada. A consciência do rei que torna possível
realizar tudo ou quase tudo é a mesma que reprime a imaginação porque esta é um perigo. É
por isso que todo o regime totalitário tem medo do artista* (BRUEGGEMANN, 1983, p. 55).
*Rubem Alves, em Tomorrow's Child, New York, Harper and Row, 1972, já o afirmara
eloquentemente. A prática da imaginação criativa é uma atividade subversiva não pelo fato de
entregar-se a atos concretos de provocação (o que pode acontecer), mas porque vê o presente
como provisório e recusa-se a considerá-lo como absoluto. A prática histórica da imaginação
criativa afirma a possibilidade de um futuro que não seja continuidade do presente. E o
objetivo de qualquer regime totalitário é querer forçar o futuro a ser uma continuação
inconteste do presente (BRUEGGEMANN, 1983, p. 55).
Não estou preocupado com os aspectos formais da poesia, mas com as questões substantivas
dos aspectos alternativos que o prosaísmo dominante, à nossa volta, não inventa nem permite
inventar. Esta atividade exige que no centro de nossas pessoas e de nossas comunidades não
tenhamos assumido plenamente a apatia consumidora desposada pela consciência do rei.
Tudo isto requer que não tenhamos abandonado completamente as promessas feitas por Deus
a nós, pois ele é suficientemente livre para as cumprir (BRUEGGEMANN, 1983, p. 56).
Pela continuidade da explanação de Brueggemann (1983), é possível compreender
que as questões substantivas dos aspectos alternativos, mencionadas pelo teólogo,
referem-se às possibilidades que emergem da angústia, como se pode ver adiante.
Acredito que a linguagem mais apropriada para o profeta penetrar o torpor e a negação do rei
é a da angústia, a retórica que unifica a comunidade num lamento por uma morte que não
querem admitir, pois é a morte deles mesmos (BRUEGGEMANN, 1983, p. 64).
Se a angústia é que faz brotar poesia, conjecturo que a aposta em uma linguagem da
angústia é uma aposta em pessoas que, angustiadas, possam poetizar.
O rei é encarregado de ordenar e preservar a ordem social e por isso, voltar ao caos é
anunciar, implicitamente, o fracasso do reinado e seu fim (BRUEGGEMANN, 1983, p. 69).
Estabelecer semelhanças com Octavio Paz.
Sabemos, por nossas próprias mágoas, feridas e solidão, que as lágrimas quebram barreiras
como nenhuma outra força o conseguiria. As lágrimas são uma forma de solidariedade no
sofrimento, quando não se encontra nenhuma outra forma de ajuda. E quando alguém recorre
claramente ao próprio torpor, à raiva, ao desgaste e à indignação, torna, então, a ferida mais
profunda, aumenta o torpor e leva as pessoas a comportamentos que não são enraizados na
experiência (BRUEGGEMANN, 1983, p. 69).
Esta tradição da fé bíblica sabe que a angústia é a porta da existência histórica, que assumir
o fim permite novos começos (BRUEGGEMANN, 1983, p. 77).
A esperança não deve ser expressa demasiado abertamente, no tempo presente, porque uma
esperança que se pode tocar ou manipular é provável que não contenha o prometido apelo por
um novo futuro. Esperança manifestada apenas no momento presente, sem dúvida será
cooptada pelos administradores do mesmo momento presente (BRUEGGEMANN, 1983, p.
85).
Que difícil missão deve ser tentar e conseguir expressar um futuro que a ninguém seria
imaginável (BRUEGGEMANN, 1983, p. 85).
É claro que não se pode fazer isto inventando novos símbolos, pois isto seria uma fé naquilo
que se quer que seja verdade. Pelo contrário, significa voltar para o mais profundo da
memória da comunidade e pôr em jogo aqueles mesmos símbolos que foram sempre a
contradição da consciência dominante (BRUEGGEMANN, 1983, p. 85).
Apesar de compreender a razão pela qual é possível usar símbolos da memória da
comunidade e de concordar com sua pertinência, que pode ser afirmada também com
o pensamento constelar de Benjamin e antropofágico de Andrade, é possível, ainda
assim, questionar a taxatividade da afirmação de que “não se pode fazer” de outra
forma. Parece contradizer o argumento do livro como um todo.
Temos de admitir que a esperança profética pode facilmente orientar-se para a distorção. Pode
tornar-se tão grandiosa que perca a dimensão da realidade; pode tornar-se tão vulgar que não
cause impacto à realidade; pode tornar-se “pão e circo” e assim não fará mais que ajudar e
encorajar o desespero geral (BRUEGGEMANN, 1983, p. 88).
Podemos estar certos de que o discurso da intuição é a maior força energizadora de Israel e os
profetas de Deus são chamados a pôr em prática este mesmo discurso energizador
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 90).
Acredito que, bem compreendida, não existe linguagem mais subversiva ou profética do que a
prática da doxologia, que coloca a realidade de Deus bem no centro do cenário do qual
julgávamos que ele fugira (BRUEGGEMANN, 1983, p. 90).
A nova realidade é que aquele, que parecia ter sido posto de lado como impotente e inútil,
agora reclama seu trono (BRUEGGEMANN, 1983, p. 93).
Alguma vez já estivestes numa situação, na qual, por causa da raiva, da depressão, da
preocupação ou da exaustão, não fostes capaz de cantar? Experimentastes, porventura, uma
situação semelhante? Numa situação dessas seria necessário dirigir-se à causa da mudança das
coisas, seria necessário chamá-la pelo nome, nela pôr a atenção, reconhecê-la e dela apoderar-
se. O profeta torna possível entoar cânticos, e o império reconhece que aqueles que ousam
entoar seus cânticos não aceitaram a definição do rei referente à existência. Se o não cantar é
um indicador de exílio, então estamos nele, porque somos um povo que raramente canta. O
profeta desperta a esperança de voltarmos a cantar (BRUEGGEMANN, 1983, p. 94).
A única força séria, energizadora, pedida ou oferecida é o conhecimento de Deus em toda sua
liberdade, o desfazer das estruturas exaustas e o destronar das forças cansadas. (Jesus, em seu
discurso sobre o cansaço e o alívio da mudança de jugo [Mt 11,28-30] é fiel ao Segundo
Isaías). O lamento é pela perda do verdadeiro reinado, enquanto a doxologia é a aceitação
do verdadeiro rei e a rejeição dos impostores (BRUEGGEMANN, 1983, p. 95).
O que precisa ficar claro, quando se menciona um verdadeiro reinado e um Deus rei, é
que a defesa de Brueggemann (1983) é de que somente nesse verdadeiro reinado há
liberdade, ou seja, a defesa em última instância é da liberdade.
Sem a cruz, provavelmente a imaginação profética seria uma voz tão estridente e destrutiva
como aquela mesma / que ela criticava. A cruz é a certeza de que a eficiente crítica profética é
feita não por alguém de fora, mas por um que abraçou o sofrimento, que passou pela morte e
que sabe quanto padece quem é criticado (BRUEGGEMANN, 1983, p. 125-126).
AÇÕES PROFÉTICAS
o Trazer à expressão pública aqueles mesmos terrores e medos que tinham sido negados
há tempo e suprimidos tão profundamente, que nem sabíamos mais de sua existência
(BRUEGGEMANN, 1983, p. 62).
o Usar metáforas e ao mesmo tempo palavras concretas sobre a morte que paira sobre
nós e internamente nos vai corroendo, não com ódio nem com expressões comuns,
mas com a sinceridade nascida da angústia e do amor (BRUEGGEMANN, 1983, p.
63).
o O profeta deve falar sobre a esperança em metáforas, mas sobre a real novidade que
advirá para redefinir nossa situação deve falar concretamente (BRUEGGEMANN,
1983, p. 89).