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francois ascher
rgBOLS04
Os novos princípios do urbanismo FRANÇOIS ASCHEll
Tradução e apresentação N,\DIA SOMEKH
Hcvis<lo preliminar FL.t\v10 coonou
,
Prqrnração e revisfio final de le.xto il.EGINA srocKLEN Os novos princípios do urbanismo
Projeto gráfü:o da coleção e diagramaçiío E:.-r,,ç,\o
Desenhos da capa LUCTA 1mc1-1
Gráfica P:\J'\/CR0/\1
Coordenaç;Jo editorial AlllLIO GUEI\IIA E S1LVANA ROMANO S,\NTOS
Edição original ASCHEII, I'ílANCO!S. LES i\'()LJ\'EAUX l'HINC/f'ES DE
L'UIWJ,\'/SME. L,\ TOUJI o'A!GUES, ÉDlTIONS DE L',\UBE, 2001. !SBN
2-87(178-9,p-:!
apoio cultural
Íffil SOLVAY
~INDUPA
rgBOLS04
A reprodução ou duplicação integra! ou parcial desta obra sem au-
tori1~11;üo e.\pressa do autor e <los editores se configum como upro-
priação indevida dos direitos intelectuais e patrimoniais do autor.
© Éditions de L'Aube
Direitos para esta edição
Romano Guerra Editora
Rua General Jardim 645 conj 31 Vila Buarque 01:123-011 São H1Ulo
SP llrnsil
te!: (11) 3255.9535 I 3255.9560
rg@)romanoguerra.com.br wwv,r.romanoguerra.com.br
Printed in Brazil 2010 Foi feito o depôsito legal
o
modernos. Ela resulta da interação de três dinâmi- desigualdade entre grupos e indivíduos gerando as-
cas socioantropológicas, cujos traços podemos reco- sim uma sociedade cada vez mais complexa.
nhecer em diversas sociedades, mas que ao entrar Esses três processos alimentam-se reciproca-
em ressonância na Europa durante a Idade Média, mente e produzem sociedades cada vez mais dife-
produziram as sociedades modernas: a individuali- renciadas, fonnadas por indivíduos simultaneamente
zação, a racionalização e a diferenciação social. mais parecidos e mais singulares, com possibilidades
Pode-se definir a individualização, em primei- de escolha mais comple.xas.
ro lugar, como a representação do mundo, não a De fato, individualização, racionalização e di-
22 partir do grupo ao qual pertence o indivíduo, mas ferenciação não são exclusivas da modernidade; 23
a partir da sua própria pessoa. O uso na linguagem mas é a sua combinação que, em circunstâncias
do "eu" no lugar do "nós" e ainda a invenção da históricas particulares, desencadeou a dinâmica da
perspectiva, que foram se impondo, progressiva- modernização, como uma bifurcação na qual se in-
1
mente, no fim da Idade Média, ilustram perfeita- corporou o ' mundo ocidental" por volta do ano 1000.
mente esse processo de individualização. Podemos Nenhuma sociedade anterionnente havia conheci-
falar igualmente de individuação, para explicar as do essa conjunção ou tinha entrado nessa espiral de
lógicas de apropriação e domínio individuais, que "desenvolvimento" específica da modernidade.
vão ocupando progressivamente o lugar das lógicas
coletivas. Assim, as sociedades modernas separam As primeiras fases da modernização
e reúnem indivíduos, e não grupos. Se a modernidade não é um estado, a moder-
A racionalização consiste na substituição pro- nização tampouco é um processo contínuo, sendo
gressiva da tradição pela razão na determinação possível distinguir três grandes fases.
dos atos. A repetição dá lugar às escolhas. Estas A primeira cobre aproximadamente o período
pressupõem preferências e projetos individuais e qualificado como tempos modernos e abarca do fim
coletivos; elas usam o conhecimento derivado da da Idade Média ao começo da revolução industrial.
experiência, os saberes científicos e mobilizam as Ela testemunha a transformação do pensamento e
técnicas. A racionalização é uma forma de "desen- do lugar da religião na sociedade, a emancipação da o
cantamento do mundo", pois atribui às' ações hu- política e a emergência do Estado-nação, o desen- E
"eo
manas e às leis naturais o que fora anteriormente volvimento das ciências e a e.xpansão progressiva do
-eo
atribuído aos deuses. capitalismo mercantil e, logo a seguir, do industrial. o
ü
A diferenciação social é um processo de diversifi- Pode-se classificar esta fase como "primeira" ou
:e."u
o
cação das funções de grupos e indivíduos no interior "alta modernidade".
e
de uma mesma sociedade. Ela é amplamente refor- A segunda fase é a da revolução industrial, que '§.
çada pelo desenvolvimento da divisão técnica e social assiste à produção de bens e serviços, subordinada, "
do trabalho, e resultante da dinâmica da economia em grande medida, às lógicas capitalistas; o pensa- ~
e
de mercado. A diferenciação produz diversidade e mento técnico ocupando um lugar central na sacie- "
o
dade e a constituição do Estado do bem-estar. É a se constitui paralelamente como uma disciplina
segunda, ou "média modernidade". moderna, reerguendo-se de um campo específico,
A cada uma dessas épocas corresponderam mo- integrando valores e novas técnicas, sem desprezar
dos de pensamento e criação, figuras dominantes e antigas referências, mas assumindo novas liberda-
concepções do poder, representações da sociedade, des, notadamente com o barroco.
critérios de eficácia, formas de organização e, certa- Esta primeira cidade é moderna porque é conce-
mente, princípios e modos de concepção e organi- bida racionalmente por indivíduos diferenciados. As
zação do território. A instalação da primeira e da se- eventuais referências dos seus criadores à tradição
24 gunda modernidades efetuou-se progressivamente, não são atos repetitivos, mas sim refletem escolhas 25
porém a amplitude das transformações nas diversas racionais com diversas motivações. Ela ex-pressa a
esferas da sociedade provocou crises de todo tipo - instauração do Estado-nação, a expansão dos terri-
econômicas, sociais, políticas, religiosas. A concep- tórios, a mobilização das novas ciências e técnicas,
ção, a construção e o funcionamento das cidades a autonomia nascente dos indivíduos. Esta cidade é
não escaparam dessas transformações e crises. também moderna porque é projeto; ela cristaliza a
ambição de definir o porvir, de dominar o futuro, de
3. As duas primeiras revoluções urbanas ser o marco espacial de uma nova sociedade; ela é o
modernas desenho de um desígnio. De fato, ela dará origem às
utopias que são em si formas derradeiras.
A cidade do renascimento e dos tempos
modernos A cidade da revolução industrial
A primeira modernidade produziu uma ver- A segunda revolução industrial começou com
dadeira revolução urbana. A cidade medieval deu a revolução agrícola que aumentou a produção ali-
lugar a uma cidade "clássica" na qual o novo poder mentar, porém e:qmlsou do campo grandes quan-
do Estado aparece em cena de forma monumen- tidades de agricultores de maneira concomitante
tal e se apresenta, através da perspectiva, ao olhar ao desenvolvimento do capitalismo industrial. Esse
do indivíduo, traçando avenidas, praças e jardins duplo processo provocou um enorme crescimento
urbanos que cruzam e dividem as ruelãs, aleias e demográfico nas cidades, acarretando um cres-
hortas, recuando e transformando muralhas, re- cimento espacial acelerado, gerando, ao mesmo
definindo e separando o público cio privado, os tempo, uma grande pauperização de uma parte das
espaços interiores e exteriores, definindo funções, populações urbanas.
inventando calçadas e vitrines. Esse movimento é É neste contexto que emergem progressiva-
crescente, as ruas se alargam e se diferenciam fun- mente novas concepções de cidade, marcadas fun-
cional e socialmente, as cidades se estendem, os damentalmente pelas mesmas lógicas que regiam
bairros periféricos proliferam, aglomerando de ma- o mundo industrial dominante. O urbanismo mo-
neira nova populações e atividades. A arquitetura derno (a palavra "urbanismo" aparece sob diversas
formas na virada do século 19 para o 20) aplica, no sidenciais de alta renda e bairros industriais para
campo da organização das cidades, os princípios es- fábricas e operários. Ainda aqui foi decisivo o pa-
tabelecidos na indústria. A noção-chave é a da espe- pel dos transportes urbanos para tornar possível a
cialização: o taylorismo a sistematizará na indústria, ampliação dos territórios urbanos e sua recompo-
onde tratará de decompor e simplificar as tarefas sição em grande escala.
para tomar sua realização mais rentcí.vel. O urbanis- Mais tarde, o automóvel individual e os eletro-
mo moderno vai colocá-la em prática sob a forma domésticos inscreveram o fordismo, quer dizer, o
de zoneamento que, mais tarde, Le Corbusier e a sistema combinado da produção e do consumo de
26 Carta de Atenas levarão ao extremo. massa, mais nitidamente no espaço urbano, com 27
Na cidade da revolução industrial, a mobilidade os grandes conjuntos de habitação social ou ca-
elas pessoas, das informações e dos bens assume sas individuais, hipermercados e infraestruturas
igualmente um lugar novo e mais importante. A pri- viárias. O advento do quarteto carro-geladeira-
meira necessidade é, com efeito, adaptar as cidades aspirador-máquina de lavar constituiu o âmago
às novas exigências da produção, do consumo e das das transformações urbanas, tornando possível o
trocas mercantis. Isto requer uma malha de gran- trabalho feminino assalariado, a compra semanal
des vias de circulação entre estações e grandes lojas, e a ampliação dos deslocamentos. Os bairros mo-
bem como redes de água, saneamento, energia (gás, nofuncíonais das atuais periferias urbanas são sua
eletricidade, vapor) e comunicação (telégrafo, tele- expressão mais clara.
fone, correio expresso). O desenvolvimento do Estado do bem-estar e de
As exigências de crescimento e de funciona- diversos serviços públicos contribuiu igualmente na
mento das cidades provocaram também uma forte estruturação das cidades, através da rede de linhas
mobilização científica e técnica para aumentar a de transporte coletivo, de escolas, de hospitais, de
rentabilidade no transporte e o armazenamento de banheiros públicos, de postos de correio, de equi-
bens, informações e pessoas. A eletricidade, parti- pamentos esportivos etc. Além disso, os poderes pú-
cularmente, teve um papel decisivo na liberação blicos foram levados a atuar cada vez mais tanto no
das potencialidades de crescimento das cidades, campo do urbanismo quanto no campo econômico- o
E
verticalmente com os elevadores, horizdritalmente social, principalmente para enfrentar insuficiências, ·ero'
com o bonde, o telégrafo e o telefone, depois o incoerências e disfunções das lógicas privadas e do -eo
motor a explosão. mercado, particularmente no campo fundiário e o
~
A diferenciação social inscrevia-se de outro imobiliário. Foi criada, assim, toda ordem de estru- 'o
modo no espaço: com os elevadores, os pobres turas e procedimentos para "planejar" mais racional- :§.
u
e
passaram a ocupar os andares inferiores, enquan- mente as cidades, ou seja, o mais cientificamente ·5.
to os ricos subiam aos andares mais ensolarados; possível, para agir apesar das limitações da proprie- '
mais tarde, com o desenvolvimento dos transpor- dade privada, para ordenar, isto é, predefinir e esti- ~
e
tes coletivos e os bondes, formaram-se bairros re- mular a expansão periférica e a renovação. o'
As formas urbanas desta segunda revolução cer- mente passaram por transformações profundas e
tamente variaram na teoria e na prática, conforme deixaram de funcionar do mesmo modo que antes.
as diferentes cidades e países. fVlas todos os funda- A cada uma das duas primeiras fases da moder-
dores do urbanismo - particulannente Haussmann, nização, correspondeu uma mudança profunda na
Cerdà, Sitte, Howard e, certamente, Le Corbusier maneira ele conceber, produzir, utilizar e gerir, ele
- estavam movidos, através de suas práticas ou re- maneira geral, os territórios e, particularmente, as
flexões e apesar de suas diferenças, por esta mesma cidades. A Europa ocidental já conheceu assim
preocupação de adaptação das cidades à sociedade duas revoluções urbanas modernas. Pode-se levan-
28 industrial. As cidades e o urbanismo conheceram, tar então a hipótese de que se esboça uma nova 29
assim, uma verdadeira revolução cm relação às anti- fase da modernização e que as mudanças que se
gas cidades e concepções arquitetônicas e espaciais vislumbram no urbanismo atual apontam para uma
da primeira revolução urbana para chegar, por fim, terceira revolução urbana moderna.
a um urbanismo fordista-keynesiano-corbusiano,
expressão de uma racionalidade simplificadora com
seu planejamento urbano, seu zoneamento mono-
funcional, suas armaduras urbanas hierárquicas,
adaptado à produção e ao consumo de massa em
centros comerciais, suas zonas industriais e sua cir-
culação acelerada e uma materialização também do
Estado do bem-estar com seus equipamentos co-
letivos, serviços públicos e habitações sociais. Esta
segunda revolução urbana não eliminou totalmente
as cidades pree.xistentes, apesar de ter sido bastante
radical na França, desde a destruição massiva de
Haussmann às "renovações bulldozer" dos anos
1950-1970. De foto, muito frequentemente, o espaço
construído, assim como os cidadãos, demànstraram
suas habilidades de permanência, de resistência e
de readaptação. Dessa Forma, mais uma vez as ci-
dades comprovaram sua capacidade de sedimentar
diferentes camadas de sua história, funcionando
como palimpsestos, esses pergaminhos que não
mudam, mas que acolhem sucessivamente escritas
diversas. TOdavia, mesmo as partes preservadas das
cidades antigas que foram conservadas material-
capítulo 2
A TERCEIRA l'Vl0DERNIDADE
ve em outra escala, e a coincidência das diferentes As estruturas sociais que surgem hoje, basea-
esferas das relações sociais está cada vez menor. Os das em vínculos frágeis e muito numerosos, e entre
vizinhos são raramente amigos de infância, colegas, organizações e pessoas afastadas entre si, são de
parentes, amigos. Todo dia e ao longo da vida, cada tipo reticular. A sociedade se estrutura e funciona
pessoa entra em contato com um número crescente como uma rede, ou melhor, como urna série de
de outros indivíduos, dentro e fora do trabalho; dali redes interconectadas, que asseguram uma mobi-
é possível escolher um ou mais cônjuges sucessivos, lidade crescente de pessoas, bens, informações. É
escolher amigos e vizinhos. Pode-se utilizar nas rela- a generalização dessa mobilidade que toma obso-
ções uma ampla gama de meios: o uso das telecomu- letas as estruturas aureolares antigas fundadas em
nicações permite diversificar as formas de interação, processos de "difusão", limitadas espacialmente em
o automóvel tornou-se a principal ferramenta de en- áreas de mobilidade restrita. Essa organização em
contros pessoais. Os vínculos econômicos e técnicos rede funda uma nova solidariedade de fato, como
socializam também os consumidores através de bens um sistema de interdependência entre as pessoas.
e de serviços comerciais: nossa alimentação cotidia- Depois da "solidariedade mecânica" da comunidade
na e os objetos que utilizamos são em grande medida rural e da "solidariedade orgânica" da cidade indus-
produtos concebidos e distribuídos por multinacio- trial, surge uma terceira solidariedade, "comutativa",
nais, a mais ínfima das atividades encontra-se inserida, que relaciona pessoas e organizações pertencentes o
a uma multiplicidade de redes interconectadas. O ~
de foto, em uma multiplicidade de relações. ·2
m
Os vínculos sociais multiplicaram-se extraordi- desafio para a democracia consiste então em trans- .o
5
nariamente. Sua natureza é diversificada e eles se formar essa solidariedade comutativa em uma soli- o
u
apoiam em modos de comunicação múltiplos; tro- dariedade "reflexiva", ou seja, urna consciência de "o
car mensagens na internet e encontrar-se em um pertencimento a sistemas de interesse coletivo. :2-u
e
bar são interações qualitativamente diferenciadas. "§.
Os vínculos estão mais "débeis" que em outros Uma multiplicidade de pertinências sociais "o>
A sociedade se compõe hoje de indivíduos "mul- o
tempos e também mais frágeis. Por outro lado, fi- e
cou mais fácil produzirem-se novos: é a "força dos tipertencentes", gue se desenvolvem em campos o"
socíais distintos. Os campos mais importantes são o gundo uma "sintaxe'' esportiva etc. Estamos diante
trabalho, a família, o lazer, a vizinhança, as organiza- de "indivíduos-palavra", que constituem por si só
ções religiosas e sociopolíticas. Antigamente, nas co- os principais vínculos entre esses "textos-campos
munidades rurais, esses diversos campos sociais se sociais". Passam de um campo para outro, seja se
confundiam. Com o desenvolvimento da sociedade deslocando ou utilizando as telecomunicações.
urbana e industrial ocorreram as primeiras dissocia- Quando um funcionário liga do trabalho para casa,
ções, mantendo ainda algumas sobreposições. Hoje, de uma certa forma, muda de "texto".
suas intersecções são cada vez menos numerosas, Os diversos campos sociais são de natureza di-
46 Formando urna espécie de multiplicidade de cama- versa. A participação das pessoas em cada um deles 47
das sociais interligadas pelos próprios indivíduos ao pode ser mais ou menos voluntária e duradoura. As
passar de uma para a outra, várias vezes ao dia. interações podem ser econômicas, culturais, afe-
Os indivíduos se deslocam, real ou virtualmente, tivas, recíprocas, hierárquicas, normatizadas, pre-
em universos sociais distintos articulados em confi- senciais, escritas, faladas, telecomunicadas etc. Os
gurações diferenciadas para cada um deles. Formam campos têm escalas variadas (do "local" ao "global")
um hipertexto, como as palavras que se conectam em e são mais ou menos abertos. As redes que estrutu-
um conjunto de textos informatizados. O hipertexto ram esses campos podem ter a forma de estrela, de
é o procedimento que permite "clicar" sobre uma pa- malha ou ser hierarquizadas. E os indivíduos fazem
lavra de um texto e acessar essa mesma palavra em code-swit.cliing, ou seja, tentam fazer malabarísmos
uma série de outros textos. Em um hiperte..\'.to, cada com os diferentes códigos sociais para poder passar
palavra pertence simultaneamente a vários textos; de um ao outro.
em cada um deles participa na produção de sentidos Esta metáfora do hipertexto permite, igualmen-
diferenciados interagindo com outras palavras do tex- te, renovar a identificação e a análise das desigual-
to, porém segundo sintaxes que variam eventualmen- dades sociais. Nem todos os indivíduos dispõem
te de um texto para outro. A digitalização das imagens efetivamente, por razões diversas, mas Facilmente
abriu a possibilidade de construir igualmente hiper- explic~iveis pelas suas histórias sociais, das mesmas
mídias, que estabelecem vínculos entre textos, docu- possibilidades de construir espaços sociais de n o
E
mentos sonoros e imagens (o prefixo hipCr é utilizado dimensões ou de passar de um campo para outro. o
e
ro
aqui no sentido matemático de hiperespaço, ou seja, Para certos indivíduos, as camadas das redes estão -eo
espaço de n dimensões). niveladas; seus campos econômicos, familiares, lo- o
ü
Os indivíduos estão assim inseridos em campos cais, religiosos se sobrepõem. Assim, os excluídos o
o
sociais distintos, como as palavras nos diferentes do mercado de trabalho não têm multipertinências; :9-
u
e
documentos de um hipertexto. Eles interagem de moram em conjuntos habitacionais, vivem de uma §_
o
um lado com colegas, segundo uma "sintaxe" pro- economia informal local e só encontram as pessoas
fissional, e de outro com parentes, segundo uma do bairro. A possibilidade de deslocamento em uma ~
e
o
"sintaxe" familiar, em um terceiro com parceiros, se- série de campos abre potencialidades que não são o
acessíveis a todos. Esta multiplicidade pode tam- coordenar as ações, de lidar com a comunicação
bém causar a certos indivíduos problemas psicoló- na ocorrência de uma crise. O caráter estratégico
gicos complicados e tomar difícil a constituição de da economia cognitiva se confirma, de certa forma,
sua identidade. Mas a sociedade hipertexlo renova pelo comportamento das grandes empresas dos pa-
profundamente as modalidades de constituição do íses desenvolvidos, que parecem deixar a produção
social, bem como as identidades pessoais. material para outros - e para o resto do mundo - e
que se concentraram nas novas tecnologias, atrain-
3. Do capitalismo industrial ao capitalismo do capitais e pessoas qualificadas do mundo inteiro,
48 cognitivo para assegurar o desenvolvimento. 49
Esta nova "economia cognitiva" aparece como
As mudanças econômicas em curso estão apon- a expressão da fase contemporânea da moderniza-
tando que as sociedades ocidentais começam a sair ção no campo da economia. Dito de outra forma, a
do industrialismo, ou seja, de um sistema econômi- economia cognitiva é para a ''sociedade hipertexto"
co fundamentalmente baseado na indústria, defini- e para a "sociedade comutativa", o que a economia
da como "o conjunto de atividades econômicas que industrial foi para a "sociedade urbana" e para a "so~
tem por objeto a exploração das matérias-primas, lidariedade orgânica", e o que a economia mercantil
das fontes de energia e de sua transformação, as- predominantemente rural foi para a "comunidade" e
sim como dos produtos semielaborados e bens de "solidariedade mecânica" (ver quadro à página 58).
produção ou de consumo"; e que estão entrando
cm uma economia cognitiva, baseada na produ- O fim dos futuros previsíveis e planejados
ção, apropriação, venda e uso de conhecimentos, O sistema fordista, apesar de alguns percalços e
informações e procedimentos. Isto não significa crises, tinha funcionado bem por mais de meio sé-
que a indústria esteja fadada a desaparecer. Mas, culo. Estava fundamentado sobre uma previsibilida-
da mesma forma como a agricultura passou com o de bastante grande do futuro. As empresas podiam
capitalismo industrial a depender do modelo indus- produzir antes de vender, amortizar as variações do
trial, que havia redefinido tanto as suas finalidades mercado através dos estoques e investir a longo prazo.
quanto seus métodos e valores, a produção indus- Os trabalhadores podiam contar com o crescimento
trial depende, cada vez mais, das lógicas e poderes e esperar, a médio prazo, uma melhora do seu poder
da economia cognitiva. i'vlais concretamente, a aquisitivo e das suas condições de vida. Eles consu-
performance de uma empresa industrial, hoje em miam os bens que produziam. Estavam protegidos
dia, depende primeiramente de sua capacidade de em caso de doença e não tinham preocupação com a
conhecer os mercados, de mobilizar as ciências e aposentadoria. Apesar de não ser o melhor dos mun-
as técnicas, de inventar respostas, de desenvolver dos, como indicavam as constantes lutas sociais, a
capacidades criadoras, de organizar processos, de representação que a sociedade ocidental tinha de si
gerir as reações ante os fatos, de analisar custos, de própria era predominantemente otimista.
Esse sistema se apoiava na possibilidade de li- economia (as atividades econômicas diretamente
mitar as incerlezas. O planejamento era um elos vinculadas ao uso da internet), e mais amplamen-
instrumentos-cliavc, em nível nacional, nas empre- te a economia cognitiva (indústrias e serviços nos
sas, para o planejamento urbano e ordenamento do quais predominam a produção, a venda e o uso do
território. Entrou em crise progressivamente a partir conhecimento, da informação e procedimentos). O
do fim dos anos 1960. A produção repetitiva de mas- desenvolvimento desta economia se inscreve no
sa entrou em choque com a diferenciação social e processo de modernízação e está em ressonância
a diversificação das demandas. As tecnologias e os com a emergência da sociedade hipertexto.
50 modos de organização que tinham garantido o cres- Trata-se, pois, de uma economia cada vez mais 51
cimento da produção e da produtividade atingiram reflexiva que incorpora sob as formas mais diversas
seus limites. As receitas keynesianas tomaram-se o progresso das ciências e das técnicas: mediante o
contraproducentes em economias mais abertas; as desenvolvimento de máquinas cada vez mais sofisli~
intervenções do Estado do bem-estar tornaram-se cadas, que integram um sem~número de tecnologias
muito custosas e geraram toda ordem de efeitos per- de informação e comunicação (TIC), empregando
versos. A globalização, a aceleração dos movimentos uma mão de obra globalmente mais qualificada em
ele capitais, as políticas ele transferência de regulação tarefas cada vez menos repetitivas, recorrendo a mé-
para o mercado só ampliaram o quadro de incertezas. todos de gestão que exigem uma informação rápida
O conjunto dessas transformações pôs em xeque e abundante para enfrentar as maiores incertezas e
as formas fordistas-keynesianas do industrialismo. as escolhas mais complexas. A característica essen~
Seus dispositivos baseados sobre o desempenho da cial dessa nova economia é que uma parte crescen-
repetição (a rotina taylorista e o consumo de massa), le das atividades econômicas e dos valores que ela
nas racionalidades simplistas delineadas por um ide- produz depende do capital cognitivo, incorporado
al de previsibilidade (a programação e planejamento nos homens, nas máquinas e na organização. Os
lineares) entram assim em crise, uns após os outros, modelos industriais de produção tornam~se inúteis
acrescendo a incerteza e a instabilidade criadas pela e o valor do capital, difícil de medir, pois uma boa
dinâmica da modernização, mas criando igualmente parte se constitui de "ativos intangíveis", ou seja, de o
E
as bases para o surgimento de uma no~a forma de saberes e de conhecimento, de modos de Funciona- m
·a
ro
economia de mercado. mento, de relações pessoais, de criatividade etc. to
A nova economia também está mais individuali- o
ü
Uma nova economia do conhecimento zada, tanto em matéria de consumo, quanto de pro~ m
o
duç1lo. Os consumidores exigem produtos cada vez ,Q.
e da informação u
e
A expressão "nova economia!> está muito cm mais diversificados e específicos, um "sob medida §_
m
voga hoje, mas carece de precisão. Ela engloba os industrial"; o conhecimento das suas necessidades
setores de produção de novas tecnologias da infor- torna-se assim uma das chaves da competitividade ~
e
mação e comunicação (hardware e software), a net- do comércio, dos serviços e da indústria. A evolu- ó
ção da produção industrial é também testemunha mobilidade dos capitais, a aceleração dos ciclos de
do processo de individualização, seja em se tratando produção e desenvolvimento dos meios de transpor-
das qualificações, níveis e carreiras dos trabalhado- te e comunicação modificam também o potencial
res, dos modelos de organização, do funcionamento qualitativo dos territórios e tornam frequentemen-
por projetos, onde cada um encontra uma posição te obsoletas as antigas especializações industriais
temporária em um coletivo de trabalho, ou ainda locais. O desenvolvimento econômico elas cidades
dos horários de trabalho flexíveis e assincrônícos. repousa cada vez mais na sua acessibilidade, na sua
Enfim, essa nova economia está também mais conexão com as grandes redes de transportes terres-
52 diferenciada. A divisão da trabalho não para de se tres e aéreos, e ainda no potencial ela mão de obra 53
aprofundar, a gualificação dos trabalhadores au- qualificada. A atração das jovens camadas médias
menta e as empresas tornam-se mais especializadas. e superiores toma-se assim um elemento central
Esta evolução se acentua pela terceirização crescen- das políticas urbanas, que prioriza a qualidade de
te praticada pelas grandes empresas. De fato, o pro- vida, os equipamentos educativos, a cultura, o lazer
gresso das técnicas de transporte e de comunicação e ainda a imagem da cidade, dentro do coração do
rebaixa os custos das transações e facilita o acesso desenvolvimento local.
ao mercado. A subcontratação, as joint ven.tures, as O uso dos meios de transporte rápido e das tele-
parcerias, os franchisings substituem o modelo orga- comunicações pelas empresas contribui assim para
nizacional da grande indústria. reestruturar cidades e territórios. O desenvolvimen-
to da net-economia (comércio eletrônico de varejo
Uma economia mais urbana e entre empresas, ou "e-comércio'', e-formação e
A produção e os serviços deixam as empresas, teleclucação, e-recrutamento e e-mão de obra tem-
atribuindo ao contexto espacial uma importância porária, e-saúde e telemedicina, e-seguros, e-bolsa,
econômica nova. Antes, a maior parte da atividade e-segurança e televigilância, e-informação e teleno-
das grandes empresas se desenvolvia no seu próprio tícias etc.) muda os critérios de localização das ativi-
recinto. Hoje, com a exteriorização de uma parte dades e participa principalmente na reconfiguração
crescente da produção e dos serviços, a atividade das centralidades e na especialização comercial. Os o
E
acontece cada vez mais fora de seus Tnuros, trans- distritos empresariais veem reforçado seu papel ill
ê
a
formando de fato as cidades e os territórios em es- através das atividades altamente qualificadas e de .o
5
paços produtivos. Isto aumenta a importância das alta intensidade informacional. A logística toma- o
"O
"externalida<les" de toda ordem, e gera novas respon- se uma função-chave no processo de produção e ill
o
sabilidades para o poder público que deve contribuir, 'êi
suscita novos tipos de equipamentos multimodais ·e
e
mais do que nunca, para a criação de um ambiente e mukisserviços (as plataformas logísticas). Os ae- ·e
o
material, econômico, social e cultural propício às roportos passam a ser rodeados de inúmeras e va- ill
o
>
atividades econômicas. Porém, as recomposições riadas empresas atraídas pela acessibilidade aérea o
e
ill
e reconversões rápidas e brutais das empresas, a e terrestre. o
O papel das tecnologias da informação ência ou tecnologia cujo desenvolvimento não de-
e comunicação penda do uso das TICs, particulannente nos novos
A dinâmica da economia capiLalista persiste e campos, como o da genômica ou da cognítica.
assume um papel crescente na sociedade, principal- A internet tem neste contexto um papel princi-
mente porque uma grande parte das atividades hu- pal, funcionando como uma metamídia que associa
manas é objeto de produção e de serviços de merca- e articula os diversos modos de produção e de circu-
do. As tecnologias da informação e da comunicação lação das informações. De fato, assistimos progres-
(T!Cs) desempenham um papel central nessa dinâ- sivamente à "convergência" em tomo da internet
54 mica. Elas não mudam por si só a sociedade, porém, de todos os meios de comunicação, bem como a 55
suscitadas e utilizadas pelos atores econômicos e pe- aparição de novos objetos que se integram a objetos
los consumidores, elas podem contribuir para dar-lhe móveis como a televisão, o computador, a agenda, o
urna nova fonna, pois estão especialmente adaptadas livro, a máquina fotográfica e a filmadora.
a ela. De fato, por um lado, integram-se ativamente
nas dinâmicas de racionalização, de individualização Novas regulações do capitalismo cognitivo
e diferenciação da sociedade hipertexto; e, por outro, A acumulação e a concentração de capital se-
são Ferramenta e suporte do capitalismo cognitivo guem crescendo de forma acelerada no conte.xto da
que pode aproveitar - no sentido mais amplo da Pª* globalização e da nova economia cognitiva. lVlesmo
lavra - os rápidos avanços dos seus resultados. Estes em campos muito novos, as atividades se organizam
estão amplamente ligados à digitalização que, ao mo- e se reorganizam em nível mundial em torno das
dificar de maneira decisiva a produtividade na produ- maiores empresas. O processo de crescimento e de
ção, a acumulação e a circulação da informação, con- crise também aumenta, e não devemos nos iludir
tribui de maneira determinante para a dinâmica do com o fenômeno do start-up, cuja e.xistência inde-
capitalismo cognitivo. As TICs participam também pendente é bastante breve, tampouco pela prolifera-
ativamente da aceleração de todos os movimentos de ção de pequenas e médias empresas, ainda depen-
pessoas, informações e bens, levando em conta que dentes dos grandes grupos, mais ou menos de forma
todo aquele que produzir uma diferença, principal- direta e durável. Não se pode, pois, confundir o fim
mente em termos de rapidez, estará esPecialmente do industrialismo com o fim da economia capitalista.
bem inscrito nas kígicas capitalistas baseadas na con- As leis econômicas não são novas, mas se aplicam
corrência e na acumulação. em um conte.xto diferente. O mercado talvez esteja
Essas tecnologias estão longe de ter esgotado mais transparente, os custos de transação mais Fra-
suas potencialidades. Elas ocupam progressiva- cos, as informações menos assimétricas, os sistemas
mente, como já havia acontecido com a eletricidade de adaptação da oferta e da procura mais sincrônicos,
anteriormente, uma posição genérica, penetrando as origens do valor diferentes, os modelos de produti-
em todos os setores econômicos e todas as esferas vidade renovados: só resta que a dinâmica de acumu-
da vida social. Já não existe nenhuma indústria, ci- lação prossiga, e isto tem tudo para acontecer.
A economia cognitiva conhece e conhecerá, te ela sua proteção previdenciária e primordialmente
portanto, múltiplas disfunções do capitalismo: suas garantir e financiar sua aposentadoria. O fordismo
oscilações e crises econômicas, sociais, ambientais, transformou os trabalhadores de massa em con-
ao mesmo tempo em que os interesses sociais au- sumidores. Atualmente o trabalhador-consumidor
mentam e a concorrência entre empresas e territó- toma-se acionário, diretamente comprando ações,
rios se acirra. Deve ser, portanto, "regulado", pois indiretamente pelos investimentos das caixas de
ele não pode Funcionar de forma sustentável sem aposentadoria. Esses "Fundos de Pensão" assumem
instituições representando as diversas coletividades uma importância social e econômica considerável,
56 sociais e territoriais, sem regras comuns, sem pode- tornando-se investimentos imobiliários. Por outro 57
res coletivos legítimos e capazes de Fazer respeitar lado, a crise do Estado do bem-estar, gue também
essas regras, sem intervenções corretivas e compen- é uma crise do seu modo de organização e de sua
sadoras, sem modalidade de gestão de conflitos. performance, leva o poder público nacional e local
Porém, as regulações desenvolvidas no período a recorrer cada vez mais a atores privados para as-
precedente funcionam cada vez pior no contexto do segurar todo tipo de prestações, mesmo tendo que
capitalismo cognitivo, entre outros motivos porque a subsidiar esses atores ou mesmo aqueles que devem
globalização contribui em minar as bases nacionais comprar seus produtos e serviços. A<; concessões e
dos Estados de bem-estar social, tomando ineficazes as parcerias público-privado multiplicam-se sob di-
as políticas keynesianas, pois a relação salarial fordista versas formas. A globalização, o enfraquecimento elas
dá espaço a contratos ele trabalho muito mais instüveis, barreiras aduaneiras, a aceleração dos movimentos
os investimentos privados de longo prazo tomam-se de bens, de homens, de informações e de capitais
raros, o ciclo elos produtos se encurta, e porque emer- tornam necessária a criação ou o reforço das institui-
gem novos problemas sociais e novas desigualdades. ções supranacionais de regulação, enquanto o poder
Todavia, um novo Lipo de regulação parece se esboçar, público local tem seu papel econômico e social refor-
ao qual poderíamos classificar de "regulação de parce- çado em um contexto de concorrência interterritorial
ria", na medida em que os atores, com lógicas diferen- exacerbado pela internacionalização e pelo desenvol-
ciadas e com interesses divergentes e conflitantes em vimento elos meios de transporte e comunicação.
1
uma série de pontos, se esforçam ou são obrigados A<; parcerias entre diferentes tipos de atores são
a elaborar gestões comuns, negociar compromissos uma forma "reflexiva" de regulação mais adaptada a
duradouros e criar instituições coletivas. urna sociedade aberta, diversificada, móvel e instável.
O capitalismo cot,rnitivo apoia-se ainda mais for- As instituições que derivam das parcerias dão urna
temente do que o capitalismo industrial sobre a Bolsa relativa estabilidade em um contexto marcado por
e sobre o capital fimmceiro, sendo que esses são hoje incertezas de todo tipo.
em dia fortemente alimentados pela poupança dos A amplitude das convulsões sociais, econômicas,
assalariados e dos profissionais liberais que utilizam o culturais, políticas e territoriais engendradas pelo
mercado de ações para assegurar uma parte crescen- surgimento da sociedade hipertexto e do capitalismo
cognitivo reafim1a a tese sobre a entrada das socie-
dades ocidentais em uma nova fase do processo de
modernização. Esta, como as duas precedentes, faz Comunidade Sociedade Sociedade
necessárias mutações múltiplas, ao mesmo tempo industrial hipertexto
em que as gera. Assim, a sociedade hipertexto e oca- Paradigmas Crenças, tradição Haz.1o universal, Complexidade,
pitalismo cognitivo provocam uma terceira revolução dominantes e continui<la- fundnnalidade, incerteza,
urbana moderna. É ela que agora iremos caracterizar, de, destino, simplificação e autorregulação,
para deduzir os problemas específicos que ela apre- força, nutoridade, especia!izaçfüi, flexibilklade,
sa senta e os desafios mais gerais da sociedade moderna sabedoria democracia governançu
avançada, os princípios e os métodos de ação para a representativa
concepção, a produção e a gestão das cidades. Ações Hepetitivas Hucionais Hellexivas
e rotineiras
Quadro esquemático de dinâmica da moderni- Principais Costumes, chefe Estado e !eis Sistemas estatais,
zação ocidental e do conte.'\to das três revoluções reguJações subsidiários,
urbanas modernas direito e cem-
tratos, parcerias,
Comunidade Sociedade Sociedade opiniílo pública
industrial hipertexto Atividades t\gríeolas lndustriais Cognitivas
Elos sociais Pouco numerosos, Mais numerosos, !\luito numc- econômicas
curtos, nflo de diversos tipos, rosos, muito dominantes
diversificados, evolutivos, fortes, variados, através i Cultura De caráter domi- Fortes Diversil\c;Jda e
não estabelecidos em vias de de mídias e nantemente local componentes híbrida {mui-
através de mídias, especializaçílo diretos, frágeis, socioprolissionais tipertínência
estáveis, fortes e especializudos social e cultural)
multifuncionais Tipo urbano Cidade-mercado Armadura urbana Sistema
Tipo de Mecfmica Orgilnica Comutativa dominante hierarquizada, ci- metapolitano
solidariedade eludes industriais
Territórios Amplamente Integrados em Abertos, mú!ti- Instituições Paníquias, juntus Comunidades, re- Aglomera,;iio,
sociais autárquicos um conjunto pios, mutantes, de freguesias, giôes, administra· país, regiões,
(espaço das e fechados, mais amplo, em escalas vari.-í- Estado-nação ção centralizada, Est<1do-nm,'J.o de
relações de caráter local semiabertos, de veis (do local : Estado-nação de bem-estar social,
sociais) base nacional ao global), reais bem-estar social, organin1ções
e virtuais pactos, alianças intern.icíonais e
Morfologia Alveolar Aureolar Heticular ' e tratados supranacíonais,
sacio territorial i ONGs
capitulo 3
A TERCEIHA REVOLUÇÃO URBANA MODERNA
noção de serviço individualizado e apoiar-se nas ras e equipamentos mistura intervenções públicas
técnicas avançadas de transporte e telecomunica- e privadas sob formas diversificadas de parcerias,
ção. Surgem assim novos dispositivos complexos, concessões e prestações cruzadas de serviços. Os
como, por exemplo, o sistema que associa, graças estatutos jurídicos e práticos dos espaços são cada
a um uso intensivo dos transportes e telecomuni- vez menos homogêneos e não abarcam mais a dis-
cações, centros hospitalares que reúnam todas as tinção entre acessos públicos e privados, acessos
especialidades com um alto grau de especializa* livres e reservados, interior e exterior, infraestrutura
ção, hospitais-dia, assistência em domicílio, servi- e superestrutura, serviços e equipamentos. As no-
ços de ambulatórios, centros de saúde e médicos vas tecnologias participam nessa recomposição: elas
de Família. No campo dos transportes, aparecem permitem, por exemplo, desassociar a produção, o
"centros de mobilidade", que coletam e colocam transporte e a distribuição dos diversos fluidos (água,
à disposição dos usuários informações em tem- eletricidade, telefone), minando os fundamentos
po real sobre o horário dos transportes coletivos, antigos das modalidades de exercício dos serviços
a disponibilidade dos táxis, dos transportes de públicos; tomam possíveis a modificação das tarifas
aluguel, dos estacionamentos, os problemas do e, em decorrência, a evolução da concepção e do
tráfego, as tarifas etc. Esses dispositivos abrem a financiamento da infraestrutura; enfim, através da
possibilidade de escolha aos indivíduqs e tornam internet, elas criam novos tipos de quase espaços
possíveis novos tipos de serviço adaptados a uma públicos "virtuais", que penetram no âmago de lares
grande variedade de situações. e empresas.
A sociedade hipertexto que separa os campos
5. Conceber os lugares em função das novas das práticas sociais mobiliza as TICs para viabilizar
práticas sociais a pertinência simultânea aos mais diversos tipos de
espaços: assim, o uso dos equipamentos individuais
Dos espaços simples aos espaços múltiplos portáteis permite desenvolver atividades de natu-
O urbanismo moderno desenvolveu a cidade reza diversa em um mesmo lugar: trabalhar dentro
baseada na repartição dominante, atribuindo prin- de um transporte, telecomunicar em pleno espaço
público etc. O neourbanismo deve-se esforçar em banismo com uma diversidade complexa de interes-
combinar essc1s possibilidades, cm conceber espa- ses e com uma complexidade de desafios que dificil-
ços múltiplos de n dimensões sociais e Funcionais, mente podem se materializar em interesses coletivos
hiperespaços gue articulem o real e o virtual, pro- estáveis e aceitos por todos. Os políticos locais, o
pícios tanto à intimidade quanto às mais variadas Estado, os urbanistas, todos os especialistas podem,
sociabilidades. As novas tecnologias da informação assim, cada vez menos pretender fundamentar suas
e da comunicação imprimem igualmente, nas cida- ações e suas propostas no interesse geral ou comum,
des, a marca das suas estruturas e particularmente objetivo e único. Além disso, o desenvolvimento das
90 a distinção entre hardware e software. ciências e das técnicas só evidencia a grande comple- 91
A consideração das práticas urbanas conduz, xidade onde anteriormente havia problemas passíveis
por fim, os mentores à integração progressiva dos de solução: a experiência que Fundamentava as dcci~
limites da exploração e gestão de espaços e equipa- sões qualificadas pelo interesse geral foi substituída
mentos urbanos. Isto contribui para a redefinição pela controvérsia entre especialistas, o que remete as
das fronteiras e das modalidades de exercício dos decisões a espinhosos princípios de precaução. Uma
diversos campos do urbanismo, pois este deve inte- decisão só pode ser entendida como sendo de interes-
grar mais diretamente as exigências da gestão futura se geral ou comum através de sua substância objetiva.
dos espaços que ele ajuda a produzir. É o modo, o procedimento como ela foi elaborada
e eventualmente construída pelos atores envolvidos,
6. Agir em uma sociedade fortemente que lhe confere, in fine, seu caráter de interesse geral.
diferenciada As divergências e conflitos se resolvem assim menos
pelas maiorias, pois elas são circunstanciais, e mais
Do interesse geral substancial ao interesse por compromissos que pennitem tralar uma varieda-
geral modulado' de de situações coletivas.
O urbanismo moderno foi construído em con- Os procedimentos de identificação e formula-
cepções substanciais de interesse geral ou de inte- ção dos problemas, de negociação das condições,
resse comum. Deve-se entender que, a~ravés desse assumem uma importância crescente e decisiva. A
ponto de vista, as decisões públicas, os planos com participação - sob diversas formas - nesse processo,
suas regras e proibições, as realizações públicas, as desde o seu início, dos habitantes, usuários, vizi-
exceções ao direito de uso da propriedade (servi- nhos e todos os atores envolvidos, torna-se essen-
dão), as desapropriações, os impostos, eram legiti- cial. Não se trata somente de um debate entre opi-
mados pelos interesses coletivos admitidos como niões divergentes, de melhorar soluções propostas,
superiores aos interesses individuais. mas de construir o quadro de referência e a própria
A sociedade hiperte.xto, composta de multiper-. solução dos desafios.
tinências, de mobilidades e de territórios sociais e Esse enfoque modulado por procedimentos mo-
individuais de geometria variável, confronta o neour- difica a natureza da intervenção de especialistas e
profissionais, mais particularmente o trabalho dos no âmago de um sistema de atores, cujas lógicas
urbanistas. Estes devem inscrever sua intervenção são variadas e que funcionam em um meio cada
em processos de longa duração, que às vezes se ar- vez mais aberto. Para tanto, deve produzir qua-
ticulam mal com as lógicas do mercado e com as dros comuns de ação e regras do jogo que não se
mudanças políticas locais. Além disso, fica cada vez oponham às lógicas dos atores, mas as conciliem,
mais difícil associar as intervenções ao interesse ge- e as utilizem em proveito dos próprios projetos,
ral, conduzindo-os a colocar suas competências à produzindo sinergias'°; ainda arbitra quando situ-
disposição de diversos atores e grupos. Isto introduz ações parecerem nebulosas ou quando a autorre-
92 de forma nova as questões de ética e de deontologia gulação estiver falhando. 93
nova economia cultural e turística urbana, seja ternos, uma qualidade equivalente à dos espaços "a
.o
5
reutilizando-o ou designando novos usos. O novo privados e de espaços internos. Leva em conta as o
-o
urbanismo tenta tanto quanto possível utilizar as dimensões multissensoriais do espaço e elaborn o
o
dinâmicas do mercado para produzir ou conser- não somente o visível, mas também o sonoro, o tátil ·oo.
e
var valores simbólicos da cidade antiga. e o olfativo. O desenho multissensorial das cidades e
~
o
O novo urbanismo aproveita a variedade ar- permite criar ambientes diversificados, mais atra- o
>
entes e mais confortáveis, inclusive pma pessoas o
quitetônica e de Formas urbanas para fabricar e
o
cidades diversificadas, ampliar as possibilidades portadoras de deficiências sensoriais e motoras. o
10.Adaptar a democracia à terceira A governança urbana implica um enriqueci-
revolução urbana mento da democracia representativa, atrnvés de
novos procedimentos deliberativos e consultivos.
Do governo das cidades à governança São necessárias, ao mesmo tempo, a relação mais
metapolitana direta com os cidadãos e as formas democráticas
O urbanismo moderno necessitava de formas de representação na escala das metápoles, que
de governo municipais firmes, decididas e que representa a escala na qual devem ser tomadas
dispusessem de poderes fortes para ser c<1pazes as decisões urbanas estruturantes e estratégicas.
96 ni'io só de impor regras e de Fazê-las cumprir, Esta nivelação da democracia local é um dos ele- 97
mas também de estimular as transformações de mentos-chave do futuro das cidades e, mais am-
maneira espontânea. Essa autoridade apoiava- plamente, das sociedades ocidentais.
se em engrenagens sociais locais de todo tipo: O risco de que a maior autonomia dos indiví-
a escola, a igreja, o comércio local. Esse tipo de duos e a força crescente da economia de mercado
governo urbano esteve assegurado conforme o aumentem as desigualdades sociais existentes ou
país de origem. criem novas é, de fato, muito alto. E a democracia
O neourbanismo enfrenta grupos sociais di- de vizinhança sem a democracia metapolitana não
versificados, indivíduos de múltiplas origens, basta para que os cidadãos tenham consciência de
territórios social e espacialmente heterogêneos,. que seu futuro está interligado. Pelo contrário, o de-
uma viela associativa prolífera, porém, efêmera, bate democrático sobre o futuro e a gestão das metá-
o enfraquecimento dos mediadores locais encar- poles pode contribuir para o desenvolvimento dessa
nados pelos educadores, padres, comerciantes de solidariedade reflexiva, necessária a todas as escalas,
bairro, zeladores etc. Deve apoiar-se nas lógicas da mais local à mais global, dependendo dessas cir-
técnicas e econômicas privadas que diferem mui- cunstâncias o futuro das nossas sociedades.
to profundamente da cultura e lógica de operaçi'io Concluindo, para resumir e qualificar esse
pública. Necessita de novas formas de concep- neourbanismo que se esboça atualmente, ao menos
ção e realização das decisões públicas, permitin- no mundo ocidental, podemos dizer que é:
do consultar e associar habitantes, ~suários, vizi- • um urbanismo de dispositivos: trata-se menos de
nhos, atores, especialistas os mais variados, em fazer planos do que de aplicar dispositivos que os ela-
todo o processo de tomada de decisão. borem, discutam, negociem, que os façam evoluir;
O governo das cidades dá lugar, dessa forma, • um urbanismo reflexivo: a análise já não precede a
a uma governança urbana, que pode ser definida regra e o projeto, mas está presente permanentemen-
como um sistema de dispositivos e de formas de te. O conhecimento e a informação são produzidos
ação que associa às instituições alguns represen- antes, durante e depois da ação. Heciprocamente, o
tantes da sociedade civil, a fim de elaborar e im- projeto torna-se, plenamente, um instrumento de
plementar as políticas e as decisões públicas. conhecimento e de negociação;
• um urbanismo de precaução, que dá lugar às notas / bibliografia
controvérsias e que permite meios de conside-
rar as externalidades e exigências do desenvolvi-
mento sustentável;
• um urbanismo convergente: a concepção e a re-
alização dos projetos resultam da intervenção de
uma multiplicidade de atores com lógicas diferen-
ciadas e combinadas entre si;
98 • um urbanismo reativo, flexível, negociado, em sin- Introdução
tonia com as dinâmicas da sociedade; 1. NT- No caso francês.
• um urbanismo multifacetado, composto de ele- Capitulo 3
mentos híbridos, soluções múltiplas, redundân- 1. O nO'vU urbanismo norte·americano remete a três tipos de práti-
cada cido de giro de um programa. BOUHDIN, Alain. La question locale. Paris, Presses
6. Série recorrente: em que cada termo é uma função dos ter- Universitaires de Fnmce, 2000.
mos imediatamente anteriores. CAi\-lPBELL, Scott; FAINSTEIN, Susan S. (org.). Readiugs
100 7. Feedlmck: regulagem das causas pelos efeitos. Modilicaçiio ili Plm111i11g 11wory. Oxford, Blackwell Publishcrs, 2001. 101
do precedente pelo subsequente. Contrarreilçiio e retroação. fleadillgs i11 Urba11 Theory. Oxford, Blackwell
8, Regras de exigência sào aquelas impostas por alguma disci- Publishers, 2001.
plina, uma submissão numa ordem ou lei. Regras de resultado, CASTELLS, Manuel. La era tle Ia i11fornmció11: economia, so·
que preveem um resultado ótimo, próximo àquele que uma ciedml y criltura. 3 volumes; vol.1: La sociedad red; vol. 2: EI
máquina, um ser vívo ou uma organização pode obter. poder de la idcntidad; voL 3: Fln de milenio. i\ladri, Alianza
9. Substancial: que pertence li substância, à essência, à coisa Editorial, 1998.
em si. Modulado: que permite decompor um programa em mó- CRANG, !'vlike; CRANG, Phil; MAY, Jon. Virtual Geogmplzies.
dulos, em procedimentos, isto é, de maneira a conduzir uma Bmlies, Space mul flefotiom. Londres, Roudedge, 1999.
operação complexa a um resultado final. Um enfoque modula- DECKKER, Thomas (org.). Modem City Revisited. Londres,
do privilegia a maneira de fazer; um enfoque substancial prio- Spon Press, 2001.
riza o resultado. DUPUY, Gabriel. L'urbmúsme des réseaux. Paris, Armand
10. Sinergia: ação coordenada de muitos órgãos, associação de Colin, 1992.
vários fatores que contribuem pura uma determinada ação, de ___. La dépenclm,ce 1mtomobile. Sp11ptô111es, wialyses, diag11ostic,
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