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ANÁLISE DE TEXTO 1
Yan Michalski
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Este texto é uma transcrição do original de Yan Michalski, escrito à máquina (sem ano definido) e
disponibilizado por professores de Teoria Teatral da UNIRIO. A transcrição para texto digitalizado foi feita
para utilização nas aulas de Dramaturgia: Análise do Texto Teatral, componente curricular do curso de
Licenciatura em Teatro do IFF Campos Centro. Os campos onde constam (***) demonstram impossibilidade
de leitura da palavra no texto original. Os campos (*palavra em itálico?), demonstram que o texto sugeria
determinada palavra mencionada, ainda que parcialmente danificada visualmente. Prof. Takna Formaggini
Bolsista Maria Carolina Pinto Moura. Campos dos Goytacazes, Outubro/2016.
Observação: essa versão foi modificada, para melhorar a visibilidade em telas pequenas.
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Temos de partir da premissa que uma peça não é vida, mas arte. Sendo uma
obra de arte, ela é artificial – um objeto fabricando que pode ter semelhança
com vida, mas que não é vida. Isto se aplica até aos textos mais naturalistas,
que mais se parecem a “a vida com ela é”. (Experiência de Stanislavski).
Análise de texto é, portanto, uma espécie de suporte para os sentimentos
que o diretor tem em relação à peça. Enquanto técnica, ela está vinculadas à
ideia de que direção não é um processo inteiramente intuitivo, mas um
processo de criação artística através do qual o diretor leva a matéria-prima –
a peça – das profundezas da intuição para a superfície da consciência. Isto
é, ele se torna consciente das características desta matéria-prima,
interessado que está em achar suas forças e fraquezas, seus pontos altos e
baixos, seus movimentos, ritmos internos, com vistas a uma adequada
realização cênica. Uma adequada análise de texto não garante sucesso,
coisa que não existe, mas pelo menos garante ao diretor uma familiarização
com o material em cima do qual está trabalhando.
DEFINIÇÕES
Vamos dividir o processo de análise de texto em sete áreas básicas:
circunstâncias dadas, diálogo, ação dramática, personagens, ideias,
andamentos, climas. Esta é uma divisão arbitrária, para efeitos de estudo e
discussão; mas teremos de lembrar sempre que nenhuma destas áreas
existe em estado estanque, e que muitas vezes elas se interpenetram de tal
modo que cada uma delas só vai tomar forma à luz do estudo de todas as
outras. Ainda para efeito de discussão, agrupamos estas sete áreas em três
grupos, cada um dos quais ocupará uma aula. Esta esquematização não é
arbitrária, pois circunstâncias dadas e diálogo constituem aquilo que
poderíamos chamar a moldura da peça; a ação dramática e os personagens
são a mola mestra da sua essência dramática; e as ideias, tempos e modos
decorrem, do ponto de vista teatral, da ação dramática.
Cada um destes rótulos representa um conceito. Simplesmente defini-los
não bastas para compreendê-los. Em qualquer trabalho teatral –
interpretação, direção, etc – a atividade criativa não consiste em definir
termos ou debater conceitos, mas em absorvê-los tão inteiramente que eles
se tornem quase espontaneamente reconhecíveis em qualquer texto
imaginável. Cada um deve procurar familiarizar-se com estes conceitos tão
intimamente que eles se tornem parte integrante do processo intuitivo do
nosso pensamento.
Na nossa exposição sobre as sete áreas, cada termo será inicialmente
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definido e a seguir desenvolvido como conceito; mas a compreensão só virá
através da aplicação destes conceitos a toda uma série de peças. O **** será
insuficiente para **** sistemática, mas achei útil fazer acompanhar a
exposição teórica de tentativas de aplicação dos conceitos a pelo menos
uma obra dramática.
Espero que isto seja suficiente para pelo menos dar-lhes uma técnica básica
capaz de ser utilizada por cada um no seu futuro trabalho teatral.
Ao referir-me às duas primeiras áreas, circunstâncias dadas e diálogo, falei
que elas representam a moldura da peça. Uma imagem mais clara seria
talvez a de um edifício, do qual as circunstâncias dadas seriam as
fundações, profundamente cravadas no solo, como se fossem raízes que
prendem a estrutura visível a um embasamento invisível; enquanto diálogo,
sendo justamente o que é mais imediatamente visível, uma espécie de casca
externa, seria a fachada do edifício.
Este tempo refere-se a todo material de uma peça que define o ambiente, ou
seja, o “universo” da peça, dentro do qual a ação se desenrola. Este material
abrange: 1) fatores ambientais: condições específicas, local, época; 2) ação
anterior: informações sobre o que aconteceu antes da ação da peça; 3)
atitudes de polarização: posições adotadas pelos principais personagens em
relação ao ambiente em que vivem.
Há uma tentação natural em procurar as circunstancias dadas nas rubricas,
mas não é esta a melhor fonte de informação. As rubricas correspondem em
geral a uma visualização subjetiva de um possível espetáculo concebida pelo
autor, que pode não coincidir com as futuras opções do diretor.
Às vezes elas não são autoria original do autor, mas descrevem apenas, por
exemplo, o cenário usado na montagem original. Muito mais do que nas
rubricas, é no diálogo que devemos procurar informações sobre as
circunstancias dadas.
Quando a gente se acostuma a analisar peças, percebe que os autores
conscientemente ou não, criam uma espécie de “cenário implícito” através do
diálogo, fornecendo grande variedade de dados sobre o ambiente, sobre
objetos e lugares em que os personagens vivem, sobre o tempo que faz,
sobre o que aconteceu antes do início da peça, sobre os sentimentos
específicos dos personagens em relação ao seu universo. O dramaturgo
precisa transmitir a soma disso tudo à plateia com clareza e exatidão, pois
tudo o que acontece na peça baseia-se nessas circunstancias dadas.
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Os dois primeiros tópicos, fatores ambientais e ação anterior, são muito mais
objetivos e factuais do que o terceiro, atitudes de polarização, que já
depende de uma interpretação de quem está lendo e analisando. Mas é este,
provavelmente, o mais importante dos três. No teatro, fatos contam muito,
mas as atitudes das pessoas em relação a estes fatos costumam contar
mais ainda.
Ação Anterior: É preciso fazer uma nítida distinção entre ação presente –
aquilo que o espectador vê acontecer diante dos seus olhos e ação anterior
– aquilo que nos é dito que aconteceu antes que a ação presente comece.
Todas as peças começam “no meio” dos acontecimentos, assim, as
circunstancias dadas precisam abranger alguma narração de ações prévias,
de modo que a ação presente tenha uma base a partir da qual se vai
desenrolar. Algumas peças dependem muito pouco da ação anterior,
enquanto outras – as de Ibsen, por ex. – pedem muita narração de
acontecimentos do passado. As duas ações, anterior e presente, compõem
aquilo que designamos vagamente como a estória ou o enredo. Mas o diretor
trabalha sempre especificamente com a ação presente, embora muitas
vezes, um de seus grandes presentes seja o de como tornar as necessárias
narrações sobre o passado teatralmente dinâmicas. Nas peças modernas
baseadas em narrações psicológicas, o passado desempenha um papel
importantíssimo na explicação do presente, do mesmo modo como acontece
na psicanálise; ainda assim, a parte vital da peça para o espectador, é a que
mostra o que acontece diretamente diante dos seus olhos.
Precisamos, portanto, aprender a separar os dois tipos de ação. A ação
anterior, embora possa ocupar praticamente todo o primeiro ato e às vezes
mais até ser concluída, determina o ponto em que a ação presente
realmente começa. Uma vez feita essa distinção, ficará mais fácil, tentar
tornar a narração viva no palco, pois por si só ela é chata em comparação
com a ação direta. Um bom autor, porém, sabe facilitar as coisas, dando ao
personagem uma ação presente dentro do processo de narrar a ação
passada; ou seja, arranja as coisas de modo que o próprio ato de narrar
afete de algum modo a ação presente do personagem que estamos vendo.
Assim, o diretor não precisará manejar uma chata exposição, mas trabalhar
em cima de um ato de relembrar o passado dentro da excitação e do
engajamento ativo de uma ação presente que o vincula aos outros
personagens.
A técnica de separar estas duas áreas de ação é simples. Basta sublinhar no
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texto todas as falas que lembram o passado. Um texto de Ibsen vai conter
muitas falas deste tipo, especialmente no primeiro ato, mas também mais
adiante, sobretudo quando novos personagens são introduzidos. Se fizermos
uma lista destas ações anteriores na metade de uma folha de papel, na
ordem na qual elas aparecem, e inscrevermos na outra metade as ações
presentes ligadas às ações anteriores, veremos o relacionamento direto que
existe entre umas e outras.
Uma direção pode tornar o espetáculo dificilmente compreensível,
manejando inadequadamente as ações anteriores: alguns autores as
introduzem de modo tão sutil, que o espectador poderá perder essenciais
pontos de referência, se eles não forem valorizados na encenação. As peças
não falam por si mesmas: elas são ditas por atores e diretores que sabem
claramente sobre o que estão falando. Acrescenta-se a isto a notória
dispersão da percepção do espectador nos primeiros minutos do espetáculo.