Você está na página 1de 39

O Planejamento Territorial, o Estado

e a Amazônia na obra de Bertha


Becker:
Algumas reflexões

Neli Aparecida de Mello-Théry


Hervé Théry 2014

Discentes

Bárbara E. N. Silva

Jacilene C. S. Rego
Este artigo...

Resgata a contribuição de Bertha Becker à evolução do

planejamento territorial, reinterpretando alguns de seus


argumentos, selecionados no âmbito de sua obra sobre a Amazônia.

Fundamentada na geopolítica, o texto analisa essa ação sobre o

território.
Alguns questionamentos
Como a Geografia política pode nos dar

argumentos capazes de entender e contribuir para

esse processo?

Como planejar um território complexo,


desconhecido, em constantes e rápidas
mudanças?

Neli e Hervé Théry, ao fazer a releitura, traz mais alguns

questionamentos:

Quando e porque surgiu essa necessidade de


planejar o território, em um país onde antecipar
nem sempre é entendido como importante?

O que é antecipar no desenvolvimento regional amazônico?


Metodologicamente o que influenciou o pensamento e as

posições críticas de Becker foi a constante necessidade de

compreender os processos ocorrridos na região amazônica,

suas origens e as motivações, explícitas ou implícitas, que os

conduziam e, sobretudo, o papel desta região no mundo

globalizado contemporâneo.
Ab’Saber Bertha Becker

Ambos geógrafos tiveram

paixão pela Amazônia e se

dedicaram a estudá-la, a

compreendê-la.

Analisaram, refletiram, propuseram caminhos

alternativos para a Amazônia, superando a

clássica (e obsoleta) dualidade da

Geografia – física e humana.


Ambos propuseram modelos para a Amazônia baseados em zoneamentos:

Privilegiava o natural, mas ponderava o papel das cidades

propondo metodologicamente uma operação prévia de

Ab’Saber identificação, dos espaços do molde e espaços do

contramolde e classificava a região em células espaciais,

identificando 22 espaços de 2 ª ordem de grandeza;

Identificaram unidades territoriais básicas sobre as quais

transpuseram os conceitos de vulnerabilidade natural e

Becker e potencialidade social. Propuseram ainda quatro grandes

Egler tipologias, segundo o elemento dominante, nos quais

classificaram a região: consolidação, expansão, críticas

(conservação e recuperação) e institucionais.


Zoneamento fisiográfico
e ecológico do espaço
total da Amazônia
Brasileira

Aziz Nacib Ab’Sáber


Bertha Becker
Geógrafa brasileira

Coordenou diversos projetos de pesquisa e

participou da elaboração de políticas públicas

nos Ministérios de Ciência e Tecnologia, da

Integração Nacional e do Meio Ambiente. Tinha

como foco principal de pesquisa a Geografia

Política da Amazônia e do Brasil.

1930 - 2013
Ambos também optaram pelo reconhecimento das realidades locais,

considerando que o trabalho de campo, o contato com pessoas de cada

lugar visitado, a assiduidade em seus universos de estudo e pesquisa

constituíam passos metodológicos mínimos para a observação das

realidades locais, fazendo sobressaí-las por meio das paisagens ou pelo

jogo de interesse dos atores.

Esta presença constante permitiu-lhes descobrir as novidades e


acompanhar passo-a-passo as mudanças e dinâmicas amazônicas.
Estrutura espacial

Organização desequilibrada,
Os Centroperiferia
pressupostos
Tecno(eco)logia
conceituais em
Becker Fronteira

Território
Fronteira
Uma das principais concepções utilizadas para a análise da complexidade
amazônica por Becker.

Movida pelas teorias centro-periferia e de fronteira de povoamento, pois estas


regiões não tinham nenhuma conexão com o centro do país, Becker, convenceu a
instituição onde lecionava (Instituto Rio Branco) da essencialidade do trabalho de
campo para os diplomatas, levando-os a conhecer as fronteiras amazônicas,
totalmente desconectadas do restante do país, nas décadas de 1960-1970.
1970-1990

A Fronteira foi tratada como espaço geográfico, político e especialmente


econômico, como elemento básico para o desenvolvimento nacional, um
desenvolvimento pautado no consumo de recursos naturais e no avanço da
fronteira agrícola. Seus escritos introduzem os argumentos de ocupação
racional.

No século XXI Becker continua a utilizar esse termo, mas seu significado amplia-se,
englobando o ambiente, a diversidade econômica e biológica. Trata-se, atualmente da
fronteira biotecnológica
Aproximando-se do século XXI, sua visão se modifica,
refletindo os requerimentos científicos e políticos
internacionais

BECKER INTEGRA A NOÇÃO


SUA REFLEXÃO SOBRE AS BEM COMO A REVISAR O
DE GESTÃO, ORDENAMENTO
CONSEQUÊNCIAS DO MODELO PAPEL E AS ESTRATÉGIAS DO
DO TERRITÓRIO NACIONAL E
DOMINANTE INSPIRA-A A INTRODUZIR A ESTADO FEDERAL NA REGIÃO
TECNOLOGIA.
QUESTÃO AMBIENTAL, O
DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL E A
NECESSIDADE DE TECNOLOGIA PARA
RESPONDER AOS DESAFIOS DO
DESENVOLVIMENTO NO PAÍS
Na análise da ocupação da Amazônia a autora
procura apontar, dentro da perspectiva histórica, o
legado deste processo, ressaltando tanto os impactos
negativos quanto as potencialidades geradas.

Toma como base as mudanças estruturais regionais


para definir uma periodização dos grandes processos,
desde a formação territorial (1616-1930), o
planejamento regional (1930-1985) ao período atual
como uma fronteira experimental socioambiental e
ecológica, e retoma, assim, o conceito de fronteira.
Becker conclui propondo uma nova escala, como região totalmente
integrada ao país, mas onde ainda são muito presentes os conflitos de
terra, de territorialidade e ambientais.
Para ela, o período marcado pelo planejamento regional é,
essencialmente, consequência das decisões centralizadas do Estado
visando a formação de “um moderno aparelho de Estado e sua crescente
intervenção na economia e no território”.
Políticas públicas e de ocupação
produtiva da Amazônia
A região amazônica passou, assim, a ser vista como um celeiro inesgotável de
recursos naturais, passando, ao mesmo tempo, a ser alvo de várias políticas
que tomaram seu território no sentido de expandir uma economia de fronteira
que culminou em um intenso povoamento tanto de “ordem intencional” ou
“planejada”, quanto de “ordem espontânea”.

“É para a Amazônia que deverão ser redistribuídos os


excedentes demográficos nordestinos, permitindo
simultaneamente aliviar as tensões da periferia deprimida,
conter a migração para o centro, que já mostra sinais de
saturação, criar condições para novos investimentos do
centro e garantir a soberania nacional da área”.
Ainda utilizando os conceitos de fronteira e planejamento
centralizado, Bertha analisa como uma nova fronteira o
Projeto Grande Carajás, ao introduzir exploração industrial
dos recursos minerais na Amazônia oriental, estratégia do
modelo de desenvolvimento brasileiro alicerçado na aliança
entre empresas nacionais e internacionais.
Áreas legalmente
protegidas na região
da Serra dos Carajás

a CVRD – que se cercou de áreas de


proteção ambiental e território
indígena, para se proteger,
afastando-a das pressões dos
migrantes
que se acumulavam na cidade não
planejada, Parauapebas.
Como o tempo na fronteira é mais rápido, este dinamismo promove um
modelo de crescimento urbano, em duas velocidades:

de um lado, a cidade-empresa planejada (company-town),



Carajás, com toda a
infraestrutura instalada – escola, hospital, bancos, hotel – para os engenheiros, técnicos

e gestores da companhia;

de outro, no pé da serra, Parauapebas, uma cidade sem nenhuma infraestrutura, de


migrantes, majoritariamente à procura de empregos ou empregados de empresas

prestadoras de serviço.
Entre 1960 e 2000 a modernização da região teve como sustentáculos a urbanização

da fronteira e a constituição do mercado de trabalho em nível nacional.

A intensa migração inter-regional para a região, nesse contexto de modernização,

contribuiu significativamente para a consolidação de outra fronteira – a urbana - na

Amazônia Oriental, uma vez que, a mobilidade da população trabalhadora tinha nos

núcleos urbanos sua base de organização.

Bertha, junto com outros geógrafos, recoloca em


questão o debate sobre o território juntamente com a
rediscussão do ordenamento.
Quanto ao ordenamento, ela o define como a organização dos elementos de
um conjunto, de acordo com uma relação de ordem, isto é, da disposição (ou
arranjo) conveniente dos meios – segundo certas relações – para se obterem
os fins desejados.

Destaca-se, segundo as teorias clássicas, a localização das


atividades e da população no território, a qual é determinada por
três elementos:
a) o mercado;

b) o Estado (políticas)

c) o transporte (acessibilidade) como elemento essencial deste conjunto.


Lembra a autora que na atualidade, este ultimo componente –

acessibilidade - deve ser ampliado como redes, ou como própria

logística, não a tradicional, mas aquela vinculada aos avanços

tecnológicos.

Assim, defende um novo vetor, o tecno(eco)lógico, que servira


como argumento para a construção de um
novo padrão de desenvolvimento,
Se de um lado, o vetor tecno(eco)logico conquista espaço, um outro vetor, mais
tradicional, o tecno-industrial é reforçado pelo planejamento territorial da União,
respondendo a interesses de outros grupos como empresários, bancos, segmentos
de governos e das Forças Armadas.
O desenvolvimento regional será, então, marcado por pares contraditórios e/ou
ideológicos: competitividade e sustentabilidade; diferenciação espaço-temporal;
valor econômico potencial da floresta.
A Amazônia é a nova fronteira tecno-científica, porém, o complexo verde tem
potencialidade, mas não tem complexo industrial que lhe dê suporte.
O cerne do novo padrão: o meio ambiente e o
planejamento territorial
A década perdida para o planejamento governamental

A lei de 1981 determina a realização do zoneamento ambiental.


Porém, as instituições executoras da politica ambiental dependiam de
um aprofundamento do conceitual e metodológico
quadro e
demandaram apoio às universidades

O zoneamento passa a ser o principal instrumento de planejamento,


de gestão ambiental e territorial

Cerne deste novo padrão é o vetor tecnológico moderno que altera


as relações de poder.
"Vive-se uma nova geopolítica – a ambiental – na qual o meio ambiente

torna-se um elemento-chave e as redes assumem importância entre o

local e o global"

O modelo de desenvolvimento sustentável, à semelhança de outros,

tenta ordenar a desordem global

Não se pode falar em planejar sem falar em Estado

Becker considerava que o cientista não devia ficar em sua “torre de

marfim”: o pesquisador tem que se preocupar e participar da

elaboração da política
Para Becker, não há dilema entre conservação e utilização. Proteção

ambiental apenas não gera riqueza, mas tornou-se componente da

lógica cultural. Por isso, os avanços em planejamento territorial são tão

lentos, tão susceptíveis às pressões, aos interesses e às contradições.


Planejar e ordenar: em qual Estado?
"O Estado não é a única unidade representativa do político nem o
território nacional a única escala de poder..."

Macrozoneamento/Zoneamento ecológico-econômico - década


1990 (Programa Nossa Natureza);

Amazônia como fronteira tecno-científica marcada pelo complexo


verde - Potencialidade vs complexo industrial;

Becker e Egler valorizaram a potencialidade amazônica no


zoneamento (na escala 1:250.000) dos estados que pertencem a
região;

Vulnerabilidade natural e potencialidade social como metodologia


de zoneamento;
Tipologias de unidades territoriais pensadas por Becker e

Egler:

1- áreas produtivas

2- áreas de expansão do potencial produtivo

3- áreas críticas e de recuperação

4- áreas institucionais

Críticas e falhas verificadas no zoneamento regionalizado;

"É preciso desconfiar dos mapas de zoneamento, porque demoram

demais a serem feitos e quando termina já não representam mais a

realidade."
"A floresta permanecerá somente se tiver valor econômico,
com base na ciência, tecnologia, informação, pagamento de

serviços ambientais, produção verde, biotecnologia e não

somente o extrativismo. Para o meio ambiente tem que haver

política, tem que ter Estado: a floresta de transição e aberta

já foi desmatada, mas o core, o heartland está conservado, as

cidades dos rios estão paradas no tempo."


Figura 3. Propostas de macrozoneamento da Amazônia

Fonte: MMA, 2010


O ordenamento é um olhar estratégico da União, a quem cabe
articular as forças e estratégias concorrentes que moldam o
desenvolvimento do país;

Há muito mais ordem do que se supõe no território brasileiro.


Ordem e desordem são duas faces de um mesmo processo;

Uso conflituoso do território;

Conceito de ordenamento territorial (União Europeia) e suas


implicações no Brasil - diferenças sensíveis: a) estados federados e
não estados nacionais; b) alto nível de conflitos socioeconômicos e
políticos; c) território não plenamente integrado e meios
financeiros e institucionais frágeis e d) autonomização das
grandes empresas.
O planejamento deve estar ligado à política, desenvolver
tecnologia e olhar para o território com suas diferenciações,
desigualdades e conflitos

"O Estado tem que ser firme, controlador, atuante no coração


florestal"
A ação planejada do Estado sempre estimulou a repetição do
modelo consumidor
Como seria ele agora em crise, controlador, firme e atuante?
Modificações do novo Código Florestal contém interesses
específicos dos grupos econômicos
Conclusão: os limites da aplicabilidade de um conceito na
Amazônia e no país
Becker e Stenner redesenham a Amazônia marcada pela
importância da tecnologia de cada tempo

Hoje não há articulação das políticas públicas sobre o território, elas


são extremamente fragmentadas. Quem é e como é programada a
malha que molda o território hoje?

Nas políticas públicas o ZEE deveria ser visto como macro


instrumento, como uma maneira de romper com a segmentação de
políticas espaciais.

Há muito mais ordem do que se supõe. São as grandes empresas


que impõe a sua ordem no território
A logística como mecanismo mais integrador que movimenta o

mundo contemporâneo

A logística que conecta e linhas, pontos e áreas,


articula as

constituindo a ossatura do ordenamento do território

Caminhos para o futuro desejado e possível para a Amazônia

(Becker e Stenner):

1. O espaço amazônico como fonte de vida do planeta

2. As cidades das florestas devem organizar a estrutura produtiva da

região

Desafios a superar: a questão fundiária e as desigualdades

O modelo de cidade urbanizada na floresta deve gerar inovações


"O território do futuro tem que comportar as áreas de

preservação, as baixas densidades demográficas, a integração de

projetos logísticos e minerais, os ZEE, as regiões minerais e,

finalmente explorar as áreas já alteradas, tanto as florestas

plantadas, as agroindustriais, as regiões rurais-urbanas ou as

regiões policêntricas."
Obrigada!

Você também pode gostar