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ABSTRACT
This article presents the possibility of strengthening the exercise of democracy and the consequent increase in
the condition of citizenship for workers in enterprises of solidarity economy. Based on the contrast between
solidarity economy and capitalist economy, the second part of this work aims to analyze the characteristic of
solidarity economy as a source of education for workers. The knowledge that is developed from the experience
that puts these workers in the position of builder and operator, developing in them a consciousness of their self-
determination through a democratic and sympathetic way.
Keywords: solidarity economics; self-management; citizenship.
Introdução
Uma confusão possível de se obter à primeira vista é entre a economia solidária e uma
espécie de hibridismo entre capitalismo e pequena produção. Mas ela se define, de acordo
com Singer (2000a, p. 13), como
[...] uma síntese que supera ambos. A unidade típica da economia solidária é a
cooperativa de produção, cujos princípios são: posse coletiva dos meios de produção
pelas pessoas que as utilizam para produzir; gestão democrática da empresa ou por
participação direta (quando o número de cooperados não é demasiado) ou por
representação; repartição da receita líquida entre os cooperados por critérios
aprovados após discussões e negociações entre todos; destinação do excedente anual
(denominado ‘sobras’) também por critérios acertados entre todos os cooperadores.
A cota básica do capital de cada cooperador não é remunerada, somas adicionais
emprestadas à cooperativa proporcionam a menor taxa de juros do mercado [grifos
do autor].
Isso perpassa outra idéia extremamente contrastante com o capitalismo: enquanto este
é totalmente centrado na maximização do lucro – baseado, segundo Singer (2002a), na mais-
valia, na desigualdade hierarquizada entre salários e na relação entre oferta e demanda no
mercado de trabalho – a economia solidária busca maximizar a quantidade e a qualidade de
trabalho, não havendo o lucro, pois na verdade não se reparte sua receita em proporção às
cotas de capital possuídas.
[...] solidariedade não é pura emoção, mas é também uma situação concreta que
alimenta uma dimensão ontológica: como tudo está interconectado, também na vida
social a reciprocidade é irremovível e faz parte da condição humana. [...] é também
atitude, compromisso político e ético com o destino em comum que une a vida neste
planeta. A percepção de que a mundialização é um processo de crescente
interdependência, onde o planeta torna-se um sistema fechado, formado por bens
comuns e indivisíveis, fundamenta o projeto de uma globalização solidária.
(LISBOA, 2003, p. 245)
Sua conceituação é por vezes tida como ambígua e pouco precisa, mais associada
apenas aos processos produtivos estudados pela administração como meio de ampliar ou
integrar sistemas de produção fabril – e não tanto como fenômeno político - conforme ensina
Paulo Peixoto de Albuquerque (2003). O autor o define como um
[...] conjunto de práticas sociais que se caracteriza pela natureza democrática das
tomadas de decisões, que propicia a autonomia do ‘coletivo’. É um [...] poder
compartilhado, que qualifica as relações sociais de cooperação entre pessoas e/ou
grupos, independente do tipo das estruturas organizativas ou das atividades, por
expressarem intencionalmente relações sociais mais horizontais. (p. 20).
Como se pode decidir, se não se dispõe das informações necessárias para se decidir
bem? E como se pode aprender a decidir se a gente está sempre limitada a executar
o que os outros decidiram? Desde que se instaura uma hierarquia de comando, a
coletividade torna-se opaca a si mesma, e introduz-se um enorme desperdício [grifo
do autor].
Coletividades autogeridas são disciplinadas, mas não a partir de uma classe destinada
a comandar. São disciplinadas a partir das deliberações de seus próprios membros.
Além disso, o fato de alguém possuir maiores aptidões técnicas em determinadas áreas
não é sinônimo dessa capacidade de comando: “os ‘dirigentes’ cercam-se de alguns
conselheiros técnicos, recolhem suas opiniões sobre as decisões a tomar e finalmente
‘decidem’. [Mas] se [decidissem realmente] em função de seu ‘saber’ e de sua ‘competência’,
[deveriam ser sábios e competentes] a respeito de tudo” (CASTORIADIS, 1983, p. 218).
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Basta observar-se o fato de que até mesmo entre criminosos organizam-se códigos (tácitos ou expressos) de
conduta para organizar a vivência.
O capitalismo exige que os indivíduos se habituem – ou se eduquem – a lutarem pela
prevalência de seus interesses individuais, vendo o interesse dos outros indivíduos como
antagônicos aos seus, fazendo com que prevaleça a lógica do mercado – ideologia
individualista que traduz os ganhos de uns nas perdas de outrem (SINGER, 2005).
A economia solidária opera de maneira oposta – como seu próprio nome diz, fazendo
com que seja praticada a solidariedade econômica – visando a uma sociedade igualitária,
sustentando que a cooperação torna possível que todos ganhem. Isso se comprova
empiricamente na divisão de tarefas possibilitadora de maior produção com menos esforço do
que a produção isolada – algo que é encontrado na teoria de Adam Smith, que “[...] sustentava
que quanto maior o número de pessoas envolvidas na divisão social do trabalho, tanto maior
seria o fruto dos esforços de todos” (SINGER, 2005, p. 15).
Frente à questão da competitividade, tão arraigada no convívio por conta das práticas e
ideologia capitalistas, nota-se a necessidade de se reeducar as pessoas formadas no seio da
sociedade capitalista para a sua adequação à economia solidária. Isso deve se dar de maneira
coletiva, pois a adoção do comportamento cooperativo apenas por um indivíduo em uma
sociedade competitiva significará seu aniquilamento econômico.
A Economia Solidária é produzida tanto por convicção intelectual como por afeto
pelo próximo, com o qual se coopera. A hipótese aqui é que todos têm inclinação
tanto por competir como por cooperar. Qual dessas inclinações acabará por
predominar vai depender muito da prática mais freqüente, que é induzida pelo
arranjo social em que o sujeito nasce, cresce e vive. (p. 16).
Gustavo Luis Gutierrez (1999) elenca como problema essencial das práticas
autogestionárias a questão da educação, presente desde os primórdios do socialismo e do
anarquismo, tendo sempre sido consensual a necessidade de se educar não apenas com
instrumentos tradicionais (linguagem, raciocínio, conhecimento histórico, etc.), mas também
uma formação coletivista que eduque para a tomada de decisões consensuais em grupo, a
tolerância e a compreensão frente ao diferente, capacidades que se somem à visão estratégica
necessária para sobreviver no capitalismo concorrencial.
Lia Tiriba (2005) afirma que a questão da educação dos trabalhadores tem sido um dos
principais pontos fracos empreendimentos associativos, pois os trabalhadores que se
apropriaram dos meios de produção tiveram pouco tempo de estudos e/ou freqüentaram
estabelecimentos de ensino de baixa qualidade – o que os deixou numa situação em que
possuem os meios para produzir, porém não possuem a ciência (que o sistema capitalista se
negou a oferecer). Assim, a educação para esses trabalhadores deve ser de qualidade, mas
não com destinação ao capitalismo.
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Em decorrência dessa necessidade, o Documento Base da I Conferência Nacional de Economia Solidária
(CONAES) apresenta de maneira expressa como um dos principais fundamentos a educação: “A Economia
Solidária exige uma educação solidária que transforme a mentalidade cultural dominante de competição para a
construção do espírito de cooperação, além do desenvolvimento de uma matriz científica e tecnológica que esteja
comprometida com o desenvolvimento sustentável e solidário”. (SENAES, 2006, p. 21).
Aprende-se o que é autogestão, praticando-a. É um processo que exige vigilância”
(BARCELOS e LECHAT, 2008, p. 100).
Marilena Nakano (1997) afirma que toda forma educação contém posições políticas
em sua estrutura. Isso pode também significar a recíproca da afirmativa: que toda forma
política precisa de uma educação correspondente. O desenvolvimento de uma nova política,
que seja ao mesmo tempo mais democrática, fraterna, solidária (ou seja, inclusiva) e
incentivadora de alternativas para o sentimento de desesperança que as sucessivas crises
econômicas inculcam na psique e na sociabilidade das pessoas – a exemplo da atual crise da
economia norte-americana, em decorrência da qual as mass media exploram a insegurança até
mesmo do mais comum dos sensos comuns – é identificado pela autora como um ponto
positivo extremamente importante das práticas autogestionárias dos empreendimentos
solidários.
Como a economia solidária possui fatores importantes que vão para além do capital –
tais como a importância da dignidade do trabalhador – novas energias sociais se desprendem
do seu exercício, as quais introduzem no mercado uma lógica econômica diferente da
racionalidade baseada unicamente no lucro. A expansão da economia solidária cria assim
condições para que passe a funcionar um mercado mais democrático, pois as práticas
autogestionárias conferem maior autonomia às categorias antes subordinadas pelo
capitalismo, fortalecendo-se assim o poder social.
Ao dotar seus atores do poder de autogerirem não apenas a empresa, mas também
outros fatores de sua vida, visto que o conhecimento construído a partir do próprio trabalhador
é útil também fora da empresa, pois valores como a solidariedade e a cooperação tornam-se
parte também do cotidiano fora da empresa, sendo valores condizentes muito mais com a
vivência do que com a simples operacionalização do trabalho. Isso aproxima o trabalhador da
responsabilidade para com o seu próprio destino, munindo-o da capacidade de identificar
quais são as melhores escolhas e do poder de veto daquilo que possa vir a prejudicá-lo. Essa
capacitação do trabalhador corresponde intimamente ao fortalecimento de sua condição de
cidadão, visto que a cidadania também pode ser compreendida como a liberdade individual
em acessar o espaço público e condições dignas de vida, conforme ensina Darcísio Corrêa
(2006).
Considerações finais
A primeira dessas idéias é o caráter socialista das noções que embasam teoricamente a
economia solidária. Deve-se entender esse caráter socialista como uma posição política
centralizada diretamente no trabalhador e direcionada para o trabalhador como pessoa tida
como digna justamente pelo fato de construir a sociedade através de seu esforço pessoal. Isso
faz com que os cânones da hierarquia e da competição apregoados como irrefutáveis pelo
capitalismo hegemônico se desvaneçam através da conscientização de que o desenvolvimento
de melhores condições de vida para o trabalhador é possível a partir de sua própria ação.
Finalmente, a terceira idéia que aqui pode ser ressaltada é que esse conhecimento
necessário, desenvolvido a partir da experiência do trabalhador o coloca na privilegiada
posição de construtor e operador. O sucesso da aplicação desse conhecimento pode fazer com
que surja no trabalhador oprimido e subordinado (quando não excluído) a consciência de que
é realmente capaz de construir democrática e solidariamente sua própria vida e o espaço ao
redor de si, o que nada mais é do que a cidadania em sua mais profunda acepção.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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Revista de ciências sociais, Porto Alegre, ano 2, no. 1, p. 123-140, jun. 2002.
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“terceiro setor” In Civitas, Revista de ciências sociais, Porto Alegre, ano 2, no. 1, p. 81-96,
jun. 2002.
TIRIBA, Lia. Trabalho, educação e autogestão: desafios frente à crise do emprego. Trabalho
Necessário, ano 3, no. 3. Rio de Janeiro: UFF, 2005.
Francieli Formentini
Bacharel em Direito, especialista em Direito Processual Civil e mestranda do Programa de
pós-graduação stricto sensu (mestrado) em Desenvolvimento pela UNIJUÍ – Universidade
Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul. Email:
francieli.formentini@yahoo.com.br