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A EXPANSÃO ISLÂMICA

Índice
Introdução

Bibliografia
CEM 96-98 — História Militar

2 © Nuno Rocha
A expansão Islâmica

INTRODUÇÃO

Será muito difícil tentar perceber a extraordinária conquista islâmica


que se seguiu à morte do profeta Maomé, sem percebermos como nasce o
próprio islamismo e as motivações que lhe estiveram subjacentes. Será
também muito importante perceber, não só o ritmo espantoso das
conquistas, mas também o porquê da longevidade dessas mesmas
conquistas e da tão marcante culturização dos povos e das regiões sob o
domínio muçulmano.

A natureza sintética deste trabalho irá limitar a profundidade da


abordagem daqueles assuntos e delimitar, também, o período da expansão
em análise. Esta irá confinar-se aos Séc. VII e VIII. Se bem que limitada, dará
uma ideia precisa da vastidão e da influência que o islamismo teve no
mundo conhecido de então não sendo difícil, por isso, entender a influência
que continua a ter nos dias de hoje.

Antecedentes
A Arábia pré-islâmica
Situemo-nos no Séc. VI D.C. e focalizemos a nossa atenção nas
regiões mediterrâneas e nas regiões do Médio Oriente. Verificamos a
hegemonia de dois grandes impérios: o império bizantino (ver figura 1, em
anexo “cerca de 565: o império Bizantino herdeiro do império
romano”), ou império romano do oriente, e o império persa. Curiosamente,
qualquer destes impérios tinha associada uma religião monoteísta.
Constantinopla tinha adoptado uma estado de cariz cristão e, na Pérsia, a
dinastia Sassânida orientava a organização do império pela religião
monoteísta profetizada pelo profeta Zaratrusta, apesar de, por volta do ano
510, ter assumido a chefia do império um príncipe —Dhu Nuwas —
convertido ao judaísmo. Esta situação, causadora de várias perseguições às
comunidades cristãs, viria a ser ultrapassada no final do século quando
subiu ao poder de novo um imperador seguidor da religião anunciada por
Zaratrusta.
Estes dois impérios travaram grandes batalhas pela disputa da
hegemonia da Ásia Menor e Médio Oriente. Nomeadamente, no período
temporal que nos interessa, o império Persa iniciou, em 602, uma longa
guerra contra o império bizantino tendo, em 616, conquistado quase toda a
parte sudoeste da Ásia Menor e o Egipto. Contudo, estas conquistas foram
paradas pelo imperador bizantino Heraclius que, entre 622 e 627, forçou os
persas a retirarem para as suas fronteiras originais.
No sul da península arábica, o Iémen era controlado pelo império
persa.

Neste período, na Arábia central era cruzada pelas caravanas que


faziam o comércio entre o Iémen e a Síria. Os povos árabes que aí
habitavam eram fundamentalmente constituídos por tribos nómadas, os

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beduínos, que faziam um género de vida pastoril, baseado na criação do


dromedário. Dada a frequente escassez de alimentos, tinham interiorizado
um método de resolver aquela situação que consistia em recorrer à razia,
prática nada desonrosa para os padrões morais da época.
A organização social dos beduínos assentava nos clãs — grupos de
tendas — e nas famílias. O clã era dirigido por um xeque, decano, que
governava apoiado por um conselho composto pelos chefes das famílias. A
estrutura social era apoiada num ideal moral feito de coragem, resistência,
dignidade, sentido de honra e hospitalidade.

Apesar dos beduínos parecerem não ligar muita importância às


questões religiosas, eram fundamentalmente animistas. Acreditavam que a
terra era povoada por espíritos invisíveis que importava não contrariar e
adoravam vários deuses, alguns dos quais eram objectos. A estes deuses
consagravam santuários que constituíam áreas sagradas, onde qualquer
indivíduo poderia encontrar asilo.

A cidade de Meca
A cidade de Meca terá sido fundada por volta do ano 400 por uma
tribo de beduínos, os coraixitas, que aí se sedentarizaram. Localizava-se
num grande oásis rico em água, no meio do deserto, e era ponto de
passagem obrigatório por todas as caravanas que faziam o comércio entre o
Norte e o Sul e entre a Índia e o Mediterrâneo.
Existia naquele local e era idolatrada a Caaba, um cubo de alvenaria
com uma pedra negra incrustada, cuja construção, mais tarde, se fez
remontar a Abraão — pedra essa que não passa de um meteorito, conforme
conclusões de modernos estudos científicos levados a cabo. Todos os anos
ali decorria uma peregrinação e a cidade rapidamente se transformou numa
importante plataforma comercial e religiosa. Este rápido aumento da
riqueza dos seus habitantes veio trazer o individualismo, o mercantilismo e
o aumento das injustiças, acabando com um dos principais valores dos
beduínos: a solidariedade.

O nascimento do Islão
Maomé
Cerca do ano 570 nasce Muhammad Ibu ‘Abdallah filho, Maomé. O
seu pai era mercador e terá morrido antes do seu nascimento. De origem
coraixita, pertencia ao clã de Hachim, o mais respeitado da tribo, mas não o
mais rico. Como era costume fazer naquele tempo com os órfãos, ele foi
entregue a uma ama de leite de uma tribo nómada do deserto.
Aos seis anos, depois de já ter perdido a mãe e o avô, foi recolhido
pelo tio Abu Talib, chefe da tribo e comerciante caravaneiro que ia
frequentemente à Síria em negócios, que Maomé passou a integrar desde
adolescente, onde terá tido contactos com judeus e cristãos.
Anos mais tarde, entra ao serviço de Kadija, uma comerciante de
Meca viúva e rica, afim de lhe tratar dos negócios. Impressionada pela sua
honestidade e pela sua perspicácia, propõe casamento a Maomé por altura
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dos 25 anos deste. Até aos 40 anos Maomé torna-se um comerciante


próspero e viajado e é conhecido entre os seus pelo “digno de confiança”.
Durante este período, e cada vez com mais frequência, retira-se para o
monte Hira, sobranceiro a Meca, em retiro espiritual.

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O início da pregação
A pregação tem início cerca de 610 quando Maomé atesta ter sido
interpelado pelo Anjo Gabriel que lhe teria revelado que ele era o enviado
de Deus. Foi fortemente apoiado pela mulher Kadija e pelos amigos.
As primeiras revelações apoiam-se na unicidade de Deus, na
denúncia dos ídolos, na condenação das injustiças provocadas pelos luxos e
riquezas afirmando que os actos pecaminosos cometidos pelos dirigentes
mequenses seriam punidos no Juízo Final. As reacções da comunidade
mequense à sua pregação foram divergentes: enquanto os desfavorecidos
encontraram nas suas palavras uma grande atracção, pelo contrário, as
classes dirigentes movem-lhe feroz oposição, sentindo-se ameaçadas quer
no plano económico quer no plano religioso. Contudo, Maomé pôde resitir
apoiado pelo seu clã, enquanto Abu Talib, seu tio e seu seguidor, fosse o
chefe.

A Hégira
Precisamente em 619 morrem os dois maiores apoiantes da sua
causa: o seu tio e a sua mulher. Confrontado com uma oposição cada vez
mais intensa e com a falta de apoio do seu clã, cuja chefia tinha entretanto
sido assumida por um seu opositor, Abu Lahab, Maomé, na sequência de
diversas querelas, vê-se obrigado a fugir para Yatrib com 70 discípulos, em
622, acontecimento esse que ficou conhecido como a separação ou o êxodo
(hijra ou Hégira), e cuja data assinala o início da contagem da era islâmica.
Yatrib passará a chamar-se Madinat na Nabi (cidade do profeta) ou,
simplesmente, Medina.
Nesta cidade Maomé propõe-se organizar a comunidade dos seus
emigrados e encetar a luta contra Meca, na certeza de que as vitórias sobre
Meca lhe cimentariam a posição em Medina.

A conquista de Meca
A conquista de Meca terá começado com diversas razias destinadas a
proporcionar os meios e abastecimentos necessários quer aos próprios
emigrados quer ao empreendimento de acções mais vastas. Estas pilhagens
eram efectuadas sobre as caravanas dos comerciantes que se dirigiam de e
para Meca.
A guerra aberta tem início depois do assassínio de um mequense e
assinalam-se os três episódios de maior significado: em Badr (624) triunfo
para os medinenses; Uhud (625), desforra mequense e, por último, o cerco
infrutuoso de Medina pelos mequenses em 626. Em resultado destas
batalhas a posição de Maomé em Medina fortalece-se, criando-lhe condições
para a passagem à ofensiva.
No início de 630, Maomé decide forçar a entrada em Meca. Não se
lhe depara forte resistência; os chefes coraixitas submetem-se ao profeta,
assim como um vasto número de outros clãs e a vida árabe passa a estar
centrada na cidade de Medina.
Precisamente em Medina, tornada capital do emergente império,
Maomé empreende a sua reforma social. Recupera os antigos valores dos
beduínos e estabelece uma “justiça” temporal humana.

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A morte do profeta e o problema da sucessão


A morte de Maomé, em Junho de 632, acontece numa altura em que
o Islão começa a tornar-se numa religião universal. Pouco antes da sua
morte, Maomé, já senhor de Meca, lança um ataque contra a Síria que,
apesar de não ter sido bem sucedido, lança o mote das conquistas.
Maomé não deixa filhos homens e também não estabelece regras
para a sua sucessão. A crise resultante quase deita a perder a unidade
anteriormente estabelecida. Surgem várias disputas entre mequenses e
medinenses, entre “familiares” e a aristrocracia coraixita.

O início da expansão
Os califas
O problema foi ultrapassado pela nomeação do seu braço-direiro
como califa. Califa significa, precisamente, em árabe, sucessor. Este
primeiro foi Abu Becre (632-634), também seu sogro por ser pai de Aixa,
uma das esposas preferidas do profeta — que casara depois da morte da
sua primeira mulher. Capaz de fazer face a várias revoltas através da força
e da diplomacia, conseguiu restabelecer a unidade da península antes de
morrer.

O segundo califa, Omar ibn Khattab (634-644), designado por Abu


Becre antes da sua morte, era também um fiel amigo do profeta. Foi
responsável pela condução das conquistas triunfais sobre os bizantinos e os
persas. Viu nessas conquistas uma possibilidade de aumentar o seu poder
sobre os xeques vizinhos. Os combatentes foram beduínos e estas conquista
inicial teve um carácter militar e político, em nada diferindo das anteriores
tentativas de expansão dos árabes em períodos anteriores ao islamismo. A
juntar àquela dupla característica, não se deverá excluir a atracção
económica do crescente fértil. A iniciativa das conquistas parece ter vindo,
aliás, das tribos localizadas junto à fronteira e não do poder central de
Medina. Omar ter-se-à limitado a dar a seu acordo àquele impulso guerreiro.
Ctesifonte, capital dos sassânidas, é tomada em 634, Damasco em
635 e Jerusalém em 638. Em 642 é tomado o Egipto. A batalha que se
reveste de maior significado é a batalha de Qadisiyya, nas margens do
Eufrates, que se mostra decisiva para o domínio da capital da Pérsia.
Estas fáceis vitórias, apesar de não terem uma explicação fácil,
poderão sê-lo pela rapidez que era imposta ao ataque, pela diferença de
mobilidade, uma vez que os combatentes árabes se apresentavam no
campo de batalha montados em cavalos, e pela situação enfraquecida em
que se encontravam os dois impérios, resultado das lutas que travaram
entre si ao longo de 40 anos (590-630).

O califa seguinte, Osmão (644-656), outro velho companheiro do


profeta, dá seguimento à política de conquistas. O Norte de África vai
submergindo às conquistas muçulmanas que se prolongarão até Barka, na
Líbia. As lutas contra Bizâncio continuam e é criada a primeira frota árabe.

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O califado de Osmão termina numa disputa com os membros da


família do profeta, designadamente a sua viúva Aixa e o seu genro Ali, que
tem como desfecho o assassinato do califa.

Assume o califado Ali (656-660). Entretanto Mo’awiya, o chefe do clã


dos Omíades ao qual pertencia Osmão, reclama vingança e declara Ali
cúmplice dos assassinos. Depois de eliminar a oposição dos partidários de
Aixa, na batalha do Camelo, Ali apoiou-se no Iraque para preparar a luta
contra Mo’awiya.
Devido às querelas internas do islamismo, a expansão verifica um
interregno que durará todo o califado de Ali.

O cisma
A destituição de Mo’awiya do cargo de governador de Damasco
desencadeia as hostilidades. O confronto tem lugar no ano 657, em Siffin, à
beira do Eufrates. Após vários dias de combates, e em face da derrota
iminente das suas tropas, Mo’awiya faz uma jogada decisiva: faz pendurar
folhas do Corão na ponta das lanças dos seus soldados e pede a suspensão
daquela guerra fraticida e a intervenção de árbitros. Ali comete o erro de
aceitar a arbitragem, o que suscitou a debandada de parte dos seus
partidários, os carijitas (“os que saem”), que consideraram inadmissível
confiar o juízo a homens. A arbitragem não é favorável a Ali em virtude da
sua implicação no homicídio de Osmão. Mo’awiya é aclamado califa pelas
suas tropas (658) mas só é realmente proclamado califa em 660 quando Ali
é assassinado por um dos carijitas, aos quais ele tinha movido uma
perseguição impiedosa.
Com a ascensão de Mo’awiya ao califado inicia-se a dinastia Omíada
e o retomar das conquistas.
Figuras 2 e 3, em anexo.

Os três maiores grupos do Islão


Xiitas
São os partidários (chi’a — partido) iniciais de Ali, que defendem que
o califado deve permanecer na família do profeta. O califa deveria ser não
um qualquer chefe executivo mas um líder carismático apontado por Alá,
dentre os membros da casa de Ali. Como Ali tinha tornado Kufa, no Iraque, a
sua capital, é neste país, no Irão, no Pauistão e no sul do Líbano que esta
seita tem maior expressão.

Sunitas
Os sunitas, por oposição aos xiitas e aos carijitas, definem-se como a
ortodoxia do Islão. São os partidários do Corão e da Suna — o testemunho
de vida do profeta e dos seus companheiros. Os sunitas adoptam uma
postura de maior abertura às influências externas e aceitam a situação
histórica tal como ela se impõe. Representam cerca de 80% dos
muçulmanos.

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Carijitas
Os carijitas, anteriormente referidos, não tardaram a assumir-se
como os purificadores do Islão, adeptos de uma moral rígida, condenadora
de todos os luxos. Para eles a fé não tem o mínimo valor se não for
justificada pelas obras. Defendem que o califado deverá ser entregue ao
melhor muçulmano, independentemente da sua origem, e exigem que tal
seja feito através da via eleitoral. Porém, o califa deixa de o ser quando o
seu comportamento deixa de ser exemplar.
Este grupo tem uma expressão reduzida.

Consequências da expansão islâmica


Os muçulmanos sempre revelaram uma grande tolerância para com
os povos das regiões conquistadas. Tentam ser o menos possível o
estrangeiro, o intruso. Passam a dominar as rotas comerciais do
Mediterrâneo ao Extremo Oriente. No plano religioso, os povos conquistados
vão adoptando o Islão progressivamente, umas vezes por convicção outras
por interesse.
A necessidade de ensinar o Corão e a Suna desde os primeiros
tempos, cria um clima propício à aprendizagem, com o consequente
desenvolvimento de escolas e universidades. A extensão do império permite
a confrontação das culturas grega, persa e indiana possibilitando a
enriquecedora fusão das mesmas numa cultura árabe.
Como consequência de maior significado, refere-se a arabização do
império e a propagação dessa mesma cultura. Esta arabização irá trazer
importantes alterações da vida social, da estruturação da sociedade urbana,
do conhecimento científico, da filosofia e das matemáticas, das artes e do
direito civil.

Conclusões
O nascimento do islamismo surge como forma de unir os árabes sob
uma bandeira contra os impérios monoteístas que os circundavam. A
admiração de Maomé pela moral dos cristãos e dos judeus e a sua crença
nas escrituras do Antigo Testamento condiciona fortemente os fundamentos
do islamismo.
O dever de espalhar a religião preconizado no Corão (guerra santa —
jihad) e as recompensas que Alá dará aos seus combatentes (mujahidin),
aliado às motivações económicas, políticas e militares são o motor da
expansão.
A falta de definição da forma de sucessão, quando da morte do
profeta, vem criar as raízes do cisma e das dissidências internas dos
muçulmanos.
Os brilhantes resultados militares, se bem que fortemente
justificados pela conjuntura do período das primeiras conquistas, poderá
atribuir-se à nova forma como as forças combatentes são empregues no

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campo de batalha: dispersão, mobilidade e poder de choque proporcionado


pelo uso generalizado do cavalo, característica herdada dos beduínos.
A forte marca cultural e religiosa deixada pelo império justifica-se
pela atitude tolerante dos conquistadores para com os povos submetidos e
pela postura assimiladora das culturas estrangeiras.

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A expansão Islâmica

Bibliografia
AAVV — História Universal, O Mundo Islâmico Séc VII - XV, Vol III, Publicações
ALFA

AAVV — Microsoft Encarta 97 Encyclopedia

Burlot. Joseph — A Civilização Islâmica: Col Forum da História, Publicações


Europa-América, Lisboa, 1990

Vidal-Naquet, Pierre e Bertin, Jaques — Atlas Histórico, Da Pré-História aos


Nossos Dias, Círculo de Leitores, 1992

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