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~

PRATlCAS, RllVAJS E R!JGRAS DE DISPUTA


NO TEMPO DA POLITICA EM SOBRAL
Nilson Almino de Freitas·

Em Sobral, cidad_e localizada a 225 km da capital cearense, Fortale-


za, como acontece, vta de regra, en1 vários municípios, não só do interior
do Estado do Ceará, mas tambétn em boa parte do Brasil, nas eleições,
seja para candidatos proporcionais, seja para majoritários, o que se pre-
sencia não é utna disputa entre partidos políticos ideologicamente bem
definidos como quer a democracia moderna. É muito comum a disputa
eleitoral polarizar-se entre facções ancoradas, na maioria dos casos, em
indivíduos pertencentes a famílias tradicionais, que se articulam de acor-
do com interesses conjunturais para dominar o poder político institucional.
O jogo classificatótio de reconhecimento social dos candidatos
majoritários mobilizado nas eleições municipais de Sobral em 1996,
reeditado no pleito de 2000, resultando em duas vitórias consecutivas
do candidato Cid Gomes, foi orientado no sentido de instituir uma
marca de diferenciação em relação às facções políticas concorrentes.
Observando o tempo que n1arca as eleições de 1996 e 2000, respec-
tivamente, percebe-se, nestes dois momentos específicos, um maior
acirramento desta diferenciação, intercalados por u1n período de
"calmaria" iniciado logo após o resultado das eleições de 1996 e fina-
lizado no início da campanha de 2000. Palmeira ( 1996) chan1a a aten-
ção para o fato de que, em pesquisas realizadas nos estados de
Pernambuco e Rio Grande do Sul, há um acirran1ento das disputas
entre facções políticas em um período específico de tempo, nomeado
~or estas populações, de "época da política", "tempo da política" ou
Simplesmente, "política". Essa "categoria nativa" tan1bém faz pat1e do
vocabulário da população de Sobral.
* Prot
Soc·e~so~ de Antropologia da Uni versidacle Estadua l Vale do Acaraú e doutorando em
10
ogta pela Universidade Federal do Ceará.

211
. ·- -- ·- - ·--
N~te "tempo", as facções apresentam-se de fom1a a estabelecer um
co~~o aberto ~tranho.a<? ~mpo, q~e não coincide com 0 periodo eleitoral
propn~ente dito. f\s di vt~~rem, nãoseapresenumu>Qm!!nte em for-
ma de _9.iscurso,
-. · -- -;~ -·---;------ mas ---- -;--·. ----na·--forma
------trunbém · de
·--.ocup'lça- >·· . ·= .,.,._,__
. . .___ " _____0__d__~ ~~~~ço~rattcas
ntudJ~Existe o bar, a fannacta ou an1a ''pertencente'' a uma facça-0 e-o-tr
1ug~ cL:_~a'?,lo - - , (. u os
qu~ ~ opoe ael~: E como se houvesse urna descontinuidade
entre ~l1tica e cotidian?..A poltua:n1arca um ~I?po singular distinto, como
se surg~sse um novo cotidiano. Porem, um cotidiano ~n~~_falar de divisão
discursar sobre as diferenças entre um e outro candidato, assim e"Om~
elaborar estratégias discursivas para desautorizar, desacreditar_ou
d~abonéu· o opositor na disputa política, toma-se li.nguagem autqrjzad~.
Nas eleições de 1996 e de 2000 em Sobral podemos visualizar bem as
peculiaridades do "ten1po da política". No primeiro pleito, três candidatos
estavam na disputa: Cid Gomes, candidato da coligação PSDBIPTIPSB!
PC do B, o candidato Marcos Prado do PFL e Cândida Figueiredo da
coligação PPB/PMDB. O PSB, logo depois da posse do prefeito eleito
Cid Gomes, rompe com a coligação e, no pleito de 2000, aparece como
oposição sem candidato majoritário. A candidata Cândida Figueiredo,
esposa de Tomaz Figueiredo, prefeito em fmal de mandato, na época, em
Santa Quitéria, município de médio porte da região, tinha como compa-
nheiro de chapa o padre José Linhares, deputado estadual, na época, e
bastante conhecido pelo seu trabalho junto à Santa Casa, hospital de refe-
rência na região. Já o candidato Marcos Prado, também conhecido por
"chocolate", tinha como vice, na chapa, o seu pai e ex-prefeito, José Pra-
do, político muito popular na Cidade, reconhecido como "Zé do Povo".
Marcos Prado teve uma pequena votação nas eleições de 1996,
mas volta a ser candidato em 2000, sendo o único concorrente de Cid
Gomes (PPSIPTIPC do B) que havia mudado de partido passando
para o PPS. Em 2000, apesar de Marcos Prado ter conseguido em
tomo de 35 % de votos, chegou a preocupar o candidato vitorioso
Cid Gomes que, segundo o que se comentava nos bastidores d~ cam-
panha, tinha a pretensão de ser quase unanimidade entre os ele.tt?r~s.
A cidade, tanto em 1996 quanto em 2CXX>, foi, de forma singulm·, divtdida
em territórios, o que não é particular só em Sobral. Palmeira ( 1996) observa
que nas regiões em que trabalhou percebeu, também, nest: " temP?"~ uma
nova geografia da circulação e do uso dos espaços. Apos as eletçoes, 0
espaço urbano parece voltar "ao que era antes". Nas eleições de 1996 e
na de 2000 em Sobral era comum que as pessoas falassem que o me~ca­
0
do central, por exemplo, "fechav a" com o "Chocolate" (Marcos Pra ).

212
-~------.---· ,
Jáno''B
_ . ecco do Cotovelo" 1, as apostas erazn constantes e o assunto
nao podena se~ outro: a ''política''. Este local tradicionalmente disputa-
do pelos candtdatos I · '·
,.. em qua quer ttpo de pletto, configura-se como o
tennometro da crunpanha. Quando os conflitos beiram a violência ou até
cheganl a ela de fato,_ esquentando o "termômetro", verifica-se que a
camp~nha se ~arac:te~za por uma disputa ainda indefinida. Já quando o
"tennometro_ esta f?-o, sendo o espaço tranqüilamente ocupado por
uma das facç~s, venfica-~e a força e a facilidade com que o candidato
vai ven,~er a disputa. Pore_m,,seg~ndo contam os freqüentadores do
"Becco , essa segunda opçao e mutto rara. São comuns histórias conta-
das por pessoas que freqüentam assiduamente o lugar relatando casos
de violentos atos cometidos por ca11didatos ou aliados políticos contra
adversários. Btigas eram comuns nos pleitos de 1996 e 2000 entre
apoiadores dos candidatos tendo e1n vista dominar o espaço.
Esta disputa não se restringia ao "Becco", apesar de ser mais visível
neste lugar. Cada esquina, cada rua e cada casa eram disputadas
acúradamente pelos candidatos. As pessoas que cotidianamente ocupam
estes lugares pareciam não só pretender escolher representantes, mas aderir
a uma determinada facção, fazendo do seu lugar, o lugar também do can-
didato. Isso era sugerido não só pelo que falam sobre a adesão, mas tam-
bém pelas marcas que deixam no espaço como cartazes, faixas, adesivos,
dentre outros objetos de propaganda. A cidade passa, neste período espe-
cífico, por uma mudança visual intensa e contraditótia. Ao mesmo tempo
em que a disputa eleitoral n1ovimenta a cidade, encontram-se ainda pesso-
as totalmente céticas diante do pleito. Portanto, os discursos variavam
entre "todo político é corrupto" e "candidato fulano é sério e competente".
Guebel ( 1996) observa que, no cotidiano da campanha eleitoral de
uma pequena cidade do interior, as pessoas do lugar geralmente assoei-
ama política a algo exterior a elas. Neste sentido, o candidato, apesar
de ser do lugar, é sempre visto como de fora. As escolhas sempre são
pautadas em um desejo de "não ter nada a ver com a política" apesar da
ades~o e até da ação en1 can1panha em prol do escolhido. Em Sobral,
nas disputas por espaço, percebe-se esta dualidade entre distanciamento
e adesão.
l.
0
nome dado ao luoar d OIS ~ tende a caracterizá-lo como trad JCJOna
· ces, . · 1 na CI'd ade ,
Pois em tempos pae . d• com ·
no presente o ··s ssa . os
, a palavra
. era escrita desta forma, preservando-se
. esta escnta
outro es · . ecco expenmenta em seu cotidiano uma autonomia que nenhum
define o·s~aço
rumos d0 1 . possui,
da Cidade , tendo até, em sua pequena extensão, um ..prefeito" que
a Püpulação d· . ugar. E uma ruela com pouco mais de 100 mecros que representa, para
a Cidade, o ·•coração" de Sobral. Cf. Freiras, 2000.

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Não só lugares ou pontos referenciais no espaço urbano eram dispu-
tados pelos candidatos e "cabos eleitorais", mas tan1bém longos percur-
sos de um lugar a outro. A disputa pelo percurso, nas eleições de 1996,
. foi rigorosamente transformada em rito e reeditada, com menor vigor
em 2000. Os candidatos denominavam este ritual de "arrastão". O iníci~
era marcado por um grande comício insistentemente divulgado. Ao falar,
os candidatos majotitários e proporcionais convocavam o público que
assistia para promover um grande "arrastão" com o objetivo de levar
aqueles que ali não estavam para participar de um outro comício
pretensamente apoteótico, geralmente com un1locutor profissional e uma
banda de música que tocaria após o comício, em outro ponto da cidade.
No "anastão", a conutiva ou "comissão de frente" era geralmente for-
mada pelo candidato majotitário, na maioria das vezes carregado nos
ombros ou en1 un1a posição acima do chão para tornar-se visíveF. Mais
atrás, vinha a multidão intercalada por candidatos proporcionais, cada um
em sua "ala", com carros de som tocando tanto a música do candidato
majoritário como a sua. A confusão de sons e de pessoas era tanta que
chamava a atenção do povo ali reunido. Percebia-se que várias pessoas
esperavam, na esquina, a passagem da passeata e se juntavam a ela após
sua passagem. Em outro ponto da cidade, um outro palco, geralmente
maior, estava a espera da multidão. Em 1996, somente Cândida
Figueiredo não praticava este ritual, talvez pelo fato de ser mulher, e não
ser bem visto, socialmente, o ato de ser carregada nos braços de robus-
tos homens como faziam os outros dois candidatos do sexo masculino.
Nos arrastões da facção de Cid Gomes, nas eleições de 1996, seu
irmão Ciro ocupava o mesmo espaço privilegiado sendo carregado nos
ombros, como se também estivesse postulando ao cargo de prefeito da
cidade. A participação de Ciro nas eleições de 2000 foi menos intensa,
talvez pelo excesso de confiança da facção de Cid na vitória fácil. Vale a
pena também len1brar que nos comícios da eleição de 1996, o orador
ql!~renciiª mª~s atenção da platéia era Ciro e não o. imlão_can~
Isto ficou muito ciaro-no-ultimo coinício da campanha quando o pesqui-
sadQr, no_m~_Qjl'!_gn!!~q}!g)__p~rcebeu UITI- grl!nde.silên~
fala.de. CirD-e-uma certa dispersão no pronu~çj'!tp~n~~ ~_e_Cid.
2. Em um dos "arrastões". promovidos pelo candidato Cid Gomes. ele foi visto na ''comis-
são de frente" montado em um jumento.
3. O pre~tígio do irmão deve-se ao fato de seu sucesso político. Passou por cargos como 0 ,de
Prefeito da capital (Fortaleza). Governador do Estado do Ceará e Ministro da Fazenda. Alem
disso. o do~_ínio da oratória favorece seu desempenho no palanque, sempre tomando como
tema, questoes que geralmente atingem diretamente a emoção do público que o escuta.

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A pretensão,,. no
. exercício
. dcsrc tiJ>o uc
,, ntuaJ
· <.f< Y.') a ~
QTandes cornJCIOS porpa11c dos cundí<f·t• . · rrcJsh~s, as.~x:iados
ac d c tOS nu CUfllJ>' f .
..,., trar a força • os postulantes c confianc"t <Jt.J . an 1a clcuoraJ, era
, •• 05 , • y-< c o c 1c rt or d . ·
crrande quantidade de puhlrco presente tanto ll . ~ ~f~>S.Jiava neles.
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os cornrcros c .
.... ~asUJeS , unpressron,tv,l e rcfo1çava a argurncru· .;· 1, . , orno nos
ó"- . ... • • • .. • . '
&1! .~. •·
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dtvers ~o~.. lugares d H Cl(
· Ia d e pc Ia l >usca da adesãop·tra
_
açao < as f>CSSO'ts
' · a· C'anuJt
,·•. · · ' ern
1atura Um
llJX>nentcs dos m:gurnentos para adcsao era que reahncntc a• • ,,
dosCOr .f " ;- d O JX>VO
stá con1 o candJ< ato ~ que:: nc~o se po .e perder o voto" escolhendo
e Je n:uece que nao v<u gculh<u: Neste momento, este tipo de el ·t
'.1/lUC1cqt ,r- . d ;- d . CJ .or
"'1 . ~ Jtir-se en1 utnJogo on e nao po e perder. Ou seJa, sua escolha
n:u-ece se• nenl sempre e,. por convtcçao
t,_.
· - ou cetteza d e que um determina- · '
neste caso, tetn o melh or ,,proJe
" ndidato . to " ou " prog_rafl!a'' para ~Je, mas sim,
doca ele postulante ao cargo pode ser o v1tonoso. Alem da quanti-
~que aqu ,. . e rurastoes,-
po ssoas envolvidas nos cormctos os resultados das
dade d.e. pede opinião, semana1mente realizadas, estun · u1 ama op1n1ao
· .,.., da-
~squtsas se preocupam em votar , 'naque1e que vai· g anhar''.
r-~
fTI ~eles que d d
'1~-0utro tipo de adesão, 9~e pode ~~r expressa ~s e a maru estaçao pura
'fc -
. Jes do voto até àpratica de militante, Palmerra ( 1996) lembra aquela
esmlp
mais recorrente nas ' areas
,. analisadas por e1~: o da ''leald
,.., _, a.de ''. P~o autor, o
perlil de eleitor mais procurado pelos candtdatos naoe o mdeciso, mas ode
"voto múltiplo" o~:~ pessoas.envolvidas .em.f_onflito$, capazes de justificar
mudanças de lado e que podem influenciar outros que, economicamen-
te~ dependem deles ou ~stão afetivamente presos por determinado tipo
de lealdade. Neste caso, que também acontece em Sobral~ a adesão
passa a ser uma busca para estabelecer uma rede de compromissos
prutilhados P?r pessoas influenciadas, tanto por princíp.ios morais Oealda-
de, C?mprorrusso, reputação), quanto por pressupostos pragmáticos (for-
talectmento de sua posição social ou status com relação aos que convi·-
vemcomele no seu d'Ia-a- d'Ia, favorecnnento · econômico dentre out-ros)
Comoexemplod d - ' u~ .
pode-se destacar o e~ edsao construída, pautada em princípios morais
..
no COtidiano da cam
. apoioh dado pe1a frarrua·, ~
Ia, que esteve sempre presente'
2000 pan a e todo, d"d ..
e ). Pode-se in c lu. .s os can I atos nos dois pleitos ( 1996
sangue" ( . . Ir, neste tipo de apo · d d ,,.
" Pats, nmãos tios et ) -- c IO, es e os parentes de
Parentes ' c. ate os deno · d
com f P?rconsideração" ( mina os por Marcelin (1999)
a anu11a ami . agregados que mor h ,. ·
lá com rei - g?s mais próxinlos denw ai? a multo tempo
Pode~se cit açao a adesão pautad' e outros tipos de "parente")
/Poioaocan~i~omo exemplo, o deaeem pre~s_upostos pragmáticos.
ato como capaz de 1he~f:~sanos_ que consideram ~
orecet econo .
. micamente ,
ou o caso da pessoa que se acha em posição prestigiosa por conside-
r~ s~•.perior o can~id~to que apóia, t~sando dest~ sup~rioridade como
arttficJo para constttutr um status socta1 que constdera Influente. Todos
os ~·ês candida!~s n1aj?ritários em 1_996, assim como os dois de 2000,
aceitavam e ate Jncenttvavarn este ttpo de adesão.
Em alguns casos, cotno con1utnente alguns candidatos indicam, a adesão
pode tambén1 acontecer quando o apoiador acredita em detenninada~ pro-
posições "ideológicas'' (no sentido de concePÇ<1o de política genlltnente base-
ada em preceitos defendid~s por partidos de .e.squerda). No caso de
Sobral, a adesão por este mot~ vo ~e~ ~om qu~ rruhtantes da esquerda nas
eleições de 1996 fi~assem meio divididos, po1s al~uns concordavam com
a coligação com Cid Gomes, achando que o proJeto partidário não seria
prejudicado, e outros não, alegando o histórico do candidato e de seu
partido como apoiador da facção política à qual faziam oposição, no âm-
bito estadual, representada por Tasso Jereissati que, na época, era Gover-
nador. Nas eleições de 2000, o candidato Cid Gomes já havia passado para
wn partido que seus membros, principalmente ele e seu irmão Ciro Gomes,
consideravam como de "centro esquerda": o PPS. Apesar disso, alguns
membros do PT ainda estavam melindrados com a coligação reeditada.
A adesão do tipo de eleitor de "voto múltiplo", tanto a pautada em
princípios morais, quanto a pragmática ou a ideológica, favorece a
formação de uma rede de con1promissos partilhados em prol do can-
didato. Esta adesão, assim como na maioria dos outros tipos de com-
promisso partilhados com o candidato, não é comparável a uma entra-
da em um partido ou qualquer outro tipo de associação, apesar de
haver casos em que se configura neste sentido. A rede de adesões
formada aproxima-se mais da idéia do quase-grupo elaborada por
Mayer (1987). Segundo o autor, existe no grupo uma interação espe-
rada e acordada socialmente entre seus n1embros, na qual não existe,
necessariamente, um "chefe" como referência central e integradora. O
grupo manifesta uma maior segurança com relação à unifonni?ad~ e
continuidade. A própria chefia, quando há, nem sempre é vitalícia. Ja 0
quase-grupo depende de um indivíduo como foco organizador central.
Em geral, neste tipo de interação, as ações indi viduais dos que aderem
~
a, 1acçao,
,., so, sao
,., va Ionzadas
. . .
quando dtrectona das a, pessoa central na/
facção. O crédito das ações, com outros membros do quase-g~po, ~
minimizado. Como inspira Mayer ( 1987), a interação é forma at psoa
·
um conJunto-de-ação inserido em conexões sociais · · pertencen edo
campos de sociabilidade distintos formando redes, sempre toman
como referência central um ·
ma facção fica b a pessoa. Esta rede, que se configura como
u ' ~~ ~1ara no período eleitoral, não só em Sobral,
mas em oedutros muructptos brasileiros e até em outros países4
Esta li e, que se forma no "tempo d . . . ,, . . . . •. • •
·d d d nfl.1 a po1Itlca , e típica da facção. Ela
forma um . a es e ~o . . . to c~m outras facções, tendo um líder baseado
em determinados pnnctpios unificadores e ocasiona· p · . . ·
no caso das duas eleições municipais analisadas emts. Sonbnctlpto! e:bestes que,
· · difu ' ra, sao mge-
néricos, conJuntural~ e . sos, passando tanto pela necessidade de mudar
0 uso do poder publico, quanto pela defesa do que . . .. · d
.d d ,s O artid I" . e propno a
"so~ral I a e -· s P os P_0 I~cos, ~este aspecto, têm pouca impor-
tância, ou no caso_de Sobral, ~ao dtssolvtdos_nos princípios_que un._em os
mem?ros da fac~?º ~P?- funçao__~e um no~e. A prova disso é que apesar
do acm·ado coilflito ~~tre as ~acçoes no.venooo eleitoral, após as eleições
pouco apar~ ~a rmdia escnta ou tele~t~ada ações dos partidos que com-
põem a cohgaçao mon.tad~ para administrar a cidade. Na imprensa, por
exemplo, é comum at:nbu1r a secretários municipais ou, como acontece
na maioria dos casos, ao prefeito, o métito pela realização de projetos
provenientes do poder público. As. .facções que apareceram no período
eleitoral como concorrentes tambem desaparecem, fazendo com que,
aparentemente, a facção política vitoriosa seja a única existente.
Como já dito, no intervalo entre as eleições de 1996 e 2000, o desa-
parecimento de uma oposição ao governo Cid Gomes, fez com que mem-
bros de sua facção idealizassem uma vitória tranqüila no pleito de 2000.
Como também já foi dito, essa idéia parecia ser tão forte que, o fato do
candidato Marcos Prado ter alcançado em to1110 de 35% das intenções
de voto nas pesquisas realizadas antes do final do pleito de 2000, chegou
a assustar membros da facção de Cid Gomes, pois era inesperada esta
votação para o candidato concorrente. Porém, após as eleições de 2000,
novamente a idéia de posições diferentes desaparecem e aparece a ima-
gemdoadministrador''neutro'' e ''imparcial'' que pensa no ''bemcomum''.
Percebe-se, na época de campanha, que as pessoas pouco s~bem
~obr~ os partidos c?mponente~ da aliança que apóia_cada cand!~ato,
ffiUI~o menos as dtferenças existentes entre eles, a nao ser os nuhtan-
~s filiados às siglas parti dálias, alguns candidatos proporcionais em
disputa nos pleitos, e alguns membros da intelectualidade e elite local,
4 0
Próprio M · ·
·
5. O te ayer aphca esta estrutura conceitual para anahsar o caso da I'nd 1a.
"
rmo
rnídia locrefere -se a uma reflexão construída socialmente e d1fund1
· · · 1m e 11te na
"d a. pnnc1pa .
rnorai ai e e~tadual. sobre a idealização de princípios e características comportamema•s.
se emoc . , .
•onats, t1p1cas do ser sobralense. Cf. Freitas, 2000.
_,,_ /í, q~e constituem a minoria dos eleitores. A adesão a um candidato c
d1to antes, na maior parte dos casos acontece em f - d ' ~mo
~_,.._:J J - .
to e nao,do- parttdo ou
.
proJeto
' unçao o candtda-
político mais amplo. A disputa esempre
"'
Com reI açao , .
a posst vets nomes a concorrer.
Estes nomes, como chan1a atenção Chaves ( 1996) sempre os il
d or" e "boapessoa". A buscaésemprepelc amen-
fi ueo ''bom adtntntstra
f-..,

. d d ,
. .
. , . I -
bno ten e~ ?a VItot~,a aque e qu~ conseguir ser "boa pessoa" e també
H
o
.,
equtü-
i
' I
I bom adnuntstrador . Neste sentido o voto passa a ser buscado com rn
adesão pautada no cotnpromisso e na lealdade entre eleitor e cand?duma
-
R e 1açoes pessoats,· d en tre outros cntenos · , . como "formaç- 1 ato
,;
pertencimento a uma_"fanu1ia tradicional", poder econômico, dentrao eou-_'
tros quase sempre sao tomadas como pressuposto para a escolha d
candida~o a aderir, n1esm~ nas convenções partidárias. $comum 0 ele~
tor refenr-se sem~re a ~zade, ao_fav?r e~ I?Oss~~-~~ade~~ réêÕmpe~a
pessoal que o candidato vru lhe proporcionar ao ser eleito. Aliás, coriíiela-
ção a amizade, ela é até anterior e pressupõe que o pleiteante ao cargo
público ganhe o voto do eleitor. Algumas pessoas geralmente sentem orgu-
lho quando um candidato visita a sua casa, favorecendo-as, com relação
aos vizinhos e amigos, por meio de uma imagem de pod~r e referência.
Em Sobral isso era muito comum entre todos os candidatos nos
pleitos de 1996 e 2000. Era prestigioso, para algumas famílias, ter
como "amigo" o "grande político" pertencente a uma "grande família",
como era o caso dos três candidatos majoritários em 1996 e os dois
de 2000, assim como causava encantamento para as pessoas ter como
visita pessoas tão "influentes". O conteúdo das qualificações, dadas
aos candidatos, é, quase sempre, impreciso e pouco claro com rela-
ção ao significado, mas era extremamente significativo para o eleitor
que utilizava sua suposta amizade com os candidatos como artifício
para seduzir, encantar e fascinar seus ouvintes.
Nesse aspecto encontra-se uma ambigüidade própria da dinâmica e!ei-
toral. Ela, por um lado, favorece um sentimento de igualdade entre eleitor
e candidato, e, ao mesmo tempo cria uma hierarquia social, pois, conlo
muito bem analisa Chaves ( 1996), a posição que o político ocupa, qt~ando
amigo de uma determinada pessoa, lhe dá um status especial.~ hie:;
quia também se estabelece entre aquele que "doa" e aquele que r~e t ~
0
Porém, a relação que se estabelece, não se limita a ser uma soma. anl .to-
. tre outros e ei
eleitor fonna uma rede de relações de con1pronussos en . ,., dida-
res no sentido de beneficiar com votos e recursos para eleiç~o ~anficados
0
' , . . d d d tos di versl 1
to, como o propno candtdato forma uma re e e a ep

218
~----------------~-----------~~;-;~
,-,. ,~
, tca'-
1 ---
com distintas posi - . .
t çoes SOCJats utilizand " .
avor, dentre outros, como instrum' o a amtzade", o compromisso e o
·
Alguns e1e1tores entram nessa reei entos para sebenefitctar
. d. . ·
.
eleitoralmente.
d o candidato,,, b eneficiando-se de e In
alg
tretamente
~ ...
se d " .
· n o amtgo do amigo
- d "nfl "" . .
çao e 1 uenc1a na hierarquia social dec urna J.Orma e oc . d
upan o uma posi-
adesão estabelecidas no período eleitoral~rrente das redes de relações de
Os azrastões associados a comícios mais fre ··
1996 do que no pleito de 2000 em Sobral reforqç~emntestn~ds ~-leiçõ~s de I.
!I
, . - ,. ' es a t eta da boa L

pessoa , po1s, nos arrastoes, o poliuco é carregado nos ''braços d o povo"


apesar de haver um mon1ento de ruptura ao subir no palanq·ue. Essarup-'
tura acontece porque. no a1to do
_ palanque o político parece ocupar uma
posição proemmente com re1açao aos demais. Ali ele vira autoridade junta-
n1ente com outras "autoridades" constituintes do leque de relaçÕes da
rede que constitui a facção, ocupando o lugar cenu·al na hierarquia
estabelecida no quase-grupo. No alto, ressalta seu compromisso assu-
mido "face-a-face" no chão, a caminho do palanque, de onde, agora,
sorri para cada "aliado", bate no ombro e reconhece cada pessoa pelo
nome. Neste local proeminente, que é o palanque, toda uma estrutura é
montada para mexer com a emoção dos que ali se encontr~, geral-
mente aqueles que já se decidiram pela adesão ao candidato. E um ritual
de "excitação" coletiva, fortalecendo o compromisso do eleitor com o
candidato. As conseqüências do comício vão além do aglomerado de
pessoas que o assistem. É também uma demonstração de força do candi-
dato, que utiliza todos os recursos possíveis para alcançar esta imagem de
grande adesão para os eleitores em geral, tentando diferenciar-se dos ou-
tros candidatos, principalmente daquele que mais lhe ameaça.

O "PALANQUE" COMO LUGAR DE DIFERENCIAÇÃO,


CLASSIFICAÇÃO E RECONHECIMENTO SOCIAL

. ~os palanques, montados para os comícios nas campanhas muni-


~;P~Is de 1996 e 2000, em Sobral, a disputa pelo reconhecimento dos
foi
enores e a tenta t.Iva d e dtferenctação
. . , outras 1acçoes,
com relação as .f:, -

so ~arf:ca~a por alguns códigos de classificação recorrentes. O discur-


acçao de c·d1 G . .
sentava- ornes, vencedora nos dots ple1tos, auto-repre-
· , · e propostas "modernas '', 1·dentl"fi1-
cando osse como tend o pnnctptos
aadmini~~:~~~andid~tos pela herança de um tipode política, ligada
das de prátic~s antenores e apoiada por elas, as quais eram acusa-
recorrentes de clientelismo e discursos populistas. Os

219
.
' a r s • 'MO mm•• , . .
• •'lllts ftHtt#'ifi±':i§iii§ijfãtiiiiíí9iii·W
i .. 5

oposttores dos dois pleitos no d.


dos ao "atraso", ao vício el~'t _Iscurso ~o vencedor, eram associa-
Em 1996, segundo o ue ~i~~=Iro, ao ch~ntelismo e à cormpção.
me..<;, as práticas de clienteÍismo e pon;,~~~:d~datos ?~facção de <;id Go-
grupo oposto, motivaram e desencadearam s os ~Itico:' que apo!av~ o
wn ''troca-troca" de prefeitos na administra' -egun ~o dtscurso vttonoso,
administração de Ricard B ... çao antenor. Isso aconteceu na
- . . o arreto, empossada em 1992 Esta d . .
çao foi denunciada pelos opositores por práticas de co.1 _a ~~tstra-
mento desta denúncia passou por todas as instâncias d T~bpçaalo. J.ulga-
A d .. .. . o n un Eleitoral
~ontece 9ue, ca a vez que sma o mento desfavorável ao titul d Pv ·
feitura, o VI~ Aldenor Façanha Júnior, que na época rompeu co~t e-
Barreto e ahou-se a facção
.
dos "Ferreira Gomes" (PSDB) , aSSUirua. .carNdo
o
momento em que o ti~ar recorria a instâncias superiores, retomava 0
cargo ocupado pelo VIce. Este movimento foi representado transfi _
· d · , or
mado em nto e enomtnado pela população local de "troca-troca" d
prefeitos. O "troca-troca" esvaziou os cofres públicos, sendo isso moti~
v o de acusações múltiplas entre Vice-prefeito e Prefeito.
O "troca-troca" gerou um ritual característico de pos~e, marcado
por uma incessante queima de fogos de artifícios. A queima dos fogos
representava a troca do titular da Prefeitura. Este ritual e, ao mesmo
tempo, confusão administrativa, durou até poucos meses antes do final
do mandato, em 1996, quando finalmente o vice-prefeito, Aldenor
Façanha Júnior, assumiu o cargo.
Todo este movimento reforçou o discurso de Cid Gomes, que asso-
ciava as outras candidaturas adversárias à "vergonha" que originou o
"troca-troca". Ou seja, os outros eram "atrasados" e levavam Sobral ao
declínio do ponto de vista político, administrativo, cultural e econômico.
Além disso, a candidatura Cândida/Padre Zé Linhares, que mais ame-
açou Cid Gomes em 1996, sofâa a crítica, na campanha dos "Ferreira
Gomes", dentre outras, de que a cabeça de chapa não era sob:ale_nse. Isto
desencadeou um processo de reação da parte do grupo attngtdo~ que
elaborou um discurso ressaltando sua indignação, curiosarnente, nao ao
candidato Cid Gomes, mas a seu irmão, acusando-o de negligência c~n
1

n:Iação a Sobral quando ocupava a pasta do Mi~ist_ério da Fazenda.~~:


dtsso, ressaltava o lugar ocupado pelo Padre Zé Ltnhares no rol dos _
róis" sobralenses vivo~: Ou seja, o discurso ~?s can~dat~~ de sua fa::,
era de que ele era o legttlmo representante da sobralidade pelo trab
como diretor, da Santa Casa de Misericórdia de Sobral. Soma~a-: a
este fato a memória, associada a Dom José Tupinambá da Frota, hga a

2?.0
este espaço 0 que d
.
Nos dtscursos ' enotava um ..
da carn a positt vidade n . .
tação que qualifi Panha, era comum a candidatura proposta
I cava 0 p d , a construç- d ·
Mas, por outro lado f: a re Zé como a "mem , . a~ e uma represen-
político na adminisu:a~ã~toge ~r vice, cargo que~?~~v: de I?<_>m J~sé".
ria viva de Dom José" - P_ bhca, fez com que o peso I . Parttctpaçao do
,. . nao Influenciasse . , e ettor~ll da "memó-
Dom Jose foi o primeiro b. muno na sua votação
tentemente citado em notíciasisp~ de Sobral (1916/1953) e ho; , . .
. d na Imprensa 1 ai Je e tnsts-
ctda .b e como
. d
o grande ''herót.'' s b ai
o r ense pel ,, b oc· e estadual que falam da
contn utn o para a construção d . a no reza" de seus feitos
mentais para a cidade, dentre eles e ~quipamentos sociais hoje funda~
época das eleições de 1996 era ge~e a~~~Casa de Misericórdia, que à
O candidato Marcos Prado const.ndctada ~'ehlo Pa.dre José Linhares.
. · ' era o erdei " 1' ·
pru que, em 1996, era vice em sua chapa além d r?. po It.Ico de seu
fechadas contra o irmão do candidato Cid G as cndtlcas drretas ?es-
, · de sentar.-se com populares em m
pe1a. pratica ornes, destaca-se rundá
b---- ·------
i ,, . . . esas e ar, tentaiifo
Projetar
- -se
· como . prox1mo ao povo"
. · "'tomar cach.a·ça-" com
-· outras
-- ·
pessoas, configura-se como um ntual recorrente do Cffi!didato, fa.Zêndo
com que se tome extremamente popular-em:·deterinínadas reoiões da
cidaqe freqüentada pela população mais pobre, reforçandnaldéia da
"boa pessoa" do "chocolate". Nas eleições de 2000, em que foi o único
concorrente de Cid Gomes, reeditou esta prática e a reforçava, eviden-
ciando a diferença que seria seu governo com relação a seu rival que,
segundo ele, se trancava em seu gabinete e mal recebia o "povo".
Já o candidato Cid Gomes, apresentava-se, nos dois pleitos, como
expressão da legítima "sobralidade", recorrendo para tanto à memória I ;
I ~
de seu pai -José Euclides Ferreira Gomes- que morrera meses antes '
'
;

da campanha de 1996. Somava-se, a esta representação do tradicional, 1

I
(

II
I

o fato de o candidato apresentar-se como expressão da "modernidade". '


~
'
I
~
As lembranças das ações de seu irmão, Ciro Gomes, eram exaltadas
com freqüência, tentando-se se1npre rebater as acusações ?os outros
candidatos. Este candidato utilizava-se de dois recursos atrativos ~,ara 0
eleitor tentando apresentar-se como u1na "boa pessoa" e como um bom
administrador''
Nas eleiçõe.s municipais de 1996 em Sobral, a esquerda (PT .e 0 PC
do B, assim como o PSB em um primeiro momento), optou pelo di~ursal?
da''modenuctade"
· '
apontado pela candidatura dos "Ferrerra · G0 mes " ' "
1-
ando-se 1 ,. , od . oltar ao atraso
dos,,. a e es, com o argumento de que nao se p ena v e si urna
Barretos" e dos "Prados". Este argumento guarda, dentro d '
~ o .. • • • .. ...
- - -- -----·· ···

. . d· de prestíuio alcançado por Sobnu

I emsuahtstona
. al
. - da. déta da retotna ,\
forte generahzaçao 1
tadual
rcgton· , es ,
.
e ate
.
. , . recente de nqueza e
nacton,t '
..., .

la
... b'
de poderio p<>\ít.i co e soc1al no am 1to
, , ,· . 1 oqueascandiuaturasconcorrentestor-
" c- • t-
.t .osas E.c;;ta aliança tatnbétn 101 · 1nna< nas e ct-
imposstvel se vt on . . , B) ,
l .
l .
nanam .. ceção do apoio do PS , porem, neste p Clt.O,
ções ~~ ?00 ~~~i~;to 111ajoritário jú havia mi~rado para o P~S.
2
con10}a,~ttod, ,, etotnada'' do utriunfo" que a culadc já ex.penmcntou
0

_ A, tdeta.... e1 rr às formulações dos a , . . I d o can d'tuato


1auos .1 c·td, apesar
naoe parttcU a '... d' d 1
de ser mais forte e r~corrente etn set~s d~sd:~ursos, . c p~ ~nque. Nos
dois leitos aqui anahsados, todos os can 1 ,\tos ffidJOntános ressalta-
p e este "triunfo", já vivido por Sobral, encontrava-se em declín1·0
vamqu . 1 d .
A idéia, inlplícita no dtscurs~, era aque a e ~e retomar o vigor e a
força que Sobr~u. tinha no âmbtto esta~ua},· A dts~ut~ entre eles era de
quetn era 0 leg1ttmo representante desta retomada , e a candidatur
Cid Gomes era a que filais investia nesta busca. a
A aliança en~·e os ''Ferreira Gomes'~ e. os p~idos d~ esquerda caracte-
riza-se por um discurso em que a memona de um tempo_de "triunfo" te
que, necessariamente, ser reiterada no presente associada a elementos
cos dos ':e~s m~emos". P~'~sso, é importante ~ar-se um"sentimen-
tí;
to de solidariedade baseada em mteresses comuns , construindo-se uma
homogeneidade essencial entre a candidatura Cid Gomes e a esquerda
Porém, esta homogeneidade de interesses não se apresenta de fonna muito
pre~is~ ?o discu1~so do candidato~ Alé~ disso, se comparada às disputas
partldanas, em mvel estadual e até nacional, parece contraditória.
Buscando ser o legítimo representante da retomada do crescimento
e modernização de Sobral, Ciro Gomes, quando discursava no palan-
que nas eleições de 1996, em favor de seu irmão, além das lembranças
de sucesso de sua experiência em cargos públicos, o que ele transferia
como prerrogativa também de Cid, e das lembranças de seu pai como
administrador, utilizava como recurso discursivo frases que exaltavam a
força e virilidade do "sangue" que perco1Te em suas veias. Ser "macho",
"não ter medo de cara feia", "ter peito" para encarar a adversidade,
eram anunciados constantemente como características fundamentais de
um bom candidato, e Cid Gomes era citado como exemplar.
Neste sentido Abreu Filho6 (1982), ao analisar as relações farnil~ares
como sistema de parentesco em uma pequena cidade mineira, cons1dera
que o "sangue" é um instrumento de identificação e diferenciação das
A cidade analisada pela pesquisa do autor é Araxá, cuja população é estimad~ em ~0~ de
0
6.
sessenta e cinco mil habitantes na década de oitenta, quando a pesquisa fm realrz.a a.

222
·- - - - - - - - - - - - - - - - - - ....r:

~~1ias e, conseqüentemente de ti ific - . I


tdeta abre a possibilidade de p aç~o dos mdivíduos. Para ele essa
. . · .
hi erruquta de fanu1tas. As pes se pensar a hi · . ' I
, - erarquta SOCial a partir de uma
. , . soas sao reconh .d .
gund o o cnteno da consangu·· · ·d d . ecJ as e Identificadas se- . I
Iru a e assim
aco.Iid o com a ordenação hieráv . d' ' · como se pensa a cidade de
~
D es ta 10nna, segundo o autoquica,, as fanu1ias . I
. . r, o sanoue" n di
uma Identidade, configura-se como d fi ~ ' 0 s~urso construtor de I
ligadas à constituição do corpo de ~ni ?r e transmissor de qualidades
' e Instintos e d d I
comportamental, qualidades estas pe t d a co~ uta moral e
indivíduo passa a ser parte de uma totalfcte ~a as de geraçao a geração. O I
0 como pessoa, explicando-o e localizandaoe quehi~ trans~nde, definindo-
- . -o na erarquia construíd I
contexto das reI açoes sociais. Esta totalidad a no
. · - e, representada pelo san-
oue, estab e1ece d Istinçoes entre faffi11ias constru· d ,, · I
~::> , ' In o uma natureza"
especifica , .
para cada, uma delas. Isto é ' a cada +<:lrrufl· ~ - ·b 'd
hu.tu Ia Sao atn UI OS I
caractensticas especificas, de acordo com a conduta mo 1
d. - ,.. . ra, o compor-
ta~en~~' a con Içao econo~ca e o destaque em ·campos específicos de I

so:ciabil!~de_ (':.orno a .e?u~açao, a arte, a ~!ítica e outros), constituindo 0 I


rmto da tradiçao familiar , baseada em tipificações que têm a pretensão
de influenciar a constituição da individualidade de cada membro da família. I
A "tradição familiar" dos Ferreira Gomes era, portanto, contrapos- I
ta, o tempo todo, à tradição da família "Prado" ou à dos "Barreto",
I
tanto nas eleições de 1996, como na de 2000. Toda esta estratégia
discursiva mobiliza valores fundamentais para boa parte da população I
local que ainda toma como parâmetro, para identificação da persona- I
lidade, o "sangue" que corre nas veias do c~ndidato.
Além da condição familiar, percebe-se, como já dito, em conver- I

sas com os eleitores em Sobral, que a lealdade e amizade são geral- I I

mente anunciadas como motivos fundamentais para adesão. O favor


I
também é um componente importante para a escolha do eleitor, ape-
sar de um movimento contrário de alguns candidatos a vereador pelos I
partidos de esquerda. É comum, no discurso destes defensores da I
l~galidade eleitoral, afirmar a condição de enganado que o eleitor está
VIvendo ao aderir a uma facção por favores que lhe prestam. I
Observou-se, nas eleições de 1996, na calada da noite, e UJ? pouco I

menos no pleito de 2000, aglomerados de pessoas nas esqut~as das


I
ruas, dentre elas algumas até com colchões nas calçadas servindo de
. I
encosto para o corpo cansado pela espera de candidatos que prom_ete-
~arn desde tijolos para construção, até gêneros alimentícios para s~ctar a I
ome. Quando perguntadas o que faziam àquelas altas horas da notte nas
I
,
l
l

ruas, alguns respondiam estar esperando qualquer candidato passar res


tmdo favores, apesar de dizer a cada u1n que seria fiel em se p --
b · "~ ,
rece ena 1avores de outro. Neste sentido ~ ' · · u votoenao
. _
ban al1zaçao . · . , parece ocorrer uma
do favor, tanto por parte do candtdato qu·--nto p . d
popu1açao oca , levando esta ulttnla a usar táticas de sobre v· " · a
- 1 1 , . , " or parte
.f:: , d .d d . d . . tvcncJaem
1ace a, a verst a e cna a pela cnse financeira
. ' sendo "espert. os" para
.supera-la . momentaneamente.
. _ A classificação
b de "enganado" toma _se
Imprectsa, po1s, neste caso, nao se sa e quem está enganando qu
Os laços estabelecidos entre os membros da rede de apoio a u;~· _
.d
d1 ato, apresen~, portanto, m~t1·~açoes - an
tanto de â~bito prático e pes-
soal, como cole ti vo, fo1mal e orgruuco. Todas estas dunensões se mistu-
ram de tal fo1n1a que, e1n alguns casos, não fica muito preciso o que influencia
mais. No caso de Sobral, a conduta pessoal do candidato era constante-
mente vasculhada e tornada pública caso algum fato descoberto denegris-
se a imagem do postulante ao poder público do ponto de vista moral. Em
muitos casos, as denúncias feitas, em princípio, em nada podiam afetar 0
futuro desempenho político ou administrativo do candidato. Um exemplo
disto foi a denúncia da duvidosa opção sexual de um dos candidatos con-
correntes nos pleitos de 1996 e 2000. A história pessoal do candidato
servia tanto para anunciar denúncias que visavam a denegrir sua imagem
como, por outro lado, serviam para favorecê-lo, dependendo da interpre-
tação, da posição de quem fala e do conteúdo do que era falado.

A IDÉIA DA "SOBRALIDADE TRIUNFANTE" E O


DISCURSO VENCEDOR NA "POLÍTICA"

Além do investimento na imagem pessoal, que refqrça a idéia da


"boa pessoa", a pretensão, ptincipalmente da candidatura Cid Go-
mes, como já dito aqui, era a de apresentar para o eleitor um perfil
também de ''bom administrador''. A formação profissional, a condição
de juventude, espírito empreendedor, eram anunciados como prerro-
gatí va do candidato vencedor caracterizando-o como "moderno" en-
quanto·os outros eram "atrasados e arcaicos". A disputa posta na c~­
panha era pelo "consenso" de que sua postura era a mais correta, P015
era o legítimo representante da "sobralidade". . e
Neste processo de construção do consenso sobre esta un1dad
("sobralidade") é que se constrói a idéia do "triunfo", que, inscrito,~o p~­
sado, deve ser retomado no presente, segundo a facção que apota Ct ·
Neste a~pecto, as ações da facção de Cid Gomes são bem coerentes,

pots esta id ,. - • = ~~ · ··
eta nao se resfrin . ,
rante todo 0 seu m d g1u a campanh .
a cidade emjomai:n a~o, aparecendo con:teiettorai, mas reverberou du-
tos d e propaganda an ' reVIstas e tel . antemente e , .
. evtsão além d m notíctas sobre
. . unctand . ' e ser perc b ·d
SOCI~s. Nos COmícios ú . o PIUJetos e inau ra - e I a~m panile-
sentlmento de perten p bbcos para os mais dfve ~~s de equ1pamentos
cessária. A "sobralid dça e~a recorrentemente afi rs?s fins esta versão do
. ,. a e tnunfante" . Innada como ce I
Esta Ideta tende a afirmar VIrou categoria nativa .d rta e ne- I
. a
d enorruna e sustenta a " 1 ------ encarnaçã d ·.a·~ c1 ade. I
que
. . . . a ma col ro ·-···-Je uma ,tc!!__ma traann~'-
:=-;-~n ~
~p;..,--d,~~~ I
I
Identidade dos Indivíduos. A p·0--1 --·: -- ~ !.~a í, que Vtsa à integrá- ;- - - , I
I
, anzaçao em çao e a I
I
puta, como e o caso de uma cam anh . momentos de acirrada dis- I

so d e I·dent1·fitcaçao - e classificaçã P
d 0a eleitoral 'e, adotada como recur- I
I
I

faz pmte da ética e da identidade c~l t.s e1ementa~ de aceitação do que


I
I
I

sempre aparecem em forma de antie Iv a : A polanzaça- o e c1asstficação


. I
. I
I

moderno, sagrado/profano moral/i:mt~: tnunfo/fracasso, atrasado/


I
I
I

"alma coletiva" serve tanto ~orno ·d <?fira ' nosso/dos outros etc. Esta
I
I
I
I ent.I tcador portant0 1 .fi I
senão também como elemento d · _ ~ ~ c ass1 tcador, I
~ Integraçao, nao no sentido totalizador
I
I
I
do teimo. . Para Barbu
. (1978) ' a Identidade na- 0 tem o pod er Integrador
· . I
I
e totahzador.em st mesma. Ela tem a lóo-ica ~
da t1·p1·c1·dad~ffiO~~~
t d · I
I
I

I
achar o carmnho em um contexto de encruzilhada tensão ou c nfl.t I

b uscand o a um.da d e d e um "eu" possivelmente dividido. ' o 1 o, I


I
I
I
El~ pode ~~ mos~ar ta,nto co~o una,. como ~upla ou múltipla., como I
I

tami:_ém coer~nte ou r_nutavel. A sobralidade tnunfante" projetada pela


I
I
I
I
facçao associada a Cid Gomes, configura-se como uma possibilidade I
I
I
de integração que pretende significar socialmente uma auto-represen- I
I
tação do sobralense. I
I
I
A dimensão da classificação apresenta-se de forma a reconhecer que, I
I
I
ao tempo em que os indivíduos têm características comuns como I
I
I
. sobralenses, têm também diferenças. Tanto as semelhanças como as dife- I
I
I
renças são construídas culturalmente, de acordo com qualificações e atribu- I
I
. tos pautados em uma hierarquia de valores que se interligan1 aos interesses I
I
I
das r~lações entre os grupos socüús. Penna ( 1992), baseando-se em ~on~ I
I

con~tdera que o reconhecimento acontece em um momento de a~al_iaçao 0 .


I
I
I
integração do outro como outro reconhecendo as diferenças sociaiS. Aqt~, I
I
I
· · fi · 0 supen-
os JOgos de classificação atuam'colocando o outro como In ~nor ~ . A I
I

or, conduzindo à construção de uma hierarquia nas rela~?es ~ocimals. do


I
I
I

mesmo tempo este outro tem de estar posto na am btencia. get a_


I
I
I
" . ' . ~ d c·d Gomes foi extrema I
sobral1dade" apesar de ser infenoi: A facçao e 1 =-' de I
I
' . .d _,. tem a pretensao I
mente eficiente no sentido de consuurr esta 1 eta que I
I
;I

225
i
• CZ$1

tutificar através deste jogo de classificação social. A cidade de Fortaleza


era o principal parâmetro de comparação. A idéia é que Sobral volte as
ser tão ünportante quanto a capital do estado do Ceará.
O fato é que, inúmeras iniciativas de seu governo, durante todo o seu
primeiro mandato ( 1997/2000), foram direcionadas para a preservação
do patrimônio histórico tendo em vista a conservar o núcleo urbano exis-
tente no tempo da Vila Distinta e Real de Sobral (periodo entre 1773 e
1841 ), assim como outros espaços edificados posteriormente conside-
rados por esta facção pública como centrais para definição de uma tra-
dição sobralense. Estas iniciativas culminaram no tombamento por parte
do IPHAN de u1na parte da área urbana em 1999, considerando-a
como patrimônio histórico nacional.
A efetivação deste tombamento, somada a outras formas de inter-
venção no espaço urbano, resultou em matérias e artigos recorrente-
mente comunicados pela imprensa local e estadual, representando e
ressaltando o governo Cid Gomes (período 1997/2000), reeleito em
2000 para um novo n1andato, como n1odelo de governo "empreende-
dor" e, sobretudo, "moderno".
Vale a pena ressaltar que a auto-imagem projetada pela facção de Cid
Gomes nos dois períodos eleitorais e reforçada durante todo o primeiro
mandato, é coerente corn um movimento de um determinado segmento
político no âmbito estadual inaugurado nas eleições de 1986 que resulto~_na
eleição de Tasso Jereissati para o governo do esta?o. Es~e ~po pohuco
mais amplo, que vem garantindo sua hegemoma no amb1to estad~al,
autodenominou-se, no primeiro mandato, de "Governo das Mudanç~ . A
condição de "moderno" é reafum~da no discurs? deste ~po a partrr d~
atributos diversos associados a seus 1nte~tes, tais_ c~mo JUVe~tude, quali
ficação profissional, conduta ética na políuca, co~diçao de ~estao empr~~­
Iial e racionalização no uso do patri.Inônio público. Este _dl~c~so nasc~ ?
fora do contexto de Sobral é adaptado ao momento hlstonco das e el-
--- . . . d 1996 na Cidade? e como já dito, consegue reeleger
çoes mumc1pa1s e ' ' . ,. , ·ci ais de 2000.
o candidato para um segundo man1ato ~as e~eiçoes ;num ~'. al de Cid
A "modernidade"' já expressa na pn~erra gestd.o mun~~~ial criado
s ( 1997/2000) é comunicada a partir de seu slogan
Gome , . .. d
,. e
·'Empresanos
.. . s mudan as" ver LEMENHE. Mana Auxtha ora. o de trabalhO
7. Sobre o govern? d~ Identiâactes" Mimeo, texto apresentado no gr~pa em Ciências
Política: Din.ânuca . e~ . . de Po·d;r da Associação Nacional de Pesquts municipal de
Cultura Políttca e Dmanuca d' - de ''moderno'' associado ao governo " . e Tradi·
. . ) Sobre a con tçao . "S bral· Opulencta
Soc1a1s (Anpocs · . FREITAS. Nilson Almmo. 0 ·
Sobral na gestão Ctd Gomes ver
- " • Sobral • UVA. 2000.
çao
logo após a eleição em 1996
Esta expressão não se .que atmnava: "Sobral está no rumo certo".
Esta idéia encontra res~est::n!?e ao ~spe~to político e administrativo.
elite da cidade e é pro~e~s:~~cta no I~tenor de distintos segmentos da
para outros a<>pectos da ~id a n~ sentido de definir utn "Rumo Certo"
por ocasião da posse do no~~~Ial n~ con~xto urbano. Exemplo disto,
1997, são os outdoors ue fora tspo oadjutor Dom Aldo Pagotto, em
vam a frase: "Sobral noqRumo (; espalhados pelas ruas, que estampa-
. "Rumo Certo" nesta fi:ase erto, Tanto -?a Terr~ ~orno no C:éu". O
t. d. . supera as prerrogativas políticas e adnunistra-
Ivas e rrectonam os rumos espuituais da população local
. V~ novdo ~~Remplo, dentre ç>utros, acrescenta uma out;a direção no
Intenctona
. o umo Certo"· E o arttgo · de uma professora da Uruver- ·
stdade C · Vale do Acaraú (que tem sede em sobraI), pu bl"tcad-o
. Estadual
1 apztal Norte de 15 de março de 1997 No art.
t;no JOrna . . tgo, a pro-
esso~a prega a necessidade de redefinição dos valores culturais tendo
em VIsta a retoma~a dos padrões de tempos passados, nos quais o
sobralense caractenzava-se pelo culto a luxuosos objetos de consumo
e desfrutava de uma efervescência artística, hoje afetada pelos "meios
de mas~a" e pelo "controle mecânico" que são exercidos por uma
cultura Importada, excludente e unilateral. A idéia da articulista é ele-
ger como ptioridade o resgate da autenticidade da cultura sobralense.
Tentando-se compreender o discurso do "Rumo Certo", percebe-se
um contexto discursivo, no qual, um determinado segmento da elite da
Cidade, constrói uma autoconsciência coletiva pautada em uma dimen-
são ufanista. Nesta dimensão, a memória é mobilizada para expressar o
desejo, por um futuro promissor, por parte deste segmento social espe-
cífico. Um futuro que está sendo constiuído a partir de uma constância e
de uma unidade de ações pretensamente universais, neutras e seguras,
aplicadas no tempo vivido no presente que se baseiam em idéias e ações
ditas "modernas". A constância e unidade destas ações, representadas
pelo discurso da facção de Cid Gomes, pretendem renovar marcas _já
consagradas de uma Cidade que viveu um tempo de "triunfo". Ou seJa,
a idéia passada no discurso de palanque, principalmente na campa~~
eleitoral municipal de 1996, é de que Sobral está no "Rumo ~erto '
?e
assim como já esteve no passado, mas que, antes .sua gestao, este
"rumo" foi esquecido pelos que detinham o poder pubh~o....
A memória falada pelo segmento da elite, que adenu a ca~~a_nha
de Cid Gomes pretende projetar para a população, uma posstbtlt~a-
.
de de tntegraçao : na qual o que e" bOin para o CI·dada-o sobralense e o

227
• - - - --- - . . . . . _ . . ..
._ _ __ _1111!1!
•.\l!illla.,.,
+iií"'iiíiiii
·· ··-;;;;;;T~I.;5
--

que já é dele, mas que estava sendo desvalorizado pelos poderosos


que ocupavam a prefeitura antes dele.
A facção de Cid Gomes é extremamente eficiente na construção de
u1na ünage1n ideal de "cidade possível". Nas eleições de 2000 reedita
um ideal ufanista e modernista, corn o ." logan "Sobral em boas mãos". Ou
seja, além de estar no "run1o cet!o" está agora em "b~as mãos". E~te
tnenlbro do cotpo, ern nossa sociedade, tem urn peso simbólico muito
forte, pois representa a atividade e o poder de reali7...ação. Além disso
tende a passar urna idé.ia de que o so~ralense pode entregar-se e confi~
nas "Boas Mãos" de Ctd Gomes. O dtscurso nos palanques, no pleito de
2(XX)~ centrava atenção na idéia de que ele provou que Sobral já definiu 0
~'rumo certo" graças a sua visão "empreendedora" e "moderna", respei-
tando tan1bém a tradição. Portanto, -~- discursg_~onstrói uma obviedade
de que se deve in1preterivelmente dar continuidade a esfu idéia~--· --
Na campanha de 2000, o patrimônio histórico tombado pelo
IPHAN, realizado na sua primeira gestão, mais uma vez é lembrado
co1no essencial para dar continuidade ao "rumo certo" no segundo
mandato. Este "respeito à tradição" é associado a outras ações que
efetivamente tentaram passar uma imagem de modernização do espa-
ço urbano como o in vestimenta em saneamento básico, em limpeza
pública, urbanização de bairros ainda desfavorecidos de pavimenta-
ção, equipamentos de lazer, dentre outras intervenções.
Para Penna (1992), esses sistemas de classificação social, pronuncia-
dos como forma de diferenciação social, são pragmáticos e, assim, não
se configuram como mera operação intelectual. Para a autora, que se baseia
em Bourdieu, os esquemas de percepção fundamentais que os agentes so-
ciais têm em comum no cotidiano podem ser aplicados de forma relativa em
diferentes pontos do espaço social. Desta forma, a classificação social ga-
nha sentido em um uni verso de discurso implícito a estes agentes sociais,
localizados em espaços diferenciados em um contexto territorial e ten1p0ral
d:limi~do. Pode-se dizer que os esquemas de classificação e seu emprego
sao reg~dos pelos interesses, que se agn1p[un e se distinguem com base em
tra~s class~ficatórios que marcam socialmente os QIUpüS e indivíduos. O
penodo eleitoral é 0 momento do acuramento
. b
desta -
operaçao , ·
prauca.
O texto da construç-;- d ·d ·
ao a I entidade coletiva pottanto esta' sem·
Preemcurso C b ' '
o resultado s~mom ase e?: ~antos ( 1997), podemos entendê-lo como
condem negoci~~~~a~sltono. de p~ocessos de identificação que es-
temporalidade P s e sentido, JOgos polissêmicos, choques de
' rovocando uma sucessão de configurações
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.. ., ..... ... . -· .._ .•., .._... -· - ~ ·:----·-··
....................

hermenêuticas, dando vida, corpo e lugar a uma identidade. É uma


ficção necessária para quem a formula e sua eficácia mede-se pelo
nível de consciência de sua necessidade fictícia. Para entender este
t~xto, é sempre importante saber quem pergunta sobre ele, as condi-
çoes de sua construção, contra quen1 se dirige, sua finalidade e os
resultados obtidos. Neste sentido, a campanha eleitoral de 1996, em
Sobral, é um momento fundamental para entendermos a idéia da
"sobralidade" que, nos dias contemporâneos, aparece como domi-
nante e, nas eleições de 2000, parece ter-se consolidado, apesar da
disputa pela sua legitimidade não ter sido totalmente anulada.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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