Explorar E-books
Categorias
Explorar Audiolivros
Categorias
Explorar Revistas
Categorias
Explorar Documentos
Categorias
´
Uma tese de investimento para o longuissimo prazo
Introdução
@PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
Pode parecer que nada faz sentido. Que estamos escorrendo rumo ao futuro,
sem um norte discernível. Órfãos de uma narrativa coesa que torne o amanhã
moralmente habitável.
Não se desespere. Isto é uma ilusão. Pra perceber, basta dar um passo atrás.
Esta é uma tese pra embasar suas decisões financeiras no longuíssimo prazo.
De 2000 a 2019, apenas 3 novos países entraram formalmente na lista oficial da ONU:
Montenegro, Sudão do Sul e Timor Leste (Kosovo se esforçou muito, mas nunca foi
“permitido” pela Rússia).
Por outro lado, o final do século anterior provocou uma ebulição de nações recém-
nascidas. O exemplo mais proeminente foi o dos ex-membros da URSS - um breve
núcleo de poder anomalamente centralizado.
Este gráfico do nº de estados soberanos na Europa pode te ajudar a dar um zoom-out. Um mapa interativo de territórios sob disputa
(em 2019) coloca a China no topo da lista
moderna de “vizinhos indesejados”.
Pelo menos na Europa, a tendência de longo prazo, no começo do milênio 2000 (olhando para os ~150 anos
anteriores) não era de consolidação, mas fragmentação.
O Velho Continente, entre 1000 e 2000, não era um lugar de fronteiras estáveis. Alguns
séculos trouxeram consolidação (linha vermelha descendo); outros, fragmentação
(linha vermelha subindo).
As pessoas foram ensinadas a servir seus exércitos e honrar suas bandeiras; acumular
suas moedas fiduciárias; economizar para a aposentadoria em títulos “soberanos” de
100 anos.
Página Anterior
Annibale Siconolfi
3
No entanto, a guerra internacional se tornou improdutiva desde o advento do @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
A guerra tem dois sabores. Nasce dentro de nações soberanas; ou entre elas. A agitação
internacional (que gera os maiores conflitos) leva a um efeito de consolidação no nº
de estados (o imperialismo anexando territórios conquistados).
4
III. Países Como Sindicatos Bélicos @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
“Países” são um fenômeno recente, com menos de um milênio completo. Eles operam
como sindicatos bélicos. Grupos de pessoas unidas para defender direitos de
propriedade sobre o que consideram sob sua soberania.
Quem não quer se envolver nas forças armadas, ou no aparato legislativo, paga uma
taxa sobre basicamente tudo, de modo que terceiros são financiados para fazê-lo.
Terra sempre esteve no topo da lista de prioridades a serem defendidas. De fato, eras
atrás, a ideia de propriedade se referia quase exclusivamente à terra.
Ao longo de ~ 2500 anos, a tese aristotélica foi corroborada. As nações que falharam
em proteger a propriedade privada de seus cidadãos foram inevitavelmente eliminadas,
anexadas ou desmanchadas. As nações que sucederam em fazê-lo persistiram por
tempo suficiente para deixar uma marca no caminho da humanidade.
Idade (log)
Os estados mais longevos não são os mais militarizados, nem os menos. Dados de 2019.
5
A maioria, porém, esforça-se para alcançar o topo do ranking, de olho num privilégio @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
Quando um país emite sua própria moeda, ela é inconversível (e.g. por ouro), e só
contrai dívida denominada nessa moeda - este país atingiu a soberania monetária.
Não precisa gerir seu orçamento como uma família ou empresa o faria.
A história começa com o Dracma de Prata, em Atenas. Em seguida foi Roma, com o
Áureo (de ouro) e, mais tarde, o Denário (de prata). O dinar islâmico ocupou o trono
durante o ápice do império bizantino. Depois veio o Fiorino, de Florença; seguido no
século XV pelo Ducato, de Veneza. Mais tarde, o Florim Holandês, a Libra Esterlina e,
finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, o dólar dos EUA.
Durante muito tempo, não fazia sentido distinguir entre o estado e a manutenção da
propriedade privada, além do entretenimento filosófico.
6
V. Pessoas: o Sangue das Nações
@PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
"
Em última instância, estados são feitos de pessoas. Quando as pessoas estão bem
organizadas, o Estado é saudável. Quando estão em desordem, o Estado não é Quando o
saudável. Praticamente como organismos e moléculas. comércio eletrônico
florescer, levará
Em 2019, uma ilha semi-autônoma no oriente, que por acaso conglomera boa parte do inevitavelmente ao
dinheiro do planeta, irrompeu em convulsão social. dinheiro cibernético.
Essa nova forma de
O povo de Hong Kong - conhecido por sua cultura civilizada - teve sua soberania dinheiro redefinirá
subjugada por um país vizinho, e não foi protegido devidamente por aqueles a quem as probabilidades,
pagam impostos. reduzindo a
capacidade dos
Primeiro, alguns milhares foram às ruas. Logo, um quarto da população estava se estados-nação do
juntando aos protestos. Contra severa opressão militar, civis criaram sua própria mundo de determinar
linguagem de sinais; aprenderam a se comunicar por uma malha de serviços quem se torna um
incensuráveis; e nublaram as vistas da polícia com canetas a laser baratas, distribuídas Indivíduo Soberano
"
em massa.
Acredite: aprenderam até a neutralizar granadas de gás lacrimogênio com cones de Davidson & Rees-Mogg,
trânsito. O Indivíduo Soberano, 1997
Pela primeira vez, imagens de câmeras de rua sendo depredadas por multidões raivosas
foram transmitidas em todo o mundo (não através de filmes de ficção científica, mas de
notícias reais). Maquiagem anti-vigilância evolui de fetiche das passarelas para a moda
de rua, em questão de meses. Roupas com padrões que confundem algoritmos de
reconhecimento de imagem foram abraçadas por celebridades, minando gradualmente
a eficiência do aparato de vigilância pública.
A guerra se digitalizou.
Mas a recessão de 2008 infligiu danos de longo prazo ao setor. O mercado não é o
mesmo para advogados. Wall Street enxugou postos de trabalho. A academia passou
por “uma década perdida” em termos de financiamento. Governos estão, obviamente,
sendo forçados a contratar menos. O declínio do jornalismo é mais do que bem Egressos de faculdades de humanas
documentado. Professores nunca foram tão desvalorizados. como uma porcentagem do total de
formandos, nos EUA, entre 1948 e 2017.
Fonte: IPEDS / Ben Schmidt (2017)
use o cupom FIM-DAS-NACOES em paradigma.education/pro [+25% OFF]
7
Diz o ditado que felicidade é a diferença entre o que se tem e o que se esperava. A ideia @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
tocquevilleana de que revoluções sociais são forjadas pela inflação das expectativas.
Nós podemos zombar jovens insatisfeitos de classe média o quanto quisermos. Mas
precisamos reconhecer que dispõem do intelecto, da raiva, das ferramentas e de
tempo ocioso para infernizar a rotina da elite que assistiu à tormenta do Corona de
dentro de seus iates.
Riqueza portada por cada geração (nos EUA). Fonte: B.I. / FED
Num dia você está tirando sarro das expectativas infladas dos seus sobrinhos; no outro,
eles instilam o caos em comícios sem nem sair de casa e afundam o seu candidato Distribuição Demográfica Global
presidencial favorito.
Esta não é uma cisão endereçável com políticas de sufrágio universal ou jubileu
do débito estudantil. A desconstrução deve ser estrutural. Porque a causa raiz é
demográfica.
8
As última décadas empurraram uma manada de jovens pra dentro da faixa etária @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
O molde cultural que predica nossas rotinas das 9 às 5 já saiu de linha. A narrativa
do welfare state se despedaça em frangalhos para quem nota que a pirâmide
previdenciária inverteu - e que o “topo” já está lotado.
Age Dependency, 2017
É útil para a classe política obscurecer esse fato: assim te mantém entretido em
"
ponderar sobre arranjos de poder levianos encarnados por candidatos que se dizem
em um ou outro extremo do espectro.
Sonhei que a classe
Acostumamo-nos à dança entre estes dois polos; condicionamo-nos a condescender política instigava
com a aliança sambante entre a burguesia e a classe política; desde que foi oficialmente uma guerra de
introduzida no imaginário popular a noção de que uma sociedade que aglutina classes, depois
justiceiros e libertários pode prosperar sustentavelmente (fraternamente). de vazar um vírus
de um laboratório
É pretensioso comprimir 300 anos de ideologia em uma página. Mas aqui vai uma chinês, justo quando
tentativa. A semente da discórdia - a ideia que hoje embate as cabeças mais poderosas estávamo sob a
do planeta - é encapsulada no slogan do evento que moldou o Estado moderno: batuta de um astro
Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Venderam como lema. Mas era um trilema. de reality show
que elegemos como
Não dá pra maximizar os três ao mesmo tempo. presidente.
"
A ilusão contrária é o que convenceu civilizações ocidentais, geração após geração,
a trocarem o ideal da “terra dos livres” por uma paixão pela luta de classes entre o
proletariado e a nobreza.
Zero Lovecraft,
2020
9
Parte 2
O Que Acontece Agora?
As 3 seções seguintes são especulações direcionais. Isolam um eixo polarizador para @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
"
o fim da segunda guerra.
Todo débito representa uma transferência de riqueza do futuro para o presente. Um Tem uma quantia
empréstimo que você faz “transporta” uma parcela do seu patrimônio no futuro para inifinita de dinheiro
o agora. Quando uma empresa toma dívida, o mesmo se aplica. Quando um país pra ser impresso pelo
empresta dinheiro, idem. Banco Central (FED).
Quanto mais escuro, mais endividado o país está com seus próprios cidadãos, em relação à
riqueza que produz. Fonte: IMF WEO / AtlanticCouncil
Um dos polos enxerga a dívida como um construto social - uma ficção que criamos e
mantemos juntos.
11
A segunda narrativa apresenta um prognóstico destrutivista: a única maneira de se @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
livrar da dívida é quitando ela (ou reduzindo-a). Num dia você clama pelo jubileu; no
outro, é o seu dinheiro que está sendo devido. É mais importante salvar o status quo
financeiro do que preservar a lenda do crescimento ininterrupto. Teremos de encarar
a realidade mais cedo ou mais tarde, mesmo que isto custe alguns anos de progresso.
A não ser que algum ditador acelere a profecia malthusiana e resolva exterminar
metade da população, só existem dois caminhos para pagar a montanha de débito
que estamos acumulando.
Acontece que viciamos nossos sistemas a dinheiro barato e, com taxas rondando zero
ao redor do mundo, esta é uma carta fora do baralho.
Um débito de 100 maçãs se torna muito menos oneroso depois de uma colheita prolífica
que decuplica o número de frutas no mercado - e derruba o valor unitário em 90%.
Esta metáfora das maçãs é um bom ponto de partida para se começar a entender as
ideias por trás do quantitative easing (QE). QE um termo complexificado justamente
para dificultar o seu entendimento.
Se o nome fosse fácil, mais gente perceberia que imprimir dólares a torto e direito (ou
reais, no nosso caso) dilui não só a dívida denominada na moeda, mas também o poder
de compra de todo mundo que recebe ou poupa nela.
Mais de 20% de todos os dólares em existência… foram criados em 2020. Fonte: FRED
12
Evitemos as minúcias econômicas. Importa-nos, por ora, iluminar as tensões ao longo @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
do eixo construtivista-destrutivista.
São os bailouts aos grandes bancos depois de 2008. O aumento desvairado da base
monetária do Dólar, do Euro e do Ien. O Banco Central Europeu financiando a compra da
Tiffany pela Louis Vuitton com dinheiro do contribuinte. Multando a Bayer em 10 bilhões
de euros por fraude médica e em seguida comprando-lhe o débito, essencialmente
transferindo a pena para a população em nome do “estímulo”.
É o povo belga demandando a criação de uma “savings account” nacional, sem reserva
fracionária. São os brasileiros “aprendendo” o que é inflação pela imagem de um vira-
lata na nota de 200 - e o quilo de arroz a quase 10 reais. São criptomoedas emitidas
por bancos centrais para enterrar suas irmãs análogas nos anais da história. São 300
mil bielorrussos na porta da residência do ditador, não só clamando por um recomeço
para a última grande órfã da Iugoslávia como também batendo nos policiais que
tentam prender seus compatriotas.
No entanto, o FED não vai deixar faltar dólares. Seu balanço cresceu a uma velocidade
anualizada de U$30T/ano em Março-Abril de 2020. Nada o impede de retomar e até
manter esse ritmo. Se ações despencarem nos EUA, o PIB global encolhe, e, com os
níveis de débito correntes, aumenta o risco sistêmico em dívidas soberanas.
O problema com a narrativa de que “o FED não pode desviar este curso” é que ela está
errada. O FED tem toda capacidade de manobrar essa tormenta. Pode materializar
mais U$100T no seu balanço até o fim do ano, se assim julgar conveniente.
qual é a diferença entre fazê-lo e prover crédito que pode ser rolado indefinidamente
para que os próprios BCs gringos o executem? Qual é a diferença entre comprar AAPL
e oferecer empréstimos a juro zero - perdoáveis, ainda por cima- para que a Apple
recompre suas próprias ações no mercado?
Na prática, pouca.
O que ninguém sabe se o FED pode ou não pode fazer é, enquanto tudo isso acontece,
garantir o status do dólar como reserva de valor global.
A inflação já está dando as caras. Se aumentar juros para contê-la, o FED enterra
as pequenas e médias empresas cujos lucros não pagam nem o custo da dívida (as
chamadas “companhias zumbi”).
14
O discurso político predominante hoje foi forjado em chats entre gamers, onde Steve @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
"
monstruoso” - Bannon admitiu em 2016.
Poucas pessoas sabem, mas ele (ex-CEO de uma empresa que semi-escravizava
Quase todas as
chineses para minerar e revender ouro de Warcraft, antes de virar estrategista da
pessoas inteligentes
Casa Branca) contou que teria entrado de cabeça na indústria das criptomoedas não
que eu admiro,
fosse a convocação inesperada do então desacreditado candidato presidencial
incluindo aquelas
que temo, estão
Seu interesse em formas de organização autônomas na internet não era financeiro,
mergulhadas em
mas político. “Muito do instinto revoltoso reprimido vai ser canalizado por essa ideia da
criptomoedas. Elas
criptomoeda”, postulou, há anos atrás.
entendem que esta
é a força motriz
Levou mais de uma década para que o poder geopolítico das redes sociais fosse
da 4º Revolução
finalmente reconhecido no Ocidente como uma ameaça à democracia. Publicidade
Industrial. Entendem
online só virou questão de segurança nacional quando o inimigo escancarou ter um
que haverá guerra
sistema de inteligência muito mais bem preparado para infiltrá-la do que as nossas
pelo controle de tudo
próprias agências domésticas são capazes de fazê-lo.
isso.
A primeira faísca foi há 10 anos, na Península Arábica. A mais recente foi o incidente do
comício de Trump em Tulsa.
Zuckerberg, Bezos, Schmidt & cia. monopolizaram os canos pelos quais escoam todas
Steve Bannon, "
2016
Mas quem tem o poder de impedi-los… também está em posição de tirar uma
casquinha. A história mal contada da venda forçada da ByteDance (TikTok) para
controladores americanos escancara uma verdade incontestável.
A escolha que te cabe não é entre ser ou não ser geolocalizado; conceder ou resguardar
seus históricos de mensagens; ser ou não ser espionado pela câmera do próprio celular.
É entre entregar todas estas informações para os chineses… ou para os ianques.
15
Foi sob o mantra das “decisões difíceis” que se justificou reduções drásticas nos @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
gastos públicos em grande parte do Ocidente após 2008. Foi a retórica da ameaça
chinesa e do declínio terminal - de “fábricas enferrujadas espalhadas como lápides
pela paisagem da nossa nação” - que levou Trump ao poder em 2016. Do outro lado,
não é de hoje que progressistas se mobilizam em torno das narrativas da desigualdade
e do cataclisma meteorológico.
O Occupy Wall Street culminou com novas regulamentações financeiras. O Black Lives
Matter inspirou reformas policiais. O Tea Party forçou Obama a cortar gastos.
Os Coletes Amarelos franceses por acaso pararam de protestar depois que o imposto
sobre combustível - a faísca que os levara à rua - foi eliminada? As multidões da Praça
Tahrir não voltaram para a mesmíssima praça logo depois que derrubaram Hosni
Mubarak, para exigir a queda de seu sucessor, devidamente eleito?
Essa multitude de clamores populares têm uma inquietude em comum. Ela diz respeito,
"
em última instância, aos tipos de líderes que queremos ter.
A web derrubou muros, e exterminou os “em cima do muro”. Não resta um meio-campo Sistemas de
fértil ao debate político. Este foi suplantado pela erva daninha da histeria memética. governança
modernos -
Você traz à tona políticas de inclusão e o ouvinte te chama de satanás. Aborda o tópico complexificados e
delicado do aborto e o outro lado invoca o papa, não conseguindo nem distinguir entre subvertidos pelo
a questão moral e o problema de saúde pública. Quando existe um abismo entre as poder privado - não
premissas dos debatentes, não tem conversa que as aproxime. foram feitos para
acatar as aspirações
heroicas do cyber-
cidadão.
"
16
Nenhum líder humano é neutro o suficiente para conciliar todos os extremismos que @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
Não é coincidência que o cenário política se assemelha cada vez mais às piadas (ruins)
do filme Idiocracy.
Não é à toa que inovações de governança cada vez menos se materializam pelas mãos
de líderes de carne e osso, e cada vez mais por tecnologias autônomas de geração
de consenso.
A questão mais profunda, como estamos para descobrir, não é sobre o tipo de
humano que queremos que nos governe. É sobre se, e em que medida, queremos ser
governados por humanos em primeiro lugar.
17
IX. Cultura: Igreja Azul vs. Fé Memética @PARADIGMA.EDUCATION
"
A domesticação da nossa espécie depende de um modelo simples: preste atenção às
pessoas nas quais outras pessoas estão prestando atenção.
Ninguém é capaz de
Se mapearmos a guerra cultural dos anos 50 aos anos 90, encontramos um conjunto
entender mesmo
de estratégias, técnicas e alianças que foram sendo aperfeiçoadas com o tempo por
uma fração do que
parte da Igreja Azul. Por exemplo, o poder crítico dos epítetos “racista” ou “sexista”, que
vem acontecendo
tinham pouca ou nenhuma tração nos anos 30–40, e ao final dos anos 90 tornaram-se
na sociedade.
pivotais.
Então quebramos
o “problema”
Como bactérias tornando-se cada vez mais imunes a um antibiótico, via exposição
em pedacinhos,
constante, os traços da “oposição” que foram suprimidos (e sobreviveram) durante
entregamos os
décadas de esmagamento por parte da Igreja Azul começaram a se cristalizar e
menores ao topo
expandir. O que agora irrompe no zeitgeist é inédito, e quase completamente imune às
da hierarquia
técnicas retóricas da Igreja Azul.
credenciada, onde
são processados
Chamar um trumpista de “racista” não vai incitar mais do que um “meh…” e um olhar
por “especialistas”
desdenhoso de demissão.
e mastigados até
virarem “opinião
Além do mais, um trumpista médio não tem a aspiração de engajar-se no discurso com
politicamente
a Igreja Azul. Considera que seus membros agem de má fé por definição. Habitou-se
correta”, que é
a rejeitá-los por completo. É bactéria vs. antibiótico.
transmitida para
baixo, e se difunde
A Igreja Azul está em desespero porque percebeu que o inimigo não é mais o
pela população.
"
Conservadorismo Cristão batido que derrotaram décadas atrás, mas sim uma “fé”
nova, baseada em identidade cultural apolítica e na rejeição à própria noção de
coordenação top-down.
18
A coerência das novas formas de inteligência coletiva não é determinada por fatores @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
"
vezes se pensa, enxames digitais não são unidos por sentimentos (como a raiva) ou
por ideologias (como o supremacismo branco).
I like chaos.
It is really good.
O que agrega membros disparatados da Fé Memética é o fato de que redes se estruturam
"
para recompensar ideias que atingem massa crítica memética - independentemente
da origem do meme. Recompensa-se com a amplificação da atenção (muitas vezes,
inclusive por parte de “lideranças”), não importa a seita de onde tenha vindo a ideia.
Donald Trump,
2018
Está aí uma das regras primazes. A rota para a amplificação pela liderança é visível. O
jogo é claro para quem joga.
Nada disso teria acontecido, é claro, se a web não tivesse florescido e originado infinitos
novos “nichos para a geração de coerência”.
Anúncios chegam até você porque um lance foi dado com base nos seus traços
comportamentais, catalogados por gigantes Big Tech e “atacadistas de informações”
online.
Este lance aconteceu em um leilão. Quase toda página que você abre no navegador
Na Igreja Azul, não se aprende por
engatilha um ou mais leilões. Sabe quando um quadradinho cinza carrega por alguns
indução ou dedução, mas sim por
milésimos… antes de pipocar uma propaganda do SportingBet? No meio tempo
emulação. Talvez você nunca tenha dado
transcorreu um destes leilões - envolvendo, potencialmente, milhares de “proponentes”. um nome pra ela, mas certamente sabe
Se a homepage do Pornhub, sozinha, já dispara uns 10 anúncios destes, você pode identificar seus símbolos.
imaginar quantos milhões de leilões o Google não roda por minuto.
O Pornhub captura o seu cookie, “aufere” a sua identidade em múltiplas bases às quais
tem acesso, e então faz uma oferta (através do Google Ad Network) para que alguém
te mostre 340x340 pixels dali a alguns milésimos. Centenas de revendedores repassam
essa oferta a “mercados secundários”, onde robôs programados por anunciantes
executam estratégias de precificação pré-determinadas (daí o nome “anúncios
programáticos”).
19
Nessa fração de segundo, um anunciante se sai vencedor. E conquista um espaço @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
Mas muito menos discutido - e talvez mais importante - é o que acontece com os
perdedores destes leilões.
Cada um dos perdedores ganha a chance de enriquecer o dossiê que guarda sobre
você, com uma nova etiqueta que diz: “usuário do Pornhub”. Comprar mídia no Pornhub
é caro. Você é caro: o valor está em mostrar alguma coisa para usuários do Pornhub,
não importa se for no Pornhub ou em qualquer outro lugar.
Sabe quando você termina de ler uma matéria no site da Folha e topa com um carrossel
de postagens espalhafatosas - “Estas são as 22 celebridades com quem DiCaprio
já dormiu em Ibiza”? Basta um clique para que cada uma das 22 páginas de destino
sejam vendidas para anunciantes sedentos por leitores da Folha - a uma fração do que
a própria Folha cobra.
É assim que sites que incluem “behavioral advertising” (spoiler: todos) acabam dando
um tiro no pé, e sufocando a indústria no longo prazo.
É assim que somos perseguidos por banners de “Aumente Seu Pênis” ou “Emagreça
16kg em 2 dias” pintados com nossas cores favoritas.
É assim que a internet vira um labirinto de estímulos forjados à imagem dos teus
instintos mais primatas - seduzindo-te com todas e quaisquer fantasias em que você
sempre quis acreditar. Um oceano de click-baits. Iscas.
20
É assim que lulistas elegem Bolsonaros. É assim que o Itaú e a XP trocam farpas com @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
naturalidade em pleno intervalo do Jornal Nacional. É assim que Anitta e Leo Dias
batem boca diariamente pra dar de comer à fama.
É assim que a verdade objetiva padece junto com as instituições que historicamente
"
a coalesceram.
O pecado original da internet foi ter nos condicionado à gratuidade. Por ela, vendemos
Zuck: yea so if you ever
os pixels diante dos nossos olhos para os mais ricos leiloeiros. E desregulamos os
need info about anyone
processos geradores de sentido com que nossos neurônios aprenderam a trabalhar
at harvard... just ask... i
pelos últimos séculos.
have over 4000 emails,
pictures, addresses, sns
Estamos sendo “baitados” em direção ao futuro. Nossas narrativas perderam o rumo.
Milhares de pessoas estão se aglomerando em praça pública pra protestar contra…
Amigo: what!? how’d
eventos presenciais. O Facebook está pagando usuários que optarem por não usar
you manage that one?
a plataforma durante eleições. Festas de revelação de sexo de bebê com artefatos
pirotécnicos estão entre as principais responsáveis por incêndios catastróficos na
Zuck: people just
Califórnia. Ministros da saúde se mobilizam para ensinar as pessoas a usar máscara
submitted it... i don’t
durante o sexo.
know why... they “trust
me”...dumb fucks.
"
Isso tudo soa ridículo a ponto de teus instintos desconfiarem? Não os ignore.
Operações de guerra psicológica (psyops, em inglês) não são conto da carochinha. Mark Zuckerberg,
Muito pelo contrário - inverossímeis mesmo são as fábulas em que te fizeram crer. em e-mails no começo dos anos 2000
Em 2010 (!), o Facebook descobriu que uma única notificação no dia das eleições
influenciava o turnover nas urnas. Dois anos depois, o estudo foi publicado na Nature.
Há mais de uma década Zuckerberg sabe que tem nas mãos o poder mais cobiçado
do planeta!
O que você faria se tivesse uma tecnologia que pode vender a qualquer indivíduo ou
empresa uma porcentagem da opinião pública?
Como ir de heroi popular a vilão unânime em uma década: ameace candidatar-se à presidência.
21
Zuck enxergou antes de todos nós a bazuca política que aquilo representava. Lembra @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
quando deu voz a aspirações presidenciais, e começou uma turnê por todos os 50
estados americanos falando com o “povo nas ruas”?
A empreitada durou até que a elite se deu conta do monstro que tinha criado, e resolveu
retratá-lo como tal.
Zuck se recolheu à repugnância da sua figura pública. O mais importante era blindar
a sua operação psico-industrial. Mesmo que não pudesse conquistar votos para
si; ainda dava para conquistá-los para os outros. A categoria recém criada das
“plataformas mercenárias do convencimento popular” tinha potencial para se tornar
um dos maiores mercados do planeta.
Zuck foi pioneiro, mas viriam outros. A democracia liberal não resistiria ao choque.
Estava “escrito nas paredes”.
O show só cessará quando parar de entrar gente na plateia. Será um desmonte penoso:
um “usuário” por vez. O fardo é pessoal, individual, intransferível - não é técnico nem
político.
Estes são anseios espirituais - melhores sanados pela fé do que por qualquer outra
instituição. Na mitologia bitcoiniana, não faltam
simbolismos religiosos. Acima: o whitepaper
em exposição na Lituânia. No meio:
iconografia Nakamotiana. Abaixo: uma estátua
homenageando Satoshi, em Budaspeste.
22
Parte 3
´
Um Futuro Preferivel
A premissa por trás de ficções científicas distópicas (e.g. Black Mirror) é a de que o @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
presente é OK, mas a tecnologia pode estar nos levando a um futuro indesejável.
Essa relação de duas mãos conduziu “sindicatos bélicos” por um arco evolutivo
bastante variado. Experimentamos com tribos, impérios, reinos, feudos e estados-
nação, conforme redescobrimos maneiras de, basicamente, guardar propriedade e
nos coordenar socialmente.
A versão atual dos “países” começou a ser obsoletada quando a propriedade privada
foi emancipada do estado-nação.
O Bitcoin não foi a primeira implementação de dinheiro eletrônico sem dono. Todos os Página Anterior
antecessores relevantes foram sufocados por alguma forma de intervenção judicial. Den Trushtin (Unsplash)
24
XII. Criptografia (para Apressados) @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
A Segunda Guerra Mundial (na década de 1940) se encerrou por conta dela.
Basicamente porque um lado conseguiu quebrar e espionar as comunicações do outro.
Na prática, não fez muita diferença. O código havia vazado várias vezes e sido impresso
para distribuição em massa, sob a proteção da Primeira Emenda.
Muitos confundem etnia com população (ou “raça” - o que a espécie humana não tem).
Um grupo étnico é, a grosso modo, um conjunto de pessoas que compartilham uma
origem comum, afinidades linguísticas e culturais; que podem ou não compartilhar
território físico.
Em retrospectiva, os cypherpunks tinham uma visão clara para o futuro da política. CHAZ: Zona Autônoma da Capitol Hill.
Lembra que a guerra é a única maneira de redesenhar fronteiras de modo duradouro? A ocupação do ano passado, em Seattle,
A guerra deles era etérea desde o princípio. emprestou até a nomenclatura do Hakim Bey.
"
Em 1985, Hakim Bey publicou Zonas Autônomas Temporárias (TAZ). TAZs são a
manifestação da cultura pirata (semi-nômade, obscura, de traços efêmeros) no mundo
No final, uma TAZ é
digital.
auto-evidente. Se o
termo fosse usado,
Bey pesquisou enclaves que apelidou de “utopias piratas”, ao longo da história: de
seria compreendido
assassinos medievais a sufis anárquicos. Para ele, “ilhas na web” (ou “enclaves livres”)
facilmente…
são sintomas inevitáveis de regimes políticos decadentes em economias cada vez
compreendido
mais informatizadas.
em ação.
Bey presumia que tecnologias de comunicação não-permissionadas fariam florescer
um mapa-múndi inteiro de zonas autônomas.
Hakim Bey, "
1985
Uma TAZ é um lugar onde a revolução de fato transcorreu, mesmo que brevemente,
ou apenas para alguns poucos. O autor não define o conceito para evitar impor-lhe um
dogma político.
26
O Tratado de Westfália é paradoxal. Todas as soberanias são iguais em face do Direito @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION
Internacional. Mas se alguém faz algo que “Direito Internacional” não gosta, o “Direito
Internacional” vai fazer o quê, senão atacar-lhe a soberania?
A teoria declaratória do Estado, como é chamada, conclui que um Estado deve ser um
Conflitos inter-nacionais parecem sob
agente no Direito Internacional se tem: controle, mas conflitos intra-nacionais
• um território definido; andam em alta desde os anos 60-70.
• uma população permanente; Fonte: OurWorldInData
"
O Bitcoin foi a primeira tecnologia a permitir a propriedade privada e a troca de valor
econômico à parte de qualquer jurisdição governamental.
[Os países] não
O Bitcoin dominou a arte da guerra preemptiva protegendo a propriedade privada
são mais que
alodialmente - algo nunca antes visto em escala. Platão e Aristóteles talvez não
um produto da
tivessem discordado da natureza da propriedade se o Bitcoin existisse na Grécia antiga.
imaginação das
pessoas.
"
O Estado do Bitcoin levará tempo para receber uma letra maiúscula porque seu
ineditismo está enraizado em um campo de conhecimento outrora obscuro, palpável
para muito poucos: a criptografia. Presidente da Liberland,
uma ilha semi-autônoma
O Bitcoin atende a todos os quatro requisitos da teoria declaratória do Estado. Isso entre a Croácia e a Sérvia, 2018
ficou claro para os aventureiros que se apossaram da maioria dos “lotes de terra
virtuais” abundantes no começo da rede.
• Poder estabelecer relações com outros Estados: ninguém jamais impediu que
outros Estados tentassem explorar ou se envolver na bitcoinomia.
A soberania do Bitcoin é uma pílula difícil de engolir, mas as evidências empíricas pesam
a favor. Em última instância, o tempo é o último juiz. Se o Estado do Bitcoin sobreviver
por mais tempo do que os países que existiam quando ele foi concebido… não restará
" Não resolveremos
problemas políticos
argumento para negar-lhe a maiúscula.
com criptografia.
Mas podemos, com
A criptografia assimétrica acabou reconfigurando o contrato social que definiu as
ela, vencer uma
sociedades humanas por milhares de anos: os indivíduos precisam de um governo
batalha na corrida
para garantir a proteção da propriedade privada, e o governo precisa deles para
armamentista e
financiar sua sobrevivência.
desbravar um
novo território de
liberdade.
A essa altura, já não existe mais caminho viável para deter o caldeirão bélico que se
formou bem debaixo do nariz dos nossos governantes.
O Bitcoin não é apenas dinheiro, mas sim uma plataforma neutra para formas
de dinheiro. Não é uma hegemonia global em si mesma, mas um propulsor para as
soberanias locais. Não é uma superpotência, mas sim a última zona neutra.
Seria presunçoso afirmar que já sucedeu. Em uma visão de longo prazo, o fenômeno
engatinha, sujeito a ser esmagado por ameaças ainda imprevistas.
A questão, como observou certa vez o criptógrafo Ralph Merkle, nunca foi “se este
experimento finalmente alcançaria sucesso ou não [na transformação da ordem
mundial]”. Uma resposta decente precisa de gerações para se cristalizar.
A questão - a escolha que se encara, dia após dia - é se você prefere estar no grupo de
controle… ou no grupo experimental.