Você está na página 1de 31

setembro 2021

´
Uma tese de investimento para o longuissimo prazo
Introdução
@PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

A tecnologia reverteu categoricamente o equilíbrio de poder entre o público e as


elites que gerem as instituições hierárquicas da era industrial: governos, partidos
políticos, a mídia e órgãos supranacionais.

Não é só sobre cloroquiners e quarenteners. Esquerda e direita. Ou construtores


e destrutores.

Atravessamos uma rota de choque irreversível entre visões de mundo


diametralmente opostas. Irreconciliáveis.

Pode parecer que nada faz sentido. Que estamos escorrendo rumo ao futuro,
sem um norte discernível. Órfãos de uma narrativa coesa que torne o amanhã
moralmente habitável.

Não se desespere. Isto é uma ilusão. Pra perceber, basta dar um passo atrás.

Esta é uma tese pra embasar suas decisões financeiras no longuíssimo prazo.

Índice I. Como Chegamos Até Aqui. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 2


1. Mapa-Múndi: Consolidação & Fragmentação. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3
2. Tecnologia e Guerra: Pegadas no Mapa . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 4
3. Países Como Sindicatos Bélicos . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
4. Onde Poder e Dinheiro se Encontram . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 5
5. Pessoas: o Sangue das Nações . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
6. O Abismo Geracional . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 7
7. A Semente da Discórdia . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 9

II. O Que Acontece Agora?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 10


8. Economia: Construtivistas vs. Destrutivistas. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 11
9. Política: Tecnocratas vs. Antropocratas . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 14
10. Cultura: Igreja Azul vs. Fé Memética . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 18

III. Um Futuro Preferível . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 23


11. A Próxima Versão do Estado. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 24
12. Criptografia (para Apressados). . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
13. O Coletivo Sem Face. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 25
14. Ilhas na Web e Zonas Autônomas Temporárias. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
15. O que Significa “Ser um País”?. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 26
16. O Bitcoin como um Estado Soberano. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 27
Capa 17. Pax Bitcoiniana. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 28
Sasha Freemind (Unsplash)
Parte 1
Como Chegamos Ate´ Aqui
I. Mapa Múndi: Consolidação & Fragmentação @PARADIGMA.EDUCATION

O início dos anos 2000 foi um período de “estase cartográfica”.

De 2000 a 2019, apenas 3 novos países entraram formalmente na lista oficial da ONU:
Montenegro, Sudão do Sul e Timor Leste (Kosovo se esforçou muito, mas nunca foi
“permitido” pela Rússia).

O planeta está ansioso. Mas as fronteiras andam inquietamente inertes.

Por outro lado, o final do século anterior provocou uma ebulição de nações recém-
nascidas. O exemplo mais proeminente foi o dos ex-membros da URSS - um breve
núcleo de poder anomalamente centralizado. 

Fragmentação semelhante também ocorreu no “terceiro mundo”. Dos países que


compunham a Ásia, por exemplo, mais de ¾ (32) tiveram a independência declarada
Territórios sob Disputa
entre 1900 e 2000.

No livro “Países Invisíveis”, o autor Joshua Keating explorou a aparente “trégua no


rebuliço das fronteiras” que havia sido o caso nos primeiras 2 décadas dos anos 2000.
Essa não era, contudo, uma tendência de longo prazo.

Este gráfico do nº de estados soberanos na Europa pode te ajudar a dar um zoom-out. Um mapa interativo de territórios sob disputa
(em 2019) coloca a China no topo da lista
moderna de “vizinhos indesejados”.

Pelo menos na Europa, a tendência de longo prazo, no começo do milênio 2000 (olhando para os ~150 anos
anteriores) não era de consolidação, mas fragmentação.

O Velho Continente, entre 1000 e 2000, não era um lugar de fronteiras estáveis. Alguns
séculos trouxeram consolidação (linha vermelha descendo); outros, fragmentação
(linha vermelha subindo).

As pessoas foram ensinadas a servir seus exércitos e honrar suas bandeiras; acumular
suas moedas fiduciárias; economizar para a aposentadoria em títulos “soberanos” de
100 anos.
Página Anterior
Annibale Siconolfi

3
No entanto, a guerra internacional se tornou improdutiva desde o advento do @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

equipamento militar DIY; a moeda fiduciária média dura menos de 3 décadas; e a


expectativa de vida de uma nação fica abaixo dos 50 anos, poucas jamais superando
os 100 anos.

“Ignorância é força”, escreveu um velho ficcionista. O mapa-múndi está prestes a ser


despedaçado. E quase ninguém está prestando atenção.

II. Tecnologia e Guerra: Pegadas no Mapa


Sempre houve apenas um meio de redesenhar fronteiras: guerra.

A guerra tem dois sabores. Nasce dentro de nações soberanas; ou entre elas. A agitação
internacional (que gera os maiores conflitos) leva a um efeito de consolidação no nº
de estados (o imperialismo anexando territórios conquistados).

A agitação intra-nacional (que só prospera na ausência de grandes cismas com


outros poderes estatais, ou relativa “paz”) ​​leva à fragmentação (descolonização e
independência).

A guerra é onipotente, mas, ao longo do tempo, a vantagem na guerra pode ser


conquistada de diversas maneiras. A tecnologia é a principal.

A descoberta do pó deu à China uma vantagem de 400 anos na corrida armamentista


moderna, antes que esse conhecimento viajasse para o Oriente Médio. O Renascimento
e a Revolução Industrial mantiveram a Europa no topo da cadeia alimentar colonialista
por meio milênio. O domínio das ciências nucleares e da criptografia foi decisivo na
Declínio da Mortalidade em Batalha:
vitória da Segunda Guerra Mundial.
dos 1900s em diante, a guerra se tornou mais
“etérea”? Fonte: OurWorldInData
Pode-se ter a impressão de que a guerra diminuiu. Mas, o que aconteceu foi que, no
século 20, a guerra começou a se tornar preemptiva.

4
III. Países Como Sindicatos Bélicos @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

“Países” são um fenômeno recente, com menos de um milênio completo. Eles operam
como sindicatos bélicos. Grupos de pessoas unidas para defender direitos de
propriedade sobre o que consideram sob sua soberania.

Quem não quer se envolver nas forças armadas, ou no aparato legislativo, paga uma
taxa sobre basicamente tudo, de modo que terceiros são financiados para fazê-lo.

Terra sempre esteve no topo da lista de prioridades a serem defendidas. De fato, eras
atrás, a ideia de propriedade se referia quase exclusivamente à terra.

Com o tempo, o conceito se expandiu. Começou-se a designar e rastrear a posse de


coisas abstratas, como direitos autorais e ideias.

O significado moral da propriedade - a história nos ensina - sempre foi um debate mais


profundo, dificilmente sujeito a consenso.

Platão era contra a propriedade privada na maioria de suas manifestações, incluindo


a guarda de crianças. Via a propriedade como uma força corrupta que alimenta inveja
e violência.

Aristóteles, seu aluno, discordava. Rejeitou o argumento de que um sistema de


propriedade comum eliminaria os vícios, já que as pessoas tendem a lutar mais pelo
que compartilham do que pelas coisas que possuem sozinhas. Via a propriedade
privada como crucial para o progresso, afinal, somos incentivados a trabalhar duro
apenas por coisas que são realmente nossas.

Ao longo de ~ 2500 anos, a tese aristotélica foi corroborada. As nações que falharam
em proteger a propriedade privada de seus cidadãos foram inevitavelmente eliminadas,
anexadas ou desmanchadas. As nações que sucederam em fazê-lo persistiram por
tempo suficiente para deixar uma marca no caminho da humanidade.

IV. Onde Poder e Dinheiro se Cruzam


O sucesso na proteção da propriedade é intimamente correlacionado com o poderio
militar. Não que os maiores exércitos causem as nações mais duradouras - na verdade,
parece haver um equilíbrio na relação entre militarização e longevidade, quando se
trata de estados-nação.

Idade do País vs. Contingente Militar


Militares por 1000 habitantes

Idade (log)
Os estados mais longevos não são os mais militarizados, nem os menos. Dados de 2019.

5
A maioria, porém, esforça-se para alcançar o topo do ranking, de olho num privilégio @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

muito especial: impor um padrão monetário ao resto do mundo

Quando um país emite sua própria moeda, ela é inconversível (e.g. por ouro), e só
contrai dívida denominada nessa moeda - este país atingiu a soberania monetária.
Não precisa gerir seu orçamento como uma família ou empresa o faria.

Pode explorar a capacidade emissora arbitrariamente para implementar políticas


que mirem o pleno emprego, “manobrando” os efeitos domésticos do aumento da
oferta circulante de dinheiro. Tem a prerrogativa de exportar inflação para nações
estrangeiras que guardem reservas denominadas na sua moeda.

Desde sempre, países com os exércitos mais fortes consistentemente transformaram


seu dinheiro nacional na moeda de reserva global.

A história começa com o Dracma de Prata, em Atenas. Em seguida foi Roma, com o
Áureo (de ouro) e, mais tarde, o Denário (de prata). O dinar islâmico ocupou o trono
durante o ápice do império bizantino. Depois veio o Fiorino, de Florença; seguido no
século XV pelo Ducato, de Veneza. Mais tarde, o Florim Holandês, a Libra Esterlina e,
finalmente, após a Segunda Guerra Mundial, o dólar dos EUA.

A história entrelaçada de propriedade privada, estados-nação e guerra é auto-


evidente: a propriedade exigia que a violência fosse aplicada, o que fez dos
estados - monopolistas da violência - os melhores no “setor”.

Durante muito tempo, não fazia sentido distinguir entre o estado e a manutenção da
propriedade privada, além do entretenimento filosófico.

6
V. Pessoas: o Sangue das Nações
@PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

"
Em última instância, estados são feitos de pessoas. Quando as pessoas estão bem
organizadas, o Estado é saudável. Quando estão em desordem, o Estado não é Quando o
saudável. Praticamente como organismos e moléculas. comércio eletrônico
florescer, levará
Em 2019, uma ilha semi-autônoma no oriente, que por acaso conglomera boa parte do inevitavelmente ao
dinheiro do planeta, irrompeu em convulsão social. dinheiro cibernético.
Essa nova forma de
O povo de Hong Kong - conhecido por sua cultura civilizada - teve sua soberania dinheiro redefinirá
subjugada por um país vizinho, e não foi protegido devidamente por aqueles a quem as probabilidades,
pagam impostos. reduzindo a
capacidade dos
Primeiro, alguns milhares foram às ruas. Logo, um quarto da população estava se estados-nação do
juntando aos protestos. Contra severa opressão militar, civis criaram sua própria mundo de determinar
linguagem de sinais; aprenderam a se comunicar por uma malha de serviços quem se torna um
incensuráveis; e nublaram as vistas da polícia com canetas a laser baratas, distribuídas Indivíduo Soberano

"
em massa.

Acredite: aprenderam até a neutralizar granadas de gás lacrimogênio com cones de Davidson & Rees-Mogg,
trânsito. O Indivíduo Soberano, 1997

Pela primeira vez, imagens de câmeras de rua sendo depredadas por multidões raivosas
foram transmitidas em todo o mundo (não através de filmes de ficção científica, mas de
notícias reais). Maquiagem anti-vigilância evolui de fetiche das passarelas para a moda
de rua, em questão de meses. Roupas com padrões que confundem algoritmos de
reconhecimento de imagem foram abraçadas por celebridades, minando gradualmente
a eficiência do aparato de vigilância pública.

A guerra se digitalizou.

E online, independentemente da geografia, qualquer pessoa tem o direito de ser um


soldado.

Formandos em Humanas vs. Outras Áreas

VI. O Abismo Geracional


Testemunhamos um aumento na quantia de jovens que rejeitam o capitalismo.

Nos anos 90 e 2000, uma onda de entrantes inundou faculdades de humanas. A


abundância de empregos para formandos de ciências sociais era inquestionada.

Mas a recessão de 2008 infligiu danos de longo prazo ao setor. O mercado não é o
mesmo para advogados. Wall Street enxugou postos de trabalho. A academia passou
por “uma década perdida” em termos de financiamento. Governos estão, obviamente,
sendo forçados a contratar menos. O declínio do jornalismo é mais do que bem Egressos de faculdades de humanas
documentado. Professores nunca foram tão desvalorizados. como uma porcentagem do total de
formandos, nos EUA, entre 1948 e 2017.
Fonte: IPEDS / Ben Schmidt (2017)
use o cupom FIM-DAS-NACOES em paradigma.education/pro [+25% OFF]
7
Diz o ditado que felicidade é a diferença entre o que se tem e o que se esperava. A ideia @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

tocquevilleana de que revoluções sociais são forjadas pela inflação das expectativas.

Pois as gerações Z e Millenial viram seus sonhos afundarem em débito - contraído para


se preparar para empregos que “não existem mais”.
Débito Corrente, por Tipo (U$ T)
Você vai se aposentar aos 70. E espera viver até os 80. Te soa justo trabalhar por meio
século para viver uma decadazinha “em liberdade”?

Nós podemos zombar jovens insatisfeitos de classe média o quanto quisermos. Mas
precisamos reconhecer que dispõem do intelecto, da raiva, das ferramentas e de
tempo ocioso para infernizar a rotina da elite que assistiu à tormenta do Corona de
dentro de seus iates.

Débito estudantil (azul), nos EUA, versus


% da Riqueza Total Detida por Cada Geração outros tipos populares de dívida. Fonte:
Nigel Chiwaya

Riqueza portada por cada geração (nos EUA). Fonte: B.I. / FED

Num dia você está tirando sarro das expectativas infladas dos seus sobrinhos; no outro,
eles instilam o caos em comícios sem nem sair de casa e afundam o seu candidato Distribuição Demográfica Global
presidencial favorito.

Esta não é uma cisão endereçável com políticas de sufrágio universal ou jubileu
do débito estudantil. A desconstrução deve ser estrutural. Porque a causa raiz é
demográfica.

O que você pensou que aconteceria - mais cedo ou mais tarde - se continuássemos


elevando expectativas de vida e reduzindo a mortalidade infantil… enquanto
deixamos a mesma bigorna previdenciária de sempre nas costas da população? Pirâmide demográfica global, de 1950 a
Ela se desequilibra, é claro. 2018 - com projeções até 2100. Fonte:
OurWorldInData / ONU

A pirâmide demográfica que você aprendeu na escola morfou. Virou um trapézio. Os


bons professores ensinaram que isto estava para acontecer.

O que poucos percebem é uma segunda mudança: a dependência da camada produtiva


da população em relação à não-produtiva diminuiu.

8
As última décadas empurraram uma manada de jovens pra dentro da faixa etária @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

economicamente ativa - além de terem estendido, nas duas direções, a largura da


própria faixa.
Age Dependency, 1960
A população economicamente ativa nunca foi tão independente dos idosos e menores.
Era difícil provar isso fora de um PowerPoint até pouco tempo, mas a vilanização
dos mais velhos durante a polêmica quarentena - todo o meme do “isolamento
vertical” - acusam uma postura emergente de apatia inter-geracional.

O molde cultural que predica nossas rotinas das 9 às 5 já saiu de linha. A narrativa
do welfare state se despedaça em frangalhos para quem nota que a pirâmide
previdenciária inverteu - e que o “topo” já está lotado.
Age Dependency, 2017

VII. A Semente da Discórdia


A proporção de velhos e crianças vs.
O argumento central desta tese é o de que o estado-nação moderno é um mecanismo
a população economicamente ativa;
de coordenação social defasado - e convulsionando de dentro pra fora.
país por país. Repare como diminuiu
(cor mais clara, no gráfico) em boa parte
A origem da discórdia que o cinde remete à sua fundação como instituição. do planeta nos últimos 50 anos. Fonte:
OurWorldInData
Liberdade e igualdade são forças antagônicas. Ainda não descobrimos um sistema
de regras cuja função objetiva maximize ambas. Progredir em uma das duas frentes
custa retrocesso na outra. A estabilidade está sempre a um sacrifício a mais de
distância.

É útil para a classe política obscurecer esse fato: assim te mantém entretido em

"
ponderar sobre arranjos de poder levianos encarnados por candidatos que se dizem
em um ou outro extremo do espectro.
Sonhei que a classe
Acostumamo-nos à dança entre estes dois polos; condicionamo-nos a condescender política instigava
com a aliança sambante entre a burguesia e a classe política; desde que foi oficialmente uma guerra de
introduzida no imaginário popular a noção de que uma sociedade que aglutina classes, depois
justiceiros e libertários pode prosperar sustentavelmente (fraternamente). de vazar um vírus
de um laboratório
É pretensioso comprimir 300 anos de ideologia em uma página. Mas aqui vai uma chinês, justo quando
tentativa. A semente da discórdia - a ideia que hoje embate as cabeças mais poderosas estávamo sob a
do planeta - é encapsulada no slogan do evento que moldou o Estado moderno: batuta de um astro
Liberdade, Igualdade e Fraternidade. Venderam como lema. Mas era um trilema. de reality show
que elegemos como
Não dá pra maximizar os três ao mesmo tempo. presidente.

"
A ilusão contrária é o que convenceu civilizações ocidentais, geração após geração,
a trocarem o ideal da “terra dos livres” por uma paixão pela luta de classes entre o
proletariado e a nobreza.
Zero Lovecraft,
2020

9
Parte 2
O Que Acontece Agora?
As 3 seções seguintes são especulações direcionais. Isolam um eixo polarizador para @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

cada tema - economia; política; cultura - , e um norte rumo ao qual é provável que a


opinião pública evolua. Não acompanham cronograma ou horizonte temporal.

VIII. Economia: Construtivistas vs. Destrutivistas


Para cada 1 dólar de riqueza que um americano produzir, 1.35 dólares são requeridos
para quitar a dívida da nação.

O líder do 1º mundo está mais endividado do que é capaz de produzir. A mesma


situação se repete em países industrializados ao redor do globo. Não acontecia desde

"
o fim da segunda guerra.

Todo débito representa uma transferência de riqueza do futuro para o presente. Um Tem uma quantia
empréstimo que você faz “transporta” uma parcela do seu patrimônio no futuro para inifinita de dinheiro
o agora. Quando uma empresa toma dívida, o mesmo se aplica. Quando um país pra ser impresso pelo
empresta dinheiro, idem. Banco Central (FED).

O grande eixo polarizador na economia diz respeito à natureza dessa dívida.

Dívida Pública vs. PIB


Neel Kashkari,
presidente do FED Minneapolis, 2018
"

Quanto mais escuro, mais endividado o país está com seus próprios cidadãos, em relação à
riqueza que produz. Fonte: IMF WEO / AtlanticCouncil

Um dos polos enxerga a dívida como um construto social - uma ficção que criamos e
mantemos juntos.

O outro polo vê a dívida como um fardo inescusável - uma instituição histórica com


lógica intrínseca e consequências irrevogáveis.

A primeira narrativa prega uma via construtivista: que continuemos empilhando


débito e polindo a história que contamos para aqueles de quem cuja riqueza estamos
privando.
Página Anterior
Patrick Perkins (Unsplash)

11
A segunda narrativa apresenta um prognóstico destrutivista: a única maneira de se @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

livrar da dívida é quitando ela (ou reduzindo-a). Num dia você clama pelo jubileu; no
outro, é o seu dinheiro que está sendo devido. É mais importante salvar o status quo
financeiro do que preservar a lenda do crescimento ininterrupto. Teremos de encarar
a realidade mais cedo ou mais tarde, mesmo que isto custe alguns anos de progresso.

A não ser que algum ditador acelere a profecia malthusiana e resolva exterminar
metade da população, só existem dois caminhos para pagar a montanha de débito
que estamos acumulando.

O primeiro caminho é retomando o crescimento da produtividade. Acelerando a


produção de riqueza. Fazer o PIB superar a dívida. No fundo, são empreendedores
que criam trabalho e riqueza. A principal ferramenta de um governo para estimulá-los
é (reduzir) a taxa básica de juros. 

Acontece que viciamos nossos sistemas a dinheiro barato e, com taxas rondando zero
ao redor do mundo, esta é uma carta fora do baralho.

O segundo caminho se volta para o outro lado da equação: enxugar a dívida em


si. Não dá pra dar de ombros e renegociar valores com meio mundo, mas nações
monetariamente soberanas (como os EUA, hoje) tem um truque poderoso nas mangas. 

Um débito de 100 maçãs se torna muito menos oneroso depois de uma colheita prolífica
que decuplica o número de frutas no mercado - e derruba o valor unitário em 90%.

O mesmo racional vale para dívidas denominadas em moedas fiduciárias. Um


débito de 1 trilhão de dólares é extremamente penoso num universo em que existem
somente U$ 100 trilhões. Mas muito menos pesado num universo em que existem 100
trilhões mais 200 trilhões recém-impressos, e enviados direto para o bolso do devedor.

Esta metáfora das maçãs é um bom ponto de partida para se começar a entender as
ideias por trás do quantitative easing (QE). QE um termo complexificado justamente
para dificultar o seu entendimento. 

Se o nome fosse fácil, mais gente perceberia que imprimir dólares a torto e direito (ou
reais, no nosso caso) dilui não só a dívida denominada na moeda, mas também o poder
de compra de todo mundo que recebe ou poupa nela.

Mais de 20% de todos os dólares em existência… foram criados em 2020. Fonte: FRED

12
Evitemos as minúcias econômicas. Importa-nos, por ora, iluminar as tensões ao longo @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

do eixo construtivista-destrutivista.

A história construtivista é a que estamos encenando. 

São os bailouts aos grandes bancos depois de 2008. O aumento desvairado da base
monetária do Dólar, do Euro e do Ien. O Banco Central Europeu financiando a compra da
Tiffany pela Louis Vuitton com dinheiro do contribuinte. Multando a Bayer em 10 bilhões
de euros por fraude médica e em seguida comprando-lhe o débito, essencialmente
transferindo a pena para a população em nome do “estímulo”.

A narrativa destrutivista, por outro lado, emerge de uma desconfiança insuperável


O Dilema de Triffin
para com as autoridades econômicas. 

É o povo belga demandando a criação de uma “savings account” nacional, sem reserva
fracionária. São os brasileiros “aprendendo” o que é inflação pela imagem de um vira-
lata na nota de 200 - e o quilo de arroz a quase 10 reais. São criptomoedas emitidas
por bancos centrais para enterrar suas irmãs análogas nos anais da história. São 300
mil bielorrussos na porta da residência do ditador, não só clamando por um recomeço
para a última grande órfã da Iugoslávia como também batendo nos policiais que
tentam prender seus compatriotas.

Quando uma moeda doméstica serve de


A velocidade do dinheiro está em mínimas históricas; a natureza dessa crise é
reserva de valor global, seu emissor
deflacionária; as pessoas não estão gastando. O dinheiro que está sendo conjurado tende a manter uma balança comercial
a partir do nada flui para poupanças e ativos financeiros. O FED vai continuar com deficitária (sendo, largamente, um
a impressora ligada, canalizando capital para instituições nacionais - essencialmente importador de bens e exportador de
diluindo o resto do mundo (junto com sua dívida). liquidez). Um déficit sustentado por muit
tempo, no entando, erode a confiança
na própria moeda, e na capacidade do
Além de pegar o mercado doméstico no colo, o FED também tem estendido a
seu emissor de cumprir suas obrigações.
generosidade a boa parte dos Bancos Centrais mais próximos. Faz isso oferecendo A “saída”, para Griffin, era abandonar
linhas de swap diretas - quase como dar o seu whatsapp para o BC vizinho e lhe dizer qualquer "lastro" e criar livremente
que, a qualquer hora que precisar de dólares, basta dar um toque que o FED empresta. novas unidades de moeda.
Fonte: IMF

O risco de calote é baixo. Se algum BC estrangeiro descumprir com o crédito obtido


assim, as corporações destes países que necessitarem de financiamento (ou tiverem
contas a pagar em dólar) passarão por apuros. Sem acesso direto ao FED, o BC em
questão seria forçado a imprimir moeda local para comprar dólares no mercado - o
que levaria à valorização relativa do U$, prejudicando a própria economia local que
precisava de ajuda em primeiro lugar.

No entanto, o FED não vai deixar faltar dólares. Seu balanço cresceu a uma velocidade
anualizada de U$30T/ano em Março-Abril de 2020. Nada o impede de retomar e até
manter esse ritmo. Se ações despencarem nos EUA, o PIB global encolhe, e, com os
níveis de débito correntes, aumenta o risco sistêmico em dívidas soberanas.

O problema com a narrativa de que “o FED não pode desviar este curso” é que ela está
errada. O FED tem toda capacidade de manobrar essa tormenta. Pode materializar
mais U$100T no seu balanço até o fim do ano, se assim julgar conveniente. 

use o cupom FIM-DAS-NACOES em paradigma.education/pro [+25% OFF]


13
Pode comprar ações. Pode comprar dívida soberana estrangeira. Soa loucura? Pois @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

qual é a diferença entre fazê-lo e prover crédito que pode ser rolado indefinidamente
para que os próprios BCs gringos o executem? Qual é a diferença entre comprar AAPL
e oferecer empréstimos a juro zero - perdoáveis, ainda por cima- para que a Apple
recompre suas próprias ações no mercado?

Na prática, pouca. 

O que ninguém sabe se o FED pode ou não pode fazer é, enquanto tudo isso acontece,
garantir o status do dólar como reserva de valor global.

A inflação já está dando as caras. Se aumentar juros para contê-la, o FED enterra
as pequenas e médias empresas cujos lucros não pagam nem o custo da dívida (as
chamadas “companhias zumbi”).

Se essas empresas saem do baralho, o desemprego catapulta, e a economia doméstica


perde o brio. Em vez disso, é mais provável que testemunhemos um calote disfarçado.
Neste cenário hipotético, o dólar acabará sacrificado. Este é o caminho mais racional
(num horizonte suficientemente longo). A questão que realmente importa é: o quê vão
tentar colocar no lugar dele?

“Empresas Zumbi” se Alastrando, Principalmente entre as Pequenas


% de empresas com EBIT > expense ratio e market cap >U$300M

Porcentagem de companhias-zumbi listadas publicamente nos EUA, ao final de 2019, por


capitalização de mercado. Fonte: Bloomberg / Arbor

IX. Política: Tecnocratas vs. Antropocratas


A forma de organização que “funciona” com ~50 mil habitantes adoecendo diariamente
de um vírus nebuloso, em meio à instabilidade política e focos de violência civil, é o
nacional socialismo ocidentalizado. É uma fetichização do Estado e da sua capacidade
de prover ordem, catalisando-se toda energia reprimida para os jargões arcaicos de
“Viva o exército!” e “Bolsa na máxima!”.

14
O discurso político predominante hoje foi forjado em chats entre gamers, onde Steve @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

Bannon conjurou a estratégia de campanha que viria a eleger Donald Trump. 

“Estes caras, estes homens brancos destemidos, carregam um poder

"
monstruoso” - Bannon admitiu em 2016. 

Poucas pessoas sabem, mas ele (ex-CEO de uma empresa que semi-escravizava
Quase todas as
chineses para minerar e revender ouro de Warcraft, antes de virar estrategista da
pessoas inteligentes
Casa Branca) contou que teria entrado de cabeça na indústria das criptomoedas não
que eu admiro,
fosse a convocação inesperada do então desacreditado candidato presidencial
incluindo aquelas
que temo, estão
Seu interesse em formas de organização autônomas na internet não era financeiro,
mergulhadas em
mas político. “Muito do instinto revoltoso reprimido vai ser canalizado por essa ideia da
criptomoedas. Elas
criptomoeda”, postulou, há anos atrás.
entendem que esta
é a força motriz
Levou mais de uma década para que o poder geopolítico das redes sociais fosse
da 4º Revolução
finalmente reconhecido no Ocidente como uma ameaça à democracia. Publicidade
Industrial. Entendem
online só virou questão de segurança nacional quando o inimigo escancarou ter um
que haverá guerra
sistema de inteligência muito mais bem preparado para infiltrá-la do que as nossas
pelo controle de tudo
próprias agências domésticas são capazes de fazê-lo.
isso.
A primeira faísca foi há 10 anos, na Península Arábica. A mais recente foi o incidente do
comício de Trump em Tulsa.

Zuckerberg, Bezos, Schmidt & cia. monopolizaram os canos pelos quais escoam todas
Steve Bannon, "
2016

as informações digitais privadas do planeta. Eles poderiam ter sido impedidos.

Mas quem tem o poder de impedi-los… também está em posição de tirar uma
casquinha. A história mal contada da venda forçada da ByteDance (TikTok) para
controladores americanos escancara uma verdade incontestável.

É óbvio que nenhum Estado deveria, a priori, vasculhar informações privadas e


vigiar a intimidade de seus indivíduos. Mas se o oponente já é craque nisso, e a tua
jurisprudência não se estende até ele… qual opção resta?

É esse “dilema do prisioneiro” que alinha os interesses de oligarcas da internet com


os das elites políticas.

A escolha que te cabe não é entre ser ou não ser geolocalizado; conceder ou resguardar
seus históricos de mensagens; ser ou não ser espionado pela câmera do próprio celular. 
É entre entregar todas estas informações para os chineses… ou para os ianques.

Há algo profundamente paradoxal aqui. A ideia de uma crise denota necessidade de


atenção excepcional e foco decisivo. No grego original, o termo krisis freqüentemente
aludia a uma decisão entre dois futuros possíveis.
Acima: garantindo a segurança do dólar.
A onipresença da “crise” na nossa política alimenta um estado ininterrupto de Abaixo: garantindo a segurança do Bitcoin.

emergência. Mas as promessas de agência e resolução que a acompanham raramente


se cumprem. 

15
Foi sob o mantra das “decisões difíceis” que se justificou reduções drásticas nos @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

gastos públicos em grande parte do Ocidente após 2008. Foi a retórica da ameaça
chinesa e do declínio terminal - de “fábricas enferrujadas espalhadas como lápides
pela paisagem da nossa nação” - que levou Trump ao poder em 2016. Do outro lado,
não é de hoje que progressistas se mobilizam em torno das narrativas da desigualdade
e do cataclisma meteorológico.

Protestos triunfam ou se esgotam - mas o público nunca se dá por satisfeito.


Insurgências não são dissolvidas por causa de concessões políticas.

O Occupy Wall Street culminou com novas regulamentações financeiras. O Black Lives
Matter inspirou reformas policiais. O Tea Party forçou Obama a cortar gastos.

Mas o quanto estas mudanças de fato endereçaram o temperamento dos protestantes?


O quanto representaram rearranjos políticos inofensivos entre as mesmas elites; meras
canetadas teatrais?

Alguém supõe que os manifestantes do Occupy ficaram satisfeitos com as leis


financeiras cunhadas pela alta estirpe do establishment? Ou que os militantes do BLM
andam tranquilizados pelas reformas policiais em voga?

Os Coletes Amarelos franceses por acaso pararam de protestar depois que o imposto
sobre combustível - a faísca que os levara à rua - foi eliminada? As multidões da Praça
Tahrir não voltaram para a mesmíssima praça logo depois que derrubaram Hosni
Mubarak, para exigir a queda de seu sucessor, devidamente eleito?

Essa multitude de clamores populares têm uma inquietude em comum. Ela diz respeito,

"
em última instância, aos tipos de líderes que queremos ter.

A web derrubou muros, e exterminou os “em cima do muro”. Não resta um meio-campo Sistemas de
fértil ao debate político. Este foi suplantado pela erva daninha da histeria memética.  governança
modernos   - 
Você traz à tona políticas de inclusão e o ouvinte te chama de satanás. Aborda o tópico complexificados e
delicado do aborto e o outro lado invoca o papa, não conseguindo nem distinguir entre subvertidos pelo
a questão moral e o problema de saúde pública. Quando existe um abismo entre as poder privado - não
premissas dos debatentes, não tem conversa que as aproxime. foram feitos para
acatar as aspirações
heroicas do cyber-
cidadão.

"

As regras do jogo, no Bitcoin, são surpreendentemente simples. Fonte: Hasu (2019)

16
Nenhum líder humano é neutro o suficiente para conciliar todos os extremismos que @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

a internet tira das sombras.

A entropia nos força a rebaixar o mínimo denominador moral comum (entre as


preferências díspares que nutrimos) - aquele que conjuramos na figura de um
engravatado eleito a cada 4 anos.

O mínimo denominador comum de um conjunto numérico altamente entrópico


(digamos, somente primos) é 1. O mínimo denominador comum de um conjunto social
altamente entrópico (uma civilização hiper-fragmentada) é uma figura rude de tão
simplista, que fala a língua das ruas, e encarna os nossos instintos mais primazes.

Não é coincidência que o cenário política se assemelha cada vez mais às piadas (ruins)
do filme Idiocracy.

Não é à toa que inovações de governança cada vez menos se materializam pelas mãos
de líderes de carne e osso, e cada vez mais por tecnologias autônomas de geração
de consenso.

Não estamos exatamente prestes a ceder nosso sistema de justiça à Inteligência


Artificial, muito menos às vésperas de eleger um presidente 100% virtual (embora
talvez não fosse má ideia). Mas já entregamos aos algoritmos o manuseio de toda
a nossa atenção, a faxina dos nossos feeds, a programação da nossa TV e quiçá o
volante dos nossos veículos.
Presidente Dwayne Elizondo Mountain
Dew Herbert Camacho — o líder da
A cisão que balizará as narrativas políticas da próxima década não é entre esquerda América no filme Idiocracy ... e, abaixo,
e direita, ou conservadores e progressistas. É entre tecnocratas e antropocratas. Donald Trump.

Antropocratas desejam (e esperam) que os humanos permaneçam firmemente à frente


do governo, da economia e de todas instituições sociais.

Tecnocratas enxergam a agência como um jogo de soma zero. Minimizar o quanto


dela reside em mãos humanas é, portanto, uma questão utilitária. No extremo, o ideal
é eliminar a “política humana”, maximizando o grau de agência atribuído aos sistemas e
algoritmos autônomos.

A questão mais profunda, como estamos para descobrir, não é sobre o tipo de
humano que queremos que nos governe. É sobre se, e em que medida, queremos ser
governados por humanos em primeiro lugar.

17
IX. Cultura: Igreja Azul vs. Fé Memética @PARADIGMA.EDUCATION

A esquerda ganhou a 1º Guerra Cultural, entre os anos 1960–1990. O que está


acontecendo agora não é a insurgência da “velha direita”, mas a emergência de uma
nova forma de inteligência coletiva.

O crescimento exponencial de complexidade criou um problema. As formas de


controle social que nos conduziram ao século XIX se mostraram inadequadas aos
níveis inéditos de embaraço do século XX.

Chamemos de Igreja Azul a estrutura de poder que emergiu em reação às vocações da


mídia de massa para o controle social.

Os últimos 150 anos trouxeram uma


Acabou por se associar ao establishment democrático, originando uma força cultural
explosão populacional sem precedentes
politicamente eficaz e dominante no mundo ocidental. No meio do século, passou a e, junto com ela, o crescimento
exercer papel cada vez mais ativo na formação e moldagem de instituições produtoras exponencial da complexidade social.
de cultura. Difundiu-se nas últimas cinco décadas e parece ter atingido um pico na
primeira década do século XXI. De uns anos para cá, começou a desmoronar.

"
A domesticação da nossa espécie depende de um modelo simples: preste atenção às
pessoas nas quais outras pessoas estão prestando atenção.
Ninguém é capaz de
Se mapearmos a guerra cultural dos anos 50 aos anos 90, encontramos um conjunto
entender mesmo
de estratégias, técnicas e alianças que foram sendo aperfeiçoadas com o tempo por
uma fração do que
parte da Igreja Azul. Por exemplo, o poder crítico dos epítetos “racista” ou “sexista”, que
vem acontecendo
tinham pouca ou nenhuma tração nos anos 30–40, e ao final dos anos 90 tornaram-se
na sociedade.
pivotais.
Então quebramos
o “problema”
Como bactérias tornando-se cada vez mais imunes a um antibiótico, via exposição
em pedacinhos,
constante, os traços da “oposição” que foram suprimidos (e sobreviveram) durante
entregamos os
décadas de esmagamento por parte da Igreja Azul começaram a se cristalizar e
menores ao topo
expandir. O que agora irrompe no zeitgeist é inédito, e quase completamente imune às
da hierarquia
técnicas retóricas da Igreja Azul.
credenciada, onde
são processados
Chamar um trumpista de “racista” não vai incitar mais do que um “meh…” e um olhar
por “especialistas”
desdenhoso de demissão.
e mastigados até
virarem “opinião
Além do mais, um trumpista médio não tem a aspiração de engajar-se no discurso com
politicamente
a Igreja Azul. Considera que seus membros agem de má fé por definição. Habitou-se
correta”, que é
a rejeitá-los por completo. É bactéria vs. antibiótico.
transmitida para
baixo, e se difunde
A Igreja Azul está em desespero porque percebeu que o inimigo não é mais o
pela população.

"
Conservadorismo Cristão batido que derrotaram décadas atrás, mas sim uma “fé”
nova, baseada em identidade cultural apolítica e na rejeição à própria noção de
coordenação top-down.

18
A coerência das novas formas de inteligência coletiva não é determinada por fatores @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

exógenos, mas pela infraestrutura da informação, em si. Ao contrário do que muitas

"
vezes se pensa, enxames digitais não são unidos por sentimentos (como a raiva) ou
por ideologias (como o supremacismo branco).
I like chaos.
It is really good.
O que agrega membros disparatados da Fé Memética é o fato de que redes se estruturam

"
para recompensar ideias que atingem massa crítica memética - independentemente
da origem do meme. Recompensa-se com a amplificação da atenção (muitas vezes,
inclusive por parte de “lideranças”), não importa a seita de onde tenha vindo a ideia.
Donald Trump,
2018

Está aí uma das regras primazes. A rota para a amplificação pela liderança é visível. O
jogo é claro para quem joga.

A Fé Memética não toma decisões em salas de reunião editorial ou gabinetes, mas em


fóruns públicos de mensagens incensuráveis; em redes sociais; em tempo real; no
Periscope, no YouTube, no Reddit, no 4Chan.

Central a todas as dinâmicas da Fé Memética é a moeda da atenção. Trazer atenção


à criação de alguém é uma maneira igualitária de se recompensar sua contribuição.
Cada participante da rede tem a própria atenção para dar, e, ao fazê-lo, tem o poder de
levar uma ideia a atenção de outrem. Prestar atenção não tem custo financeiro e não
requer infraestrutura de produção. Todo mundo tem atenção pra dar.

Nada disso teria acontecido, é claro, se a web não tivesse florescido e originado infinitos
novos “nichos para a geração de coerência”.

A comunicação não somente é muito mais simétrica que a transmissão televisiva ou a


imprensa, como o modelo de negócio também evoluiu drasticamente. Você se tornou
o produto.

No jargão publicitário, a propaganda contextual foi engolida pela comportamental.


Em vez de um anunciante escolher um programa ou veículo no qual se exibir, agora
opta pelo perfil individual que quer atingir.

Anúncios chegam até você porque um lance foi dado com base nos seus traços
comportamentais, catalogados por gigantes Big Tech e “atacadistas de informações”
online.

Este lance aconteceu em um leilão. Quase toda página que você abre no navegador
Na Igreja Azul, não se aprende por
engatilha um ou mais leilões. Sabe quando um quadradinho cinza carrega por alguns
indução ou dedução, mas sim por
milésimos… antes de pipocar uma propaganda do SportingBet? No meio tempo
emulação. Talvez você nunca tenha dado
transcorreu um destes leilões - envolvendo, potencialmente, milhares de “proponentes”. um nome pra ela, mas certamente sabe
Se a homepage do Pornhub, sozinha, já dispara uns 10 anúncios destes, você pode identificar seus símbolos.
imaginar quantos milhões de leilões o Google não roda por minuto.

O Pornhub captura o seu cookie, “aufere” a sua identidade em múltiplas bases às quais
tem acesso, e então faz uma oferta (através do Google Ad Network) para que alguém
te mostre 340x340 pixels dali a alguns milésimos. Centenas de revendedores repassam
essa oferta a “mercados secundários”, onde robôs programados por anunciantes
executam estratégias de precificação pré-determinadas (daí o nome “anúncios
programáticos”).

19
Nessa fração de segundo, um anunciante se sai vencedor. E conquista um espaço @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

efêmero diante dos seus olhos.

Mas muito menos discutido - e talvez mais importante - é o que acontece com os
perdedores destes leilões.

Cada um dos perdedores ganha a chance de enriquecer o dossiê que guarda sobre
você, com uma nova etiqueta que diz: “usuário do Pornhub”. Comprar mídia no Pornhub
é caro. Você é caro: o valor está em mostrar alguma coisa para usuários do Pornhub,
não importa se for no Pornhub ou em qualquer outro lugar.

Sabe quando você termina de ler uma matéria no site da Folha e topa com um carrossel
de postagens espalhafatosas - “Estas são as 22 celebridades com quem DiCaprio
já dormiu em Ibiza”? Basta um clique para que cada uma das 22 páginas de destino
sejam vendidas para anunciantes sedentos por leitores da Folha - a uma fração do que
a própria Folha cobra.

É assim que acabamos criando corporações multi-bilionárias cujo função objetiva é


malabarizar a atenção de 2 bilhões de pessoas para arbitrar ineficiências no mercado
de mídia online e aspirar valor outrora retido por quem de fato criava conteúdo.

É assim que sites que incluem “behavioral advertising” (spoiler: todos) acabam dando
um tiro no pé, e sufocando a indústria no longo prazo.

É assim que somos perseguidos por banners de “Aumente Seu Pênis” ou “Emagreça
16kg em 2 dias” pintados com nossas cores favoritas.

É assim que a internet vira um labirinto de estímulos forjados à imagem dos teus
instintos mais primatas - seduzindo-te com todas e quaisquer fantasias em que você
sempre quis acreditar. Um oceano de click-baits. Iscas.

Um grafo social da batalha memética de


É assim que o antagonismo reina como tática para comandar atenção. O engajamento é a
2016, nos EUA. Fonte: John Swain
unidade de medida chave. Não existe propaganda ruim; ruim é nenhuma propaganda.
Qualquer clique que você dá online é um átomo de atenção que alguém revende. A sua
atenção é a moeda deste jogo.

20
É assim que lulistas elegem Bolsonaros. É assim que o Itaú e a XP trocam farpas com @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

naturalidade em pleno intervalo do Jornal Nacional. É assim que Anitta e Leo Dias
batem boca diariamente pra dar de comer à fama.

É assim que a verdade objetiva padece junto com as instituições que historicamente

"
a coalesceram.

O pecado original da internet foi ter nos condicionado à gratuidade. Por ela, vendemos
Zuck: yea so if you ever
os pixels diante dos nossos olhos para os mais ricos leiloeiros. E desregulamos os
need info about anyone
processos geradores de sentido com que nossos neurônios aprenderam a trabalhar
at harvard... just ask... i
pelos últimos séculos.
have over 4000 emails,
pictures, addresses, sns
Estamos sendo “baitados” em direção ao futuro. Nossas narrativas perderam o rumo.
Milhares de pessoas estão se aglomerando em praça pública pra protestar contra…
Amigo: what!? how’d
eventos presenciais. O Facebook está pagando usuários que optarem por não usar
you manage that one?
a plataforma durante eleições. Festas de revelação de sexo de bebê com artefatos
pirotécnicos estão entre as principais responsáveis por incêndios catastróficos na
Zuck: people just
Califórnia. Ministros da saúde se mobilizam para ensinar as pessoas a usar máscara
submitted it... i don’t
durante o sexo.
know why... they “trust
me”...dumb fucks.

"
Isso tudo soa ridículo a ponto de teus instintos desconfiarem? Não os ignore.

Operações de guerra psicológica (psyops, em inglês) não são conto da carochinha. Mark Zuckerberg,
Muito pelo contrário - inverossímeis mesmo são as fábulas em que te fizeram crer. em e-mails no começo dos anos 2000

Em 2010 (!), o Facebook descobriu que uma única notificação no dia das eleições
influenciava o turnover nas urnas. Dois anos depois, o estudo foi publicado na Nature.
Há mais de uma década Zuckerberg sabe que tem nas mãos o poder mais cobiçado
do planeta!

O que você faria se tivesse uma tecnologia que pode vender a qualquer indivíduo ou
empresa uma porcentagem da opinião pública?

Como ir de heroi popular a vilão unânime em uma década: ameace candidatar-se à presidência.

21
Zuck enxergou antes de todos nós a bazuca política que aquilo representava. Lembra @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

quando deu voz a aspirações presidenciais, e começou uma turnê por todos os 50
estados americanos falando com o “povo nas ruas”?

A empreitada durou até que a elite se deu conta do monstro que tinha criado, e resolveu
retratá-lo como tal.

Zuck se recolheu à repugnância da sua figura pública. O mais importante era blindar
a sua operação psico-industrial. Mesmo que não pudesse conquistar votos para
si; ainda dava para conquistá-los para os outros. A categoria recém criada das
“plataformas mercenárias do convencimento popular” tinha potencial para se tornar
um dos maiores mercados do planeta.

Zuck foi pioneiro, mas viriam outros. A democracia liberal não resistiria ao choque.
Estava “escrito nas paredes”.

Há basicamente dois tipos de reação ao caos que se instaurou:

• Censurar o discurso arbitrariamente.


• Abolir toda forma de moderação do discurso. 

A primeira postura é a da Igreja Azul. Assume que o custo da coesão social é a


liberdade. 

A segunda postura é a da Fé Memética. Assume que o custo da liberdade é a coesão


social.

Alguns aspiram “desmembrar” redes sociais, como se fosse possível restaurar o


silêncio dos tempos pré-digitais. Não tem jeito. O colapso da decência humana não
será remendado com mais algoritmos, nem com o enforcement do anti-truste.

O show só cessará quando parar de entrar gente na plateia. Será um desmonte penoso:
um “usuário” por vez. O fardo é pessoal, individual, intransferível - não é técnico nem
político.

A culpa é nossa, não é “deles”.

Nenhum movimento, por mais apaixonado ou inequívoco, vai desviar o rumo da


civilização. Nenhum político, por mais eloquente, vai outorgar almas vazias de
significado. Nenhum governo, por mais benevolente, vai validar a sua identidade.

Estes são anseios espirituais - melhores sanados pela fé do que por qualquer outra
instituição. Na mitologia bitcoiniana, não faltam
simbolismos religiosos. Acima: o whitepaper
em exposição na Lituânia. No meio:
iconografia Nakamotiana. Abaixo: uma estátua
homenageando Satoshi, em Budaspeste.

22
Parte 3
´
Um Futuro Preferivel
A premissa por trás de ficções científicas distópicas (e.g. Black Mirror) é a de que o @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

presente é OK, mas a tecnologia pode estar nos levando a um futuro indesejável. 

Questionar essa premissa gera um ponto de vista alternativo: e se o presente já é


distópico o bastante, e a tecnologia representa justamente esperanças por futuros
melhores?

XI. A Próxima Versão do Estado


Como vimos, avanços tecnológicos propelem novas formas de guerra - que reformam
relações entre Estados. Por outro lado, Estados incorporam tecnologias (não raro,
originadas no âmbito militar) em seus sistemas fundamentais, à guisa de se proteger e
aprimorar.

Essa relação de duas mãos conduziu “sindicatos bélicos” por um arco evolutivo
bastante variado. Experimentamos com tribos, impérios, reinos, feudos e estados-
nação, conforme redescobrimos maneiras de, basicamente, guardar propriedade e
nos coordenar socialmente.

Governos raramente se envolveram com saúde ou educação pública antes do


século XIX. Metrópoles como Londres não tinham uma “polícia” antes da década
de 1820. Nobres, na Idade Média, quase nunca pagavam impostos. A vila de Joana
d’Arc na França, foi isenta de obrigações fiscais para sempre, dado o papel no
reestabelecimento da fortuna militar do reinado.

Monarcas de quinhentos anos atrás não dispunham de um aparato suficientemente


capilar para aplicar a lei homogeneamente. Era preciso delegar a burocracia - o que,
numa sociedade agrária, significava apontar grandes fazendeiros para fiscalizar terras
vizinhas. Eram remunerados com uma porção do que coletavam. Corrupto, com
certeza. Mas era como era.

Preste atenção: sociedades humanas têm milhares de anos. Estados-nação modernos


Se quiser ler mais sobre a genealogia
não têm nem um par de séculos completo.
de meio século que culminou com a
descoberta do Bitcoin, clique aqui.
Essa trajetória darwiniana nunca pára.

A versão atual dos “países” começou a ser obsoletada quando a propriedade privada
foi emancipada do estado-nação.

O Bitcoin não foi a primeira implementação de dinheiro eletrônico sem dono. Todos os Página Anterior
antecessores relevantes foram sufocados por alguma forma de intervenção judicial. Den Trushtin (Unsplash)

24
XII. Criptografia (para Apressados) @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

“Criptografia” é a ciência de proteger e decifrar segredos.

A Segunda Guerra Mundial (na década de 1940) se encerrou por conta dela.
Basicamente porque um lado conseguiu quebrar e espionar as comunicações do outro.

O Eixo (que perdeu) sucumbiu a vulnerabilidades da criptografia simétrica - na qual


um mesmo segredo codifica e decodifica uma mensagem.

Os Aliados (que venceram) descobriram um novo tipo de criptografia em 1976 - a


assimétrica. Agora, um segredo podia ser usado para codificar uma mensagem,
enquanto outro, para decodificá-la. Não era mais preciso “mandar uma cifra” (suscetível
a interceptações) para o parceiro do outro lado. A matemática passara a permitir que
este segredo pudesse ser mantido oculto - alheio a qualquer meio eletrônico - para
sempre.

Se cada canal comunicacional fosse configurado corretamente… a propriedade sobre


as mensagens trafegadas nele seria somente do dono da cifra. Caso abraçasse sua
responsabilidade custodial, a comunicação era impenetrável.

Esta tecnologia, 30 anos depois, se tornaria um dos princípios fundamentais do Bitcoin.


A informação que atribuía a propriedade (nesse caso, a mensagens binárias) não fora
emitida, carimbada ou mantida por terceiros: era alodial.

Parecia em princípio só uma maneira de passar segredos. Mas era mais - era a


manifestação da segunda emenda no universo virtual. Era uma maneira de portar
informação digital inviolável.

As implicações foram tremendas. Os “guardiões sagrados da propriedade” perceberam.


Isto era uma ameaça à sua raison d’être.

XIII. O Coletivo Sem Face


Em 1995, o governo dos EUA impediu cidadãos de exportar software criptográfico
sem as devidas licenças, classificando-os como uma forma de munição.

A primeira versão popular de um software de criptografia assimétrica - o PGP (Pretty


Good Privacy) - era “ilegal” fora dos Estados Unidos.

Na prática, não fez muita diferença. O código havia vazado várias vezes e sido impresso
para distribuição em massa, sob a proteção da Primeira Emenda.

Teve gente que tatuou implementação do


Esses primeiros atos de ativismo cibernético foram empreitados pelos cypherpunks. O algoritmo RSA nos anos 90, afrontando a
inventor do PGP se tornaria um membro notável deles. proibição à “exportação de munição”.

use o cupom FIM-DAS-NACOES em paradigma.education/pro [+25% OFF]


25
Os cypherpunks eram um grupo étnico peculiar, que assumiu grandes riscos para @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

disseminar a tecnologia, e garantir que o indivíduo médio pudesse ter acesso a


ferramentas tão poderosas quanto as das forças armadas.

Muitos confundem etnia com população (ou “raça” - o que a espécie humana não tem).
Um grupo étnico é, a grosso modo, um conjunto de pessoas que compartilham uma
origem comum, afinidades linguísticas e culturais; que podem ou não compartilhar
território físico.

Em retrospectiva, os cypherpunks tinham uma visão clara para o futuro da política. CHAZ: Zona Autônoma da Capitol Hill.
Lembra que a guerra é a única maneira de redesenhar fronteiras de modo duradouro? A ocupação do ano passado, em Seattle,
A guerra deles era etérea desde o princípio. emprestou até a nomenclatura do Hakim Bey.

XIV. Ilhas na Web e Zonas Autônomas Temporárias

"
Em 1985, Hakim Bey publicou Zonas Autônomas Temporárias (TAZ). TAZs são a
manifestação da cultura pirata (semi-nômade, obscura, de traços efêmeros) no mundo
No final, uma TAZ é
digital.
auto-evidente. Se o
termo fosse usado,
Bey pesquisou enclaves que apelidou de “utopias piratas”, ao longo da história: de
seria compreendido
assassinos medievais a sufis anárquicos. Para ele, “ilhas na web” (ou “enclaves livres”)
facilmente…
são sintomas inevitáveis ​​de regimes políticos decadentes em economias cada vez
compreendido
mais informatizadas.
em ação.
Bey presumia que tecnologias de comunicação não-permissionadas fariam florescer
um mapa-múndi inteiro de zonas autônomas.
Hakim Bey, "
1985
Uma TAZ é um lugar onde a revolução de fato transcorreu, mesmo que brevemente,
ou apenas para alguns poucos. O autor não define o conceito para evitar impor-lhe um
dogma político.

XV. O Que Significa “Ser um País”?

Durante muito tempo, o Tratado da Westfália estabeleceu o que significava ser um


Estado Soberano. Encerrou 30 anos de guerra na Europa Central e desempenhou um
papel fundamental na história do Direito Internacional.

Tem dois pontos-chave.

• Primeiro: os agentes da geopolítica são os estados-nação, enraizados em sua


própria soberania. 
• Segundo: independentemente de quaisquer diferenças entre eles, suas soberanias
são equivalentes em face ao Direito Internacional. Ilustração de uma zona autônoma nas
nuvens, por Andrew Robinson.

26
O Tratado de Westfália é paradoxal. Todas as soberanias são iguais em face do Direito @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

Internacional. Mas se alguém faz algo que “Direito Internacional” não gosta, o “Direito
Internacional” vai fazer o quê, senão atacar-lhe a soberania?

“Direito Internacional”, na prática, é uma rede de órgãos supranacionais intimamente


relacionados, como a ONU, OMC e FMI.

O engraçado é que a Filosofia e o Direito há muito já concordaram com uma definição


decente de Estado - ela é apenas irrelevante, uma vez que todos os Estados ainda
se confinam dentro das fronteiras, as fronteiras são constantemente revisadas pela
guerra, e a guerra esmaga todo o resto.

A teoria declaratória do Estado, como é chamada, conclui que um Estado deve ser um
Conflitos inter-nacionais parecem sob
agente no Direito Internacional se tem: controle, mas conflitos intra-nacionais
• um território definido; andam em alta desde os anos 60-70.
• uma população permanente; Fonte: OurWorldInData

• uma forma funcional de governança;


• a capacidade de entrar em relacionamentos com outros Estados.

Segundo a tese, a soberania de um Estado independe do reconhecimento de outros


Estados.

XVI. O Bitcoin como um Estado Soberano

"
O Bitcoin foi a primeira tecnologia a permitir a propriedade privada e a troca de valor
econômico à parte de qualquer jurisdição governamental.
[Os países] não
O Bitcoin dominou a arte da guerra preemptiva protegendo a propriedade privada
são mais que
alodialmente - algo nunca antes visto em escala. Platão e Aristóteles talvez não
um produto da
tivessem discordado da natureza da propriedade se o Bitcoin existisse na Grécia antiga.
imaginação das
pessoas.

"
O Estado do Bitcoin levará tempo para receber uma letra maiúscula porque seu
ineditismo está enraizado em um campo de conhecimento outrora obscuro, palpável
para muito poucos: a criptografia. Presidente da Liberland,
uma ilha semi-autônoma
O Bitcoin atende a todos os quatro requisitos da teoria declaratória do Estado. Isso entre a Croácia e a Sérvia, 2018
ficou claro para os aventureiros que se apossaram da maioria dos “lotes de terra
virtuais” abundantes no começo da rede.

Raciocine, a partir de primeiros princípios:

• Ter um território definido: 21M sempre foi a fronteira intransponível - dentro dele,


o bitcoin pode ser movido livremente. O registro histórico - ou mapa - do Bitcoin
se manifesta fisicamente na memória digital, cuja localização real é irrelevante.
O território do Bitcoin é um caso raro de um que não entra em conflito com as
fronteiras dos países vizinhos.

use o cupom FIM-DAS-NACOES em paradigma.education/pro [+25% OFF]


27
• Ter uma população permanente: nunca houve um censo oficial, mas também @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

nunca uma dúvida oficial sobre uma população permanente (hodlers).

• Ter uma governança funcional: o consenso de Nakamoto e contrato social.

• Poder estabelecer relações com outros Estados: ninguém jamais impediu que
outros Estados tentassem explorar ou se envolver na bitcoinomia.

A soberania do Bitcoin é uma pílula difícil de engolir, mas as evidências empíricas pesam
a favor. Em última instância, o tempo é o último juiz. Se o Estado do Bitcoin sobreviver
por mais tempo do que os países que existiam quando ele foi concebido… não restará
" Não resolveremos
problemas políticos
argumento para negar-lhe a maiúscula.
com criptografia.
Mas podemos, com
A criptografia assimétrica acabou reconfigurando o contrato social que definiu as
ela, vencer uma
sociedades humanas por milhares de anos: os indivíduos precisam de um governo
batalha na corrida
para garantir a proteção da propriedade privada, e o governo precisa deles para
armamentista e
financiar sua sobrevivência.
desbravar um
novo território de
liberdade.

Satoshi Nakamoto, "


2008

A rede do Bitcoin sobreposta ao mapa-múndi: uma foto de 2019. Fonte: BitNodes

XVII. Pax Bitcoiniana


Em 2009, poucas centenas de pessoas possuíam propriedades no Bitcoin. Em 2010,
algumas milhares. Em 2011, o primeiro milhão. Na década de 2020, o primeiro bilhão.

Os pioneiros foram traficantes, criminosos e aventureiros oportunistas. Não é diferente


dos vanguardistas das Grandes Navegações, séculos antes. Essas características
ficaram no rodapé da História - no final, importante mesmo foi o ouro que encontraram.
O mapa de acordo com todos os separatismos
vigentes, na década de 2010.
A segunda onda de imigrantes - novamente, como no colonialismo do milênio
passado - foi motivada mais pela necessidade do que pela curiosidade. Dissidentes
políticos, ativistas exilados e populações privadas de direitos iniciaram um êxodo de
riqueza dos estados-nação.

Outras populações periféricas seguiram o exemplo. Os movimentos secessionistas


latentes que sobreviveram ao teste da globalização encontram na criptografia uma
ferramenta para se envigorar.
28
Os povos da Catalunha, Veneto, Lombardia, País Basco, Flandres, Córsega, Kosovo, @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

Abkhazia, Palestina, Chechênia, Tibete, Daguestão, Curdistão e Rojava, têm habilidades


valiosas que eventualmente aprenderam ou aprenderão a monetizar com o Bitcoin.

A rede é indesligável. Como fungos, ou um vírus de computador, o Bitcoin é uma ideia


com contornos de praga.

Orçamentos de Defesa (U$ B)


Ou você está disposto a cortar a eletricidade (e internet) de um país inteiro, ou vai ter
que aprender a conviver com ela.

A essa altura, já não existe mais caminho viável para deter o caldeirão bélico que se
formou bem debaixo do nariz dos nossos governantes.

Furtivamente, o Bitcoin recrutou um exército de desenhistas de circuitos e chips para


aplicações específicas; se apropriou das melhores máquinas da categoria; passou a O orçamento de defesa do BTC
consumir energia exponencialmente; e mostra um grande dedo do meio para ideologias VS. aquele dos EUA, de 2010 a 2018.
inertes e estadistas antiquados que optaram por rejeitar o zeitgeist. Atenção: eixos em escalas diferentes.
Ainda deve levar uma década para que os
valores se equiparem.
A comunidade em torno da criptomoeda está longe de ser perfeita. Às vezes, seus
discursos dão vontade de vomitar. Mas quanto mais pessoas insuportáveis usarem a
tecnologia, melhor.

Quanto mais funcionar indiferentemente às rusgas entre grupos que se odeiam


mutualmente… mais confiança ela inspira na sua capacidade de proteger a todos nós.

As democracias não perecerão definitivamente: as sobreviventes serão forçadas a um


nível de responsabilidade, coerência e otimização adequados aos sistemas político-
econômicos alternativos que agora competiam com eles por capital humano.

A política se tornará um mercado para regras. Morais, desagregadas da lei.

O Bitcoin não é apenas dinheiro, mas sim uma plataforma neutra para formas
de dinheiro. Não é uma hegemonia global em si mesma, mas um propulsor para as
soberanias locais. Não é uma superpotência, mas sim a última zona neutra.

Seria presunçoso afirmar que já sucedeu. Em uma visão de longo prazo, o fenômeno
engatinha, sujeito a ser esmagado por ameaças ainda imprevistas.

A questão, como observou certa vez o criptógrafo Ralph Merkle, nunca foi “se este
experimento finalmente alcançaria sucesso ou não [na transformação da ordem
mundial]”. Uma resposta decente precisa de gerações para se cristalizar.

A questão - a escolha que se encara, dia após dia - é se você prefere estar no grupo de
controle… ou no grupo experimental.

Equipe Paradigma Education


Setembro de 2021
29
Referências @PARADIGMAEDU @PARADIGMA.EDUCATION

• How Cryptography Redefines Private Property (Hugo Nguyen)


• Understanding the Ethics of Bitcoin Through the Ideas of 19th Century Thinker
George Simmel (David Auerbach)
• Bitcoin Will Be Attacked (Zain Allarakhia)
• What Is It Like to Be a Bitcoin (Nic Carter)
• Who Controls Bitcoin Core (Jameson Lopp)
• To Be a UX Designer For The Law (Peter Van Valkenburgh)
• Property and Ownership (Stanford Encyclopaedia of Philosophy)
• Lessons from International Law: The Global Governance Model & Its Takeaways
as Applied to Crypto (Katherine Wu)
• Unpacking Bitcoin’s Social Contract (Hasu)
• Ostracism, Voice and Exit: The Biology Of Social Participation (Roger Masters)
• Big Tech’s problem is Big, not Tech (Cory Doctorow)
• Collectivist Economic Planning (Friedrich A. Hayek)
• The BitLicense Is a Bad Idea That Must Die (Beautyton)
• Exit and Freedom (Nick Szabo)
• Bitcoin’s Department of Defense (Anthony Pompliano)
• Inter-State, Intra-State, and Extra-State Wars: A Comprehensive Look at Their
Distribution over Time, 1816–1997 (Meredith Sarkees, Frank Wayman & David
Singer, 2003)
• The Waning of War is Real (Bethany Lacina & Nils Petter Gleditsch, 2013)
• Bitcoin Miners Beware: Invalid Blocks Need Not Apply (StopAndDecrypt)
• A Most Peaceful Revolution (Nic Carter)
• Data From 30 Countries Show That Belief in a Zero-Sum Game Is Related to
Military Expenditure and Low Civil Liberties (Różycka-Tran, Jurek, Olech,
Piotrowski & Żemojtel-Piotrowska, 2018)

Seja Paradigma Pro

• O melhor boletim do mercado


• Plataforma de dados e sinais quantitativos
• Relatórios e indicadores exclusivos
• Chat com analistas
• Ferramentas de valuation

Use o cupom FIM-DAS-NACOES


e ganhe +25% OFF
na assinatura anual
30

Você também pode gostar