Você está na página 1de 14

DOI: 10.5102/uc.v13i1.

4100
História do mobiliário: Egito Antigo*

History of furniture: Ancient Egypt

Fátima Regina Sans Martini1 Resumo


Este artigo trata da História do mobiliário, especificamente do
Egito Antigo, que representa uma das primeiras civilizações documen-
tadas, em termos políticos, culturais e artísticos. As imagens, a escrita, as
construções e os artefatos atestam, apesar das fases de anarquia, a perma-
nência dos padrões culturais e a formação socioeconômica por milhares
de anos. Faz-se necessário expor de forma concisa o contexto, histórico,
sociopolítico e artístico, quando se investiga estilos e períodos relativos
à produção e ao que, atualmente, se denomina de design. O mobiliário
egípcio é testemunho do luxo da corte faraônica e da qualidade e avan-
ço técnico e artístico da sociedade, que, na idealização de segurança e
comodidade, concebe e consome. A investigação histórica e qualitativa,
apoiada na bibliografia e observação, proporciona, por meio da mente
criadora, o poder de desenvolver espaços e produtos, que se adaptam aos
recentes padrões e necessidades e indica a importância do mobiliário, ob-
jeto da sociedade, que, em seus diferentes períodos históricos e artísticos,
busca o conforto e o belo para seu prazer.
Palavras-chave: Mobiliário. Design. Egito Antigo.

Abstract
This article discusses the history of furniture, specifically the an-
cient Egypt, which represents one of the first documented civilizations,
in political, cultural and artistic terms. The Images, the writing, buildings
and artifacts, attest, despite the phases of anarchy, the permanence of cul-
tural patterns and social training for thousands of years. It is necessary to
expose concisely the context, historical, socio-political and artistic when
it investigates styles and periods relating to the production and that to-
day is called design. The Egyptian furniture is testament to the luxury
of the pharaonic court and the quality and the technical and artistic ad-
vancement of society, which, in the idealization of safety and comfort,
conceives and consumes. The historic and qualitative research, supported
in the bibliography and note, provides, through the creative mind, the
power to develop spaces and products, that adapt to the recent standards
and requirements and indicates the importance of furniture, object of the
* Recebido em: 28/03/2016.
Aprovado em: 14/06/2016. society, which in its different historical and artistic periods, seeks comfort
1
Mestre em Artes Visuais com Abordagens Te- and beauty for your pleasure.
óricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-
Keywords: Furniture. Design. Ancient Egypt.
-graduação em História da Arte pela FAAP-SP.
Fátima Regina Sans Martini

1 Introdução 2 Mobiliário Egípcio

A História do Mobiliário remete ao momento ini- A evolução do móvel tem profunda relação com o
cial em que o homem procura uma habitação para se pro- desenvolvimento da arquitetura e com a respectiva cultu-
teger e conviver e se estende aos dias atuais. A evolução ra dos povos.
do mobiliário perpassa pela história sociopolítica, artís- A sociedade primitiva constituída de povos nôma-
tica e cultural, por meio dos diversos períodos e regiões. des produz objetos simples, aprimorados com o desenvol-
O móvel acompanha as necessidades dos habitantes e das vimento do poder econômico. Sem dúvida, os poucos mó-
moradias, dos mais variados territórios; acompanha os veis tornam os primeiros assentamentos mais agradáveis.
estilos e maneiras regionais, evolui e aperfeiçoa-se segun- No entanto, a não ser os artefatos da civilização egípcia em
do o avanço das técnicas; e se transforma, adaptando-se à floração, encontra-se pouco, ou até mesmo nenhum exem-
modernidade e ao conforto. Desse modo, a quantidade, a plo ou modelo das civilizações mais antigas.
qualidade, diversidade e design associam-se e integram-se No Vale do Nilo, crescem árvores de vários tipos,
à estética da época, aos estilos e movimentos artísticos. porém, pobres em qualidade. Segundo Geoffrey Killen
Ao me dedicar à disciplina de História do mobiliá- (1994, p. 7), “a acácia2 foi provavelmente a madeira mais
rio e trabalhar na área do design e arquitetura de interio- utilizada das árvores nativas. Evidências do seu uso por
res, como desenhista e projetista, idealizei escrever sobre marceneiros podem ser rastreadas durante todo o perío-
o tema; pois constatei nas raras edições sobre o assunto, a do dinástico”.
ausência de ligação da história, configuração e produção As classes aristocráticas egípcias recebem móveis
do mobiliário, um recurso extremamente necessário para feitos com madeira, luxuosa e valorizada, importada do
a profissão, na prática, e juntamente à sala de aula. Essa Oriente Médio, principalmente do Líbano, como o ce-
carência animou-me em direção à pesquisa. dro3. Da Núbia, e da Etiópia, chega a madeira ébano4.
A perspectiva cronológica possibilitou entender Com os problemas da crescente demanda por
madeira de melhor qualidade, não é surpreen-
os fatos e as referências. Assim, partindo da Antiguidade, dente que a importação de madeira começou
com recorte e destaque no mobiliário do Egito Antigo, logo na primeira dinastia. A costa do Mediter-
râneo Oriental provou ser a mais popular fonte
elaborei este artigo, com o desejo que o leitor descubra e de importações de madeira egípcio. Como o
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

percorra, através da história, o modo de viver em espaços aumento da quantidade dessas madeiras novas,
interiores sempre à procura de maior segurança, conforto o Egito alcançou durante o império antigo, a
qualidade da madeira desejada. Provavelmente
e beleza, por meio de uma linguagem simples e resumi- a mais antiga madeira importada para ser usada
da, frente ao que já se conhece sobre estilos artísticos e no mobiliário foi o cedro. (KILLEN, 1994, p. 7,
tradução nossa).
design.
Enquanto os móveis populares são deixados na
Os capítulos iniciais apresentam, de forma sintéti-
madeira crua, quase sempre inferiores, ou recebem pin-
ca, o mobiliário e o contexto histórico e sociopolítico do
tura colorida, invariavelmente imitativa5, os móveis de
Egito Antigo, para que o leitor compreenda os períodos
relativos à concepção artística e formal do mobiliário. As
figuras escolhidas ilustram o assunto sempre que neces- 2
Acácia - Madeira extremamente dura, pesada, imune ao
sário. ataque de insetos e da humidade, portanto, durável, propí-
A metodologia aplicada é bibliográfica fundamen- cia para obras de marcenaria e carpintaria da espécie Acacia
seyal e Acacia tortilis. Árvore sagrada para os antigos egíp-
tada nos autores Edward Mcnall Burns (2005); H. W. Jan- cios.
son (1992); C. W. Ceram (1962) e Geoffrey Killen (1994), 3
Cedro - Madeira aromática, também utilizada como resina
com enfoque no método, histórico e qualitativo histórico pelos egípcios antigos. Variedade do Cedro do Líbano ou
Cedrus Libani.
e qualitativo desenvolvido na prática e na observação jun- 4
Ébano - Madeira nobre e valiosa, muito escura, resistente e
to aos Museus e Fundações, entre eles, Fondazione Museo rija. O ébano reluz ao ser polida. De origem africana e asiá-
tica, do gênero Diospyros, da família das ebenáceas. Atual-
delle Antichità Egizie di Torino; Museo Egizio di Firenze;
mente o ébano é uma madeira protegida por ser extrema-
Museum of Fine Arts, Boston; The British Museum, Lon- mente rara.
dres; The Griffith Institute, Oxford; Brooklyn Museum,
5
Na História do mobiliário, observa-se que a aplicação de téc-
nicas de pintura é um dos meios mais populares e fáceis para
12 New York e The Metropolitan Museum of Art, New York. a imitação, de acessórios, como pedras preciosas e semipre-
História do mobiliário: Egito Antigo

madeira nobre, dos faraós e dos membros da corte, são graças a cuidadosas análises e comparações,
quando, onde e por quem certa obra foi criada,
revestidos com lâminas finas de madeiras contrastantes,
como lhes permite compreender a intenção do
lâminas de ouro e prata, envolvidos por pintura de cores artista, a qual depende da sua personalidade e
vivas, a base de minerais; recebem embutidos de marfim do meio onde viveu e trabalhou. Um estilo na-
cional é o conjunto dos traços próprios que dis-
e incrustações de pedras preciosas. tinguem a arte de um povo perante a de quais-
Os móveis infantis são miniaturas com todas as quer outros. (JANSON, 1992, p. 57)
características semelhantes do mobiliário adulto, inclusi- As cadeiras e tronos são representados em maior
ve acabamento em materiais nobres. número, sozinhos ou acompanhados de mesas e bancos
Os métodos utilizados na execução do mobiliário para apoio dos pés.
demonstram por parte dos artesões egípcios um alto grau de As pernas dos tronos, cadeiras, bancos e camas,
aperfeiçoamento, representado, nas juntas de topo6, simples- apresentam ornamentos e elementos zoomórficos como:
mente amarradas com tiras de couro, nas juntas de encaixe7; patas de leão, de touro e de gazelas, anteriores e poste-
nas técnicas da espiga8 e cavilha9, fixação com resina; reforço riores; cabeça de pato e asas de pássaros, e sob elas uma
de virolas10; na curvatura da madeira e no desenvolvimento sapata12 formada por uma fileira de aros esculpidos.
dos compensados e folheados; no acabamento e polimen- Os assentos e móveis de repouso recebem, nas
to da madeira através do atrito com pedra; sem esquecer, o regiões de contato com o corpo, couro, fibras vegetais e
emprego de dobradiças, rebites, ferragens e eixos de metal. almofadas envolvidas por tecidos finos e linho.
Através da pintura mural e baixo-relevo11, nas pa- Os montantes reforçam a estrutura e garantem a
redes dos templos e tumbas, é possível reconhecer que estabilidade, em delicadas linhas verticais, horizontais e
desde as primeiras Dinastias os egípcios já convivem com inclinadas, em madeira ou marfim. (Figura 1).
a cadeira, banco, mesa e arca; divãs, armações de leitos e
apoio para cabeça. Figura 1 – Pintura executada por volta de 1000 a.C.

Baixos-relevos em grande maioria demonstram


que o mobiliário egípcio desde o início apresenta um es-
tilo próprio, seja na forma, seja nos detalhes artísticos.
Nas artes plásticas, o estilo é o modo especial
de escolher e combinar as formas. Para os his-

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


toriadores de arte, o estudo dos estilos tem im-
portância capital: não só os habilita a descobrir,

ciosas, marfim, folha de tartaruga, de ouro, de prata e cobre;


madeiras raras, mármores coloridos, empregados para em-
belezar os móveis de luxo.

6
Junta de topo - Dois lados que se unem em L ou T, ou através
de dois lados chanfrados.

7
Junta de encaixe – São recortes e pinos dos dois lados, in- Fonte: KING, 1996, p. 10.
terligados. A mais comum é a junta em forma de cauda de Original date/time: 06 out. 2013 11:14. Modificada em 27/08/2015. 1761x1352
andorinha. Recebe esse nome, pois a forma lembra a cauda pixels. 300 dpi. 24 bits. JPG. 372 KB. MARTINI, Fátima R. Sans.
do pássaro. A própria forma assegura a articulação e fixação
do conjunto. A resistência mecânica depende da direção das Representa o falecido a ouvir um tocador de har-
fibras da madeira.

8
Espiga – A técnica de Espiga e Fura, também chamada de pa. Pintura executada por volta de 1000 a.C. Cadeira com
Caixa, é uma das mais conhecidas e antigas em carpintaria. pés zoomórficos. Os montantes reforçam a estrutura e
As peças a serem unidas formam 90º e uma vez inserida na garantem a estabilidade da cadeira egípcia.
cavidade, recebe cola ou é reforçada com prego. As forças
que atuam sobre o encaixe são: compressão, cisalhamento,
flexão, torção e tração.

9
Cavilha - Pequena peça, normalmente cilíndrica, de madei-
ra, utilizada como suporte e reforço na junção de montantes
e estruturas. Sapata - Base ou ponteira, de materiais resistentes. São adi-
12

10
Virola - Aro em material reforçado, o qual guarnece e preser- cionadas aos pés ou pernas de caixas decorativas, baús, ca-
va as fendas e encaixes. mas, cadeiras e mesas. Além de embelezar, as sapatas têm a
11
Baixo-relevo – Pequena saliência da figura esculpida sobre função de resistência, mas também servem para equilibrar e
13
fundo plano. nivelar o móvel apoiado no chão irregular.
Fátima Regina Sans Martini

3 Egito do as de Sacara15 e as tumbas reais, substituindo as antigas


mastabas16. A evolução técnica se acentua e já estão presen-
Às margens do Rio Nilo, no vale que atravessa o tes o sentimento e o prazer artístico nas construções. Du-
deserto de Saara, ao norte da África, surge uma das mais rante a Quarta Dinastia, as pirâmides de Quéops, Quefren e
intrigantes civilizações. Os artefatos encontrados indi- Miquerinos17, que abrigam as tumbas reais, são projetadas e
cam humanos a partir de cerca de 25.000 anos a.C. na construídas próximo à Mênfis, no planalto de Gizé.
Na maioria das civilizações em que os interes-
região do vale do Nilo, favorecidos pela água e solo fértil.
ses da sociedade são colocados acima dos de
Por longo período, grupos organizados unem as todos os seus membros a arquitetura é, ao mes-
aldeias em territórios denominados nomos, chefiados mo tempo, a arte mais típica e a mais altamente
desenvolvida. […]. Ainda que a pintura e a es-
por monarcas. A seguir, os nomos formam dois grandes cultura não fossem de modo algum primitivas,
reinos: Baixo Egito, ao norte e Alto Egito ao sul. O desen- tinham, contudo, como função primária o em-
belezamento dos templos. Somente em certas
volvimento da escrita ocorre, concomitante, à formação
oportunidades alcançaram a situação de artes
dos nomos, condição essencial para o desenvolvimento independentes. (BURNS, 2005, p. 83)
de um governo, em que são registradas instruções e a his- Grande parte das informações sobre a Antigui-
tória é documentada. dade egípcia encontra-se nas pirâmides e tumbas reais,
A história do Egito encontra-se dividida em dois juntamente às paredes interiores e exteriores. Desenhos,
períodos. pinturas e baixos-relevos representam a sociedade, a reli-
Considera-se o Período Pré-dinástico cerca de gião e a política. As composições apresentam característi-
5500 a.C. a 3200 a.C.13, quando da formação das primei- cas semelhantes às pinturas Pré-Históricas com silhuetas
ras aldeias e o Período Dinástico, a partir da primeira di- planas em espaços demarcados a partir da linha do solo.
nastia, o qual é marcado por diferentes fases. A arte egípcia, além da observação da natureza segue ri-
A compleição racial do Egito pré-dinástico era
essencialmente a mesma que se observa em
gorosas regras e normas específicas, em que se adotam
épocas posteriores. Os habitantes pertenciam proporções, características e leis que se mantêm inaltera-
ao ramo mediterrâneo da raça caucásica. Eram das. O método que se resume à representação pictórica de
baixos, de tez escura, cabeça alongada, cabelos
lisos e pretos, olhos fundos e nariz levemente cabeça de perfil, olho de frente, ombro e tronco de frente,
aquilino. […] O período pré-dinástico não foi ventre de três/quartos, pernas e ambos os pés de perfil,
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

de nenhum modo insignificante na história cul-


permite, assim, o melhor ângulo da figura.
tural do Egito. Houve notáveis progressos nas
artes e ofícios, e até mesmo em algumas ciên- Para os egípcios, os menores detalhes da própria
cias. (BURNS, 2005, p. 59) vida, do início ao fim, e de todos os acontecimentos que
Aproximadamente, em 3200 a.C. o rei Menés os rodeiam dependem dos deuses. E são muitos, inclusi-
domina o Baixo Egito, ao norte, formando o Antigo Im- ve, o faraó. Os deuses mais antigos são representados por
pério, no período denominado de Arcaico ou Dinástico animais, alguns com funções humanas, outros dirigentes
Antigo. Assim são constituídas a Primeira e Segunda Di- das mesmas funções.
nastias em cerca de 3100 a.C. a 2650 a.C.; representando As divindades e personalidades acompanham as
o Alto e Baixo Egito. Dinastias, alterando-se e superpondo-se de acordo as
Durante o Antigo Império, o período que enquadra mudanças, em grau de importância na veneração e na
a Terceira Dinastia, por volta de 2650 a.C., até a Sexta Di- representação, assim como cada centro religioso desen-
nastia em 2195 a.C., tem como capital, a cidade de Menfis,14 volve a sua própria versão da Criação. Com a fundação
localizada às margens do Rio Nilo. O período se caracteriza de Mênfis, entre as principais divindades encontram-se:
pelo desenvolvimento da construção das pirâmides, incluin-

15
Sakara ou Saqqara. Sítio arqueológico próximo a Mênfis, na
13
Autores distintos opinam sobre diferentes datas, portanto margem oeste do Nilo. Em Sacara se encontra, entre outras, a
algumas são aproximadas ou podem apresentar diferença de pirâmide de degraus junto ao complexo funerário de Djoser,
anos e séculos, segundo um e outros. As datas aqui apresen- faraó da Terceira dinastia.
tadas se referem a datação exposta na sala egípcia do Museo 16  
Túmulo egípcio dos nobres e sacerdotes, erguidos por volta
Archeologico Nazionale de Firenze, Itália. do final do período Pré-dinástico.
14
Men-nefer, primeiro nomo do Baixo Egito, localizado próxi- 17
Khufu, Khafre e Menkaure; também conhecidos por Keops,
14
mo ao sul de Cairo, atual capital do país. Kefren e Mikerinos.
História do mobiliário: Egito Antigo

Ptah, deus dos artesões, Osiris, rei dos mortos, e Hórus A restauração do culto antigo de Amon se dá
rei na terra, representado pelo falcão. durante o reinado de Tutankhamon22, filho e genro de
No Primeiro período Intermediário, da Sétima Akhenaton, casado com sua meia irmã Ankhesenamon.
a Décima primeira Dinastias, por volta de 2065 a.C., os Com a restauração, as terras confiscadas por Akhenaton
monarcas e nobres no poder ganham o direito de divino, são devolvidas para o antigo clero.
ou seja, o direito de mumificação. Com poucos recursos, Na região da Núbia,23 no período de Ramsés II,
frente a um período de anarquia, recessão econômica e chamado de O Grande Faraó, da Décima nona Dinastia,
fome, as artes não se desenvolvem no país. No final do vários templos são construídos, alguns deles encravados
conflito armado, a vitória cabe à dinastia tebana e Men- na rocha, na região de Abu Simbel, próximo ao Nilo.
tuhotep II inicia o Médio Império, com Tebas18 e Mênfis Durante o Terceiro período Intermediário, de
como capitais do governo. 1070 a 656 a.C. o poder político do Egito fragmenta-se
Os faraós voltam a possuir recursos para construir e vários povos tomam o poder. Os sacerdotes procuram
túmulos imponentes, no entanto, um novo ideal de se- por novas sepulturas, para impedir saques e violação às
pultura começa a ser formulado. Com medo dos saques, múmias dos faraós do Novo Império. Assim, elas são pre-
Mentuhotep II, constrói para si o primeiro túmulo esca- servadas, até serem encontradas no século XIX.
vado na rocha da história do Egito, na região de Deir el Os persas invadem o Egito, em 525 a.C., transfor-
Bahari19. Na região de Karnak, em Tebas, do lado direito mando-o em província do Império Persa, com a capital
do Nilo, o primeiro templo dedicado ao deus Amon-Ra, em Mênfis, durante o período chamado de Tardio, por
fortalece o poder dos sacerdotes. volta de 656 a 332 a.C.
No Segundo período Intermediário, de 1781 a Em 332 a.C. Alexandre, o Grande, conquista e
1550 a.C., com a imigração de povos asiáticos, a monar- anexa o Egito ao Império Macedónio. Durante a breve es-
quia, ameaçada, divide-se em diversas dinastias, lançan- tada no Egito, Alexandre planeja a construção da capital
do o país no caos. Alexandria. Em 304 a.C. com a morte de Alexandre, o
Em Tebas, Ahmose, conhecido por Amósis I, pai general Ptolomeu I Soter I declara-se faraó, iniciando a
de Amenhotep I, da Décima oitava Dinastia, inicia o Dinastia Ptolemaica.
Novo Império, por volta de 1550 a.C. após a derrota dos A Dinastia Ptolemaica se encerra após a morte da

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


invasores. rainha, Cleópatra VII, em 30 a.C. quando o Egito faraôni-
Para a última morada dos novos faraós, escolhe-se co deixa de existir, tornando-se uma província romana.
o Vale dos Reis, em Tebas, com proteção natural e difícil Os governantes romanos permitem, dentro dos li-
acesso. Escavado na base das falésias em Deir el-Bahari, mites, a continuidade da cultura egípcia, mas o povo, aos
próximo ao templo mortuário deixado por Mentuhotep poucos, esquece seus deuses, mantendo apenas o culto a
II, no Médio Império, e entre inúmeras tumbas, encontra- deusa Isis. A partir de 395, com o imperador Constantino
-se um dos mais belos templos egípcios, com três níveis impondo o Cristianismo, os sacerdotes egípcios são mor-
de terraços e magníficos pilares, construído para a rainha tos. Os templos são destruídos, as imagens apagadas; e a
Hatshepsut, mulher de Tutmose III, pai de Amenhotep III. língua egípcia desaparece no tempo. Somente em 1922,
Sob um novo culto religioso e estilo artístico, o com a tradução hieroglífica e demótica por Jean-François
filho de Amenhotep III, Amenófis IV, muda o próprio Champollion24 através da Pedra de Roseta25, encontrada
nome para Akhenaton; transfere a capital para outro lo-
cal20, de grandes proporções, situado entre Mênfis e Te-
bas, alterando o nome da capital para Akhetaton21, sob a 22
Tutankhamon, faraó da Décima oitava Dinastia, por volta de
proteção do deus Aton, ou deus do sol. 1336 a 1327 a.C.
23
Região que na época dos faraós separava o Egito de parte
da África, às margens do Nilo.
24
Egiptólogo e linguista francês, Jean-François Champollion
nasceu em 1790, e faleceu em 1832, em Paris, com apenas
18
Ao Sul, nas proximidades da atual cidade de Luxor. 41 anos. Considerado o pai da egiptologia, a ele se deve a
19
Deir el-Bahari. Complexo de sepulturas próximo a Luxor, na decifração dos hieróglifos egípcios.
margem esquerda do Nilo. 25
As forças militares comandadas por Napoleão Bonaparte
20
Atual região de Amarna, província de Al Minya, no Egito. (1769-1821) encontraram a Pedra de Roseta, em 1799, quan-
15
21
Horizonte de Aton ou cidade do sol. do chegaram ao deserto egípcio, que pertencia ao Império
Fátima Regina Sans Martini

pelas tropas de Napoleão, o Egito Antigo volta a ser co- Na tumba real, foi encontrada uma suíte completa,
nhecido. com cadeiras, cama, um encosto de cabeça e um balda-
quino30, todos de madeira revestida com ouro. O severo
4 Mobiliário Recuperado mobiliário, de linhas simples, foi reproduzido31 baseado
nos achados da Tumba. Madeira, ouro, cobre e prata;
Além das representações em pinturas e baixo- couro, faiança e ébano, foram os materiais empregados
-relevo, por outro lado, o conhecimento do mobiliário nas reproduções. As peças fazem parte do Museu de Ar-
egípcio é possível graças ao costume de se enterrar com tes Finas de Boston, Massachusetts.
os mortos os objetos de uso pessoal, através do culto de Graças à numerosa descoberta dos móveis, como
que na outra vida os mortos os utilizariam. Assim, com cadeiras, tronos, bancos, camas e arcas, na tumba de Tu-
as escavações arqueológicas são descobertos móveis, às tankhamon, em 1925 por Howard Carter32 e devido à
vezes, em perfeito estado, os quais espelham de alguma sobriedade em utilizar métodos rigorosos, minuciosos e
forma, além das imagens reproduzidas, o modo de vida científicos, foi possível alavancar o conhecimento das téc-
na Antiguidade. nicas ornamentais e os materiais utilizados na fabricação
Algumas das peças encontradas são armações de dos móveis egípcios.
cama, mesas de um único bloco de madeira ou com per- No primeiro momento Carter não conseguiu
distinguir nada. Quando, porém, os seus olhos
nas encaixadas no tampo; móveis de assento e caixas, dos se acostumaram à luz indecisa e começou a
mais diversos tamanhos e modelos, peças essas, reduzi- distinguir contornos, depois sombras, depois
as primeiras cores, quando seu olhar foi distin-
das a pó quando de madeira, mas restauradas graças aos guindo cada vez mais claramente o que conti-
embutidos de pedras e revestimento de ouro. nha o compartimento atrás da segunda porta
Encontrada, em 1906, pelo egiptólogo, italiano, selada... não soltou nenhuma exclamação de
espanto: ficou mudo! [...] a porta foi aberta e
Ernesto Schiaparelli26, a tumba intacta do arquiteto real a luz de uma forte lâmpada elétrica arrancou
Kha e sua esposa Merit27, no povoado dos artesões em relâmpagos dos esquifes de ouro, do trono de
ouro, reflexos foscos das duas grandes estátuas
Deir el Medina, região próxima a Tebas, atual Luxor, no
negras, dos vasos de alabastro e de estranhas ur-
Egito, com mais de quinhentos objetos, entre mobiliário, nas. (CERAM, 1962, p. 166-167)
vestimenta e utensílios de trabalho, revela hábitos e cos- Acompanhado do fotógrafo Harry Burton33, Car-
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

tumes sociais do período. O mobiliário demonstra que, ter registrou e numerou detalhadamente toda espécie de
apesar de menos luxuoso, apresenta os mesmos modelos artefato, antes de removê-lo. A parede do lado direito na
utilizados nos palácios reais. A maioria dos artefatos faz foto da antecâmara esconde a passagem para a câmara do
parte do Museu Egípcio de Turim, na Itália. tesouro e urna dourada do faraó (Figura 2).
A descoberta da Tumba - próxima a Pirâmide de
Quéops, em Gizé – de Hetepheres I, da Quarta Dinas-
tia28, esposa do rei Snefru e mãe do faraó Quéops, se deu,
acidentalmente, em 1925, por Mohamadien Ibrahim, que 30
Baldaquino - Conjunto de colunas e arquitraves dos mais di-
trabalhava para o egiptólogo, americano, George Andrew versos materiais. Sustenta cortinas finas como mosquiteiros
Reisner (1867-1942) 29. ou grossas para proteção de correntes de ar e privacidade.
As colunas derivam dos pés de camas, cadeiras, liteiras ou
tronos. O nome baldacchino surge na Itália, na Idade Média,
e deriva de Baldac ou Bagdad.
31
Reproduções encomendadas para o Museu de Belas Artes de
Otomano na época. O fragmento encontrado foi crucial para Boston (MFA) e feita pelo marceneiro Boston Joseph Ger-
a compreensão dos hieróglifos egípcios. te, em 1929 e 1938. Materiais usados: Madeira, ouro, cobre,

26
Ernesto Schiaparelli (1856-1928). Cooperou na descoberta prata, couro, faiança e ébano. (Disponível em: <http://www.
da Tumba de Nefertari, no Vale das Rainhas e do arquiteto gizapyramids.org/code/emuseum.asp?newpage=sitemap>.
Kha. Nomeado diretor do Museo Egizio di Firenze e poste- Acesso em: maio 2014)
riormente do Museo Egizio di Torino, Itália. 32
Arqueólogo e egiptólogo britânico, Howard Carter (1874-

27
Reinado de Amenhotep III, da Décima oitava Dinastia, por 1939) descobriu o túmulo do faraó Tutankhamon no Vale
volta de 1539-1292 a.C. (Novo Império) dos Reis. Financiado e associado à Lorde Carnavon - George

28
Antigo Império, por volta de 2650 a 2195 a.C. Edward Stanhope Molyneux Herbert (1866-1923), um rico

29
Responsável pelo Museu de Belas Artes de Boston, o egip- colecionador de objetos de arte.
tólogo americano dedicou-se durante 40 anos a escavar as 33
Fotógrafo britânico, Harry Burton (1879-1940). Conhecido
16
pirâmides de Gizé. por suas fotografias nas escavações do Vale dos Reis, no Egito.
História do mobiliário: Egito Antigo

Figura 2 – Foto da antecâmara da tumba de Tutankhamon A tampa abaulada do baú recebe embutido de
marfim e representa o casal real, em baixo-relevo, em
um jardim com flores e videira. Tutankhamon aceita um
ramalhete de Ankhesenamon. Abaixo da cena, donzelas
recolhem frutos e flores. As bordas recebem os mesmos
motivos florais da caixa, em marfim, ébano, faiança, vidro
e calcita.
Exímios fabricantes de tinta colorida, os egípcios
utilizavam o branco do óxido de cálcio, o amarelo do fer-
ro e o preto do carvão, por exemplo. O azul era consegui-
do por meio de óxidos de cobre e cobalto misturados ao
bicarbonato de sódio e de cálcio fundidos em alta tem-
Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
peratura.
Um produto apreciado e importado pelos egípcios
Modificada em 27/08/2015. 643x475 pixels 300 dpi 24 bits 173 KB.
era a faiança, material cerâmico de superfície vítrea, pro-
Na câmara do tesouro, abaixo e ao lado da urna
duzido nos tons azuis e verdes, os quais substituíam, em
dourada, os arqueólogos descobriram as mais diversas
alguns casos, o lápis lazuli – rocha azul escura e intensa
preciosidades entulhadas, entre elas: cadeiras, o trono
– e a turquesa.
real dourado, camas, e uma infinidade de caixas, as quais
A beleza e riqueza de detalhes das caixas e baús
abrigavam os mais diversos objetos de uso real.
egípcios parecem ser intermináveis. As inúmeras peças
A maioria das peças da tumba de Tutankhamon,
de mobiliário, com a finalidade de transporte ou apenas
que atualmente encontram-se em exposição, foi reprodu-
de enfeite, indicam o modo de vida, luxuoso, da realeza
zida e restaurada, devido ao reforço, enfeites e incrusta-
egípcia, e são reproduzidos, embora com material mais
ções de ouro, cerâmica e pedras preciosas, os quais man-
simples, com semelhante beleza, pela classe inferior (Fi-
tiveram a forma do móvel, apesar do desgaste, tratamento
gura 3).
indevido do achado; ou mesmo após o desmanche da ma-
deira envelhecida.

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


Figura 3 – Caixa com tampa inclinada Deir el-Medina.
Novo Império. Décima oitava Dinastia (1539-1292 a.C.) |
4.1 Caixas e baús Amenhotep III.

As caixas e baús, para a guarda de objetos valiosos,


utensílios de toalete, ferramentas e vestiário, apresentam
diversas formas e tampas de diferentes projetos. Pintu-
ra colorida e dourada, painéis perfurados, embutidos de Fonte: Fondazione Museo delle Antichitá Egizie di Torino, Itália
marfim, aplicações de faiança colorida e folhas de ouro, Original tirada em 30/06/2015 12:36. SONY DSC-W810. ISO-800 1/10s. Fondazione
Museo delle Antichitá Egize di Torino, Itália. Modificada em 27/08/2015. 4000x894
incrustações de pedras coloridas, desenhos, hieróglifos pixels 300 dpi 24 bits. JPG. 489 KB. MARTINI, Fátima R. Sans.
e representações de deuses, são elementos presentes nas
peças. A base, praticamente da maioria, é constituída por Um dos mais belos baús encontrados na tumba de
quatro pés de forma quadrangular. Estes, muitas vezes, Tutankhamon apresenta a superfície coberta de pintura,
são uma continuação da estrutura e são arrematados por marfim e ouro.
sapatas de bronze. Os baús e caixas, maiores e mais pe- A pintura lembra as qualidades e inovações artís-
sados, eram erguidos do chão, e transportados, por dois ticas que seu antecessor Akhenaton pregou, desafiando as
bastões, apoiados na base. tradições faraônicas.
Um dos baús encontrados na antecâmara da tum- As composições são emolduradas por motivos
ba de Tutankhamon apresenta painéis de madeira ébano geométricos e fitomórficos34.
com embutidos de marfim, faiança, vidro e calcita. As
bordas recebem faixas delicadas de marfim e ébano. A
base dos quatro pés de forma quadrangular é de bronze. Motivo fitomórfico – Desenho aplicado com características se-
34
17
melhante às plantas, como caule, gavinha, folhas, flores e botões.
Fátima Regina Sans Martini

Os lados maiores apresentam cenas de batalha 4.2 Bancos


contra os sírios e núbios. Em um dos lados, soldados dis- Bancos36 de modelos os mais diversos, de três e
tribuidos em seis carros de guerra seguem o faraó, que é quatro pernas, foram encontrados em grande maioria nas
representado em maior tamanho, junto ao carro puxado tumbas egípcias.
por dois cavalos. Os inimigos se encontram agrupados, Exemplos de bancos descobertos na tumba de
em meio ao caos, à direita. Os lados menores exibem os Kha, arquiteto e capataz dos operários de Deir el-Medi-
cartuchos com o nome do rei. na37, da Décima oitava Dinastia, apresentam semelhanças.
A tampa abaulada apresenta uma cena de caça. O Um deles, elaborado, de madeira ébano indica a origem
rei localiza-se à frente de cavaleiros e escravos. Sobre o da elite dos trabalhadores. As pernas cilíndricas recebem
carro puxado por dois cavalos, o faraó armado de arco incisões e incrustações de marfim, e imitam guirlandas
e flecha, destaca-se do fundo coberto de hieróglifos, se- de pétalas de lótus. As travessas, também cilíndricas, re-
melhante às composições laterais. À direita a paisagem se forçam a estrutura e recebem em marfim, virolas e delica-
transforma em um deserto, “cuja superfície está coberta dos montantes verticais e inclinados. A dupla curvatura
por um pontilhado que sugere a areia. Variadas plantas do assento é formada por barras côncavas entortadas no
alastram pelo solo e os animais correm em debandada, vapor. Em modelos semelhantes os assentos recebem aca-
sem nenhumas linhas de terra a cortar-lhes a fuga”. (JAN- bamento em couro ou trançado de fibra natural.
SON, 1992, p. 69). Os bancos mais simples, em sua grande maioria,
Entre as pequenas e numerosas caixas para guar- são constituídos de assento, semicircular, côncavo, for-
dar cosméticos, uma se destaca pela beleza e delicada for- mado por um só bloco de madeira. As pernas, unidas, ou
ma. As pernas altas, retas e delgadas da caixa quadrada não, por travessas curvadas, se prolongam em curva além
em madeira ébano, são reforçadas por barras transversais da superfície do assento, dando-lhe maior estabilidade.
e painéis, em madeira avermelhada. Os arabescos35 divi- Em algumas tumbas os bancos encontrados, de mesmo
dem-se entre madeira ébano e madeira dourada. À volta modelo, recebem assento decorado e esculpido nas late-
toda da caixa e dos painéis, as bordas, com incisões e tex- rais, assim como, as pernas recebem eventual decoração
tos hieroglíficos, recebem pigmento amarelo para imitar de pés zoomórficos (Figura 5).
o marfim.
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

Dobradiças de bronze articulam a delicada tampa. Figura 5 – Banco de três pernas Deir el-Medina. Novo
Império. Décima oitava Dinastia (1539-1292 a.C.) |
Os botões dourados na tampa e no painel frontal rece-
Amenhotep III
bem, respectivamente, o prenome e o nome do rei (Fi-
gura 4).

Figura 4 – Caixa para guarda de cosméticos

Fonte: Fondazione Museo delle Antichitá Egizie di Torino, Itália


Original tirada em 30/06/2015 11:58. SONY DSC-W810. ISO-800 1/10s. Fondazione
Museo delle Antichitá Egize di Torino, Itália. Modificada em 27/08/2015. 802x696
pixels 300 dpi 24 bits. JPG. 198 KB. MARTINI, Fátima R. Sans.
Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
Modificada em 27/08/2015. 937x713 pixels 300 dpi 24 bits 190 KB. MARTINI,
Fátima R. Sans.

36
Os banquinhos são conhecidos por stool ou sgabello. O ter-
mo tamborete é atribuído aos bancos mais baixos.
Arabescos - Delicada combinação de formas. Conhecido
35 37
Reinado de Amenhotep III, da Décima oitava Dinastia, por
18
também por fretwork. volta de 1539-1292 a.C. (Novo Império)
História do mobiliário: Egito Antigo

Os bancos encontrados em distintas tumbas, per- Figura 7 – Banco dobrável Novo Império. Faraó
tencentes a Décima oitava Dinastia egípcia, são muito Tutankhamon. O detalhe em marfim é diferente no
banco à direita.
semelhantes, em proporção e construção. O reforço das
juntas, e delicados montantes ou travessas, na estrutura,
comprovam a durabilidade e resistência dos mesmos. Os
assentos recebem estrutura de madeira curvada ou trama
no padrão espinha de peixe, em fibra de linho ou couro
(Figura 6).
Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
Figura 6 – Banco com montantes. Sacara, Egito. Novo Modificada em 27/08/2015. 4000x1287 pixels. 300 dpi 32 bits. 481 KB.
MARTINI, Fátima R. Sans.
Império, por volta de 1539-1295 a.C

4.3 Cadeiras e tronos


Uma das cadeiras restaurada, de Hetepheres I da
Quarta Dinastia apresenta o encosto e assento de madei-
ra emoldurada com folha de ouro e, com certeza, recebia
almofada para o conforto. O modelo representa a mistura
Fonte: THE BROOKLYN MUSEUM. da forma zoomórfica e motivo fito mórfico.
Modificada em 27/08/2015. 1832x619 pixels 300 dpi 24 bits. JPG. 310 KB. Duas poltronas tinham sido colocadas no tú-
MARTINI, Fátima R. Sans. mulo, mas infelizmente só uma foi reconstruí-
Banquinhos dobráveis eram comuns na Antigui- da. Cada uma tinha pernas em forma de leão e
sapatas e tambores de cobre. O assento da pol-
dade, mas os bancos encontrados nas tumbas dos faraós trona apresentava estrutura em madeira maciça
do novo Império apresentam um modelo que parece ter revestida de ouro. Os braços de madeira doura-
sido comum – as pernas cruzadas, nas laterais, se encer- da têm incisões paralelas e são decorados com
três flores amarradas por uma fileira de anéis
ram com a forma da cabeça e bico de ave, e os olhos e semicircular. (KILLEN, 1994, p. 31, tradução
enfeite do pescoço são de marfim. nossa).
Um dos bancos de fechar, encontrado na antecâ- A execução das cadeiras evolui a partir do Médio
mara da tumba de Tutankhamon, apresentava juntamen- e Novo Império, com a introdução de alguns elementos

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


te às barras côncavas, restos de couro vermelho, que sus- vulgares. As pernas, além do simples perfil quadrado,
tentavam o assento, provavelmente pele de cabra tingida. apresentam a forma zoomórfica, geralmente de leão e
O par de pernas arredondadas do banquinho em touro, de patas traseiras – inclusive com a dobradura –
madeira ébano é anexado, sob o assento, em diagonal e se e dianteiras. Uma base de cilindros superpostos sob as
cruzam no centro presas por pinos de bronze. Os mon- patas zoomórficas, servem como uma sapata para prote-
tantes que reforçam e unem o par de pernas recebem ção da própria madeira, distribuição do peso e correção
virolas de marfim na parte interna e externamente um das diferenças de altura no piso. O espaldar inclinado e
acabamento em filete dourado para esconder os pinos de apoiado em outro encosto reto, utilizado como pontão,
fixação. ou escora, que se apoia na estrutura do assento, na dire-
Abaixo do cruzamento, as pernas são mais grossas ção das pernas traseiras e, a delicada esquadria de ma-
e esculpidas com a forma de cabeça de ganso, e embutido deira encurvada, reforçada por rebites38, normalmente
de marfim. As bocas abertas se encerram sobre uma barra decorada com folha de ouro ou marfim, que une e reforça
de madeira, finamente arredondada (Figura 7). o assento e encosto dianteiro, como uma trava (Figura 8).

Rebite - Pequeno metal cilíndrico introduzido em um furo,


38

de tal modo que a extremidade sobressaia e possa formar


uma cabeça rebatida e plana. Empregada para reforçar as
19
juntas.
Fátima Regina Sans Martini

Figura 8 – Detalhe encosto cadeira As laterais e o encosto recebem rebites e folhas de ouro
marchetado (Figura 9).

Figura 9 – Cadeira cerimonial do deus Heh


encontradas na tumba de Tutankhamon
As pernas altas têm a forma de patas de animal
– dianteiras e posteriores – com garras em marfim que
se apoiam em uma fileira de cilindros em ouro e bronze.
Largura: 47,5 x profundidade: 51 x altura: 96
Fonte: Museo Egizio di Firenze, Itália
Novo Império (1550-1070 a.C.). Original tirada em 11/07/2015 10:00. SONY DSC-
TX1. ISO-400 1/20s. Museo Egizio di Firenze, Itália. Modificada em 27/08/2015.
3372x1654 pixels 300 dpi 24 bits. JPG. 650 KB. MARTINI, Fátima R. Sans.

Uma das cadeiras mais bem conservada encontra-


da na tumba de Kha, em Deir el-Medina, com encosto
inclinado e pontão, reforço na fixação do assento e perfei-
tos encaixes nas juntas, fixados com resina, é um exem-
plo do mobiliário copiado da realeza. Embora executada
com as mesmas formas e, aparentemente, com a mesma Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
durabilidade, apresenta artifícios que imitam os materiais Modificada em 27/08/2015 3925x2022 pixels. 300 dpi. 24 bits. 743 KB.
MARTINI, Fátima R. Sans.
preciosos. O encosto recebe decoração de pintura nas la-
terais e borda superior em padrão que lembra diamante,
nas cores pretas e brancas, imitando as incrustações de Os tronos fazem parte do ritual dos grandes impé-
madeira ébano e marfim. Flores e botões de lótus, cachos rios e, juntamente à tumba do faraó Tutankhamon, foram
de uvas, e espirais são representados na parte superior do encontrados diversos exemplares, inclusive infantis.
encosto. Uma coluna de hieróglifos traçada a tinta preta Executado em madeira dourada, o conhecido tro-
envolve ambos os lados de um retângulo preto e branco no do rei, em madeira dourada, foi facilmente restaurado,
graças à estrutura totalmente revestida com incrustação
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

grande, dividido em seis seções verticais. Os pés da cadei-


ra terminam em patas de leão e descansam sobre a base de massas vítreas, pietre dure40e prata.
cilíndrica, de madeira com ranhuras, imitando a fileira de No encosto, em talha dourada, representada dian-
cilindros das cadeiras imperiais. te do rei, em pé, está a jovem esposa Ankhesenamon. O
Entre as cadeiras em madeira cedro, encontra- casal, sob os raios do disco solar, usa coroa e colar rica-
das na tumba de Tutankhamon, uma delas apresenta um mente trabalhado e colorido. No fundo, incisões de hie-
exemplo de ergonomia. róglifos e cartuchos41.
O assento é curvado, nos dois sentidos, formado
por travessas. Resultado ideal para acomodar os almofa-
cadeira cerimonial o deus está de joelhos sob o disco solar
dões, evitando a possível queda. adornado com um araeus duplo – forma de serpente (mes-
As pernas são unidas e reforçadas por uma traves- mo símbolo utilizado nas coroas dos faraós) símbolo de so-
berania, de realeza e divindade. Um ankh – símbolo da vida
sa de madeira à volta toda da estrutura. A barra apresen- eterna – adorna um dos braços abertos. Em cada mão, uma
ta montantes em ouro e restos prováveis de painéis com haste de palmeira, terminada em forma de um disco solar
com um araeus cada.
arabescos em ouro. 40
Pietre dure - Incrustação de pedras coloridas, às vezes semi-
O encosto é levemente inclinado e sustentado por preciosas ou preciosas. O resultado pode ser plano ou em
outro reto, do mesmo modo, vazado e esculpido. O es- baixo-relevo.
41
Os nomes do rei, da rainha e dos deuses eram inscritos no
paldar apresenta a figura do deus Heh39 sob o disco solar. centro de cartuchos, também chamados de cartelas. No tem-
po de Akhenaton o nome do deus Aton também passou a ser
inscrito no interior dos mesmos. No trono cerimonial de Tu-
tankhamon existem cartelas onde o nome do rei e da rainha
O deus Heh representa a eternidade e espaço infinito. Co-
39
ocorrem lado a lado com os elementos simbólicos de Aton e
nhecido por deus de milhões de anos. Para os governantes Amon. A decoração, também, remete à arte espontânea do
20
significaria o desejo de muito tempo de vida e poder. Na tempo de Akhenaton, o que demonstra o retorno a fé antiga
História do mobiliário: Egito Antigo

O restante do trono é caracterizado por delicado O banco44 para apoio dos pés era essencial, princi-
entalhe e decoração em marchetaria42, dispostos com palmente nas cerimônias externas, tanto para o conforto,
cuidadoso equilíbrio cromático. Nos braços da cadeira, a quanto para a ostentação.
cártula com o nome do faraó é guardada por uma cobra Uma cadeira de criança se destaca, pela qualidade,
com grandes asas abertas com incrustação de pasta ví- construção e semelhança com outra de adulto. Em madeira
trea. Sob o assento, em pietre dure, travessas e montantes ébano, a cadeira recebe incrustações de marfim e folha de
verticais, com resquício de arabescos em ouro, reforçam ouro nos braços. O encosto inclinado recebe ornamenta-
a estrutura junto as pernas. ção de faixas verticais. As pernas zoomórficas são ligadas
As pernas do trono têm a forma zoomórfica apoia- por delicados montantes, transversais e inclinados, unidos
da sobre fileira de cilindros e acabamento em bronze. O por virolas em marfim. Rebites de metal com cabeça dou-
apoio para as mãos no encerramento dos braços tem a rada reforçam toda a estrutura da cadeira.
forma da cabeça de leão.
Entre outros tronos cerimoniais semelhantes en- 4.4 Mesas
contrados na tumba de Tutankhamon, um deles consiste Juntamente à tumba do arquiteto Kha, em Deir
de um artifício interessante. el-Medina, foram descobertos exemplos, raros, de mesas.
O assento e encosto são apoiados e amarrados so- A mesa de madeira45 retangular, baixa, é similar a qual-
bre um banco, de madeira ébano, com estrutura em X. quer outra mesa de centro que julgamos moderna. Uma
O modelo do banquinho, apesar de fixo, segue a forma estrutura simples com quatro pés de forma quadrangular
vulgar já descrito anteriormente, em que as pernas se en- e reforçados por barras horizontais em juntas precisas. O
cerram em forma da cabeça e bico de ave. tampo maciço, no menor sentido, apresenta nas laterais,
A barra redonda frontal, junto ao piso entre os bi- uma faixa de escrita em hieróglifos, delimitadas por três
cos, ainda exibe painel com parte dos arabescos em ma- linhas, coloridas. No sentido maior, o nome do falecido e
deira dourada, marfim e ouro. O grande assento cônca- o título encontra-se delimitado por uma linha.
vo, em madeira ébano, tem incrustações de marfim com O exemplar mais alto, e vale notar que a altura não
formas irregulares imitando manchas de couro animal. O ultrapassa quarenta e oito centímetros, é uma pequena
assento se une ao encosto por meio de esquadrias revesti- mesa, retangular, com tampo cuja estrutura imita esteira

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


das com folha de ouro. de junco, cercada por uma moldura. As pernas cilíndricas
Três montantes, paralelos verticais, fixos na base são unidas e reforçadas, de maneira análoga ao reforço
do assento sustentam o encosto inclinado, decorado no das cadeiras, com montantes verticais e inclinados. A es-
verso, com a figura de abutre43 com as asas caídas. trutura das pernas e do tampo é separada por duas vigas
O espaldar dianteiro, completamente revestido, no sentido maior ligadas por travessas.
recebe folhas de ouro marchetado, com inscrições e a es-
tampa do abutre com as asas abertas. A presença de car- 4.5 Leitos
telas com o nome do deus Aton comprova que o trono foi Quanto às camas, achados comprovam que, des-
executado no período inicial do governo de Tutankha- de o Período Pré-dinástico, já existiam exemplares se-
mon. melhantes aos períodos mais tardios do Egito Antigo. A
Próximo ao trono com pés em X, foi encontrado estrutura, com pernas em forma de patas de touro dian-
um apoio para os pés, em madeira ébano, incrustado com teiras e traseiras, descoberta no sítio de Gebelein, no alto
motivo decorativo semelhante nas travessas laterais. Egito, é datada como pertencente a Primeira Dinastia,
por volta de 3100 a.C.
A formação precisa da estrutura da cama, cur-
vada graciosamente, ilustra o alto grau de ha-
de forma gradual no período do jovem Tutankhamon. bilidades de carpintaria. […]. As pernas são
42
Marchetaria – Arte de embutir folhas de madeiras diferentes
ou peças em superfícies maciças. A marchetaria é um mo-
saico de madeiras coloridas combinadas ou não com outros
materiais preciosos como marfim, conchas, cobre, estanho, 44
Medidas do banco para apoio dos pés – comprimento 70 x
etc. segundo os limites do prévio desenho. largura 32 x altura 7,7 cm.
43
Deusa protetora da realeza egípcia, em especial o nascimen- 45
Medidas da mesa – comprimento 47 x largura 70 x altura 38
21
to as crianças reais. cm.
Fátima Regina Sans Martini

amarradas à calha lateral com cinta de cou- Figura 10 – Cama do deus Bes. Cama de madeira ébano
ro que passa através de ranhuras para a barra com pés zoomórficos e detalhe da peseira
transversal. O trilho lateral encontra-se escul-
pido com a flor de papiro estilizada. (KILLEN,
1994, p. 25-26, tradução nossa).
A cama de Hetepheres I, da Quarta Dinastia, apre-
senta duas grossas barras laterais folheadas a ouro, amar-
radas por cordões de ouro aos pés de madeira dourada Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
Modificada em 27/08/2015 10:15. 3944x909 pixels. 300 dpi. 24 bits. 391 KB.
em forma de patas de leão. As pernas da cabeceira são MARTINI, Fátima R. Sans.
mais altas. O painel de madeira dourada é perfurado com
símbolos florais e se encaixa na trave, através de espigas A cama dourada, em hipótese, a cama do faraó,
de madeira inseridas em perfurações de cobre. Junto ao apresenta as mesmas características formais.
leito, o baldaquino decorado com folhas de ouro martela- O painel juntamente à peseira em folha de ouro
das e gravadas com hieróglifos, indica o título real. recebe estuque47 modelado com as figuras de Bes e Thue-
Em meio ao numeroso artefato presente na tumba ris48, rodeados por plantas de papiros e lótus, e unidos por
de Tutankhamon estavam diversos leitos fúnebres e ca- dois pares de papiros com delicadas hastes.
mas. A armação da cama articulada é formada por bar-
A cama de madeira ébano tem pernas zoomórfi- ras de madeira divididas em três partes e unidas por do-
cas unidas por uma travessa. As patas de leão se apoiam bradiças de cobre. O eixo e a flexibilidade da fibra vegetal,
sobre cilindros superpostos em prata. firmemente entrelaçada, que compõe o estrado, permite a
Constata-se uma diferença fundamental em rela- sobreposição das partes. Um dos pares de pernas se dobra
ção à forma de descanso, em que o ornamento principal para o interior por meio das dobradiças.
da cama situa-se juntamente à peseira e não na cabeceira A peseira é emoldurada por uma série de montan-
como é o costume ocidental. tes verticais, divididos em três painéis por dois pares de
O modelo de cama, com as peseiras altas e orna- papiros, que se juntam invertidos no centro. Um detalhe
mentadas, se deve ao costume, no Egito Antigo, de se dei- delicado e decorativo presente em quase todas as camas
tar sobre o encosto de cabeça, do lado oposto. encontradas nas tumbas egípcias (Figura 11).
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

Os egípcios usavam apoios de cabeça como tra-


Figura 11 – Cama articulada
vesseiros, enquanto dormiam. Dos mais simples aos mais
elaborados, de madeira, marfim ou faiança, o encosto ti-
nha a função mágica, de manter o pescoço erguido, pois
acreditavam que do contrário poderiam permanecer no
mundo dos mortos.
A moldura da peseira integra longo texto inciso à Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
volta toda e três painéis vazados e esculpidos com o deus Modificada em 27/08/2015. 4010x1240 pixels. 300 dpi. 24 bits. 438 KB.
MARTINI, Fátima R. Sans.
Bes46 rodeado por leões. As línguas protuberantes de Bes
são de marfim e as coroas recebem fina folha de ouro.
Dois pares de papiros, em ouro, se juntam invertidos se- 5 Mobiliário Preservado
parando os três painéis.
Sob o estrado duas ripas curvadas reforçam a es- Os exemplos apresentados do mobiliário egípcio fo-
trutura da cama e apoiam o trançado de fibra natural (Fi- ram encontrados, em sua maioria, nas tumbas de Tutankha-
gura 10).

Estuque - Espécie de argamassa feita geralmente com água,


47

cal fina, gesso e areia. Os egípcios utilizavam como massa de


Deus, presente na mitologia egípcia, representado por uma
46 modelagem.
espécie de anão, obeso, visto de frente com a língua de fora. Taueret ou Taweret. Deusa da fertilidade. Esposa de
48

Pode ser considerado o “bobo da corte”. Um ser que propor- Bes. Ambos assustavam os demônios por causa da
22
ciona alegria. feiura.
História do mobiliário: Egito Antigo

mon e do arquiteto Kha, ambos do Novo Império. Muito Julgo importante chamar atenção dos jovens olha-
pouco, ou nada restou de mobiliário dos períodos posteriores. res quando o assunto se relaciona à Arte de modo geral,
Durante o terceiro período intermediário, a que muito, muito pouco, é uma criação original, e sim,
capital administrativa do Egito mudou-se para
Tanis, no Delta, onde se localizavam as tumbas que o objeto se transforma, segundo a época e a socie-
reais da XXI e XXII Dinastias. Os pequenos dade que dele se apropria. O mobiliário atual, em termos
túmulos foram descobertos praticamente in-
tactos por Pierre Montet, em 1939. As tumbas
artísticos, formal e de conforto, muito pouco difere do
não continham móveis e as cenas de parede são mobiliário executado há milhares de anos, em que as ne-
principalmente funerárias. Elas não mostram cessidades básicas de descansar, sentar e apoiar são aten-
as atividades cotidianas que são vistas nas tum-
bas anteriores. (KILLEN, 1994, p. 54, tradução didas. Somente por meio da História da Arte, é possível
nossa). acompanhar os diferentes estilos, reconhecer as mudan-
No entanto, juntamente à necrópole de Tuna el- ças e necessidades ao longo do tempo, para sugerir novos
-Gebel49 foi encontrado o túmulo de Petosiris, construí- caminhos e avançar, com competência, nas práticas hu-
do em torno de 332 a.C. na época da conquista do Egito manas do saber e fazer.
por Alexandre, o Grande. As cenas, em relevos bem pre- Este estudo está assentado em pesquisas continua-
servados, representam o mobiliário similar às dinastias das, por extenso tempo. Conquistei experiência e ampliei
anteriores. Em uma das cenas um par de carpinteiros é conhecimento com excelentes mestres e profissionais.
representado trabalhando com um torno50 primitivo. Agradeço a todos que participaram e que me deram va-
Um dos homens gira o elemento central com uma liosas contribuições ao longo do processo de aprendiza-
corda, enquanto o outro raspa a madeira. do. Agradeço aos jovens olhares curiosos.
Sabe-se que, por todo período romano, o mobiliá-
rio egípcio foi, amplamente, procurado por seu alto grau Referências
de qualidade e requinte, representados por móveis com APOLINÁRIO, Fabio. Metodologia da ciência: filosofia e
pernas torneadas e superfícies incrustadas com marfim e prática da pesquisa. São Paulo: Pioneira Topmson Lear-
osso, em cenas de animais, frutas e flores. ning, 2006.
A marcenaria e carpintaria desenvolvida na An-
ARRUDA, José Jobson de Andrade. História antiga e me-
tiguidade, praticada ininterruptamente por milhares de dieval. 12. ed. São Paulo: Ática, 1990.

Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016


anos, demonstra que, por meio dos mestres e aprendizes,
dos designers e artistas, as antigas habilidades e técnicas BROOKLYN MUSEUM. Home. Available in: <http://
www.brooklynmuseum.org>. Access: 15 oct. 2014.
podem ser preservadas e apreciadas.
BRUNT, Andrew. Guia dos estilos de mobiliário. 2. ed. Lis-
6 Considerações Finais boa: Habitat, 1990.

BURNS, Edward McNall. História da civilização ociden-


O âmbito da História da Arte e da História do mo- tal: do homem das cavernas até a bomba atômica. Tradu-
biliário e design, é atrativo e surpreendente! Espero que ção de Lourival Gomes Machado, Lourdes Santos Macha-
o leitor tenha descoberto e se encantado com esse uni- do, Leonel Vallandro. Porto Alegre: Globo, 1977.
verso, ou melhor com o recorte aqui apresentado. Por
BURNS, Edward McNall. História da civilização ociden-
meio dessa viagem ao mobiliário do Egito Antigo, artis- tal: do homem das cavernas às naves espaciais. Tradução
tas, artesãos, professores da área, designers e arquitetos de de Robert E Lerner, Standish Meacham. 44. ed. São Paulo:
interiores, possam adquirir, seguramente, novos conhe- Globo, 2005.
cimentos, habilidades, valores e atitudes, resultando em
BURNS, Edward McNall. História da civilização oci-
experiência e cultura na prática diária. dental. 27. ed. Porto Alegre: Globo, 1986.

C. BARTOLOMÉ, Calatayud et al. Glosario de carpintería eba-


49  
Tuna el-Gebel - Expedições trabalham na necrópole a partir nistería para Escuelas Taller. Valencia: Servef-Paterna, 2006.
das datas: 1903-4; 1912; 1920 e 1930.
50
Torno – Máquina dotada de um cilindro que se faz girar a CALADO, Margarida; SILVA, Jorge Henrique Pais da.
volta de um centro. Trata-se da combinação de dois movi- Dicionário de termos da arte e arquitectura. Lisboa: Pre-
mentos. Rotação da peça e movimento do avanço da ferra- sença, 2005. 23
menta, que dá forma e lixa o objeto.
Fátima Regina Sans Martini

CASSON, Lionel. O antigo Egito. Rio de Janeiro: J. Olym- MUSÉE DU LOUVRE. Site officiel du Musée du Louvre.
pio, 1981. Disponible en: <http://www.louvre.fr>. Accès: 01 oct.
2014.
CERAM, C.W. Deuses, túmulos e sábios. 10. ed. São Paulo:
Melhoramentos, 1962. MUSEUM OF FINE ARTS BOSTON. Armchair of Queen
Hetepheres I (reproduction). Available in: <http://www.
FONDAZIONE MUSEO DELLE ANTICHITÀ EGIZIE mfa.org/collections/object/armchair-of-queen-hetep-
DI TORINO. Colllezione. Disponibili in: <http://colle- heres-i-reproduction-148172>. Access: 08 oct. 2014.
zioni.museoegizio.it/eMuseumPlus?service=ExternalIn-
terface&module=collection&objectId=102511&view- OATES, Phyllis Bennett. História do mobiliário ocidental.
Type=detailView>. Accesso: 21 ott. 2014. Lisboa: Presença, 1991.

GIORDANI, Mário Curtis. História da antiguidade orien- SEVERINO, Antonio Joaquim. Metodologia do trabalho
tal. Petrópolis: Vozes, 2001. cientifico. São Paulo: Cortez, 2002.

GLERUM, Jan Pieter. Meubelen. Den Haag: Tirion-Ba- SOPRINTENDENZA PER I BENI ARCHEOLOGICI
arn, 1995. DELLA TOSCANA. Firenze, Museo Egizio. Disponibi-
li in: <http://www.archeotoscana.beniculturali.it/index.
GOMBRICH, E. H. História da arte. Tradução Álvaro php?it/148/firenze-museo-egizio>. Accesso: 08 ag. 2015.
Cabral. Rio de Janeiro: LTC, 2000.
STAATLICHE MUSEEN ZU BERLIN. Home. In: <http://
HAUSER, A. História social da literatura e da arte. Tradu- www.smb.museum/smb/home/index.php>. Prozess in:
ção Álvaro Cabral. São Paulo: M. Fontes, 2003. 01 sept. 2014.

JAMES, Henry. Tutancâmon. Tradução de Francisco Ma- THE BRITISH MUSEUM. Welcome to the British Muse-
nhães. Barcelona: Folio, 2005. um. Available in: <http://www.britishmuseum.org>. Ac-
cess: 11 oct. 2014.
JANSON, H. W. História da arte. Tradução J. A. F. de Al-
meida. São Paulo: M. Fontes, 1992. THE GRAND EGYPTIAN MUSEM. [Home]. Available
in: <http://www.gem.gov.eg>. Access: 11 oct. 2014.
KILLEN, Geoffrey. Ancient Egyptian furniture. Warmin-
ster Wiltshire: Aris & Phillips, 1994. THE GRIFFITH INSTITUTE. Carter archives. Available
in: <http://www.griffith.ox.ac.uk/gri/carter/046qq-p0019.
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016

KILLEN, Geoffrey. Egyptian woodworking and furniture. html>. Access: 08 sept. 2014.
UK: Shire Publications, 1994. Available in: <http://wood-
tools.nov.ru/books/egypt_wood/egypt_wood.pdf>. Ac- THE METROPOLITAN MUSEUM OF ART. Home.
cess: 09 aug. 2015. Available in: <http://www.metmuseum.org>. Access: 11
oct. 2014.
KING, Constance. Illustrierte Geschichte Der Möbel: so-
fas. Köln: Könemann, 1996. TIRADRITTI, Francesco. Tesouros do Egito. Barueri: Ma-
nole, 2001.
KUNSTHISTORISCHES MUSEUM. Viena. In: <http://
www.khm.at/en/visit/collections>. Prozess in: 01 okt.
2014.

24

Você também pode gostar