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História do mobiliário: Egito Antigo*
Abstract
This article discusses the history of furniture, specifically the an-
cient Egypt, which represents one of the first documented civilizations,
in political, cultural and artistic terms. The Images, the writing, buildings
and artifacts, attest, despite the phases of anarchy, the permanence of cul-
tural patterns and social training for thousands of years. It is necessary to
expose concisely the context, historical, socio-political and artistic when
it investigates styles and periods relating to the production and that to-
day is called design. The Egyptian furniture is testament to the luxury
of the pharaonic court and the quality and the technical and artistic ad-
vancement of society, which, in the idealization of safety and comfort,
conceives and consumes. The historic and qualitative research, supported
in the bibliography and note, provides, through the creative mind, the
power to develop spaces and products, that adapt to the recent standards
and requirements and indicates the importance of furniture, object of the
* Recebido em: 28/03/2016.
Aprovado em: 14/06/2016. society, which in its different historical and artistic periods, seeks comfort
1
Mestre em Artes Visuais com Abordagens Te- and beauty for your pleasure.
óricas, Históricas e Culturais pela UNESP. Pós-
Keywords: Furniture. Design. Ancient Egypt.
-graduação em História da Arte pela FAAP-SP.
Fátima Regina Sans Martini
A História do Mobiliário remete ao momento ini- A evolução do móvel tem profunda relação com o
cial em que o homem procura uma habitação para se pro- desenvolvimento da arquitetura e com a respectiva cultu-
teger e conviver e se estende aos dias atuais. A evolução ra dos povos.
do mobiliário perpassa pela história sociopolítica, artís- A sociedade primitiva constituída de povos nôma-
tica e cultural, por meio dos diversos períodos e regiões. des produz objetos simples, aprimorados com o desenvol-
O móvel acompanha as necessidades dos habitantes e das vimento do poder econômico. Sem dúvida, os poucos mó-
moradias, dos mais variados territórios; acompanha os veis tornam os primeiros assentamentos mais agradáveis.
estilos e maneiras regionais, evolui e aperfeiçoa-se segun- No entanto, a não ser os artefatos da civilização egípcia em
do o avanço das técnicas; e se transforma, adaptando-se à floração, encontra-se pouco, ou até mesmo nenhum exem-
modernidade e ao conforto. Desse modo, a quantidade, a plo ou modelo das civilizações mais antigas.
qualidade, diversidade e design associam-se e integram-se No Vale do Nilo, crescem árvores de vários tipos,
à estética da época, aos estilos e movimentos artísticos. porém, pobres em qualidade. Segundo Geoffrey Killen
Ao me dedicar à disciplina de História do mobiliá- (1994, p. 7), “a acácia2 foi provavelmente a madeira mais
rio e trabalhar na área do design e arquitetura de interio- utilizada das árvores nativas. Evidências do seu uso por
res, como desenhista e projetista, idealizei escrever sobre marceneiros podem ser rastreadas durante todo o perío-
o tema; pois constatei nas raras edições sobre o assunto, a do dinástico”.
ausência de ligação da história, configuração e produção As classes aristocráticas egípcias recebem móveis
do mobiliário, um recurso extremamente necessário para feitos com madeira, luxuosa e valorizada, importada do
a profissão, na prática, e juntamente à sala de aula. Essa Oriente Médio, principalmente do Líbano, como o ce-
carência animou-me em direção à pesquisa. dro3. Da Núbia, e da Etiópia, chega a madeira ébano4.
A perspectiva cronológica possibilitou entender Com os problemas da crescente demanda por
madeira de melhor qualidade, não é surpreen-
os fatos e as referências. Assim, partindo da Antiguidade, dente que a importação de madeira começou
com recorte e destaque no mobiliário do Egito Antigo, logo na primeira dinastia. A costa do Mediter-
râneo Oriental provou ser a mais popular fonte
elaborei este artigo, com o desejo que o leitor descubra e de importações de madeira egípcio. Como o
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016
percorra, através da história, o modo de viver em espaços aumento da quantidade dessas madeiras novas,
interiores sempre à procura de maior segurança, conforto o Egito alcançou durante o império antigo, a
qualidade da madeira desejada. Provavelmente
e beleza, por meio de uma linguagem simples e resumi- a mais antiga madeira importada para ser usada
da, frente ao que já se conhece sobre estilos artísticos e no mobiliário foi o cedro. (KILLEN, 1994, p. 7,
tradução nossa).
design.
Enquanto os móveis populares são deixados na
Os capítulos iniciais apresentam, de forma sintéti-
madeira crua, quase sempre inferiores, ou recebem pin-
ca, o mobiliário e o contexto histórico e sociopolítico do
tura colorida, invariavelmente imitativa5, os móveis de
Egito Antigo, para que o leitor compreenda os períodos
relativos à concepção artística e formal do mobiliário. As
figuras escolhidas ilustram o assunto sempre que neces- 2
Acácia - Madeira extremamente dura, pesada, imune ao
sário. ataque de insetos e da humidade, portanto, durável, propí-
A metodologia aplicada é bibliográfica fundamen- cia para obras de marcenaria e carpintaria da espécie Acacia
seyal e Acacia tortilis. Árvore sagrada para os antigos egíp-
tada nos autores Edward Mcnall Burns (2005); H. W. Jan- cios.
son (1992); C. W. Ceram (1962) e Geoffrey Killen (1994), 3
Cedro - Madeira aromática, também utilizada como resina
com enfoque no método, histórico e qualitativo histórico pelos egípcios antigos. Variedade do Cedro do Líbano ou
Cedrus Libani.
e qualitativo desenvolvido na prática e na observação jun- 4
Ébano - Madeira nobre e valiosa, muito escura, resistente e
to aos Museus e Fundações, entre eles, Fondazione Museo rija. O ébano reluz ao ser polida. De origem africana e asiá-
tica, do gênero Diospyros, da família das ebenáceas. Atual-
delle Antichità Egizie di Torino; Museo Egizio di Firenze;
mente o ébano é uma madeira protegida por ser extrema-
Museum of Fine Arts, Boston; The British Museum, Lon- mente rara.
dres; The Griffith Institute, Oxford; Brooklyn Museum,
5
Na História do mobiliário, observa-se que a aplicação de téc-
nicas de pintura é um dos meios mais populares e fáceis para
12 New York e The Metropolitan Museum of Art, New York. a imitação, de acessórios, como pedras preciosas e semipre-
História do mobiliário: Egito Antigo
madeira nobre, dos faraós e dos membros da corte, são graças a cuidadosas análises e comparações,
quando, onde e por quem certa obra foi criada,
revestidos com lâminas finas de madeiras contrastantes,
como lhes permite compreender a intenção do
lâminas de ouro e prata, envolvidos por pintura de cores artista, a qual depende da sua personalidade e
vivas, a base de minerais; recebem embutidos de marfim do meio onde viveu e trabalhou. Um estilo na-
cional é o conjunto dos traços próprios que dis-
e incrustações de pedras preciosas. tinguem a arte de um povo perante a de quais-
Os móveis infantis são miniaturas com todas as quer outros. (JANSON, 1992, p. 57)
características semelhantes do mobiliário adulto, inclusi- As cadeiras e tronos são representados em maior
ve acabamento em materiais nobres. número, sozinhos ou acompanhados de mesas e bancos
Os métodos utilizados na execução do mobiliário para apoio dos pés.
demonstram por parte dos artesões egípcios um alto grau de As pernas dos tronos, cadeiras, bancos e camas,
aperfeiçoamento, representado, nas juntas de topo6, simples- apresentam ornamentos e elementos zoomórficos como:
mente amarradas com tiras de couro, nas juntas de encaixe7; patas de leão, de touro e de gazelas, anteriores e poste-
nas técnicas da espiga8 e cavilha9, fixação com resina; reforço riores; cabeça de pato e asas de pássaros, e sob elas uma
de virolas10; na curvatura da madeira e no desenvolvimento sapata12 formada por uma fileira de aros esculpidos.
dos compensados e folheados; no acabamento e polimen- Os assentos e móveis de repouso recebem, nas
to da madeira através do atrito com pedra; sem esquecer, o regiões de contato com o corpo, couro, fibras vegetais e
emprego de dobradiças, rebites, ferragens e eixos de metal. almofadas envolvidas por tecidos finos e linho.
Através da pintura mural e baixo-relevo11, nas pa- Os montantes reforçam a estrutura e garantem a
redes dos templos e tumbas, é possível reconhecer que estabilidade, em delicadas linhas verticais, horizontais e
desde as primeiras Dinastias os egípcios já convivem com inclinadas, em madeira ou marfim. (Figura 1).
a cadeira, banco, mesa e arca; divãs, armações de leitos e
apoio para cabeça. Figura 1 – Pintura executada por volta de 1000 a.C.
10
Virola - Aro em material reforçado, o qual guarnece e preser- cionadas aos pés ou pernas de caixas decorativas, baús, ca-
va as fendas e encaixes. mas, cadeiras e mesas. Além de embelezar, as sapatas têm a
11
Baixo-relevo – Pequena saliência da figura esculpida sobre função de resistência, mas também servem para equilibrar e
13
fundo plano. nivelar o móvel apoiado no chão irregular.
Fátima Regina Sans Martini
15
Sakara ou Saqqara. Sítio arqueológico próximo a Mênfis, na
13
Autores distintos opinam sobre diferentes datas, portanto margem oeste do Nilo. Em Sacara se encontra, entre outras, a
algumas são aproximadas ou podem apresentar diferença de pirâmide de degraus junto ao complexo funerário de Djoser,
anos e séculos, segundo um e outros. As datas aqui apresen- faraó da Terceira dinastia.
tadas se referem a datação exposta na sala egípcia do Museo 16
Túmulo egípcio dos nobres e sacerdotes, erguidos por volta
Archeologico Nazionale de Firenze, Itália. do final do período Pré-dinástico.
14
Men-nefer, primeiro nomo do Baixo Egito, localizado próxi- 17
Khufu, Khafre e Menkaure; também conhecidos por Keops,
14
mo ao sul de Cairo, atual capital do país. Kefren e Mikerinos.
História do mobiliário: Egito Antigo
Ptah, deus dos artesões, Osiris, rei dos mortos, e Hórus A restauração do culto antigo de Amon se dá
rei na terra, representado pelo falcão. durante o reinado de Tutankhamon22, filho e genro de
No Primeiro período Intermediário, da Sétima Akhenaton, casado com sua meia irmã Ankhesenamon.
a Décima primeira Dinastias, por volta de 2065 a.C., os Com a restauração, as terras confiscadas por Akhenaton
monarcas e nobres no poder ganham o direito de divino, são devolvidas para o antigo clero.
ou seja, o direito de mumificação. Com poucos recursos, Na região da Núbia,23 no período de Ramsés II,
frente a um período de anarquia, recessão econômica e chamado de O Grande Faraó, da Décima nona Dinastia,
fome, as artes não se desenvolvem no país. No final do vários templos são construídos, alguns deles encravados
conflito armado, a vitória cabe à dinastia tebana e Men- na rocha, na região de Abu Simbel, próximo ao Nilo.
tuhotep II inicia o Médio Império, com Tebas18 e Mênfis Durante o Terceiro período Intermediário, de
como capitais do governo. 1070 a 656 a.C. o poder político do Egito fragmenta-se
Os faraós voltam a possuir recursos para construir e vários povos tomam o poder. Os sacerdotes procuram
túmulos imponentes, no entanto, um novo ideal de se- por novas sepulturas, para impedir saques e violação às
pultura começa a ser formulado. Com medo dos saques, múmias dos faraós do Novo Império. Assim, elas são pre-
Mentuhotep II, constrói para si o primeiro túmulo esca- servadas, até serem encontradas no século XIX.
vado na rocha da história do Egito, na região de Deir el Os persas invadem o Egito, em 525 a.C., transfor-
Bahari19. Na região de Karnak, em Tebas, do lado direito mando-o em província do Império Persa, com a capital
do Nilo, o primeiro templo dedicado ao deus Amon-Ra, em Mênfis, durante o período chamado de Tardio, por
fortalece o poder dos sacerdotes. volta de 656 a 332 a.C.
No Segundo período Intermediário, de 1781 a Em 332 a.C. Alexandre, o Grande, conquista e
1550 a.C., com a imigração de povos asiáticos, a monar- anexa o Egito ao Império Macedónio. Durante a breve es-
quia, ameaçada, divide-se em diversas dinastias, lançan- tada no Egito, Alexandre planeja a construção da capital
do o país no caos. Alexandria. Em 304 a.C. com a morte de Alexandre, o
Em Tebas, Ahmose, conhecido por Amósis I, pai general Ptolomeu I Soter I declara-se faraó, iniciando a
de Amenhotep I, da Décima oitava Dinastia, inicia o Dinastia Ptolemaica.
Novo Império, por volta de 1550 a.C. após a derrota dos A Dinastia Ptolemaica se encerra após a morte da
pelas tropas de Napoleão, o Egito Antigo volta a ser co- Na tumba real, foi encontrada uma suíte completa,
nhecido. com cadeiras, cama, um encosto de cabeça e um balda-
quino30, todos de madeira revestida com ouro. O severo
4 Mobiliário Recuperado mobiliário, de linhas simples, foi reproduzido31 baseado
nos achados da Tumba. Madeira, ouro, cobre e prata;
Além das representações em pinturas e baixo- couro, faiança e ébano, foram os materiais empregados
-relevo, por outro lado, o conhecimento do mobiliário nas reproduções. As peças fazem parte do Museu de Ar-
egípcio é possível graças ao costume de se enterrar com tes Finas de Boston, Massachusetts.
os mortos os objetos de uso pessoal, através do culto de Graças à numerosa descoberta dos móveis, como
que na outra vida os mortos os utilizariam. Assim, com cadeiras, tronos, bancos, camas e arcas, na tumba de Tu-
as escavações arqueológicas são descobertos móveis, às tankhamon, em 1925 por Howard Carter32 e devido à
vezes, em perfeito estado, os quais espelham de alguma sobriedade em utilizar métodos rigorosos, minuciosos e
forma, além das imagens reproduzidas, o modo de vida científicos, foi possível alavancar o conhecimento das téc-
na Antiguidade. nicas ornamentais e os materiais utilizados na fabricação
Algumas das peças encontradas são armações de dos móveis egípcios.
cama, mesas de um único bloco de madeira ou com per- No primeiro momento Carter não conseguiu
distinguir nada. Quando, porém, os seus olhos
nas encaixadas no tampo; móveis de assento e caixas, dos se acostumaram à luz indecisa e começou a
mais diversos tamanhos e modelos, peças essas, reduzi- distinguir contornos, depois sombras, depois
as primeiras cores, quando seu olhar foi distin-
das a pó quando de madeira, mas restauradas graças aos guindo cada vez mais claramente o que conti-
embutidos de pedras e revestimento de ouro. nha o compartimento atrás da segunda porta
Encontrada, em 1906, pelo egiptólogo, italiano, selada... não soltou nenhuma exclamação de
espanto: ficou mudo! [...] a porta foi aberta e
Ernesto Schiaparelli26, a tumba intacta do arquiteto real a luz de uma forte lâmpada elétrica arrancou
Kha e sua esposa Merit27, no povoado dos artesões em relâmpagos dos esquifes de ouro, do trono de
ouro, reflexos foscos das duas grandes estátuas
Deir el Medina, região próxima a Tebas, atual Luxor, no
negras, dos vasos de alabastro e de estranhas ur-
Egito, com mais de quinhentos objetos, entre mobiliário, nas. (CERAM, 1962, p. 166-167)
vestimenta e utensílios de trabalho, revela hábitos e cos- Acompanhado do fotógrafo Harry Burton33, Car-
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016
tumes sociais do período. O mobiliário demonstra que, ter registrou e numerou detalhadamente toda espécie de
apesar de menos luxuoso, apresenta os mesmos modelos artefato, antes de removê-lo. A parede do lado direito na
utilizados nos palácios reais. A maioria dos artefatos faz foto da antecâmara esconde a passagem para a câmara do
parte do Museu Egípcio de Turim, na Itália. tesouro e urna dourada do faraó (Figura 2).
A descoberta da Tumba - próxima a Pirâmide de
Quéops, em Gizé – de Hetepheres I, da Quarta Dinas-
tia28, esposa do rei Snefru e mãe do faraó Quéops, se deu,
acidentalmente, em 1925, por Mohamadien Ibrahim, que 30
Baldaquino - Conjunto de colunas e arquitraves dos mais di-
trabalhava para o egiptólogo, americano, George Andrew versos materiais. Sustenta cortinas finas como mosquiteiros
Reisner (1867-1942) 29. ou grossas para proteção de correntes de ar e privacidade.
As colunas derivam dos pés de camas, cadeiras, liteiras ou
tronos. O nome baldacchino surge na Itália, na Idade Média,
e deriva de Baldac ou Bagdad.
31
Reproduções encomendadas para o Museu de Belas Artes de
Otomano na época. O fragmento encontrado foi crucial para Boston (MFA) e feita pelo marceneiro Boston Joseph Ger-
a compreensão dos hieróglifos egípcios. te, em 1929 e 1938. Materiais usados: Madeira, ouro, cobre,
26
Ernesto Schiaparelli (1856-1928). Cooperou na descoberta prata, couro, faiança e ébano. (Disponível em: <http://www.
da Tumba de Nefertari, no Vale das Rainhas e do arquiteto gizapyramids.org/code/emuseum.asp?newpage=sitemap>.
Kha. Nomeado diretor do Museo Egizio di Firenze e poste- Acesso em: maio 2014)
riormente do Museo Egizio di Torino, Itália. 32
Arqueólogo e egiptólogo britânico, Howard Carter (1874-
27
Reinado de Amenhotep III, da Décima oitava Dinastia, por 1939) descobriu o túmulo do faraó Tutankhamon no Vale
volta de 1539-1292 a.C. (Novo Império) dos Reis. Financiado e associado à Lorde Carnavon - George
28
Antigo Império, por volta de 2650 a 2195 a.C. Edward Stanhope Molyneux Herbert (1866-1923), um rico
29
Responsável pelo Museu de Belas Artes de Boston, o egip- colecionador de objetos de arte.
tólogo americano dedicou-se durante 40 anos a escavar as 33
Fotógrafo britânico, Harry Burton (1879-1940). Conhecido
16
pirâmides de Gizé. por suas fotografias nas escavações do Vale dos Reis, no Egito.
História do mobiliário: Egito Antigo
Figura 2 – Foto da antecâmara da tumba de Tutankhamon A tampa abaulada do baú recebe embutido de
marfim e representa o casal real, em baixo-relevo, em
um jardim com flores e videira. Tutankhamon aceita um
ramalhete de Ankhesenamon. Abaixo da cena, donzelas
recolhem frutos e flores. As bordas recebem os mesmos
motivos florais da caixa, em marfim, ébano, faiança, vidro
e calcita.
Exímios fabricantes de tinta colorida, os egípcios
utilizavam o branco do óxido de cálcio, o amarelo do fer-
ro e o preto do carvão, por exemplo. O azul era consegui-
do por meio de óxidos de cobre e cobalto misturados ao
bicarbonato de sódio e de cálcio fundidos em alta tem-
Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
peratura.
Um produto apreciado e importado pelos egípcios
Modificada em 27/08/2015. 643x475 pixels 300 dpi 24 bits 173 KB.
era a faiança, material cerâmico de superfície vítrea, pro-
Na câmara do tesouro, abaixo e ao lado da urna
duzido nos tons azuis e verdes, os quais substituíam, em
dourada, os arqueólogos descobriram as mais diversas
alguns casos, o lápis lazuli – rocha azul escura e intensa
preciosidades entulhadas, entre elas: cadeiras, o trono
– e a turquesa.
real dourado, camas, e uma infinidade de caixas, as quais
A beleza e riqueza de detalhes das caixas e baús
abrigavam os mais diversos objetos de uso real.
egípcios parecem ser intermináveis. As inúmeras peças
A maioria das peças da tumba de Tutankhamon,
de mobiliário, com a finalidade de transporte ou apenas
que atualmente encontram-se em exposição, foi reprodu-
de enfeite, indicam o modo de vida, luxuoso, da realeza
zida e restaurada, devido ao reforço, enfeites e incrusta-
egípcia, e são reproduzidos, embora com material mais
ções de ouro, cerâmica e pedras preciosas, os quais man-
simples, com semelhante beleza, pela classe inferior (Fi-
tiveram a forma do móvel, apesar do desgaste, tratamento
gura 3).
indevido do achado; ou mesmo após o desmanche da ma-
deira envelhecida.
Dobradiças de bronze articulam a delicada tampa. Figura 5 – Banco de três pernas Deir el-Medina. Novo
Império. Décima oitava Dinastia (1539-1292 a.C.) |
Os botões dourados na tampa e no painel frontal rece-
Amenhotep III
bem, respectivamente, o prenome e o nome do rei (Fi-
gura 4).
36
Os banquinhos são conhecidos por stool ou sgabello. O ter-
mo tamborete é atribuído aos bancos mais baixos.
Arabescos - Delicada combinação de formas. Conhecido
35 37
Reinado de Amenhotep III, da Décima oitava Dinastia, por
18
também por fretwork. volta de 1539-1292 a.C. (Novo Império)
História do mobiliário: Egito Antigo
Os bancos encontrados em distintas tumbas, per- Figura 7 – Banco dobrável Novo Império. Faraó
tencentes a Décima oitava Dinastia egípcia, são muito Tutankhamon. O detalhe em marfim é diferente no
banco à direita.
semelhantes, em proporção e construção. O reforço das
juntas, e delicados montantes ou travessas, na estrutura,
comprovam a durabilidade e resistência dos mesmos. Os
assentos recebem estrutura de madeira curvada ou trama
no padrão espinha de peixe, em fibra de linho ou couro
(Figura 6).
Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
Figura 6 – Banco com montantes. Sacara, Egito. Novo Modificada em 27/08/2015. 4000x1287 pixels. 300 dpi 32 bits. 481 KB.
MARTINI, Fátima R. Sans.
Império, por volta de 1539-1295 a.C
Figura 8 – Detalhe encosto cadeira As laterais e o encosto recebem rebites e folhas de ouro
marchetado (Figura 9).
O restante do trono é caracterizado por delicado O banco44 para apoio dos pés era essencial, princi-
entalhe e decoração em marchetaria42, dispostos com palmente nas cerimônias externas, tanto para o conforto,
cuidadoso equilíbrio cromático. Nos braços da cadeira, a quanto para a ostentação.
cártula com o nome do faraó é guardada por uma cobra Uma cadeira de criança se destaca, pela qualidade,
com grandes asas abertas com incrustação de pasta ví- construção e semelhança com outra de adulto. Em madeira
trea. Sob o assento, em pietre dure, travessas e montantes ébano, a cadeira recebe incrustações de marfim e folha de
verticais, com resquício de arabescos em ouro, reforçam ouro nos braços. O encosto inclinado recebe ornamenta-
a estrutura junto as pernas. ção de faixas verticais. As pernas zoomórficas são ligadas
As pernas do trono têm a forma zoomórfica apoia- por delicados montantes, transversais e inclinados, unidos
da sobre fileira de cilindros e acabamento em bronze. O por virolas em marfim. Rebites de metal com cabeça dou-
apoio para as mãos no encerramento dos braços tem a rada reforçam toda a estrutura da cadeira.
forma da cabeça de leão.
Entre outros tronos cerimoniais semelhantes en- 4.4 Mesas
contrados na tumba de Tutankhamon, um deles consiste Juntamente à tumba do arquiteto Kha, em Deir
de um artifício interessante. el-Medina, foram descobertos exemplos, raros, de mesas.
O assento e encosto são apoiados e amarrados so- A mesa de madeira45 retangular, baixa, é similar a qual-
bre um banco, de madeira ébano, com estrutura em X. quer outra mesa de centro que julgamos moderna. Uma
O modelo do banquinho, apesar de fixo, segue a forma estrutura simples com quatro pés de forma quadrangular
vulgar já descrito anteriormente, em que as pernas se en- e reforçados por barras horizontais em juntas precisas. O
cerram em forma da cabeça e bico de ave. tampo maciço, no menor sentido, apresenta nas laterais,
A barra redonda frontal, junto ao piso entre os bi- uma faixa de escrita em hieróglifos, delimitadas por três
cos, ainda exibe painel com parte dos arabescos em ma- linhas, coloridas. No sentido maior, o nome do falecido e
deira dourada, marfim e ouro. O grande assento cônca- o título encontra-se delimitado por uma linha.
vo, em madeira ébano, tem incrustações de marfim com O exemplar mais alto, e vale notar que a altura não
formas irregulares imitando manchas de couro animal. O ultrapassa quarenta e oito centímetros, é uma pequena
assento se une ao encosto por meio de esquadrias revesti- mesa, retangular, com tampo cuja estrutura imita esteira
amarradas à calha lateral com cinta de cou- Figura 10 – Cama do deus Bes. Cama de madeira ébano
ro que passa através de ranhuras para a barra com pés zoomórficos e detalhe da peseira
transversal. O trilho lateral encontra-se escul-
pido com a flor de papiro estilizada. (KILLEN,
1994, p. 25-26, tradução nossa).
A cama de Hetepheres I, da Quarta Dinastia, apre-
senta duas grossas barras laterais folheadas a ouro, amar-
radas por cordões de ouro aos pés de madeira dourada Fonte: THE GRIFFITH INSTITUTE
Modificada em 27/08/2015 10:15. 3944x909 pixels. 300 dpi. 24 bits. 391 KB.
em forma de patas de leão. As pernas da cabeceira são MARTINI, Fátima R. Sans.
mais altas. O painel de madeira dourada é perfurado com
símbolos florais e se encaixa na trave, através de espigas A cama dourada, em hipótese, a cama do faraó,
de madeira inseridas em perfurações de cobre. Junto ao apresenta as mesmas características formais.
leito, o baldaquino decorado com folhas de ouro martela- O painel juntamente à peseira em folha de ouro
das e gravadas com hieróglifos, indica o título real. recebe estuque47 modelado com as figuras de Bes e Thue-
Em meio ao numeroso artefato presente na tumba ris48, rodeados por plantas de papiros e lótus, e unidos por
de Tutankhamon estavam diversos leitos fúnebres e ca- dois pares de papiros com delicadas hastes.
mas. A armação da cama articulada é formada por bar-
A cama de madeira ébano tem pernas zoomórfi- ras de madeira divididas em três partes e unidas por do-
cas unidas por uma travessa. As patas de leão se apoiam bradiças de cobre. O eixo e a flexibilidade da fibra vegetal,
sobre cilindros superpostos em prata. firmemente entrelaçada, que compõe o estrado, permite a
Constata-se uma diferença fundamental em rela- sobreposição das partes. Um dos pares de pernas se dobra
ção à forma de descanso, em que o ornamento principal para o interior por meio das dobradiças.
da cama situa-se juntamente à peseira e não na cabeceira A peseira é emoldurada por uma série de montan-
como é o costume ocidental. tes verticais, divididos em três painéis por dois pares de
O modelo de cama, com as peseiras altas e orna- papiros, que se juntam invertidos no centro. Um detalhe
mentadas, se deve ao costume, no Egito Antigo, de se dei- delicado e decorativo presente em quase todas as camas
tar sobre o encosto de cabeça, do lado oposto. encontradas nas tumbas egípcias (Figura 11).
Universitas: Arquitetura e Comunicação Social, v. 13, n. 1, p. 11-24, jan./jun. 2016
Pode ser considerado o “bobo da corte”. Um ser que propor- Bes. Ambos assustavam os demônios por causa da
22
ciona alegria. feiura.
História do mobiliário: Egito Antigo
mon e do arquiteto Kha, ambos do Novo Império. Muito Julgo importante chamar atenção dos jovens olha-
pouco, ou nada restou de mobiliário dos períodos posteriores. res quando o assunto se relaciona à Arte de modo geral,
Durante o terceiro período intermediário, a que muito, muito pouco, é uma criação original, e sim,
capital administrativa do Egito mudou-se para
Tanis, no Delta, onde se localizavam as tumbas que o objeto se transforma, segundo a época e a socie-
reais da XXI e XXII Dinastias. Os pequenos dade que dele se apropria. O mobiliário atual, em termos
túmulos foram descobertos praticamente in-
tactos por Pierre Montet, em 1939. As tumbas
artísticos, formal e de conforto, muito pouco difere do
não continham móveis e as cenas de parede são mobiliário executado há milhares de anos, em que as ne-
principalmente funerárias. Elas não mostram cessidades básicas de descansar, sentar e apoiar são aten-
as atividades cotidianas que são vistas nas tum-
bas anteriores. (KILLEN, 1994, p. 54, tradução didas. Somente por meio da História da Arte, é possível
nossa). acompanhar os diferentes estilos, reconhecer as mudan-
No entanto, juntamente à necrópole de Tuna el- ças e necessidades ao longo do tempo, para sugerir novos
-Gebel49 foi encontrado o túmulo de Petosiris, construí- caminhos e avançar, com competência, nas práticas hu-
do em torno de 332 a.C. na época da conquista do Egito manas do saber e fazer.
por Alexandre, o Grande. As cenas, em relevos bem pre- Este estudo está assentado em pesquisas continua-
servados, representam o mobiliário similar às dinastias das, por extenso tempo. Conquistei experiência e ampliei
anteriores. Em uma das cenas um par de carpinteiros é conhecimento com excelentes mestres e profissionais.
representado trabalhando com um torno50 primitivo. Agradeço a todos que participaram e que me deram va-
Um dos homens gira o elemento central com uma liosas contribuições ao longo do processo de aprendiza-
corda, enquanto o outro raspa a madeira. do. Agradeço aos jovens olhares curiosos.
Sabe-se que, por todo período romano, o mobiliá-
rio egípcio foi, amplamente, procurado por seu alto grau Referências
de qualidade e requinte, representados por móveis com APOLINÁRIO, Fabio. Metodologia da ciência: filosofia e
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