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AI FLORES, AI FLORES DO VERDE PINO (D.

DINIS)

1 Ai flores, ai flores do verde pino,


2 se sabedes novas do meu amigo!
3               Ai Deus, e u é?

4 Ai flores, ai flores do verde ramo,


5 se sabedes novas do meu amado!
6               Ai Deus, e u é?

7 Se sabedes novas do meu amigo,


8 aquel que mentiu do que pôs comigo!
9               Ai Deus, e u é?

10 Se sabedes novas do meu amado,


11 aquel que mentiu do que mi 'á jurado!
12               Ai Deus, e u é?

13 Vós me preguntades polo voss'amigo,


14 e eu bem vos digo que é san'e vivo:
15               Ai Deus, e u é?

16 Vós me preguntades polo voss'amado,


17 e eu bem vos digo que é viv'e sano:
18               Ai Deus, e u é?

19 E eu bem vos digo que é san'e vivo


20 E seera vosc'ant'o prazo saído:
21               Ai Deus, e u é?

22 E eu bem vos digo que é viv'e sano


23 e seerá vosc'ant'o prazo passado:
24               Ai Deus, e u é?
1. Delimite as partes que compõem o texto, justificando a sua resposta.
- A estrutura bipartida da cantiga relaciona-se com o carácter dialógico da
mesma, uma vez que, nas quatro primeiras estrofes (vv. 1-12), a donzela
interroga a Natureza sobre o paradeiro do «amigo», e, nas quatro restantes
estrofes (vv.13-24), «as flores do verde pino» respondem à sua interpelação.

2. A questão da fidelidade do «amigo» percorre a cantiga.


-O «amigo» é referido pela donzela como tendo mentido, faltando a um
juramento (v. 11), ou a um compromisso (v. 8). A essa infidelidade, que é
imaginada pela própria ânsia e saudade da donzela, é contraposta, pela voz
atribuída às «flores do verde pino», uma atitude de fidelidade, pois, segundo
essa voz afirma, ele voltará até mesmo antes do prazo combinado
Explicite o modo como é tratada por cada uma das vozes presentes no texto.

3. Analise o papel desempenhado pelas «flores do verde pino».


-A donzela sente temor pela sorte do «amigo», de quem não tem notícias, e
cria um interlocutor fictício para desabafar. A esse confidente imaginado –
símbolo do seu próprio amor – confessa a sua saudade e inquietação, e dele
ouve a seguir o que tanto deseja ouvir: que o amigo está bem e que voltará em
breve. Essa personificação benfazeja das «flores do verde pino» estabelece a
comunhão da donzela com a Natureza.

4. Indique três características temáticas do poema que contribuem para a


sua inserção no género das cantigas de amigo.
Na resposta, podem ser indicadas, entre outras, [as] seguintes características:
– representação de um sujeito poético feminino, como falante e como ouvinte;
– lugar central dado à referência ao namorado («amigo», «amado»);
– expressão, por parte da donzela, do desejo de um encontro amoroso;
– interpelação da Natureza como confidente.

       
«Ai flores, ai flores do verde pino»

É uma cantiga de amigo da autoria de D. Dinis, presente nos cancioneiros


da Vaticana e da Biblioteca Nacional com os números 171 e 568,
respetivamente. 
Do ponto de vista formal, esta cantiga paralelística perfeita, dialogada, é
constituída por oito coplas , cada copla tem um dístico de decassílabos graves
(1ª parte) e hendecassílabos graves (2ª parte) de rima monórrima e um refrão
monóstico pentassílabo agudo. O esquema rimático é: aaB. 
Nesta composição é abordado o tema da saudade; quanto ao assunto,
cheia de saudade do seu amigo que se demora a menina interpela as flores,
que a tranquilizam. 
Na primeira parte (coblas I a IV) a donzela traduz o seu estado de espírito e
a saudade pelo amigo. Aqui, ela entra em diálogo caracterizando-se
indiretamente como ansiosa («Se sabedes novas do meu amigo/amado», «Ai
Deus, e u é?») e indicando que o namorado está ausente; zangada («Aquel
que mentiu do que pôs comigo/mh’á jurado») e, ele, diretamente caracterizado,
mentiroso. 
Na segunda parte (coblas V a VIII) a Natureza, personificada e humanizada,
tranquiliza a donzela. As flores respondem-lhe com a revelação de que o amigo
está de saúde («E eu bem vos digo que é viv’e sano/san’e vivo») e
comparecerá de acordo com o combinado («E será vosc’ant’o prazo
saído/passado»).
No entanto, acaba a cantiga e ela continua preocupada como confere a
própria estrutura paralelística cuja técnica do leixa-prém e a manutenção do
refrão adensam o clima tenso transmitido na cantiga. 
Se quisermos fazer uma leitura do vocabulário utilizado e da simbologia
para que nos pode remeter, é possível descobrir os intervenientes da relação
amorosa. Assim: «as flores do verde pino» constituem uma invenção poética
cujo referente será, sim, a flor do pinheiro, mas também e sobretudo a «flor del
bels pis» (da poesia provençal, occitânica), isto é, o símbolo do amor
invencível. Portanto, às flores se associa o campo lexical de beleza,
delicadeza, sensibilidade, feminilidade e aroma e a este campo lexical se liga a
imagem que existe na poesia trovadoresca da donzela. O pinheiro, pela força,
apoio, segurança, robustez, masculinidade, braços (ramos) simbolizará o
amigo. A relação entre os dois jovens, cheios de esperança, é transposta para
a ideia de verde, que significa imaturidade, juventude e esperança. 
As coordenadas espácio-temporais que extraímos deste poema remetem-
nos para os primórdios da nacionalidade, época do estabelecimento das
fronteiras territoriais, quer pelo uso dos vocábulos «san’e vivo», quer pela
autoria do texto. O ambiente é rural.
A concluir, D. Dinis apanhou nesta composição de inspiração popular uma
característica tipicamente portuguesa, a saudade, podendo mesmo considerar-
se um tema eminentemente nacional, pois reflete condições em que se formou
o nosso país: a reconquista cristã.
         
José Carreiro, Ponta Delgada, 2002-01-07

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