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Revista de Educação QUEIXAS ESCOLARES: QUE EDUCAÇÃO É

Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 ESSA QUE ADOECE?

Maria Eufrásia de Faria


Bremberger RESUMO
Faculdade Anhanguera de Campinas -
unidade 3
Esse texto trata da escola na contemporaneidade voltando-se
brembergerfb@ig.com.br
principalmente para as questões relativas às queixas escolares cuja
figura principal tem sido o aluno, conforme pode ser observado pela
demanda presente nas clínicas-escolas de psicologia, psicopedagogia e
centros de apoio educacional. Discute sobre o papel da educação, a ser
promovida em várias instâncias, como um fenômeno promotor da
organização, manutenção e perpetuacão da sociedade. Discute
suscitamente a função e constituição da escola enquanto espaço social e
suas diretrizes, que por sua vez, tem sido uma instância, submetida aos
propósitos ideológicos, dos sistemas organizacionais políticos. Tece
críticas ao modelo contemporâneo elaborado, à luz do sistema
capitalista que prima por uma educação tecnicista culminando dessa
forma num adoecimento escolar, cidadão e psicológico dos agentes que
lá se encontram, alertando para o quão perigosas são as soluções
prescritas pela via da medicalização.

Palavras-Chave: queixas escolares; educação; saúde psicológica.

ABSTRACT

This article handles about the contemporary school, focusing


principally questions relation with complains about it, where students
are being considered responsible for all bad results, as observed by the
demands at Psychology School Clinics, Psycho-Pedagogy & Centers for
Educational Support. Discusses about role and what kind of education
is to be promoted, considering that education is a phenomena that
promotes the organization, maintenance & perpetuation of the society.
Makes an historical rescue of the school constitution while a social
place with rules & guidelines which in turn has been an instance
submitted to ideological purposes from the political organizational
systems. Make critics to the contemporaneous model created under
influence of capitalistic policies, that priory technicalities education
which culminates with scholar illness, citizen illness and psychological
illness of the agents that are acting in this environment, alerting to the
danger of the solutions prescript medicalization.

Anhanguera Educacional Ltda. Keywords: scholar complains; education; psychological health.


Correspondência/Contato
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Valinhos, São Paulo
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Coordenação
Instituto de Pesquisas Aplicadas e
Desenvolvimento Educacional - IPADE
Informe Técnico
Recebido em: 2/12/2009
Avaliado em: 29/8/2011
Publicação: 15 de outubro de 2011 127
128 Queixas escolares: que Educação é essa que adoece?

1. INTRODUÇÃO

Inserida num ambiente escolar nos últimos tempos algumas questões têm me surgido, a
respeito da dinâmica de funcionamento daquele espaço, uma vez que tenho me deparado
com certo desânimo manifestado tanto pelos agentes docentes como pelos escolares, que
estão na escola, mas não necessariamente são professores ou estudantes. Nesse sentido
percebo que esse ambiente acaba por produzir um clima, cujas relações, seja com o ensino
ou entre as pessoas que ali se encontram, se constituem com algumas características as
quais remetem a um estado de adoecimento.

Movida por essas vivências esse texto busca responder algumas indagações tais
como: O que é uma escola e sua função social? Qual é o objeto de atividade que norteia
seu funcionamento? Quais as instâncias envolvidas: agentes e usuários? O que podemos
entender por educação? Que saberes e práticas têm sido geradas nesse espaço? O que as
queixas escolares tentam nos dizer?

Objetivando explorar, debater e refletir sobre as questões postas faz-se necessário


um percurso histórico, ainda que suscinto, para situarmos essa instituiçao social no tempo
e no espaço, como também destacar sua importância na contemporaneidade.

Desde os meados do séculos XV, período da Idade média, que as propostas de


práticas educacionais têm sido voltadas para um maior número de crianças. Surgia então
um formato de ações educacionais extra-familiares, ou seja, para além do contexto
familiar na qual primava pela “moralização” e “salvação” das almas das crianças
pequenas, sob a égide das instâncias eclesiásticas. Tal proposta visava retirá-las do mundo
adulto pois eram tratadas como se adultos fossem, misturadas à todas mazelas,
precariedades estruturais , relacionais e morais daquela época, não havendo, de certa
maneira, nenhum cuidado específico e característico da idade que pudesse garantir à
criança seu desenvolvimento psíquico, de modo saudável. Ainda que tais princípios não
fossem o centro das preocupações dos moralistas e eclesiáticos, essas medidas, norteadas
pelo eixo religioso favoreceram um olhar mais cauteloso, cuidadoso, afetivo e distinto,
comparado ao mundo adulto, para as especificidades do mundo infantil (ARIÈS, 1981).

Nos períodos seguintes esses espaços constituídos por instituições escolásticas e


internatos passou a assumir não só a formação moral, como também a intelectual das
crianças impulsionadas principalmente pelo início da formação da sociedade urbano-
industrial. Foram ambientes, os quais a criança passou a freqüentar e, muitas vezes
residir.

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Com o advento da revolução industrial e o surgimento da sociedade burguesa, a


escola passou a atender uma nova era. Educar as crianças, agora, com vistas à organizaçao
da sociedade, a continuidade da produção de bens de capitais e a preservação e
manutenção do patrimônio familiar. As práticas educacionais, nesse espaço, devem se
voltar para a disciplina, cidadania, sociedade e preparação para o futuro (ARIÈS, 1981).

Como a sociedade vem se organizando e se estruturando cada vez mais em


instâncias públicas e privadas, as escolas passaram a ser uma das instituições de maior
inserção e presença na comunidade. Isso pode ser observado em qualquer cidade pequena
do interior que por vezes não tem um posto de saúde ou um posto de segurança mais
conta com a presença de uma escola. Ela tem assumido um papel de grande importância
na vida da comunidade, como também tem se constituído em um dos principais espaços
de maior frequência de qualquer criança na atualidade.

Contudo não se pode negar que o fato dessa instituição estar presente nesses
locais com tanta legitimidade isso não a torna uma instância eficaz pois esse espaço
depende do seu fazer e não somente do seu existir.

Nesse sentido não podemos deixar de relatar que o fazer desse segmento está
deixando a desejar haja vista o cenário de problemas existentes nesses locais, quer seja na
área estrutural, técnica, pedagógica, traduzidos pelo atos de violência, evasão escolar,
fracasso escolar e as queixas escolares, focalizadas essencialmente na figura da criança-
estudante, situações essas testemunhadas por seus usuários, meios de comunicação e
produção científica.

A escola tem sido um ambiente no qual as crianças acabam passando grande


parte do seu tempo. Lá, elas se envolvem em atividades pertinentes às tarefas formais tais
como: leitura, escrita, pesquisa como também em atividades diferenciadas ligadas aos
espaços informais de aprendizagem, quais sejam: hora do recreio, excursões, atividades
de lazer, encontro com os colegas, ampliação dos relacionamentos interpessoais, convívio
social, vivência intercultural e outros saberes que auxiliem para uma melhor compreensão
do espaço que ocupam, preparando-os para uma vida familiar e comunitária.

Além disso, é nesse ambiente que o atendimento às necessidades cognitivas,


psicológicas, sociais e culturais da criança é realizado de uma maneira mais estruturada e
pedagógica que no ambiente de casa. São espaços distintos de práticas educacionais uma
vez que na escola a educação consiste em: conteúdos mais sistematizados, horários menos
flexíveis, um programa a cumprir, liberdade da criança na escolha de atividades,
realização de tarefas com vistas a mostrar aquisições e avaliação do rendimento entre
outras (CONTINI, 2000).

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Isto posto, observa-se então que a família passou a não ser mais o único contexto
em que a criança tem oportunidade de experienciar e ampliar o seu repertório como
sujeito de aprendizagem e desenvolvimento, logo, há de se reconhecer a importância da
escola enquanto instituição social-educacional.

Contudo deve se atentar para o fato de que a presença da escola na vida da


criança não se sobrepõe à presença e participação da família, são instâncias distintas com
papéis sociais complementares.

Em se tratando da escola como um sistema educacional de ensino formal, a sua


funcionabilidade demanda um conjunto de ações no âmbito político, técnico-científico,
administrativo e pedagógico. No âmbito político são ações voltadas ao apoio financeiro e
também medidas de governo que discutam e estabeleçam decisões de como a educação
brasileira pode melhorar. No âmbito técnico-científico é essencial oferecer uma formação
contínua, para os professores, como também é preciso que as universidades promovam
pesquisas com vistas a melhorarem a prática pedagógica dos professores. Em relação ao
âmbito administrativo é preciso ações voltadas para a estruturação dos serviços, gestão e
prática pedagógica. No âmbito pedagógico há de se formular proposta pedagógica
centrada na necessidade de cada um e, quando necessário, ter a ajuda de uma equipe
multidisciplinar (BRASIL, 1996).

Nesse sentido há de se perguntar: as quantas andam efetivamente o papel de


cada instância dentro desse sistema educacional formal? Se a dinâmica do funcionamento
desse sistema decorre da articulação desses segmentos, qual desses setores não está em
sintonia com o todo dada a condição de ensino público atual? A quem se deve atribuir tal
desajuste? Quais são as medidas de ajustes que estão sendo tomadas? O que revela a
grande demanda de escolares existentes nos consultórios das clínicas-escola de psicologia,
psicopedagogia e clínica-médica psiquiátrica? Quais as circunstâncias subjacentes aos
mais variados tipos de transtornos e distúrbios em escolares em voga na atualidade? As
soluções medicamentosas servem para quem e para quê? Afinal têm sido os escolares os
principais geradores do desequilíbrio na dinâmica do ensino ou são apenas os agentes
vitimizados alcançados pelo caos?

Enfim, são essas e outras questões que merecem ser mais exploradas e discutidas
às claras, tanto pela comunidade política, acadêmica e educacional, como pela sociedade
em geral. Vale ressaltar que nesse artigo discutirei de forma suscinta alguns dos
questionamentos mencionadas, pois há de se reconhecer a amplitude e desdobramentos
do assunto e qualquer tentativa de esgotá-lo culminará num reducionismo e
empobrecimento.

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2. FUNÇÃO SOCIAL DA ESCOLA

Ao longo dos séculos, a função social da escola tem estado a mercê de responder as
necessidades de cada época. Considerando que o objeto de atividade dessa instituição
criada e reconhecida pela sociedade é a educação, faz-se alguns esclarecimentos inicias
sobre esse conceito para prosseguirmos na nossa discussão.

Segundo Saviani (2003) a educação é um fenômeno social e universal, vista em


qualquer sociedade como imprescindível à sua manutenção e perpetuação. Constituída
por um conjunto de saberes , é uma atividade humana necessária à convivência dos seus
membros entre si e ao seu funcionamento que implica na relação de ensinar e aprender. A
educação está presente nos mais variados espaços de convívio social e engloba o processo
de socializaçao e endoculturação, que diz respeito ao processo permanente de
aprendizagem de uma cultura. Logo, a educação torna-se um ato de inscrição do sujeito
na sociedade e na cultura, por meio da transmissão de conhecimentos, assimilação de
valores, experiências e demais elementos culturais que tecem a vida social.

A relação da educação, com a educação formal institucionalizada adveio de certa


maneira do sistema de clericalização da educação, via presença da Igreja, na educação dos
leigos, durante a Idade Média, que por sua vez gerou um grande impacto no curso da
história da educação formal (ARIÈS, 1981).

Para Gonzalez (2002), em se tratando de educação há de se observar os


desdobramentos desse conceito que abrange entre outros: a educação religiosa, a
educação familiar, a educação carismática, a educação filosófica, a educação literária, a
educação musical, a educação política e a educação especializada.

Ao longo da história da sociedade, podem-se identificar três sistemas de


educação: a educação do homem culto; a educação carismática de dominação e a
educação de domínio racional e burocrático. A autora menciona que em cada época um
determinado tipo de educação era mais valorizado pelas diferentes organizações políticas,
quais sejam: Patrimonialismo; Feudalismo; Tradicionalista e Capitalista.

Na atualidade cujo sistema capitalista impera, predomina a educação de domínio


caráter racional-legal, do qual a burocracia assume sua maior expressão, necessitando,
então, de indivíduos especializados e profissionalmente informados. Ainda que haja uma
discussão presente sobre a formação do homem culto versus a formação do especialista,
nas sociedades capitalistas, é fato notório que o modelo educacional brasileiro foi
concebido sob a plataforma de uma educação de domínio racional e burocrático, nos

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meandros do movimento político denominado neoliberal, cujo eixo norteador segue os


princípios do sistema capitalista (GONZALEZ, 2002).

Constituída desses princípios ideológicos nas suas bases, a escola é tomada hoje
como um local de transmissão de conhecimentos e dos valores culturais bem como um
espaço de preparo da criança para desempenhar o papel de adulto ativo nas estruturas
sociais. Assim as metas gerais da escola envolve: busca do conhecimento,
desenvolvimento das habilidades sociais, comunicação, condutas pró-sociais, relações
afetivas, formação da identidade pessoal, promoção da autonomia, entre outras
atividades. São propostas a se desenvolver por meio de seu currículo formal que consiste
da transmissão do saber científico, da educação individual ou coletiva, do grau de
estruturação do ensino, dos métodos, dos níveis de atividade, como também via currículo
informal que corresponde à: influência dos professores, dos pares, forma e a qualidade
das relações, clima sócio-afetivo da classe e da escola.

Enfim, todas essas experiências, vivências e ações derivadas do ambiente escolar


geram um grande impacto no desenvolvimento da criança, seja na dimensão cognitiva,
emocional, relacional e social. Logo, a escola enquanto uma instituição relacionada à
constituição da subjetividade social do indivíduo acaba sendo uma instância promotora
tanto de saúde pedagógica, quanto de saúde social e saúde psicológica (GONZÁLEZ REY,
2004a; CONTINI, 2000).

3. A DISSEMINAÇÃO DO SABER NA ESCOLA NA FIGURA DO PROFESSOR

Dentro desse espaço circulam e frequentam vários agentes e usuários quais sejam: alunos,
pais, responsáveis, corpo docente, equipe pedagógica, equipe-técnica administrativa,
entre outros, que são colaboradores na arte de ensinar.

Em se tratando da figura do professor há de se observar inicialmente que esse


desempenha dois papéis sociais distintos nesse ambientes, porém ambos complementares:
um em relação à escola e outro em relação ao aluno.

Quanto a escola ele atua tanto como um funcionário como também como um
colega. Em relação ao aluno ele é um mediador do conhecimento, estimula a
aprendizagem, direciona as atividades, estabelece o clima em sala de aula, busca manter o
controle.

Em suma é o agente que visa a aquisição de conhecimentos, a formação de


valores, atitudes e interesses com vistas ao mundo social.

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Em face de tal incumbência, há de se considerá-lo como uma figura de


autoridade na medida em que seu ato profissional contempla duas forças: torna-se um
“substituto” dos pais e um “representante” dos adultos da sociedade.

Diante do papel que o professor ocupa nesse espaço e na sociedade, a sua


formação profissional é de suma importância. As práticas pedagógicas por ele
desenvolvidas, qualquer que seja a área, devem ser subsidiadas por um conjunto de
saberes cujo repertório de conhecimentos há de contemplar: conteúdo, programa,
conhecimento sobre o educando, contexto, valores, fundamentos filosóficos e históricos
como também conter saberes docentes que envolvam o saber curricular, saber disciplinar,
saber científico-pedagógico, saber experiencial, saber das crianças e de si mesmo, da
cultura em geral (GAUTHIER, 1998).

Todo esse preparo é imprescindível à atuação docente face a potencialidade a ser


despertada na pessoa com a qual ele se relacionará, em todas as suas dimensões. As
pesquisas oriundas do campo da neurociência têm nos mostrado o quão grandioso é a
capacidade do ser humano. Desde a década de 90, têm feito descobertas em que afirmam
o quanto as experiências do homem, desde pequeno, ajudam a formar a sua arquitetura
cerebral com reflexos na vida adulta, graças ao número de conexões que o cérebro infantil
possui em relação ao cérebro do adulto. Ao nascer a criança tem cerca de 100 bilhões de
células cerebrais que é o dobro de neurônios de que vai precisar. Esse “estoque” reserva
de neurônios é visto como uma margem de segurança para seu perfeito desenvolvimento,
uma vez que, a maioria dessas células terá poucas ligações feitas pelas sinapses, pois a
produção dessas pontes vai depender tanto dos estímulos externos, quanto da figura do
professor onde há de se observar como esse se desempenha (BARTOSZECK, A.B.;
BARTOSZECK, F.K., no prelo).

A psicologia, enquanto ciência tem contribuído significativamente para essa


leitura da força do desenvolvimento do homem mediado pelo processo educacional. Há
um investimento maciço nessa área nos últimos 40 anos, por pesquisadores da abordagem
denominada Psicologia Genética, cujas produções visam fornecer embasamento para as
práticas pedagógicas. Tem como representantes: as teses do biólogo Jean Piaget (1896-
1908); os trabalhos de Lev Semenovich Vigotski (1896-1934) e, mais, recentemente a
produção de Henri Wallon (1879-1962). Os trabalhos dos referidos estudiosos ganharam
amplitude no campo da pesquisa educacional (COSMO, 2006).

Assim, se as instituições responsáveis por promover esse desenvolvimento, tal


como a escola é considerada hoje, não estiver à altura de esse Ser em ascensão,

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comprometerá de forma significativa a inscrição da criança na sociedade em face de tantas


oportunidades perdidas de aprender.

4. EDUCAÇÃO E SAÚDE: FENÔMENOS QUE SE INTER-RELACIONAM

Partindo do princípio que a escola pode ser considerada como uma entidade social
promotora de saúde, suscita então alguns questionamentos: Afinal, quais as implicações
das práticas educativas pomovidas na escola que afetam a saúde de seus frequentadores?
E que tipo de saúde é essa que a educação nesse espaço formal pode e deve promover?

Inicialmente torna-se necessário esclarecemos conceitalmente o que podemos


entender por saúde dentro de uma perspectiva psicológica, à semelhança da definição do
conceito de educação.

Segundo González Rey (2004a), o conceito de saúde deve ser considerado mais
um processo do que um produto, sendo que tal processo, em seu funcionamento, se
desenvolve mediante múltiplos mecanismos alternativos, nos quais integra componentes
genéticos, congênitos, somáticos, sociais e psicológicos. Dessa forma aponta três aspectos
básicos importantes para compreensão da saúde, quais sejam: bem-estar que corresponde
a sentir-se motivado para a vida e com interesses definidos em relação às pessoas e
atividades; autocontrole, que pressupõe ter hábitos saudáveis e desenvolver atividades
concretas; e capacidade para responder aos desafios do momento de modo a desenvolver
as suas capacidades biológicas, psicológicas e sociais.

Destaca o autor que a saúde não é ausência de doença, mas um funcionamento


integral, cuja expressão emerge de uma fonte plurideterminada no qual se incorporam
elementos climáticos, geográficos, físicos, culturais, sociais e subjetivos.

Dentro dessa perspectiva não se pode atribuir tal prática somente às instituições
de saúde, pois na medida em que o processo saúde insere a dimensão social, isso implica
reconhecer que além das demais instituições tais como: família, centros de saúde,
instituições religiosas e espaços desportivos, já que uma das instituições essencialmente
relacionada ao desenvolvimento social e promotora de saúde é a escola (GONZÁLEZ
REY, 2004a).

Corrobora com tal perspectiva Contini (2000), quando menciona que a escola, na
qualidade de uma instituição social, é um espaço vital para a promoção da saúde e que
essa possui uma relação íntima como o processo educativo. Promover saúde é antes de
tudo educar para um modo de vida diferente, em que as atividades desenvolvidas pelos

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alunos possibilitem o favorecimento ao seu desenvolvimento, seu bem estar, à sua


condição de se tornar um construtor da sua própria história e da sua cidadania.

Além disso, a escola é um dos lugares mais significativos da vida da criança ou


do jovem, pois é nesse ambiente que elas passam mais da metade de seu tempo diário.
Nesse espaço elas ampliam os relacionamentos interpessoais, a rede de contatos sociais,
entra em contato com uma série de conhecimentos que são vivenciados (in) diretamente,
proporcionando-lhes uma compreensão do mundo em que estão inseridas. Esse espaço
está estreitamente relacionado com a formação pessoal e a constituição subjetiva da
criança, que por sua vez pode impulsionar de forma positiva ou não para a configuração
de sua saúde (GONZÁLEZ REY, 2004a; REIS; WERNNER, 2003).

Logo, segundo os autores, há de se considerar a educação e a saúde como


fenômenos estreita e mutuamente imbricados. Reafirmam que o desenvolvimento
humano e a educação são dois componentes de uma mesma esfera, pois se o primeiro
trata da concepção do que é o ser humano e como ele se constitui, a educação torna-se a
atividade que concretiza essa constituição.

No entanto, temos presenciado muitas vezes nesse espaço um cenário que beira
ao caos, relações de atritos, violência, desrespeito, fracasso, adoecimento, atos criminosos
extremos como vandalismo, roubo, briga, depredação, extorsão dentre outros. São as
chamadas “violências simbólicas, verbais, morais, psicológicas” praticadas pelas
instâncias e agentes que lá se encontram sejam de forma direta, indireta. São atos de
violência que se manifesta via diretores com pouca versatilidade e habilidade de
mediação, professores autoritários e dotados de poucos saberes docentes, jovens
professores descrentes, professores mais velhos desanimados, conteúdos curriculares
descontextualizados, práticas disciplinares distintas, estruturas funcionais e relacionais
precárias, enfim fatos denominados como violência do ensino, ressalta Abramovay (2002).

Em suma, ao analisar a dinâmica de funcionamento de uma escola que tem


levado ao adoecimento de seus agentes e apresentado falhas no cumprimento do seu
papel social, não basta centralizar para uma só versão ou focalizar atos criminosos
extremos manifestados a olhos vistos, numa perspectiva reducionista, ao contrário, há de
se lançar um olhar, ampliado para todos os elementos subjacentes e promotores que
mantêm essa fornalha de conflitos.

Essa violência escolar se torna ainda mais perversa, pois a escola, enquanto
segmento de mediação social do privado para o público tem sido um veículo da violência
de classe, da exclusão, da discriminação, da negligência, da relação aversiva ao ato de
estudar disseminado entre os estudantes, resultando no fracasso escolar dos seus

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escolares favorecendo dessa forma para o adoecimento da autonomia, cidadania,


responsabilidade e protagonismo social.

São práticas psicologicamente violentas na medida em que as relações


interpessoais desse espaço se desenvolvem numa dinâmica de poder, humilhação e
coisificação. Poder esse que se traduz na situação de resolver pelo outro, de decidir,
mandar fazer, dar ordens, ameaçar; humilhação que consiste no ato de ridicularizar e
desaprovar o outro e coisificação na maneira de tratar o outro com desprezo,
desvalorização, não atendendo às suas necessidades (ABRAMOVAY, 2002).

Agrava-se ainda mais a situação quando os problemas oriundos desse ambiente


são por vezes solucionados de forma descolada da realidade daquele espaço, no
encaminhamento às clínicas-escola psicológicas ou centros educacionais e, de forma
imprudente, geralmente, pela via da medicalização.

Medicalização, segundo Moysés (20008) é o processo de transformar e interpretar


questões sociais e humanas em biológicas. Portanto, estão lidando com questões relativas
as queixas escolares e os casos de fracassos escolares como se patologia s fossem. Essa
crença de que as dificuldades para aprender são decorrentes de uma doença tem
sustentado a indústria dos diagnósticos sendo os distúrbios de déficit de atenção e
hiperatividade ou TDAH os mais conhecidos na atualidade. Esses diagnósticos em função
de responderem as angústias sejam por parte dos professores e pais e as expectativas de
cura face ao uso de medicamentos acabam por sucumbí-los e aliená-los ainda mais dos
reais fatores subjacentes dessa problemática. Essa lógica medicalizante praticada na
atualidade com os escolares, em geral, está servindo às soluções de conflitos de caráter
eminentemente social, contudo essa solução imediatista poderá gerar um efeito danoso a
nossa juventude já que as pesquisas revelam os efeitos e possibilidades de dependência e
risco de abuso de drogas aos usuários dessa medicalizacão precoce.

5. QUEIXAS ESCOLARES E SEUS ADOECIMENTOS

Pesquisas realizadas por Scortegagna e Levandowski (2004) e Melo e Perfeito (2006)


apontam que a grande incidência de queixas escolares decorrem principalmente de
problemas de aprendizagem, quais sejam: dificuldades de aprendizagem, dificuldades
cognitivas, dificuldades na leitura, dificuldades na escrita, dificuldades na resolução de
cálculos, dificuldades na alfabetização, dificuldade de compreensão, dificuldade na
expressão oral e escrita, lentidão para aprender, falta de atenção e concentração,
esquecimento, problemas psicomotores. Há também outras queixas oriundas de

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problemas de comportamento, problemas emocionais e outros problemas relacionados a


questões escolares.

Os problemas de comportamento giram em torno da falta de disciplina,


agressividade, brigas, rebeldia, revolta hiperatividade, agitação, desobediência, teimosia,
desorganização, apatia, cansaço, isolamento, silencio prolongado, mentira, roubo entre
outros. Em relação aos problemas emocionais trata-se de falta de adaptação ao ambiente,
insegurança, medos, nervosismo, ansiedade, tristeza, depressão, auto-estima baixa,
imaturidade, dependência, ciúme, emotividade, vergonha, timidez, inibido,
desmotivação, problemas de relacionamentos e outros. Já os outros problemas
relacionados a questões escolares centralizada em problemas de fala, gagueira,
imaturidade neurológica, deficiência mental e outros problemas de ordem somática,
apontam as pesquisadoras.

Diante desse repertório de queixas, tem havido uma grande preocupação entre os
especialistas e pesquisadores da educação em razão desses problemas estarem sendo
abordados e tratados dentro de uma perspectiva da medicalização e psicologização cujo
olhar se volta eminentemente para a criança. Não se trata de advogar um discurso
contrário a essas abordagens, muito pelo contrário, trata-se das expectativas e promessas
atribuídas a essas modalidades principalmente quando se tomam crianças como vertente
central da problemática do ensino.

É notório, conforme visto, que ao se falar de queixa escolar remetemo-nos


imediatamente a figura do aluno. Ora, se a queixa é escolar, por acaso a escola só se faz
pelo aluno? Por que não trazer à tona todos os agentes que lá se encontram? Se o aluno
tem dificuldade de aprender de um lado, por outro lado alguém também não está com
dificuldade de ensinar, afinal o ensino escolar não pressupõe uma relação de ensino e
aprendizagem?

Diante dessas indagações deparamo-nos com um cenário contemporâneo


conflituoso duelado entre os dois principais agentes de maior visibilidade desse espaço, o
professor e o aluno. Enquanto os alunos atribuem os problemas aos professores, esses por
sua, vez afirmam que o fracasso escolar deve-se a problemas decorrentes dos alunos e
suas famílias. Problemas esses de ordem emocional, neurológica, como também de ordem
biológica e de desnutrição. É um cenário de mútuas críticas e acusações que têm sido
travadas por essas duas figuras há algum tempo. (ABRAMOVAY, 2002).

Contudo, se lançarmos nosso olhar e nossa escuta somente para essas instâncias
mais explícitas e vistas, corremos o risco de uma postura superficial, reducionista e
individualista dos problemas das queixas. Faz-se necessário entender e compreender o

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que esse fenômeno das queixas escolares está tentando dizer-nos. Afinal uma postura de
surdez ou cegueira escamoteia as demais forças que atravessam esse campo e que de certa
forma estão produzindo esses efeitos de paralisia, de desgaste, de violência e de
adoecimento, favorecendo, dessa forma, uma brecha para a inserção de uma abordagem
assentada nos moldes da medicalização e psicologização para entender e resolver os
problemas de queixas escolares de modo que a sociedade responderá arduamente por
essa solução “fast food” no futuro.

6. ALGUMAS CONSIDERAÇÕES

Concebendo que um sistema educacional se articula dentro de uma política integrada que
envolve a esfera política, técnico-científica, administrativa e pedagógica, é notório na
atualidade o quanto essas instâncias estão deficientes, logo, centralizar as queixas
escolares atribuindo a um só agente desse espaço, ou seja, o aluno é fazer uma leitura rasa
dessa dinâmica educacional como também é uma prática de ocultamento de toda uma
infra-estrutura, que podemos diagnosticar como doente dada a sua falta de competência
de promover aquilo para qual foi proposta, a arte de ensinar e não a arte de adoecer.

Portanto, diante do que se apresenta, há de se pressupor as quantas andam os


desdobramentos das práticas de promoção de saúde dentro deste contexto. Logo, nos
deparamos com uma grande questão contraditória da função social desse espaço. Se
vivemos numa sociedade letrada e do conhecimento, na qual o saber formal é um dos
instrumentos de legitimidade desse sujeito nessa sociedade por que a instituição
incumbida para tal atividade não alcança seu propósito? O que a escola está produzindo
efetivamente de fato além das queixas escolares? Por que a abordagem alicerçada numa
plataforma de psicologização e medicalização tem sido chamada com intensidade na
resolução dos problemas escolares? A quem e para quem a educação da rede de ensino
público hoje está atendendo? Onde estão as políticas públicas do ensino? Porque as
políticas compensatórias têm estado tão presentes na atualidade?

São indagações lançadas aos desbravadores de uma busca de ensino com


qualidade e que devem nortear o pensar e o fazer de qualquer profissional inserido nesse
meio, pois não podemos perder de vista que uma população que goza de saúde
educacional, social, política, moral e cidadã, dentro de um estado democrático, não se
submete às mazelas e desmandos do estado e não aceita ser corrompida pelas misérias
das políticas compensatórias cujas propostas mostram o quão ineficiente é o estado em
assegurar os direitos civis de sua população.

Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139


Maria Eufrásia de Faria Bremberger 139

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Maria Eufrásia de Faria Bremberger


Mestre em Psicologia (PUC-Campinas).
Psicoterapeuta clínica infanto-juvenil. Consultora
Escolar e Docente do curso de Psicologia
da Anhanguera Educacional - unidade Jundiaí.

Revista de Educação • Vol. 13, Nº. 15, Ano 2010 • p. 127-139

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