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RESUMO
ABSTRACT
From late 1970´s Will Eisner (1917-2005) has devoted his efforts exclusively to original
works, publishing a set of works that included “A contract with God”, “The Building” and “NY, Big
City”. They are novels and chronicles in sequential art language, plunging his pen into the fast beat
of the everyday life of the metropolis. His stories lean on social urban problems, social class
differences, increasing social inequality, misery and violence. In the rise of twentieth century, João
do Rio, pseudonym of carioca journalist Paulo Barreto (1881-1921), wrote chronicles assembled in
the book “The enchanting soul of the streets”, where he exposed the hidden side of the city, the
misery that lurke through its shacks, crumbling buildings and destitute boarding houses. He
through light on things that government and society thought best to hide.
These works provoked the parallel established here, choosing João do Rio´s“The enchanting soul
of the streets” and Eisner´s “NY, the Big City”. It has roots in the analysis of Antônio Edmilson
Rodrigues about João do Rio and the observations of Eisner himself registered in his books “Comics
and sequential art’ and “Graphic Storytelling and Visual Narrative”, plus the semiotics views of de
Umberto Eco and Antônio Pietroforte about comics. From this theoretical contribution, I attempt
to establish relations between verbal and graphic languages of them. Beyond the common subject,
both the brazilian writer and the new yorker comic artist shared a similar view about their cities.
João do Rio and Eisner shed a light on these social realities, laying emphasis on the hardship of
solitude and urban misery.
CORPO DO TRABALHO
INTRODUÇÃO
Em 1863 Charles Baudelaire publicou um conhecido ensaio no Le Figaro. Intitulado
“O pintor da vida moderna”, reivindicava uma nova estética à sociedade moderna. Volta
os olhos para o que considerava a mais genuína manifestação artística da vida moderna e
agitada dos grandes centros urbanos. Baudelaire declara toda a sua admiração pela
representação ágil do ritmo acelerado das grandes cidades, pela arte efêmera dos artistas
da imprensa, enaltecendo principalmente ilustradores como Honoré Daumier e Constantin
Guys1. O ensaio do poeta francês viria a 7ser referência canônica para a noção de
modernidade nas artes visuais e na literatura, estabelecendo novos valores estéticos à
modernidade. “Admira a eterna beleza e a admirável harmonia da vida nas capitais (...).
Contempla as paisagens da grande cidade, paisagens de pedra acariciadas pela bruma ou
batidas pelas lufadas de sol.” (DuFILHO, 2010, p.105-139) O artista é um observador, um
flâneur, que registra suas impressões através do olhar poético, que demora-se na
1 Constantin Guys, (-), foi ilustrador, redator e diretor gerente da edição francesa de Illustred London News,
Honoré Daumier (1808-1879), um dos nomes mais conhecidos da ilustração e do desenho de humor francês
no século XIX fez charge política, que o levou à prisão, e humor de costumes, consolidando sua notoriedade
nos semanários Le Charivari e La Caricature.
contemplação, diante da multidão apressada. Observa detalhes que a todos passam
despercebidos.
Baudelaire Considera Daumier ou Guys, artistas-repórter, que retratam a vida
cotidiana, seus costumes, situações ou conflitos típicos de uma época. O próprio
Baudelaire incorpora o flâneur quando publica seus poemas em prosa, registros de
observações dos flagrantes da Paris, que vive as reformas promovidas pelo prefeito
Georges-Eugène Haussmann. Em O Spleen de Paris, o poeta captura o efêmero poético da
cidade-luz.
Nesse sentido, vamos perceber uma perfeita sintonia e continuidade desta visão
de arte na defesa do jornalismo literário por parte do escritor Paulo Barreto, que começa a
publicar suas primeiras crônicas da cidade, sob o pseudônimo artístico João do Rio, desde
os primeiros anos do século XX. Na sua definição do termo “flanar”, na crônica “A rua” que
abre a edição organizada por Raul Antelo (JOÃO DO RIO, 1997) :
Tendo em vista a reflexão de João do Rio, vamos esboçar uma análise comparativa
com uma outra manifestação artística, bem distinta, de um conhecido “flanêur”
americano. NY- a vida na grande cidade é uma coletânea de historietas em quadrinhos e
breves crônicas gráficas, resultado do olhar poético do quadrinista nova-iorquino Will
Eisner sobre a cidade de Nova York entre as décadas de 1960 e 80 2. No intuito de
estabelecer alguns eixos comparativos entre as obras, vamos analisar estratégias
narrativas e temáticas semelhantes. Quando João do Rio define o flanêur em sua
ociosidade, que “perambula com inteligência”, que contempla o espetáculo da rua, que
observa atento ao que a todos escapa, narrativas poéticas de Eisner parecem ilustrar essa
O escritor João Paulo Alberto Coelho Barreto nasceu à Rua do Hospício 3, no centro
da cidade do Rio de Janeiro, no dia 5 de agosto de 1881, filho do professor do Colégio
Pedro II, o dr. Alfredo Coelho Barreto” e da senhora Florência Cristóvão dos Santos
Barreto. “Já o cronista João do Rio, que não é filho deles mas de Oscar Wilde, nasceu,
entretanto, quando Paulo Barreto tinha 22 anos, a 26 de novembro de 1903, na página 1
da Gazeta de Notícias” (ANTELO, Raul, 1997, p.13), em meio às reformas urbanas de
Pereira Passos.
Filho de um casal de judeus imigrantes do Império Austro-húngaros, William Erwin
Eisner nasceu no Brookling a seis de março de 1917 e seria no período da depressão
americana que Eisner se tornaria ilustrador ao ingressar o quadro da revista WOW What a
Magazine! em 1936 (SCHUMACHER, 2013). Com o fim da revista naquele mesmo ano,
Voltando à Nova York de Eisner, encontraremos breves narrativas que nos levam a
perceber que a “cultura janeleira” não se restringiu à cidade de João do Rio. Uma vista
para a Janela (figura 2), por exemplo, que começa com uma senhora de meia idade
empurrando a cadeira de rodas de um senhor idoso e o larga em frente à janela, onde ele
vai passar o dia inteiro entretido com o espetáculo da vida cotidiana. Dali, ele só se afasta
para ir à geladeira apanhar um lanche, que vai saborear novamente em frente à sua
janela. A cada quadrinho, imagens ou onomatopeias sugerem ao leitor tudo aquilo que
chama atenção dos olhos do idoso. Sons de acidente seguido por xingamentos, uma
conversa entre cumadres em outras janelas, um casal que discute e gesticula
agressivamente. Quando um operário trabalhando na fachada de um edifício, alcança a
janela da amante, mas logo é forçado pela chegada do marido a correr de volta à janela, a
cena arranca gargalhadas do velho espectador. Sua “programação” se encerra com uma
vidraça sendo atingida em cheio por uma bola de baseball, no que surge rapidamente o
rosto enfurecido de uma senhora, apontando o estrago. Satisfeito, o senhor faz mais uma
passagem pela geladeira e, já caída a noite, vai assistir à televisão.
Figura 2 e 3: Uma Vista para a vida mostra como o espetáculo da vida real
pode ser um entretenimento mais interessante do que a fantasia.
EISNER, 2009, p.106-107.
Eisner nos mostra a janela bem de frente, à mesma altura dos olhos do velho, mas
do ponto de vista de quem está atrás dele, um pouco mais afastado da janela, mas o
suficiente para poder contemplar as cenas que entretém o idoso. Uma primeira diferença
entre o relato sobre os “janeleiros cariocas” de João do Rio para a narrativa de Eisner está
justamente na perspectiva. João do Rio observa os janeleiros, andando pelas ruas. Aqui,
Eisner “situa” o leitor em uma posição em que ele não seria percebido. A perspectiva
novamente fixa, aproxima-se ou distancia-se da janela e do idoso espectador. No mais,
ambas as narrativas observam a contemplação desocupada e de certo modo fortalecem a
ideia de que o cotidiano da grande cidade nos oferece diariamente o “espetáculo da vida
real”. Em Eisner, o quadrinho final encerra com humor sua crônica sobre a janela,
exaltando o espetáculo da rua, em detrimento da produção dramatúrgica. Ao fundo o céu
escuro e os prédios em silhueta, sugerem a impossibilidade da observação. Só então, que
impossibilitado de curtir o seu entretenimento preferido, o senhor dará uma chance à
televisão. É o espetáculo da “realidade” levando a melhor sobre a fantasia.
Algumas diferenças também são notadas. Enquanto João do Rio faz questão de
descrever e identificar as ruas por onde vai conduzindo o leitor, Eisner preferiu falar das
ruas de forma anônima. A referência à Nova Iorque, no entanto, é inequívoca, bastando
observar os inconfundíveis ícones da cidade, na arquitetura das fachadas, nas portarias,
sótãos e escadas de incêndio, que nos remete imediatamente à grande metrópole
americana.
Mas em todos os casos, são os tipos que passam e interagem com esses elementos
que interessam. A investigação incide mais sobre essa extensa gama de usos e tipos que
constituem os habitantes da grande cidade. Nesse aspecto, as obras voltam a se
aproximar. Na crônica A Rua, João do Rio defende que as ruas tem alma. Recorre não só à
história de cada uma, mas aos transeuntes e tipos que as frequentam.
Aqui são duas forças contra as duas crianças: o grupo de pedestres que parecem
formar uma massa homogênea no primeiro quadrinho, à frente dos dois; e a massa de
veículos que, em velocidade também parecem se fundir em uma massa sólida e
ameaçadora. Uma narrativa sobre esse contraste de forças, sobre a fragilidade individual
diante de imensos blocos de concreto e a força de multidões, que foram tema de várias
outras crônicas visuais de Eisner. Já em João do Rio, essa força da cidade sobre o
indivíduo, como vimos, é abordada através de uma representação um tanto diversa, mais
próxima, mais particular. O repórter carioca intervém com mais frequência em suas
narrativas. Curioso, ele entrevista seus personagens, quer informações sobre suas
condições de vida, saber quanto tempo trabalham, como se alimentam e qual sua
remuneração.
João do Rio e Eisner compartilham muitas ideias sobre os diversos fenômenos do
cotidiano urbano. Interessante notar tantas proximidades em representações culturais de
natureza tão diferentes, que tratam de duas cidades igualmente distintas, registradas em
recortes históricos consideravelmente distantes. A bem da verdade, as narrativas de
Eisner frequentemente são conduzidas de forma a deixar o período histórico em aberto. Já
na crônica de João do Rio, seu contexto histórico está sempre presente. O que nos
importa, afinal, é que as narrativas de ambos apresentam alguns componentes que
aproxima as duas visões de mundo.
NOTAS CONCLUSIVAS
Cabe aqui, então, retomarmos o ensaio de Baudelaire, que reivindica novos valores
estéticos à vida moderna, para percebermos o quanto este breve estudo procurou
perceber essas manifestações em sua característica mais marcante, de observação poética
sobre suas respectivas cidades. Captar o efêmero, e perceber na futilidade, as mais
diversas dimensões humanas, sociais e culturais. Nota-se desta forma, o quanto o modelo
proposto por Baudelaire estava longe de se esgotar mais de cem anos após o referido
ensaio. João do Rio e Will Eisner, cada um a seu modo, desenvolvem suas trajetórias
artísticas imersos na estética da urbanidade de modo adequado ao reivindicado pelo
poeta francês no Figaro de 1863. Observam o movimento e hábitos dos personagens
urbanos, em seu caráter coletivo e ao mesmo tempo, individual e único. Contemplam
seus desejos e suas fragilidades diante de um paradoxal isolamento em meio à multidão
que se arrasta mecanicamente na engrenagem da vida cotidiana. Ambos demonstram-se
também críticos dessa mesma cidade pela qual declaram tamanha admiração e motivo de
vida.
O breve espaço aqui à disposição não nos permitiu, infelizmente, estendermos a
discussão para analisar tantas outras características das referidas obras, de enorme
relevância em seus respectivas naturezas artísticas. Archie Goodwin e Gil Kane em artigo
para uma edição da revista Graphis, especial sobre a história das histórias em quadrinhos 6,
lembram que a cidade de Nova Iorque já havia inspirado inúmeras narrativas em
quadrinhos com temática sobre a cidade, mas é na obra de Eisner que “há espaço para
sombras e becos envoltos em névoas, por onde transitam personagens furtivos, em fuga
ou perseguição”7. Nesse sentido, João do Rio parece mergulhar até mais fundo no que
podemos identificar por “personagens furtivos” dos becos, ele investiga e entrevista a
condição de vida de inúmeros personagens oriundos das classes mais miseráveis e
subalternas da cidade. Temas recorrentes também os aproximam. Os músicos de rua, os
contrastes sociais, o retrato da miséria, dos menos afortunados, a cidade como opressora.
Resta concluirmos, lembrando o vigor e relevância dessas duas obras. São
representações culturais de grande peso e alcance, que manifestam uma permanência de
valores durante um extenso período histórico, tal como um novelo que nos leva por um
eixo histórico que nos conduz à Baudelaire.
REFERÊNCIAS
ANTELO, Raúl. Introdução. in: JOÃO DO RIO. A alma encantadora das ruas. São Paulo:
Companhia das Letras, 1997.
EISNER, Will. Nova York: a vida na grande cidade. São Paulo: Companhia das Letras, 2009.
6 Graphis, internacional journal of graphic art and applied art, n. 159, vol.28, 1972.
7 Livre tradução para “ [...] but in a Will Eisner it is a place of shadow and mist-shrouded alleyways through
wicht furtive characters slink and stalk, [...]” (GOODWYN e KANE, 1972, p.59)
Quadrinhos e arte seqüencial. São Paulo: Martins Fontes, 1989.
GOODWIN, Archie e KANE, Gil. Comic Books. In: Graphis, Zurich, nº159, vol. 28,
p.6, 1972.
JOÃO DO RIO, A alma encantadora das ruas. São Paulo: Companhia das letras, 1997.
RODRIGUES, Antônio Edmílson. João do Rio. A cidade e o poeta: o olhar de flâneur na belle
époque tropical. Rio de Janeiro: FGV, 1997.
SCHUMACKER, Michael. Will Eisner: um sonhador nos quadrinhos. Rio de Janeiro: Biblioteca
Azul, 2013.